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REPUBLICA PORTUGUESA
SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL
DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 212
ANO DE 1953 6 DE MARÇO
V LEGISLATURA
SESSÃO N.º 212 DA ASSEMBLEIA NACIONAL
EM 5 DE MARÇO
Presidente: Ex.mo. Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior
Secretários: Ex.mo. Srs.Gastão Carlos de Deus Figueira
José Guilherme de Melo e Castro
SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente. O Sr. Deputado Manual Domingos Boato tratou da situação da lavoura na região dos vinhos verdes.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu efectivou o seu aviso prévio sobre a execução da lei de amnistia.
O Sr. Deputado Vario Moreira e quero e a generalização do debate e o sr. Presidente deferiu.
O Sr. Presidente encerrou a sessão ás 18 horas e 30 minutos.
Por lapso, no sumário do Diário das Sessões n.º 209 não foram mencionados, na segunda parlo da ordem do dia, os nomes dos oradores Srs. Deputados Mário de Figueiredo e Carlos Manter.
CÂMARA CORPORATIVA. - Rectificação aos n.º10 e 11 do parecer n.º 40/V, inserto no Diário das Sessões n.º205.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 10 horas e 50 minutos.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Abel Maria Castro de Lacerda.
Adriano Duarte Silva.
Afonso Enrico Ribeiro Gazaes.
Alberto Henriques de Araújo.
Albino Soares Finto dos Reis Júnior Alexandre Alberto de Sousa Pinto.
António Abrantes Tavares.
António Bartolomeu Gromicho.
António Gaiteiros Lopes.
António Carlos Borges.
António Cortês Lobão.
António Jacinto Ferreira.
António Júdice Bustorff da Silva.
António Maria da Silva.
António de Matos Taquenho.
António Finto de Meireles Barriga.
António dos Santos Carreto.
António de Sousa da Câmara.
Armando Cândido de Medeiros.
Artur Proença Duarte.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Diogo Pacheco de Amorim.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Frederico Maria de Magalhães e Meneses Vilas Boas
Vilar.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jaime Joaquim Pimenta Prezado.
João Alpoim Borges do Canto.
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João Ameal.
João Carlos de Assis Pereira de Melo.
João Luís Augusto das Neves.
João Mendes da Costa Amaral.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Oliveira Calem.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
José Dias de Araújo Correia.
José Diogo de Mascarenhas Gaivão.
José Garcia Nunes Mexia.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís da Silva Dias.
José dos Santos Bessa.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Domingues Basto.
Manuel França Vigon.
Manuel Hermenegildo Lourinho.
Manuel José Ribeiro Ferreira.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancela de Abreu.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Ricardo Malhou Durão.
Ricardo Vaz Monteiro.
Salvador Nunes Teixeira.
Sebastião Garcia Ramires.
Teófilo Duarte.
Vasco Lopes Alves.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 74 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas.
Antes da ordem do dia
O Sr. Presidente: - Estuo na Mesa os elementos fornecidos polo Ministério do Interior em satisfação do requerimento do Sr. Deputado Pinto Barriga de 19 de Fevereiro último, que vão ser entregues a este Sr. Deputado.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra antes da ordem do dia o Sr. Deputado Manuel Domingues Basto.
O Sr. Manuel Domingues Basto: - Sr. Presidente: volto hoje no assunto da minha intervenção de 29 de .Janeiro último, e faço-o, não porque tenha havido nessa intervenção menos exactidão ou verdade, mas porque depois dela alguns acontecimentos se deram, ou vieram ao meu conhecimento, que são outros tantos aspectos do problema tratado, aspectos que pela sua importância merecem a atenção de SS. Ex.ªs o Ministro da Economia e Subsecretário de Estado da Agricultura.
São os Deputados nesta Casa, Sr. Presidente, como que os agentes de ligação entre a parte da Nação que trabalha o produz e a parte da Nação que governa, administra c orienta. Temos de, pela nossa acção e intervenções nesta Assembleia, assegurar à parte da Nação que trabalha confiança nos que mandam e pôr os que
governam bom ao corrente do que se passa através de toda a Nação, que não é só Lisboa, mas todo o vasto Império Português de aquém e além-mar, com as aspirações, necessidades e crises peculiares de cada região.
Pode suceder - e com frequência acontece - que no Governo se ignore o verdadeiro aspecto das crises e das dificuldades de determinadas regiões do País, e os seus habitantes estejam a julgar, indevidamente, que sofrem essas dificuldades e as vivem porque o Governo os abandona e despreza.
Para evitar que o duplo facto se dê é que nós, os Deputados, nos encontramos na Assembleia Nacional, no propósito construtivo e duplamente patriótico de o mesmo tempo informar o Governo do que se passa nas regiões com que vivemos em contacto e de por meio desta Assembleia nos tornarmos eco e porta-voz do que o povo por lá vai dizendo e deseja que nós, em seu nome, repitamos aqui.
Assim se verifica toda a frescura e mocidade da «filosofia perene» do «Doutor Angélico», que considera como melhor o governo em que manda e governa um só, assistido por uin escol de competèncias que o ajudem e aconselhem, tendo o povo ainda lugar e ocasião do fazer ouvir os seus desejos, aspirações e queixumes.
Sr. Presidente: é do causar estranheza e de determinar reparos que, tendo decorrido quase duas dezenas de anos sobro a obrigação da enxertia de produtores directos na região dos vinhos verdes, se não tenha, por meio de estudos e ensaios dos técnicos, chegado a uma conclusão segura sobre quais os porta-enxertos que os hão-de substituir.
Se é verdade que ninguém que tenha a noção das responsabilidades deseja a cultura dos produtores directos na região dos vinhos verdes, é unânime o sentimento de estranheza, por se verificar que a fiscalização se limita a exercer uma obra negativa de destruição dos produtores directos e nada faz, ou quase nada, no aspecto da indicação e defesa de porta-enxertos adequados aos terrenos e às castas tradicionais na região.
Para se fazer ideia da anarquia que impera em tal assunto basta reparar em que as brigadas de fiscalização se dão ao luxo de proporcionar sensacionais espectáculos queimando em grandes fogueiras os pés de Jacquez que aparecem nos mercados, mas consentindo que «viveiristas» improvisados e sem escrúpulos vendam impunemente gato por lebre, que é o mesmo que dizer videiras que tom designação falsa, pois não são o que se anuncia.
Muitas dezenas de viticultores minhotos têm sido burlados por estes aviveiristas», a quem o povo, cuja voz se confunde muitas vezes com a voz do próprio Deus, vai já chamando ... vigaristas.
Não se compreende nem justifica que seja permitido ao primeiro aventureiro a quem dê na gana fazer-se viveirista apresentar nos mercados videiras como sendo de determinadas variedades sem se lhe exigir garantias ou sem que tenham um selo ou certificado passado por um organismo oficial ou corporativo que assuma perante o Estado o os particulares a responsabilidade do que faz.
São hoje do muito maior importância os danos que com esta fraude dos viveiristas se causam à viticultura do Minho do que o da tolerância do Jacquez para porta-enxertos, enquanto os técnicos não asseguram que outro porta-enxertos o substitui com vantagem.
O que se deseja é evitar a adulteração dos vinhos característicos da região dos vinhos verdes, não consentindo os produtores directos para vinho.
Isso consegue-se recomendando aos fiscais que, em vez de olharem para baixo, olhem para cima, e, desde que na quinta ou propriedade que fiscalizam não encon-
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trem nenhuma videira de Jacquez a dar vinho, a consintam até à altura em que nas regiões de rumadas altas ou sistema de vinha de enforcado possam ser enxertadas.
Estranham ainda as populações da região dos vinhos verdes, e eu com elas, que os lavradores tenham na lei ou no papel uma organização; que haja uma comissão encarregada da defesa dos vinhos da região dos vinhos verdes e que se consinta impunemente a fraude dos viveiristas a que aludi. Ou tais organismos ainda não deram pelo que se passa, e então estão a dormir, ou sabem e não se importam, e nesse caso faltam ao seu dever.
O facto é bem público. Basta nos meses de Outubro a Março abrir, sobretudo, os jornais da província, e reparar na aluvião de anúncios de viveiristas que oferecem videiras para venda, inteiramente à vontade, sem regulamento, sem fiscalização, sem que se lhes exija qualquer garantia e se dê ao viticultor a segurança do que compra. Anda-se neste assunto absolutamente à deriva, ou, se VV. Ex.ªs preferem, sem controle, para me servir dum galicismo que hoje está na moda.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Sr. Presidente: para que as intervenções nesta Assembleia possam ser verdadeiramente construtivas - e é esse o meu propósito nas intervenções que faço - tenho aqui ouvido dizer que não basta criticar, mas devem ser apresentadas sugestões.
A resenha, mais do que crítica, dos factos que acabo de apontar coloca o Governo perante deficiências. Chamar para elas a atenção de quem manda, para que as estude e lhes do remédio, já é cumprir o meu dever de Deputado por Braga, distrito que faz parte da região dos vinhos verdes. Mas pelo que a Braga e ao seu distrito se refere e ainda ao do Viana do Castelo terei o maior prazer de, apontado o mal o notadas as deficiências, apresentar as sugestões que me parece serviriam de correcção e de remédio.
Na região dos vinhos verdes há legalmente - no papel - organização corporativa da lavoura e até uma Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes, especialmente encarregada da viticultura e vinicultura regionais. Praticamente a situação da lavoura do Minho em geral e dos viticultores em especial é denunciadora da falta de organização.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Dizem-me que há -e parece que sim - nos grandes órgãos feitos para serviço de música religiosa algumas peças de simples efeito, peças essas que não dão som. Compreendo-se este luxo de estética desde que a harmonia, e a variedade de sons do órgão estejam devidamente asseguradas, mas já se não compreenderá que todas as peças sejam de simples efeito e o órgão não dê som, por de órgão apenas ter o aspecto e o feitio.
E o que sucede em grande parte com a organização corporativa da lavoura, pelo menos na região do Minho, que é a que melhor conheço.
Em meu poder tenho cartas de vários presidentes de grémios da lavoura da região nortenha a queixarem-se de que não fazem mais porque se lhes não dão meios nem atribuições para isso.
Não interessa ao Minho ter uma organização assim, que é como as peças dos órgãos que são apenas de efeito para a vista. Tem de rever-se o problema da organização corporativa da lavoura e dar às associações primárias da organização os meios para que sejam, como
é dos bons princípios, escola, serviço e representação dos lavradores.
Para serem escola é indispensável que em cada concelho haja junto do grémio da lavoura um agrónomo ou, ao menos, um regente agrícola, que, de acordo com o posto agrário regional, se mantenha em contacto permanente com os lavradores, ensinando-os no próprio campo em que eles trabalham, e não nas salas do grémio ou nos salões do posto agrário.
Para tanto hão-de os técnicos procurar ser vulgarizadores, porque, se eu não posso ensinar a teologia a crianças da catequese num tom escolástico de aulas do seminário ou de uma Faculdade de Teologia, também os agrónomos terá o de ministrar os ensinamentos da técnica agronómica em linguagem simples e acessível à cultura, ou falta de cultura, da maioria dos que trabalham a terra. Está por fazer esta coordenação.
Não compreendo que o Código Administrativo preveja a existência de um veterinário em cada concelho do País, para em muitos deles limitar a sua acção a vigiar para que se não sirva carne ao público em más condições higiénicas ...
Vozes: - Quando vigiam.
O Orador:-Sim, dizem VV. Ex.ªs muito bem, quando vigiam!
... serviço de que bem pode encarregar-se o subdelegado de saúde, o não haja um agrónomo, ou ao monos um regente agrícola, que vele pelas coisas gerais do agricultor nas freguesias do concelho.
Com um agrónomo ou regente agrícola em cada concelho, um posto agrário distrital montado a rigor, campos de demonstração e experiência junto de cada grémio da lavoura e os técnicos a ensinarem nos campos aos lavradores a prática agronómica haveria uma organização da lavoura em cada distrito do País, que seria, como lhe cumpre, escola para os associados da profissão agrícola.
O Sr. Pereira de Melo: - VV. Ex.ª está seguro de que o País dispõe de diplomados com cursos técnicos para, efectivamente, no campo, ensinarem os lavradores? Não terão estes de partilhar com aqueles os seus próprios conhecimentos do práticos?
O Orador:-Pelo menos dispõe do número de técnicos suficiente para haver práticos nessas terras. A aliança da técnica com a prática estou eu a defendê-la na minha intervenção.
Em Braga o posto agrário não está instalado em condições de poder exercer com inteiros resultados este mestrado junto da lavoura. Precisa de instalar-se numa quinta espaços», com terrenos bastantes para ensaios, demonstrações o experiências que sirvam de lição e exemplo aos lavradores da região.
O Sr. Carlos Borges: - Isso é que é já luxo.
O Orador:-É apenas necessário para orientar os lavradores.
Mais à falta de uma quinta em condições para instalação do seu posto agrário do que a desleixo dos técnicos se deve o facto de não se ter encontrado ainda no Minho o porta-enxertos adequado à natureza dos terrenos e às cantas regionais.
Os técnicos que se encontram à frente do Posto Agrário de Braga são competentes e zelosos no cumprimento dos seus deveres profissionais. Tenho o maior prazer em aqui o afirmar. As condições em que trabalham é que são deficientíssimas para as necessidades agronó-
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micas da região e para que possam obter do seu esforço o máximo resultado.
Que é preciso fazer então? Aquilo que lamentavelmente se tem esquecido: que os grémios, da lavoura, em coordenação de trabalhos com o posto agrário distrital, assem a ser escola prática de associativismo e de agronomia para os lavradores e deixem de prestar a estes os maus serviços do serem cobradores de impostos ou de alcavalas odiosas dos organismos de coordenação económica, para se integrarem no seu papel de defensores e representantes dos associados.
O Sr. Elísio Pimenta: - É caso para perguntar o que será feito da Federação dos Grémios da Lavoura, coisa que está apenas no papel...
O Orador:-Tem-se insistido por ela, mas até hoje ainda não deu sinal de vida.
É ainda necessário que o Governo os habilite com os meios indispensáveis e com as garantias legais para se desempenharem desta missão, que lhes é essencial, sob pena de, não a realizando, se desacreditarem e morrerem, ou terem a vida amortalhada de que fala o padre António Vieira.
Sr. Presidente: celebra-se no ano corrente o 25.º aniversário da entrada de Salazar para o Governo da Nação, de Salazar, que foi e continua a ser o fiador de que a Revolução Nacional, que partiu de Braga sob a chefia de Gomes da Costa, se fez para a defesa do bem comum e do interesse nacional, e por isso contra todas as oligarquias ou clientelas, de qualquer rótulo ou cor.
Consinta-se que esto sacerdote, que quiseram fosse Deputado por Braga nesta Assembleia, aqui formule o voto de que, para celebração de data tão festiva na cidade que o próprio Salazar chamou «a cidade santa da Revolução Nacional», se inauguro um posto agrário à altura das necessidades da lavoura regional, para que, em coordenação com os grémios da lavoura, se faça na vida agrícola do Minho aquela revolução da ordem que há vinte e cinco anos se fez na vida política nacional.
Braga merece, a lavoura do Minho necessita, e por isso tenho a certeza de que o Governo vai cumprir.
Tenho dito.
Vozes:. - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Presidente:-Vai passar-se à
Ordem do dia
O Sr. Presidente: - Consta a ordem do dia da efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu, relativo à execução da lei da amnistia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Cancela de Abreu.
O Sr. Paulo Cancela de Abreu: - Sr. Presidente: agradeço-lhe ter incluído na ordem do dia este aviso prévio, que, mercê de circunstâncias ponderosas, só agora se efectiva; e a V. Ex. ª e à Assembleia desejo assegurar que subo a esta tribuna sem o menor regozijo ; mas sou impelido por indeclinável dever de consciência, determinado por um surto de razões e de factos incontroversos que me conduzem a um renovado clamor de justiça.
E faço-o na esperança de que o Governo ouça sem intenção de indiferença ou intransigência preconcebidas, que, aliás, é injúria supor. Recuso-me a admiti-lo.
Depois de uma Monarquia que se perdera no desvio do seu rumo, depois de uma República democrática
sacrificada desde logo em holocausto à tendência demagógica que havia de comprometê-la, depois de mais de vinte e cinco anos sob a égide de um regime imperfeito mas substancialmente melhor em doutrina, na acção e no êxito de resultados por demais evidentes, alcançados sob a inspiração de ideias e processos novos e de homens de consciência sã e de visão clara, depois de tudo isto que abarca quase meio século desde que começámos a viver a nossa vida, não perdemos - os da minha geração - os anseios e a fé que nos animam desde a adolescência.
Fé que domina o nosso espírito e é o rumo nos passos da vida que percorremos.
Porém isto de nenhum modo significa que neste lugar haja intenção de fazer a política que aquela fé inspira, ou exista, oculta, esta finalidade nas nossas atitudes, nomeadamente quando com elas não se conciliam, ou por elas sejam afectadas a posição especial em que aqui nos encontramos ou os interesses legítimos, morais ou materiais, que nos propomos defender e nos esforçamos por realizar.
O caso presente é um deles, embora razões políticas tivessem sido a determinante das situações que vamos analisar e é mister remover eliminando-as em toda a plenitude.
Fica assim marcada, à guisa de preâmbulo deste aviso prévio, a minha posição.
E como na nossa terra, mesmo em alguns espíritos sãos mas pouco compreensivos, está inveterado-o errado preconceito de que o interesse pessoal é o estímulo de muitos actos e atitudes, não é demasiado repetir o que já declarámos em anteriores emergências: não nos inspiram neste debate casos ou interesses pessoais nossos de qualquer natureza, directos ou indirectos, nem tão-pouco nos impulsionam solicitações ilegítimas ou individuais, seja qual for a sua proveniência.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Assim temos procedido sempre. O elogio em boca própria é vitupério; mas aqui somos homens públicos e, como tal, devemos esclarecer o País, para ele nos compreender, saber o que lhe merecemos, o que pode esperar de nós e se cumprimos.
Porque volto então uma vez mais ao assunto do meu aviso prévio?
Quase desde o alvorecer da República, circunstâncias ocasionais ou políticas, e não provenientes de méritos que revelassem iniciação da vida profissional, levaram-me repetidas vezes aos tribunais comuns e militares em defesa de correligionários julgados sob a acusação, ora falsa ora verdadeira, de pretenderem derrubar o regime.
Numerosos foram os que a outros colegas e a mini confiaram a sua defesa, embora não poucos os que desassombradamente assumiram, no plenário, as responsabilidades: as suas responsabilidades e as que, porventura, não lhes pertenciam.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O exercício do mandato, os deveres de solidariedade e o impulso do mandamento de Deus levavam-nos a visitá-los assiduamente, durante meses e meses de infindável prisão preventiva, nos redutos inóspitos de Caxias, Alto do Duque e Trafaria, Castelo de S. Jorge, Penitenciárias do Lisboa e Coimbra, Monsanto, Limoeiro. Aljubes de Lisboa e Porto, esquadras de polícia, etc.; e assim inteirámo-nos dia a dia, hora a hora, das torturas do seu cativeiro, das privações que experimentaram e, simultaneamente, da serenidade e altivez como suportaram os desígnios da derrota e,
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mesmo os inocentes, sofreram os ódios e perseguições da demagogia.
Criou-se, pois, no nosso espírito e no nosso coração uma mística de respeito, de admiração e de solidariedade, que, pelo tempo fora, tem perdurado. Sentimos as suas mágoas, sofremos as suas dores, além de serem os nossos os seus sentimentos e aspirações.
Aspirações que, todavia, não os impediram de espontaneamente colaborarem e arriscarem vida, carreira e interesses sempre na primeira linha do bom combate onde a questão do regime não estava posta, como, entre outros, no «movimento das espadas», com Pimenta de Castro, no 5 de Dezembro, com Sidónio Pais, no 18 de Abril, no 28 de Maio e no apoio, no decidido amparo a esta situação política contra as arremetidas fracassadas do inimigo comum nos 3 e 7 de Fevereiro, na Madeira, na manutenção da ordem, pública contra os extremistas, etc., etc. ,
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Eis algumas das razões por que, mais do que outros, podemos conhecer, sentir e sofrer a clamorosa injustiça que ainda hoje atinge muitos dos que então e daquele modo se sacrificaram pela sua pátria em todos os graves momentos de perigo, em todos os esforços para redimi-la.
Senti-lo todos pelo coração, compreendei-lo pela inteligência, é certo; mas os mais velhos, os que viveram essa era calamitosa, sentem-no e compreendem-no mais intensamente e, portanto, melhor podem avaliar a natureza, a latitude e a importância do problema que novamente submeto à ponderação da Assembleia Nacional e do Governo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Mas, além de estarmos aqui pelo sentimento e por dever de justiça, inspiram-nos também a razão e a verdade.
Vejamos:
A Lei n.º 2 039, de 10 de Maio de 1950, foi discutida e votada na Assembleia Nacional na sessão memorável de 21 de Abril antecedente, simultaneamente com a de revogação das leis de banimento da família de Bragança.
Foi uma hora alta essa! Vibrámos de emoção e de júbilo transbordante, que; pela minha parte, exprimi proclamando-a como assinalada por uma pedra branca nos anais da Assembleia Nacional. E o País, cujos sentimentos interpretamos, manifestou concordância e aplaudiu-nos com louvor, por havermos, por uma lei, extinguido a proscrição de uma família que em quase três séculos, patriòticamente, empunhara o facho da independência que a Restauração nos restituíra e, por outra lei, além de amnistiarmos muitos que pela propaganda e pelas armas combateram o Estado Novo, reparávamos, finalmente, uma injustiça clamorosa que inexplicavelmente se mantinha há mais de trinta anos (compreendendo vinte e quatro de Estado Novo), apesar de para ela ter sido chamada bastas vezes a atenção do Poder.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-E foram tal o alcance e tamanha a projecção da Lei n.º 2 039, que os inimigos da Situação ficaram surpreendidos, muitos não ocultaram o seu aplauso e os mais jacobinos tentaram reagir estimulando à descrença na execução daquilo que generosa e largamente se estatuíra e - repito - a todos sem distinção beneficiava.
E tanto interesse a Assembleia Nacional pôs nesta lei de reconciliação nacional, tal fora o clima que se estabelecera à sua volta, que a nossa ilustre Comissão de Legislação e Redacção, reconhecendo-o, apressou solicitamente os trabalhos, tornando assim possível a sua publicação vinte dias depois de votada, caso que julgo sem precedente ou raro em leis sem prazo fixado para a sua promulgação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Tudo perfeito.
A campanha mostrou-se assim coroada de êxito e tivemos motivo para especial regozijo aqueles que nela mais nos empenhámos; sendo justo nomear os Srs. Deputados Botelho Moniz (cujo projecto, com júbilo seu, foi largamente ampliado e serviu de base da discussão), major Ribeiro Cazaes, e depois o Dr. Carlos Moreira, e anteriormente Rui de Andrade e Dr. Mário de Aguiar, sem falar em V. Ex.ª, Sr. Presidente, no Sr. Deputado Mário de Figueiredo e nas Comissões de Legislação e de Defesa Nacional, que à porfia se empenharam numa obra perfeita e de justiça, e simultaneamente de clemência, de tolerância e de pacificação, com larguíssima projecção social e política. Repito: com larguíssima projecção social e política.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Este o primeiro passo; esta a primeira fase do empreendimento, que nós próprios não pudemos completar e cumprir, só por não ser da competência da Assembleia Nacional.
Mas esta, dentro das suas atribuições e numa expressiva unanimidade, marcou uma posição, indicou o caminho, manifestou clara e expressamente um desejo e. por seu intermédio, o da Nação. E cumprira um dever de gratidão, de reparação e de justiça que desde a primeira hora se impusera ao Estado Novo e, simultaneamente, obedecia ao impulso dos sentimentos humanitários que informam os nossos corações.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-O que sucedeu porém?
Caminhou-se lentamente como se não houvera pressa de caminhar, e -reconheçamo-lo- isto dentro de certa lógica, pois, na verdade, podia friamente imaginar-se: quem esperara dezenas de anos a justiça que devia ter-lhe sido feita logo nos alvores da Revolução Nacional não devia impacientar-se na expectativa durante algum tempo mais.
Já muitos e muitos haviam ficado pelo caminho, e assim ia sucedendo aos que restavam: em cada dia mais uma cruz no cemitério, mais um lar em luto; e quantos na miséria! Mas esta realidade desesperante não teve projecção no espírito e no coração de muitos dos que vieram colher o fruto de tanto sacrifício, e aos Governos não foi possível medir bem o alcance da situação criada. Por outro lado, nobremente, e porque a Pátria estava ao alto, não lhes fora posta a condição de reciprocidade: do ut des.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-O tempo foi decorrendo e os pedidos da reintegração ou promoção abrangidos nas autorizações da Lei n.º 2 039 começaram finalmente a ser considerados, organizando-se nalguns Ministérios os processos competentes. E neste passo, reportando-me a essa época -num parêntese-, apraz-me registar gratamente o atencioso acolhimento que o Dr. Carlos Moreira
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e eu encontrámos nos Srs. Ministros da Presidência, do Exército e das Finanças, quando os procurámos para nos ocuparmos deste assunto.
Simplesmente, mais de um ano decorrido sobre a lei, e depois de dúvidas e hesitações, julgou-se necessário publicar um decreto -o n.º 38 267, de 26 de Maio de 1951-, que substituiu por outra muito mais limitada a matéria d«»s artigos !?.º e 3." da lei, e a do artigo 4.º, referente ao< inválidos, foi pura e simplesmente abolida, sem qualquer esclarecimento!
Podia, ser Assim?
O n.º 2.º do artigo 100.º da Constituição confere, é certo, ao Poder Executivo a faculdade de fazer decretos-leis. sem qualquer outra limitação que não seja a do artigo 93."; mas a paridade com as atribuições da Assembleia Nacional não é total, pois a esta, além de fazer leis, compete a de conferir ao Governo autorizações legislativas, com uso limitado pelo § 2.º do artigo 101).º, e a do ratificar ou não os decretos publicados durante o seu funcionamento efectivo. De resto, quando o Governo suprime pura e simplesmente no todo ou em parte ou substitui uma lei recente ainda não executada, na realidade não iguala, antes sobrepõe-se às atribuições comuns, pois invalida ou anula as da Assembleia. Torna assim de facto irrelevante a função desta.
É certo que a Lei n.º 2 039 é, de facto, uma lei de autorização; mas desde que esta é usada de modo incompleto, que deturpe o alcance ou os fins que a inspiraram, há manifestamente infracção das normas regulares de reciprocidade de poderes ou funções.
No Decreto-Lei n.º 38 267 só é regulamentar a matéria dos artigos 6.º e seguintes. O mais excede em muito este limito, e no que não representa inovação
- da qual é exemplo o & único do artigo 5.º o decreto estabeleceu restrições enormes no ponto de vista da Assembleia o. no final, declarou substituídos aqueles artigos da lei.
Alguns exemplos bastam; mas antes quero dizer que tenho para mim como certo que o problema não se pôs ao Governo com a importância, acuidade e amplitude de que se reveste, pois, de contrário, o seu procedimento seria diverso. Sim, faço-lhe esta justiça.
H S 1.º do artigo 2.º da lei autorizou a reintegração de militares no« postos a que poderiam ascender por antiguidade até tenente-coronel ou capitão-de-fragata, salvo se já tivessem ocupado posto superior. E, se houvesse dúvidas de isto querer dizer que a reintegração se faria nos postos que competiriam se não tivessem sido demitidos, estas dúvidas desapareciam em presença da segunda parte deste parágrafo, que estabeleceu o contrário para os funcionários civis, visto, excepcionalmente, dispor que a sua reintegração fosse feita nos cargos que ocupavam quando foram afastados do serviço.
Na mesma ordem de ideias, o S 3.º do indicado artigo tornou a reintegração no activo nos postos superiores a capitão ou primeiro-tenente dependente do cumprimento das condições especiais de promoção; restrição que não era necessária se a reintegração se realizasse no posto que ocupavam à data em que foram afastados do activo, pois não tinha de satisfazer condições de promoção para um. posto quem, àquela data, já o tinha. Até pela simples razão de que. se o ocupava, é porque já satisfizera aquelas condições, a não ser que ao tempo elas não fossem exigidas; e seria absurdo e falta de respeito pelos direitos adquiridos aplicar aos que já estavam promovidos disposições legais posteriores sobre as condições desta promoção.
Ninguém pôs em dúvida que fosse aquela a doutrina da lei.
E se o artigo 1.º da lei cominatòriamente estabelecera uma amnistia geral, como aceitar que dela sejam excepcionados os que ainda sofrem o castigo de graduações e pensões inferiores às que por antiguidade lhes competiam ?!
Julgo que não pode receber desmentido a seguinte afirmação: a Assembleia Nacional, ao votar a Lei n.º 2 039 tal como está redigida, quis abranger nela, para o efeito de promoção e das pensões, também os militares e civis que já estavam na inactividade.
Vozes: - Apoiado.
O Orador:-Ela manifestou conscientemente o desejo de que assim fosse, até porque seria quase inoperante uma lei de apaziguamento e concórdia que excluísse um grande número dos que ainda sofriam em larga escala a pena que a situação anterior ao 28 de Maio manteve, e continua contrastando, moral e materialmente, com a situação dos que pegaram em armas contra o Estado Novo em 3 e 7 de Fevereiro de 1927, e foram reintegrados no activo à sombra do Decreto n.º 16 002, sem sequer -ao que averiguei- ter sido cumprida por muitos a condição do estágio prévio, durante dois anos, no ultramar!
E a quem argumente que a situação para os antigos já estava estabelecida e arrumada por legislação anterior responde-se que assim sucedia também .em relação àqueles revolucionários pelo Decreto n.º 13137, de 1927, que benevolamente separara a maioria deles do serviço com 00 por cento do vencimento; e isto não impediu que depois o Decreto n.º 16 002 os reintegrasse.
Pensando-se e procedendo-se agora de modo oposto chegou-se inadvertidamente a este resultado contraditório e absurdo: opós-se o facto consumado para os amigos o não o houvera para os adversários! Reparou-se nisto V Decerto não.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não discordamos da generosidade para com os últimos; confrange-nos, sim, a desigualdade e o rigor para com os primeiros.
Mas o que fez o Decreto-Lei n.º 38 267 ?
O decreto só permite a reintegração nos cargos ou postos ocupados à. data da demissão e o artigo 4.º, depois de estabelecer que, em regra, a reintegração dos militares seria feita na reserva ou na reforma, conforme os casos, admite todavia a sua reintegração no activo quando o Governo assim o resolva, e para estes, e só para elos, consente que, até certas categorias, a reintegração se faça no posto que normalmente lhes competiria se não tivessem sido demitidos ou eliminados do serviço.
Esta disposição aplicável, repito, apenas às reintegrações no activo - constitui portanto uma excepção à regra do artigo 1.º; é uma excepção que, embora beneficie alguns, mais flagrantes torna a desigualdade e a injustiça para com os outros, ou seja os que já estavam ou foram então reintegrados na inactividade.
Acresce que, mesmo argumentando dentro do próprio Decreto-Lei n.º 38 267, a exclusão que se fez determina mais uma manifesta, e injustificável desigualdade. Sim, porque, como sucede entre os agora reintegrados no activo e os colocados na inactividade, o contraste dá-se também entre os primeiros e os que já se encontravam nesta última situação.
Concretizando:
Oficiais que, à data do decreto, já estavam na inactividade nos postos de alferes e tenentes (e é esta a situação da maioria) são ultrapassados pelos seus camaradas do mesmo tempo ou mais modernos que sejam reintegrados no activo ao abrigo do § único do artigo 4.º
Outra restrição importante do Decreto-Lei n.º 38 267 é a do § único do artigo 5.º, que manda abater às pensões de inactividade o que, conjuntamente com os proventos
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que o beneficiário aufira do seu trabalho e de outros rendimentos a que tenha direito por si ou por seu cônjuge, exceder a importância anual de 36.000a, ou seja 3.000$ mensais.
Sem agravo, mas também sem rodeios, digo: esta disposição é injusta e é vexatória.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Admite a possibilidade de uma devassa sobre a vida particular do casal e estabelece uma limitação inexistente, segundo creio, para quaisquer outros funcionários na actividade ou na inactividade com semelhante base, isto é, com base nos seus rendimentos particulares e nos do cônjuge.
E parte de rendimentos de um património formado pelo próprio trabalho, pelo esforço ou pelo espírito de economia e de previsão dos cônjuges ou dos seus ancestrais, e geralmente difícil de determinar, especialmente quando se trata de rendimentos agrícolas.
Há mais!
Os beneficiários vêem por este modo cerceadas as pensões que, por direito próprio, correspondem ao posto ou função que exerceram, que conquistaram com o seu curso, com o seu trabalho e o seu dinheiro, com o seu esforço pessoal, enfim.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Não se considerou sequer o número de filhos, a invalidez, a doença e os mais encargos de família.
E lembrarmo-nos nós de que há hoje quem, acumulando rendimentos e funções particulares às do Estado, aufere por mês mais do que o estabelecido naquele § único do artigo 5.º como limite anual!...
Mas adiante
Que eu saiba, até hoje, o património e os rendimentos particulares têm servido de matéria colectável e nada mais. E como admitir que se privem os funcionários civis e militares aposentados, reformados ou na reserva de um direito fundamental que criaram à sua custa, e muitos com enorme sacrifício, mediante um desconto obrigatório nos vencimentos para a Caixa Geral de Aposentações, precisamente para lhes assegurar as pensões da inactividade?!
E não lhes foi restituído o que desembolsaram para seu benefício pessoal e não dos outros!
Em resultado da aplicação deste § único do artigo 5.º o que lucrou afinal o Tesouro? Pela Caixa Geral de Aposentações foram reduzidas as pensões - base de trinta e um funcionários civis e militares reformados, no total de 177.300)5 por ano; e no Ministério do Exército, onde foi superior a cem o número de oficiais reintegrados na reserva, a economia para o Estado é apenas de cerca de 511.000$ anuais. "No Ministério da Marinha é mínima.
Como se vê, uma poupança insignificante e que não tinha o menor cabimento num decreto que se propunha c apagar os últimos vestígios de antigas discórdias», como doutamente o relatório diz ser o seu objectivo.
