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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 51

ANO DE 1950 27 DE ABRIL

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 51 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

Em 26 dse ABRIL

Presidente: Exmo. Sr.Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 48.
Foram, aprovados rotos de pesar, propostos pelo Sr. Presidente, pelos falecimentos do Prof. Vieira da Rocha, antigo Procurador à Câmara Corporativa, e do pai do Sr. Deputado Calheiros Lopes.
Usaram da palavra os Srs. Deputadas Melo Machado, que se referiu à situação dos professores do ensino médio agrícola; Amaral Neto, para um requerimento; Bartolomeu Gromicho, para chamar a atenção de quem de direito para a situação da biblioteca do conde da Esperança; Mascarenhas Gaivão, que fez considerações sobre a próspera situação da colónia de Moçambique; António Maria da Silva, para observações sobre o que dispõe o Decreto n.º 36:020, de 7 de Dezembro de 1946; Pinto Meneres, que condenou a proibirão de as enfermeiras dos hospitais civis se poderem casar, e Pinto Barriga, para enviar para a Mesa um requerimento.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão das Contas Gerais do Tintado para o ano de 1948 e das contas da Junta do Crédito Público. Usaram da palavra os Srs. Deputados Antunes Guimarães, Santos Tenreiro, Botelho Moniz e Sá Viana Rebelo.
Postas à votação, foram aprovadas as propostas de resolução sobre as Contas Gerais do Estado e das emitas da Junta, do Credito Público relativas ao ano de 1948.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
André Francisco Navarro.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António Sobral Mendes de Magalhães Ramalho.
António de Sousa da Câmara.
Artur Águedo de Oliveira.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.

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Délio Nobre Santos.
Diogo Pacheco de Amorim.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Francisco Higino Craveiro Lopes.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique Linhares de Lima.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Horácio José de Sá Viana Rebelo.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal.
João Antunes Guimarães.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Maria Braga da Cruz.
José Nosolini Pinto Osório da Silva Leão.
José Pinto Meneres.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Maria Vaz.
Manuel de Sousa Meneses.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 79 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 48.
Pausa.

O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados deseja usar da palavra sobre o Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Exposição

De Abílio Olímpio Pinto Delgado, queixando-se da sua demissão de professor primário do concelho de Murça, distrito de Vila Real.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa os elementos enviados pelo Ministério da, Marinha em satisfação do requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Santos Bessa na sessão de 28 de Março findo.
Vão ser entregues ao mesmo Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Sabem VV. Ex.ªs, pelo relato da imprensa, que há dias faleceu o ilustre professor de Direito Sr. Dr. Albino Vieira da Rocha, antigo Deputado e membro ilustre da Câmara Corporativa, onde foi, durante anos sucessivos, o relator do parecer sobre a Lei de Meios, dando, portanto, nessa qualidade, a esta Câmara a sua utilíssima colaboração.
Estou certo de que a Assembleia sente o mais profundo, pesar pela morte do Dr. Vieira da Rocha.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também ontem faleceu o pai do nosso digno colega Dr. Calheiro Lopes, a quem, em nome da Assembleia, quero exprimir o nosso sentimento por tão doloroso acontecimento.

Vozes: - Muito bem!
Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Melo Machado.

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente; nesta teia de Penélope que é a administração pública, onde constantemente se forma e reforma, acontece, por vezes, criarem-se situações do desigualdade que se transformam em profunda injustiça, até porque, em alguns casos, duram tempo excessivo.
Quero referir-me, Sr. Presidente, aos professores do ensino médio agrícola e, consequentemente, à reforma do ensino técnico profissional.
Em 1931 o Decreto n.º 19:908 reformou o ensino agrícola e estabeleceu a paridade de vencimentos entre os professores deste ensino e os do ensino liceal, acrescidos de uma gratificação de 200$ mensais por especialização. Em 1935 o Decreto-Lei n.º 26:115 promulgou a reforma dos vencimentos do funcionalismo público, mantendo a equiparação dos vencimentos dos professores do ensino médio agrícola com os dos professores do ensino liceal. Todavia, este decreto esqueceu a gratificação que era dada a estes professores, de mais 200$ por mês, por motivo de especialização. Os vencimentos fixados por este Decreto-Lei n.º 26:115 nunca foram abonados aos professores do ensino médio agrícola porque, pelo seu artigo 44.º, diz-se que aqueles só serão abonados depois de publicada a reforma dos respectivos serviços.
Como sabem, em 1947 publicou-se a Lei n.º 2:025, que foi aprovada por esta Assembleia, e por ela se reformou o ensino técnico profissional - industrial, comercial e agrícola.

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Em Setembro de 1947 foi publicado o Decreto-Lei n.º 36:507, que reformou o ensino liceal, pelo qual foram dados aos seus professores os seguintes vencimentos:

Sem diuturnidade ............ 1.800$00
Com uma diuturnidade ........ 2.250$00
Com duas diuturnidades ...... 2.750$00

Pelo Decreto-Lei n.º 37:028 foi regulamentada a reforma do ensino técnico, mas simplesmente na parte do ensino comercial e industrial, não tendo sido tratada a parte relativa ao ensino agrícola. Essa lei estabelecia para este ensino exactamente os mesmos vencimentos que tinham os professores dos liceus, como, aliás, já estava determinado.
Sucede que os professores do ensino agrícola e elementar - e certamente VV. Ex.ªs não estranharão que eu me interesse por esses professores - desde 1935 vivem em desigualdade de circunstâncias com aqueles seus colegas do ensino técnico profissional.

O Sr. Pinto Barriga: - V. Ex.ª dá-me licença?
É apenas para dar inteira razão à sua intervenção. As anomalias são hoje de tal ordem que casos há em que os professores de ensino superior ganham menos do que os de uma escola de ensino técnico elementar.

O Orador: - Sr. Presidente: estes professores, neste momento, recebem menos do que deviam: sem diuturnidade, 512080- em cada mês; com uma diuturnidade, 1.048$; com duas diuturnidades, 1.644$90. É este o prejuízo que representa para estes professores o facto de não se ter publicado o regulamento respeitante ao ensino médio agrícola.
O § 4.º do artigo 109.º da Constituição diz que as leis que não se podem executar por si próprias devem ser regulamentadas dentro de seis meses. Se é compreensível que com referência à Lei n.º 2:025 se não possa respeitar este prazo, visto que era preciso fazer vários regulamentos, todavia desde 1947 até 1950 vão três anos!
Sei que o Sr. Ministro da Educação Nacional tem o assunto entre mãos e a minha intervenção é para pedir a S. Ex.ª que não demore a solução deste assunto, visto que os professores já foram bastante sacrificados.

O Sr. Mário Albuquerque: - Mas há algum professor em Portugal que não tenha sido sacrificado?!

O Orador: - Normalmente recebe aquilo que a lei consigna. Diz a base XXV desta Lei n.º 2:025:

Os vencimentos do pessoal dos quadros docentes das escolas dependentes da Direcção-Geral do Ensino Técnico Elementar e Médio serão fixados na base da sua equiparação aos que se encontrem legalmente estabelecidos para os lugares dos serviços técnicos do Estado a cujos titulares foram exigidos os cursos que dão ingresso nas diferentes categorias do magistério técnico, devendo ter-se em conta a correspondência entre os diversos graus das escalas dos dois serviços.

Apesar desta clara determinação da lei, quero ainda dizer a VV. Ex.ªs que os professores assistentes dos institutos técnicos, para quem se exige o curso de engenheiro, ganham 8500, quando qualquer engenheiro de 3.ª classe tem como ordenado-base 1.600$.
Outra anomalia que me parece deve ser ràpidamente terminada.
A este respeito também já o Sr. Ministro da Educação Nacional elaborou diploma, mas quando esse diploma estava elaborado veio a circular que mandou suspender os aumentos, promoções, etc.
Termino, Sr. Presidente, fazendo votos por que a estes professores seja dado aquilo a que a lei lhes dá direito.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi, muito cumprimentado.

O Sr. Amaral Neto: - Sr. Presidente: a fim de poder oportunamente tratar de problemas de extensão agronómica e assistência técnica à agricultura no País e da conveniência do seu desenvolvimento, requeiro que, pelos Ministérios da Educação Nacional (com referência aos estabelecimentos de ensino agrícola) e da Economia, me seja prestada informação da natureza, processos e resultados presumidos dessa extensão e assistência, como actualmente se estão efectuando, quer no domínio propriamente agrícola, quer no silvícola é pecuário, e designadamente quanto a:
a) Discriminação dos estabelecimentos ou serviços que as exercem como funções principais ou acessórias, seus fins e mais destacadas actividades na matéria, meios de acção e efeitos verificados, quadros de pessoal, dotações e gastos nos três últimos anos (1947-1949);
b) Campos de estudo e de demonstração existentes, seus lugares e áreas, principais trabalhos e exibições neles efectuados ùltimamente, resultados conseguidos e importâncias das eventuais receitas por vendas de produtos;
c) Assistência prestada a entidades privadas ou em problemas localizados, sob a forma de consultas, análises, etc., e receitas dela provenientes, por estabelecimentos ou serviços e nos últimos três anos;
d) Sentido, formas e resultados das relações que se hajam estabelecido entre serviços dependentes de um e do outro Ministério para os fins considerados neste requerimento, e em especial para os de estudo de problemas nacionais ou regionais e exame e divulgação de elementos e técnicas novas, ou melhoria das tradicionais;
e) Desenvolvimentos previstos.
Tenho dito.

O Sr. Bartolomeu Gromicho: - Sr. Presidente: em 12 do mês corrente, na parte da sessão antes da ordem do dia, o ilustre Deputado e pessoa da nossa maior simpatia Sr. Manuel Múrias trouxe a esta Câmara o interessante caso da biblioteca particular organizada pelo falecido bibliófilo António Duarte de Sousa e que está perigosamente em risco de dispersão.
Ouvi com a maior atenção e interesse a brilhantíssima exposição de S. Exa., que mereceu o meu completo aplauso e, estou certo, o aplauso de toda a Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente não comungo no receio de que assuntos culturais desta natureza pareçam deslocados «numa Câmara como esta, estruturalmente política».
Ora é exactamente de política que se trata, e de um sector tão importante e definido que o Governo de Salazar o crismou de «política do espírito».
Vasta obra tem sido realizada neste campo da política do espírito por via directa e por via indirecta: a vasta e utilíssima obra do Instituto para Alta Cultura; certas realizações do Secretariado da Informação e Cultura Popular; a inestimável obra dos monumentos nacionais; a construção em escala nunca vista de escolas, laboratórios, melhoria de instalações materiais de bibliotecas e museus, etc.
Pena é que, por dificuldades, umas sobrevindas da última guerra e outras pela paragem ou abrandamento na marcha de certas iniciativas, o espirito inovador não

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avançasse até ao âmago da questão, no que se refere à actualização da orgânica interna das nossas bibliotecas e dos nossos museus, tão ricos, mesmo tão opulentos de recheio, que, na verdade e em geral, são vastas necrópoles de valores inertes ou adormecidos.
No fundo a eterna questão: falta de pessoal técnico e auxiliar, defeituosa articulação dos serviços da especialidade, afastamento e mesmo divórcio das escolas ou Faculdades a que deviam estar estrutural e orgânicamente ligados.
O escasso pessoal técnico opera milagres de dedicação e trabalho, mas essa extraordinária dedicação e esse extenuante trabalho não chegam para a conveniente conservação e guarda de tantos e tão preciosos valores.
Como recrutar pessoal idóneo sem remunerações idóneas?
Apoiados.
Se para as bibliotecas nacionais o problema é menos agudo, porque ainda continuam os cursos e concursos, para os museus a aquisição de novo pessoal especializado é aflitiva, porquanto os estágios foram e continuam suspensos.
Basta citar um exemplo, que é o mais típico, por se tratar do mais rico e importante museu do País: o Museu de Arte Antiga, chamado das Janelas Verdes.
Possui actualmente um director e um conservador, por sinal uma conservadora, visto ser uma senhora quem desempenha a função.
Toda a gente sabe que esse museu abrange duas grandes secções: uma de pintura e outra de artes decorativas, qual delas a mais extensa e valiosa. Esta singela indicação revela que há necessidade imperiosa de pelo menos, um segundo conservador.
Sei que são necessários normalmente quatro conservadores.
Se um tal museu funciona, isso deve-se à extraordinária dedicação e proficiência do seu ilustre director, o Dr. João Couto (Apoiados), a quem presto neste momento as minhas mais rendidas homenagens.
É, porém, preciso ter presente que os museus e bibliotecas devem, para deixar de ser sombrias necrópoles, desempenhar cabalmente duas funções específicas: uma de recolha e conservação de belas coisas, outra de ordem didáctica, ou seja, de aproveitamento educacional dessas belas coisas.
Para uma e outra função impõe-se entrar afoitamente no caminho da acção. Para isso urge obter o necessário pessoal idóneo, a conveniente instalação e arrumação das espécies e a remodelação da orgânica dos serviços, com vista a mais frutuoso proveito para a cultura nacional.
Sr. Presidente: fora do património nacional das nossas bibliotecas há núcleos extremamente importantes na posse de particulares, que pela sua natureza e qualidade deviam ser urgentemente adquiridos pelo Estado. É o caso da biblioteca de António Duarte de Sonsa, apontado e defendido pelo Sr. Deputado Manuel Múrias, e é o caso muito especial da biblioteca do conde da Esperança, em Évora. Poderá parecer obstinação da minha parte e excesso de chauvinismo o trazer para esta Câmara mais uma questão eborense.
Não se trata, Sr. Presidente, de uma questão eborense, mas sim, muito, marcadamente, de uma questão de cultura nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que a biblioteca do conde da Esperança é de tal importância e valia que tem sido um crime de lesa-cultura o sequestro a que têm estado votadas as preciosas obras, que em número ultrapassam uma dezena de milhares.
Mas antes de mais, permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, um pouco de história da questão.
A citada biblioteca do conde da Esperança foi criada por e durante a longa vida deste ilustre titular e por ele instalada na Quinta da Manizola, nos arredores da cidade de Évora.
Ainda em vida o dono e fundador quis doar à cidade a sua preciosa livraria. Dificuldades de espaço na Biblioteca Pública eborense, dificuldades na aquisição de prédio anexo impediram que se efectivasse essa doação. Dada a demora na solução preconizada, o generoso doador transferiu a sua vontade para o testamento, legando à cidade a biblioteca da Manizola.
Após a morte do testador, os herdeiros contestaram a legitimidade dessa cláusula e o tribunal anulou a sua validade por motivos jurídicos que não vale a pena sequer citar.
Em face do risco de dispersão, o Estado, através dos organismos respectivos, reconhece o alto valor do núcleo bibliotecal e arquivístico e enceta negociações com os herdeiros para á sua aquisição por compra. Não se chega a acordo de cifras, e então, em fins de 1933, o Ministério da Instrução mandou proceder ao arrolamento das obras mais valiosas. Este arrolamento, dizem-me pessoas abalizadas, foi feito precipitadamente, por isso que muitas outras obras ficaram no esquecimento e fora da protecção oficial.
Mesmo assim, foram arroladas cerca de oitocentas obras impressas e mais de .unia centena de códices.
Mais adiante indicarei algumas destas peças arroladas para se fazer uma ideia mais exacta do núcleo da Manizola.
Várias diligências foram feitas junto dos poderes superiores para que a compra se efectuasse. Da última, em 1946, comparticiparam representantes das forças vivas da cidade, que ao Sr. Ministro da Educação Nacional de então solicitaram as adequadas providências. Nenhuma dessas tentativas foi coroada de êxito.
Urge enfrentar com decisão o problema com a renovação de negociações junto dos herdeiros, actuais proprietários, que, segundo creio, estão na melhor disposição de facilitar à Nação o usufruto dessa valiosa colecção de elementos de trabalho, hoje fora do alcance e até da vista ou visita dos estudiosos.
Contràriamente, os herdeiros estão no direito de vender e dispersar todas as espécies, com grave prejuízo para a cultura nacional.
O problema do espaço na Biblioteca Pública eborense está resolvido, depois que foi adquirido e anexado o Convento dos Lóios, onde há salas vazias destinadas à instalação dessa colecção.
Confio em que o Governo, e em especial o Sr. Ministro da Educação Nacional, revejam este instante problema e o resolvam como convém aos altos interesses da cultura nacional.
Para terminar, consinta, Sr. Presidente, que leia os apontamentos que aqui tenho sobre as obras mais importantes do núcleo arrolado em 1933:

No grupo dos impressos abundam os exemplares raros e os exemplares únicos; no grupo dos códices encontram-se manuscritos de grande interesse para a História, principalmente para a história de Évora.
Vejamos algumas peças em pormenor:

A) IMPRESSOS:

Neste núcleo encontram-se mais de duas centenas e meia de impressos do século XVI, sendo cento e três impressos em Portugal. Compreende ainda este núcleo cinquenta e quatro incunábulos.

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1) Algumas preciosidades dos impressos em Portugal no século XVI:

Temos em referência a Bibliografia das obras impressas em Portugal no século XVI, de António Joaquim Anselmo, 1926.

a) Obras que Anselmo não refere:

Privilégios Apostólicos da Sagrada Religiam de Saiu Joam do Hospital de Hicrusalem, 1524, Lisboa, por Geraldo da Vinha.
De Glorie Libri V, de Jerónimo Osório, 1349, Coimbra, por Francisco Correia (Anselmo só refere a edição de 1578).

b) Obras de que Anselmo não conheceu exemplares:

Constituições Synodais do Bispado de Miranda, 1565, Lisboa, por Francisco Correia.
Historia da muy notável perda do Galcam, em que se contam os grandes trabalhos e lastimosas cousas que acontecerão ao capitulo Manoel de Sousa Sepulveda, 1592, Lisboa, por António Álvares.
Vida do mui glorioso Abade São Bento, 1577, Lisboa, por António Ribeiro.
Processo da Penitente Vida de S anato Amaro, 1577, Lisboa, por António Ribeiro.
Doutrina Christãa, 1554, Lisboa, por Germão Galharde.
Oratio pro Rostris, de L. André de Resende, 1534, Lisboa (German Galhard).
Mystica Theologica, do Padre Sebastião Toscano, 1568, Lisboa, por Francisco Correia.
Família Augustiniana, compilada por Fr. João de S. José, 1565, Lisboa, por João Barreira o Marcos Borges.

c) Obras muito raras e de grande valor:

Grammatica da Língua Portuguesa, de João de Barros, 1540, Lisboa, por Luís Rodrigues.
Constituições Synodaes do Bispado Dangra, 1560, Lisboa, por João Blávio de Colónia. (Anselmo refere apenas a existência de um exemplar conhecido, e este na Biblioteca Nacional, o qual foi adquirido no leilão de Azevedo Samodães por 910$)..

É ainda grande o número de obras impressas portuguesas do século XVI, de que apenas só um exemplar existente em bibliotecas nacionais.

2) Alguns exemplares de incunábulos:

Vita Christi, de Ludolfo de Saxónia, 1495, Lisboa, por Valentim Fernandes e Nicolau de Saxónia.
Cosmographia cum figuris, de Pompónio Melha, 1498, Salamanca (edição de Nunez de la Yerva).
Tratado mucho Proucchoao y de grand doctrina en el qual se contienen materias tocantes al sacramento d'la penitencia, 1492, Burgos, por Fradique Alouram.

3) Alguns dos principais manuscritos:

Tratado dos Deuses Gentilicos de todo o Oriente e dos Ritos e Ceremonias que usaram os Malabares.
Atribuído a Manuel Barradas, e que se encontra em vias de total destruição, pois já dele dizia em 1897 António Francisco Barata: « pena é que a tinta o corroesse muito, sendo talvez impossível restitui-lo nas partes queimadas».
Carta de El-Rey D. Diniz, em que acoutrou a seu irmão Afonso Diniz a Povoa de Salvador Ayres, 1310.
Carta de Afonso Diniz, de doação a seu filho D. Affonso Dinis, 1278.
Colecção da Cartas Régias de 1690 a 1822.
Catalogo Chronologico das Rainhas de Portugal.
Memórias das Cortes convocadas pelos Reis de Portugal.
Breve Relação da Instituição do Convento de S. Francisco.
Fundação da Cartuxa de Évora.
Genealogias dos Resendes.
Memória Eclesiástica do Convento do Salvador, de Franciscanos.
Notícia da Fundação do Mosteiro de Santa Monica.
Livro das Visitações dos Oratórios desta Cidade de Évora, 1591.
Tratados e Convenções mais notáveis em Portugal, 1126-1842.
Rol das cousas ordinárias gastas na Sé em 1588 e 1589.
Chronica de S. Sebastião. Inédita.(Supõe Barata que tenha pertencido à Livraria de Alcobaça).
Regimento dos Cantores e Instrumentistas da Capela da Sé de Évora.
Carta do Padre António Vieira ao Conde de Ericeira.
Carta do Padre António Vieira ao Conde de Castelo Melhor.
Um autógrafo de Bocage.

Manuscritos iluminados:

Breviário, século XV (português).
Livro de Horas, século XV.
Livro de Festas e Missas de Santos.
Theses de Lógica oferecidas a Frei Tomé da Silveira.

A maior parte dos fundos manuscritos desta riquíssima biblioteca interessa grandemente à história de Évora.
A impossibilidade de consulta por parte dos estudiosos destes recheios prejudica grandemente o progresso da nossa cultura.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi cumprimentado.

O Sr. Mascarenhas Galvão: - Sr. Presidente: não é sem confessado receio que volto de novo a falar nesta Assembleia. Faço-o com constrangimento. Não sou orador e, por hábito e até por temperamento, prefiro outra espécie de trabalho mais conforme com as minhas aptidões e formação profissional.
Só aquilo que entendo ser o meu dever me obriga a ocupar, por momentos, a atenção de V. Ex.ª e da Assembleia a que me honro de pertencer.
Sr. Presidente: tenho ouvido repetidas vezes, a princípio com surpresa e sempre com desgosto, versões sobre a vida económica e financeira da colónia de Moçambique que não correspondem, de modo algum, à verdade, e dela até estão paradoxalmente afastadas. Quem, como eu, fez e faz a sua vida em Moçambique, ali constituiu família e ali viu nascer os filhos, não pode ouvir, sem grande mágoa, a injustiça de tais versões.

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O seu progresso e o seu rítmico desenvolvimento em todos os sectores da actividade humana não são, felizmente, para todos nós, uma ficção. São uma realidade flagrante, que, sendo acima de tudo razão de justificado orgulho, mais afervora o patriotismo dos portugueses que ali vivem, trabalham e morrem.
Moçambique cresce, desenvolve-se, enriquece-se. E esta sensação recebem-na todos os que visitam aquela terra sagrada - terra para ser beijada e não pisada, como afirmou eloquentemente Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa.
Sr. Presidente: tenho ouvido falar no fundo cambial da colónia. É, dizem, um ponto fraco.
Ora examinemos os números, pois têm uma força que dispensa comentários.
A posição das divisas cambiais era a seguinte:

Em 31 de Dezembro de 1947 - 174:800 contos;
Em 31 de Dezembro de 1948 - 264:700 contos;
Em 31 de Dezembro de 1949 - 202:900 contos;

e mais o ouro em barra que a seguir indico:

Em 1947 - 247:715,82 onças;
Em 1948 - 208:975,32 onças;
Em 1949 - 302:646,22 onças.

A visão superior de quem preside aos destinos da colónia soube preparar o futuro, garantindo-nos sem alardes ama invejável posição.
Outro ponto: o deficit da balança comercial.
Examinemo-lo:

Valores em contos

[Ver Tabela na Imagem]

Em primeiro lugar há que estudar e interpretar os números. Esclareço, e isto é fundamental, que os números que exprimem valores de exportação referem-se a valores fiscais e não a valores reais. Estes obtêm-se corrigindo aqueles com cerca de 24 por cento a mais.
Por outro lado, convém saber a natureza das mercadorias importadas. Elas elucidar-nos-ão sobre o significado do deficit.
Os seguintes mapas têm o mérito de pôr a verdade diante dos nossos olhos:

Importações

[Ver Tabela na Imagem]

Estas são mercadorias destinadas ao equipamento e apetrechamento económico da colónia. São, de certo modo, o índice verdadeiro do gradual desenvolvimento económico de Moçambique.
E, já agora, há a registar que ainda no corrente ano começará a laborar a fábrica de cimento da Maceira, o que significa que dentro em breve cessará a importação de cimentos.

Combustíveis

(Importações)

[Ver Tabela na Imagem]

O aumento de importação de combustíveis e de lubrificantes corresponde, em parte, à existência de maior número de máquinas agrícolas e industriais e de tractores e ao desenvolvimento dos transportes. Na verdade está em plena marcha a mecanização da produção agrícola.

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Importações

[Ver Tabela na Imagem]

São estas, digamos, mercadorias para consumo. Os tecidos são, quase na totalidade, de origem nacional, metropolitana.
Faço dois comentários a este mapa: já está a funcionar uma fábrica de sacos de juta e está em construção uma grande fábrica de moagem, com os respectivos silos. Deixaremos, dentro de curto prazo, de importar sacos de juta e farinha.
À luz destes esclarecimentos, direi melhor destas verdades, há que entender o deficit comercial de Moçambique.
Como mo consideraria feliz se, na administração do uma actividade particular, pudesse apresentar deficit desta natureza!
Sr. Presidente: ainda um outro ponto: é vulgar ouvir dizer que Moçambique cuida tão egoìsticamente dos seus interesses que, por vezes, até se esquece da unidade económica nacional. Quase quer dizer que a solidariedade económica imperial não tem em Moçambique qualquer sentido.
Ora isto não é verdade e afronta todos os portugueses daquela portuguesíssima colónia.
Alguns exemplos ilustrarão o que pretendo afirmar.
A colónia produz copra e amendoim e possui a indústria de óleos comestíveis.
Eis uns números que mostram como Moçambique serve, e com orgulho, o princípio da unidade política e económica nacional:

Copra, amendoim e óleo de amendoim

[Ver Tabela na Imagem]

Observações

Os preços para a metrópole de copra (semente) têm sido fixados na base C. I. F.
Os preços para a metrópole de amendoim e óleo de amendoim têm sido fixados na base F. O. B.
Um outro e último exemplo: Moçambique produz algodão e coloca-o todo na metrópole.
Os números seguintes são expressivos:

[Ver Tabela na Imagem]

Sr. Presidente: fui mais extenso do que desejava. Mas ainda assim não quero acabar sem dizer, mais uma vez, quanto Moçambique já deve ao dinamismo, estudo e inteligência do seu actual governador-geral, comandante Gabriel Teixeira.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. António Maria da Silva: - Sr. Presidente: em observância da solicitação de V. Ex.ª para não tomarmos muito tempo no uso da palavra antes da ordem do dia, vou fazer apenas umas breves observações sobre o Decreto n.º 36:020, de 7 de Dezembro de 1946, ampliando o âmbito da concessão de licença graciosa aos funcionários civis e militares que prestam serviço nas nossas terras de além-mar.
Como Deputado da Nação, julgo ser do meu dever colaborar com todos os meus ilustres colegas no cumprimento das obrigações que o nosso Regimento nos impõe.
Assim, se em nossa consciência entendermos que uma lei ou algumas das disposições de um certo diploma legal não estão bem feitas, é nossa obrigação sugerir a sua alteração, modificação ou revisão.
É de louvar a intenção do Governo de ampliar cada vez mais o âmbito da licença graciosa, tornando extensivo aos coloniais o direito do gozar na metrópole essa licença, regalia que dantes só era concedida aos metropolitanos.
Assim como me sinto sèriamente embaraçado por me ver forçado a ter que intervir num assunto Tão complicado e melindroso, assim também calculo a dificuldade dos que tiveram de elaborar num único diploma dispo-

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sições aplicáveis a todas as colónias, com características tão diferentes umas das outras.
Enquanto se não adoptar o sistema de legislar para cada uma das colónias, de per si, as nossas leis continuarão a ser de dificílima elaboração e de complicada interpretação ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- ... afora ainda a parte económica que joga com as disponibilidades e orçamentos de cada colónia.
Permitam-me VV. Ex.ªs que eu explique em poucas palavras por que declarei que me vejo forçado a tratar de tão melindroso assunto nesta Casa.
A pedido dos eleitores de Macau prometi esforçar-me em Lisboa por conseguir a modificação de certas disposições do citado Decreto n.º 36:020, disposições que estabelecem desigualdade de tratamento entre funcionários de uma mesma categoria e toma como base da concessão de licença graciosa o facto de ter ou não um curso superior ou especial.
Este assunto era, evidentemente, para ser tratado fora do Parlamento, e foi esse o meu procedimento.
Falei com o nosso digníssimo Sr. Ministro das Colónias e apraz-me informar a Assembleia que S. Ex.ª está na disposição de atender à aspiração dos naturais de Macau.
Sucede, porém, que a demora na solução do assunto, que tem sido objecto de reclamação de funcionários não só de Macau mas de várias outras colónias desde a data da promulgação do decreto, há mais de três anos, produziu a discussão do assunto em artigos vigorosos nos jornais de Macau, que apelam com insistência para a minha intervenção na questão, ao mesmo tempo que continuam a chegar-me às mãos cartas particulares a solicitarem-me igual patrocínio.
Como representante de Macau, e também porque esta sessão legislativa está a terminar, não posso deixar de juntar o meu esforço ao dos meus conterrâneos que aspiram conhecer a Mãe-Pátria.
Passemos à análise do citado decreto apenas na parte que mais desagradou aos funcionários, que é o artigo 7.º, que passo a ler:

Artigo 7.º A licença graciosa pode ser gozada na metrópole por todos os funcionários civis e militares de raça branca, quer sejam naturais da metrópole, quer das colónias.
§ único. Poderão também gozar a licença graciosa na metrópole os naturais das colónias que na metrópole hajam frequentado e concluído um curso superior ou especial ou que à data da nomeação residissem na metrópole com permanência consecutiva superior a oito anos.

A execução da citada disposição deu simplesmente o seguinte resultado:
Podem vir a Portugal os naturais da metrópole e das colónias com o curso superior ou especial e ainda os que à data da nomeação residirem na metrópole em permanência consecutiva superior a oito anos; não podem gozar de licença graciosa os outros funcionários «fossem eles descendentes ou não, patriotas ou não, bons ou maus!».
Estas últimas palavras são até extraídas de um jornal de Macau.
Mas contém ainda o decreto outras disposições que dão regalias diferentes a funcionários de uma mesma categoria, consoante têm ou não têm um curso superior.
Vou citar um exemplo: um escrivão de direito com curso superior tem jus a viajar em l.ª classe e um escrivão de direito sem curso superior só pode viajar em 2.ª classe.
Quanto aos pontos delicados e melindrosos do citado decreto, prefiro não tocar neles, porque já disse o bastante para justificar a conveniência ou, aliás, a necessidade da sua revisão.
Ouso, portanto, rogar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a sua valiosíssima intervenção junto de S. Ex.ª o Sr. Presidente do Conselho, que tem sabido sempre fazer justiça, para que o mais cedo possível seja revisto o decreto em referência.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. José Meneres: - Sr. Presidente: pedi a palavra para me referir a um assunto que pode parecer pueril ou ridículo para ser tratado nesta Assembleia, mas que, referindo-se à situação moral duma prestimosa classe social, tudo quanto a seu respeito se diga ou se faça tem reflexo importante nos destinos morais da Nação.
Refiro-me às enfermeiras dos hospitais civis, às quais é proibido o casamento.
Eu compreendo que a enfermagem deve ser uma espécie de sacerdócio - de dedicação e sacrifício pela vida e saúde alheias -, incompatível até certo ponto com as preocupações e deveres familiares.
Esse grau de perfeição só se poderá atingir, porém, através da assistência religiosa. As freiras, pela sua vocação especial, pela sua renúncia à vida terrena e pelo espírito de sacrifício em que o seu carácter se forma, serão as únicas com possibilidade de atingir o fim ideal de perfeita assistência na doença.
Mas como não podemos contar com elas em todas as emergências, como temos de recorrer às enfermeiras laicas, há necessidade de encarar o exercício da profissão destas com o devido realismo, aproveitando-se e fiscalizando-se ao máximo as suas possibilidades, mas sem lhes impor obrigações desumanas e até contrárias aos princípios que orientam a nossa Constituição e que fazem derivar toda a organização política da Nação da constituição da família.
A mulher tem importante missão a realizar: a de ser esposa e mãe. Todas as profissões que lhe sejam permitidas têm, a meu ver, de ser organizadas de acordo com este pressuposto, como dependência dele, e não de forma inversa.
O casamento e a constituição da família não são, em regra, elementos impeditivos do exercício de enfermagem que a mulher casada, consciente de ter realizado honestamente o fim social a que Deus a destinou, pode dedicar à sua profissão muito maior carinho e devoção do que aquelas que, por virtude daquela proibição desumana, venham a ser vitimas dos mais graves conflitos morais, que, por evidentes, me dispenso de referir pormenorizadamente.
Neste momento uma instituição de fins ideais, que tem a sua sede no Porto, denominada Liga Portuguesa de Profilaxia Social, já célebre pelas suas campanhas a bem da higiene moral e material do povo português, e que não é mais do que a bandeira ou galhardete de dois beneméritos que ao bem alheio têm dedicado a maior parte da sua vida, dois nomes que nunca é demais recordar, os Drs. António Santos de Magalhães e Gil da Costa, empenha-se pela revogação da medida que proíbe o casamento às enfermeiras dos hospitais civis.
Devo lembrar que à intervenção da Liga Portuguesa de Profilaxia Social se deve já a revogação de idêntica proibição que existia quanto às telefonistas da Anglo-Portuguese Telephone Company.
Por mim entendo que a sua intervenção neste caso é, além de inteiramente moral, merecedora do melhor aplauso. Por isso, desta minha cadeira de Deputado lhe dou

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todo o meu apoio e permito-me recomendar o caso à atenção de S. Ex.ª o Sr. Ministro do Interior, certo de que, com a sua costumada clarividência, o estudará e resolverá da forma mais justa que for possível. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi cumprimentado.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: de novo requeiro que, pelas instâncias oficiais competentes, me sejam facultados sem demora os relatórios anuais de fiscalização referentes à Companhia dos Telefones e pertinentes aos últimos cinco anos, bem como a indicação dos pretextos legais que impediram essa Companhia de dar cabal cumprimento às obrigações emergentes do contrato de concessão e das que naturalmente resultam da noção universalizada do direito anglo-saxónico e português de serviço público.
Outrossim interessa ao requerente conhecer os fundamentos económico-jurídicos que essa empresa alega para se esquivar ao cumprimento do despacho, datado de 28 de Janeiro de 1949 e da autoria do Sr. Subsecretário das Corporações, e que diz respeito à cláusula 21.º do acordo colectivo de trabalho que impõe àquela sociedade a revisão dos ordenados e salários sempre que haja alteração dos vencimentos dos funcionários dos CTT.
Na hipótese de este despacho não poder ter tido execução por motivos que se prendam com as condições financeiras da Companhia, tornar-se-me-á necessário o conhecimento exacto dos quantitativos despendidos com os seus altos órgãos de administração e com a designação especificada das importâncias desembolsadas em Londres e das gastas em Portugal, bem como todas as contribuições, impostos, taxas ou quaisquer outras obrigações de ordem fiscal satisfeitas na Grã-Bretanha.
Todas estas informações são também concernentes ao último quinquénio, mas com a respectiva discriminação anual.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado de 1948 e as contas da Junta do Crédito Público.
Tem a palavra o Sr. Deputado Antunes Guimarães.

O Sr. Antunes Guimarães: - Sr. Presidente: agente nova não sente como nós (já não digo sòmente os da casa dos setenta, que é o meu caso, mas os que andam à volta ou se aproximam do meio século) o prazer de umas Contas Gerais do Estado certas e revelando a maior honestidade e proveito para a Nação.
Sim, a gente nova por tradição tem pálida ideia de contas sistemàticamente deficitárias, às quais nós os velhos nos habituáramos, com seus perniciosos reflexos no crédito nacional e no valor da nossa moeda, suas danosas consequências expressas em estradas intransitáveis e edifícios arruinados, em dotações insuficientes à instrução pública e outros serviços fundamentais para a Nação, por cotações miseráveis dos nossos títulos, atrasos no pagamento de salários e ordenados, na liquidação de contas, em suma, na irregularidade e insuficiência do cumprimento das múltiplas obrigações que impendem sobre o Estado.
Sim, a gente nova, após um quarto de século de modelar administração pública, receberia como a coisa mais trivial e natural do Mundo as Contas Gerais do Estado de 1948, que estamos a discutir, se porventura tivesse de as compulsar.
Não lhe interessaria saber o esforço, talento competente, tenaz, e não exageraremos classificando-o também de heróico, que fora preciso para, sem perturbação do equilíbrio das empresas e das economias familiares, antes deixando-lhes o preciso ao respectivo fomento e prosperidade, equilibrar os orçamentos do Estado, converter e mesmo resgatar dívidas públicas e outros compromissos crónicos e ir perseverantemente promovendo a criação de vastíssimo instrumental de trabalho nacional e dos factores fundamentais do progresso do País e bem-estar da população.
Ao menos a nós, os velhos, cabe a compensação de ter assistido à mutação do sudário geral dos tempos anteriores ao Estado Novo, numa situação que, se ainda não é o Eldorado que todos desejamos e para o qual trabalhamos tenaz e confiadamente, já nos permite afrontar com orgulho o confronto com o que se regista nos países mais civilizados e de melhor administração, e de proporcionar às diferentes categorias do povo português níveis de vida aceitáveis para a época de dificuldades em que o Mundo se vem contorcendo, conseguindo-se mesmo para a vastíssima classe do operariado vantagens e garantias financeiro-sociais de incontestável valor.
Oxalá também as possamos ir facultando aos variados sectores constitutivos da numerosa classe média.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Classe onde vicejam virtudes e merecimentos, porque a ela sómente ascendem e nela apenas se mantêm os que aos dotes da inteligência aliam a vontade decidida e perseverante de subirem na hierarquia social, e, para vencerem na dura ascensão, esforçam-se por adquirir a cultura indispensável, desenvolve se tanto quanto possível a preciosa faculdade de iniciativa, praticam a poupança, resistindo pura isso à tentação dos prazeres e dos desperdícios, trabalham enquanto outros dormem ou se divertem, não receiam a concorrência e respeitam os direitos e a liberdade alheios para se assegurarem a posse integral daqueles benefícios da nossa civilização.
Classe numerosíssima a que sobem tantos que no operariado se distinguem por seus méritos e trabalho tenaz e produtivo, tanto em quantidade como em perfeição, e na qual se alinham funcionários civis e militares, professorado de todos os graus e categorias, profissionais da imprensa, profissões liberais, a grande maioria de empregados de escritório, do comércio, indústrias e mais actividades económicas, bem como o patronato em geral, exceptuando apenas certos plutocratas.
Classe que, de uma maneira geral, repudia as doutrinas comunistas e tudo o que possa levar à aviltante servidão.
Apoiados.
Classe dos que, por isso mesmo, quando não enfileiram nas hostes do Estado Novo (o que raramente se verifica), não colaboram com adversários dos princípios eternos que intransigentemente defendemos, por não ignorarem que assim concorreriam para o próprio aniquilamento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: impõe-se, e é tempo de o fazermos, promover por todas as formas, não só a defesa dos diversos sectores da classe média, mas o seu alargamento, não impedindo o movimento ascensional de quantos demonstrem ser dotados de garras para triunfar na luta pela vida.
E uma vez guindados aos planos onde domina a inteligência e o espírito paira sobre todas as actividades, não contrariar, antes valorizar as funções dos leaders criadores

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e orientadores do trabalho da colectividade, e proporcionar a todos os que mostram valor elementos para o revelarem em beneficio próprio e do público, mas não descendo a fórmulas depressivas nem a intromissões asfixiantes de iniciativas criadoras.
Sr. Presidente: o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1948, que a nossa ilustre Comissão de Contas Públicas submete à apreciação da Assembleia Nacional, e do qual foi mais uma vez muito ilustre relator o inteligente e estudioso Sr. Deputado Araújo Correia, é-nos apresentado em grosso volume, transformado em valioso repositório de elementos utilíssimos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Abre com um capitulo designado «Introdução», constituído por uma magnífica síntese da administração pública e da vida económica nos seus estágios correspondentes ao passado, ao presente e ao futuro.
Segue-se pormenorizada análise das receitas e das despesas em todos os sectores da administração pública, com observações de crítica inteligente e bem ajustada aos diferentes casos.
É rematado por extenso apêndice, em que é desenvolvida a vida económica da Nação, com previsões e alvitres sobre os momentosos problemas da energia, do ferro e da rega, e onde também se desenvolvem os temas da agricultura, alimentação, indústrias, e se fazem considerações acerca de investimentos financeiros.
Um capítulo especial é consagrado ao programa económico do ultramar.
Folheei o desenvolvido relatório sobre receitas e despesas, tanto as ordinárias como as extraordinárias, e bem assim o capítulo dos saldos de contas, tendo verificado que são bem fundamentadas as conclusões a que chegou a nossa Comissão de Contas Públicas.
Contudo, à velocidade com que tudo se passa em nossos dias, aquelas páginas constituem sem dúvida outras tantas páginas de ouro da história da nossa administração pública, mas não conseguem demorar-nos a atenção, visto como a preocupação do dia de amanhã é de molde a concentrar-nos no estudo e resolução de problemas do futuro.
O interessante capítulo consagrado à «Introdução» é dominado por uma preocupação que já se registara em pareceres anteriores, mas que agora surge com intensidade reforçada, à maneira de toque de clarim, a vibrar verdades como estas:

O Pais é financeiramente pobre.
O saco tem fundo.
É necessário comprimir até extremos certas despesas do próprio Estado.
O País, para enfrentar os factos na sua crua realidade, terá de preocupar-se com muitos gastos invertidos em consumos inúteis, supérfluos ou dispensáveis.
Há que desviar os recursos financeiros disponíveis para obras mais úteis.
A defesa do que resta das disponibilidades que se amontoavam no erário e no banco emissor só pode ser obtida pela sua utilização nas empresas mais reprodutivas.
O deficit da balança comercial em 1949, apesar do travão aplicado às importações e da grande redução do poder de compra através de fortes restrições do crédito, atingiu 5 milhões de contos.
A população aumenta na razão de mais de 1 milhão de almas por década.
A remessa de recursos invisíveis torna-se cada vez mais precária.
Em suma: é preciso reduzir despesas; poupar cada vez mais; e produzir, produzir, produzir...
Sr. Presidente: é o que no extenso e bem elaborado apêndice que remata o parecer o ilustre relator se esforça por ensinar à Nação ao traçar o seu vasto programa económico nacional.
É sobre o que ali se diz que me proponho fazer algumas considerações um pouco mais demoradas.
Mas, antes, permita V. Ex.ª que eu diga alguma coisa acerca do passado, porque me cabe certa quota de responsabilidade, durante o triénio Julho de 1929 a Julho de 1932, em que pertenci aos dois Governos que naquele período ocuparam as cadeiras do Poder: o da presidência do falecido general Sr. Ivens Ferraz e o que foi presidido pelo general Sr. Domingos de Oliveira e, muito particularmente, no que respeita às múltiplas direcções e administrações-gerais que então constituíam o Ministério do Comércio e Comunicações, as quais actualmente se acham distribuídas pelos Ministérios das Obras Públicas, das Comunicações e da Economia, com os correspondentes Subsecretariados, e ainda o das Corporações, que veio substituir o sector do Trabalho, então adstrito também ao referido Ministério.
Os gastos em consumos inúteis, supérfluos ou dispensáveis, bem como despesas em obras não reprodutivas, não se registaram naquele triénio.
O rumo então marcado e intransigentemente seguido fora definido:
Pela lei dos melhoramentos rurais, que, mercê de pequeno dispêndio do Estado, expresso em subsídios de comparticipação, mas contando sobretudo com a generosidade dos povos interessados, os quais, de facto, contribuíram, além do esforço de seus braços e carretos gratuitos, com dádivas de materiais e terrenos, muito concorreram e continuam a concorrer para a indispensável valorização de vastas zonas até aí deploràvelmente esquecidas;
Pela lei de condicionamento industrial, que, sem prejuízo das grandes indústrias então existentes, antes promovendo a sua defesa, estimulou as iniciativas privadas, facilitando a montagem e exploração de pequenas indústrias, muitas das quais não deixariam de vir a ser o ponto de partida de actividades de vulto e florescentes;
Pela política portuária, à qual ficámos devendo, entre outros melhoramentos, a construção em Leixões da doca n.º 1 e do esporão protector do acesso à bacia, com resultados já afirmados, e sem a menor dúvida vantajosíssimos para a economia nortenha.
Entre muitos outros melhoramentos portuários realizados em consequência daquela política, devo citar, no Norte, os portos de Viana e de Aveiro, que já prestam grandes serviços às respectivas regiões. Cumpre-me, contudo, declarar que as obras do porto da Póvoa de Varzim foram iniciadas pelo meu sucessor nas Obras Públicas.
Muito melhoraram também, mercê de obras iniciadas naquele triénio, os portos de Lisboa, Setúbal e ainda outros na região algarvia.
No sector rodoviário, além de grande desenvolvimento nas obras de conservação e reparação, construíram-se muitos quilómetros de estradas importantíssimas e várias pontes.
Em caminhos de ferro aprovou-se o plano da rede ferroviária, capacitados de que a economia, qualquer que fosse o desenvolvimento do automobilismo, nunca poderia dispensar os caminhos de ferro.
Mas no campo das realizações, além de novos troços na rede de via reduzida do Norte e do caminho de ferro de cintura, este em via larga, para serviço do porto de Leixões, pouco mais se fez naquele triénio e, dor assim dizer, nada se fez depois, porque o plano

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ferroviário não mereceu execução aos Governos que se seguiram.
Em edifícios deu-se seguimento às obras já em curso do Instituto Superior Técnico, das Faculdades de Medicina e de Engenharia do Porto, do Instituto de Oncologia, em Lisboa, e construíram-se numerosas escolas de instrução primária, concluindo-se também escolas industriais cuja construção, como a de Braga, estava suspensa há algumas décadas.
Imprimiu-se grande impulso ao restauro dos monumentos nacionais.
E outras realizações no capítulo dos edifícios se verificaram, mas desprovidas dos exageros sumptuários e sempre de comprovada utilidade.
Noutros sectores não directamente dependentes do Ministério do Comércio e Comunicações levou-se a efeito, com resultados magníficos, a Campanha do Trigo e outras no campo agrícola, tendo-se também iniciado no referido Ministério do Comércio e Comunicações a política hidroagrícola, depois continuada pelo extinto Ministério da Agricultura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que fica dito e o muito mais que se realizou pelos mencionados Governos não cabe, por muitos esticões que suportem, nas rubricas focadas na aludida introdução do parecer da nossa Comissão de Contas Públicas.
Abstenho-me de apreciar a política seguida nos Governos seguintes.
Mas, se algum reparo houvesse a fazer, mais do que ao que se fizera, seria ao muito, de muito importante e de muito urgente, que não se fez.
E, acrescentarei, estavam alguns dos esquemas devidamente estudados e encaminhados. Mas um travão potente não os deixou prosseguir.
É o caso, que venho de citar, do plano ferroviário, que não teve execução, reconhecendo-se agora quanto dinheiro se teria economizado e quanto teria lucrado a economia nacional se algumas das linhas projectadas tivessem sido construídas, e outras electrificadas, quando a mão-de-obra, os materiais e os maquinismos se ofereciam a preços muito mais baixos do que os actuais.
E se não se tivessem anulado a concessão do aproveitamento hidroeléctrico do Castelo do Bode, no Zêzere, feita à Companhia de Viação e Electricidade, e o concurso relativo ao primeiro aproveitamento do Douro nacional, quanto dinheiro se teria poupado, quanto dinheiro se teria ganho e quanto teria lucrado, sob outros aspectos, a economia nacional!
Sr. Presidente: desculpe V. Ex.ª, e desculpem também os ilustres colegas, estas considerações, que diríamos de história antiga, tão antiga que já quase ninguém se lembra do que acabo de dizer; considerações que foram determinadas pelos gritos de alarme, aliás muito oportunamente gravados na introdução do parecer, à maneira de disco, que conviria fosse muito repetido, para que o ouvissem governantes e governados, pois o momento exige que todos, sem excepção, poupem e produzam o mais e melhor possível, reservando as disponibilidades ao essencial e a investimentos reprodutivos e evitando tudo o que seja ostentação inútil ou não iniludìvelmente necessário.
E já é tempo de bordar alguns comentários ao muito valioso programa económico nacional.
Programa vastíssimo, pois que nele abrange o ilustre relator, não só as actividades actuais, mas todas as que o conveniente aproveitamento dos recursos pela Natureza acumulados na vastidão do território português - tanto metropolitano como ultramarino - venha a exigir.
Contudo destacarei desde já um factor que ali se põe em merecida evidência, como já se fizera em anteriores pareceres, que é essa via fluvial importantíssima, a mais caudalosa da Península Ibérica, conhecida pelo rio Douro.
Vindo lá das alturas do Pico de Urbion, no extremo oriental da meseta, e depois de avolumar o seu caudal com as vertentes da aba sul dos Cantábricos e da aba norte da cordilheira central - Guadarrama, Gredos, Gata e outras-, atinge Portugal, alturas de Miranda; e após um salto prodigioso no seu troço internacional, entra em território português, alturas de Barca de Alva, para se lançar no Atlântico, junto da foz do Douro, após uma longa travessia pelas vinhas durienses, em curso bastante declivoso, mas susceptível de boas condições de navegabilidade no seu troço exclusivamente português.
Potencial energético de primeira categoria, o rio Douro corre a distâncias relativamente pequenas dos nossos mais importantes e melhores jazigos de minério de ferro, o de Moncorvo e o de Vila Nova, em plena cordilheira do Marão, bem como de outras matérias-primas empregadas na siderurgia.
Estes valores, desde o início da publicação dos pareceres da nossa Comissão de Contas têm sido postos em evidência pelo seu ilustre relator.
O reconhecimento das circunstâncias diversas, mas valiosíssimas, daquele grande factor económico também me havia impressionado e determinado, quando sobracei a pasta do Comércio e Comunicações no referido triénio 1929-1932 a ordenar os indispensáveis estudos para a sua conveniente apreciação; e ainda o tempo que ali me conservei dera pura iniciar, com o concurso relativo ao primeiro aproveitamento hidroeléctrico do seu troço nacional, a sua conveniente valorização, a bem da economia nacional.
Eu nomeara uma comissão para apreciar o problema siderúrgico e convenci-me de que, sem o aproveitamento hidroeléctrico de alguns desníveis do rio Douro, capazes de fornecerem grande quantidade de energia a preços muito baixos, e simultânea adaptação do seu leito ao transporte barato de minério, de gusa, de ferro e de aço, seria utopia pensar-se na exploração económica dos nossos importantes jazigos.
Além disso, o rio Douro apresentava-se como o nosso maior valor energético, pelo seu desnível, volume e regularidade do seu caudal, que a construção de sucessivas albufeiras em Espanha ia aumentando, e ainda atenta a possibilidade de produção de muita energia sobrante, susceptível de tarifas baixas.
Por isso se abriu um concurso relativamente ao primeiro aproveitamento do troço nacional, a que concorreram quinze firmas das mais reputadas do Mundo.
Contudo, os Governos que se seguiram entenderam não dever continuar o programa por mim traçado e começado.
E assim parou, não sei por quantos anos, o aproveitamento do rio Douro e dos nossos jazigos de ferro.
Mas... adiante.
Sr. Presidente: como venho de dizer, o rio Douro, se directamente a sua água não pode vir a concorrer em larga escala e por utilização directa para a rega, não deixará, pela energia que ali se vier a produzir, de levar grande contributo para resolver o problema da irrigação, mercê da utilização de bombas e doutros engenhos destinados à elevação de água.
É, porém, a outros caudais que o distinto relator reserva marcada intervenção directa, e também indirecta, para solucionar o problema da rega em vastas regiões.
Entre todos avultam em primeiro lugar o rio Tejo e alguns dos seus afluentes.
No desvio da sua água, previamente acumulada em grandes albufeiras construídas sobretudo em território espanhol, e utilizando para isso canais muito extensos, ou elevando-a, mercê de bombagem eléctrica, para a armazenar em albufeiras situadas em níveis superiores.

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a fim de ser depois convenientemente distribuída, confia o esclarecido relator a resolução de um dos mais preocupadores problemas agrários do nosso país, isto é, a transformação do actual regime de sequeiro em vicejante regadio de grandes extensões da margem direita daquele grande rio, mas sobretudo da vastíssima região pliocénica que ocupa muitos milhares de hectares das lezírias ribatejanas e da extensa campina que, a perder de vista, se prolonga para o Sul, ocupando grande parte do Alentejo.
Reconheço a grandiosidade e, em parte, a viabilidade imediata de tão arrojado plano, o qual, devidamente combinado com o projecto de outro esquema grandioso - o do Guadiana -, e também com o do Sado, já parcialmente aproveitado mercê das obras, em vias de conclusão, no Pego do Altar e outras, e tudo devidamente interligado pelo projectado canal do Alentejo, e contando-se também com os lençóis aquíferos subterrâneos, asseguraria a irrigação quase total da vastidão alentejana e a transformação das suas actuais culturas, quase exclusivamente de sequeiro, num Eldorado, em que o regadio tornaria possível os pomares, a horta e outros primores privativos de zonas privilegiadas onde a água jorra com abundância.
Alguns reparos, porém, me permito fazer a tão importante e transcendente plano.
Já quando aqui se tratou da crise alentejana para a resolução do problema da rega, factor de primacial importância para ir fixando a população e garantir-lhe trabalho regular, eu, mais do que nos grandes esquemas baseados em aproveitamentos do Tejo, do Guadiana e do Sado, afirmei desta tribuna contar com a bombagem, mercê de uma bem traçada rede eléctrica distribuidora de energia a tarifas baixas e à construção de pequenas albufeiras de capacidade proporcionada ao imediato aproveitamento económico da água armazenada, para que ao capital nelas investido correspondesse desde logo retribuição remuneradora.
Lembrei até a sugestão do antigo e ilustre Deputado e agrónomo de comprovada competência Sr. Deputado Mira Galvão, relativa ao aproveitamento das estradas, quando atravessassem pequenos vales, e substituindo as pontes e os aterros correntes por cais com a solidez precisa à retenção das águas da chuva, para a construção de pequenas albufeiras, que, pouco a pouco, e em lugares bem estudados, iriam transformando o sequeiro em regadio.
E digo pouco a pouco porque uma tal transformação de regime agrário exige outros factores que levam muito tempo a realizar.
Em primeiro lugar não se concebem as variadas culturas de regadio sem a intervenção de abundância de agricultores devidamente preparados, e não é de improviso que se adapta o pessoal habituado ao regime de sequeiro às exigências muito diversas da vasta gama cultural do regadio.
A elevação do escassíssimo expoente demográfico das regiões de sequeiro até às percentagens que se registam onde o regadio regala a vista, refresca o ambiente e enche tulhas e adegas demanda muito tempo.
E as habitações para todo esse pessoal e suas famílias, e os armazéns e adegas para a arrecadação dos géneros agrícolas, e a aparelhagem para a lavoura, e o gado para a respectiva tracção e produção de estrumes, e os caminhos, e as garantias de transportes e comunicações, e as escolas, as instituições de assistência e de culto, e tudo o mais que a colonização intensa exigida pelo regadio imporia?
Imaginemos a construção de obras dispendiosíssimas capazes de assegurar a irrigação de centenas de milhares de hectares.
Quantos anos teriam de ficar improdutivos os avultados capitais ali investidos, antes que a água, dispendiosamente represada, fosse econòmicamente distribuída e inteiramente utilizada?
E suponhamos mesmo que uma varinha de condão fazia o milagre do seu rápido aproveitamento em novas culturas, mercê da transferência para a respectiva lavoura dos vastíssimos terrenos assim irrigados de um exército de trabalhadores.
Onde encontrar mercado imediato para colocação da fartura de novos géneros ali produzidos?
Sr. Presidente: eu concordo que no futuro, que se me afigura ainda longínquo, toda a água dos nossos rios há-de vir a ser precisa para irrigar vastas extensões de território já de si seco e ainda por cima exposto a um clima caracterizado pela maior irregularidade das chuvas, as quais abundam quando seriam dispensáveis e faltam justamente nas épocas em que a sua queda seria por todos abençoada.
Isso se verificará à medida que o arroteamento for prosseguindo.
Além disso, há que ter em conta a circunstância preocupante de que, no futuro, as águas da bacia hidrográfica do Tejo, na sua parte espanhola, hão-de vir a ter ali largo aproveitamento para irrigação da vastíssima Castela Nova, e as sobrantes facilmente, à falta de divisória do vulto, passarão à enorme bacia do Guadiana, e de lá para a do Guadalquivir, onde se registam extensões vastíssimas ávidas de rega.
Felizmente, tão grave contingência não se verifica na bacia hidrográfica do rio Douro, a qual fica separada da correspondente ao rio Tejo por altíssima e espessa divisória orográfica, e, além dessa circunstância providencial, os avultadíssimos interesses do país vizinho já investidos e a investir no curso espanhol daquele rio e na parte do Douro internacional compreendida entre as fozes dos seus afluentes Tormes e Huelva para a produção de energia eléctrica, de que tão carecida está a respectiva economia, hão-de evitar qualquer desvio da água do Douro para as referidas bacias dos rios que sulcam a Península ao sul da mencionada divisória orográfica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: viria agora a propósito discutir se não teria sido preferível, na convenção celebrada logo após o advento do 28 de Maio, destinar-se à Espanha, do troço internacional do rio Douro, a parte que vai de Miranda à foz do Tormes e ficar pertencendo a Portugal a parte restante.
Seria tema para apreciação demorada, mas, aliás, sem proveito, por tratar-se de factos consumados.
O ilustre relator, entre outros esquemas de irrigação, dá grande relevo ao da Cova da Beira.
E razão tem para isso, não só pela vastidão da área assim designada, mas pela sua notória fertilidade.
Sòmente lá se volta a falar no desvio das águas da bacia do rio Mondego, o qual apenas é alimentado por vertentes nacionais, para a do Tejo, por intermédio do seu afluente o Zêzere, quando é certo que aquele grande rio, além de importantes mananciais portugueses, ainda recebe o que se escoa da sua extensa bacia hidrográfica em Espanha.
Repito o que já eu dissera nesta tribuna o ano passado, e a propósito do desvio das águas do Ceira e do Ceiroco, afluentes do Mondego, para alimentar a albufeira de Santa Luzia, e de lá seguirem para o Zêzere, e do lançamento do caudal do alto Mondego, alturas do Asse-Dasse, no curso do Zêzere.
Quando, num futuro que não antevejo distante, o aumento célere da população for determinando o sucessivo arroteamento dos terrenos, alguns deles magníficos que formam as abas da Serra da Estrela e respectivos

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contrafortes, a água, longe de sobrar, como hoje acontece, há-de faltar para as exigências da respectiva irrigação.
Mas será tarde para corrigir o erro que agora se pratica.
Apoiados.
Sr. Presidente: sem pôr de parte a hipótese da necessidade de realização dos grandes esquemas de rega a que se faz larga e documentada referência no «Apêndice» que me guia nestas considerações, e até julgando-os indispensáveis quando a sucessiva colonização de áreas irrigáveis, mercê do aproveitamento de lençóis aquíferos subterrâneos ou de albufeiras de menor vulto, for justificando obras de maior envergadura, com a garantia de económica utilização imediata, eu entendo que, por agora, devemos dar preferência a estes pequenos núcleos de regadio compatíveis com as nossas posses, ajustando-se ao nosso progresso demográfico e satisfazendo necessidades bem averiguadas de consumo remunerador.
Marcha mais lenta, não há dúvida, mas mais segura, por seguir o caminho sólido das realidades.
Ainda algumas palavras sobre a momentosa política da rega.
Ao Norte do País, onde o arroteamento tem sido intenso e os socalcos vão trepando pelas abas das montanhas, muitas vezes até às cumeeiras, a água, apesar da altura pluviométrica atingir ali o máximo registado na Península, já se vai tornando escassa para as exigências das regas.
Os mananciais subterrâneos vão-se escoando durante o Inverno e a Primavera, isto é, no período em que a rega se dispensa, e quando é mais premente a sua intervenção encontram-se quase exaustos e muitas vezes totalmente secos.
Contribui para isso a perfuração de minas, que actuam, em relação àqueles mananciais, como torneiras sempre abertas.
Quando a bombagem era difícil e cara, tal prática ainda tinha uma explicação. Mas hoje, com os motores eléctricos ou movidos a gasóleo, a sua elevação é económicamente possível, desaconselhando-se desta forma a sistemática perfuração de minas.
Também a distribuição- de águas de rega não se ajusta muitas vezes às necessidades actuais das culturas.
Muitas levadas ainda são reguladas por preceitos anacrónicos, baseados na cultura do milho alvo, que veio a ser quase total e vantajosamente substituída pela do milhão, ou seja pela do milho corrente, de ciclo vegetativo mais serôdio e, portanto, exigindo regas até mais tarde.
Mas ... adiante, porque o tempo foge e eu desejo fazer ainda outras considerações.
Sr. Presidente: a crise rural, expressa na miséria do povo, no urbanismo e até na emigração, é no referido e Apêndice D, entre outras razões, fundamentada no extraordinário parcelamento da terra, que impede cultura agrícola rendosa e adequada ou deficiente regime agrário, que não permite exploração intensiva, de que derivaria fragmentação de largas áreas sujeitas hoje a cultura extensiva.
Entendo não ser fácil nem conveniente contrariai o parcelamento da terra, a não ser quando atinge os extremos dos minifúndios, e mesmo assim ...
Eu conheço parcelas de algumas centenas de metros quadrados onde se regista um expoente de produção extraordinàriamente elevado.
São geralmente os quintais das modestas casas dos lavradores e pequenas leiras por eles destinados a hortas, a prados e outros fins imediatamente afectos à economia dos respectivos casais.
Naquele xadrez de prédios rústicos de área mínima que, junto da costa - sobretudo nos concelhos da Póvoa de Varzim e de Esposende, e marcadamente nas freguesias de Nabais, Esteia e Apúlia -, foram nascendo à medida que se removera a areia das dunas que cobriam um torrão ubérrimo, tem-se registado o expoente de produtividade mais elevado que eu conheço, expresso em produtos hortícolas magníficos, fartura de cereais, melões e melancias saborosíssimos, magníficos vinhos e o mais que vai encontrando consumo garantido e imediato nos mercados próximos.
Sr. Presidente: a população aumenta vertiginosamente. Já passa esse acréscimo de 100 mil habitantes por ano.
E há que reservar-lhes espaço na terra em que nasceram e garantir-lhes trabalho remunerador.
A válvula da emigração não pode fechar-se, é certo.
Mas isso não nos dispensaria de vir preparando e organizando a economia nacional para a todos acolher e, se possível for, aumentar e fortalecer a classe média com novos proprietários, industriais e comerciantes, embora modestos, mas de estrutura sã e robusta, porque sòmente desta maneira asseguraremos defesa eficaz à nossa civilização milenária.
Os latifúndios mantêm sua justificação enquanto não for possível corrigir os exageros do regime de sequeiro.
Da mesma forma, certas grandes unidades fabris terão de manter-se, enquanto u técnica e a respectiva organização o aconselharem, para uma produção em quantidade e qualidade útil à colectividade.
Mas, não tenhamos ilusões, a defesa do direito de propriedade não está em dificultar o acesso ao patronato, contrariando a instalação de pequenas unidades fabris, nem em suprimir estas últimas por aplicação da política, de que sempre discordei e continuo a discordar, das concentrações industriais, como não está em estorvar o desmembramento de latifúndios sempre que a respectiva viabilidade económica o aconselhe.
Apoiados.
Da mesma forma não se defenderia o direito de propriedade precipitando aquele desmembramento com leis agrárias inoportunas, nem dissolvendo ou nacionalizando grandes unidades fabris, a não ser em casos excepcionais de comprovadas vantagens para a colectividade que não poderiam obter-se com a administração capitalista.
Repito: o direito de propriedade tem a sua maior defesa na sua generalização, estribada nos méritos daqueles a quem for atribuído.
Sr. Presidente: esta minha maneira de pensar já vem de longe.
Foi ela que me determinou a lançar a política dos melhoramentos rurais, para valorização do esforço dos que mourejam a cultivar a terra.
Ela foi também que me orientou na redacção da primeira lei de condicionamento industrial, deixando livre a instalação de pequenas indústrias.
E, ainda e sempre, é ela que me impõe a defesa de moinhos e azenhas, da instalação de pequenas centrais hidroeléctricas e de tudo quanto vise a legítima generalização da propriedade para desenvolvimento e vitalização das classes médias.
Tema empolgante, que eu na o desejaria deixar ...
Mas o tempo urge.
Sobre o recurso à emigração, que noutros tempos muito contribuíra para enriquecer o nosso país, muitas vezes através de rendimentos invisíveis, embora ainda seja de admitir, pela inconveniência de estorvar a saída das fronteiras a quem o deseje fazer, devo dizer que o panorama hoje é bem diverso.
Saem os melhores valores da Pátria, os seus melhores filhos.
Mas quase sempre lá ficam por terras distantes, cujas condições de habitabilidade são agora de molde a tentá-los a fixarem-se ali.

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E nem ao menos lhes é facultada a remessa de economias para as suas terras natais, a fim de ajudarem as famílias ou financiarem melhoramentos.
Por isso, repito, pensemos a valer no melhor aproveitamento do torrão pátrio para que nele caibam, possam trabalhar dignamente e viver com segurança e prosperidade os Portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: não devo terminar sem algumas palavras de saudação e merecido louvor ao Tribunal de Contas, e em especial ao seu ilustre presidente e nosso simpático colega Sr. Deputado Águedo de Oliveira, pelo seu magnífico relatório e declaração geral sobre a Conta Geral do Estado do ano económico de 1948.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Documento revelador de muita inteligência, estudo aturado e larga preparação, na sua leitura, embora feita muito à pressa, porque o tempo para mais não deu, encontrei precioso auxílio para a apreciação daquelas contas de 1948, as quais, repito, são dignas das conclusões subscritas pela nossa ilustre Comissão de Contas Públicas, às quais dou absoluta concordância e junto os meus louvores.
Disse.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Henrique Tenreiro: - Sr. Presidente; meus senhores: foi apresentado ao País o parecer desta Assembleia Nacional referente às Contas Gerais do Estado de 1948.
Mais uma vez o seu ilustre relator se não limitou à simples exposição de números, mas aliou à eloquência fria dos mesmos considerações de grande transcendência e apontou directrizes merecedoras da ponderada atenção de quantos, por qualquer forma, têm interferência nos vários sectores da economia e produtividade nacionais.
Porque desde há perto de catorze anos me venho dedicando à causa das pescas, no cumprimento de uma missão oficial, já hoje integrada, creio bem, na minha personalidade mais íntima, peço a VV. Ex.ªs me permitam algumas palavras sobre essas pescas e problemas correlacionados.
Sr. Presidente: se a actividade piscatória, sobretudo nas colónias, não foi esquecida no parecer a que venho referindo-me, a verdade é que julgo ela mereça ser destacada como factor preponderante do equilíbrio económico da metrópole, e ainda no seu conjunto, como elemento representativo das nossas possibilidades de colaboração na economia europeia.
A necessidade de uma soldagem das economias metropolitana e ultramarina foi mais de uma vez frisada no valioso parecer da Assembleia Nacional sobre as Contas Gerais do Estado de 1948, muito embora pouco se tenha dito quanto à correlatividade que existe, ou deve existir, entre a exploração da pesca e seus subprodutos nos diferentes mares do nosso Império.
E se quanto à actividade ultramarina foi previsto um aumento maciço da produção ictiológica, apresentando-se sob os diversos aspectos de peixe seco, óleos e farinhas de peixe, bem como peixe enlatado, no total de 300:000 toneladas anuais, a verdade é que o aumento real na produtividade das pescas metropolitanas apenas figura englobado, e anónimo, nos números-índices gerais da produção industrial.

A p. 137 do citado parecer afirma o seu relator:

A tendência entre nós, quando se fala em aumentar a produção, é, em geral, considerar que esse aumento só pode obter-se pela construção de novas fábricas ou cultivo de novos terrenos.

E logo acrescenta:

A produtividade é uma noção que parece andar arredia de muitos espíritos.

A tão judiciosas considerações, e naquilo em que a sua doutrina possa, como pode, aplicar-se à indústria pesqueira metropolitana, julgo poder asseverar que tal noção nunca deixou de presidir à política das pescas.
Assim, a solução do referido problema das pescas teria tido entre nós duas concepções diversas, que se mantêm como directrizes para o futuro: a da produtividade aumentada pelo maior rendimento unitário, quanto à pesca metropolitana; e a produção forçada, no ultramar, sobretudo em Angola, já pelo aumento das unidades produtoras, já pela maior superfície explorada dos mares, e pelo melhoramento dos processos industriais.
Para só me referir à pesca metropolitana, e excluindo, como excepção confirmativa da regra, o caso especial da sardinha, está provado que o acréscimo da sua produção global se deve antes a uma melhor utilização de sistemas e à disciplina e economia de processos do que a um aumento considerável das nossas frotas pesqueiras.
O caso da sardinha constitui, como já disse, uma excepção, motivada possìvelmente por circunstâncias anormais. E se a sua frota de pesca aumentou de 249 para 392 unidades nos últimos dez anos e armadores e industriais conserveiros se vêem hoje a braços com uma crise cuja gravidade e repercussões de toda a ordem não podem ainda ser inteiramente previstas, a verdade é que tal situação provém, em última análise, da ausência de cardumes de sardinha da costa portuguesa.
Prova-o a produção daquelas artes que de 116 mil toneladas em 1939 baixou em 1948 para 84 mil.
Deve ter-se presente que o aumento do número de unidades para a pesca da sardinha se verificou numa época em que elas eram antiquadas, e não escasseava o peixe, como agora, e quando as necessidades de consumo interno e do nosso comércio internacional de conservas plenamente o justificavam.
Já o mesmo se não verifica nas pescas de arrasto do alto e do bacalhau, onde os aumentos das respectivas frotas foram consideràvelmente menores do que os resultados obtidos como produtividade.
Assim, a frota de arrasto, que constava de 59 unidades em 1939, subiu para 97 em 1948. Mas a esse acréscimo de 38 unidades correspondeu uma produção que, de 30 mil toneladas em 1939, se elevou para 42 mil em 1948.
Outro tanto sucedeu na pesca do bacalhau, pois que a mesma, de 51 navios que armou em 1936, produzindo 143 mil quintais de bacalhau seco, passou em 1948 para 60 unidades, com uma produção de 386 mil quintais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pode, pois, asseverar-se que estas duas importantes frotas de pesca foram mais acentuadamente modernizadas e renovadas do que apenas aumentadas no seu valor numérico. E isto de forma a conseguir-se que qualquer delas elevasse para mais do dobro a sua produção.
Os números acima também eloquentemente sublinham a política seguida pelo Governo em matéria de pescas metropolitanas, segundo ditames da mais estrita prudência, e em absoluto conformes com os princípios eco-

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nómicos propugnados no douto parecer agora emitido sobre as contas públicas de 1948.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se o aumento da produção piscatória não consegue, ainda assim, suprir às necessidades do consumo interno, tal facto deve-se em grande parte aos seguintes factores:
O acentuado aumento demográfico; o maior poder de compra, sobretudo das populações citadinas; a maior procura de pescado, devido em parte à carência de alguns géneros alimentícios ou sua periódica escassez; e, finalmente, à grande crise provocada pela falta da sardinha.

O Sr. Melo Machado: - V. Ex.ª dá-me licença? E não acha V. Ex.ª que há uma falta sensível de meios de transporte para disseminar o pescado em estado fresco pelas populações?

O Orador: - Não há; quanto mais quantidade de peixe aparece mais facilmente ele se espalha pelo território português.

O Sr. Melo Machado: - Mas não temos frigoríficos ...

O Orador: - Enquanto V. Ex.ª não tiver no País uma rede de frio, devidamente montada, e electricidade barata, o mal faz-se sentir. Logo que haja isso, pode V. Ex.ª levar a todas as vilas e cidades peixe em condições de ser comido.

O Sr. Melo Machado: - Quando vamos para o Norte vemos; por exemplo, em Vigo, que se faz essa distribuição ...

O Orador: - Os pescadores portugueses em Fuseta, por exemplo, pescam quantidades enormes de pescada que mandam para o Norte do País. E V. Ex.ª come no Porto, por exemplo, pescada da Fuseta, julgando que é de Vigo. Ainda há pouco uma pessoa me disse que tinha comido no Porto pescada do Algarve julgando ser de Vigo.
Não deve, no entanto, esquecer-se que a pesca do bacalhau, cuja capacidade de produção em 1937 apenas satisfazia 15 por cento das necessidades do consumo, já hoje preenche 60 a 65 por cento das mesmas. E se mais não produz é porque o aumento da frota está condicionada a exigências de ordem económica e financeira, de carácter geral e internacional.
No referente à pesca de arrasto, é de esperar que, com as novas construções em curso e aquelas que se prevê venham ainda a ser autorizadas para a pesca do alto, o peixe fresco possa bastar às necessidades alimentares da metrópole nos anos mais próximos.
Afigura-se até de aconselhar um estudo profundo quanto às possibilidades de aumento da frota do alto, de forma a suprir-se com a produção de peixe grosso a escassez da sardinha. Esta poderia assim contribuir, em maior percentagem, para manter activa a respectiva indústria conserveira, a qual necessita de ser defendida, pelo grande número de braços que ocupa e como manancial importante que é de divisas estrangeiras.
Apoiados.
Quanto à produção ictiológica, em proporções que permitam a possibilidade de exportação e consequente entrada de divisas, o problema não foi de modo algum descurado. Certas espécies de maior cotação nos mercados estrangeiros, bem como crustáceos e moluscos, deverão dentro em breve constituir um contingente apreciável de produtos exportáveis.
Acresce ainda que, se não fora a intensiva exploração dos mares pelos nossos navios e pelos de outras nacionalidades, o rendimento da pesca seria de certo mais elevado por unidade produtora, o que evitaria muitas vezes os dias perdidos em busca de paragens mais abundantes de pescado, com as consequentes falhas no abastecimento de peixe ao País.
Parece, no entanto, estar reservada à pesca ultramarina, sobretudo à angolana, o desenvolver-se num ritmo que corresponda em produtividade e qualidade não só à incomensurável riqueza dos seu mares como até às necessidades alimentares de outros países mais duramente experimentados pela guerra.
É nesses mares que o nosso senso económico, como o espírito de colaboração internacional, deverá vir a manifestar-se, porquanto não faltam ali a matéria-prima alimentar e as proteínas de que a velha Europa necessita.
Mas haverá também que saber coordenar a exploração racional daquelas riquezas ictiológicas, para que as mesmas não sejam ràpidamente esgotadas por uma produção mal conduzida ou o seu produto superado em qualidade e em preço, devido a processos deficientes de fabrico ou demasiada ânsia de lucros.
Anima-nos saber que o Governo não descura o problema e que, pescas metropolitanas, como pescas ultramarinas, ambas têm sabido cumprir a sua missão económica, desenvolvendo-se e progredindo de forma a poderem contribuir, não sòmente para a prosperidade da Nação, mas ainda para melhorar o regime alimentar de outros povos.
Sob o ponto de vista exclusivamente nacional, o desenvolvimento das pescas trouxe, e trará ainda, outro benefício considerável: um mais elevado nível de vida e cotação social para os pescadores continentais, evidente já hoje nos inúmeros centros piscatórios do nosso litoral metropolitano, onde o pescador revela a sua actual preparação técnica, de forma a ser solicitado para em África exercer o seu mister e ali evidenciar conhecimentos profissionais até então ignorados.
Necessário seria que esta obra de preparação profissional e de assistência se tornasse extensiva ao pescador ultramarino, quer europeu quer indígena, o que firmemente espero não deixará de suceder. Acompanhar-se-á assim o desenvolvimento industrial das pescas angolanas no campo social, com justo motivo de satisfação para o nosso sentimento humanitário como para os nossos brios tradicionais de colonizadores pacíficos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para terminar, julgo poder supor que o problema das pescas em Portugal se não circunscreveu «apenas a aumentar o quantitativo de bens de consumo», mas antes - e continuando a utilizar-me das frases lapidares do Sr. Relator das contas públicas - terá visado também a «melhorar apreciàvelmente a produtividade», realizando assim, e «dentro dos recursos financeiros à vista, uma larga obra de interesse económico».
No meu foro íntimo, como decerto no de VV. Ex.ªs, reside a certeza de que tal obra e tais resultados só foram possíveis porque, graças à Providência, tivemos em Salazar e na Revolução Nacional os fortes esteios e a elevada fé construtiva que a todos nos tem animado nesta tarefa de engrandecimento da Pátria.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Botelho Moniz: - Sr. Presidente: roubo à Assembleia apenas cinco minutos de atenção, para aproveitar

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a oportunidade deste debate a fim de renovar um apelo que já por várias vezes, nesta e na anterior legislatura, tive ocasião de apresentar.
Sinto-me triste por ser forçado a renová-lo, porque isso significa que ato hoje ainda não foi atendido.
Não vou examinar as contas públicas, nem elas precisam do meu exame, depois dos discursos aqui proferidos.
Não vou olhá-las através do monóculo do oficial, nem das lunetas ou dos óculos do comerciante, nem com a lupa minuciosa ou o microscópio, hoje electrónico, do economista, nem ainda com o telescópio de grande alcance do homem que, no relatório sobre as contas do Estado, nos apresentou o plano, bem digno da nossa admiração, de obra redentora da economia, base segura do fomento nacional.
Neste oceano dos dinheiros públicos, aquilo que vou tratar quase nada representa para o Estado; mas é muito, é questão de vida ou de morte para uma classe de servidores que anda esquecida, os mais humildes de todos os servidores, aqueles que os homens dos Governos dizem que já não servem ... nem sequer para serem lembrados.
Ainda ontem alguém me recordava uma frase corajosa o eloquente do grande Vieira: «ganha-se mais com barretadas no Paço do que com lançadas na índia».
Isto significa que aqueles que estão ausentes, distantes no espaço ou no tempo, são vítimas do esquecimento dos governantes.
Se isto era verdade há alguns séculos, infelizmente continua a sê-lo ainda hoje.
O tempo, implacável devorador de gerações, tem passado sobre a Terra. Todavia, em alguns casos, os males continuam a ser os mesmos, porque só os rótulos mudaram. O Terreiro do Paço trocou o nome pelo de Praça do Comércio. Não quero dizer que esta nova designação contenha qualquer simbolismo que leve os maldizentes como eu a admirar a Administração democrática, autora da crisma, pelo espírito de previsão que demonstrou.
Felizmente, sabe-se que a Administração portuguesa, hoje como ontem, melhor hoje do que ontem, é das mais honestas do Mundo. Portanto, não se percebe bem aquela designação de Praça do Comércio, a não ser como homenagem aos grandes comerciantes que auxiliaram o advento da República. Talvez fosse melhor haverem-lhe chamado Praça Grandela ou Largo Ramiro Leão.
Risos.
Mudaram os rótulos. Mas S. Majestade a República, ou S. Majestade o Povo Soberano, ao chamarem a si a missão das instituições reais, continuaram o erro condenável que Vieira verberou e não deixaram de ser ingratos para os seus servidores.
Refiro-me às chamadas classes inactivas, aos reformados, aos pensionistas, àqueles que nem sequer recebem ainda taxa de actualização de pensões igual à do funcionalismo do quadro activo. Não podem conformar-se com os módicos 50 por cento que o Estado lhes atribuiu, porque 50 por cento sobre a miséria não liberta ninguém da fome.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É necessário remediar-se quanto antes esta situação. O Estado não gastará muitos milhares de contos para praticar esse acto de justiça. Remova o mal com espírito de generosidade, e era nome da gratidão que essa pobre gente deve merecer a um grande patrão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, apelo mais uma vez para o coração dos governantes. Faço votos para que não seja necessário voltar a levantar a voz nesta Assembleia acerca do assunto, a não ser para agradecer ao Estado, em nome dos seus pensionistas, a justiça que finalmente lhes for feita.
Mas antes de terminar, e vou terminar já, quero recordar que ninguém nas Administrações anteriores a 28 de Maio tem o direito de atirar ao Estado Novo qualquer pedra a este respeito. Em relação aos pensionistas, o mal consequente à desvalorização da moeda da última guerra não é tão grave, nunca foi tão grave, como o que sofreram os antigos pensionistas em seguida à guerra de 1914-1918 em seguimento da desvalorização desse tempo.
Em todo o caso, o mal de agora necessita de remédio, o eu espero que o Governo ouça o apelo da Assembleia Nacional porque possui meios financeiros bastantes. Para prestígio da Administração é indispensável que esse remédio apareça tão cedo quanto for possível, pois ninguém duvida que as circunstâncias financeiras o permitem.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Sá Viana Rebelo: - Sr. Presidente: depois de se terem ouvido já, no presente debate, ilustres colegas que na matéria em discussão têm proferido verdadeiras lições de economia, será atrevimento da minha parte meter-me na fileira e tentar produzir algumas considerações de interesse.
Como, no entanto, já em 1940 tive idêntico atrevimento ao discutir-se a Lei de Meios, abordando o problema do rearmamento, ouso atrever-me de novo, pedindo desde já desculpa do tempo que roubo a VV. Ex.ªs
No meu discurso de há cinco anos eu afirmei que, decorridos uns escassos meses depois do final da guerra, não podíamos garantir se caminhávamos para uma paz duradoura ou se marchávamos para uma nova guerra.

Um facto parecia certo: é que não há energias atómicas, nem julgamentos de criminosos de guerra, nem conferências de grandes ou de pequenos, que consigam obter a tão falada paz de mu anos. E uma voz respeitada e autorizada neste Pais já afirmou que a passada guerra seria a última em que nos poderíamos manter neutros.

Passaram cinco- anos, e o ambiente internacional, longe de melhorar, agravou-se; e é a linha geral das considerações que então produzi sobre o rearmamento que vou retomar, ligando o passado ao presente, e com a intenção simples de em coerência com os meus sentimentos e pensamentos, uma vez mais, servir.
Sr. Presidente: o notável parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1948, devido novamente ao esforço e à competência da Comissão de Contas Públicas desta Assembleia, de que é relator o ilustre Sr. Deputado Araújo Correia, tem como apêndice um programa económico nacional para os próximos quinze anos, cujo conteúdo é esclarecedor e pode definir uma linha de rumo para os diferentes aspectos económicos que desse programa constam, como o da energia, o da agricultura, o alimentar, o das indústrias, o dos financiamentos, etc.
Não foi possível formular programa idêntico no seguimento da Lei n.º 1:914, votada em 1935 por esta Câmara, nem tão-pouco se realizaram em conjunto, como diz o

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parecer, os estudos necessários para a organização de um plano de utilização dos recursos nacionais.
Estamos em 1950, portanto no final do período de quinze anos estabelecido pela referida Lei de Reconstituição Económica, que, na sua base I, diz:

Serão estabelecidos os planos e projectos fundamentais a executar no período de quinze anos, na importância de 6:500 mil contos, respeitantes:

1.º À defesa nacional, compreendendo:

a) A reforma geral do Exército e seu armamento, fortificações, edifícios e outras obras militares;
b) O prosseguimento da restauração da marinha de guerra, incluindo, além da aquisição de novas unidades, o que for necessário u sua eficiente utilização.

2.º A reconstituição económica, abrangendo, etc. ..

Parece-me, pois, oportuno que no presente debate se do uma nota sobre o esforço realizado pela Nação e pelo Governo no sector da defesa nacional, reflectido nas despesas extraordinárias que lhe foram aplicadas durante os treze anos terminados em 1948, e se esboce um apontamento sobre o esforço futuro que, a par do programa económico agora estabelecido, seja necessário fazer em beneficio das forças armadas. E como não tenho sequer qualidade para tratar dos assuntos da Marinha, apenas me referirei ao Exército, no conjunto das forças de terra e do ar.
Sr. Presidente: dos 15:211 mil contos de despesas extraordinárias feitas de 1936 a 1948, e que são aquelas que exprimem o fomento económico, os gastos com o
rearmamento, etc., cerca de 7 milhões foram utilizados pelas forças armadas, discriminados da seguinte maneira:

Milhares do contos

Rearmamento do Exército ........ 3:185
Aviação naval .................. 112
Navios de guerra ............... 834
Despesas excepcionais de guerra 2:739

Pode dizer-se que dos 7 milhões gastos na defesa nacional, e que só por si excediam a verba de 6:500 mil contos previstos na Lei n.º 1:914 para a defesa nacional e reconstituição económica, cerca de 5,5 milhões de contos foram gastos com o rearmamento das forças do Exército de terra e do ar, ou seja a terça parte das despesas extraordinárias em quase quinze anos de vida da Nação. Mas quinze anos de vida internacional agitada, cheia de ameaças e de incógnitas, que obrigaram o Governo a apetrechar as forças armadas com o material de que estavam desde há muito necessitando, se não em quantidade suficiente para todas as emergências, pelo menos o indispensável para que dignamente se fizesse face às emergências que se viveram.
Foi primeiro a guerra de Espanha, depois a guerra mundial com as suas repercussões na metrópole, nos Açores, em Macau, e, dolorosamente, em Timor; foram os cuidados com a defesa imperial depois do armistício de 1945; e já depois de em 1948 se anular a despesa excepcional derivada da guerra, foram em 1949 as preocupações com a Índia e Macau, que obrigam o Governo a manter expedições nesses locais do Império, cujos gastos tiveram de ser indispensáveis e inadiáveis.
Não fatigarei VV. Ex.ªs a ouvir ler um quadro em que tenho resumida a variação das despesas extraordinárias com o rearmamento e a mobilização para os Açores e ultramar.

Despesas com o rearmamento e mobilização nos anos de 1937 a 1948

(Milhares de contos)

[Ver Tabela na Imagem]

Desse quadro pode verificar-se, por exemplo, que, como não podia deixar de ser, foi nos anos de 1941, 1942 e 1943 que se comprou mais material (respectivamente 458 mil, 362 mil e 684 mil contos), mas ainda em 1947 e 1948 se mantêm números superiores a 1944, com 270 e 243 mil contos, respectivamente.
Somam perto de 3,5 milhões de contos a importância da compra do material nos últimos quinze anos, mas há que juntar 1 milhão de contos mais, valor do material recebido ao abrigo do acordo de 1943 entre o nosso Governo e o inglês; e, assim, pode calcular-se em cerca de 4,5 milhões de contos o valor da aquisição do material de que o Exército presentemente dispõe.
Não tem havido necessidade de forçar o emprego deste material, mas o que a Nação gastou com este património militar e com as expedições que foram, de armas na mão, guardar os cantos do Império constituiu o prémio de seguro da casa portuguesa contra os riscos de roubo e de incêndio nos últimos quinze anos da agitada vida do Mundo!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em Abril de 1949 assinou-se em Washington o Tratado do Atlântico-Norte, que, no que toca a Portugal, foi ratificado em Julho por esta Assembleia.
É louvável o pensamento superior que presidiu a sua organização, e as conferências internacionais políticas e militares que periòdicamente se sucederam no prazo de um ano mostram que se trata de uma tentativa séria de colaboração entre todas as nações ocidentais e atlânticas, das quais se encontra excluída, por incompreensão ou teimosia, a grande nação espanhola, vizinha e amiga no velho solar ibérico por detrás dos Pirenéus, cujos serviços a favor da civilização ocidental e da fé cristã não são por demais encarecer.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Pacto do Atlântico criou-nos, porém, novas obrigações, a que será mister corresponder dignamente; por outro lado, a situação no Extremo Oriente, que o Governo tem briosamente acompanhado, pode complicar-se e agravar-se; e, na metrópole, a manutenção da

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ordem pública é missão que não pode ser descurada pelas forças armadas.
E pode então perguntar-se:
O material que se adquiriu desde 1937, e que representa um importante esforço do Governo e da Nação, que se cifra na terça parte das despesas extraordinárias, é suficiente para que o Exército possa corresponder as principais emergências, quer no caso da defesa do Império, quer no quadro do Pacto do Atlântico?
Penso que se pode afirmar que parte do material adquirido, se não for completado com material recente, não está em condições de fàcilmente intervir com eficácia numa guerra europeia. Não está, e é perfeitamente lógico que o não possa estar!
Eu explico.
Nos planos de fomento económico, as grandes realizações industriais (barragens, centros fabris, etc.), as redes de comunicações (estradas, caminhos de ferro, portos, centrais telefónicas e emissoras), as grandes obras de hidráulica agrícola, as explorações mineiras, os abastecimentos de água, etc., são obras reprodutivas em que o Estado investe grandes capitais, que, a prazo mais ou menos curto, produzem rendimento para a Nação, melhoram o nível de vida e constituem um património duradouro para o País.
Há despesa de conservação, há aperfeiçoamentos a introduzir de vez em quando, conforme os progressos da indústria e os melhoramentos da técnica, haverá que ajustar aqui e ali, mas, salvo no caso de uma grande descoberta com aplicações industriais que pode envelhecer uma obra de um dia para o outro, a evolução no aperfeiçoamento do equipamento económico instalado é geralmente gradual, e o seu uso produz riqueza. E, mesmo no caso das obras envelhecidas pela técnica, ainda se produz riqueza, apesar de o rendimento não ser já aquele que se poderia desejar.
Com o material de guerra as coisas não se passam assim.
O material de guerra corresponde a dinheiro que o Estado soberano é obrigado a todo o momento a gastar se quer defender o seu território, mas esse dinheiro não é capital que dê rendimento; é até um capital que de ano para ano se vai desvalorizando e se vai consumindo pelo simples passar do tempo.
Os tipos de armas que eram novos em 1914 eram velhos em 1918, e aqueles que iniciaram a segunda guerra mundial em 1939 estavam antiquados em 1945. O ritmo progressivo da melhoria da indústria dos armamentos, empenhada em fazer mais e melhor para superar a do inimigo, faz envelhecer em poucos meses um material com que se equipou um exército.
Já lá vão cinco anos depois que acabou a guerra, ou, pelo menos, que se convencionou ter acabado a guerra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é segredo para ninguém que a velocidade dos aviões aumentou por tal forma, que, ao pé dos modernos aparelhos americanos, ingleses ou russos, são lentos os que os aliados empregavam no final da guerra, como inadaptada é a artilharia antiaérea que então os atacava de terra; a radiolocalização; que começou no meado da guerra passada a desenvolver-se, é hoje imprescindível na defesa dos territórios; a artilharia de autopropulsão, o emprego das cargas ocas, etc., definem a evolução recente do material artilheiro; e pode afirmar-se que uma parte do material de guerra do tipo empregado na altura do armistício de 1945 não pode já ser inteiramente eficaz na guerra que não será de hoje, mas que poderá perfeitamente ser de amanhã.
E, assim, tendo nós adquirido até 1945 material no valor de 3,5 milhões de contos, não é de estranhar nem causará surpresa que se diga que parte desse material, apesar das modificações introduzidas, e não contando com o uso que tem sofrido, precisa de ser completado com material recente, na medida em que o quiserem ceder, para que possa dizer-se que será eficaz numa guerra moderna.
Quererá isto dizer que se deitou dinheiro à rua ou que o material que temos é já sucata?
De maneira nenhuma.
O Governo adquiriu-o para levantar o Exército do zero em que se encontrava em 1935, dando-lhe meios de se organizar, de se instruir e de se bater com dignidade; foi um apoio que a Nação teve nos períodos de emergência da guerra, confiando-se a um exército armado, disciplinado e instruído; esse material poderá ser ainda hoje elemento de instrução do muitos milhares de homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o maior volume da instrução deve realizar-se com material moderno, e com material moderno devem ser equipadas as unidades de primeira linha, que, nas condições políticas actuais do Mundo, de um momento para o outro podem ter de bater-se com forças bem armadas e bem treinadas, que, até, e sem excesso de imaginação, podem descer do ar em qualquer ponto importante do território nacional.
Não podemos ter a pretensão de dispor permanentemente de um exército armado de cima abaixo com o que há de melhor, mas tenha-se o indispensável, que é sempre muito caro, para estarmos ao par da técnica da guerra.
Fique-se, pois, com a ideia de que o nosso exército não pode considerar-se definitivamente armado contra as mais perigosas ameaças da agressão internacional e que deve continuar a dar-se ao Governo todo o apoio para que possa manter e aumentar o ritmo do rearmamento, por forma a que o nível de instrução do Exército seja ainda mais elevado e a eficácia das nossas forças seja consideràvelmente melhor.
Sr. Presidente: considerando o programa económico nacional que acompanha o parecer sobre as Contas Gerais do Estado de 1948, pode perguntar-se como poderá suportar a Nação, a par do milhão anual de contos a gastar durante quinze anos para aumentar o rendimento anual em 3 milhões, as somas necessárias ao rearmamento?
O potencial de guerra de um país, sob o ponto de vista económico, é constituído pela sua capacidade de produção e pela possibilidade de a adaptar e transformar para fins de guerra; um país terá tanto maior capacidade para fazer a guerra quanto maior for a sua capacidade de produção, maior, mais jovem, mais apta, física e profissionalmente, for a sua população, mais vasta e segura for a sua rede de comunicações nacionais e internacionais.
E, dada a natureza das guerras modernas, o potencial económico é elemento fundamental na capacidade de as fazer, para satisfazer aos formidáveis consumos de toda a ordem que elas imperativamente exigem.
Esse potencial deverá permitir a produção directa dos bens necessários para fazer a guerra, ou facultar rendimentos que permitam adquirir no exterior os mesmos bens, especialmente o material.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sou assim levado a afirmar que, de certo modo, a melhor maneira de desenvolver o potencial de guerra dum país será fomentar o seu progresso económico.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Ele arrastará logo, com o desenvolvimento da agricultura e da indústria, o aumento da capacidade interna de produção dos variados bens que alimentam a luta (subsistências, material de guerra, etc.); o aumento de rendimento resultante traduzir-se-á em progresso da matéria colectável, que permitirá ao Estado assegurar-se de meios monetários necessários para os serviços de defesa nacional; e também o aumento da actividade económica interna pode influir sobre o fecho da balança de pagamentos, permitindo acumular capacidade de compra no exterior, traduzida numa forte posição cambial.
Portanto o programa económico nacional enunciado pelo Sr. Deputado Araújo Correia, e ao qual dou o meu caloroso aplauso, pode auxiliar a cobrir os gastos indispensáveis da defesa nacional.
Para tal será necessário:
Que se radique nos espíritos a ideia de que a manutenção do rearmamento, na crise em que se debate o Mundo, é obrigação inadiável, para não voltarmos ao zero militar em que já estivemos por falta de material;
Que entre os estados maiores da economia, das finanças e da defesa nacional haja íntima relação durante a sequência do programa económico;
E que o Governo, com a sua direcção, e a Nação, com a sua generosidade, mais uma vez comunguem no mesmo desejo de aumentar o património nacional e melhorar a força para o poder guardar e conservar.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Não está mais ninguém inscrito para usar da palavra sobre as Contas Gerais do Estado e as contas da Junta do Crédito Público, ambas relativas ao ano de 1948.
Considero, portanto, encerrada a discussão e vai passar-se à votação.
Está na Mesa uma proposta de bases de resolução para aprovação das Contas Gerais do Estado relativas à gerência de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 1948.
Vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Bases de resolução:

«A Assembleia Nacional, verificando:

a) Que a cobrança das receitas públicas durante a gerência entre 1 de Janeiro e 31 de Dezembro de 1948 foi feita de harmonia com os termos votados na Assembleia Nacional;
b) Que as despesas públicas, tanto ordinárias como extraordinárias, foram efectuadas de conformidade com o disposto na lei;
c) Que o produto de empréstimos contraídos teve a aplicação estatuída nos preceitos constitucionais;
d) Que foi mantido durante o ano económico o equilíbrio orçamental, como dispõe a Constituição, e que é legítimo e verdadeiro o saldo de 62:136.919$83 apresentado nas contas respeitantes a 1948:

Dá a sua aprovação à Conta Geral do Estado relativa ao exercício de 1948.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 26 de Abril de 1950. - O Deputado José Dias de Araújo Correia».

O Sr. Presidente: - Está também na Mesa uma outra proposta de resolução quanto às contas da Junta do Crédito Público referentes à gerência de 1948.
Vai ser lida.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de resolução:

«A Assembleia Nacional:

Considerando que durante u gerência de 1948 o montante real e efectivo da dívida pública sofreu uma diminuição de 49:235.480$;
Considerando que durante a mesma gerência o Governo continuou a abster-se de fazer qualquer emissão e dos títulos na posse da Fazenda, provenientes de emissões anteriores, apenas colocou no mercado títulos no valor de 38:144.000$;
Considerando que durante a mesma gerência o Governo anulou todos os títulos que se encontravam por colocar na posse da Fazenda, na importância de 828:708.000$, e continuou a aplicar grande parte das disponibilidades provenientes do produto de empréstimos emitidos a partir de 1941, quer em financiamentos reprodutivos, quer na subscrição dos capitais de empresas de fundamental importância para o fomento e desenvolvimento da economia nacional;
Considerando que, assim, a política adoptada pelo Governo em relação à dívida pública durante a gerência de 1948 continuou a ser a mais conveniente aos superiores interesses da Nação:
Resolve dar a sua plena aprovação às contas da Junta do Crédito Público relativas ao ano económico de 1948.

Sala das Sessões da Assembleia Nacional, 26 de Abril de 1950. - O Deputado João Luís Augusto das Neves».

O Sr. Presidente: - Vai votar-se em primeiro lugar a proposta de resolução relativa às Contas Gerais do Estado.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vai votar-se agora a proposta de resolução referente às contas da Junta do Crédito Público relativas também à gerência de 1948.

Submetida à votação, foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
Amanhã haverá sessão à hora regimental, sendo a ordem do dia a discussão da proposta de lei relativa à luta antituberculosa.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Américo Cortês Pinto.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Carlos Borges.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Carlos de Azevedo Mendes.
Herculano Amorim Ferreira.
Joaquim Mendes do Amaral.
Jorge Botelho Moniz.
José Luís da Silva Dias.
José Pereira dos Santos Cabral.

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Manuel França Vigon.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Ricardo Malhou Durão.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Alberto Cruz.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Calheiros Lopes.
António Raul Galiano Tavares.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Domingos Alves de Araújo.
João Cerveira Pinto.
Joaquim de Moura Relvas.
José Gualberto de Sá Carneiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Marques Teixeira.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Luís de Avillez.

Rectificação

A p. 874, col. 2.ª, 1. 9.ª, a expressão: «Deu-se conta do seguinte», devia vir em itálico, visto não ser fala do Sr. Presidente.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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