8 DE FEVEREIRO DE 1945
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desnecessário exaltar, não só por ser evidente, como ainda por estar no nosso espírito o desejo premente da sua solução.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Melo Machado: — Sr. Presidente e Srs. Deputados: na verdade, a proposta de lei agora submetida à nossa apreciação não precisa de ser longamente justificada.
Todos nós conhecemos as deficiências na habitação por êsse País fora, mais nomeadamente na cidade de Lisboa.
Dificilmente se encontram casas para alugar, e em muitas das existentes, como já aqui foi afirmado, as condições de habitabilidade higiénicas são deploráveis.
Não admira, pois, que o Govêrno, preocupado com êste magno problema, mande a esta Assemblea uma proposta que tem o intuito de procurar encontrar uma solução para esta situação verdadeiramente grave, procurando arranjar casas de renda módica e ao alcance das várias situações.
Devo dizer a V. Ex.ª que estou convencido de que, embora tal não pareça, a lei do inquilinato tem graves responsabilidades na actual situação. Em quási trinta anos não houve ninguém, sentindo a injustiça dessa lei, que tivesse a coragem de a reformar, e ela continuou a ser aquela clamorosa injustiça que é.
O nosso colega Sr. Deputado engenheiro Amaral disse outro dia que se não referia à lei do inquilinato porque, não sendo nem inquilino, nem senhorio, nem advogado, se não achava com competência para tratar dêsse assunto.
Eu digo a V. Ex.ª que me reconheço com igual competência porque advogado não sou, mas que o facto de também não ser inquilino nem senhorio me dá uma independência que julgo satisfatória para poder fazer as minhas considerações sôbre tal lei.
A população de Lisboa encontra-se dividida em duas partes: uns disfrutam de renda barata, com prejuízo manifesto dos senhorios; outros só encontram casas com rendas para milionários, com evidente prejuízo dos inquilinos. E entre uns e outros existe essa fauna inacreditável dos sublocadores, que vivem de explorar aquilo que é dos outros, explorando ao mesmo tempo senhorios e inquilinos e — cousa extraordinária! — sem concitar a mesma animadversão que há habitualmente contra os senhorios, e todavia estes sublocadores têm uma acção mais perniciosa e muitíssimo menos correcta do que a dos senhorios.
Estabeleceu-se como premissa que o senhorio é necessàriamente uma pessoa rica, e todavia quantas famílias por êsse País fora vivem das modestas rendas dos seus prédios herdados dos seus maiores ou adquiridos em bom tempo, naquele tempo em que o direito de propriedade era tido em melhor consideração do que agora.
Essas pessoas não conseguem muitas vezes viver senão com grandíssimas dificuldades; e, todavia, quando adquiriram êsses prédios, não sonharam que haviam de ser altruístas à fôrça e até muitas vezes em favor de quem não precisa dêsses benefícios.
São inumeráveis os casos de pessoas que prejudicam os proprietários e que, tendo rendas baratas, arrendam os seus prédios por rendas altas, sem que de qualquer forma careçam de tais favores.
Já lá vai o tempo em que o lisboeta se mudava todos os seis meses e deambulava por essas ruas procurando casas com escritos, que todavia não faltavam para o acolher. Hoje, ver escritos numa casa é caso absolutamente raro. Todo êste movimento dava ocasião a que essas moradias se pudessem renovar e não sucedesse como sucede agora, em que as casas não sofrem nenhuma beneficiação.
Ainda ontem aqui o Sr. Dr. Juvenal de Araújo citou um relatório de inquérito a um dos bairros de Lisboa, onde foram encontradas casas em terríveis condições de habitabilidade e higiene. Pois bem! Os inquilinos são vitalícios agora, são coproprietários, com excepção das despesas, que essas são só com os senhorios.
Êste sistema tem ainda por cima o inconveniente de impedir a concorrência que se estabeleceria entre as dezenas de milhares de prédios existentes e aqueles que se vão construindo.
E por isso se dá êste espantoso desequilíbrio: rendas excessivamente altas de um lado e rendas excessivamente baixas do outro.
Mas, não contentes com êste direito à renda barata, ainda se lega êsse direito aos filhos e aos netos. Quero dizer: nunca mais um senhorio se vê livre do inquilino de uma casa barata!
Êste quadro que estou pintando a V. Ex.as, com cores um pouco carregadas, ainda não está todavia completo. Como se tudo isto não fôsse bastante, há ainda a protecção da lei para os caloteiros. Não é possível, senão gastando muito dinheiro e através de muitas dificuldades, conseguir despejar o inquilino relapso. Chega-se ao ponto de se fazer disto uma verdadeira indústria: ter de pagar-se aos indivíduos nessas condições para que façam o obséquio de abandonar as casas.
Ora isto não é justiça, senão injustiça e iniqüidade a clamar por remédio urgente.
Nunca pude mesmo compreender que não fôsse possível dar algum remédio a esta situação. É evidente que, tendo-se perdido tantas ocasiões de dar solução a todas estas injustiças, não pode agora pensar-se em resolvê-las todas imediatamente. Teria sido bastante que há muitos anos se tivesse estabelecido que o direito à renda barata se não podia transmitir senão uma vez para que, embora ainda com injustiça flagrante, se tivesse começado a dar uma solução aos clamorosos inconvenientes da lei.
A actual situação não poderá continuar, e que os Poderes Públicos ouçam todas as insistentes e razoáveis reclamações que têm sido apresentadas pelos interessados são os meus votos, embora levando em consideração a situação do momento e a justiça que a todos é devida.
Apoiados.
Se fôr possível dar remédio, até certo ponto, a esta situação, se fôr possível ir estabelecendo uma concorrência entre as casas antigas e as casas novas, estou certo de que vamos caminhando para uma situação melhor no que diz respeito à cidade de Lisboa.
A proposta de lei que estamos discutindo visa essencialmente a promover a organização de sociedades ou emprêsas construtoras.
Na verdade, Sr. Presidente, poucas ou quási nenhumas emprêsas neste género há no País que se dediquem especial e constantemente à construção de casas que, pela sua continuïdade e pelo aperfeiçoamento da técnica, possam embaratecer a construção.
Apoiados.
Quem porventura pensar fazer uma casa entrega-se a uma aventura da qual se não sabe nunca por onde se sai. Estas sociedades não são novidade, pois existem em numerosíssimos países e em grande quantidade, e por isso não percebo por que não serão possíveis em Portugal. A proposta de lei dá-lhes numerosas vantagens, e por isso é natural que elas possam realizar a sua função com proveito próprio e daqueles que venham a utilizar os seus serviços.
Todavia, Sr. Presidente, notei que nesta proposta havia uma lacuna.
Receoso de que os incitamentos não fôssem suficientes para animar a constituïção destas emprêsas ou socie-