Tudo, tudo o que, a título de exemplo, venho de apontar e alterou o espírito e a intenção da nossa Lei n.º 2 039 foi afinal predominantemente influenciado pelo critério financeiro, isto é, pelo receio dos encargos que ia originar.
A lei pretendia justiça completa; o decreto limitou-a, e limitou-a porque a que se pretendia seria cara!
Mas tem o dinheiro faltado, porventura, para o resto, exclusão do supérfluo ou adiável?
Era aquela a conclusão que resultava a toda a luz logo da primeira análise do decreto, sem ser necessário o relatório falar, como fala, no encargo para o Tesouro.
Por um testemunho a todos os títulos insuspeito e autorizado, sabemos que a Lei n.º 2 039 foi informada pela suposição de que o custo da sua aplicação não ultrapassava 3 500 a 4 000 contos anuais, e que o Governo procurou executá-la na medida do que julgou possível, mas do modo como a executou ainda resultava para o Orçamento um encargo à volta de 7 000 contos.
Pois bem: enfrentemos a questão.
Aceitemo-la nos termos em que infelizmente ela é posta.
Vejamos qual dos cálculos financeiros está mais próximo da realidade: se o que informou a Lei n.º 2 039, se os que depois serviram de base às grandes limitações contidas no Decreto-Lei n.º ;Í8 267.
É importantíssimo apurá-lo; é mesmo decisivo, pois, reconhecido o erro de previsão que originou o decreto, ficamos em presença de mais um motivo para se rever o problema.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Ura, das informações que, a meu requerimento, me foram enviadas e das que pessoalmente colhi nos vários departamentos, chega-se u conclusão de que o cálculo mais aproximado da exactidão foi o primeiro, ou seja o que atribuiu ao Estado o encargo do 3 500 a 4 000 contos, e não o segundo, que o devam u 7 000 anualmente.
Realmente, apurei que o encargo anual das pensões e suplementos pagos pela Caixa Geral do Aposentações a funcionários civis e militares reintegrados na situação de reforma ou aposentação ao abrigo do Decreto-
Lei n.º 38 267 é de 2:961.703(520, e que as pensões do reserva e suplementos pagos pelos Ministérios do Exército e da Marinha (únicos onde há) é de 1:242.468;540; o que tudo totaliza 4:204.171^60.
É este o encargo anual, materialmente improdutivo, que resulta para o Estado da aplicação «Io Decreto-Lei n.º 38 267.
Dir-se-á que houve também reintegrações no activo. Houve, mas poucas, e a nota aproximada que obtive dos seus vencimentos leva a concluir que, anualmente, não atingem ou não excedem em muito 1 000 contos.
E deve notar-se que esta verba não conta, pois os vencimentos dos reintegrados na actividade não são de considerar, pois não se trata de uma despesa improdutiva e, portanto, propriamente de um encargo ou do peso morto para o Estado. Se não houvesse estas reintegrações, outros iriam, normalmente, ocupar os mesmos lugares.
Nestas condições, a realidade veio demonstrar a toda a luz que não procede o argumento pessimista fundamental que, como um escolho, nos ora oposto, aliás indevidamente, para justificar a inobservância da doutrina da Lei n.º 2 039 em toda a sua amplitude.
Cessada a causa, deve cessar o efeito, e, como a razão primordial que foi apresentada é esta, pode restar dúvida de que é inteiramente justificado o apelo que dirigimos ao Governo?
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Mas há mais! Conforme o artigo 223.º, n.º 8), alínea o), do capítulo 7.º do orçamento do Ministério das Finanças para 1953, a dotação foi (como fora em 1952) de 6 000 contos, e assim a Caixa Geral de Aposentações gastou* em 1952 e vai gastar em 1953 menos de metade desta dotação! Porque não destinar estes saldos em reforço dos novos encargos resultantes da revisão do assunto? Estará provado à saciedade que o Tesouro os suporta, se outros motivos não houvesse para sabê-lo.
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E os primeiros devores a cumprir não podem ser dos últimos a considerar.
De resto, u justiça não tem preço; o contra ela não é licito opor a vontade do homem ou a do próprio Estado.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Outro dos casos que mais impressionam a nossa sensibilidade é o dos inválidos, e este não foi influenciado também pelas verbas a despender. Seria injustíssimo «supor o contrário.
O artigo 4." da Lei n.º 2 039, que lhes dizia respeito, foi, como disse, pura e simplesmente eliminado pelo decreto, ou substituído, como se diz no final.
Porque?
Pretende-se promulgar alguma medida especial sobre o assunto V
Se assim ó, urge faze-lo.
Quer-se restabelecer, com alterações que justifiquem aquela eliminação, o Código de Inválidos de 1929, cuja suspensão pelo Decreto-Lei n.º 28404, de 31 de Dezembro de 1937, se por um lado, porventura, se destinou a coibir abusos, por outro lado deu origem a injustiças o desigualdades no que diz respeito a promoções, pensões de sangue, etc.?
Seja como for, é indispensável providenciar urgentemente no que for justo em benefício dos que de qualquer modo se invalidaram ao serviço da Pátria.
Com crua verdade, exclamou aqui o Deputado Sr. Major Botelho Moniz:
Nós, homens do Estado Novo, temos de lhes pedir perdão por não lhes haver ainda sido concedida a reparação que é devida.
O Decreto-Lei n.º 38 267 excluiu também da reintegrarão os abrangidos pelas disposições do Decreto n.º 25 317.
Este Derroto n.º 25317, de 13 de Maio de 1935, é aquele ao abrigo do qual foram compulsivamente afastados do serviço especialmente alguns professores das Faculdades e de outros estabelecimentos de ensino, subdelegados de saúde, médicos municipais, etc. Todavia, estavam excluídos da Lei n.º 2 039.
F;, em boa verdade, decorridos como estão alguns anos, e tendo-se em vista o proclamado desejo de reconciliação nacional, seria legítimo e útil que o Governo, numa manifestação simultaneamente de segurança e de magnanimidade, ponderasse também estes casos.
Sugiro-o, secundando sem reserva as palavras proferidas a este respeito pelo ilustre Deputado Dr. Pimenta Prezado, e lembro que bem mais graves foram as res-ponsabilidades dos chefes da revolução de Fevereiro de 1927 e da Madeira e, no entanto, estão reintegrados.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Ponho o confronto e lembro que o ensino está privado de alguns .dos seus insignes professores.
Por brevidade, não comento outros efeitos do decreto, como, por exemplo, o caso dos oficiais milicianos, baixados de posto, pois para terem direito a pensão foi mister ingressarem no quadro como segundos-sargentos, em consequência da escala de promoções.
Acabamos de ver as restrições profundas feitas pelo texto do Decreto-Lei n.º 38 267 e salientámos as suas principais consequências.
Vejamos agora algumas das interpretações que sofreu o próprio decreto, e que, além de serem injustificadas, mais limitaram o seu âmbito, isto é, agravaram o problema.
O arquivamento e o indeferimento dos pedidos de reintegração, que só deviam no geral basear-se em as
demissões não terem sido originadas em motivos políticos ou nas excepções contidas nos parágrafos do artigo 1.º da Lei n.º 2 039, fundamentaram-se também e especialmente em os interessados:
Terem requerido a reintegração depois de expirado
um determinado prazo; Ter sido dissolvida a corporação de que faziam
parte; Não se ter feito a prova de que foram demitidos
por motivos políticos.
O primeiro fundamento (pedido fora do prazo) juntamente com o segundo (dissolução das corporações) foram os que originaram maior número de vitimas. Chamamos-lhe assim porque foram funestas as consequências da pouca divulgação do decreto e as de uma interpretação da comissão de reintegrações verdadeiramente indefensável.
O Decreto-Lei n.º 38 267 não exigiu que os interessados pedissem ou requeressem inicialmente a reintegração; fizeram-no a maioria dos reintegrados, é certo, mas houve reintegrações ordenadas em processos instaurados oficialmente sem aquela formalidade, como sucedeu, pelo menos, no Ministério da Marinha.
Não admira. É sempre generosa a alma do marinheiro e dela é hoje expoente o Ministro Américo Tomás. Ah! Sr. Presidente! Não esqueço, os monárquicos não podem esquecer que foi de um bravo marinheiro a voz enérgica de comando que impediu a chacina dos vencidos de Monsanto.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-O que se estabeleceu àquele respeito foi permitir que, após a publicação no Diário do Governo da lista dos reintegrados, os interessados que se julgassem também em condições de merecer (sic) requeressem à Presidência do Conselho, até certa data, a sua inclusão numa lista complementar.
Esta data terminava em 25 de Julho de 1951, mas como o Decreto-Lei n.º 38 387 prorrogou por mais quinze dias os prazos estabelecidos nos artigos 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 38 267, a comissão de reintegrações submeteu o assunto a decisão ministerial, e, por despacho do Sr. Ministro da Presidência de 22 de Agosto de 1951, foi considerada a data de 9 desse mês como limite para a apresentação daqueles requerimentos, «sendo de arquivar as petições apresentadas depois dela».
Resultado: foram arquivados centenas de pedidos de reintegração, dando-se ainda a circunstância de muitos deles terem dado entrada depois de 9 de Agosto, mas antes daquele despacho.
Quer dizer: muitos destes e mesmo dos que requereram depois do despacho foram a bem dizer colhidos de surpresa, dada, repito, a pouca divulgação daqueles decretos; tanto mais que a grande maioria das vítimas deste facto foram humildes sargentos e especialmente praças das Guardas Republicana e Fiscal, e muitas da Polícia, que assim ficaram privados para o resto da vida de umas migalhas a que tinham direito.
Acresce que muitos vivem em sítios distantes e isolados, onde não chegam novas nem mandados e muito menos o Diário do Governo, e nem todos os que residem no ultramar podiam reclamar em tão curto prazo contra a sua exclusão.
Pode duvidar-se de que estamos, pois, em presença de um facto que, só por si, impõe a revisão do problema?
Vozes: - Muito bem, muito bem I
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O Orador:-Em referência ao segundo fundamento dos indeferimentos (e estes também em elevado número e atingindo em cheio pessoas mais humildes e hoje no declinar da vida) - ou seja o facto de ter sido dissolvida a corporação de que faziam parte - ele surpreende pela sua absoluta inconsistência.
Na verdade, não existe qualquer razão de ordem legal ou interpretativa que permita a distinção entre demissão individual e dissolução do organismo de que se faz parte, em ordem a influir no respeito pelos direitos adquiridos, e nomeadamente o de reforma.
O que é ou a que conduz, em última análise, a dissolução senão a uma demissão colectiva ou em conjunto?
E aqui a violência e a injustiça ainda são mais flagrantes, pois atirou-se para o monte, atingindo culpados e inocentes, e abriu-se nova inscrição para admitir apenas os que mereciam confiança política, não tendo portanto ficado sequer extinta a corporação.
Grande número de requerimentos indeferidos era precisamente de antigos guardas da Polícia do Porto, que foram afastados por um simples edital de 22 de Fevereiro de 1919 assinado pelo Dr. José Domingues dos Santos, onde simultaneamente se abriu a nova inscrição.
Só depois o Decreto n.º 5 171 confirmou a tal pretensa dissolução.
Não devemos ainda esquecer que os guardas tia Polícia não tinham feito mais do que obedecer aos seus superiores, não sabendo talvez muitos do que se tratava. E foi até tendo isto em consideração que, após as revoluções de 3 e 7 de Fevereiro, o Governo do Estado Novo, generosamente e bem, pelo artigo 3.º do Decreto n.º 13 137, só mandou dar baixa de serviço às praças que tomaram parte na preparação e execução do movimento «fora da acção dos seus legítimos comandos». Assim estava certo.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-A propósito da chacina de Orador-sur-Glane, há pouco julgada em Bordéus, disse o bispo de Estrasburgo:
A moral cristã não pode admitir a culpabilidade colectiva. Cada indivíduo só deve ser condenado pelos crimes que cometer pessoalmente.
É, pois, realmente chocante mais esta errada interpretação do decreto.
Da sua gravidade e amplitude já aqui deu um dia conta o ilustre Deputado Dr. Carlos Moreira, e como, segundo creio, vai referir-se-lhe novamente, não farei mais considerações a tal respeito.
Por último, surgem os indeferimentos por não se ter provado que a demissão proviera de motivos políticos e, pelo que diz respeito a algum pessoal da Polícia, o respectivo comando ter informado que eram insuficientes para o determinar os elementos constantes do alguns processos individuais e das ordens de serviço que os demitiram, por dificuldade em concretizar a acção que cada guarda desenvolveu como político.
Decerto o digno comandante-geral da Polícia, a quem me apraz prestar toda a merecida homenagem, não tinha, possibilidade de dar uma informação mais concreta; mas a verdade é que à comissão de reintegrações não era impossível suprir aquelas deficiências, tanto mais que as ordens de serviço não nasceram por geração espontânea: tiveram uma origem determinante das decisões individuais ou colectivas que comunicaram, e os despachos individuais devem estar fundamentados ou basear-se num processo.
Nestes como nos demais casos, o que havia a fazer era convidar os interessados a exibirem aquela prova ou investiga-la pelas vias oficiais, visto que ela só seria impossível nos casos em que a demissão fora requerida e não imposta compulsivamente. Era este, de resto, o caminho indicado expressamente no n.º 1." do § 1.º do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º .38 267.
O que, em qualquer caso, não se mo afigura corto e justo é os interessados -e muitos foram- sofrerem as graves consequências de deficiências de que não foram, culpados e tia inobservância deste preceito legal.
Não ignoro que, além da já apreciada razão geral do ordem financeira e das especiais que venho de analisar, outras mais secundárias teriam também impressionado. Mas julgo consubstanciarem-se em duas e referirem-se somente às promoções: uma. a suposta impossibilidade de reintegrar no activo ou reformar os funcionários civis nas categorias que lhes competiam se não tivessem sido demitidos; a outra, o não ser razoável promover civis ou oficiais ainda demitidos e os já reformados ou na reserva a lugares ou postos iguais ou superiores aos dos que não estiveram afastados do serviço antes de passarem à inactividade.
Mas justifica-se que, por não se poder, porventura, lazer justiça a alguns, se deixe de faze-la a todos os mais ?
Porque sacrificar a possibilidade de promover os militares à impossibilidade de promover os civis, se ela realmente existisse?
E legítimo tornar todos vítimas da circunstância do alguns irem ficar à direita de outros que, antes, estiveram sempre na actividade, tendo estes gozado dos benefícios de que Aqueles durante trinta anos estiveram privados ?
Não!
Aqueles argumentos não procedem. E não procedem, em primeiro lugar, porque o problema não era insolúvel e, em segundo lugar, porque, quanto aos militares, não há certamente, não pode haver, repugna-me a acreditar que haja pessoas a quem causem engulhos soluções que nada os estorvam nem afrontam, e tratando-se, como se trata, de uma reparação a bons e leais camaradas seus, que perderam os galões em luta contra o inimigo comum, isto é, pelo bem da Pátria, que todos desejavam ver e viram redimida e glorificada.
De resto, é normal as circunstâncias originadas nas inovações das leis criarem de princípio certas desigualdades irremoviveis.
Antes algumas injustiças relativas do que uma injustiça absoluta.
Vozes: - Muito bem!
O Orador:-Não teve a primeira República escrúpulos desta natureza em casos bem mais expressivos, como o foram os de reintegração no activo, contando-se o tempo em que os reintegrados estiveram afastados das fileiras; e os prejudicados, que os viram tornar-lhes a direita (no activo, note-se bem), conformaram-se.
Aponto como exemplo o caso flagrante dos oficiais revolucionários do 31 de Janeiro Manuel Maria Coelho e Costa Malheiro, conhecido por «alferes Malheiro», que haviam sido demitidos nos postos respectivamente de tenente e alferes e foram reintegrados no activo nos de major e capitão, por decretos de 11 de Outubro de 1910.
Seis dias depois do seu triunfo a República mostrou-se grata aos que chamou seus «precursores», e muitos dos precursores do Estado Novo aguardam há dezenas de anos a reparação que só a uma parte e incompletamente agora foi concedida.
Mais!
O próprio Estado Novo já estabeleceu um precedente, pois pelo Decreto n.º 11 769, de 24 de Junho do 1926, reintegrou no activo um capitão aviador que fora deni-
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tido. a seu pedido, o contou-lhe, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço militar aquele em que só conservou afastado das fileiras, colocando-o assim à direita de numerosos camaradas do activo.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Sr. Jacinto Ferreira: - Isso aconteceu quando?
O Orador:-Em 24 de Junho de 1926.
O Sr. Jacinto Ferreira:
Ai! A que distância estamos...
O Orador:-E também neste aspecto o Estado Novo foi mais complacente com os revolucionários do 7 de Fevereiro, pois pelo Decreto n.º 16 002 permitiu a reintegração deles no activo mediante apenas certas condições, aliás depois inobservadas, como já disse.
A Lei n.º ü 039 e o Decreto-Lei n.038 2G7, sob este aspecto, não estabeleceram outras excepções que não fossem as dos parágrafos do artigo 1.º da lei, que são muito limitadas e eram necessárias.
Não se fez distinção e o Estado Novo, procedendo deste modo. revelou para com aqueles a consciência da sua segurança. Assim todos o soubessem compreender.
Mas também neste aspecto procederam sempre deste modo os Governos anteriores ao 28 de Maio?
Os factos, de que dou dois exemplos, demonstram o contrário.
O Decreto n.º 5 172. de 24 de Fevereiro de 1919, reintegrou no activo os militares que, por virtude de movimentos políticos do carácter republicano posteriores a T) de Outubro de 1910 e anteriores a 20 de .Janeiro de 1919 foram demitidos ou suspensos, contando-se-lhes, para todos os efeitos legais, como serviço efectivo o tempo até então decorrido. Note-se: só os envolvidos em movimentos de carácter republicano.
O Sr. Botelho Moniz: - Esses é que eram os «bons republicanos» ...
O Orador:-O 84.º do artigo 1.º da Lei n.º 1 629, de !."> de Julho do 1924, mandou cessar todos os efeitos só das penas apuradas aos militares comprovadamente republicanos.
E que para o redime democrático isto1 valia mais do que a lei e os direitos adquiridos prova-o o facto de, em pleno Parlamento, o Dr. António José de Almeida, quando o acusaram ou receou que o acusassem de brandura, ter declarado que não hesitara em, num acto de força, demitir ilegalmente dois funcionários - que por sinal foram o antigo Deputado Dr. Mário de Aguiar e seu irmão.
Tenho-mo referido especialmente aos indivíduos demitidos antes do 28 de Maio -entre os quais, aliás, figuram republicanos- - porque eles são em maior número e as maiores vítimas, por haverem sido demitidos em 1919 após as revoluções do Monsanto e do Norte, e antes, à sombra de leis e decretos iníquos e contraditórios, aplicados retroactivamente até a alguns que haviam sido absolvidos nos tribunais com a expressa restituição de todos os seus direitos! Tão iníquos e contraditórios que, dois «lias antes da Revolução Nacional, ou seja no dia 26 de Maio de 1921), a Comissão de Guerra da Câmara dos Deputados apresentou um parecer com o n.º 202, seguido de uma proposta de eliminarão de uma das aberrações da famosa Lei n.º 1 244. Mas a Revolução veio e o prémio que tiveram alguns dos seus partidários e intervenientes foi continuarem vitimas do absurdo que a própria Câmara democrática pretendeu eliminar!
Note-se ainda que, em resultado de ser muito maior o tempo decorrido, eles, os demitidos em 1919 e antes, além de mais duradouro castigo, ficaram mais prejudicados com a reintegração ou a sua manutenção só nos lugares e postos que ocupavam quando foram demitidos do que os inimigos afastados depois do 28 de Maio, que, além de terem sofrido muito menor tempo de afastamento, ocupavam, muitos deles, lugares e postos já mais elevados.
E assim, segundo informação fidedigna, dois tenentes-coronéis e oito majores beneficiados agora com a reintegração são ou foram adversários desta Situação política e, de trinta e dois capitães e quarenta e sete tenentes, nada menos de vinte e sete dos primeiros e quarenta e dois dos segundos pegaram em armas ou conspiraram contra ela. No posto de alferes é que, de cinquenta e três beneficiários, quarenta e oito foram combatentes de antes do 28 de Maio; isto é, apenas quarenta e oito combatentes nacionalistas foram integrados na inactividade no posto de alferes, e alguns recebendo de pensão apenas 030)$ mensais!
Resumindo: a que conclusões levaram, em síntese, os factos que venho de expor e outros cujo grande número e diversidade não me permitem ser mais extenso?
As principais são as seguintes:
1.º Contrariando a Lei n.º 2 039, o Decreto-Lei n.º 38 267 excluiu da promoção aos lugares ou postos que lhes competiam se não tivessem sido demitidos por motivos políticos todos os civis e militares que já estavam colocados na inactividade; e assim, quanto à categoria e às correspondentes pensões, continuam sofrendo uma grave penalidade manifestamente abrangida pelas anteriores e pela nova amnistia genericamente estabelecida no artigo 1.º daquela lei;
2.º Pelo mesmo motivo, não foi contado o tempo em que estiveram demitidos os indivíduos só agora reintegados na inactividade; restrição tanto mais estranha quanto é certo que, em face do decreto, aquela contagem pode ser feita, e já o foi, em relação a reintegração de um oficial no activo;
3.º A excepção do § único do artigo 5." do Decreto-Lei n.º 38 267 aplicada sobre a pensão-base dos funcionários, além do seu mau efeito moral e de ser nova restrição à Lei n.º 2 039 e aos princípios e espírito que a informaram, não tem precedente em casos desta natureza e afecta os direitos adquiridos - entre os quais os derivados de contribuição para a Caixa Geral de Aposentações -, e pode importar o vexame de uma devassa nos patrimónios legitimamente constituídos pelo casal e muitas vezes indispensáveis para suprir a insuficiência dos vencimentos, especialmente tratando-se de famílias numerosas, e nos casos de velhice, doença, etc., e representou para o Tesouro uma economia de apenas algumas centenas de contos;
4.º A eliminação total da matéria do artigo 4." da Lei n.º 2039 privou os inválidos de uma justa e devida reparação, tornada ainda mais imperativa e urgente depois da suspensão do Código de Inválidos, em 1937;
5.º Em presença de outros casos, não se justifica a falta de reintegração de indivíduos demitidos ao abrigo do Decreto n.º 25317, de 13 de Maio de 1935, entre os quais figuram professores e médicos insignes;
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6.º O arquivamento de muitas dezenas de reclamações ou pedidos de reintegração leitos depois da data que, por despacho ministerial, se entendeu ser a competente à face do artigo 8.º do decreto resultou de não ser obrigatório requerimento ou pedido inicial para a reintegração e muitos dos interessados residirem no ultramar ou em pontos distantes e isolados no continente e, pela sua humilde condição, incapazes de tomar conhecimento exacto das condições legais a tal respeito:
7.º A Lei n.º 2039 e o Decreto-Lei n.º 38267 não excluíram da reintegração o pessoal de corporações de polícia dissolvidas por motivos políticos, e cai pela base a interpretação contrária baseada nessa dissolução, pois ela equivale a uma demissão colectiva, e, além disto, reabertas, como foram logo no mesmo acto, novas inscrições, dissolução não chegou a haver e muito menos extinção, mas simplesmente substituição do pessoal:
8.º Muitos requerimentos foram indeferidos por não se ter provado que a demissão fora originada em motivos políticos, quando é incompreensível que isto não pudesse ser apurado pelos meios e nos serviços competentes, evitando-se assim que os interessados sofressem as consequências de uma deficiência de que não são culpados, e que, aliás, devia ser suprida pelo modo determinado no n.º 2." do § 1." do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 38 267;
9.º Das alterações da Lei n.º 2039 e do modo como foi aplicado o Decreto-Lei n.º 38 267 resultou serem especialmente beneficiados, em primeiro lugar e desde logo. nos tribunais, os comunistas não atingidos pelas excepções dos parágrafos do artigo 1.º da lei e, em segundo lugar, pelos motivos que expus, os civis e militares combatentes contra a actual situação política, incluindo os seus chefes, que a lei não quis efectivamente excluir, mas foram dos que mais compartilharam daquela espécie de «rateio» financeiro, em prejuízo da legitima prioridade dos que tinham há mais de trinta anos crédito privilegiado e imprescritível e sempre serviram e apoiaram a Revolução Nacional;
10.º Os encargos para o Tesouro invocados no relatório do decreto e considerados, na sua interpretação,, como base das restrições aplicadas não deviam influir e são muito inferiores aos previstos; e, mesmo que assim não sucedesse, poderiam fazer-se outras economias, mas nunca as que importaram denegação da justiça que a Lei n.º 2 039 a todos concedera.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O Orador:-Façamos um resumido balanço geral dos resultados de tudo isto. Foram organizados perante a comissão de reintegrações 2 270 processos, já com exclusão dos numerosos pedidos apresentados depois de 9 de Agosto de 1951. Destes processos, só ao Ministério do Exército couberam 932, ao da Marinha 142, ao do Interior 862, ao das Comunicações 104, ao das Finanças 96, etc.
Daquele total foram deferidos (menos quanto a graduação) apenas corça de 823, elevando-se portanto a 1447, ou seja muito mais de metade, o número de indeferimentos, sem contar, repito, dezenas ou centenas de pedidos arquivados por serem posteriores àquela data de 9 de Agosto de 1951.
Estes números, que por brevidade não desdobro, não incluem os indivíduos declarados directamente pelos tribunais como abrangidos na amnistia do artigo 1.º da lei, e que, em grande número, eram acusados de actividades comunistas.
Ao exposto devo acrescentar que me consta estar a ser recusado o regresso no Montepio dos Servidores do Estado de reintegrados que o pretendem, mediante o pagamento de quotas atrasadas.
De tudo o que narrei - com a morosidade de que me penitencio, mas a extensão e a complexidade do assunto impunham - são expressivo testemunho os numerosos documentos que nos chegaram vindos de toda a parte e enviados por muitos dos que justificadamente se consideravam abrangidos pela lei e mesmo pelo decreto, e foram preteridos, compreendendo-se entre eles os punidos disciplinarmente por motivos políticos.
Sim.
Chegaram até mim, como chegaram até outros Deputados que intervieram no assunto, e, em geral, a todos os membros da Assembleia e á própria Presidência e ao Governo, dezenas, muitas dezenas de queixas, protestos e reclamações não só contra as graves mutilações (até a dos mutuados ...) que sofreu a Lei n.º 2 039 através do Decreto-Lei n.º -38267, mas - também sobre o modo como este decreto foi executado fazendo-se dele, unia interpretação ora restritíssima, ora urrada, agravando-se assim ainda mais a situação que ele originou, contra toda a bela expectativa, que se estabelecera à volta da lei.
De desolação é o sentimento que invadiu muitos dos espíritos; e para muitos daqueles que julgaram ver finalmente entrar um raio de sol nos seus lares sem luz e sem pão tornou-se mais viva, mais compungente a tortura da sua vida amargurada.
E claro que não nos é .possível expor um a. um os diversos casos. Ocupar-nos-ia larguíssimo tempo, e, de resto, muitos não serão ignorados pelo Governo.
Daqui desinteressada e sincerramente dirijo ao Governo um apelo para que reveja o problema em todos as asipec-tos e no sentido de o texto e o espírito da Lei n.º 2039 serem restabelecidos e observados, completando-se assim u obra de apaziguamento apenas iniciada.
Vozes : - Muito bem, muito bem !
O Orador: - Ainda ecoam nesla sala as palavras do Deputaido Sr. Geuei-ul Craveiro Lopes, proferidas na-qu-ela memorável sessão/de 21 de Abril de 1950, em nome da Comissão de Defesa Nacional:
Desujaauos ver pti-m sempre afastadas da uo&sn terra, as lutas fratricidas, as lutas sangrentas, que por tantos e tantos anos dividiram a gente portuuesa.
A Coimissüo de Defesa Nacional dá o seai voto ao projecto que está em discussão e deseja de todo o c-oração que o seu fundamento venha a contribuir efectivamente para congraçar, para unir toda a geii/te. portuguesa, de forma que possamos atravessar este momento crucial da vida do Mundo de coração alto, choios de fé e de ânimo para vencer todas as dificuldades, quer internas, quer ainda aquelas que da. nossa posição no plano internacional resultem da ajuda que temos o dever de conceder a todas as nações que lutam no hemisfério ocidental pela manutenção dos sentimentos cristãos e de iiidüpiMylõiii-ui du< puvu-j.
E quando candidato à chefia do Estado, novamente o Sr. General Craveiro Lopes revelou este anseio na proclamação que, em 2-3 de Junho de 195] , dirigiu ao País,
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exprimindo o empenho de promover u união e a solidariedade na grande família que todos constituímos.
Eleito Presidente, novamente e repetidas vezes, enfim, sempre que a oportunidade se lhe oferece tem manifestado esta nobre e patriótica ansiedade.
Fala como Chefe do Estado, como antes falara como Deputado da Nação o digno e leal camarada de muitos que só sacrificaram pelo bem da Pátria e nunca obliterai MUI as tradições do honra do Exército, que, na expressão de Mouzinho de Albuquerque dirigindo-se ao Príncipe Real, "é e há-de ser sempre a profissão entre todas nobre, porque nela se envolve tudo o que exige a anulação do interesso individual perante o da colectividade".
Assim procederam muitos que ainda aguardam a hora da justiça.
Neste passo da existência em que já se anda com saudades da vida. uma das esperanças que me restam é a de que essa hora virá para todos; e, decerto, nada pode ser mais grato aos sentimentos magnânimos de Sala/ar, neste ano jubilar em que vão comemorar-se o 25.º aniversário da sua ascensão ao Poder, o êxito do seu sacrifício e a sua obra portentosa ao serviço da Nação.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Carlos Moreira: - Requeiro a generalizarão do debate.
O Sr. Presidente: - Declaro generalizado o debate, que continuará na sessão de amanhã, constituindo a sua primeira parte.
A segunda parte da ordem do dia dessa sessão será constituída pela efectivação do aviso prévio do Sr. Deputado Manuel Lourinho sobre melhoramentos rurais e disposições legais que concedem as respectivas comparticipações. .4
Está encerrada a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados que entraram durante a sessão:
Américo Cortês Pinto.
André Francisco Navarro.
António Joaquim Simões Crespo.
António Raul Galiano Tavares.
D. Maria Baptista dos Santos Guardiola.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Miguel Rodrigues Bastos.
Tito Castelo Branco Arantes.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Alberto Cruz.
António de Almeida.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
Artur Rodrigues Marques de Carvalho.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Avelino de Sousa Campos.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Délio Nobre Santos.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Costa.
João Cerveira Pinto.
Joaquim dos Santos Quelhas Lima.
José Cardoso de Matos.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José Pinto Meneses.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Sousa Meneses.
Vasco de Campos.
O REDACTOR - Leopoldo Nunes.
CAMARA CORPORATIVA
Rectificação
Devidamente rectificados, transcrevem-se os n.ºs 10 o 11 do parecer n.º 40/V, insertos no Diário das Sessões n.º 205, p. 688
10. Também a hipótese de ser interposto agravo da decisão proferida sobre differendum acerca da extensão da expropriação carece de regulamentação especial, pelos reflexos que podem advir do provimento do recurso sobre o prosseguimento do processo.
Pelo regime estabelecido no artigo 15.º do regulamento a decisão do juiz precedi a realização das diligências da arbitragem: a admissão do recurso para os tribunais superiores cria, por isso, um novo problema, pois não se pretende - o que seria altamente prejudicial ao. interesse público, que está base da expropriação - atribuir a esse recurso efeito suspensivo.
A prática consignada no n.º 5.º do artigo 10.º da Lei n.º 2030 ajuda a resolver a dificuldade, e por isso mesmo consigna-se um novo preceito - que será o corpo do artigo 4.º- determinando que no caso de ter sido objecto de; recurso a decisão proferida sobre a expropriação total ou parcial do prédio se calculará o valor da indemnização para uma e outra alternativa.
E como regular na pendência do recurso os actas sincrónicos da apropriação do prédio expropriação o e pagamento ou depósito da indemnização? Se em 1.ª instância tiver sido adoptada a solução da expropriação parcial, o simples jogo da aplicação do efeito devolutivo do recurso não oferece embaraço.
Quando, porém, a decisão a que se refere o artigo 15.º do regulamento tiver sido no sentido da expropriação total, então torna-se necessário impedir que a sua execução imediata crie situações irreparáveis, quer ao expropriante, quer ao expropriado. Há efectivamente que obstar tanto à realização de obras em parte do prédio que a decisão superior venha subtrair à incidência da expropriação como à efectivação de um pagamento sujeito a restituição que possa ficar prejudicado por insolvência do expropriado.
O texto do § unico do artigo 4.º proposto pela Câmara dá satisfação a este objectivo, dando realização, com o depósito da importância correspondente à expropriação total, ao efeito devolutivo do recurso, mas restringindo a translação da posse e correspondente pagamento, na pendência do recurso, ao objecto da expropriação parcial.
11. Como já se disse, no regime actual o processo ide exproprio cão não está sujeito a custas na tese da arbitragem; havendo recurso para o juiz, fica sujeita, a tributação a parte que decair, isto, bem entendido, sem prejuízo da regra de isenção de
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as estabelecida no artigo 2.º do Código de Custas Judiciais, e de que silo beneficiários o Estado, corpos administrativos e pessoas colectivas de utilidade publica administrativa, que são, em regra, as entidades expropriantes.
É evidente que nada justificaria que, ao criar-se o recurso paxá os tribunais superiores, se subtraísse o processado à tributação.
Como, porém, se trata de uma transmissão forçada de domínio imposto pelo interesse público, é justo que os encargos dos particulares sejam atenuados, na medida do possível. É certamente tendo em consideração essa circunstância que o artigo 39.º do Decreto n.º 37 758 deu ao juiz a faculdade de fixar o imposto nu justiça até metade do correspondente a uma acção de igual valor.
A Aplicação deste regime aos recursos para os tribunais superiores não suscita dificuldades, o nessa orientação a Câmara propõe a inclusão de um preceito com esse conteúdo, que será o artigo 3.º
IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA