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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 194

ANO DE 1953 29 DE JANEIRO

V LEGISLATURA

SESSÃO N.º 194 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 26 DE JANEIRO

Presidente: Exmo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários: Exmos. Srs. Gastão Carlos de Deus Figueira
Carlos Alberto Lopes Moreira

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.

Antes da ordem do dia. - Foi aprovado o Diário das Sessões n.º 193.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Borges do Canto referiu-se a um oficio da Junta Nacional dos Produtos Pecuários acerca do pagamento do leite aos produtores açorianos.
Os Srs. Deputados Melo Machado e Alberto de Araújo ocuparam-se da defesa dos vinhos generosos portugueses.

Ordem do dia. - Continuou o debate na generalidade sobre a carta orgânica do ultramar. Falou o Sr. Deputado Pinto Barriga.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 50 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Adriano Duarte Silva.
Afonso Eurico Ribeiro Cazaes.
Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Joaquim Simões Crespo.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Pinto de Meireles Barriga.
António Raul Galiano Tavares.
António dos Santos Carreto.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Alpoim Borges do Canto.
João Ameal. João Cerveira Pinto.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.

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Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Dias de Araújo Correia.
José Garcia Nunes Mexia.
José Pinto Meneres.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
Mário de Figueiredo.
Miguel Rodrigues Bustos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Tito Castelo Branco Arantes.
Vasco Lopes Alves.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 64 Srs. deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Está em reclamação o Diário das Sessões n.º 193.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Visto nenhum Sr. Deputado pedir a palavra sobre este número do Diário, considero-o aprovado.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Exposição

Do Sr. Bispo da Guarda a apoiar a campanha a favor do casamento das enfermeiras dos Hospitais Civis.

Representação

Do Grémio dos Vendedores de Leite de Lisboa a queixar-se do que a percentagem de lucros, de $40 por litro, que lhe foi fixada por despacho do Subsecretário de Estado da Agricultura de 25 de Abril de 1902, é insuficiente, e a pedir um aumento de $20, sem o que os seus agremiados não poderão manter-se.

O Sr. Presidente: - Estão na Mesa, enviados pela Presidência do Conselho, para os efeitos do § 3.º do artigo 109.º da Constituição, os Decretos-Leis n.ºs 39081, 39 082 e 39 083, publicados no Diário do Governo n.º 10, 1.ª série, de 17 do corrente; n.º 39084, inserto no Diário do Governo n.º 11, 1.ª série, de 19 do corrente, e n.º 39 087, publicado no Diário do Governo n.º 14, l.ª serie, do 22 também do corrente.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Borges do Canto.

O Sr. Borges do Canto: - Sr. Presidente: na sessão do dia 21 do corrente foi lido na Mesa desta Assembleia um oficio da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, no qual o Sr. Presidente da mesma Junta contesta uma asserção minha proferida aqui entre as considerações que produzi quando da discussão do Plano de Fomento Nacional e esclarece a posição da Junta no assunto por mim versado.
Aquela contestação foi inteiramente verdadeira e justa - que outro conceito não se poderia fazer, por certo, de uma afirmação trazida por S. Ex.ª à Assembleia Nacional -, e o esclarecimento que a mim próprio dirigiu foi de todo o ponto penhorante.
Assim, não posso deixar de reconhecer o meu erro, motivado por defeituosa informação, ou mesmo por má interpretação da minha parte - não me custa aceitá-lo -, e agradecer a forma por que fui esclarecido.
Temos, pois, de verdade, que a Junta Nacional dos Produtos Pecuários não retém nos seus armazéns, por motivo do financiamento em vista do excesso de produção, manteiga que não pague imediatamente, e que durante o ano findo não fez qualquer operação nesse sentido.
Por meu turno, tenho também de esclarecer e afirmar que o meu único objectivo era conseguir maneira de facilitar a vida aos produtores de leite, na sua grande maioria pequenos lavradores, que não têm recursos para compensar os prejuízos ou as dificuldades resultantes da demora dos pagamentos do leite produzido.
Nestas circunstâncias, fica de pó a necessidade de um financiamento directo ao produtor de leite, quando se justifique, nas mesmas condições em que se faz ao produtor de cereais, trigo e milho, pagando-o e arrecadando-o na ocasião da colheita.
Sobre o modus faciendi nada posso dizer, e por isso apelo para quem possa resolver esta importante questão.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Sr. Melo Machado: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: têm-me VV. Ex.ªs ouvido muitas vezes fazer referência a assuntos que se ligam com o vinho, mas ainda não me ouviram tratar propriamente dele. É que este assunto «vinhos» é de sua natureza perturbador o não é fácil tratar dele som levantar uma tal ou qual celeuma, sem até, muitas vezes, lançar umas contra as outras as várias regiões vinícolas, cujos interesses não coincidem, ou, para sermos mais precisos, parecem não coincidir.
Agora, porém, que tudo está calmo, vou procurar expor a VV. Ex.ªs aquilo que há muito tempo desejava dizer.
O problema do vinho é velho, muito velho mesmo, mas passam as gerações o ele persiste quase inalterável. Quer isto dizer que não se tom debruçado sobre ele os homens do Governo? Que não tem sido publicada vasta legislação sobre o assunto? Não, nós é que temos vivido um largo período de acalmia. Mas durante muitos anos a crise foi latente e preocupou séria e constantemente governantes e governados.
VV. Ex.ªs, que conhecem o volume que todos os anos atinge o Diário do Governo, sabem que é assim, desde há muitíssimos anos e não acreditam certamente que todos os problemas não estejam estudados e resolvidos naquelas amarelecidas e poeirentas folhas.
Quem - detentor, ou se supuser detentor, de qualquer ideia que lhe pareça nova e famosa- se der ao trabalho de mergulhar na leitura do Diário do Governo, lá encontrará aquelas ideias. Parece, em resumo, que nunca nos faltaram boas ideias; o que nos tem faltado sempre é a continuidade na sua execução, a sua realização até às últimas consequências.

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A prova do que afirmo é que precisamente a acalmia em que temos vivido há bastantes anos resulta em boa parte de seguirmos persistentemente um pensamento que foi posto em marcha e que todavia é preciso completar.
Muito pior que o movimento pendular entro as boas e más de entre as colheitas que sobejam e as que se mostram insuficientes é a flutuação permanente das orientações, o pegar e largar de medidas pensadas, estudadas e amadurecidas.
Esse tem sido o grande mal.
Entre este movimento das colheitas insinua-se, como causa largamente perturbadora, aquilo que chamarei o milagre das bodas de Canaã. Este milagre é como o camaleão, amolda-se às circunstâncias, adapta-se ao ambiente, mas prossegue sempre persistente e teimosamente.
Para que não se julgue que estou a exagerar, vou ler o testemunho de um passado relativamente longínquo:
Em 1901 Francisco Simões Margiochi, Par do Reino, dizia no preâmblo de um projecto apresentado na Câmara dos Pares:

Entre as causas da crise vinícola está a concorrência do álcool industrial, que desviava da caldeira de destilação massas de vinhos menos bem classificados, que tinham nessa aplicação o seu destino mais apropriado.

E mais adiante:

Daqui resultava apurar-se que em Lisboa entravam vinhos de elevada graduação (14º e l5.º) e os que a fiscalização encontrava à venda acusavam uma percentagem notavelmente mais baixa (10º).

Devo recordar que nesse tempo a cidade de Lisboa cobrava o chamado «real-d'água», era circundada por uma barreira e só se podia entrar pelas chamadas «portas da cidade». O vinho pagava um tanto por litro e é evidente, que, quanto mais graduado entrava mais barato ficava o imposto em face do desdobramento.
Depois, em 1905, sendo Ministro das Obras Públicas, pasta por que corriam estes assuntos, o conselheiro Dias Costa, dizia este o seguinte no relatório de uma lei aprovada na Câmara dos Deputados:

Deve notar-se que o consumo actual do vinho em Lisboa não é representado pela totalidade do vinho despachado, mas sim por essa quantidade e mais 25 por cento.

Quer dizer que, do vinho que nesse tempo se consumia em Lisboa, 25 por cento era de água. Não direi pura, mas água em todo o caso.
Neste decreto, e confirmando aquilo que disse há pouco a VV. Ex.ªs - já então se falava em adegas sociais, que hoje chamamos cooperativas -, já se procurava instituir sociedades vinícolas destinadas a retirar do mercado vinhos excedentes - função que hoje é cometida à Junta Nacional do Vinho - e poucos meses mais tarde criavam-se os Armazéns Gerais e mais tarde ainda a warrantagem das aguardentes - funções que, em parte, continuam entregues à Junta Nacional do Vinho.
Quando às vezes pensamos que existem ideias novas, lucramos muito em relancear a vista por velhos números do Diário do Governo, pois, talvez, como sobre um assunto que em breves dias referirei a VV. Ex.ªs, ali esteja mais do que se deseja.
Toda esta legislação foi absolutamente inútil e a crise continuou durante nove anos, até 1914, data em que a guerra fez finalmente subir o preço do vinho.
Poderíamos filiar, com toda a razão, os motivos por que todas estas medidas, aliás tão inteligentes, foram inoperantes na falta de sequência a que me referi.
Publicaram-se medidas efectivamente criteriosas e bem estudadas: simplesmente, quando se tratou de as aplicar, não houve a persistência necessária para se colherem os seus resultados.
Esta espantosa crise, que durou nove anos, teve uma causa que, para não baralhar as coisas, daqui a pouco referirei.
Já sobre a vigência da actual situação, se não me engano, quando Ministro da Agricultura o nosso ilustre colega Sr. Linhares de Lima - por cujas melhoras eu faço sinceros votos (apoiados gerais), por todos os motivos, não só porque S. Ex.ª nos merece, a todos, muito respeito, consideração e amizade, mas ainda porque não posso esquecer que S. Ex.ª foi um grande Ministro da Agricultura, pondo em todos os trabalhos da sua pasta muito da sua inteligência e vontade de acertar, laço também votos para que dentro em breve vejamos de novo aqui S. Exa.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quando S. Exa., repito, foi Ministro da Agricultura, os técnicos apresentaram uma ideia para acabar com o tal milagre das bodas de Canaã.
Não seria considerado vinho o que não tivesse pelo menos 3,5 g de acidez fixa por litro, 20 g de extracto seco e menos de 1,5 g de acidez volátil.
Destas exigências resultaria que o vinho passaria a ser óptimo, e, mais do que isso, puro.
Simplesmente, esqueceram-se de que o vinho era para ser bebido e acabaram com a «prova».
Aqui tem VV. Ex.ªs o motivo por que se vende por aí vinho que de vinho só tem as características.
Parece-me, pois, que para um produto que se destina a ser consumido seria indispensável conservar a «prova» como um elemento concludente da análise.
Quer dizer, Sr. Presidente, o milagre, o tal milagre em que eu falei a VV. Ex.ªs, realizou-se, adoptou-se, civilizou-se e, com alguns ingredientes químicos e álcool de figo, prosseguiu na sua marcha vitoriosa, com graves prejuízos para a viticultura e para o comércio honesto.
Já se reconheceu há muito tempo, Sr. Presidente, que as características já estão desactualizadas. Era preciso revê-las, e para isso existe há alguns anos uma comissão para realizar o estudo da legislação sobre comércio de vinhos.
Esta comissão dividiu-se depois em subcomissões, mas, que eu saiba, até agora ainda não apareceram os resultados do seu trabalho.
Parece-me, pois, que era tempo de acabar com este sistema de comissões, cujos trabalhos se arrastam por meses e anos, embaraçando, em vez de facilitar, a resolução dos assuntos.
Eu imaginava que seria muito conveniente que existisse uma comissão permanente, sempre atenta ao aparecimento das espertezas e habilidades, uma espécie de luta entre a bala e a couraça, mas para isso era indispensável que fosse expedita.
O que não compreendo é que uma comissão nomeada para estudar um assunto de tanta importância económica como este deixe passar os meses e os anos sem apresentar as conclusões do seu trabalho. Numa palavra: a viticultura não entende que o vinho seja considerado meramente um produto químico e pretende que a prova volte a fazer parte das análises de vinhos; sabe que o produto que fabrica precisa de ser melhor defendido e deseja naturalmente que se concentrem nesse objectivo os esforços necessários.
Sr. Presidente: falei há pouco em álcool de figo e é este o momento de dizer o que penso sobre o assunto.
Quando, precisamente em 1905, tive a desastrada ideia de me fazer viticultor estava-se em plena crise de

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abundância, na maior e mais avassaladora crise que neste país a viticultura sofreu.
Vendia-se então um litro de vinho por 1 centavo. O que isto representou de agravamento da situação económica, o que isto representou de inenarrável martírio para as classes trabalhadoras agrícolas, diz-se em poucas palavras: um trabalhador agrícola ganhava, trabalhando de sol a sol, e como hoje se não trabalha, 20 centavos.
O que nos teria lançado em tão terrível e temerosa crise?
Não quero ser eu a responder; vai responder por mim o relatório a que já me referi da lei apresentada à Câmara dos Deputados em 1905 pelo conselheiro Dias Costa.
Diz esse relatório:

Um caso verdadeiramente singular, ocorrido durante o ano agrícola findo, provocou a atenção de todos os que sinceramente se empenham na solução da crise vinícola.
Foi escassa a colheita; todavia no decurso deste ano, quando os preços dós vinhos deviam subir, realizou-se exactamente o fenómeno contrário: os preços desciam sucessivamente.

E mais adiante:

Coincidia a última baixa com a importação do álcool estrangeiro o com a nova colheita. Enquanto que a primeira fora simultânea e paralela à entrada do álcool açoriano no continente do reino, cerca de 3 236 064 l, numa época em que os vinhos abafados e os do Douro estavam feitos e quando só pequenas quantidades podiam ser necessárias no Norte para os temperos usuais dos vinhos generosos...
Mas bastou, ao que parece, que o álcool açoriano concorresse aos mercados de Lisboa e Porto, facilitando o desdobramento do vinho do consumo, para que o preço baixasse de 50 por cento e mais.

Quer isto dizer, Sr. Presidente, que essa pavorosa crise, que durou nove anos consecutivos, apesar de tantos e tão Avariados alvitres, propostas e medidas tomadas, teve origem numa inconsiderada importação de álcool.
Ninguém ignora que o álcool e a aguardente de figo perturbam seriamente o mercado de vinhos, afectando os produtores e os comerciantes honestos.
Também, para tratar deste assunto, existe uma comissão nomeada em 1947 - quer dizer, há cerca de seis anos - e ainda até agora não se conhecem quais os resultados dos seus estudos e trabalhos.
Parece impossível que em assunto de tanta importância económica para o País uma comissão possa estar seis anos sem dar qualquer sinal de si.
Julgo absolutamente indispensável que este assunto seja integrado na Junta Nacional do Vinho. Só assim a viticultura poderá viver tranquila, certa de que o álcool não actuará como elemento perturbador do mercado de vinhos.
A Junta Nacional do Vinho tem procedido de forma a merecer a confiança da viticultura o esta tem a certeza de que, estando-lhe o problema afecto, não lhe sucederá sor perturbada com o álcool e a aguardente de figo e que não acontecerá a repetição do tal milagre dás bodas de Canaã...
À Junta Nacional do Vinho foi cometido o encargo de velar pelo produto e de o defender, de o melhorar; mas, se não puder actuar sobre o álcool, nunca essa defesa será eficaz, o poderá mesmo suceder que o que por um lado se conserta, por outro se escangalhe.
A actual situação encontrou uma fórmula que provou ser eficiente, que logrou alcançar o respeito e a confiança dos viticultores, e é nosso dever prosseguir no aperfeiçoamento da sua actuação por forma que possa continuar a ser eficiente.
O contrário disto será o retrocesso, será o inutilizar do caminho já percorrido, com consequências que lamentaremos profunda, mas inutilmente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: merecem-me inteiro aplauso as considerações do Sr. Deputado Melo Machado, que. com a sua comprovada competência, mais uma vez foi o autorizado defensor de legítimos interesses da lavoura e da viticultura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não ignora a Câmara que os vinhos da Madeira, juntamente com os vinhos do Porto, são os mais valiosos embaixadores dos vinhos portugueses nos mercados externos. Ora, na Madeira estão a vender-se aos turistas de passagem no Funchal, ao lado de vinhos bons, outros que são verdadeiras mistelas e que se traduzem em má propaganda desses magníficos vinhos generosos portugueses.
Concordo inteiramente com o Sr. Deputado Melo Machado de que é necessário pôr cobro a tais abusos, e por isso apelo para a Junta Nacional do Vinho, à qual a Madeira e a sua economia devem já assinalados e relevantes serviços, no sentido de intervir directamente, impedindo, por meio de providências adequadas, que aos turistas de passagem no Funchal sejam vendidos vinhos de má qualidade e de categoria manifestamente inferior, que só contribuem para prejudicar a reputação que os vinhos da Madeira conquistaram lá fora.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta da lei orgânica do ultramar. Tem a palavra o Sr. Deputado Tinto Barriga.

O Sr. Pinto Barriga: - Sr. Presidente: intervenho neste debate para ouvir como que um hino de exaltado entusiasmo por tudo o que realizámos na nossa magnífica obra de colonização. Não temo empregar a palavra «colonização» porque, em face do que efectivámos, esse termo não pode ter o sentido pejorativo que lhe dão certos doutrinários americanos, porque o utilizamos no mais ardente significado cristão do termo, com calma, com caridade, com coração, trabalhando, como o sabem fazer os Lusitanos, duramente, com o suor amargo do seu rosto, até mesmo nos climas mais inóspitos do Mundo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador : - Enalteço, por dever de mínima justiça, a acção do Sr. Doutor Oliveira Salazar e dos seus directos continuadores, como são os queridos e velhos condiscípulos Armindo Monteiro e Francisco Machado, meus bons amigos Prof. Doutor Marcelo Caetano, capitão Teófilo Duarte e comandante Sarmento Rodrigues.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Nesse liberalismo em que vivemos colonialmente o crédito bancário cumpre exactamente o seu dever, dentro das boas regras técnicas, mas, para além dele, o financiamento a longo prazo de investimentos de fomento não pode encontrar a sua devida expressão económica. O exemplo da América do Norte é tentador, porque arranjou para essas grandes obras de fomento, como a electrificação, a aviação, os caminhos de ferro, etc., créditos superiores a quatro vezes o montante da circulação e encaixe do ouro mundial. Fez essas obras de fomento duramente por impostos e empréstimos, mas realizou essa nação uma obra que a transfigurou aos olhos do Universo.
Nós também, Sr. Presidente, realizámos, e muito, com os mais duros sacrifícios de economia orçamental, mas efectivamos esses melhoramentos à maneira um pouco lenta, portuguesa; precisamos apressar-lhes o ritmo, à nossa própria custa, com os nossos aforros, as nossas magníficas possibilidades e com oração ardente animando as nossas inestimáveis qualidades de trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Precisamos continuar o sonho magnífico duma Euro-África portuguesa.
A América do Norte, com uma concepção de crédito muito larga, mas não aventurosa, mostrou-nos bem os resultados que obteve: tem 12 por cento apenas de rendimento dos seus férteis prados o do seu subsolo, 20 por cento dos seus dividendos e 68 por cento completam a totalidade do seu rendimento nacional, mas esses devem ser atribuídos apenas ao trabalho. O comércio americano interno absorve 96 por cento, figurando apenas 4 por cento para a sua exportação; na Europa as alfândegas são o grande obstáculo para uma boa união económica, sem nos lembrar que as imensas distâncias na América pesam económicamente muito mais que esses ónus aduaneiros.
Lyautey dizia que: «Penser petit c'est gaspiller de l'énergie; seule la confiance en l'avenir est rentable». É um bom conselho, quando ele for seguido por alguém que tenha percepção equilibrada das coisas, que teve e tem sempre Salazar, a quem nunca faltou a magnífica coragem política do realizador, mas nunca deixou de ter a prudência meditada do beirão, que realiza com entusiasmo e perseverança, mas não sonha acordado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Salazar conta com o trabalho do Português. Sabe que o trabalho qualificado e racionalizado do Americano vale bem três vezes o do Inglês, quatro o do Holandês e oito o do Russo, mas pressente que o labor do Lusitano há-de, pela sua admirável endurance, chegar à qualificação que lhe permita, se não igualar, pelo menos não se distanciar muito da labutação anglo-saxónica.
Dois grandes sistemas em matéria colonial pendulam o ritmo doutrinário e prático, assimilação o associonismo. Não realizamos nem um nem outro, porque quase paradoxalmente efectivamos um pouco os dois numa simbiose política que empresta todo o valor e explicação à nossa bem fadada tranquilidade ultramarina, prémio de uma velha experiência de colonizadores.
O parecer da Câmara Corporativa é magnífico, honra essa Casa e o seu eminente relator. Não posso deixar de salientar o vencimento do Digno Procurador Francisco Machado; não se veja só neste acto de destaque a fraternidade de uma velha amizade, mas porque sinto que ele corresponde à verdade política dos nossos factos coloniais.
Nesta proposta o que há de melhor é a matéria constitucional ; o resto pouco esclarece ou mal prevê as dificuldades que o Mundo pode trazer à tranquilidade do nosso ultramar.
Colonialismo, descolonialismo, são termos que o nosso orgulho, legitimado pelo nosso passado e presente de colonizadores, nos permite encarar sossegadamente.
A Carta que ora discutimos é uma simples procuração gorai de administração ultramarina, mais nada.
Sr. Presidente: podíamos esperar que se esboçassem as curvas de um ritmo moderado e ascensional de descentralização e autonomia, numa escala de possibilidades. Condena-se justamente o self-government mas as centralizações e autonomias ficam de reserva para os estatutos... especiais e, assim, a índia, Cabo Verde, Moçambique e Angola, com os seus problemas do organização administrativa, adiam-se para a promulgação do seu estatuto especial.
Poderia já agora, sem me reservar para a especialidade, discutir o actualismo convencionalista da base I; a falta da inclusão de solidariedade económica na base II; insistir na base IV sobre a necessidade de graduar a descentralização e autonomia aí concedidas; entrever o problema da interpretação constitucional relativa à iniciativa parlamentar em matéria ultramarina; ventilar na base X os problemas referentes à existência; na base VI controverter as vantagens de uma solidariedade económica provincial; na base XXII, sobretudo no seu n.º 6.º, amparar a sua inconstitucionalidade, que vem exacerbada pela redacção; estranhar a exclusão das receitas extraordinárias para a defesa nacional; afirmar a inconstitucionalidade da base XXII.
Vou votar esta proposta de olhos fitos num Portugal maior.
Terminando, depois de saudar V. Ex.ª, Sr. Presidente, quero agradecer penhorado os esclarecimentos que tiveram a amabilidade e amizade de me dirigir os ilustres Deputados Srs. Mário de Figueiredo, Sousa Pinto, Vasco Lopes Alves, Melo Machado o outros cujo nome não me ocorre agora.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. Aproxima será amanhã, com a mesma ordem do dia da de hoje. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
Délio Nobre Santos.
Jorge Botelho Moniz.
José Guilherme de Melo e Castro.
D. Maria Leonor Correia Botelho. Paulo Cancela de Abreu.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Júdice Bustorff da Silva.
António de Sousa da Câmara.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Caetano Maria de Abreu Beirão.

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Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Diogo Pacheco de Amorim.
Henrique Linhares de Lima.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Pinho Brandão.
José Cardoso de Matos.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel de Sousa Meneses.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Vasco de Campos.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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