Página 959
REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 109
ANO DE 1947 22 DE MARÇO
ASSEMBLEIA NACIONAL
IV LEGISLATURA
SESSÃO N.º 109, EM 21 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Exmos. Srs.
Manuel José Ribeiro Ferreira
Manuel Marques Teixeira
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 103. Deu-se conta do expediente.
Usou fia, palavra o Sr. Deputado Mira Galvão, que chamou a atenção do Governo, e em especial Ao Sr. Ministro da Economia, para a necessidade de ser extinto o chamado regime do «subsidio de cultura», pago à custa dos senhorios.
Os Srs. Deputados Couceiro da Costa, Cincinatio da Costa e Bagorro de Sequeira enviaram para a Mesa requerimentos dirigidos aos Ministérios da Economia os dois primeiros e das Colónias o último.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão do relatório geral da comissão parlamentar de inquérito aos elementos da organização corporativa.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Cortês Lobão, Franco Frazão, Pacheco de Amorim, Mário de Figueiredo e Ulisses Cortês, que apresentou uma moção.
Postas à dotação as conclusões do relatório da comissão, foram aprovadas, com um aditamento do Sr. Deputado Bustorff da Silva, por unanimidade, tendo surgido discordância quanto à moção do Sr. Deputado Ulisses Cortês; este Sr. Deputado fê-la substituir por outra, que foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 45 minutos. Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Cazaes.
Albano Camilo de Almeida Pereira Dias de 'Magalhães.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Beis Júnior.
André Francisco Navarro.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria do Conto Zagalo Júnior.
António de Sonsa Madeira Pinto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Augusto Figueiroa Rego.
Artur Proença Duarte.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Carlos de Azevedo Mendes.
Diogo Pacheco de Amorim.
Ernesto Amaro Lopes Subtil.
Enrico Pires de Morais Carrapatoso.
Fernão Couceiro da Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Bagorro de Sequeira.
Gaspar Inácio Ferreira.
Henrique Carlos Malta Galvão.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Página 960
960 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
Herculano Ainorim Ferreira.
Indalêncio Froüano de Melo.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Cerveira Pinto.
João de Espregueira da Rocha Paris.
João Garcia Nunes Mexia.
João Mendes da Gosta Amaral.
João Xavier Camarote de Campos.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Esquivei.
José Luís da Silva Dias.
José Maria Braga da Cruz.
José Maria de Sacadora Botta.
José Martins de Mira Galvão.
José Nunes de Figueiredo.
José Penalva Franco Frazão.
José de Sampaio e Castro Pereira da Cunha da Silveira.
José Soares da Fonseca.
José Teodoro dos Santos Formosinho Sanchea.
Luís António de Carvalho Viegas.
Luís da Câmara Pinto Coelho.
Luís Cincinato Cabral da Costa.
Luís da Cunha Gonçalves.
Luís Pastor de Macedo.
Luís Teotónio Pereira.
Manuel de Abranches Martins.
Manuel Beja Corte-Real.
Manuel da Cunha e Costa Marques Mano.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Luísa de Saldanha da Gama van Zeller,
Mário Borges.
Mário Correia Carvalho de Aguiar.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Querubim do Vale Guimarães.
Ricardo Spratley.
Rui de Andrade.
Salvador Nunes Teixeira.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
D. Virgínia Faria Gersão.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 80 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 15 horas e 60 minutos.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Viário das Sessões n.º 103.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado deseja fazer uso da palavra sobre o referido Diário, considero-o aprovado.
Deu-se comia do seguinte
Expediente
Telegramas
Da Junta Geral do Distrito de Angra do Heroísmo apoiando a intervenção do Sr. Deputado Teotónio Machado Pires para que seja criada naquela cidade uma escola do magistério primário.
Idêntico da Câmara Municipal de Praia da Vitória.
O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos fornecidos pelo Ministério da Educação Nacional em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Morais Carrapatoso.
Estão igualmente na Mesa os documentos solicitados pelo Sr. Deputado Braga da Cruz e fornecidos pela Emissora Nacional.
Estes documentos vão ser entregues aos referidos Srs. Deputados.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Mira Galvão.
O Sr. Mira Galvão: - Sr. Presidente: antes de entrar propriamente no assunto que me proponho tratar hoje, peço licença a V. Ex.ª para dizer algumas palavras como aditamento às considerações que no dia 18 fiz sobre a necessidade de um melhor policiamento dos campos.
Recebi há pouco um jornal de Beja -O Diário do Alentejo-que me traz a grata notícia de que a guarda nacional republicana do posto de Odemira conseguiu prender cinco membros de uma numerosa quadrilha de gatunos e malfeitores que de há muito vinha operando e lançando o terror. naquela região, precisamente na freguesia de Relíquias, a que me referi na minha alocução anterior, por se estarem ali dando roubos de cortiça e mutilação de sobreiros para lha arrancarem. Termina assim a notícia.
A acção perniciosa desenvolvida por estes malfeitores e outros que ainda não foi possível prender, que desde os cereais aos animais tudo roubam, só poderá ter uma repressão conveniente quando às autoridades policiais forem dadas as facilidades e os agentes necessários para a perseguição eficiente de tanto amigo do alheio.
Este problema, Sr. Presidente, é de uma tão grande importância que, depois da minha f ala, vários Srs. Deputados me afirmaram que nas regiões que aqui representam o problema se apresenta com a mesma acuidade que aqui referi, do Minho ao Algarve, das ilhas adjacentes às colónias, e até na longínqua índia, tão portuguesa que até nisso se parece com a metrópole, me afiançou o ilustre parlamentar Sr. Dr. Froilano de Melo, que mesmo ali se torna urgente procurar solução para o problema do policiamento dos campos, porque os malfeitores tudo roubam e devastam. Assim, o assunto já não é só de interesse para o -distrito de Beja ou para o Alentejo, mas para todo o Império Português.
Julgo por isso, Sr. Presidente, interpretar o sentir de todos os Srs. Deputados e os interesses de todas as regiões que aqui representam pedindo a V. Ex.ª se digne fazer chegar até junto de S. Ex.ª o Ministro do Interior este voto unânime da Assembleia no sentido de pedir uma solução urgente e eficaz para o problema de um melhor policiamento dos campos e das povoações rurais.
Se o assunto não for resolvido no interregno parlamentar, teremos que voltar a tratar dele na próxima legislatura, mas para nós a resolução do assunto tem uma certa dificuldade, porque nos parece impossível solucioná-lo sem aumento de despesas e nós não podemos apresentar projectos que impliquem aumento das
Página 961
22 DE MASCO DE 1947 961
despesas do Estado, e tanto a lavoura como os seus organismos corporativos não podem suportar essa encargo.
Por isso julgamos indispensável que a proposta seja da iniciativa do Governo e nesse sentido faço este apelo a V. Ex.ª e a S. Ex.ª o Ministro do Interior.
Posto isto, Sr. Presidente, vou entrar no assunto que me proponho tratar hoje.
Sr. Presidente: faz no dia 23 do corrente um ano que, deste mesmo lugar, fiz a S. Ex.ª o Ministro da Economia um angustioso apelo em nome dos senhorios e de alguns rendeiros sensatos para que V. Ex.ª se dignasse acabar com o regime iníquo, arbitrário e injusto do subsídio de cultura pago à custa dos senhorios.
Procurei demonstrar com grande soma de argumentos (Diário das Sessões n.º 57, de 25 de Março de 1946), que não reproduzirei aqui, para não alongar demasiadamente esta fala, que um tal regime, além de anti-constitucional, por ser contrário ao direito contratual e de propriedade, é perturbador das boas relações que é necessário e indispensável haver entre rendeiros e senhorios e em nada beneficia o consumidor.
Mas a minha débil voz não teve o condão nem a honra de ser ouvida por S. Ex.ª o Ministro e o regime cerealífero do passado ano (decreto-lei n.º 35:776, de 31 de Julho de 1946) reproduziu integralmente, comodamente, a disposição que, sem qualquer respeito pelos direitos dos senhorios, vem sendo reproduzida todos os anos, desde 1940, no decreto que regula o regime cerealífero e manda pagar a dinheiro pelo preço da tabela de 1933, ou seja ao preço médio de l$50 cada quilograma, as rendas e os foros legalmente estipulados a trigo.
Venho renovar este ano o meu apelo ao novo Ministro da Economia, na esperança de ser melhor sucedido e de que S. Exa., neste caso, como em outros que de há muito se arrastavam sem solução e desassombradamente já tem resolvido, se dignará estudá-lo e atendê-lo dentro do espírito de equidade e de justiça que lhe é peculiar.
Em resumo, Sr. Presidente, trata-se do seguinte: as rendas das propriedades rústicas, em geral, são estipuladas em géneros, pelo menos no Alentejo, e em trigo principalmente onde predomina a cultura cerealífera, fazendo por vezes parte da renda alguma porção de outros géneros, como porcos gordos, azeite, lenha, etc., chamados opitanças», isto quando se trata de explorações que produzem também estes géneros e o senhorio precisa deles para o seu consumo.
Principalmente nos períodos influenciados pelas últimas duas guerras mundiais, e sempre que se prevê ou se verifica a inflação da moeda, todos os senhorios, de acordo com os rendeiros, transformam em géneros, em geral o trigo, as rendas pagas a dinheiro, exactamente porque se presume que os géneros se irão valorizando à medida e na mesma proporção que a moeda baixar de valor. Assim, os rendeiros nada perdem, porque entregam aos senhorios a mesma quantidade de género de colheita da propriedade que em tempo normal tinham de vender para pagar a renda a dinheiro, e o senhorio, vendendo o género que recebe da renda, fica compensado, com os escudos que recebe a mais, da quebra do seu poder de compra, ou seja da sua desvalorização.
Isto é tudo quanto há de mais justo e legal, como se vê pelos artigos 1597.º e 1599.º do Código Civil: «Podem locar e aceitar a locação todos os que podem contratar». Portanto, os senhorios podem arrendar livremente as suas propriedades e, segundo o artigo 1603.º, estipular «o preço da locação ou renda, que pode consistir em certa soma de dinheiro ou em qualquer outra coisa que o valha (é o caso do trigo ou outros géneros), contanto que seja certa e determinada». Isto,
como bem se compreende, para não Haver dúvidas sobre a quantidade de género a pagar.
Portanto, se a lei geral -o Código Civil- reconhece aos senhorios o direito de propriedade (artigo 2167.º), com a faculdade de a arrendar, de estipular o valor da renda e a natureza do género em que ela deve ser paga, é ilegal toda a disposição posterior que altere o valor ou a natureza da renda sem prévio consentimento das partes contratantes ou sem que sejam revogados aqueles artigos do Código.
Por isso não é legal a disposição do § 2.º do artigo 1.º do decreto-lei n.º 30:579, de 10 de Junho de 1940, que tem sido mantida em todos os decretos posteriores que regulam o regime cerealífero, e que diz: e As rendas estipuladas em trigo serão liquidadas e pagas pelo seu equivalente em escudos, ao preço da tabela oficial (de 1938), sem o acréscimo do subsídio». Como se sabe, o subsídio é a taxa que anualmente é estipulada como acréscimo ao preço base médio de l$50 da tabela de 1938 e complemento do preço do trigo para compensação da desvalorização da moeda, que o mesmo é dizer para compensar o cultivador de trigo das maiores despesas de culturas (artigo 1.º do decreto-lei n.º 28:906, de 11 de Agosto de 1938). E como se reconhece que quem cultiva a terra corre todos os riscos que ameaçam a cultura e suporta todos os encargos que sobre ela pesam, deve ter uma compensação, e até aqui estamos todos de acordo; o autor da referida disposição de lei entendeu que devia dar aos rendeiros essa compensação à custa do que legitimamente pertence aos senhorios, e aqui é que já não estamos de acordo, por tê-lo feito à custa da diminuição do valor da renda, o que é ilegal, como vimos.
No regime cerealífero de 1946 (decreto-lei n.º 35:776, de 31 de Julho) o subsídio foi de l$15 (§ único do artigo 1.º), o que, somado ao preço médio de l $50 da tabela de 1938, deu para o trigo da colheita passada o preço também médio de 2$65 cada quilograma. Mas como o artigo 10.º do mesmo decreto-lei mantém em vigor o artigo 15.º do decreto-lei n.º 34:737, de 6 de Julho de 1945, que manda pagar as rendas a trigo pelo preço de 1938, ou seja a l$50 em média, o rendeiro só necessita vender pouco mais de metade (56,6 por cento) do trigo da renda que devia entregar ao senhorio, para fazer o pagamento integral da mesma, segundo esta disposição de lei draconiana.
Esta mesma disposição também aplicada ao pagamento dos foros e à parceria repete a mesma flagrante injustiça, ou ainda maior, porque as enfiteuses são, algumas delas, seculares, estipuladas a trigo ou em qualquer outro género, e tiveram precisamente por fim garantir aos senhorios, em todo o tempo, o valor actualizado do seu emprazamento, » por isso não há o direito de, de ânimo leve, modificar esse contrato, por ser um acto atentatório do direito de propriedade, sem que isso represente uma vantagem para a colectividade ou para a economia nacional.
Nem mesmo o consumidor é beneficiado com esse sacrifício dos senhorios, porque, quer os rendeiros paguem as rendas a trigo, descontando o subsídio, quer paguem a dinheiro, pela tabela de 1938, o consumidor paga sempre o pão pelo mesmo preço, visto que a Federação Nacional dos Produtores de Trigo e as moagens pagam todo o trigo, quer vendido pelos rendeiros, quer vendido pelos senhorios, pelo mesmo preço, isto é, com o subsídio de cultura.
Somente o rendeiro tem o privilégio de pagar o trigo da renda ao senhorio computado a l$50 e de o vender à Federação a 2$65, o que é tudo quanto há de mais arbitrário e injusto.
O que vale é que há muitos rendeiros honestos e de bom senso que respeitam os contratos e pagam integral-
Página 962
962 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
mente as rendas a trigo como contrataram, mas outros, baseados nesta disposição que - reputamos ilegal, não querem cumprir os contratos feitos, o que tem dado lugar a questões judiciais, pela presunção em que os senhorios estão de que são legais os seus contratos de arrendamento e que, portanto, têm de ser cumpridos ou rescindidos no caso de os rendeiros se recusarem a cumpri-los integralmente.
Por isso, Sr. Presidente, eu concluo como comecei. O que reputo justo é que se acabe com esta disposição atentatória do direito de propriedade, injusta, iníqua e inconveniente.
Evidentemente que quem cultiva a terra tem de ser compensado das despesas que faz com a cultura do trigo, dos riscos que corre o capital que nela emprega e ter uma remuneração justa para o seu trabalho e capital, e sempre temos defendido o princípio de que essa remuneração, para bem de todos, não pode ser talhada em moldes acanhados, para que haja estímulo na cultura. Mas que se façam favores a uma classe ou se lhes pague o que é justo ela receber com o que pertence a outras é que não está certo. Os encargos da cultura do trigo têm de ser pagos com um preço justo e remunerador do próprio trigo, e não com parte das rendas que pertencem aos senhorios. E os que cultivam trigo e não pagam rendas como são compensados dessas despesas e riscos se o preço do trigo não for remunerador?
Espero por isso, Sr. Presidente, que S. Ex.ª o Ministro da Economia se dignará ponderar as (razões que aqui apresento e não incluirá no decreto que regular o regime cerealífero do corrente ano esta odiosa disposição, que tantas perturbações e prejuízos tem acarretado já aos que possuem e aos que cultivam a terra.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O Sr. Couceiro da Costa: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa o seguinte requerimento :
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia e com a possível urgência, me sejam fornecidos para estudo os seguintes elementos respeitantes à indústria gráfica:
1.º Número de operários em actividade;
2.º Número de oficinas existentes em 1937, antes da promulgação da lei n.º 1:956;
3.º Número de máquinas existentes naquela mesma
data;
4.º Número de máquinas actualmente existentes;
5.º Número de oficinas legalizadas até à data;
6.º Número de pedidos de legalização de maquinaria entrados desde a data do condicionamento industrial até ao presente;
7.º Resultado dos despachos pronunciados, com a indicação do número de deferimentos e de indeferimentos».
O Sr. Cincinato da Costa: - Sr. Presidente: envio para a Mesa o seguinte requerimento:
«Requeiro que, pelo Ministério da Economia, me sejam fornecidos, com a possível urgência, os seguintes elementos, referidos a cada uni dos anos de 1939 a 1946,
inclusive:
1) Volume total do leito recebido por cada fábrica de lacticínios e por cada cooperativa, discriminando-se os quantitativos industrializados o os destinados à venda em natureza nos diferentes centros consumidores;
2) Quantidades dos produtos fabricados e importância das taxas cobradas sobro elos, com indicação dos termos e datas dos despachos que as determinaram;
3) Preços unitários dos produtos fabricados.
Mais roqueiro que estes elementos me sejam fornecidos independentemente do funcionamento da Assembleia Nacional».
O Sr. Bagorro de Sequeira: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa dois requerimentos, que são os seguintes:
«Requeiro que, pelo Ministério das Colónias e através dos serviços e organismos competentes da colónia de Angola, me sejam fornecidos os seguintes elementos de informação:
a) Quantas licenças foram requeridas e autorizadas para corte de madeiras no território do enclave de Cabinda nos anos de 1940 e 1946, com indicação das áreas e localização das concessões;
ò) Quais as providências administrativas e técnicas tomadas, relativamente ao regime e disciplina dos cortes, em cada concessão e no conjunto e respectiva acção de assistência técnica e fiscalizadora exercida por parte do Estado;
c) Quais as quantidades de madeira, em toneladas ou metros cúbicos, carregadas respectivamente nos portos de Cabinda, Malembo e Lândana, em bruto e serrada, com destino aos portos da colónia, à metrópole e ao estrangeiro nos anos de 1945 e 1946;
d) Quais os encargos totais, que representam receita do Estado e outros organismos oficiais, suportados por cada tonelada ou metro cúbico de madeira, em bruto ou serrada, relativamente a cada um dos destinos indicados na alínea c)».
«Requeiro que, pelo Ministério das Colónias e através dos respectivos organismos de coordenação económica, me sejam fornecidos os seguintes elementos:
a) Indicação do diploma legal e sua publicação no Diário do Governo que criou e estabeleceu a organização funcional do C. I. C. A. (Centro de Investigação Científica Algodoeira);
b) Indicação da data em que chegou à colónia de Moçambique o pessoal investigador e administrativo do C. I. C. A., sua especificação por funções e local onde se instalou;
c) Indicação genérica do plano de trabalhos estabelecido, sua execução e rendimento já obtido, especificadamente referido aos objectivos consignados no preambulo do decreto-lei n.º 33:638, de 10 de Maio de 1944, publicado no Diário do Governo n.º 98, 1.ª série, da mesma data;
d) Qual a entidade superior competente que controla e fiscaliza a actividade do C. I. C. A., quer no campo da investigação científica propriamente dita, quer na execução das suas atribuições administrativas, em especial das que se relacionam mais de perto e mais directamente com os objectivos utilitários da investigação;
e) Quais as importâncias, orçamentadas ou não, que em cada ano têm sido atribuídas para despesas do C. I. C. A. e sua proveniência, com indicação separada das que se destinam a pessoal, realização de obras e manutenção de serviços; a mesma indicação referente às importâncias efectivamente despendidas».
O Sr. Presidente: - Vai passar-se á
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Continua em discussão o relatório geral da comissão de inquérito aos elementos da organização corporativa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cortês Lobão.
O Sr. Cortês Lobão: - Sr. Presidente: parece desnecessário -talvez mesmo inoportuno- eu subir à tribuna
Página 963
22 DE MARÇO DE 1947 963
neste debate, visto ser membro da comissão de inquérito que apresentou o seu trabalho para a vossa apreciação.
Talvez devesse assistir ao debate sem nele intervir, deixando os esclarecimentos ao presidente da comissão, o nosso colega Dr. Mário de Figueiredo, a pessoa que hoje está no conhecimento completo de todos os assuntos que se referem à comissão de inquérito.
Devido à sua esclarecida inteligência, agora uma vez mais posta à prova, foi elaborado o extenso e concreto relatório que está para a vossa apreciação e onde se encontram tocados todos os assuntos que apareceram.
Era difícil a elaboração deste relatório, mesmo muito difícil, pêlos variados assuntos encontrados. Mas o nosso colega Dr. Mário de Figueiredo pegou-lhe com mão de mestre e realizou os desejos da comissão: nada faltar nesse relatório.
Com a maior franqueza afirmo: foi motivo de preocupação a sua elaboração, de forma a nada passar, tudo pôr diante da Assembleia e do País.
Pois bem: está feito pela mão do presidente da comissão. Não creio que se pudesse escrever com mais clareza nem melhor.
Mas por que subi eu, apesar de tudo, à tribuna?
A vossa comissão desempenhou-se da missão de que fora encarregada. Está hoje a prestar contas. Sois vós que tendes a palavra para concordar ou discordar do trabalho feito. Aprovar ou reprovar o seu relatório. A nós cumpre, pois, ouvir a vossa apreciação.
Pois apesar de tudo subi à tribuna porque senti o desejo de dizer alguma coisa mais do que escrevi nos relatórios que ajudei a elaborar.
Quero dar a minha opinião sobre este assunto, que tanto tem apaixonado o público. Mas desejo, e principalmente por ser o momento oportuno, dirigir-me não a vós, que estais suficientemente esclarecidos, que conheceis tudo o que se encontrou, mas àqueles nossos companheiros de todos os dias, àqueles que sentem e sofrem como nós os bons e os maus dias que a Situação atravessa e que neste momento aguardam com ansiedade o resultado desse inquérito, que pode atingir este Estado Novo, que eles querem respeitado.
Dirijo-me a todos aqueles que sacrificaram o seu sossego, o seu bem-estar, os seus haveres pessoais, em proveito do bem comum; a todos aqueles que pela função do seu cargo, mas principalmente pela voz da sua consciência, estão e estarão sempre prontos a arrancar em defesa da Pátria, sempre que a honra e o prestígio da mesma Pátria estiverem em perigo.
Esses desconhecem o resultado do inquérito e precisam, têm o direito, de ser esclarecidos.
Não vou fazer-lhes um relato do que se passou. Nem a mim isso pertence.
Se isso for conveniente, será o nosso presidente da comissão a fazê-lo, com o brilho e clareza que a sua inteligência pôs no relatório final.
Vou apenas falar-lhes a linguagem rude, mas sincera e franca, que sempre empregámos desde 28 de Maio.
Sr. Presidente: quando, na sessão legislativa passada, fui indicado para fazer parte da comissão de inquérito que agora entrega os seus trabalhos, a minha primeira reacção foi no sentido de não aceitar o encargo. Aceitei pôr razões que me convenceram.
Não me arrependo hoje de o ter feito.
Defensor, como todos os meus colegas nesta Câmara, dos sãos princípios que nortearam os homens do 28 de Maio, tendo como companheiros tão bons e devotados nacionalistas, trabalhámos juntos durante estes longos meses passados, e foi para mim consolador trabalhar num ambiente de confiança, com a mesma aspiração: esforçarmo-nos ao máximo para cumprir o nosso mandato.
E sempre ingrato o lugar de inquiridor. Situação difícil foi a nossa nestes meses, agravada pela falta de compreensão de alguns, olhados com desconfiança por outros, mas também compensados pela franca colaboração de muitos. Muito se fez.
Desenhava-se no horizonte político uma atmosfera de graves irregularidades, faltas que a todos impressionava, e que, a serem verdadeiras, atingiam em cheio o sistema corporativo e com ele o Estado Novo.
Está terminado o inquérito. Está nas mãos dos meus colegas desta Assembleia, com tudo o que foi possível apurar até ao fim.
Podemos afirmar hoje: o sistema não está afectado. O Estado Corporativo Português não foi atingido. Não se abalaram os seus alicerces.
Houve faltas? Houve irregularidades? Houve, de maior ou menor gravidade. Elas estão apontadas nos relatórios das subcomissões.
O Governo tomará conhecimento delas, para actuar. A Assembleia Nacional inquiriu -era seu dever-, mas não é tribunal para julgar.
«É preciso ir até ao fim», dizem. Repetimos nós: «É preciso ir até ao fim».
Disso se encarregará o Governo. Irá, com firmeza, com calma, sem paixão, até onde for preciso e os interesses do País o exigirem. Tenhamos confiança no Chefe e nos homens com responsabilidades de governo, que sentem e actuam como nós desejamos.
Aguardemos com calma, com firmeza reflectida, a actuação futura de quem tem sabido até hoje dirigir tão patriòticamente os destinos da Nação.
Com o conhecimento que hoje tenho através deste inquérito, afirmo-vos, companheiros dó Estado Novo: foi útil esta intervenção.
Tinham sido lançadas a público várias acusações aos organismos corporativos - uma. verdadeira ofensiva de descrédito.
Foram apontados graves desvios, que feriam a nossa sensibilidade nacionalista. Chegaram-nos de todos os sectores, de dentro e de fora da Situação. Era necessário saber ao certo o que havia de verdade. Surgiu então, em boa hora, a comissão de inquérito.
É este o momento para agradecer ao nosso colega Sr. Dr. Mário de Figueiredo o serviço que prestou ao Estado Novo.
Procuraram-se todos os meios para encontrar a verdade. Foram leitos convites a todas as pessoas para depor. Foi-se ao extremo de se aceitar a denúncia anónima. Todos os processos serviam; mas os tais acusadores não apareceram; nem sob a capa do anonimato surgiram os tais arautos dos grandes escândalos. Chegou-se a escrever à comissão afirmando que esta não merecia confiança. Fraco argumento este.
É natural que para os autores desse escrito, sendo o seu fim atingir o Estado Novo, só servia uma comissão de adversários. A quanto pode chegar a cegueira política!
Porém o nosso fim era outro: apurar a verdade, sem conhecer amigos ou inimigos. E isto se fez.
Infelizmente, apuraram-se faltas de vária natureza, mas reconheceu-se também que, por motivo da guerra que findou, houve desvios de funcionamento em alguns organismos.
São para lamentar as faltas que só encontraram. Com tristeza o afirmo.
O que interessa neste momento saber ó que tudo se fez sem olhar aos atingidos nem às hierarquias.
Desanuviou-se o ambiente. Encontraram-se as causas de certo mal-estar que ia tentando minar os alicerces deste edifício. Chamaram-se à realidade e à colaboração certos elementos a quem a omnipotência destes anos de
Página 964
964 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
guerra fizera esquecer quê a organização corporativa forma um todo onde todos devem colaborar, sem compartimentos estanques.
Finalmente, e acima de tudo, prestou-se um grande serviço ao Governo do Estado Novo. Compete agora a esse Governo levar a tarefa ao fim.
No decorrer do inquérito um facto impressionou a nossa sensibilidade, facto que desejamos marcar: as grandes fortunas feitas de 1939 para cá.
Choca que se tenham conseguido fortunas de muitos milhares de contos no espaço de seis anos.
Não o justifica a protecção dada a certos produtos, mesmo com parcialidade.
O que foi apurado no inquérito e que pretendeu justificar não nos satisfez. Não encontrámos explicação.
Só um inquérito directo a essas fortunas poderia esclarecer estas nossas dúvidas.
Está, porém, fora do âmbito desta comissão. Limito-me a fazer o reparo, e passo adiante.
Sr. Presidente: são estas as considerações que desejava fazer neste momento.
Mas não quero deixar esta tribuna sem abordar um facto que julgo merecer referência especial.
É esta Assembleia Nacional constituída por cento e vinte deputados, cento e vinte homens sem compromissos políticos; homens que apenas respondem aos compromissos da sua consciência.
É esta Assembleia uma Câmara essencialmente política. É uma Câmara onde não há partidos, e portanto onde não há disciplina partidária; onde cada Deputado é livre para expor as suas opiniões, onde qualquer proposta do Governo pode ser rejeitada ou emendada, como ]á tem acontecido algumas vezes.
É portanto a assembleia política mais livre, nesta época de liberdades.
Pois bem: neste debate, como em tantos outros, calcamos aos pés as nossas paixões, as nossas simpatias ou antipatias pessoais, para discutirmos num plano elevado, no plano do interesse nacional.
Com esta disciplina consciente, que não cabe nem pode caber no plano partidário, olhando de cima os interesses nacionais, mostra esta Câmara que está à altura da sua missão.
Tenho dito.
Vozes:- Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Franco Frazão: - Sr. Presidente: não era minha intenção intervir neste debate. Dirigente de um organismo de coordenação económica há já longos anos, a minha vinda a esta tribuna podia parecer simples defesa pro domo sem o menor interesse prático. Tive contudo receio de que o meu silêncio pudesse ser mal interpretado, considerado aceitação pura e simples de todas as críticas formuladas, falta de colaboração para o esclarecimento de um problema que com razão a todos preocupa.
Pensei contudo que podia vir aqui fazer um rápido e incompleto exame de alguns pontos essenciais. Julgo que posso falar com a consciência tranquila de quem procurou bem servir com dedicação e lealdade.
Não solicitei o lugar que desempenho na organização corporativa. Tive as inevitáveis deficiências da pessoa humana, que não pode ter a pretensão de ser infalível, mas conservo a fé da primeira hora.
Não solicitei esse lugar. Para o desempenhar abandonei, sem hesitações, as possibilidades de um lugar oferecido nos serviços do Estado, para o qual uma difícil preparação de muitos anos de estudo, documentos de classificação em concurso aberto por organismo internacional, me davam algumas seguranças de o poder exercer com acerto. Abandonei a tranquilidade da minha vida de
estudo, prejudiquei gravemente os meus interesses pessoais, para me dedicar de alma e coração a uma orgânica que vira nascer, como modesto colaborador, como Subsecretário de Estado de um Ministro que com rara coragem e decisão deu o primeiro passo no caminho das primeiras realizações efectivas.
Avancei decididamente para o que muitos me descreviam ser um mar de ódios e rancores, de interesses feridos, de ambições insatisfeitas, de aspirações inarticuladas, de impossíveis realizações... E que alguém, que a minha geração de sacrifício considera como modelo perfeito de virtudes, de clareza de inteligência, de decisão firme na marcha da Revolução Nacional, me dizia qual o caminho que devia trilhar.
Não podia deixar, Sr. Presidente, de fazer estas referências à minha pessoa, por muito que me custe. Dediquei à minha tarefa toda a minha energia; por ela me tenho sacrificado e combatido com companheiros dedicados, alguns dos quais a morte já roubou. Tenho encontrado no meu caminhar inúmeros funcionários, leais e bons servidores do ideal corporativo, caluniados, acusados de enormes proventos, quando os seus vencimentos durante largos anos foram muito inferiores aos do Estado e sofrem o desconto do imposto profissional e do desemprego além de outros. E, se, porventura, também encontrei maus funcionários, b seu número é insignificante perante a legião dos bons, dos entusiastas, dos dedicados.
Nestas condições a primeira leitura do relatório da nossa comissão de inquérito deixou em mim uma profunda impressão de desânimo e até nalguns pontos de gritante injustiça.
Imagine V. Ex.ª, Sr. Presidente, que alguém se lembrasse de examinar o funcionamento de um grande Estado moderno, apresentando à consideração do público apenas os elementos referentes às suas gigantescas receitas, produto da mais complicada e difícil legislação tributária. Examinasse, em seguida, o mapa das suas despesas, anotasse as enormes verbas despendidas em material de guerra, em obras públicas por vezes luxuosas... Estabelecesse uma lista completa das despesas com o pessoal, verificasse as acumulações que o imposto suplementar revela... Anotasse com meticuloso cuidado os desvios, de funções de alguns serviços, as sobreposições de atribuições... Apontasse à vindita pública casos típicos de corrupção, de incompetência e desleixo e formulasse em seguida alguns princípios basilares de boa administração pública e de reintegração no papel que no entender universal deve exercer o Estado moderno...
E nada mais dissesse, alegando que as repartições públicas não tinham fornecido elementos, que a guerra dificultava um raciocínio claro pela determinação de fórmulas de emergência.
Então, Sr. Presidente, que extraordinário desalento não se deveria apoderar dos habitantes desse país, alvo desse meticuloso e penetrante exame. Mas os mais sensatos não deixariam de ponderar que sem exército não teriam vencido os seus inimigos ou mantido invioladas as suas fronteiras, que sem trabalhos públicos não teriam evitado o desemprego nem dado decisivo rumo à expansão da economia, que sem serviços públicos teriam vivido uma vida apagada o miserável, e certamente renasceria a confiança.
Quer isto dizer que o trabalho da comissão não tenha uma enorme utilidade e não represente um exame sério, imparcial e sereno do problema? Evidentemente que não.
Uma luz forte invadiu todos os recantos da organização corporativa e se faz ressaltar as sombras também põe em evidência os seus fortes alicerces e a pureza das suas linhas mestras. Teve ainda a extraordinária vantagem de trazer o problema ao alto nível que devia ocupar, de afastar a calúnia, o boato, a imprecisão das acusações. Embora formule factos típicos com todo o
Página 965
22 DE MARÇO DE 1947 965
perigo que podem comportar de generalização imediata, baseou-se em relatórios parciais de extraordinário valor para o esclarecimento definitivo de factos.
Tentou, finalmente, definir os princípios fundamentais do corporativismo português, revelar os desvios cometidos e procurar a reintegração nos princípios primitivos.
Presto portanto as minhas homenagens à comissão. Não me interessa saber se o seu, método de trabalho conduz inevitavelmente a pagar o justo pelo pecador.
Dizia um imperador romano que a jurisprudência era a ciência do justo e do injusto. A formação do direito é o produto das exigências da coexistência e da cooperação social e na sua elaboração como produto sociológico cooperam todos os factores que num determinado momento histórico concorrem para dar forma à vida social.
Assim nos ensinam os nossos mestres.
Não tenho dúvidas em pensar que do trabalho da comissão deve tornar-se preciso esse direito corporativo, do qual ainda apenas possuímos as primeiras bases.
Contudo seja-me permitido afirmar que o brilhante espirito de jurista que presidiu à comissão não me pode pedir que dê o meu voto à última conclusão do seu notável relatório: «Para que seja autorizada a comissão a dissolver-se logo que tenha arrumado e dado destino à documentação que possui».
Na minha modesta opinião, ela tem a obrigação moral, embora reduzida no número dos seus vogais ou acrescida de outros elementos, de levar a cabo o inquérito económico-social que iniciou. Tem de ilustrar de forma mais precisa aquilo que afirmou acerca de alguns resultados benéficos da organização, dos resultados obtidos, dos próprios erros e defeitos de que sofreu como qualquer obra humana. É indispensável que o País conheça, porque em geral ignora, o muito que está realizado, até para medir as responsabilidades que tem nalguns dos erros e desvios cometidos.
É possível pensar que a força obrigatória de um sistema ou de uma série de princípios possa findar por um dos três processos seguintes:
1.º Desuso puro e simples, deixando o Estado de cumprir uma dada norma por já a não considerar obrigatória;
2.º Costume contrário pela criação de novos preceitos, incompatíveis com os existentes;
3.º Revogação por meio do um tratado normativo, quer a revogação seja expressa ou tácita.
Vou limitar a minha análise ao princípio da intervenção económica.
Por mais que tivesse procurado, nada encontrei na Constituição Política que defina de forma concreta a Índole e a extensão das funções económicas dos organismos corporativos.
Só por dedução será possível, analisando o Estatuto do Trabalho Nacional, concluir qualquer coisa de admissível.
Consultando os diplomas que se referem aos grémios (decretos n.08 23:049 e 24:715), parece bastante vaga e imprecisa essa função.
Têm os grémios obrigação de assegurar a execução dos regimes legais em vigor e de certo modo intervir na produção e no mercado.
Mas ó evidente que muitos grémios constituídos obrigatoriamente não tiveram outra razão de ser do que assegurar a execução de certa política económica. O que menos importante parecia, perante a gravidade do mal económico, era a representação das actividades. Foi aqui violado o princípio da liberdade de associação? Mas uma das duas: ou o Estado, fiel aos princípios, assistia passivamente à subversão da economia dum sector, afectando gravemente o interesse geral, ou tinha de intervir impondo
Uma obrigatoriedade de associação, princípios de disciplina e de ordem.
Houve aqui desuso puro e simples de uma norma que o Estado deixou de considerar obrigatória. Dadas as circunstâncias, que mais se agravaram com o conflito mundial, não há ninguém de bom senso que possa demonstrar que procedeu mal e até que podia proceder de forma diferente.
Nesta matéria há até, como já foi demonstrado, quem confunda a autodirecção da economia com o carácter facultativo dos grémios.
Tem esse primeiro princípio qualquer coisa de diverso que não seja a actividade e o ideal, as regras de vida e o espirito que devem animar os grémios? A forma de constituição parece que nada tem que ver com o principio?
Parece que mais pernicioso ainda foi criar duas categorias de grémios, uns com objectivos talvez perfeitamente de acordo com o espírito corporativo, mas tão distanciados das realidades da vida económica que por vezes as tornavam irreais, outros mergulhados tão profundamente nessas realidades que tinham de fatalmente perder todo o espírito corporativo.
Esta diferença de tratamento e de pensamento é perfeitamente compreensível em tempo de guerra, e, se podemos encontrar muitos argumentos contrários a essa orientação, basta a visão do que se passou nesta matéria no Mundo para ver que, mesmo aqui, se procedeu com muito menos violência do que em outras nações que fazem grande alarido das liberdades individuais e colectivas.
O decreto n.º 26:707, de 8 de Julho de 1936, que criou os chamados organismos de coordenação económica, teve, a meu ver, razões em parte diferentes daquelas que o relatório da nossa comissão indica.
Perante a desordem da economia em muitos sectores e na impossibilidade de lhe acudir através os serviços oficiais, o Estado pensou que devia criar serviços públicos económicos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª esquece-se do que se diz no relatório desse decreto, que é muito mais harmónico com o que a comissão afirma no seu relatório do que com aquilo que V. Ex.ª está a afirmar.
O Orador: - Já lá chego.
Esperava que tivessem espírito novo mais vivo e eficaz em tempos de crise. Não podia esperar que as actividades a enquadrar tivessem acabado as suas lutas intestinas, visto que algumas já duravam há anos, sem qualquer solução. Estabeleceu algumas regras de disciplina que lhe pareceram salutares e que permitissem criar o espirito corporativo essencial para a formação das corporações.
Mas é claro e evidente que se pretendeu estabelecer um serviço público, embora de natureza especial. Só assim se explica, por exemplo, o facto de reconhecer alguns destes organismos como órgãos oficiais de notação estatística, de lhe dar poderes de fiscalização muito semelhantes aos dos próprios serviços do Estado, de os submeter à rigorosa disciplina do Tribunal de Contas. Essa tendência manifestou-se a cada instante da sua vida.
Pouco a pouco foi-se exigindo maior identidade com os serviços do Estado, regras de contabilidade idênticas, quando se exigia deles uma mobilidade e rapidez de soluções incomparavelmente maior do que as dos serviços oficiais, normas referentes ao pessoal, esquecendo que não tinham as mesmas garantias do que o funcionalismo público.
Ao passo que o público reclamava dinamismo e celeridade na resolução, envolvia-se toda esta vasta máquina numa trama cada vez mais apertada de normas, muitas vezes nem sequer escritas, e que era, por assim dizer,
Página 966
966 DIÁRIO DAS SESSÕES - N. 109
necessário advinhar. Assim acontecia com o Tribunal de Contas, a cujo espirito de alta competência e de compreensão do doloroso dilema em que se debatiam muitos dirigentes dos organismos de coordenação eu presto aqui a minha homenagem. Na ausência de textos legais, tinha de nos julgar por analogia com o que se pratica no Estado, quando não raras vezes essas regras eram difíceis de cumprir.
Por virtude da guerra, desabava sobre o Conselho Técnico Corporativo um dilúvio de papéis referentes a licenças de importação e exportação. Afigura-se a algumas pessoas que tais exigências, que por vezes temos de reconhecer absurdas, eram simples capricho dos serviços, quando não raras vezes resultavam de verdadeiras imposições de carácter internacional.
Durante largo tempo o Estado, apesar de todos os pedidos, recusava-se a habilitar o Conselho Técnico com os recursos suficientes para seu regular funcionamento e o desempenho cabal da sua missão. Só relativamente tarde se organizou a respectiva inspecção.
Mas não se julgue que estes organismos viveram sem qualquer inspecção. Um conheço eu que foi longamente examinado pela Inspecção de Finanças, que percorreu todos os seus papéis e documentos com a maior meticulosidade. Toda essa documentação foi, em seguida, vista pelos tribunais competentes para efeitos do lançamento de uma contribuição que levou parte do seu fundo corporativo.
Seguidamente teve sindicâncias, exame detalhado de documentação, pleitos que levou voluntariamente ao tribunal quando entendeu que porventura na atribuição das suas funções estava indo longe demais.
Não se imagine, como poderia decorrer de alguns passos do relatório, que a organização impunha a seu bel-prazer a lei e que aos interessados estava vedado o direito de recurso, quer para o Conselho Técnico Corporativo quer para o Ministro.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença? Não se diz isso no relatório em parte nenhuma.
O Orador: - Pelo menos foi o que eu depreendi.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Pois então depreendeu equìvocamente. O que se diz no relatório é que foi utilizado o direito de recorrer hierarquicamente. O processo não andava ou era por culpa do organismo que tinha tomado a direcção inicial ou por culpa da entidade hierarquicamente superior, acontecendo que em muitos casos não foi possível recorrer contenciosamente porque se não dava o despacho indispensável para tornar possível esse recurso.
Isto é o que se diz no relatório.
O Orador: - É evidente que isso não foi uma coisa genérica e que não pode ter o aspecto de generalidade que V. Ex.ª põe.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Isso também se não diz no relatório e que o problema aparece como uma espécie de generalização completa. Tem-se o cuidado de afirmar que os factos que se apresentam no relatório são factos atípicos», dando-se a noção do que se deve entender por factos «típicos», e essa noção não é uma noção de generalização.
O Orador: - Mas como acontece que nem todos têm a formação jurídica que V. Ex.ª tem, podia daí ficar qualquer dúvida sobre o assunto; agradeço portanto os esclarecimentos prestados tão amavelmente por V. Ex.ª
Mas eu continuo as minhas considerações.
No sector que mais conheço, usou-se e até se abusou dessa possibilidade, apresentando por vezes reclamações que ninguém poderia deferir com consciência, por representarem lesão grave de direitos de terceiros e até nítida tendência ao monopólio.
Não se imagine que da parte do público que a organização tinha de servir havia sempre boa fé e sinceridade. Se algumas tendências se manifestaram para o monopólio, nada me garante que as mesmas perigosas tendências não se irão manifestar no seio da futura corporação, sobretudo se for organizada na base unicamente dos produtos.
Por outro lado, os organismos actuaram muitas vezes sem fazerem uso das atribuições que a lei lhes conferia. Deixou-se até a própria fiscalização do produto ser feita pelos interessados, limitando se à mais discreta das intervenções ou ao auxilio decidido quando se reconhecia a necessidade de defender a qualidade do produto perante injustificados ataques do estrangeiro. Escolheram-se representantes das próprias actividades para o estudo dos mercados estrangeiros.
Fez-se tudo, em resumo, para que, apesar das dificuldades imensas da guerra e a tendência natural de absorção de todas as actividades pelo Estado nessa emergência -não se fala hoje em mobilização civil-,o princípio de autodirecção sofresse o menos possível.
É evidente que em tão complexos problemas se praticaram erros, e até flagrantes injustiças. Houve faltas de técnica -até por não existir em muitos ramos- luxo excessivo. É indiscutível.
Mas não se podem negar os resultados obtidos pela técnica em alguns produtos portugueses e que o juízo unânime de todos os que nos têm visitado tem confirmado. E seja-me lícito salientar o labor discreto, eficiente, de larga repercussão para o futuro, de um organismo de coordenação económica: o Instituto do Vinho do Porto. Não concebo a sua extinção ou a sua integração pura e simples numa corporação, por mais perfeita que seja, sem um prejuízo grave, talvez irreparável, para o futuro de um dos maiores produtos nacionais. Não é possível demonstrar que não tenha cumprido a sua missão.
O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª tem presente a conclusão sobre a matéria da comissão? Pois bem. A conclusão sobre a matéria da comissão não arrasta consigo a extinção ou substituição de um organismo do tipo do Instituto do Vinho do Porto. Pelo contrário.
O Orador: - Não se indica a forma de funcionamento de um órgão especializado de um sector económico perfeitamente típico.
Tal organismo tinha forçosamente de adquirir sede própria, de a dotar com um certo luxo (conhece-se a sóbria elegância da sua sede), de montar laboratórios modernos, eficientes e bem preparados.
É, portanto, profundamente injusta a crítica genérica feita neste particular à organização. Nem sequer se pensou que figuram com verbas importantíssimas instalações tecnológicas -armazéns, celeiros, frigorifico, laboratórios-, que constituem hoje património magnifico da economia nacional.
O Sr. Mário de Figueiredo: - É pena que não hajam, por exemplo, armazéns para que, ao mesmo tempo que se desenvolve uma política, e uma política benéfica no sentido da defesa da produção - é o caso da Junta Nacional do Vinho-, se possa desenvolver também a mesma política no ponto de vista do consumidor.
O Orador: - Para isso é preciso que os organismos disponham de receitas suficientes.
E uma das criticas que se têm dirigido à organização é precisamente a de as taxas que ela lança sobre o produto serem muito elevadas.
Página 967
22 DE MARÇO DE 1947 967
O Sr. Mário de Figueiredo: - Como quero abster-me de discutir o caso particular -, e tinha muito bem que dizer da Junta Nacional do Vinho, não quero dizer que não tenha algum mal -, abstenho-me de, tocando-se num caso particular, fazer mais qualquer intervenção.
O Orador: - Mo se pode negar a legitimidade da intervenção na esfera económica e o direito de o Estado intervir logo que a organização reveste funções nítidas de política económica.
Já aqui se afirmou que mesmo nos organismos primários da organização essa intervenção era indispensável nas Casas dos Pescadores e nas Casas do Povo. Neste longo debate, em que se pretende, em resumo, o regresso à autodirecção económica, não se falou noutra coisa senão na necessidade da coordenação. Ainda ontem ela foi aqui brilhantemente defendida no campo colonial e na necessidade de a criar entre a metrópole e as províncias ultramarinas.
É que a liberdade só pode ser relativa.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Estamos perfeitamente de acordo. Lá nisso está o relatório de acordo com V. Ex.ª
O Orador: - Ainda bem!
Desde que nos conselhos gerais dos organismos se dó mais larga representação aos interesses em causa, se estabeleça sistema adequado que permita ainda mais rápido recurso das decisões tomadas, desde que se extingam todas as organizações especiais criadas pela guerra e que já se não justificam na paz, desde que se agrupem organismos eliminando o mal terrível da dispersão de que temos sofrido, desde que sejam punidos os culpados, se ainda o não foram, desde que sejam dados ao Conselho Técnico Corporativo meios eficientes de acção e plena competência ao seu corpo de inspecção para se poder exercer em todos os graus da orgânica existente e se liberte de todos os complicados processos de licença que melhor cabem noutro departamento do Estado, muito se terá feito.
Teremos dado um novo passo no caminho que desejamos atingir.
No plano da agricultura importa, em especial, reconhecer que a função agrícola não se pode diferenciar tão nitidamente como a comercial e industrial. A própria criação do grémio da lavoura mostra a impossibilidade de agrupar os lavradores conforme os géneros que cultivam.
Nunca percebi a razão de não tirar as lógicas consequências dessa constatação das realidades. O próprio grémio tem área em muitos casos insuficiente para poder viver normalmente e exercer a sua missão.
Onde apenas seria necessária uma pequena casa de lavoura, teima-se muitas vezes em manter um grémio, que não tem condições de vida.
Por outro lado, o sistema actual de quotizações é gerador das maiores incongruências, a ponta de pagarem até os que já morreram, complicando-se nalgumas regiões por modalidades especiais da exploração da terra e que não foram previstas na lei. Entendo que tudo indica que o grémio deveria ter mais contacto com as Casas do Povo, como também os próprios organismos que para ele concorrem. Nalgumas regiões nada impedia que fosse até uma das suas secções, dado que a dualidade de patrão e de trabalhador não existe.
Entendo que se deve afirmar o princípio da autodirecção e reforçá-lo o mais possível, mas que não se pense que isso significa liberdade absoluta que, no mundo moderno já não pode existir, se porventura existiu algum dia no mundo antigo, o que é altamente duvidoso.
O maior desvio do sistema corporativo reside em se ter por vezes perdido o seu espírito informador na fascinação materialista que resulta de todas as guerras.
Tomos de reconhecer que o produto do trabalho não é apenas objecto de troca e venda, mas coisa mais alta, que não pode ter apenas o significado materialista dum ganho fácil.
Na sua formação concorreram o esforço de inúmeras actividades e é na verdade um valor social.
Por isso eu digo que o nosso sistema é socialista, porque em última análise desejamos reintegrar essa palavra tão desacreditada no seu verdadeiro e alto significado. Tem de ser profundamente humano. Muitos dos males presentes, alguns dos perigos que nos ameaçam no futuro, provêm de que, por falso respeito humano, não o queremos filiar no grandioso ensinamento proclamado urbi et orbe por uma das figuras grandiosas do nosso tempo: o Papa Leão XIII.
Foi a fé ardente das antigas corporações que manteve no passado a sua grandeza, dando-lhe um conteúdo grandioso : a caridade cristã.
Essa mesma fé tem de animar as corporações modernas, ou não poderão existir.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: por proposta do Deputado d'Allarde, a Assembleia Nacional Constituinte suprimiu as corporações de artes e ofícios em Março de 1791. Como os operários reagissem organizando-se em associações oficiosas, a mesma Assembleia, por proposta do Deputado Le Chatelier, votou a lei de 14-17 de Junho do mesmo ano, que não só confirmava a supressão decretada em Março anterior, como proibia às pessoas do mesmo ofício qualquer acção colectiva, fosse ela qual fosse.
Esta legislação estava na lógica da economia e da política liberais, tais como eram entendidas pela escola individualista cujo ideal era uma sociedade reduzida a poeira de indivíduos, actuando independentemente uns dos outros, sob a fiscalização do Estado, imparcial por dever e impassível por natureza. É a isto que hoje se chama a sociedade inorgânica.
Este estado de coisas logo se mostrou antinatural, porque qualquer forma de vida implica uma organização e a lei Le Chatelier proibia a mais natural e espontânea de todas elas, que é a das pessoas da mesma profissão ou do mesmo ofício. Pode mesmo dizer-se, de um modo geral, que o corporativismo é toda a forma de organização social que implica a violação da lei Le Chatelier. Neste sentido lato o nosso tempo é eminentemente corporativista, porque é geral o florescimento das organizações profissionais e ninguém lhe contesta hoje a necessidade e conveniência. Quem seria agora capaz de renovar a proposta que Lê Chatelier fez à Assembleia Nacional Constituinte?
Simplesmente, assim como há uma infinidade de maneiras de violar uma lei, assim há outras tantas formas de corporativismo, umas já estudadas e algumas até experimentadas. Entre estas contam-se as do chamado «corporativismo católico D, que são diversas, mas de que neste momento só nos interessa uma, por ser a única que verdadeiramente merece o nome: é o corporativismo das encíclicas Rerum Nbvanim e Quadragésimo Anno.
Vejamos quais as características deste corporativismo. Para bem as compreender, recordemos que a Rerum Novarum teve por fim expor aos católicos de todo o Mundo as causas da questão social, do terrível conflito em que se debatiam e debatem patrões e operários, e bem assim os remédios susceptíveis de o debelarem.
Página 968
968 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
Das causas enumeradas pela Rerum Novarum, umas são de ordem psíquica - «a sede de inovações», «a opinião mais avantajada que os operários formam de si mesmos» e aã corrupção dos costumes»; outras são de ordem económica - cos progressos incessantes da indústria», cos novos caminhos em que entraram as artes» e ca afluência da riqueza nas mãos de um pequeno número ao lado da indigência da multidão»; outras, ainda, são de ordem social - ca alteração das relações entre os operários e os patrões» e ca sua união mais compacta».
Depois de fazer a crítica das soluções propostas pelo socialismo, passa a Encíclica à parte construtiva e propõe os remédios tirados da doutrina dos Evangelhos e da prudência da Igreja Católica, que reúne em três grupos: remédios que competem à acção da Igreja, à do Estado e à dos próprios interessados - patrões e operários.
Embora estas três entidades possam actuar mais ou menos em todas as causas, é visível que à Igreja incumbe contrabater principalmente as causas de ordem psíquica; ao Estado, as de ordem económica; aos agentes da produção, as de ordem social.
Insiste a Rerum Novarum, e na mesma ordem de ideias proferia ainda há pouco o Sr. Cardial Patriarca uma notabilíssima oração, em que a questão social não é apenas de ordem económica, mas é principalmente de ordem espiritual. Se se não clarearem as ideias, se se não apurarem os sentimentos, se se não purificarem os costumes, a desordem será inevitável, seja qual for a maneira por que se repartam as riquezas. Só haverá paz quando se exterminar o espírito de guerra.
Não bastam, porém, os meios espirituais e materiais de que a Igreja dispõe para resolver o temível conflito. O Estado tem também de intervir fomentando a prosperidade pública e privada, assegurando a justiça distributiva, protegendo os pobres e humildes.
«O Estado tem de intervir para defender a propriedade e o trabalho, assegurar o justo salário, proteger o aforro do trabalhador e facilitar-lhe o acesso à propriedade», diz a encíclica em resumo.
Em seguida passa a analisar a parte em que as associações profissionais podem contribuir para a paz social. Diz que o homem é naturalmente sociável e que a experiência lhe mostrou que a debilidade das forças individuais se podia suprir de certo modo ajuntando as forças próprias com as alheias.
Daí foi o homem levado a constituir a sociedade civil que tem em vista o bem comum, formando o Estado; e as sociedades privadas que são mais pequenas e se formam para levar a cabo negócios particulares.
Ora, pelo facto de as sociedades particulares não terem existência senão no seio da sociedade civil, da qual são como outras tantas gentes, não se segue, falando em geral e considerando apenas a sua natureza, que o Estado possa negar-lhe a existência. O direito à existência foi-lhe outorgado pela própria natureza; e a sociedade civil foi instituída para proteger o direito natural, não para o aniquilar, diz textualmente a encíclica. Estes períodos são a condenação formal do princípio que informou a lei de Le Chatelier.
Proteja o Estado, acrescenta mais adiante a Rerum Novarum, estas sociedades fundadas segundo o direito, mas não se intrometa no seu governo interior e não toque nas molas íntimas que lhes dão vida, pois o movimento vital procede essencialmente de um princípio interno e extingue-se facilmente sob a acção de uma causa externa.
Refere-se este período às associações profissionais católicas de que o Estado deve ser protector, mas não mentor, porque são senhoras da sua própria vontade e iniciativa. Em conformidade com estes princípios, a encíclica acrescenta: e Sendo os cidadãos livres para se associarem, devem sê-lo igualmente para se dotarem com os estatutos e regulamentos mais apropriados ao fim a que visam».
Aqui estão as características essenciais das corporações católicas, segundo a Rerum Novarum: formação espontânea e vida livre.
Quanto às directrizes do corporativismo de Leão XIII, são as do Sermão da Montanha: «Procurai primeiramente o reino de Deus e a Sua justiça e tudo o mais vos será dado por acréscimo». Tudo mais, inclusive a paz social. A condição prévia exigida pelo corporativismo da Rerum Novarum ó a recristianização da sociedade, para se alcançar aquela efusão da caridade cristã sem a qual não é possível a paz social. A caridade cristã é na Rerum Novarum aquilo a que hoje se chama ca consciência ou o espírito corporativo».
Eis, em breves e apagadas linhas, a traça geral da Rerum Novarum e os papéis que nela se distribuem à Igreja, ao Estado e às corporações católicas na solução da questão social.
Muito longe de ser uma panaceia, o corporativismo de Leão XIII é apenas uma parte de um tríptico, parte importante, essencial mesmo, não obstante inferior a qualquer das outras duas. Mas, embora menor, é autónoma e livre e é dessa liberdade e autonomia que a Igreja espera a ressurreição social, e não dos Poderes Públicos, no geral materialistas indiferentes, quando não hostis à Religião e ao Papado. Raras vezes a Igreja se deu bem com os grandes do Mundo. É com os pequenos que ela mais conta e neles achou sempre os mais fiéis amigos. Nos grandes perigos, os ricos e poderosos no geral abdicam ; os pobres e humildes ficam firmes.
Os princípios e directrizes estabelecidos por Leão XIII para o corporativismo cristão foram repetidos e confirmados por documentos pontifícios posteriores, designadamente na carta ao arcebispo de Lille, de 5 de Junho de 1929, e na encíclica Quadragésimo Anno, de 15 de Maio de 1931.
No que respeita às características do corporativismo, diz esta encíclica: «Mas porque o Nosso Predecessor tratou clara e distintamente na sua encíclica destas associações livres, basta-nos agora inculcar um ponto: os cidadãos podem livremente não só instituir associações de direito e carácter particular, mas ainda eleger livremente para elas aqueles estatutos e regulamentos que julgam mais convenientes ao fim proposto». Estas últimas frases são transcritas textualmente de Rerum Novarum, e a colectânea de encíclicas sociais aprovada pelo Patriarcado comenta esta passagem nos seguintes termos:
Pio XI afirma, portanto, que a organização corporativa deve partir da iniciativa privada. Os homens são livres de escolher os estatutos e regulamentos que devem reger as corporações. É um preceito do direito natural.
De facto, o corporativismo baseia-se, antes de mais nada, num princípio de caridade mútua. Ora a caridade nunca pode ser imposta, porque dimana do coração. Para que o regime corporativo produza todos os seus efeitos é necessário sobretudo formar os corações. As iniciativas privadas têm sobre as outras essa vantagem.
E para que não ficasse a menor dúvida a este respeito, Pio XI acrescentou:
Recentemente iniciou-se, como todos sabem, uma nova organização sindical e corporativa (na Itália), à qual, vista a matéria desta Nossa carta encíclica, não podemos deixar de nos referir com algumas considerações oportunas. O Estado reconheceu juridicamente o «sindicato», dando-lhe, porém, carácter de monopólio, já que só ele, assim, reconhe-
Página 969
22 DE MARÇO DE 1947 969
cido, pode representar respectivamente operários e patrões, só ele concluir contratos e quotas de trabalho. A inscrição no sindicato é facultativa, e só neste sentido se pode dizer que a organização sindical é livre.
E mais adiante:
Basta reflectir um pouco para ver as vantagens desta organização, embora apenas sumariamente indicada: a pacífica colaboração das classes, a repressão das organizações e violências socialistas, a acção moderada de uma magistratura especial. Para não omitir nada em matéria de tanta importância, e em harmonia com os princípios gerais acima recordados e com o que em breve acrescentaremos, devemos contudo dizer que não falta quem receie que o Estado se substitua às livres actividades, em vez de se limitar à necessária e suficiente assistência e auxílio; que a nova organização sindical e corporativa tem carácter exclusivamente burocrático e político ; e que, não obstante as vantagens gerais apontadas, pode servir a particulares intentos políticos mais que à preparação e início de uma ordem social melhor.
É manifesto que Pio XI, com este comentário, quis vincar bem a diferença que separa o corporativismo das encíclicas do corporativismo fascista. O saudoso pontífice não censurou, talvez, mas pelo menos distinguiu.
E do nosso sistema corporativo, que dizem os mestres ?
Ouçamos um cuja autoridade e competência nos dispensa de ouvir mais ninguém - o Dr. Marcelo Caetano. Na sua obra intitulada O Sistema Corporativo, diz S. Ex.ª a p. 28, n.º58:
A escola italiana influiu inegavelmente os primórdios da política corporativa portuguesa, como é patente na Constituição e no Estatuto do Trabalho Nacional, diploma este que corresponde exactamente, pela sua natureza, estrutura e fins, à Carta dei Lavoro italiana, da qual até traduz algumas fórmulas de doutrina e organização. Como o corporativismo fascista, o português não admite a liberdade sindical, atribuindo as funções de representação e disciplina profissional em cada distrito a um sindicato autorizado- o sindicato nacional.
Esta obra foi publicada em 1938, sete anos depois da Quadragésimo Anno. Que sucedeu daí em diante?
Di-lo o magistral relatório da comissão de inquérito - magistral na concepção, magistral na clareza, na sinceridade, na elegância moral e até na literária.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Depois de lembrar que o corporativismo português foi concebido, não como corporativismo do Estado, mas de associação, diz que:
Aconteceu que os organismos de coordenação económica, em vez de se limitarem a coordenar e regular as actividades ligadas com os produtos de importação e exportação, pode dizer-se que absorveram e dominaram toda a economia interna.
O Sr. Mário de Figueiredo:-Não se pode afirmar precisamente que o corporativismo português não admite a liberdade sindical completa neste sentido. É que aplicava o regime do sindicato mesmo aos que não estivessem sindicalizados.
Quero acrescentar, já que V. Ex.ª me permite, que há uma diferença marcada, não falemos na da orgânica, entre o regime corporativista português e o regime corporativista fascista. Não falemos na da orgânica, mas sim do pensamento animador de um e de outro. Num caso temos tudo subordinado ao Estado.
O Orador: - Eu não estou a dizer que o corporativismo português é igual ao italiano. A minha tese é a de que o corporativismo português não é o das encíclicas.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Só quero significar que o Dr. Marcelo Caetano estava a falar da orgânica, e uma coisa ó a orgânica, outra o pensamento, o espírito, e o espírito é completamente diferente porque o Estado fascista não admitia limitações ao poder do Estado e o Estado Português admite como princípio constitucional essas limitações.
Apoiados.
Uma coisa é a questão de sabermos o modo de se tornarem efectivas essas limitações, outra coisa é o caso da sua função, quer dizer, o pensamento que anima uma e outra organização; os pensamentos que as animam são contraditórios.
O Orador: - Muito bem. Em todo o caso não era esse o problema que eu estava a discutir.
O Sr. Mário de Figueiredo: -Eu não estou a focar o movimento de considerações de V. Ex.ª, mas aquilo que pode ser extraído de certas considerações que'V. Ex.ª estava a fazer.
O Orador: - Perfeitamente.
Quer dizer, o corporativismo português, que logo de início se afastou do corporativismo das encíclicas por não admitir a liberdade sindical, mas que, não obstante, se não afastava muito por ser um corporativismo de associação, com o andar dos tempos transformou-se em corporativismo do Estado.
O corporativismo português, nem no seu início, nem hoje, pode ser considerado como idêntico ao corporativismo das encíclicas. Não pode haver nenhuma dúvida a esse respeito. Não quer isto dizer que seja uma forma de corporativismo condenada, nem mesmo formalmente censurada pela Igreja; apenas se afirma que não é o corporativismo das encíclicas.
Posto isto, vou referir-me a alguns pontos do relatório que mais feriram a minha atenção. No n.º 4 diz-se que a Comissão teve de intervir para evitar perseguições contra pessoas que vieram depor neste inquérito. É evidente que se trata de tentativas de intimidação para desviar o público de vir apresentar as suas queixas e eu pergunto se os dirigentes dos serviços que procederam com essa intenção não devem ser rigorosamente castigados. Bem assustado anda já o público pelos processos, por vezes atrabiliários e violentos, levados por muitos daqueles que lhe vão requisitar produtos ou fiscalizar as actividades. Neste particular, certos agentes da Intendência Geral dos Abastecimentos têm ultrapassado todas as raias. Não há muito que um respeitável oficial do exército me contou que, estando de passagem na Régua, notou grande desenvolvimento de forças-armadas em volta dum comboio. Intrigado, perguntou a um dos agentes se andavam à caça de algum bandido:
«Não, senhor, é à caça do azeite».
No distrito de Coimbra, soube de fonte segura, que agentes da Intendência chegaram a entrar nos lagares armados de metralhadora.
Estes processos de intimidação podem servir para atingir certos fins imediatos, mas deixam atrás de si uma sementeira de ódios contra os governos que os toleram. E para o povo tudo isto ó corporativismo!
Página 970
970 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
O Sr. Botelho Moniz: -Embora seja exactamente o contrário, na realidade. É para corrigir esses abusos que o corporativismo é necessário.
O Orador: - Evidentemente.
Mas não é só certo pessoal da Intendência que usa destes processos.
Os homens das lenhas fazem o mesmo, e o mesmo fazem os que requisitam o milho e todos os demais géneros sujeitos a requisições.
Mas o comerciante e todo aquele que negoceia em artigos que lhe são fornecidos pelos organismos corporativos ou para corporativos, estão ainda em piores circunstâncias e por isso não estranho que a comissão tenha achado mais sentido de independência no homem do campo do que no comerciante e no industrial. É que o comerciante e o industrial estão absolutamente na mão dos seus fornecedores quando estes constituem monopólio, como sucede hoje com muitos produtos, devido à larga rede que a organização corporativa estendeu por todo o Pais. Os que estão na dependência têm de se calar, porque o negociante corre o risco de não receber os artigos que vende e o industrial as matérias-primas que labora.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença? For disposições novas do Sr. Ministro da Economia, hoje já os clientes podem escolher os seus fornecedores.
O Orador: - Mas nós estamos a fazer história. Como as coisas estão a melhorar, ainda bem!
Negociantes há que se queixam abertamente de terem de pagar uma coisa e escrever outra, se quiserem ter que vender. Aqui está a razão da sua timidez.
E que admira que assim suceda, se há chefes de serviços que se atrevem a perseguir criminalmente os que vão apresentar queixas contra os abusos de que foram vítimas? E se estes atrevimentos não forem castigados, que autoridade terá amanhã esta Assembleia para pedir ao público que venha depor em inquéritos desta espécie?
No que respeita aos encargos da organização, confesso que senti um grande alivio quando verifiquei a cifra a que montam. Receava que os encargos financeiros e o pessoal colocado nestes serviços representassem um problema de solução dificílima, se não impossível. O relatório veio mostrar-nos que assim não é. Entre dirigentes que vivem apenas dos proventos dessa função e restante pessoal, pouco mais são de 10:000 pessoas, implicando encargos de vencimentos, ajudas de custo e transportes de 137:700 contos.
Este encargo não é de meter medo e o problema da arrumação do pessoal logo que estes serviços sejam, uns simplificados, outros suprimidos, não é de assustar.
Eu sei - e o próprio relatório o diz- que entre o pessoal destes organismos há muito incompetente, quer debaixo do ponto de vista da cultura, quer da técnica, quer da moral necessária para o exercício destas funções. Mas também há muitos competentes e honrados, que montaram a sua vida à sombra de uma situação que supunham estável e que não há direito de atirar para a rua impiedosamente. Os incompetentes e os desavergonhados, esses sim e quanto antes.
O que não pode admitir-se é que se mantenham serviços que para o público representam grandes perdas de tempo e por vezes de dinheiro, só para ter um pretexto para dar emprego a gente que nem sempre o merece.
Deve, porém, notar-se que o peso da organização sobre o País não é só o que resulta das verbas gastas com o pessoal, ainda que se lhe ajuntem as demais despesas feitas pelos serviços, incluídas ou não no relatório. Os encargos maiores provêem das perdas de tempo, dos incómodos físicos e morais que toda esta burocracia causa ao público e das peias que põe à livre actividade dos cidadãos e das empresas.
Mais ainda: há os encargos que se traduzem em lucros fáceis, obtidos à custa dos dois extremos do ciclo produtivo - o consumidor e o produtor de matérias-primas, ou seja do lavrador. Nada disto consta, nem podia constar, do relatório da comissão, porque parte destes encargos não têm equivalente em dinheiro e muitos dos outros seriam impossíveis de calcular.
O capitulo III do relatório, intitulado «Desvios e vícios de funcionamento» é, sem dúvida, o mais interessante e o mais complexo. Seria longo e fastidioso seguir os seus diversos passos um a um e, pior do que isso, iria repisar muito do que já aqui foi dito pelos oradores que me precederam. Sucede ainda que estou em dívida de uma resposta à direcção da União dos Grémios de Industriais e Exportadores de Produtos Resinosos, a qual, numa exposição ao Sr. Presidente desta Assembleia, a propósito de uma referência por mim feita às fortunas que se acumularam durante a guerra com o negócio das resinas, diz:
Em vista do exposto, a falta de fundamento com que se visou a indústria dos resinosos é evidente e, consequentemente, por partirem de premissas falsas, estão erradas as conclusões do Sr. Dr. Pacheco de Amorim.
Vê-se por esta passagem que os signatários da representação sabem pouco de lógica, de contrário não ignorariam que de premissas falsas se podem tirar conclusões verdadeiras.
Ora se eu não estava completamente informado quanto às premissas, era do domínio público que as conclusões, isto é, os resultados eram verdadeiros, e ao caso só isto importava. Mas mesmo no que respeita às premissas, se a minha informação era deficiente em certos pormenores, na substância, no essencial, era exacta, como vou demonstrar, expondo a V. Ex.ª, nos seus traços essenciais, a história da actividade da indústria e comércio dos resinosos, desde que a elas se estendeu a organização corporativa até hoje.
Com esta monografia de certo modo esquemática ficará ilustrada e concretizada esta parte do relatório da comissão com um exemplo típico.
Quando rebentou a última guerra, pode dizer-se que a organização corporativa do comércio e indústria dos produtos resinosos estava completa: a Junta Nacional dos Resinosos fora criada em 1936 (decreto n.º 27:001, de 12 de Setembro de 1936); em 1937 é criado o Grémio dos Exportadores de Produtos Resinosos (decreto n.º 28:294, de 21 de Dezembro de 1937); o Grémio dos Industriais e a União dos Grémios dos Industriais e Exportadores de Produtos Resinosos foram criados a 25 de Maio de 1939 (decreto n.º 29:630).
Como no geral, a Junta era quem tudo mandava.
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença? Junta que não era um organismo corporativo.
O Orador: - Exactamente. Temos ai um exemplo típico.
A 25 de Janeiro de 1940 foi distribuído o primeiro regulamento do regime de obtenção de resinas e do trabalho do pinhal, que sofreu ligeiras alterações em 1942. Só do regulamento de 1942 temos conhecimento directo e a ele nos referiremos sempre. Segundo ele, a Junta Nacional dos Resinosos poderá estabelecer, até 31 de Dezembro de cada ano, zonas em que o pinhal, no ano seguinte, só pode ser alugado pelos industriais que explorem fábricas localizadas nas mesmas zonas (artigo 15.º).
Página 971
22 DE MARÇO DE 190 971
No artigo 18.º acrescenta-se:
Sem alteração dos limites fixados nos artigos anteriores, a Janta Nacional dos Resinosos poderá autorizar, a pedido do interessado e ouvida a União dos Grémios, que um industrial com direito a alugar pinhal em determinada zona compre resina a um industrial da mesma zona ou alugue pinhais situados fora dessa zona.
Em princípio, as zonas seriam de extensão proporcional às necessidades das fábricas nelas instaladas e desta limitação das zonas resultaria uma limitação na concorrência entre os industriais.
Para que os donos dos pinhais não viessem a sofrer com isto, assentou-se em que os preços seriam garantidos e calculados por forma a evitar-lhes prejuízos. Para tanto, o preço do aluguer seria determinado em duas fases:
Até 31 de Dezembro de cada ano seriam determinados os preços-base que vigorariam no ano seguinte, de harmonia com as condições especiais de cada zona e das secções em que estas podiam ser divididas para tal efeito. Numa 2.º fase, que decorreria no último trimestre de cada ano, seriam determinados os preços definitivos relativos a esse ano, com base no valor médio dos produtos resinosos vendidos.
Nada mais justo nem mais razoável, pelo menos no papel. Vejamos agora a realidade:
Comecemos pelos preços cuja fixação era uma das colunas do edifício desta construção, pois nisso estava a defesa dos interesses dos donos dos pinhais. Tais preços nem foram determinados para a campanha de 1940, nem para a de 1941, nem para a de 1942.
Para acabar com este estado de coisas, o Ministro da Economia publicou a 11 de Janeiro de 1943 uma portaria chamando a si o direito de marcar os preços-base e estabelecendo o de l$80 para média do mesmo ano. É evidente que os preços-base teriam de ser estabelecidos muito por baixo, porque podia dar-se o caso de os produtos resinosos sofrerem grande quebra, pois se estava em tempo de guerra; e, por outro lado, havia a correcção a fazer pelo preço definitivo, nos termos do regulamento. Escusado será dizer que nenhum suplemento foi distribuído aos donos dos pinhais, nem em 1943, nem em 1944, nem em 1945, nem em 1946, data em que se voltou ao regime da liberdade de preços.
O regulamento não passou de pura ficção, de que foram vítimas os donos dos pinhais.
Não admira, por isso, que muitos industriais resineiros ganhassem dinheiro, segundo se diz.
Mas se é verdade que muitos ganharam dinheiro, nem todos o fizeram pela mesma bitola: uns ganharam algum, outros ganharam muito e ainda outros muitíssimo.
Esta desigualdade foi devida principalmente a duas causas: a divisão dos pinhais em zonas e a divisão da gema pelas diversas fábricas.
Comecemos pela divisão dos pinhais em zonas. A primeira zona é grosso modo, ou era (segundo a divisão de 1942, que foi o ano das vacas gordas), a parte do País situada ao norte duma linha que vai da Murtosa a S. João da Pesqueira, e, daí, até à fronteira espanhola, segue o curso do rio Douro. O grau de produtividade de toda essa região estava avaliado por autoridades competentes em cerca de 12.500:000 incisões. No entanto, o máximo de incisões nela praticadas nos anos de 1938,1939 e 1940 não chegou a 7.300:000. Referimo-nos de um modo especial a esta zona por incluir a província que mais sacrificada tem sido nas últimas décadas-o Minho. Havendo na primeira zona mais resina do que a que as fábricas habitualmente laboravam e não podendo as fábricas das outras zonas ir lá abastecer-se sem autorização especial, que podia ser negada, talvez até pelos
mesmos que fizeram ou inspiraram o regulamento, só a fixação dos preços da incisão poderia salvar das garras dos industriais os proprietários dos pinhais da primeira zona, na imensa maioria pequenos ou pequeníssimos lavradores.
Como essa fixação de preços se não fez, ou se fez muito por baixo, os donos dos pinhais ficaram, no geral, nas mãos dos resineiros.
Assim, na primeira zona, como estes eram poucos, combinaram-se e puderam estabelecer um monopólio de facto. E como eram poderosos, podiam ir comprar resinas a outros zonas, ou por terem lá fábricas, ou por obterem licença para isso.
Dai resultou que os preços na primeira zona se mantiveram a níveis irrisórios, dando margem a ecomissimos lucros ao grupo monopolista.
Nas outras zonas, onde estes e outros apareciam a fazer concorrência, os preços chegaram a 5$, 7$ e 10$. Assim se explica a diferença de preços das incisões de terra para terra, que o público não percebia por ignorar o mecanismo das zonas.
O Sr. Botelho Moniz: - É que houve sempre neste País o defeito de se criarem fronteiras económicas artificiais. Umas vezes, para os géneros, são os concelhos; outras vezes são os distritos. E inventou-se também a linha imaginária das zonas ...
O Orador: - A concorrência entre os resineiros, em vez de desaparecer, agravou-se em certas zonas, com grande prejuízo dos pequenos, que a pouco e pouco foram sendo eliminados. Na primeira zona inverteu-se a concorrência, que passou a ser feita pelos donos dos pinhais entre si.
Esta diferença de preços de zona para zona dava como consequência grandes diferenças nos lucros, como é evidente.
Mas houve ainda outra causa de desigualdade, segundo dizem, que resultou do critério a adoptar para a distribuição da gema pelas fábricas.
Segundo o decreto n.º 29:733, de 5 de Julho de 1939, em duas hipóteses poderia a Junta estabelecer quotas: quando a capacidade de laboração das fábricas instaladas excedesse as possibilidades da obtenção da gema, ou quando as condições do mercado externo o exigissem por insuficiência de absorção destes produtos.
A Junta deu por assente que a capacidade de laboração das fábricas instaladas excedia as possibilidades de obtenção de gema e logo em 1938, salvo erro, pôs em prática o estabelecimento de quotas.
Para o seu cálculo foram sugeridos na ocasião dois critérios:
a) A capacidade de laboração das fábricas instaladas;
b) A gema destilada nos últimos anos.
Foi este segando o critério adoptado, baseado nas declarações dos interessados sobre a média dos três últimos anos.
Desta resolução resultaram desigualdades flagrantes que foram explicadas pelos lesados da seguinte forma: no momento em que a Junta pedira as mencionadas declarações, a classe dos resineiros dividia-se em duas partes; uma, que estava no segredo dos deuses e que sabia o que a Junta tinha em vista; outra, que nada sabia. Os da 1.ª categoria fizeram constar aos da 2.ª que se tratava de lançar uma nova contribuição e induziram-nos assim a fazer declarações abaixo da realidade. Por sua vez, os bem informados fizeram declarações acima da realidade.
Logo se levantaram clamores quando se descobriu a manobra, mas não foi possível conseguir que o critério fosse posto de parte até ao fim de 1945, em que se regressou ao regime de liberdade!
Página 972
972 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
Como, durante a guerra, quem mais destilava mais ganhava, os lucros obtidos dependiam directamente das quotas recebidas.
A combinação destes dois condicionamentos - a distribuição dos pinhais pelas zonas e a distribuição da gema pelas fábricas, explica perfeitamente a desigualdade na distribuição dos ganhos. Aqui está por que motivos uns enriqueceram pouco, outros muito e alguns muitíssimo.
O Sr. Botelho Moniz: - V.Ex.ª dá-me licença?
Eu deseja só verificar que das considerações de V. Ex.ª se podiam tirar estas conclusões: em primeiro lugar, em vez de um verdadeiro regime corporativo nas resmas houve um regime de subordinação económica a que faltava a coordenação de interesses e de orientação, E deu-se até este caso, que é a antítese deste corporativismo: de um lado estavam organizados os resineiros; do outro lado, da parte dos proprietários dos pinhais, não havia organização.
Se existisse um corporativismo verdadeiro é claro que os grémios da lavoura, que representavam os proprietários dos pinhais, viriam em defesa dos interesses dos produtores da matéria-prima e em defesa da doutrina geral de interesses. Aqui está um regime a que não chamo económico porque é antieconómico artificialmente.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Quer isto. dizer que os ganhos facilmente adquiridos à sombra de certas leis e regulamentos sejam lucros ilícitos? De modo nenhum.
A responsabilidade dos erros e abusos que podem resultar das leis em vigor cabe a quem as fez e não a quem as cumpre. O seu a sen dono.
O Sr. Franco Frazão: - V.Ex.ª dá-me licença?
É muito natural que esses factos tenham apenas sido possíveis em virtude do mau funcionamento do conselho geral desse organismo, tanto mais que, fazendo parte dele representantes dos grémios da lavoura, dificilmente só compreende que pudesse ter avançado um sistema
O Orador: - Peço licença a V. Ex.ª para não apreciar esse lado da questão.
Nesta curta monografia que acabo de fazer sob o negócio da resina afloram muitos dos desvios de que nos fala o relatório da comissão de inquérito e põem-se em evidência não poucos dos perigos a que está sujeito o dirigismo económico feito através da actual organização corporativa. Tenho para mim que, uma vez que o Estado dirija estes organismos de dentro, poderão suprimir-se certos defeitos, mas logo surgirão outros. A direcção do Estado deve fazer-se de fora, no sentido indicado pelas encíclicas.
É pelo menos esta a minha opinião.
É inegável que o estado de guerra contribuiu para agravar os defeitos da organização e para eliminar certos correctivos que a podiam ter inibido de muitos dos seus excessos.
Sou de opinião que a censura exerceu neste particular uma acção funesta. Por experiência própria, porque colaboro regularmente em dois jornais, cheguei à conclusão de que a censura tinha um cuidado especial em evitar as críticas não só à política económica do Governo mas até aos actos dos organismos corporativos e afins. A tal ponto chegou o zelo da censura, pelo menos a meu respeito, que durante largas temporadas deixei de me ocupar de assuntos portugueses, dando preferência às questões internacionais, quer de ordem económica, quer política. Houve diplomas importantíssimos para a política económica portuguesa que propositadamente pus de parte, que nem sequer li, pois tinha a certeza de que a censura mós não deixaria criticar, caso eu não concordasse com algumas das suas disposições.
Isto não pode servir senão para permitir que se pratiquem certos abusos que uma crítica honesta evitaria.
Apoiados.
O Sr. Henrique Galvão: - Informo V. Ex.ª que no momento actual a censura exerce-se sobre os próprios discursos que se dizem aqui no Parlamento.
O Orador: - Pois vou contar outro caso a V. Ex.ª
Ainda no passado mês de Dezembro, a censura mandou cortar um artigo que escrevi para o Comércio do Porto, em que me limitava a contar o que se passara nesta Assembleia a propósito da campanha em favor do tabelamento do vinho, com o fim de prevenir os lavradores para se não deixarem iludir com ameaças de tabelas.
Pois também tive notícia de que, ainda no mês de Janeiro, vários proprietários foram ludibriados com essa ameaça. Neste caso e noutros, o zelo indiscreto do censor apenas serviu de capa de embusteiros.
Bem faz o Sr. Ministro da Economia, meu distinto e muito querido amigo, em dispensar os serviços de tal instituição nos assuntos que dizem respeito ao seu Ministério.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À nobreza dos seus sentimentos, à limpidez do seu carácter, ao seu brio e espírito de independência repugnam as a cortinas de ferro». Boa política essa, Sr. Ministro do Economia, porque à mulher de César só convêm cortinas de cristal, para que seja honesta e toda a gente veja que o é.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Eu conheço muito bem as altas qualidades de inteligência do Sr. Ministro da Economia, que está a dar provas excelentes no desempenho do seu cargo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador: - Dizem que ele é novo. Também fizeram esse reparo a Fontes, e ele disse: «desse defeito corrijo-me eu todos os dias».
Risos.
O Orador: - S. Ex.ª pode dizer o mesmo.
Continuando:
Já aqui se disse e é verdade que foram as requisições e os racionamentos que mais contribuíram para tornar odiosa a organização corporativa, designadamente os grémios. Com verdade ou sem ela, o público atribui a estos organismos a maior parte da responsabilidade da coexistência da miséria das rações com a fartura do «mercado negro». E de facto certos racionamentos foram feitos de tal modo que mais parecem destinados a criar esse mercado do que a abastecer o público.
De que serve uma ração de 300 gramas de arroz por mês? E 3 decilitros de azeite, ou menos? Quando se não podem distribuir rações sofríveis, mais vale não distribuir nenhumas, porque o artigo é sempre mais barato no mercado livre do que no «mercado negro.»
Voltando ao nosso caso e para terminar. As circunstâncias fizeram cair sobre o corporativismo português muitos males que lhe não pertencem por natureza. Mas, feito esse desconto, ainda ficam bastantes motivos para fazer uma reorganização profunda do sistema, tendo em conta o nosso meio, o atraso do nosso povo, a nossa falta de cultura e de educação. Mais vale pouco e bom do que
Página 973
22 DE MARÇO DE 1047 973
muito e mau. Cortemos o que não presta e fiquemos só com o bom, ainda que seja pouco.
O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença?
Eu vou dar-lhe outro exemplo típico da falta de educação do povo português. Bastou os jornais dizerem que se não utilizasse a batata americana para semente, visto que a batata para este fim deve ser seleccionada, para que toda a gente desatasse a semear batata americana
O Orador: - Que admira que estes lavradores assim procedam, se houve instâncias oficiais que compraram na América batatas que os ingleses nem de graça quiseram...
O Sr. Botelho Moniz: - Isso parece que não é verdade.
O que é verdade é que se passou com a batata americana uma nova fase da guerra - a luta entre o escaravelho americano e o escaravelho japonês! E os nossos serviços fitopatológicos andam à procura do escaravelho japonês na batata americana há quatro semanas e ainda não encontraram um!
O Orador: - Sr. Presidente: eu lamento que tenhamos tão pouco tempo para discutir este importantíssimo assunto. Parecia-me excelente voltar a debatê-lo na próxima sessão legislativa, porque temos muito que fazer neste campo. É assunto complexo e precisamos de mais tempo para melhor o apreciar.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por uns minutos.
Eram 18 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Mário de Figueiredo: - Sr. Presidente: é uma coisa particularmente difícil fazer um discurso sobre matéria sobre a qual se construiu antes um relatório, porque há a tendência natural para voltar constantemente ao relatório e não trazer assim ao conhecimento da Assembleia nenhuma nota nova.
Estou em crer que me desempenharia completamente da minha missão -e nisso na verdade me colocaria fora do ambiente do relatório- se me limitasse, em nome pessoal e em nome da comissão, a agradecer o acolhimento que ao relatório foi feito.
Nem eu nem a comissão podíamos esperar nem mais nem melhor. Não podíamos esperar nem mais nem melhor daqueles a quem temos o dever de dar contas, e que são V. Ex.ªs, mas também não podíamos esperar mais nem melhor, a avaliar pelo que chega até mim ou até à comissão, do público em geral.
Chamo a atenção para isto, não pelo que representa propriamente em face do trabalho da comissão, mas pelo que significa como expressão de educação da sensibilidade do nosso povo, do nosso público, que já não reclama o sabor picante do escândalo para reagir.
Que a Assembleia tenha compreendido os motivos que determinaram a comissão a não individualizar, referindo pessoas ou referindo organismos, entende-se; que, de uma maneira geral, o público tenha tido atitude idêntica só se entende porque alguma coisa há de fortemente transformado neste Pais. A transformação deve-se ao Estado Novo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Na Assembleia, no entanto, fez-se uma nota que pode tocar o método adoptado de não terem sido individualizados pessoas ou organismos. E a nota é a seguinte: a circunstância de não se ter individualizado pode conduzir o público a uma generalização que seria também inadmissível.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - É certo que a comissão usou de todas as cautelas, ao apontar os factos, para evitar generalizações que se não justificassem.
É possível que, no entanto, a impressão pública se forme à custa do raciocínio errado - se não se individualiza é porque o que se aponta é geral ou generalizado.
Já em aparte tive ocasião de notar que esta interpretação não pode ser feita por quem tiver lido o relatório. Aí se procedeu com cautela e, para evitar confusões, se empregam as fórmulas: factos bastante generalizados», «num caso ou noutro», cem alguns casos», etc.
Acresce que logo na primeira parte do relatório se afirma que a preocupação da comissão foi referir os «factos típicos», entendendo-se por esta fórmula não factos gerais ou generalizados, mas factos para evitar os quais importa procurar uma organização ou regime jurídico adequado. Desta forma, um único facto pode constituir um «facto típico» e dever por isso ser apontado.
Não foi, portanto, sem as necessárias cautelas que a comissão, ao organizar o seu relatório, procedeu. Nem podia deixar de ser com as necessárias cautelas porque ó evidente que a comissão poderia ter empenho em não encontrar qualquer facto digno de censura; não o tinha naturalmente em encontrar daqueles que são dignos da mais acabada censura. Mas encontrou e refere-os no relatório, afirmando, com tranquilidade, que apontou os que encontrou. Apontou-os com seriedade, sem a preocupação de saber se isso correspondia ou não a conveniências políticas, porque, no pensamento da comissão» a grande conveniência política estava, no caso, em verificar o que havia e em dizer o que havia. A comissão não individualizou nem referindo-se a pessoas nem, à parte um caso, referindo-se a organismos.
Porque não individualizou?
Primeiro, porque apontar o escândalo não resolve nada. Segundo, porque podia ser injusta, visto não ter conseguido fazer uma averiguação completa, nem em extensão, nem em profundidade, relativamente a todos os casos.
Não pôde fazer uma averiguação completa em extensão, e, portanto, citar A e não citar B significava praticar uma injustiça. Não pôde, em muitos casos, fazer uma averiguação suficiente em profundidade, e se a que fez era suficiente para lhe criar uma convicção, não o era para condenar, sem ouvir, a pessoa ou a instituição que condenava.
Aqui têm V. Ex.ª, sumariamente, as razões que determinaram a comissão a não individualizar; e aqui têm porque ó que ainda agora a comissão está convencida de que, mesmo correndo o risco de se interpretar com uma generalização muito grande o que no relatório se refere, devia manter, no debate, a mesma posição.
Além de tudo isso, denunciar perante a Assembleia casos particulares estava fora da sua competência, dados
Página 974
974 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
os termos em que lhe foi fixada, como o julgá-los está fora da competência da Assembleia.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - A Assembleia não é a Convenção; é uma assembleia política, que põe os problemas no terreno político, para, conforme eles forem nesse terreno arramados, serem depois conduzidos por quem tem competência constitucional de execução.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - E basta olhar para as conclusões do relatório da comissão para se verificar que esta entende que o trabalho que realizou só para ela e para a Assembleia representa um ponto final.
A conclusão última é suficientemente expressiva, segundo creio, para isso se concluir, pois aí se nota claramente que o que é ponto final para a comissão e para a Assembleia o não é para o Governo. Não pode ter outro sentido a autorização que lá se pede para pôr à disposição do Governo a documentação que se possui.
Ocorre-me agora fazer esta observação: no que se disse a respeito do trabalho da comissão, embora não explicitamente, aparece muito generalizada esta nota: sim, o relatório tem um bom movimento; sim, o relatório é a expressão duma atitude séria; sim, o relatório tem um certo tom - um tom de independência marcada que não hesita diante do facto de ter apontar coisas que aparecem como graves.
Mas quando se chegou às conclusões houve mudança de tom, e o relatório, que trazia um bonito movimento, dá a impressão de que amorteceu e que, na verdade, ficou inodoro, insípido, para quem tinha a boca lápida do movimento das considerações nele feitas.
Ora eu digo: quem olhar antes para o fundo do que propriamente para o movimento oratório, antes para o conteúdo do que propriamente para a eloquência, há-de reconhecer que as conclusões são muito mais duras do que o relatório.
Era preciso -pergunto- dizer-se no relatório: reclamam-se sanções? Mas se não é a Assembleia que terá de aplicá-las, que significado tinha esta reclamação que não fosse a de simples palavra eufónica? Pois se lá está, no relatório, que a comissão poderá dar destino à documentação que possui, pondo-a à disposição do Governo, que sentido pode ter isto senão o de que é o órgão competente para desenvolver actividade executiva que há-de afinal, e sobre as conclusões que lhe forem presentes, tomar a atitude devida? E quem duvida de que o Governo tomará essa atitude?
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas não é só nisto que as conclusões são violentas no conteúdo, senão na forma. A comissão propõe que se extingam os organismos de coordenação à medida que se forem constituindo as corporações.
Entendeu que importa proceder assim para restituir o sistema corporativo à sua pureza primitiva.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas a comissão pôde reconhecer que nem em todos os casos se pode estar seguro de que certos organismos de coordenação económica devam ser extintos - sobretudo organismos directamente ligados a produtos, a certos produtos que aparecem, em primeiro lugar, como objecto do comércio externo; por isso redigiu a conclusão respectiva em termos bastante elásticos para o Governo se mover à vontade ao considerar e expedir as soluções mais convenientes.
Isto suponho que, de alguma maneira, responde a um apontamento que no seu esplêndido discurso fez o Sr. Dr. Águedo de Oliveira.
Na verdade, das considerações de V. Ex.ª podia resultar que nesta conclusão da comissão se não tinha deixado elasticidade bastante para tornar possível que se mantivessem alguns organismos de coordenação económica. Ora eu creio que, dado o ponto de vista da comissão - restituição do sistema à sua pureza inicial -, não pode deixar de reconhecer-se como significando uma expressão de elasticidade e maleabilidade esta de, ao mesmo tempo que se afirma «extingam-se os organismos de coordenação económica à medida que se forem criando as corporações», se afirmar também que a comissão não está convencida de que, quanto a alguns produtos, não haja vantagem em manter os respectivos organismos de coordenação económica.
O Sr. Henrique Galvão: - Quanto às colónias, há.
O Sr. Cerveira Pinto: - V. Ex.ª dá-me licença? Um decreto, creio que de 1938, já previa que à medida que se fossem constituindo as corporações se fossem extinguindo os organismos de coordenação económica.
O Orador: - Não; esse decreto é o atentado mais vivo que encontrei na nossa legislação ao pensamento inicial animador do sistema corporativo.
É precisamente aí onde se pretende que os organismos de coordenação económica não devem olhar-se como momentos avançados da corporação, mas como elementos da própria organização.
O Sr. Cerveira Pinto: - Mas transitórios ...
O Orador: - Não. Isso é no decreto inicial que previu a sua criação. O que V. Ex.ª refere, o decreto de 1939, se não estou em erro, é um diploma legislativo que destoa do sentido permanente da nossa legislação em matéria de organização corporativa, precisamente porque afasta a ideia inicial do organismo de coordenação como momento avançado ou atrasado -digamos agora- da corporação. Nesse decreto se começou a procurar fixar a ideia de que o próprio organismo de coordenação poderia ter uma função permanente ao lado da corporação.
O Sr. Pinto Coelho: - Tanto quanto a memória me não falha, o primeiro decreto que criou os organismos de coordenação económica, ao mesmo tempo que lhes atribuía a função pré-corporativa, dizia que esses organismos se podiam manter, como elementos de ligação, ao lado da corporação.
O Orador: - Nesse ponto a memória de V. Ex.ª falha, porque isso sucede no segundo decreto e não no primeiro.
A primeira ideia da comissão foi de que fossem abrangidos pela excepção só os organismos de coordenação de produtos de exportação, mas, considerando melhor, convenceu-se de que também poderia haver vantagem em manter alguns relacionados com produtos de importação pela necessidade de pôr uma organização poderosa em face de organizações poderosas estrangeiras para defender a economia nacional.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Aqui têm V. Ex.ªs as razões por que se substituiu a fórmula que inicialmente estava na conclusão -organismos coordenadores de produtos de exportação- pela que lá está - organismos relativos a produtos de comércio externo.
Página 975
22 DE MARÇO DE 1947 975
O Sr. Botelho Moniz: - V. Ex.ª dá-me licença? No caso do bacalhau, existe no estrangeiro para a exportação precisamente o que aqui existe para a importação.
O Orador: - Eu não só dou licença, mas até agradeço a V. Ex.ª que alguns casos que eu não esclareça me sejam apontados, pois suponho que, graças ao contacto que tive com a comissão, estarei em condições de responder. Mas, também, se não estiver, com a maior sinceridade direi que não sei.
Outras críticas que tenho ouvido referem-se à posição do Conselho Técnico Corporativo perante as conclusões: numa diz-se que se faz daquele Conselho um órgão macrocéfalo; noutra, precisamente o inverso que se deixa diminuído como um senhor desbaratado.
A primeira crítica tem como fonte a alínea 2) da conclusão I), em que se propõe sejam integrados no Conselho Técnico Corporativo os poderes relativos à importação e exportação, que até aqui pertenciam a organismos de coordenação. Foi formulada pelo Sr. Deputado Águedo de Oliveira.
O Sr. Águedo de Oliveira:-V. Ex.ª dá-me licença?
Esse direito teria apenas como razão de ser a hipótese de um autodirigismo puro e completo, que V. Ex.ª já afastou de certa maneira.
O Orador: - Não; porque eu e a comissão, onde o problema foi discutido, assentámos na ideia de que não se pode recusar ao Estado o direito de intervir no comércio externo. Intervir no comércio externo não significa ser importador ou exportador, mas ter a faculdade de determinar contingentes de importação ou de exportação e, em determinados casos, de fixar mesmo os mercados.
O que está nessa alínea é dirigismo, que não pode recusar-se ao Estado, visto ser mais função do próprio Estado do que da organização corporativa.
O que é que se diz aí? Diz-se que pertence ao Conselho Técnico Corporativo, que é um órgão directo do Estado, a competência que, em matéria de comércio externo, pertencia a organismos de coordenação que venham a extinguir-se e que se entenda não dever atribuir-se às corporações.
Não se pensou em fazer um organismo macrocéfalo. Pensou-se apenas em definir uma competência que obtemperasse a estas exigências, e o organismo que, dentro da mecânica do sistema, estava em condições de a receber era o Conselho Técnico Corporativo.
Não foi, portanto, intenção criar um órgão macrocéfalo do Estado, mas apenas procurar um órgão de execução, de certa competência, que deve pertencer ao Estado.
O Sr. Botelho Moniz:- Função que, de resto, já hoje pertence, como orientação superior, ao Conselho Técnico Corporativo.
O Orador: - Mas há um caso ou outro em que a competência pertencia a organismos de coordenação económica, e é este diminuto volume de competência que a comissão propõe que, com a extinção dos organismos de coordenação económica, seja atribuída ao Conselho Técnico Corporativo.
Mas diz-se por outro lado - ó a outra crítica perfeitamente oposta: das conclusões do relatório sai diminuído o Conselho Técnico Corporativo.
Confesso que me custou a acertar com a base que poderia servir de fundamento a esta crítica e não encontrei senão nas conclusões do relatório aquela passagem em que se diz que os serviços de fiscalização que hoje funcionam junto do Conselho Técnico Corporativo haviam
de passar para o tribunal especial que nas mesmas conclusões se prevê.
Ora bem. Isto realmente corresponde a tirar do Conselho Técnico Corporativo um serviço que agora existe nele, mas nunca a diminuir o Conselho Técnico Corporativo.
O que c que se pretende com a criação deste tribunal?
Sabe-se que não é possível uma comissão parlamentar de exercício permanente, pois a nossa Constituição e o Regimento, que permitem a constituição de comissões permanentes, não consentem que estas sejam de exercício permanente e evidentemente também o não podem ser as comissões eventuais.
Mas à comissão pareceu, precisamente por se tratar duma organização nova, incipiente, apesar dos seus dez anos de idade, que era conveniente ela ser constantemente acompanhada e vigiada. Vigiada dentro da hierarquia que lhe é própria, ou fora da hierarquia que lhe é própria ?
Foi este o problema que se pôs à comissão.
O sistema bom seria que essas funções fossem desempenhadas por unia comissão parlamentar. Mas isso é, como se disse, constitucional e regimentalmente impossível.
O que se pretendeu então?
Pretendeu-se encontrar uma fórmula que tornasse possível que a organização fosse constantemente acompanhada, vigiada...
O Sr. João do Amaral: - Como não tem sido até agora...
O Orador: - ...constantemente acompanhada, vigiada, para se evitar que daqui a alguns anos outra Assembleia Nacional tivesse de fazer o mesmo que esta Assembleia teve de realizar agora. E, então, como se não queria, para evitar o sabor a equipe -ou, em vez de equipe, que eu gosto de trabalhar em equipe, para se evitar o sabor a confraria que leva a proteger todos os irmãos, a defender todos os irmãos (Risos) - foi-se para a solução do tribunal.
E aqui tom V. Ex.ªs como, já que não era possível uma comissão parlamentar, se foi para a ideia do tribunal. Devo dizer a V. Ex.ª que, na ideia da comissão, o que no tribunal deve ter uma importância particular é o serviço do Ministério Publico.
Não é menos consideração pela magistratura judicial, é dizer que ela aqui só aparece para responder à necessidade lógica de subtrair a organização à hierarquia do Executivo, a que normalmente devia estar subordinada.
Isto terá parecido grave porque pode vir a interpretar-se como significando que a comissão quer dizer t que a organização é tal que importa constituir um acusador público para a grande criminosa». Liga-se muito esta ideia ao Ministério Publico.
As pessoas que estão aqui formadas em Direito, e mesmo as que o não são, sabem naturalmente que a função do Ministério Público não é só acusar, é colaborar na descoberta da verdade.
Portanto, acusar ou defender, conforme o caso.
Deve dizer-se, entretanto, que, apesar de isto ser assim,, e de ser ensinado há muitos anos, em geral o Ministério Público tem o hábito de pensar que a sua função é antes de acusar do que investigar a verdade; pelo menos, de que é preciso acusar para chegar à verdade.
O Sr. Botelho Moniz: - Nos tribunais militares chama-se-lhe promotor de justiça.
No julgamento de 18 de Abril o actual Chefe do Estado, como promotor de justiça, pedia a absolvição doa réus.
Página 976
976 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
O Orador: - Afinal, o que se pretende quando se fala, nas conclusões, do Ministério Público é constituir uma espécie de procuradoria, um serviço largo do Ministério Público.
V. Ex.ªs certamente sabem o que é a Procuradoria Geral da República. Pois é um serviço parecido, embora não tão luzido, o que se pretende: um procurador com os seus adjuntos, juristas com boa formação económica que disponham da competência e dos meios necessários para poder acudir a todos os desvios provenientes de acção ou inacção com toda a prontidão, oficiosamente ou a solicitação de quem quer que se lhes dirija e seja qual for a forma por que o faça.
Um órgão disposto a seguir todas as queixas, e, independentemente de as receber, a ir procurar o que há para desde logo resolver.
Como V. Ex.ª vêem, não houve, portanto, senão a ideia - como hei-lhe dizer? - de, com intuito corporativista, defender o corporativismo, ao propor à Assembleia aquela conclusão que é considerada por alguns como promanando de inimigos declarados e velhos do corporativismo.
As outras conclusões procuram obviar de futuro a vícios, que se verificaram. I lá tendência nos organismos para não responderem ou demorarem as respostas. Era preciso acudir a isso de alguma maneira, e então o que se propõe? Que se organize um sistema jurídico que imponha aos organismos a obrigação de responder, porque, se não responderem, o simples decurso de um certo prazo será suficiente para que o problema deva considerar-se como resolvido em certo sentido, ou em condições de, à falta de solução, poder fazer-se decidir por via contenciosa. Pretende-se, pois, corrigir vícios que no relatório se assinalam.
O mesmo na conclusão em que se sugere que se estabeleçam por via legislativa os critérios legais do condicionamento do exercício das actividades: é a expressão da luta contra as tendências monopolistas. É, como desejava o Sr. Deputado Águedo de Oliveira, o estabelecimento de uma parte essencial do estatuto da empresa privada.
Ainda o mesmo quanto à conclusão relativa à coordenação.
É claro que a da própria noção de corporação o exercício de coordenação de todas as actividades ou produtos que domina. Desde que a comissão propunha que se substituíssem os organismos de coordenação pelas corporações, devia estar assegurada a coordenação efectiva.
As corporações, porém, respeitam a sectores económicos determinados e diferenciados; portanto, sobre a coordenação que fazem põe se o problema da coordenação das próprias corporações.
Mas na nossa legislação já existe o instrumento para essa coordenação, e que é o Conselho Corporativo, coustituido pelo Presidente do Conselho, pelas Ministros das pastas económicas e por certos Subsecretários. Existe na lei; (simplesmente, não tem praticamente funcionado.
Portanto esta conclusão propõe-se à consideração da Assembleia e à sua aprovação precisamente para significar que se pretende que seja efectivamente exercida a função de coordenação que cabe àquelas instituições.
É a altura de referir a nota que sobre coordenação trouxe ao debate o Sr. Deputado Henrique Gahão. Devo dizer que considero o seu discurso um contributo notável para este debate na parte em que se refere aos elementos da organização corporativa. Quando digo que é um bom contributo nesta parte não quero significar qne ao meu espírito apareça diminuída a parte em que S. Ex.ª se não refere propriamente ao debate mas estava no plano do aviso prévio que tinha anunciado.
Há, na verdade, unia parte nesse discurso que não tem nada com a organização corporativa. É aquela em que o Sr. Deputado Henrique Galvão procura demonstrar a falta de coordenação entre órgãos do próprio Estado do mesmo entre governantes, e até a solução, que propõe, de um conselho económico imperial é unia solução que não pode ser colocada no plano corporativo, mas sim no plano de coordenação dos vários departamentos do próprio Estado.
O Sr. Botelho Moniz:- V. Ex.ª dá-me licença?
Em todo o caso, viria a funcionar et»se conselho económico imperial precisamente como deveria ter funcionado o Conselho Corporativo.
O Orador: - Se já temos o Conselho Corporativo e se esto exercer efectivamente as suas funções de coordenação, é duvidosa a necessidade do conselho económico imperial...
O Sr. Henrique Galvão: -Parece-mo que os dói» problemas se podem apresentar segundo a minha ideia conjuntamente, porque, se de facto a primeira parte do discurso não diz respeito à acção dos elementos da organização corporativa, parece-me, pelo menos, que nesse plano eles estão no horizonte desses elementos da organização corporativa.
O Orador: - Eu só quero notar a V. Ex.ª o seguinte: a comissão do que tinha de tratar era dos elementos da organização corporativa.
O plano em que o Sr. Deputado Henrique Galvão pôs o problema é um plano em que não estão só os elementos da organização corporativa. É uma contribuição para a solução da questão, sem dúvida nenhuma. Já o afirmei.
Quero acrescentar: conheço o problema através dos próprios trabalhos do Sr. Deputado Henrique Galvão.
A solução que o Sr. Deputado Henrique Galvão propõe é a mesma a que foi conduzido através de uma inspecção que fez aos organismos de coordenação e corporativos coloniais.
Bem. Nessa inspecção pôde averiguar um conjunto de factos que o conduziram a formular uma certa solução.
Devo dizer que S. Ex.ª, cautelosamente, no final do sen trabalho, afirma mesmo que .põe essa solução -mais ou menos a que ontem apresentou- como uma hipótese de solução.
Esta solução assim proposta como hipótese de solução do Sr. Deputado Henrique Galvão foi submetida à apreciação do Conselho do Império.
Não sei se V. Ex.ª já o sabia.
O Sr. Henrique Galvão: - Soube-o por V. Ex.ª
O Orador: - E o Conselho do Império pronunciou-se no sentido de que sim, que de um modo geral não há fundamentos de principio a opor-lhe.
Simplesmente lho pareceu que no momento a sua execução podia constituir um elemento de perturbação grave.
O Sr. Botelho Moniz: - Quando foi dada essa resposta?
O Orador: - Não posso dizer de cor a data, mas tenho ali, na pasta, os elementos necessários para responder a V. Ex.ª
O Sr. Botelho Moniz: - Não vale a pena.
O Orador: - Foi o Ministro Marcelo Caetano quem ordenou a inspecção. Foi o Ministro Marcelo Caetano quem mandou submeter a hipótese de solução do Sr. Deputado Henrique Galvão ao Conselho do Império e foi o Ministre
Página 977
22 DE MARÇO DE 1947 977
Marcelo Caetano quem depois pronunciou sobre este trabalho de inspecção do Sr. Deputado Henrique O ai vão os despachos que entendeu. Ha, na verdade, despachos vários do Ministro Marcelo Caetano dando execução a várias das sugestões feitas pelo Sr. Deputado Henrique Galvão, então feitas como inspector superior colonial. Foi também o Ministro Marcelo Caetano quem mandou à consideração do Conselho do Império a hipótese de solução a que acima se alude.
O Sr. Botelho Moniz: - É que se existisse esse conselho coordenador para o Império não se teriam com certeza dado as desigualdades de tratamento económico entre as várias colónias portuguesas.
O Sr. Henrique Galvão: - É assim mesmo. Esse ó que é o ponto.
O Orador: - Não tinha no meu pensamento fazer este desenvolvimento, mas, já agora, não quero deixar de acrescentar que hoje o Sr. Dr. Marcelo Caetano me telefonou a perguntar se nos relatórios da 3.ª subcomissão havia alguma coisa de onde pudesse concluir-se que S. Ex.ª não actuou como devia sobre os processos de inspecção que ordenara aos organismos de coordenação e corporativos das colónias.
Respondi que não, que não havia absolutamente nada. Folgo por ter-me sido dado ensejo de fazer esta nota.
E creio que o conteúdo essencial das conclusões está analisado. Se V. Ex.ªs, contudo, não estão completamente esclarecidos, eu ponho me à vossa disposição para prestar os esclarecimentos complementares que desejarem.
Seguia-se fazer a análise de observações feitas pêlos oradores que me precedem m e a que ainda não aludi.
A hora vai adiantada e por isso só farei algumas rápidas referências.
O Sr. Deputado Teotónio Pereira não concordava com a ideia expressa na conclusão em que se sugere a reorganização do Gabinete de Estudos do Conselho Técnico Corporativo de modo a torna Io uma verdadeira escola de dirigentes.
Digo isto porque, no movimento quente das suas ideias, apareceu a frase: «do bons dirigentes estamos nós fartos». Mesmo assim. É claro que, na concepção que resulta do relatório, o delegado do Governo, para o qual S. Ex.ª desejaria preparado, é um dirigente, e não deve deixar de o ser nesta fase ainda incipiente da nossa organização corporativa. Deve conhecer completamente os assuntos. O poder utilizar o direito de veto significa uma forma de direcção; mas, independentemente disso, o conhecimento das questões e a sua posição nos organismos permitem-lhe naturalmente orientá-los para o melhor sentido das soluções.
Devo acrescentar que a ideia que estava na base do pensamento do Sr. Deputado Teotónio Pereira era esta: ou se encontram dirigentes nas próprias actividades privadas que se organizam, ou então é melhor desistir da organização.
Claro que atrás desta fórmula está a ideia do que, no pensamento de S. Ex.ª, o que se justifica é o corporativismo de associação ou a autodirecção o não o corporativismo de Estado. Mas assim temos de encontrar dentro das actividades as pessoas capazes de dirigir a organização dessas mesmas actividades. Se não as encontrarmos, o melhor é acabar com isto, no raciocínio de S. Ex.ª
Deve dizer-se, entretanto, que são encontramos já no nosso Pais e em algumas actividades pessoas competentes para dirigir, há uma grande massa delas que o não são. Não podemos afirmar que a massa dos nossos industriais, ou a massa dos nossos comerciantes, ou a massa dos nossos agricultores tenha realmente a preparação económica, não digo teórica, digo prática, ou o
conhecimento, prático também, dos problemas, para poderem supor-se como bons dirigentes.
O Sr. Teotónio Pereira: - V. Ex.ª dá-me licença? Aí é que o delegado do Governo substitui.
O Orador:- Está bem, mas nem sempre a sua intervenção será só por si eficaz. Suponho que V. Ex.ª vai já concordar comigo. É questão do pôr o problema no plano da corporação. Em primeiro lugar a comissão não propõe que só façam desaparecer todos os organismos de coordenação. Em segundo lugar, se o problema for visto no plano da corporação, como é prevista no nosso direito, dela fazem parte, não só todos os ciumentos de actividades ou produtos que a corporação domine, mas ainda também representantes de serviços do Estado.
Estes é que precisam deixar de ser simples burocratas para poderem ser dirigentes efectivos da economia. Portanto, continua a haver a maior necessidade de se ter uma escola prática de formação de dirigentes.
O Sr. Bustorff da Silva acusou a comissão de ter passado, como cão por vinha vindimada, sobre o excesso da papelada.
Não foi sem considerar o problema que a comissão procedeu assim. O problema foi considerado. Então porque não se desenvolveu no relatório? Não foi porque à comissão agradassem as dificuldades de papelada, não foi porque à comissão não tivesse aparecido, como apareceu ao Sr. Deputado Pacheco de Amorim - a quem agradeço as palavras amigas que me dirigiu, o facto de, além daqueles encargos que estão no relatório expressos em dinheiro, existirem outros.
Há muitos outros encargos, como por exemplo os que provêm da necessidade de percorrer léguas, às vezes em dias consecutivos, para se conseguir compartilhar numa distribuição que frequentemente não chega a alcançar-se.
Não se pôde, no entanto, determinar a medida em que devem dispensar se os papéis.
Ao nosso povo horroriza os papéis c as cadernetas e quando vê um papel e uma caderneta (como nós muito bem sabemos na comissão) procura logo descobrir a maneira de inutilizar o papel ou a caderneta...
O Sr. João do Amaral: - E é por isso que é precisa outra caderneta...
O Orador: - Eis por que a comissão não insistiu nessa matéria da papelada.
O Sr. Botelho Moniz: - De resto isto está explícito no relatório da comissão quando se diz «simplificar métodos e serviços».
O Orador: -Realmente isto foi considerado, mas nos termos muito gerais de quem não viu uma solução precisa.
O Sr. Dr. Mendes Correia afirmou que não são só os organismos, seus dirigentes e agentes que estão em foco; é a própria organização, não concordando com a comissão quando esta afirma que não estava em causa o seu princípio informador, por ser um princípio constitucional.
Não foi precisamente claro. Eu tive a impressão de que o Sr. Deputado Mendes Correia, ao afirmar que estava em causa a própria organização, queria dizer que estava em causa o seu princípio informador.
E claro que estava em causa a organização, se por esta fórmula se entender a estruturação geral do princípio ou a particular dos organismos.
Com este entendimento não há conflito entre a posição do Sr. Deputado Mendes Correia e a da comissão.
Para haver conflito ó preciso que o Sr. Deputado Mendes Correia queira referir-se ao próprio princípio informador da organização.
Página 978
978 DIÁRIO DAS SESSÕES N.' 109
Se se refere à forma de estruturação do sistema corporativo, essa também a comissão considerou que estava em causa, e tanto que é ela própria que propõe que, em vez de certos elementos de estruturação desse sistema, se procurem outros: se extingam os organismos de coordenação e se coustituani as corporações.
O Sr. Henrique Galvão: Eu creio que não era essa a ideia do Sr. Dr. Mendes Correia.
O Orador: Sendo assim, não estava em contradição com a comissão.
Não foi pensamento da comissão aquilatar do valor do próprio principio em que se baseia a organização.
Do seu trabalho, porém, resultou, como largamente se afirma no relatório, que o princípio informador da organização, apesar dos vícios, dos desvios e de tudo o que a ela se apontou, não sai manchado, mas sim engrandecido.
Vozes: Muito bem!
O Sr. Botelho Moniz: Precisamente porque onde se encontraram os vícios foi onde houve falta de respeito pêlos princípios.
O Orador: Não foi só aí, mas foi também aí.
Quero ainda referir-me aos apontamentos que tenho relativos ao discurso do Sr. Dr. França Vigon.
Querem V. Ex.ªs que lhes diga que eu ficava com a tristeza de quem, tendo provocado um debate sobre esta matéria, não conseguira enriquecer a paisagem com a palavra quente, em vez de crítica, de um dos seus entusiastas, se ontem não tivesse falado o Sr. Deputado França Vigon.
Fez um belo discurso, fez um lindo discurso.
Vozes: Muito bem!
O Orador: É agradável ver que ainda há quem, sendo corporalivistu por motivos de inteligência, continuaria a sê-lo mesmo sem eles, porque tem no peito, guarda no coração, n chama que ilumina como as grandes intuições sem necessidade de raciocínios discursivos para demonstrar. Ele vê, não conclui.
Pois, sim, senhor, ele é pelo primado do social sobre o económico; se este não ó de desprezar, deve subordinar-
-se àquele.
E a comissão não deu ao social a importância que lhe devia.
É claro que isto era só fé, que isto era só estilo apologético, que o Sr. Deputado França Vigon usou com muito mais entusiasmo do que a comissão; com mais entusiasmo pelo social, mas não com mais respeito nem com mais admiração.
A comissão começa por dizer que não pôde estudar, que não teve tempo para estudar, e, porque não teve tempo para estudar, colheu uma impressão, através de factos, através do documentos, através de contactos, e, em vez de descrever os factos, transmitiu a impressão colhida. Não relatou os factos, todos os factos de onde havia do induzir-se a verdade; deu a-verdade. Conseguiu-o ou não?
Eu não peço ao Sr. Deputado França Vigon que me dê qualquer resposta, mas atrevo-me a pedir à Câmara que diga se a comissão não conseguiu, realmente, dar a verdade a respeito das instituições presas ao domínio do social.
Claro que o Sr. Deputado França Vigon disse as coisas com muito mais fé, não só fé na instituição, mas
ia a dizer na virtude dos próprios erros da organização. Há uma passagem no relatório, a propósito das
Casas do Povo, que denuncia claramente que também a comissão e eu cremos na organização. É esta: «Faz mais do que pena, faz raiva!». E faz! Faz raiva que instituições concebidas com um pensamento tào belo não tenham podido produzir os resultados que era legítimo, que era lícito esperar delas.
Mas aí, sim, aí funcionou particularmente a sua fé, porque as notas que se fazem no relatório digo-o com a tranquilidade de quem não tem dificuldade em demonstrá-lo são rigorosamente exactas; não está lá nada que não tenha sido suficientemente fiscalizado.
Eu não digo que não haja um certo artificialismo em marcar com linhas geográficas as regiões de eficiência e ineficiência das Casas do Povo; mas digo que a indicação feita a esse respeito no relatório coincide, de um modo geral, com a verdade.
Isto quer dizer que a comissão reconheço haver espalhadas por todo o País Casas do Povo que funcionam bem e têm produzido excelentes resultados. Fora do Alentejo, a percentagem destas é, porém, diminuta.
Faz, no entanto, gosto ver a fé com que, não obstante conhecer estes factos melhor do que nós, o Sr. Dr. França Vigon se nos apresenta como o paladino da sua ideia, da ideia corporativa. Também a comissão é paladiua da ideia corporativa. Estou em crer que também esta Assembleia é paladina.
Vozes: Muito bem!
O Orador: Mas nem o facto de o ser a leva a deixar de pedir que as coisas se ajustem ao sentido forte que animou a sua criação, para merecerem o entusiasmo do Sr. Dr. França Vigon e nós sermos poupados às suas criticas acerbas.
Poderia acabar aqui mesmo; direi mais algumas palavras quanto aos erros a que se refere o Sr. Deputado França Vigon praticados pela comissão: número de dirigentes indicado nos quadros... honorários. Para criticai*, o Sr. Deputado França Vigon colocou se no plano da lei e a comissão no plano dos factos. Por lei só poderiam ser três os dirigentes e nos factos aparecem os mais variados números...
O Sr. França Vigon: Tanto podemos dizer que são três em cada organismo como são seis ou como são sete. Se se consideram como dirigentes os membros da direcção, são trôs; os da direcção e da assembleia geral, são seis; e se se acrescentar o delegado do Governo, são quatro ou seis.
O Orador: O que se escreveu nos quadros foi o que os organismos mandaram dizer. Se estes não sabem distinguir os dirigentes, a culpa não é nossa. Se há erros, nesta matéria, nos quadros publicados, eles são imputáveis aos organismos e não à comissão.
Podia esclarecer completam ente este assunto, mas não vale a pena. A questão não tem interesse, de maneira que passamos adiante. Vou concluir.
Nestes termos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que eu, em nome da comissão do inquérito, peço a V. Ex.ªs que ratifiquem o mandato, para me servir da linguagem do nosso caro colega Bustorff da Silva, que lhe conferiram, votando as conclusões do relatório.
O Sr. Bustorff da Silva:V. Ex.ª dá-me licença?
Eu sugeria que na penúltima conclusão do relatório, adiante da palavra «queixas», se aditasse «reclamações». É que há duas situações a atrnder: a dos que se julgam prejudicados e pretendem queixar-se e a dos que se julgam directa ou indirectamente tocados por qualquer referência do relatório e desejam legitimamente lavar a sua testada.
Página 979
22 DE MARÇO DE 1947 979
O Orador: - Não vejo inconveniente nisso.
Ao terminar, permitam-me V. Ex.ªs que, em meu nome e em nome da comissão, renove os agradecimentos pelo ambiente tão acolhedor que a Assembleia criou à volta da comissão e do seu relatório, bem como pelas palavras tão amáveis que foram dirigidas a todos e a cada um dos membros da comissão.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente: - Considero o debate suficientemente esclarecido.
O Sr. Deputado Ulisses Cortês pediu a palavra para apresentar uma moção.
Suspendo a sessão por uns momentos.
Eram 19 horas e 60 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ulisses Cortês, para apresentar uma moção.
O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: devido ao adiantado da hora, limitar-me-ei a algumas considerações muito sucintas.
Terminou com o brilhante discurso do Sr. Deputado Mário de Figueiredo o debate sobre a organização corporativa. Cumpre reconhecer em primeiro lugar o esforço, honesto e imparcial, da comissão de inquérito, que, através de um trabalho porfiado, levou a cabo a difícil missão que lhe incumbia e soube corresponder inteiramente às suas responsabilidades.
Deve sublinhar-se também a elevação que caracterizou o debuto e a contribuição positiva que dele resulta para o aperfeiçoamento da organização.
Não seria justo esquecer finalmente o que este amplo inquérito representa como esforço de autocrítica, como coragem política, como insatisfação pela obra realizada e como anseio de perfeição.
Ao terminar o debate, podemos levar connosco a certeza de que cumprimos o nosso dever e de que, para alem dos erros e dos desvios, puramente funcionais, nada do substancial temos a rectificar.
Mantém-se, pois, inalterável e viva a nossa fé no sistema e a adesão incondicional aos princípios que o informam.
Supondo exprimir o pensamento da Assembleia, tenho a honra de mandar para a Mesa a seguinte moção:
"A Assembleia Nacional, tomando conhecimento do relatório da sua comissão de inquérito aos elementos da organização corporativa e apreciando o debate que sobre ele se produziu, reconhece, em face dos factos apurados:
1.° Que não foi afectado o princípio corporativo, cuja eficiência na estruturação das actividades essenciais do País é manifesta;
2.° Que todos os organismos de coordenação económica corresponderam a conveniências do momento ou a exigências da própria lógica do princípio constitucional da orgânica corporativa;
3.º Que na emergência de guerra o País ficou devendo à organização corporativa relevantes serviços, como instrumento da política económica da Nação;
4.° Que no sector social a acção realizada se integrou nos princípios definidos nas leis fundamentais e correspondeu às aspirações da Revolução Nacional no sentido de assegurar a melhoria progressiva das condições dos trabalhadores no quadro da paz e da ordem social;
5.° Que os defeitos e erros apontados no relatório, se provieram, sem dúvida, de deficiências de ordem técnica e de faltas que importa corrigir, se explicam também pelo facto de a organização ter sido surpreendida pela guerra na sua fase quase embrionária e de ter sido utilizada, por imperativo das circunstancias, em intervenções e actividades estranhas à índole, à pureza e aos objectivos do sistemas.
O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor do ocuparem os seus lugares.
Vão votar-se em primeiro lugar as conclusões do relatório, com a alteração introduzida na conclusão IX que consiste em acrescentar adiante da palavra "queixas" "e reclamações".
Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a moção mandada para a Mesa pelo Sr. Deputado Ulisses Cortês.
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: eu pedia a V. Ex.ª o favor de mandar ler segunda vez a moção de Sr. Deputado Ulisses Cortês.
Por minha parte, da impressão que me ficou da primeira leitura, eu, se essa impressão se confirmar quanto ao n.° 2.°, não posso por forma nenhuma dar-lhe o meu voto.
O Sr. Presidente: - Vai ser lida de novo a moção. Foi lida.
O Sr. Pacheco de Amorim (para explicações): - Desejava perguntar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, qual a razão desta moção, porque me parece que, se na moção se diz a mesma coisa que está nas conclusões do relatório, é inútil; se é diferente, pode dar em resultado ficarmos em contradição com as referidas conclusões.
O Sr. Ulisses Cortês: - Eu suponho que todo se esclarecerá com uma pequena modificação da minha moção, e por isso peço a V. Ex.ª Sr. Presidente, que me autorize a alterá-la.
O Sr. Presidente: - Convido V. Ex.ª a vir à Mesa indicar as alterações que pretende introduzir na sua moção.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Enquanto o autor da moção está a introduzir-lhe algumas alterações, eu respondo ao Sr. Deputado Pacheco de Amorim.
As conclusões do relatório são obra da comissão, mas sobre esse relatório produziu-se um longo debate.
É, portanto, admissível e natural que a Assembleia exprima o sou pensamento não só sobre as conclusões, como também acerca do debate que sobre essas conclusões se produziu.
O Sr. Pacheco de Amorim: - Sr. Presidente: ainda não estou convencido. Se se tem posto à escolha votar a moção ou votar as conclusões do relatório, ainda se compreendia que a Assembleia optasse por uma das formas. Mas, uma vez votadas as conclusões, a moção fica nestas circunstâncias: ou diz as mesmas coisas e é inútil ou diz coisas diferentes e fica em contradição.
O Sr. Presidente: - Não tem V. Ex.ª razão. Seria necessário demonstrar que a moção diz o mesmo que as conclusões ou o contrário delas. Mas a moção pode acrescentar, além das conclusões, mais alguma coisa
Página 980
980 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 109
que resultou do debate e que exprima o seu sentido político.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: se bem compreendi as conclusões do relatório da comissão de inquérito, elas são apenas "sugestões" ao Governo para praticar determinados actos ou tomar certas providências, ao passo que a moção é uma afirmação de princípios, uma sintetização do debate, ou a consignação dos factos ou das conclusões a que neste debate se chegou.
Por consequência, as conclusões do relatório e a moção são coisas diferentes; e não vejo em que se contradigam. A umas e a outra dou o meu voto com a emenda do texto do n.° 2.° da moção, visto que neste número se quer aludir apenas à "criação" dos organismos e não ao seu "funcionamento".
O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: parece me que o assunto desta nova moção não pode ficar esclarecido sem que incida sobre ele uni debate. De duas uma: ou se renova este debate sobre a moção, e então vamos discuti-la ponto por ponto, ou então, assim como está redigida, essa moção não pode ser votada.
Tenho dito.
O Sr. Ulisses Cortês: - Em referência às considerações do Sr. Deputado Botelho Moniz, devo acentuar que a moção pretende traduzir o sentido deste debate e a posição da Assembleia quanto a opiniões e a aspectos que durante ele foram considerados. É portanto uma conclusão do próprio debate. A sua votação pode, pois, fazer-se independentemente de nova discussão.
O Sr. Presidente: - Interrompo a sessão por alguns momentos.
Eram 20 horas e 28 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 21 horas e 12 minutos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ulisses Cortês tinha pedido a palavra para modificar a sua moção. Tem a palavra o Sr. Deputado Ulisses Cortês.
O Sr. Ulisses Cortês: - Sr. Presidente: pedi a palavra para mandar para a Mesa uma proposta de moção em substituição daquela que tive a honra de apresentar. Esta moção é também assinada por outros Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - A moção que V. Ex.ª, Sr. Deputado Ulisses Cortês, mandou para a Mesa é destinada a substituir a que tinha primeiramente apresentado e que, portanto, se considera prejudicada?
O Sr. Ulisses Cortês: - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Vai ler-se a moção. Seguidamente foi a moção lida. É a seguinte:
"A Assembleia Nacional saúda a sua comissão de inquérito pelo trabalho realizado; considera que os princípios informadores da organização corporativa não saíram diminuídos do inquérito parlamentar e confia em que o Governo saberá zelar a defesa e o prestigio desses princípios, dando satisfação aos votos expressos nas conclusões do relatório.
Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 21 de Março de 1947. - Os Deputados: Ulisses Cortês - João Xavier Camarote de Campos - Artur Proença Duarte - Manuel Colares Pereira - Alberto Cruz - Luís Cincinato da Costa - José Teodoro dos Santos Formosinho Sanches - José Cabral".
O Sr. Presidente: - Vai votar-se a moção que acaba de ser lida.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Está encerrado o debate.
A próxima sessão será amanhã, às 10 horas e 30 minutos, tendo por ordem do dia a discussão da proposta de lei sobre a defesa nacional e, se houver tempo, a proposta de lei relativa ao cinema nacional.
Na sessão da tarde a ordem do dia será constituída pelas Contas Gerais do Estado e pelas contas da Junta do Crédito Público.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Álvaro Henriques Perestrelo de Favila Vieira.
António Maria Pinheiro Torres.
Belchior Cardoso da Costa.
Camilo de Morais Bernardes Pereira.
Henrique de Almeida.
José Luís Augusto das Neves.
Jorge Botelho Moniz.
José Alçada Guimarães.
José Dias de Araújo Correia.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pereira dos Santos Cabral.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Mendes de Matos.
Manuel Colares Pereira.
Ricardo Malhou Durão.
Sebastião Garcia Ramires.
Teotónio Machado Pires.
Srs. Deputados que faltaram â sessão:
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
Alexandre Ferreira Pinto Basto.
Álvaro Eugénio Neves da Fontoura.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jacinto Bicudo de Medeiros.
João Carlos de Sá Alves.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim Saldanha.
Jorge Viterbo Ferreira.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Luís Lopes Vieira de Castro.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Mário Lampreia de Gusmão Madeira.
Rafael da Silva Neves Duque.
O REDACTOR - Luís de Avillez.
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA