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934 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 51

avançasse até ao âmago da questão, no que se refere à actualização da orgânica interna das nossas bibliotecas e dos nossos museus, tão ricos, mesmo tão opulentos de recheio, que, na verdade e em geral, são vastas necrópoles de valores inertes ou adormecidos.
No fundo a eterna questão: falta de pessoal técnico e auxiliar, defeituosa articulação dos serviços da especialidade, afastamento e mesmo divórcio das escolas ou Faculdades a que deviam estar estrutural e orgânicamente ligados.
O escasso pessoal técnico opera milagres de dedicação e trabalho, mas essa extraordinária dedicação e esse extenuante trabalho não chegam para a conveniente conservação e guarda de tantos e tão preciosos valores.
Como recrutar pessoal idóneo sem remunerações idóneas?
Apoiados.
Se para as bibliotecas nacionais o problema é menos agudo, porque ainda continuam os cursos e concursos, para os museus a aquisição de novo pessoal especializado é aflitiva, porquanto os estágios foram e continuam suspensos.
Basta citar um exemplo, que é o mais típico, por se tratar do mais rico e importante museu do País: o Museu de Arte Antiga, chamado das Janelas Verdes.
Possui actualmente um director e um conservador, por sinal uma conservadora, visto ser uma senhora quem desempenha a função.
Toda a gente sabe que esse museu abrange duas grandes secções: uma de pintura e outra de artes decorativas, qual delas a mais extensa e valiosa. Esta singela indicação revela que há necessidade imperiosa de pelo menos, um segundo conservador.
Sei que são necessários normalmente quatro conservadores.
Se um tal museu funciona, isso deve-se à extraordinária dedicação e proficiência do seu ilustre director, o Dr. João Couto (Apoiados), a quem presto neste momento as minhas mais rendidas homenagens.
É, porém, preciso ter presente que os museus e bibliotecas devem, para deixar de ser sombrias necrópoles, desempenhar cabalmente duas funções específicas: uma de recolha e conservação de belas coisas, outra de ordem didáctica, ou seja, de aproveitamento educacional dessas belas coisas.
Para uma e outra função impõe-se entrar afoitamente no caminho da acção. Para isso urge obter o necessário pessoal idóneo, a conveniente instalação e arrumação das espécies e a remodelação da orgânica dos serviços, com vista a mais frutuoso proveito para a cultura nacional.
Sr. Presidente: fora do património nacional das nossas bibliotecas há núcleos extremamente importantes na posse de particulares, que pela sua natureza e qualidade deviam ser urgentemente adquiridos pelo Estado. É o caso da biblioteca de António Duarte de Sonsa, apontado e defendido pelo Sr. Deputado Manuel Múrias, e é o caso muito especial da biblioteca do conde da Esperança, em Évora. Poderá parecer obstinação da minha parte e excesso de chauvinismo o trazer para esta Câmara mais uma questão eborense.
Não se trata, Sr. Presidente, de uma questão eborense, mas sim, muito, marcadamente, de uma questão de cultura nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que a biblioteca do conde da Esperança é de tal importância e valia que tem sido um crime de lesa-cultura o sequestro a que têm estado votadas as preciosas obras, que em número ultrapassam uma dezena de milhares.
Mas antes de mais, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, um pouco de história da questão.
A citada biblioteca do conde da Esperança foi criada por e durante a longa vida deste ilustre titular e por ele instalada na Quinta da Manizola, nos arredores da cidade de Évora.
Ainda em vida o dono e fundador quis doar à cidade a sua preciosa livraria. Dificuldades de espaço na Biblioteca Pública eborense, dificuldades na aquisição de prédio anexo impediram que se efectivasse essa doação. Dada a demora na solução preconizada, o generoso doador transferiu a sua vontade para o testamento, legando à cidade a biblioteca da Manizola.
Após a morte do testador, os herdeiros contestaram a legitimidade dessa cláusula e o tribunal anulou a sua validade por motivos jurídicos que não vale a pena sequer citar.
Em face do risco de dispersão, o Estado, através dos organismos respectivos, reconhece o alto valor do núcleo bibliotecal e arquivístico e enceta negociações com os herdeiros para á sua aquisição por compra. Não se chega a acordo de cifras, e então, em fins de 1933, o Ministério da Instrução mandou proceder ao arrolamento das obras mais valiosas. Este arrolamento, dizem-me pessoas abalizadas, foi feito precipitadamente, por isso que muitas outras obras ficaram no esquecimento e fora da protecção oficial.
Mesmo assim, foram arroladas cerca de oitocentas obras impressas e mais de .unia centena de códices.
Mais adiante indicarei algumas destas peças arroladas para se fazer uma ideia mais exacta do núcleo da Manizola.
Várias diligências foram feitas junto dos poderes superiores para que a compra se efectuasse. Da última, em 1946, comparticiparam representantes das forças vivas da cidade, que ao Sr. Ministro da Educação Nacional de então solicitaram as adequadas providências. Nenhuma dessas tentativas foi coroada de êxito.
Urge enfrentar com decisão o problema com a renovação de negociações junto dos herdeiros, actuais proprietários, que, segundo creio, estão na melhor disposição de facilitar à Nação o usufruto dessa valiosa colecção de elementos de trabalho, hoje fora do alcance e até da vista ou visita dos estudiosos.
Contràriamente, os herdeiros estão no direito de vender e dispersar todas as espécies, com grave prejuízo para a cultura nacional.
O problema do espaço na Biblioteca Pública eborense está resolvido, depois que foi adquirido e anexado o Convento dos Lóios, onde há salas vazias destinadas à instalação dessa colecção.
Confio em que o Governo, e em especial o Sr. Ministro da Educação Nacional, revejam este instante problema e o resolvam como convém aos altos interesses da cultura nacional.
Para terminar, consinta, Sr. Presidente, que leia os apontamentos que aqui tenho sobre as obras mais importantes do núcleo arrolado em 1933:

No grupo dos impressos abundam os exemplares raros e os exemplares únicos; no grupo dos códices encontram-se manuscritos de grande interesse para a História, principalmente para a história de Évora.
Vejamos algumas peças em pormenor:

A) IMPRESSOS:

Neste núcleo encontram-se mais de duas centenas e meia de impressos do século XVI, sendo cento e três impressos em Portugal. Compreende ainda este núcleo cinquenta e quatro incunábulos.