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REPUBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167

ANO DE 1956 14 DE JULHO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VI LEGISLATURA

(SESSÃO EXTRAORDINÁRIA)

SESSÃO N.º 167, EM 13 DE JULHO

Presidente: Ex.º Sr. Albino Soares Pinto dos Reis Júnior

Secretários : Ex. Srs.
Gastão Carlos de Deus Figueira
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou, aberta a sessão às 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Paulo Rodrigues solicitou do Governo o desassoreamento da lagoa de Óbidos.
O Sr. Deputado Urgel Horta apontou as vantagens que em seu entender recomendam a localização da indústria siderúrgica no Norte.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão da proposta de lei que institui as primeiras corporações.
Falaram os Srs. Deputados Sá Linhares, Abrantes Tavares e Jorge Jardim.
Encerrado o debate na generalidade, o Sr. Presidente mandou ler as propostas de alteração que tinham sido enviadas para a Mesa.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 18 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 16 horas e 5 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Sn. Deputados:

Alberto Cruz.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Pacheco Jorge.
Albino Soares Finto dos Beis Júnior.
Alexandre Aranha Furtado de Mendonça.
Alfredo Amélio Pereira da Conceição.
Américo Cortês Pinto.
Antão Santos da Cunha.
António Abrantes Tavares.
António de Almeida.
António de Almeida Garrett.
António Augusto Esteves Mendes Correia.
António Bartolomeu Gromicho.
António Camacho Teixeira de Sousa.
António Cortas Lobão.
António Júdice Bustorff da Silva.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
António Raul Galiano Tavares.
António Rodrigues.
Artur Águedo de Oliveira.
Augusto Cancella de Abreu.
Caetano Maria de Abreu Beirão.
Camilo António de Almeida Gama Lemos Mendonça.
Carlos Alberto Lopes Moreira.
Carlos de Azevedo Mendes.
Carlos Mantero Belard.
Carlos Vasco Michon de Oliveira Mourão.
Castilho Serpa do Rosário Noronha.
Eduardo Pereira Viana.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Francisco Cardoso de Melo Machado.
Francisco Eusébio Fernandes Prieto.
Gaspar Inácio Ferreira.
Gastão Carlos de Deus Figueira.

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Henrique dos Santos Tenreiro.
Herculano Amorim Ferreira.
Jerónimo Salvador Constantino Sócrates da Gosta.
João Ameal.
João da Assunção da Cunha Valença.
João Carlos de Asais Pereira de Melo.
João Cerveira Finto.
João Luís Augusto das Neves.
João Maria Porto.
João Mendes da Costa Amaral.
João de Paiva de Faria Leite Brandão.
Joaquim Dinis da Fonseca.
Joaquim Mendes do Amaral.
Joaquim de Pinho Brandão.
Jorge Botelho Moniz.
Jorge Pereira Jardim.
José Garcia Nunes Mexia.
José Maria Pereira Leite de Magalhães e Couto.
José Sarmento de Vasconcelos e Castro.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Maria Lopes da Fonseca.
Luís Maria da Silva Lima Faleiro.
Manuel Maria Múrias Júnior.
Manuel Maria Vaz.
Manuel Monterroso Carneiro.
Manuel Trigueiros Sampaio.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário de Figueiredo.
Paulo Cancella de Abreu.
Ricardo Malhou Durão.
Rui de Andrade.
Sebastião Garcia Ramires.
Tito Castelo Branco Arantes.
Urgel Abílio Horta.
Venâncio Augusto Deslandes.

O Sr. Presidente:-Estão presentes 70 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 10 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente:-Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Rodrigues.

O Sr. Paulo Rodrigues: - Sr. Presidente: pedi a palavra a fim de chamar a atenção do Governo para o problema da lagoa de Óbidos.
Elemento essencial no conjunto dos valores turísticos duma das mais belas regiões deste pais, a lagoa vai-se empobrecendo pelo seu assoreamento e pela falta de ligação permanente com o mar.
Ora, com o pendor do turismo actual no sentido de se deslocar das termas para as praias, o interesse desse conjunto reclama precisamente que a lagoa, com a sua vizinha praia da Foz do Arelho, se valorize cada vez mais.
Acresce que, para além do turismo, com outros aspectos económicos e até sociais interfere o problema, já que, pela pesca e a caça, pela apanha do marisco e a recolha dos limos da lagoa auferem os povos ribeirinhos indispensável contributo para as suas modestas economias. E a manutenção do actual estado de coisas chega a envolver sérios riscos para a saúde pública.
Sei, Sr. Presidente, que não está esquecida a questão e apenas acontece que ponderosas razoes de ordem económica e administrativa se têm oposto à efectivação das soluções técnicas já estudadas. Mas creio também que não será impossível encontrar uma fórmula que, revestindo a indispensável eficiência técnica para prover, ao menos, ao estado agudo do problema, seja, ao mesmo tempo, economicamente viável.
Quisera que esta minha intervenção, mais do que um apelo, fosse expressão do reconhecimento do meu circulo ao Sr. Ministro das Obras Públicas, que ao assunto tem dedicado, para além da inteligência e do superior critério que consagra a todos os assuntos do seu departamento, o interesse amigo que o conhecimento directo do caso lhe faculta.
Assim, e posta uma palavra de justo louvor ao presidente da Junta Central das Casas dos Pescadores -o nosso ilustre colega comandante Tenreiro- pela atenção que ao assunto tem votado, aqui deixo ao Governo o nosso agradecimento antecipado pela pronta resolução do problema, que todos seguramente esperamos: pela justiça da causa e pelo valor das pessoas e dos serviços a que está confiada.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem !

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Urgel Horta: - Sr. Presidente: ao terminar o terceiro período da VI Legislatura, não posso deixar de afirmar, com o convencimento filho da verdade, que foi produtiva, extraordinariamente fecunda, a tarefa realizada, bem merecendo V. Ex.ª todos os elogios, pela subida distinção, extraordinário bom senso, magnifica competência e alta dignidade com que sempre preside aos trabalhos da Assembleia Nacional.
E a confirmação dessa extraordinária tarefa fez ontem nova prova com as oportunas, judiciosas e necessárias afirmações dos engenheiros Augusto Cancella de Abreu e Daniel Barbosa e a eloquente intervenção - discurso modelar e profundo, lição verdadeiramente magistral - do Prof. Mário de Figueiredo, a todos rendendo a minha homenagem.
Depois de haver proferido estas palavras, ditadas por sentimento de inteira justiça, pretendo mais uma vez, e muitas foram já, tratar um problema que é séria preocupação do Pais inteiro: o problema da instalação e da localização da siderurgia nacional. E faço-o por forte imperativo de consciência e ainda para dar cumprimento à promessa feita ao Sr. Ministro da Economia, personalidade digna da maior consideração, quando lhe afirmei que trataria desse problema até lhe ver dada solução definitiva.
Na sessão de 14 de Junho próximo passado, do alto desta tribuna, fiz um pedido de esclarecimentos a uma nota oficiosa, datada de 8 de Moio, respeitante à conferência havida com os representantes da imprensa pelo Sr. Ministro da Economia, visto os termos em que estava redigida não serem suficientemente compreensíveis por grande parte da opinião pública.
Quer dizer: pretendia saber-se qual a interpretação dada à condição n.º 4 do alvará n.º 13, que concede à Companhia da Siderurgia Nacional a licença para o estabelecimento e a exploração da indústria do ferro no nosso pais, posto que o sen conteúdo, em minha opinião, não oferecia qualquer dúvida. Essa condição reza o seguinte:

A licença abrangerá o fabrico da gusa, aço em lingotes e a sua laminagem a partir do minério, cinzas de pirites e sucatas. A laminagem compreende bandas de tubos, barras e perfis correntes, com a exclusão daqueles cuja produção seja provadamente antieconómica, e ainda a produção de chapas, nomeadamente para construção naval e fabrico de folha-de-flandres.

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A leitura desta base levou-nos a formular esta pergunta de resposta tão simples: ficará instalada no Norte do Pais a indústria da siderurgia, com fornos, aciaria e laminagem, dentro da capacidade correspondente às 150 000 t, ou pretende-se produzir no Norte a gusa, com instalações de fornos de qualquer tipo, eléctricos, Krupp-Renn e outros, montando-se no Sul a aciaria e a laminagem correspondentes a todos os escalões previstos para a indústria siderúrgica?
Aguardei até ao presente momento que os esclarecimentos solicitados fossem satisfeitos, visto à simplicidade dessa resposta estarem ligados interesses económicos e sociais de grande vulto. E como tão justificado pedido não teve a resposta precisa, o que bastante me penaliza, quero reafirmar o que tantas vezes tenho exposto.
Seja qual for a solução dada a assunto de tanta magnitude e de tanta importância, desejo afirmar, dentro do espirito de mais absoluta isenção, que em parte alguma do Pais se encontram reunidas condições tão favoráveis à montagem da siderurgia como no Norte.
Aí existem jazigos de minério praticamente inesgotáveis. Aí se encontram as grandes minas de carvão, cujo aproveitamento se torna absolutamente necessário.
Situam-se no Norte as grandes fontes produtoras da energia eléctrica, pouco distanciadas dos jazigos de minério, e, portanto, em magnificas condições de utilização, libertas dos pesados encargos de transporte.
Não faltam terrenos para a conveniente instalação, com as requeridas condições técnicas de aproveitamento, quer pela extensão, quer pela natureza do solo, adquiridos nas melhores condições de economia.
O abastecimento de água doce indispensável à siderurgia obter-se-á por várias origens, sem grande dispêndio para a sua captação.
Facilidade nos transportes, mão-de-obra por baixo preço e todas as condições de reconhecida vantagem para barateamento do produto acabado são garantias oferecidas pelo Norte, facilitando assim a escolha de localização para a indústria.
São, na verdade, bem limitadas, Sr. Presidente, as nossas pretensões, nada contendo que possa colidir com os verdadeiros interesses da Nação, postos sempre no mais alto grau.
Não defendo aqui qualquer interesse particular; mas defendo conscientemente os interesses duma vasta região, compreendendo algumas províncias, que tem o Porto como sua capital e bem merece ser olhada com o melhor carinho e atenção, visto o seu nível de vida ser da mais reconhecida inferioridade.
Posso afirmar, pelos cálculos feitos por técnicos da mais reconhecida autoridade, que se obterá no Norte o ferro e seus derivados por preço sensivelmente inferior àquele por que se produzirá noutras regiões.
Diz-se, e não sei se com verdadeiro fundamento, que existe o plano de produzir no Norte a gusa, pela montagem de fornos eléctricos, o que se reveste de grande dificuldade, ou por fornos Krupp-Renn, estabelecendo no Sul, com altos fornos a coque, a aciaria e a laminagem. Se assim suceder, adoptar-se-á uma solução errada sob o aspecto económico, e, mais ainda, sob os aspectos social, demográfico e até político -o futuro se encarregará de o demonstrar-, com grande prejuízo para a economia nacional.
Colocados o Norte e o Sul em pé de igualdade, que não existe, tão notável é a diferença de possibilidades, porque não adoptar uma solução de harmonia com esses recursos, estabelecendo duas grandes oficinas de siderurgia?
Sr. Presidente: eu, como homem a quem a fé nunca faltou para lutar e para vencer, continuo mantendo bem acesa e bem viva a confiança depositada no Governo, que tão dignamente orienta os destinos da Nação, presidido por essa extraordinária figura de estadista - Salazar- a quem o mundo inteiro respeita, admira, louva e exalta.
Nada pedi que esteja fora dos princípios que defendemos. Pode afirmar-se o serem inteiramente baseadas e bem justificadas as nossas pretensões e os nossos anseios. Mas, seja qual for a resolução tomada, fazemos votos sinceros para que a escolha recaia na que melhor sirva os interesses da grei portuguesa e sempre a bem da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem! O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei n.º 37, sobre a instituição das corporações.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Linhares.

O Sr. Sá Linhares: - Sr. Presidente: o Governo submete à apreciação desta Assembleia Nacional uma proposta de lei pela qual procura instituir os corporações, fecho natural da organização corporativa.
A referida proposta é precedida de um notável e claríssimo relatório do ilustre Ministro das Corporações.
A Câmara Corporativa, ouvida, nos termos constitucionais, sobre aquela proposta, emite o seu douto parecer depois de a examinar de uma forma exaustiva e também notável. Não menos notáveis são os seus votos discordantes.
Para apreciação da proposta do Governo tem, por conseguinte, esta Assembleia Nacional à sua disposição, não só aqueles dois notáveis documentos, como ainda os ensinamentos resultantes da experiência da nossa organização corporativa, que, embora por completar, já concedeu ao povo português grande parte das suas aspirações, que antes eram apenas objecto de promessas e que no campo das realizações nunca chegaram ao menos a ser esboçadas.
Ao ousar subir os degraus desta tribuna para intervir no debate animou-me a convicção de que poderia cumprir os deveres do meu mandato de Deputado se escolhesse para tema das minhas considerações apenas os ensinamentos da experiência da nossa organização corporativa.
Se procurasse satisfazer aqueles deveres utilizando a história e a filosofia para obter a solução que em minha consciência e inteligência deveria ser dada ao fecho da nossa organização corporativa não cumpriria decerto a minha missão, dado que me (perderia na vastidão das ideias e conceitos dos historiadores e filósofos.
No entanto, irei procurar apresentar num breve resumo o que há muito a história gravou na minha memória e nu minha consciência.
O individualismo nascido da Revolução Francesa, vendo apenas na associação económica e profissional o espírito da casta e a estagnação da técnica, combateu implacavelmente o corporativismo e, sem destruir a sua doutrina, conseguiu somente arredar a sua aplicação, a qual durante mais de cinco séculos deu à Europa paz social.
Em Portugal, extintas as instituições corporativas por Decreto de 7 de Maio de 1834, por não se coadu-

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narem com os princípios da Carta Constitucional, algumas houve, como as Misericórdias, que resistiram àquela liquidação e se mantiveram até aos nossos dias, vencendo todas as dificuldades e demontrando assim n realidade do seu espírito.
Passou-se então do regime político de monarquia orgânica para o que concebe a nação como agrupamento inorgânico de indivíduos.
A falta das instituições corporativas deu lugar imediato à criação do poderoso patrão e do humilde e isolado trabalhador.
Este, ao verificar que só aliado aos seus companheiros leria força para contrabalançar a do seu patrão, coliga-se com outros da mesma profissão.
Com este objectivo nascem os sindicatos e, com estes, o direito à greve.
Em face de tão poderosas organizações sindicais, que chegam a assumir carácter revolucionário, os patrões formam o sindicato patronal e respondem à greve com o lock out.
Tentam-se negociações entre os dois sindicatos para um contrato colectivo, mas as condições que acabam sempre por ser impostas nunca correspondem à justa decisão.
É sempre o mais forte aquele que as dita e impõe.
No campo económico as coisas não se passam de forma diferente. É também o mais forte que impõe a sua vontade. A liberdade económica nunca passou de uma pura fantasia, pois só as grandes empresas ditavam com a sua força as condições de vida das mais modestas, e estas eram sempre de forma a eliminá-las.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: este breve resumo de factos que a história nos apresenta revela, não só, como disse o ilustre Prof. Dr. Marcelo Caetano, «que a associação económica e profissional corresponde a uma necessidade profunda que luta mesmo contra as leis, e que, se a não deixarem satisfazer-se por formas normais, busca processos anómalos e perigosos de satisfação, como o sindicalismo revolucionários».
0 individualismo, que substituiu o corporativismo, deu á Europa um período bem diferente daquele que ela gozou em paz durante mais de cinco séculos.
O indivíduo, longe de alcançar a liberdade que lhe tinha sido prometida, foi obrigado a viver em luta permanente contra a riqueza da nação, esquecendo-se que lutava contra a sua própria riqueza.
Foi no auge deste período agitado que os homens da minha idade viveram a sua mocidade.
A Republica, implantada em 5 de Outubro de 1910, concedeu dois meses depois o direito à greve.
A Confederação Geral do Trabalho passa a orientar e dirigir o operário português.
As greves sucedem-se umas atrás das outras e, de vez em quando, fazem parte do programa as frequentes revoluções levadas a efeito apenas com o objectivo de derrubar o Governo dias antes constituído.
A gloriosa história de Portugal é manchada de sangue com os movimentos de 14 de Maio e de 19 de Outubro.
Perdem-se as esperanças de melhores dias e o desânimo apodera-se de tudo e todos, mas o Exército, embora esfrangalhado pela ditadura democrática, não tinha perdido a noção das suas responsabilidades nem do seu dever para com a Pátria e num reagrupamento magnífico e quase milagroso derruba aquela ditadura e pouco depois chama para o chefiar o homem que a providência tinha destinado a ser o chefe da Revolução Nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Esse homem, conhecedor profundo da história e inspirado nos mais sagrados deveres para com a Nação, delineia o programa da Revolução Nacional, definindo de uma fornia clara e precisa os princípios em que o mesmo deveria assentar.
Examinada a situação e definida com clareza a missão a cumprir, restava a execução, e esta pertencia a todos os portugueses.
A ordem era de «Tudo pela Nação e nada contra a Nação» e de todos os sectores políticos do País surgiram voluntários para a grande batalha que se iria travar.
Aparecem nas primeiras filas de combate, como qualificados executores do pensamento do chefe, nomes como os dos Drs. Mário de Figueiredo, Marcelo Caetano, Pedro Teotónio Pereira e tantos outros que a história não esquecerá.
A batalha, ou, melhor, as batalhas desenvolveram-se em todos os campos da vida nacional e as vitórias alcançadas prestigiam o chefe e dão origem a uma nova era para Portugal.
Não fujo neste momento à tentação de fazer um pequeno relato do que observei num modesto posto que as funções do meu cargo de capitão de porto me obrigaram a ocupar algum tempo antes da última guerra mundial.
Como capitão do Porto de Setúbal coube-me a honra de ser um dos primeiros executantes da Lei n.º 1953.
Era Setúbal, nessa altura, um dos principais centros de pesca do País.
Grande parte da f rol a da pesca da sardinha encontrava-se registada na sua Capitania e os pescadores que viviam naquela cidade eram em número superior a 4000.
Setúbal atravessava nessa altura uma das suas frequentes crises devido à falta de pescado e aos seus consequentes efeitos na indústria das conservas.
A população, quase na sua totalidade formada de pescadores e de operários das fábricas conserveiras, vivia horas de miséria e fome.
Os pescadores, sem recursos de espécie alguma, tinham apenas à sua disposição o velho edifício onde anos antes tinha funcionado a Associação dos Trabalhadores do Mar.
Embora de dois andares, o edifício tinha praticamente apenas uma única divisão, constituída por um sumptuoso salão e por uma não menos sumptuosa tribuna, onde em tempos idos usaram da palavra falsos protectores dos pescadores.
As paredes daquele enorme salão encontravam-se decoradas com numerosos quadros que encerravam as mais célebres frases marxistas.
Foi daquela tribuna que saíram todos os gritos de revolta contra o capital e as ordens para as greves determinadas pela Confederação Geral do Trabalho.
O pescador, deleitado com a palavra dos seus falsos profetas, nunca se apercebeu de que lutando contra o armador lutava contra os seus próprios interesses, razão por que considerava aquele edifício e aquela tribuna como verdadeiros santuários.
Era preciso modificar esta situação. O Estatuto do Trabalho Nacional e a Lei n.º 1953 impunham essa necessidade.
Como fazê-lo?
Destruir o velho edifício e construir um novo?

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Não. A conservação daquele edifício só poderia apresentar vantagens. Era preciso que o pescador visse e sentisse nele os efeitos do espírito da Revolução Nacional.
Preferiu-se por isso não derrubar aquele edifício, mas aproveitá-lo para fins diferentes.
O grande salão foi então transformado em consultórios médicos e salas de tratamento; a sumptuosa tribuna em bancos para as escolas dos seus filhos e os quadros com frases marxistas em subsídios e auxílios de toda a espécie.
Assim, do velho edifício nasceu a verdadeira Casa dos Pescadores, onde, sem discursos nem promessas, todos passaram a receber o carinho e o auxílio que antes era prometido e nunca satisfeito.
Os benefícios que os pescadores passaram a receber da sua Casa foram de toda a espécie, o que os levou a concluírem, em pouco tempo, que o seu verdadeiro santuário era a casa que Salazar lhes tinha dado.
Esqueceram por isso em breve a tribuna da sua Associação e as frases marxistas que ornamentavam o seu salão e entre os que mais rapidamente o esqueceram foram alguns dos mais qualificados sustentáculos e admiradores dos falsos profetas!
Esta modesta obra, que há dezassete anos atrás se apresentou com certo valor na política social do Estado Novo, hoje, não é mais do que uma insignificante parcela da grandiosa obra levada a efeito em benefício dos pescadores portugueses.
As Casas dos Pescadores e a Junta Central estendem hoje a sua acção de assistência, previdência e educação e até de crédito a todos os centros piscatórios do País, abrangendo cerca de 60 000 pescadores.
Se foi possível tão notável obra neste sector, temos de o confessar, isso se deve à índole especial que preside à sua orgânica.
Fugindo à forma do sindicato, as Casas dos Pescadores apresentam-se como organismos de cooperação social.
O presidente da Casa dos Pescadores é, por força da Lei n.º 1953, o capitão do porto ou o delegado marítimo da localidade onde ela se encontra instalada e são também seus sócios, na qualidade de protectores, os armadores da pesca.
Os milhares de contos com que os armadores têm contribuído voluntariamente para a obra grandiosa levada a efeito pelas Casas dos Pescadores são a prova de que a sua concepção não poderia ter sido mais feliz.
Com este pequeno relato pretendi apenas recordar uma pequena batalha cuja vitória, embora se deva aos princípios da Revolução Nacional, não teria sido alcançada tão rapidamente se os mesmos não tivessem sido executados por um grupo de oficiais da Marinha impulsionados pelo entusiasmo e pelo exemplo, desde a primeira hora, do comandante Henrique Tenreiro.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Depois deste pequeno parêntese, em que recordei os primeiros passos dados para se conseguir um dos principais objectivos do programa da Revolução Nacional, que é o da justiça social, cumpre-me, passando uma rápida vista de olhos por toda a obra realizada no sector social, concluir que. embora essa obra seja a todos os títulos notável, há ainda muito por conseguir.
A batalha iniciada neste sector terá, por consequência, de continuar até que todos os portugueses tenham um lar e nesse lar não falte o pão julgado indispensável.
As ordens para o desenvolvimento desta batalha encontram-se elaboradas pelo Chefe desde o dia em que delineou o programa da Revolução Nacional. Se a cumprirmos rigorosamente e não lhes alterarmos nenhum dos seus pormenores, a batalha poderá ser lenta, mas acabará por dar a completa vitória à Revolução Nacional.
Até este momento apenas falei dos princípios em que o Chefe baseou o programa da Revolução. Não os discriminei nem tão-pouco procurei indicar qual a doutrina seguida para os elaborar, e, se assim procedi, fi-lo propositadamente, por entender que a ninguém é legítimo ignorar o seu pensamento.
No entanto, julgo que, havendo necessidade neste momento de se obter a solução mais aconselhável para o fecho do nosso corporativismo, nunca será de mais repeti-lo.
Por isso vou fazê-lo aproveitando a douta opinião do nosso ilustre e eminente leader, Prof. Dr. Mário de Figueiredo, quando há anos atrás disse, e ainda ontem repetiu de forma magistral: e o corporativismo português foi concebido, no que respeita ao sector económico, como um sistema de economia autodirigida, e não de economia dirigida pelo Estado, ou, o que é o mesmo, como corporativismo de associação, e não corporativismo de Estado. Isso resulta claramente da Constituição, do Estatuto do Trabalho Nacional e das declarações expressamente feitas uma e repetidas vezes pelo grande construtor do sistema e pelos seus mais qualificados executores.
Economia autodirigida ou corporativismo de associação não são fórmulas das quais deva concluir-se que ao Estado fica vedado intervir na economia.
A doutrina Estado-espectador da vida económica, deixando que esta se desenvolva conforme as solicitações dos egoísmos individuais à espera de assistir aos chamados «equilíbrios automáticos», para afinal não ver senão sacrifícios constantes e crises trágicas no desenlace dos dramas que continuamente recomeçam, está ultrapassada. Hoje já se não discute se o Estado deve ou não intervir na vida económica.
O Governo na sua proposta de lei adopta para a instituição das primeiras corporações o critério da «grande actividade nacional» e do «ramo fundamental da produção» e ao fazê-lo baseou a sua decisão, não só na prudência e nas realidades, como ainda na característica das nossas leis corporativas, que, segundo o Prof. Dr. Marcelo Caetano, seguem sempre o prudente critério de deixar a evolução corporativa, nas suas formas complexas, fazer-se conforme a natural pressão das ideias e dos factos.
Neste aspecto da proposta só tenho que me congratular pela decisão do Governo, dado que ela corresponde inteiramente aos ensinamentos colhidos na evolução da nossa organização corporativa.
Passando a examinar agora a competência que o Governo pretende dar às corporações a instituir de acordo com a forma como foi concebido o nosso corporativismo, no que respeita aos sectores económicos, verifica-se, em minha modesta opinião, que as disposições da proposta de lei não são suficientemente precisas quanto à forma como o Estado deve intervir na actividade das corporações.
Sendo da orgânica corporativa a mais larga descentralização de funções administrativas entregues a uma pluralidade de entidades jurídicas autónomas, não é contrário à doutrina corporativa que o Estado exerça a necessária fiscalização sobre as corporações mesmo em casos em que lhes seja concedida a mais larga autonomia.
O Estado concebido como poder político tem na economia corporativa, como diz o Prof. Dr. Marcelo Cae-

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tano, uma função de coordenação, fiscalização e garantia.
Coordena os interesses diversos entre si e com o interesse nacional, resolvendo os conflitos que se levantem; fiscaliza a actividade das corporações para não permitir a subalternação de interesses alheios aos seus próprios, e garante às corporações o desenvolvimento pacífico da sua actividade legal e moral, desobstruindo o caminho dos obstáculos jurídicos e políticos que ele seja capaz de remover.

Como é que o Estado se vai desempenhar desta função?
É exactamente a resposta a esta pergunta que não encontro exposta com precisão na proposta de lei em apreciação, dado que a sua base in admite a certeza de serem extintos os organismos de coordenação económica, pois apenas condiciona a sua vida enquanto forem julgados indispensáveis.
A competência do Estado na vida económica e social da Nação encontra-se definida na doutrina corporativa e confirmada na Constituição e no Estatuto do Trabalho Nacional.
Portanto torna-se indispensável que o Estado possua sempre, na sua estrutura, órgãos adequados ao desempenho das funções que lhe competem.
A experiência não aconselha que se utilizem os velhos órgãos da 'administração e indica claramente que só organismos da natureza doa de coordenação económica podem dar ao Governo a colaboração indispensável para o cumprimento das suas obrigações.
Como se desempenharam das suas atribuições durante estes vinte anos os organismos de coordenação económica?
Toda a gente sabe que alguns deles dominaram a vida económica e social do sector que lhe era atribuído para além dos limites consentidos pela doutrina corporativa.
O período anormal da última guerra, embora justifique parte dos desvios e vícios de funcionamento em alguns organismos corporativos, não justifica, contudo, a sua totalidade.
O relatório do inquérito aos elementos da orgânica corporativa publicado em 1947 é elucidante a este respeito.
Para mini o balanço aos benefícios e prejuízos recebidos pelo País nestes últimos vinte anos dos organismos de coordenação económica apresenta-me um saldo a favor dos primeiros.
Contudo, admito que outros mais rigorosos no cálculo e mais severos na interpretação dos resultados cheguem a uma conclusão diferente da minha, mas nunca a concluírem que a organização corporativa poderia teor dispensado a sua existência.
Eis, Sr. Presidente, a razão por que não compreendo muito bem que na proposta de lei se admita a possibilidade de extinção dos organismos de coordenação económica sem nos apresentar em sua substituição outros instrumentos que permitam ao Estado exercer a função de orientador e coordenador supremo da vida económica.
Vai o Governo procurar uma estrutura especial para o desempenho destas funções?
Sr. Presidente: ao retomar-se o caminho imposto pela doutrina corporativa vai-se concluir o edifício cujos caboucos há muito se encontram consolidados.
Que as corporações que vão ser nele instaladas tenham sempre bem presentes os princípios da Revolução Nacional e que em nenhuma circunstância se esqueça que a sua mais importante missão é contribuir para que a organização económica da Nação realize o máximo de produção e riqueza socialmente útil e estabeleça uma vida colectiva de que resulte poderio para o Estado e justiça entre todos os cidadãos são os meus mais ardentes e sinceros votos.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Abrantes Tavares: - Sr. Presidente: a intervenção do Sr. Deputado Dr. Mário de Figueiredo fui, em clareza e ordenação lógica, o que poderia esperar-se de quem, na nobre Sala dos Capelos, na Universidade de Coimbra, desenvolvera, com a altura que está nas tradições daquele lugar, «Os Princípios Essenciais do Estado Novo Corporativo».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Passou-se isto em 1936, e para o momento a conferência do Dr. Mário de Figueiredo foi um acontecimento digno de ser recordado. Por então a teorética corporativa sofria a forte atracção do corporativismo de estado italiano. O Dr. Mário de Figueiredo, com o seu notável trabalho, veio desfazer muitos equívocos e apontar a direcção certa.
Retomou agora esses velhos temas, com a mesma frescura de espírito e o mesmo e certíssimo vigor dialéctico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Formado na velha escola coimbrã, não há-de admirar que, no pouco que vou dizer, coincida em quase tudo com o que disse o Dr. Mário de Figueiredo. A escola fez mais do que informar, formou, e dessa formação provém idêntica atitude reflexiva sobre os problemas do momento. Desvanece-me que isso tenha acontecido.
No que vou dizer tentarei, partindo de velhos conceitos, destacar um certo sentido do sistema corporativo. Ë retomar apenas um certo movimento de ideias para as trazer ao debate e apontar uma direcção. Só isso.

r. Presidente: com a criação das corporações vai completar-se o sistema corporativo, há tantos anos detido na fase sindical. E, uma vez que vai completar-se, como havemos de considerá-lo na ordem económica?
Mero instrumento da intervenção governamental ou uma nova estrutura da economia?
A crise interna em que há tantos anos se debate o gigantismo capitalista resistiu às intervenções tentadas através dos monopólios e cartéis e houve que apelar para o Estado. E conquanto este, mesmo na fase mais liberalista, não tivesse deixado de intervir, embora de modo indirecto, agora houve que apelar para o seu directo intervencionismo. A crise, portanto, era diferente das que o capitalismo conhecera antes; não era uma crise do sistema, uma crise cíclica, mas uma crise de estrutura. Tal crise, pela sua extensão e gravidade, suscitou da parte do Estado atitudes diferentes. Nuns casos, e uma vez reconhecido tratar-se de uma crise de estrutura, tentou-se uma nova direcção económica; noutros foi-se para um empirismo intervencionista, em manifesta defesa do capitalismo. Todos conhecem, creio eu, exemplos de uma e outra atitude; por isso me dispenso de nomeá-los.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Entre nós cedo se reconheceu o carácter da crise generalizada, e, conquanto se haja recorrido também, segundo as exigências do momento, a um intervencionismo moderado, logo se lançaram as bases da nova estrutura económica, agora a concluir a sua organização instrumental.
O Estado é levado a lutar contra o capitalismo e contra o colectivismo para instaurar a nova ordem económica. Contra o capitalismo hipertrofiado, ameaçando e limitando a própria soberania do Poder; contra o colectivismo, a hipertrofia do social, tão aniquiladora da personalidade como o capitalismo.
Diagnosticando a crise e origem do mal e o perigo dos remédios, ergueu-se a voz da Santa Sé, que, pela boca do Papa Pio XI, se exprimiu, na encíclica Quadragésimo Anno, nestes termos severos, mas exactos: «É coisa manifesta que nos nossos tempos, não só se amontoam riquezas, mas se acumula um poder imenso e um verdadeiro despotismo económico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negoceiam a seu talante.
Este despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e de tal maneira a manejam que não pode respirar sem sua licença. Eis diagnosticado o mal profundo que abala o Mundo e simultaneamente indicado como o poder político se deslocou para os gerentes da empresa capitalista e o poder económico para a banca.
Burnhams já no livro célebre A Revolução dos Directores assinalara de maneira notável essa deslocação do poder político que a burguesia detinha desde a época liberal.
E, levantando a voz autorizada, o Santo Padre adverte igualmente contra o liberalismo, o colectivismo e também contra o estatismo, embora chamando o Estado à acção que, como promotor do bem comum, é sua obrigação exercer.
Von Mises escreveu, a propósito do intervencionismo, estas palavras sombriamente verdadeiras: «O intervencionismo é um tributo que deve pagar-se à democracia, a fim de manter o sistema capitalista».
Desejo acentuar que von Mises é um liberal puro, sacrificando ainda nas aras da livre concorrência e do equilíbrio espontâneo.
Repudiando, portanto, o intervencionismo como antieconómico, parece admitir, contudo, um sistema intermédio entre o capitalismo, caracterizado pela propriedade privada dos meios de produção, e o colectivismo, ao escrever: e Só nos importa não ter alguém conseguido mostrar que - posto de lado o sindicalismo - é concebível e realizável ainda uma terceira organização social entre os sistemas, ou junto dos sistemas, da propriedade privada e da propriedade colectiva dos meios e produção. O sistema intermédio da propriedade individual regulada, dirigida e limitada por medidas governamentais é ilógico e está cheio de contradições; toda a tentativa para o realizar seriamente tem de levar a uma crise à qual só, o socialismo ou o capitalismo conseguiriam dar solução». Seja-me permitido notar que von Mises ressalva o sindicalismo e considera-o, portanto, capaz de realizar a terceira organização social intermédia. A ser assim, pode concluir-se que o corporativismo, como superacção do sindicalismo e sistema integrador deste, pode realizar essa terceira organização social, pois não me parece duvidoso que o corporativismo parte do sindicalismo para operar a síntese dos grupos sindicalizados.
Da opinião autorizada de von Mises há que reter, contudo, uma séria advertência política e social: ou o corporativismo consegue dar à economia uma nova estrutura ou a crise se agravará e só será possível sair dela ou para um capitalismo ainda mais monstruoso ou para o colectivismo. Aqui reside a delicadeza do assunto em debate.
Ora para assunto de tanta monta pareceu-me escasso o tempo concedido para estudá-lo convenientemente e discuti-lo em muitos aspectos de suma importância. Da brevidade do tempo me valho, não para desculpar erros, mas omissões de que eu próprio tenho consciência.
Como estrutura económica, que novos elementos caracterizam o corporativismo e o opõem ao capitalismo e ao colectivismo ?
O fim do capitalismo é o lucro. A economia desumanizou-se no sentido de que o homem não é o fim exclusivo da produção, como sucedia na economia pré-capitalista e, de modo bem característico, na época artesanal. Aqui a produção era destinada a clientes certos e para satisfazer necessidades imediatas. Na economia de troca, que sucedeu à artesanal, e a que Sombart chamou economia de sustento ou manutenção, já o humanismo se esbate, pois o produto passa à categoria de mercadoria e, nessa qualidade, a fim da actividade produtora. Nesta fase a actividade lucrativa por excelência é o comércio.
Quando a produção teve ao seu dispor o equipamento que uma técnica científica em permanente progresso lhe fornecia o fim passou a ser a própria produção. A inversão enorme de capital que as grandes unidades industriais requeriam só poderia amortizar-se e garantir o lucro se as máquinas trabalhassem a pleno rendimento. A diminuição do trabalho, e, portanto, da quantidade de mercadoria, representava um prejuízo que não poderia suportar-se por muito tempo. Daqui que o gigantismo capitalista necessite de um consumo activo e em permanente desenvolvimento; daqui a técnica das vendas para fomentá-lo e as várias intervenções indirectas do Estado para manter ou aumentar o consumo e salvar a produção capitalista. A produção é, pois, e em si mesma, o fim a atingir e a manter em constante expansão. Ora esta economia em permanente expansão tem também limites que não pode forçar, mas se pára morre!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E o homem, que representa paru este gigantismo económico? O homem é, antes de tudo, o consumidor. O homem real pouco importa, mas importa a sua capacidade de consumo, que deve ser fomentada cada vez mais. Em resumo: o homem, escravo da máquina. A isto conduziu o liberalismo.
Ora o colectivismo, que, no fundo, é também uma forma de individualismo, surgiu como reacção e correctivo ao capitalismo. Enquanto o liberalismo erigiu a liberdade individual em fim e gerou o capitalismo, o colectivismo dirige-se para a igualdade pela supressão do lucro e supremacia da colectividade. Agora a produção, isto é, o lucro, já não interessa como fim, mas apenas o bem social, ao qual o homem é sacrificado.
Também aqui o homem real deixou de existir, massificado, absorvido pela sociedade e transformado em meio para atingir o bem social. O fim é a colectividade em si mesma, o seu bem.
Ora o corporativismo, tal como consigo entendê-lo, está entre os dois extremos.

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Nem o homem é fim de si mesmo nem meio para a realização de outros fins. O homem tem um fim que o transcende e transcende a própria colectividade e ao qual esta e o próprio Estado devem ordenar-se. Enquanto pessoa, o homem é fim da sociedade, mas como indivíduo, biològicamente, deve acatamento e reverência ao bem comum social, de que comparticipa e deve servir também.
Há assim uma hierarquia de deveres recíprocos, de subordinação, que não pode medir-se exactamente, mas há-de regular-se pelos princípios da justiça e também da caridade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A produção e todos os bens materiais não são fins, mas meios, e como tais terão de satisfazer à sua função social. Sendo assim, a produção pode e deve ser obrigada à sua função social específica, pois esta releva a qualquer fim individual - o interesse do todo é superior ao da parte.
Portanto, e de harmonia com aquela função social, o preço deve conter-se nos limites da justiça. Daqui o justo preço, o qual, escreve S. Tomás de Aquino, e não é fixado matematicamente, mas, ao contrário, dependo de uma espécie de avaliação, por modo que uma pequena adição ou subtracção não destrua a justiça».
Podemos, pois, dizer que o corporativismo vem reumanizar a economia e iniciar, não direi um novo humanismo, mas ressuscitar o que a Idade Média conhecera e sucessivas amputações aniquilaram. Só neste sentido poderá falar-se de uma nova Idade Média.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não me deterei mais neste aspecto do problema. Quero salientar apenas que o corporativismo, corrigindo o liberalismo individualista, vem renovar o conceito de função social, que não é mais do que a ordenação ao bem comum da colectividade. Quando na Constituição Política e no Estatuto do Trabalho Nacional se diz que «a produção deverá realizar o máximo de riquezas socialmente útil» enuncia-se uma utilidade que supera o máximo edonístico individual. E tal utilidade social também não é o máximo edonístico colectivo como soma ou maioria do máximo edonístico individual, pois bem pode acontecer que só venha a beneficiar gerações futuras.
Quando, porém, se acentua a função social -e aqui está o perigo- pode caminhar-se, mesmo sem intenção de fazê-lo, para o socialismo. Já veremos como a função social tem sido invocada como justificação para certas formas de intervenção e como conduziu a modificações conceituais antes impossíveis e insuspeitadas.
Tem-se identificado -bem ou mal, não importa - a função social com a utilidade pública. E, assim, quando se procede a nacionalizações opera-se, sem dúvida, uma extensão do serviço público.
Pode, efectivamente, não haver senão a intenção de satisfazer a uma necessidade colectiva, mas o acto, em si mesmo, não difere de um acto de socialização.
Quando se estabelece um monopólio as razões determinantes podem não ser as mesmas, mas o acto não deixará de parecer de idêntico sentido. Quando o Estado se associa aos particulares nas chamadas sociedades de economia mista pode não o fazer apenas a título de encorajar e estimular a iniciativa privada, mas para
dirigir certas zonas económicas, assimilando-as ao serviço público.
E já não falo do novo sentido dado ao imposto, que de meio de obter receitas para custear serviços tem agora novas funções não compreendidas no seu conceito clássico. Eis o declive perigoso do qual é necessário defender o próprio Estado por meio de instituições apropriadas.
A omnipotência e omnipresença do Estado, reduzindo o corpo de aplicação e desenvolvimento da iniciativa privada, são uma perturbadora limitação, que excede a sua função normal, e devem ser contidas em justos limites.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E passo agora à proposta em dissão:
O pensamento corporativo, mesmo em pleno liberalismo, não deixou de estar presente ao espírito de alguns homens atentos aos problemas do seu tempo. Extintas em 1834 os velhas corporações, já em plena desactualização e agonia, logo em 1840 Silvestre Pinheiro Ferreira articulou um «Projecto da Associação das Classes Industriosas», pelo qual procurava reformar a organização social. São dele estas palavras:

A miséria que oprime a classe laboriosa em Portugal está essencialmente conexa com as causas que nos trouxeram o estado político em que 1103 achamos; e tanto aquela como esta desgraça não podem achar verdadeira cura senão em uma adequada e completa reforma da organização social.
Este projecto, verdadeira antecipação corporativa, não mereceu as atenções dos governantes e caiu no esquecimento.
Em 1864, Costa Lobo, na sua tese universitária «O Estado e a Liberdade de Associação», propunha a organização corporativa das três grandes actividades nacionais: a ordem agrícola, a ordem industrial e a ordem comercial.
Organizada cada ordem em três graus territoriais, a partir do concelho e a acabar na província, cada grau era dirigido por um conselho, com funções económicas, sociais e até jurisdicionais, e por ele deveriam ser eleitos os representantes do Poder Legislativo.
Em 1878, Oliveira Martins, no opúsculo As Eleições, faz a exautoração do sufrágio inorgânico e articula a organização de uma Câmara Corporativa, cujo esquema é o que adiante passarei a ler.
Oliveira Martins ao articular uma câmara de função corporativa no fundo pretendeu apenas captar a vontade genial, a vontade nacional, e entendeu que o sufrágio inorgânico era inadequado para a vontade nacional.
São dele estas palavras finais:

As ilusões dos sãos espíritos, por serem ilusões, e os exemplos contemporâneos, pelas suas consequências provadas, concorrem a demonstrar que, se é indispensável que a representação do Poder seja uma realidade, é fora de toda a dúvida que esse desiderato não pode obter-se com os meios que instituições vigentes proporcionam.
Organizar o sufrágio universal pode ser também uma definição do nosso princípio, porque a universalidade das origens do poder político não está para nós na universalidade dos indivíduos, mas sim na totalidade dos órgãos que compõem o corpo social.

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Esquema da composição da representação social

(ver esquema na imagem)

Também este projecto não teve sorte diferente dos anteriores.
Depois, o movimento social católico teve o seu momento culminante e também aqui ganhou entusiasmou. Henrique de Burros Gomes, por 1893 a 1896, foi propagandista apaixonado desse movimento, como bem se documenta nos trabalhos reunidos no volume Convicções. Mais tarde surgiria o C. A. D. C., todo voltado, como era natural, para a, chamada questão social. O Integralismo Lusitano, por último, ultrapassa o aspecto social da organiza-lo associativa e confere-lho a representação política da Nação.
Vê-se, portanto, que o pensamento corporativo se manteve entre nós, embora na prática não tenha ultrapassado a fase sindical.
Só agora esse pensamento vai, finalmente, concretizar-se em sistema.
A definição mais completa de corporação é a que se estabelece no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 29 110, de 12 de Novembro de 1938:

As corporações são constituídas por todos os organismos corporativos de grau inferior, que nelas se 'integram segundo as grandes actividades nacionais ou os ramos fundamentais da produção, e neste último caso abrangerão normalmente o ciclo económico dos produtos.

Da própria lei resulta que se afastaram os critérios de organização por categoria e produto, certamente por multiplicarem sem vantagem o número de corporações. E afastados estes critérios dimensionais ficam-nos os da grande função económica ou grandes actividades nacionais e do grande ramo de produção. Qual o preferível?
O Doutor Marcelo .Caetano defendeu a organização por grandes actividades nacionais; os Doutores Teixeira Ribeiro e Fezas Vital inclinaram-se para o critério de grande ramo de produção.
A organização da Câmara Corporativa, bastante maleável, vai da função económica ao ramo de produção e ao produto.
Os dois critérios fundamentais legalmente consagrados têm vantagens e inconvenientes. O da função económica, adoptado na proposta de lei em discussão, reduz a cinco as corporações, e isso é talvez uma vantagem, mas tem dois inconvenientes. Um deles assinala-o o Doutor Teixeira Ribeiro e vem a ser o de distribuir «por organismos distintos actividades que se encontram intimamente ligadas por laços de instrumentalidade ou complementaridade, isto é, que pertencem ao mesmo complexo económico». O outro, quanto a mim, é o da dimensão económica da corporação, demasiado vasto e complexo, e que, por isso, não facilitará o rendimento do seu trabalho.
Por mim, inclinar-me-ia para os grandes ramos da produção pelas razões invocadas. Não desconheço, porém, a objecção que pode fazer-se a este critério, e é a de dar maior relevância ao fim económico do que ao social. Creio, todavia, que a objecção respeita mais a uma aparência do que à realidade.
Uma vez que estão definidas as funções da corporação, pode até dizer-se que, mesmo organizadas por grandes actividades económicas, se quis atender mais à sua função social, esbatendo-se a sua função económica. De resto, a experiência dirá em que medida devem manter--se as corporações tal como a proposta as organiza e quais as secções que acabarão por autonomizar-se em corporações.
Mais delicado e talvez mais importante é o problema dos poderes ou competência das corporações.
Questão delicada, em corporativismo de associação, tem sido debatida já por vários autores.
Manoïlesco defendia a corporação autónoma, actuando no mesmo plano do Estado.
Georges Renard, apreciando os poderes conferidos ao Estado pelo artigo 31." da nossa Constituição Política, escreveu:

Ë muito! Confiar semelhante missão ao Estado moderno é dar talvez mostras de exagerado optimismo, mas não vejo o que impediria reconhecê-lo, se não a um Estado corporativo, pelo menos à corporação organizada e à Câmara Corporativa ou à jurisdição corporativa integrada na estrutura do Estado.

E Perroux escreveu também:

A corporação stricto sensu é uma realidade autónoma que não é assimilável a qualquer outro organismo de que se poderia ser tentado a aproximá-la por simples analogias exteriores.

Azpiazu, dizendo que a economia corporativa é uma economia dirigida ou controlada, pergunta:

Mas por quem? É aí que está a particularidade desta economia corporativa. Em síntese geral, pelas próprias corporações.

O Doutor Teixeira Ribeiro - A Organização Corporativa Portuguesa- escreve também:

Ora, se a corporação surgiu para libertar a vida económica da política e da burocracia, já pode, sem dúvida, afirmar-se que a economia corporativa

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começa com o corporativismo de Estado, mas só pode dizer-se que ela esgota as suas forças de desenvolvimento, que ela se realiza integralmente com o corporativismo de associação.

O Doutor Marcelo Caetano -Lições de Direito Corporativo- manifestou-se também pelas corporações que exercem o Poder Público no mesmo plano que o Estado e independentemente dele. E justifica a sua preferência escrevendo:

Assim, a teoria da realidade das pessoas colectivas e a teoria do pluralismo jurídico são pressupostos da doutrina do corporativismo puro.
Força é reconhecer que esta é a que melhor satisfaz o espírito e melhor ressalva os direitos da personalidade. O Doutor Marcelo Caetano só tinha dúvidas se seria possível transpor para o plano prático aquela teoria num País onde o Estado é a providência e cujos cidadãos carecem de iniciativa e espírito associativo e não têm nem orgulho corporativo nem independência cívica.

Costa Lobo, como já referi, não só atribuía autonomia às corporações, mas até lhes confiava funções jurisdicionais.
De acordo com os autores citados, as minhas preferências vão porá a autodirecção da economia, para a corporação autónoma, revestida também ela de poder público e agindo com independência. Seria uma forma e desipertrofiar o Estado e prevenir a tendência para o estatismo. Manter-se-ia, deste modo, um campo de livre determinação, sujeito, porém, à aprovação do Estado, ao qual compete definir os objectivos superiores da vida económica nacional.
Há-de dizer-se, porém, e disse-o o digno Procurador Doutor Afonso Queiró, que esse poder de decisão autónoma, sem representação dos consumidores ou fiscalização do Estado, pode ser lesivo do interesse geral.
Quanto à falta de representação dos consumidores finais, como bem o acentuou o distinto professor coimbrão, ainda se não encontrou forma de organizá-la. Embora em qualidade diferente, os consumidores estão representados na corporação, pois quantos nela têm assento são consumidores e não deixarão de velar pelos seus próprios interesses.
Quer dizer: na impossibilidade de organizar a fiscalização dos consumidores organiza-se uma fiscalização que poderá chamar-se institucional. Acresce que as decisões que não incidam sobre matéria disciplinar ou (regulamentar só se tornariam obrigatórias depois de aprovadas pelo Estado. Será, porém, desejável que as corporações usem tão criteriosamente dos poderes de livre determinação, que o Estado possa manter-lhe tal autonomia, por adequação perfeita aos objectivos que viesse a fixar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - De harmonia com o que acabo de expor, não posso deixar de dar a minha concordância à base VII da proposta do Governo com a redacção que lhe deu a Câmara Corporativa.
Quanto ao destino dos organismos de coordenação económica:
Como se acentua no bem elaborado parecer da Câmara Corporativa, os organismos de coordenação económica, instituídos por urgências inadiáveis e por não existirem ainda corporações, foram considerados organismos pré-corporativos e destinados a desaparecer logo que as corporações fossem instituídas. Como organismos transitórios, nasceram para morrer logo que as suas funções fossem assumidas pelas corporações.

É isto o que parece resultar dos relatórios dos textos legais que lhes dizem respeito.
Uma vez que assim é, parece-me razoável o que a Câmara Corporativa propõe nas bases IV e V da proposta.
Pode entender-se que o prazo fixado na base IV é demasiado breve para fazer funcionar plenamente as corporações e que, portanto, não deveria fixar-se um prazo rígido para a supressão dos organismos de coordenação económica.
Suponho, porém, que se fixou data para o efeito, para que se não mantenha, para além do tempo julgado necessário, a existência de órgãos paralelos e de competência igual ou semelhante. Isso não facilitará a eficiência de qualquer deles e pode até ser fonte de conflitos de competência.
Creio ter sido isso o que motivou a fixação da data referida na base IV.
Termino as minhas fastidiosas considerações (não apoiados), fazendo votos por que as futuras corporações satisfaçam às esperanças que nelas todos depositamos, conquistando a paz social pela realização da justiça. Se assim for, o Estado terá conquistado o máximo de poderio e também de prestígio.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Jorge Jardim: - Sr. Presidente: a apreciação da proposta de lei relativa às corporações sugere, antes do mais, o exame de problemas doutrinários em referência aos quais haverá de preferir-se e adoptar-se a estruturação mais adequada.
Importa assim, basicamente, concretizar o sentido, a amplitude e os objectivos sobre que se projecte o corporativismo português, para se analisar da justeza do tipo de estruturação proposta e da medida em que esta permita encaminhar-nos, em passos seguros, cuidadosamente meditados, para a sua efectiva realização.
Por outras palavras: havemos de medir o pensamento orientador da proposta de lei e deter-nos a comentar a sua integração no rumo doutrinário, de há muito definido, com vista à sua completa institucionalização.
Na verdade, se não podemos pretender - até por inibições constitucionais - que o articulado da lei represente, neste momento, um passo definitivo, teremos de exigir que seja um passo firme, dado com a certeza de quem sabe ao que se dirige e que, aceitando caminhar com prudência, não aceita transigir com desvios.
Da apreciação da proposta do Governo e do estudo do parecer da Câmara Corporativa parece resultar que assim é. Na minha intenção desejo apenas sublinhá-lo, formulando alguns comentários que se afiguram úteis neste ensejo.
Rememorando as melhores fontes doutrinárias encontramos a constante afirmação de que o nosso corporativismo não se circunscreve, nos seus objectivos, ao problema económico-social e antes se dirige a preocupações de ordem mais vasta que, contendo aquele importante aspecto, se dirigem à própria estruturação do regime.
Assim se entende que, no caso português, «o corporativismo é um dos traços característicos do regime e a base mais segura em que pode assentar a sua continuidade», o isto porque se está convencido de que e só por meio do corporativismo nós podemos evitar os piores choques da luta de classes no campo social e da tendência para o partidarismo no terreno político». (Salazar, 10 de Julho e 1903).
E já o mesmo pensamento orientador levava a afirmar anteriormente que e o maior problema político da nossa era há-de ser constituído pela necessidade de or-

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ganizar a Nação o mais possível no seu plano natural, quer dizer, respeitados os agrupamentos espontâneos doa homens à volta dos seus interesses ou actividades, 'para a enquadrar no Estado, de modo a que este quase não seja senão a representação daquela com os órgãos próprios para se realizarem os fins colectivos. É este problema que dá transcendência política à organização corporativa». (Salazar, 9 de Dezembro de 1934).
Desta posição doutrinária resulta que se há-de buscar pela via do corporativismo a organização natural da Nação, arredando as fórmulas que contém em si mesmas o germe fomentador do partidarismo e dando aos Portugueses a possibilidade de efectivamente intervirem na condução de coisa pública através da representação orgânica projectada nos órgãos constitucionais.
Não é ainda o momento de discutirmos as possíveis fórmulas a adoptar para n realização plena deste objectivo, mas é a oportunidade de recordarmos o rumo conduzindo a estruturação das corporações em termos de não se registarem desvios orgânicos que impeçam, ou dificultem, que se caminhe para tal fim.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fiéis a esta doutrina, recusámos aos homens o direito a organizarem-se em partidos para buscarem uma condução no labirinto do sufrágio universal. Mas esta nossa posição não tem sentido negativo, porque lhes oferecemos n via da representação autêntica dos .seus anseios através de agrupamentos naturais que são fruto da própria vida e os libertamos da desorientação na escolha arbitrária, e nem sempre esclarecida, do agrupamento partidário forçosamente transitório, sem conteúdo permanente e sem vínculo sólido a ligá-lo -para além da captação do voto- à massa fluida dos que pretende representar.

econhecemos ao homem a máxima liberdade porque lhe damos a possibilidade de ser consciente na escolha dos que o hão-de representar. E respeitamos a plena dignidade da pessoa humana quando lhe pedimos que responda a problemas que são seus e não o perdemos na zona de problemas que outros lhe apresentam como se seus fossem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A esta representação orgânica se devem dirigir as corporações - a criar desde já ou mais adiante-, tendo em mira que a representação que se lhes pede - e que delas os seus hão-de exigir - terá de considerar plenamente aqueles objectivos.
Não negamos direitos aparentes, porque oferecemos direitos efectivos. Não proclamamos liberdades para serem manobradas, mas outorgamos liberdades para serem usadas. Não arregimentamos votos, uma vez que estruturamos a representação de pessoas.
Não seremos, assim, nem um totalitarismo mitigado nem uma democracia depurada. Seremos a Nação, e esta não se reduz a fórmulas políticas, na sua vida, porque tem de- ser ela própria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E daqui decorre o problema da autenticidade representativa da corporação.
Sem que esta se realize plenamente, sem que, desde os elementos primários, o homem sinta que está representado efectivamente com a legítima liberdade de escolha - que pressupõe responsabilidade sua na eleição , sem que reconheça que a sua estrutura corporativa o leva a estar presente junto do Estado -em vez de sentir o Estado a representar-se junto dele pela via da organização -, sem que sinta, numa palavra, que a orgânica se erige com base nele próprio, nunca as corporações serão capuzes de se acreditar e nunca o regime corporativo passará de uma fórmula sem conteúdo vivo.
Contra isso, que pode ser um vício de realização, mas nunca um defeito do sistema, haverão de precaver-se os dirigentes responsáveis e teremos de estar atentos todos nós.
Do Estado corporativo ao corporativismo do Estado vai um mundo de diferença doutrinária. Mas pode ir só um passo pela incapacidade ou comodismo dos homens. Um só passo, mas um passo para o abismo ...
Isso nos, obriga a medir com particular atenção o problema das funções a desempenhar pelas corporações.
Vejo-as como elementos vivos a debaterem os seu problemas próprios, a harmonizarem e conjugarem as funções produtivas no melhor equilíbrio económico e social, D. disciplinarem e orientarem o que se situe nos limites do seu foro, a libertarem o Estado de intervir no pormenor para além do que seja imposto pelo bem comum, a traduzirem livremente as aspirações e anseios que nelas se estruturam, a informarem e a proporem orientações.
Vejo-as, enfim, a ser vigorosas intérpretes dum sentir livremente expresso, como polarização dos interesses que se conjugam no seu seio e compreensão dos limites impostos pelo bem comum.
Vejo-as como expoentes da Nação organizada, mas nunca como órgãos de intervenção na vida económica e social para além daquele seu âmbito de competência.
Essa função, não tio não lhes deve pertencer desde já, como entendo que nunca deverá pertencer às corporações.
A intervenção das corporações na condução- destes problemas haverá de concretizar-se pela sua projecção nos órgãos constitucionais e, daí, na condução da vida do próprio Estado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Mas ao Estudo - e só ao Estado - terá do continuar a pertencer o imperativo (artigo 31.º da Constituição) de assumir «o direito e a obrigação de coordenar e regular superiormente a vida económica e social». Para essa alta missão tem o Estado de considerar a capacidade representativa e esclarecedora das corporações, e mais isso haverá de acontecer quanto mais a estrutura corporativa se desenvolver e se afirmar o seu mérito.
No Estado, porém, deverá permanecer aquela competência. Havendo de ponderar quanto lhe venha das corporações, nem se demite perante elas dos seus deveres e direitos nem lhe é lícito usá-las para a realização daquelas atribuições.
Não se pode enfraquecer o Estado pela instituição das corporações, e antes o veremos fortalecido por se apoiar na autenticidade representativa da organização.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por seu lado, as corporações não podem ser diminuídas, convertendo-as em órgãos de execução do uma política do Estado. Está nisso a salvaguarda da independência da corporação, a sua maior força representativa e o seu prestígio perante as actividades que nela se integrem e os homens que a elas se dediquem.
Confundir as funções representativas com vista à definição de uma política com as funções executivas que resultem de uma política definida parece-me erro perigoso, que, aliás, em passado recente já deu entre nós as suas provas nefastas.

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A organização corporativa não pode, nem por comodidade, ser veículo para a realização da política económica e social do Estado. O que deve é ser elemento de primordial valia para a definição dessa política.
Daqui o não se entender que esteja em causa a existência dos organismos actualmente designados por «de coordenação económicas». Ou, melhor, não se entende que tenha de estar em causa a sua permanência ou duração por motivo de se instituírem as corporações.
Na medida em que estas se estruturem é exacto que para elas devem passar certas funções de carácter corporativo que até agora, e na sua missão de elementos a orgânica pré-corporativa, a esses organismos estavam confiadas. E é ainda correcto que, enquanto necessário e na fase incipiente das corporações, esses mesmos organismos hajam de exercer o encargo de efectuar a ligação entre o Estado e as corporações.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Com todo o gosto.

O Sr. Mário de Figueiredo: - Na alínea b) da base IV da proposta diz-se, não só que as corporações proporão ao Governo, mas também que das corporações poderão emanar regimes normativos, com o assentimento do Governo. Estamos, portanto, em presença de regimes normativos emanados das próprias corporações com assentimento do Governo. Quem os executa?

O Orador: - V. Ex.º, na sua pergunta, parte da premissa de que eu esteja de acordo com o que está escrito nessa base da proposta do Governo. Mas não estou.
Só nestes aspectos se entende que a estruturação das corporações interfira com a sua vida. Mas interfere apenas na absorção de uma limitada zona da sua competência actual e deixa livre aquela outra em que os organismos mencionados se apresentam como instrumentos da intervenção do Estado na vida económica.
Se a estes deve ficar a competência para «coordenar e regular superiormente a vida económica e social», afigura-se, no seguimento do que já se referiu, que ao Estado devam pertencer os apropriados instrumentos executivos, com estrutura e maleabilidade adequadas, e cuja duração, permanência ou extinção deverá ser consequência da própria necessidade, durabilidade ou dispensabilidade da intervenção.
Mas isso é problema diferenciado deste outro da estruturação corporativa.
Ligá-lo, neste sentido, à instituição das corporações seria erro que levaria a admitir a hipótese, que importa arredar desde já, de aquelas se transformarem - ou também serem - em órgãos da intervenção estatal no domínio económico. Seria confundir perigosamente problemas e seria comprometer a característica eminentemente representativa e estruturadora de uma organização que visa fins diversos e situados noutro plano. Seria, em síntese, sacrificar a própria capacidade de a representação orgânica vir a projectar-se no panorama político nacional.
Contra este risco foram já ditas palavras judiciosas quando se afirmou: «O socialismo trouxe-mos a concepção materialista da história, vendo na essência da evolução das sociedades sòmente os interesses económicos na sua acepção mais positiva e independente da superioridade do espírito.
Esta ideia tem o perigo de influenciar aqueles mesmos que, reagindo contra os desmandos liberais e socialistas, defendem o Estado corporativo. A tendência seria assim, porventura, só para a disciplina da produção, pela existência de corporações económicas, e estas mesmas sem grandes preocupações de outra índole. Não é este o nosso pensamento.

Na organização das corporações económicas deve ter-se em vista que os interesses por elas prosseguidos, ou, melhor, os interesses da produção, têm de subordinar-se, não só aos da economia .nacional no seu conjunto, mas também à finalidade espiritual ou destino superior da Nação e dos indivíduos que a constituem». (Salazar, 26 de Maio de 1934).
É a defesa desta característica vincada das corporações que terá de ser acautelada por todas as formas
- na sua estrutura e na sua vida -, sem o que serão conduzidas ao fracasso na sua autenticidade representativa, na sua independência de acção e na realização dos objectivos superiores, a que as queremos ver dirigidas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Se é de lamentar que não se possa desde já obter a integração total mas corporações da representação das actividades dispersas pelas províncias ultramarinas, teremos de considerar, com especial preocupação, a conveniência de não conduzir a orgânica a instituir para terrenos que mais afastem ainda a viabilidade de atingirmos um dia esse fim.
Com efeito, como refere expressamente a Câmara Corporativa no seu parecer, ca organização corporativa ultramarina é ainda mais do que incipiente. Seguro, também, que o problema da representação, neste caso particular, se antevê difícil, porque o factor distância lhe empresta aspectos novos e anormais».
Sem ignorar o mérito de algumas realizações, haveremos, na verdade, de referir quanto se impõe a revisão das disposições legais que para o ultramar determinam o método da constituição dos organismos corporativos, as suas atribuições e estrutura funcional.
Em meu parecer, é inadiável reformar o diploma básico, que, desde 1937, se opõe a que a corporativiza-ção nas províncias ultramarinas possa seguir rumo compatível com a doutrina informadora do sistema. Consinta-se que os organismos possam ser instituídos com carácter efectivamente representativo, se possam adaptar, sem sacrifício da doutrina, às realidades do meio ambiente e correspondam, sem desvios, aos anseios das actividades, e ver-se-á florescer uma estrutura corporativa válida e eficiente, que virá a oferecer a base para a projecção nas corporações, que hoje mão é possível encontrar.
Caminhe-se nesse sentido reformador e no ultramar também se poderá recuperar o muito que se perdeu nos anos que passaram. Mas sem isso nem a dedicação de alguns homens nem a bondade do sistema serão suficientes para que se possam alcançar os objectivos desejados.
Traduzidos para a sua escala, os problemas estruturais dos organismos corporativos no ultramar suo, aliás, os que tive ensejo de mencionar para as corporações cuja instituição apreciamos. Dê-se-lhes pronto remédio e não se desperdice mais tempo, que já foi bastante aquele que, na senda errada, consentimos que passasse sobre nós.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Deixemos, porém, este rápido apontamento sobre a posição do corporativismo no ultramar- que não se encontra em causa, uma vez que na proposta de lei o Governo entendeu não o poder abranger, em face das realidades, na estrutura a definir - e retomemos a análise do quadro estrutural sugerido para as corporações, para medirmos da sua inserção na doutrina e objectivos que ficaram referidos.
Os dois rumos que se oferecem, e que se afastam diametralmente, situam-se, respectivamente, ou no ca-

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rácter eminentemente representativo da organização, com possibilidade de vasta projecção na própria condução da vida do Estado, ou na predominância da função económico-social, com a consequência de dispor de expressão representativa e maior desenvolvimento da capacidade de intervir naquele âmbito.
Num dos caminhos, a estruturação corporativa a ser voz da Nação; no outro, a ser condutora das suas actividades económicas. Em ambos os casos, a servir o bem comum, mas em posições diferentes quanto à possibilidade de intervir na sua definição.
E com isto quero dizer que ou escolhemos uma estrutura organizada a partir das funções exercidas no conjunto nacional ou com base nos interesses que se agregam em torno dos ramos da produção, assente normalmente no ciclo económico dos produtos.
Os dois critérios oferecem possibilidades de defesa; o que se afastam é nos seus objectivos.
Perante a doutrina que recordei, e em face das preocupações que dela resultam, não hesito em afirmar a minha concordância ao primeiro - acompanhando a fórmula proposta pelo Governo - e o meu afastamento do segundo, e, portanto, do que preconiza a Câmara Corporativa no seu parecer.
E isto porque me mantenho firmemente apegado ao sentido de corporativismo como sistema integrador de toda a vida nacional e não como organizador da representação de interesses e seu condutor no âmbito económico-social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Opto, em suma, pela possibilidade de ver representada a Nação no quadro constitucional através da estrutura corporativa, em vez de aceitar que esta seja conduzida para a defesa de interesses desarticulados no conjunto e sua coordenação, nos limites do ciclo produtivo, embora com vista ao bem comum por outra via definido.
As experiências de outros - doutrinàriamente diversas do nosso conceito corporativo - já demonstraram que a organização vertical pode ser útil para a eficiência da acção dirigista do Estado, mas não respondem aos anseios do movimento representativo que nos interessa concretizar.
Por estes fundamentos, votarei a proposta governamental e, pelos mesmos, haverei de propor alteração substancial àquele aspecto em que a proposta de lei parece afastar-se da doutrina e de si própria quando se ocupa da posição dos organismos de coordenação económica, confundindo, ao menos na aparência, as atribuições da intervenção do Estado com as funções que à corporação devem pertencer.
Sublinho, desde já, que não defendo -e nem discuto, por não ser esta a oportunidade- a existência ou conservação de tais organismos. O que mantenho, e por isso me oponho à fórmula governamental neste importante aspecto, é que, como atrás foi dito, se não podem confundir problemas e dar a ideia de que as corporações, pela possibilidade de absorção de funções intervencionistas na vida económica que ao Estado sempre devem pertencer, se virão a afastar do rumo doutrinário que lhes está definido.
De tudo resulta o meu convencimento de que, à parte essa correcção, a proposta do Governo permite realizar, ainda quando o não afirma, a plenitude da doutrina que corresponde aos anseios de muitos homens e permite afastar a Nação de riscos que de outra forma se hão-de deparar no seu caminho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Outro ponto está em saber quando haveremos de dar o passo - esse definitivo - que projecte a estruturação corporativa nos órgãos constitucionais, terminando com certa posição de equilíbrio entre conceitos divergentes e transigência com princípios cujo possível prestígio resulta mais de hábitos mentais do que do valor próprio.
Isto é: para quando estará a realização plena da revolução corporativa, iniciada há longos anos no respeito do nosso melhor rumo histórico e tradicional; ou, melhor ainda, se chegou a oportunidade ou ainda nos havemos de atardar em aguardá-la.
Aceito a posição de que «devemos operar com prudência e segurança, como é método nosso já conhecido, uma transformação profunda na essência e na orgânica do Estado» (Salazar, 13 de Janeiro de 1934), mas não esqueço que, «como adeptos de uma doutrina, importa-nos ser intransigentes na defesa e na realização dos princípios que a constituem», e ainda que, «nestas circunstâncias, não há acordos, nem transições, nem transigências possíveis». (Salazar, 23 de Novembro de 1932).
Com isto quero afirmar que, se admito limitação aos . anseios daqueles que, como eu, desejariam que se caminhasse mais rapidamente na realização da revolução nacional corporativa, não posso ser indiferente a que se viesse a ceder quanto às suas directrizes ou quanto à firmeza do seu progresso.

O Sr. Melo Machado: -V. Ex.ª dá-me licença?
Suponho que, entre as palavras que proferiu, V. Ex.ª citou que o orientador de todo este espírito corporativo tem sido o Sr. Presidente do Conselho ...

O Orador: - E exacto, e creio que V. Ex.ª também não o duvida ...

O Sr. Melo Machado: - Evidentemente; mas, se assim é, temos de concluir que, continuando S. Ex.º o Presidente do Conselho a ser o supremo árbitro ...

O Orador: - Se me permite a interrupção, devo dizer que V. Ex.ª parece ir concluir como eu concluirei ...

O Sr. Mário de Figueiredo: - Até parece que o Sr. Deputado Melo Machado já conhecia o discurso do Sr. Deputado Jorge Jardim.

O Sr. Melo Machado: - Muito obrigado! Provou-se assim, mais uma vez, que a bom entendedor meia palavra basta.

O Orador: - Foi pena não conhecer o que vou dizer, porque certamente me daria desde logo a sua concordância, que espero não me negue no fim.
Está nisso, de resto, a própria legitimidade filosófica de certas restrições que temos imposto e a razão moral da posição que sempre temos definido contra aqueles que pretenderiam seguir rumo diferente.
E, se havemos de ser inflexíveis quanto às tentativas de desvio que alguns sugerem e outros pretendem impor, não podemos deixar de ser igualmente firmes pelo que se refere a nós próprios, uma vez que sem a consciência e certeza do que queremos, para bem da Nação, não nos seria lícito opor-nos ao que outros pudessem desejar.
Entre os que situam as suas aspirações no melhor terreno, alguns pretenderiam que a revisão constitucional antecedesse a estruturação das corporações e outros ambicionariam que esta imediatamente se lhes seguisse.

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Por mim tenho que nenhuma transformação poderá ser útil sem que assente numa consciência esclarecida que a imponha, e situo as minhas aspirações na afirmação de que a revisão constitucional se impõe como uma necessidade que não devemos retardar mais do que o indispensável nem acelerar mais do que seja aconselhável.
Proceder de outra forma conduziria ou a sacrificar a doutrina ou a arriscar a sua realização. Por causas diferentes as consequências seriam muito semelhantes.
Na ordem externa não encontramos hoje motivos para retardamento, uma vez que o pensamento internacional - onde nos poderia interessar considerá-lo - não evidencia tendência doentia, como há poucos anos revelava, para apreciar o regime próprio de cada país para além dos seus reflexos no convívio das nações e na colaboração honesta e eficiente na defesa de princípios que já eram nossos antes de outros os proclamarem como seus.

O Sr. Furtado de Mendonça: - Não é assim que pensam os cinquenta intelectuais ...

O Orador: - Suponho que ao interromper-me neste momento V. Ex.ª os situa na ordem externa, pois desse aspecto me estava a ocupar.
Na ordem interna, o sentir da Nação é claro quanto ao repúdio de regressos indesejados a sistemas entre nós desacreditados e, até, de fadiga quanto à conservação, ainda que minorada nos seus perniciosos efeitos, de formas de sufrágio que não gozam nem do respeito dos que a eles são chamados nem da confiança quanto à sua idoneidade.
Havemos, pois, de nos decidir por fundamentos objectivos que só podem assentar no aperfeiçoamento do sistema realizador da doutrina corporativa, na correcção dos desvios impostos pelas circunstâncias a alguns elementos da estrutura e no revigoramento das certezas que nos conduzem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os Portugueses esperam que se lhes diga quando poderão efectivamente ver realizada a doutrina que se mês ofereceu em troca do que repudiaram por forma inequívoca. Até lá é compreensível que alguns atentem mais em certos aspectos negativos do que nos progressos feitos para erigir o regime.
Tudo está em que não se faça esperar mais do que seja estritamente necessário. Isso importa muito u legitimidade moral da nossa posição.
O corporativismo é para alguns uma experiência e para outros uma certeza. Seja como for, estando seguros do rumo, não podemos quedar-nos sem aceitar a realização da experiência, se queremos demonstrar a nossa certeza.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: -Se tudo se pode perder por precipitação leviana, também poderemos - pender tudo -e irremediavelmente - por hesitação demasiada.
E a história não perdoaria, nem num nem noutro caso, aos que, tendo erguido a Nação, não revelassem serenidade para decidir e fortaleza de ânimo para consolidar a obra realizada.
Para quando? É esta a pergunta.
Temos, graças a Deus, de quem confiar a resposta.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem! Muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente:-Não está mais ninguém inscrito para a discussão na generalidade, nem durante ela foi suscitada qualquer questão prévia que obste à apreciação deste diploma na especialidade.
Considero, portanto, aprovada a proposta na generalidade.
Durante a discussão na generalidade foram apresentadas várias propostas de alteração, que vão ser lidas à Câmara.

Foram lidas. São as seguintes:

BASE I

Propomos que seja intercalada a palavra «coordenar» entre as palavras «fim» e «representar».
10 de Julho de 1906. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE II

Propomos que seja constituída pela base VII, com a seguinte redacção:

1. As corporações são pessoas colectivas de direito público.
2. O reconhecimento da personalidade das corporações será feito por decreto, sob resolução do Conselho Corporativo.

10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE V

Propomos que seja constituída pela base IV, com a seguinte redacção:

São atribuições da corporação:

a) Exercer as funções políticas conferidas pela lei;
b) Coordenar a acção das instituições ou organismos corporativos que a constituem e regular as relações sociais ou económicas entre eles tendo em vista os seus interesses próprios e os fins superiores da organização ;
c) Representar e defender, nomeadamente na Câmara Corporativa e junto do Governo e dos órgãos da Administração, os interesses comuns das respectivas actividades;
d) Promover a realização e o aperfeiçoamento das convenções colectivas do trabalho e intervir nas negociações a elas respeitantes;
e) Promover a organização e o desenvolvimento da previdência, das obras sociais em beneficio dos trabalhadores e dos serviços sociais corporativos e do trabalho;
f) Propor ao Governo normas de observância geral sobre quaisquer matérias de interesse para a corporação e, em especial, sobre a disciplina das actividades e dos mercados; ou, com assentimento do Estado, estabelecer essas normas com vista, designadamente, a colaboração entre o capital e o trabalho, ao aperfeiçoamento da técnica e aumento da produtividade do trabalho, aos menores preços e maiores salários compatíveis com a justiça social;

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g) Desenvolver a consciência corporativa e o espírito de cooperação social, bem como o sentimento de solidariedade de interesses entre todos os elementos que a compõem;
h) Fomentar o estado dos problemas relativos ao seu sector de actividades, bem como impulsionar e desenvolver a cultura técnica e a preparação profissional;
i) Dar parecer ao Governo sobre todos os assuntos que lhe sejam submetidos;
j) Conhecer dos recursos interpostos das decisões de natureza disciplinar dos organismos que a integram e, quando solicitada, tentar a conciliação nas controvérsias entre patrões e trabalhadores.

10 de Julho de 1956.- Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE VI

Propomos que seja constituída pela base v, com eliminação do n.º l, que já ficou constituindo a alínea í) da base anterior.
Os números 2 e 3 passarão, respectivamente, a 1 e 2.
10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE IX

Propomos que seja substituída pela seguinte:

1. A corporação tem um presidente, eleito pelo conselho a que se refere a alínea a) da base anterior.
2. Compete ao presidente representar a corporação em juízo ou fora dele e presidir às reuniões dos conselhos da corporação e das secções, bem como à direcção.
3. Cada conselho de secção elegerá um vice--presidente, que presiderá normalmente aos respectivos trabalhos.
4. Os vice-presidentes das secções são também vice-presidentes do conselho da corporação e o presidente designará aquele de entre eles que há-de servir como vice-presidente da direcção, sendo este também o seu substituto no conselho da corporação; na falta ou impedimento de ambos a substituição far-se-á segundo a ordem de antiguidade dos restantes vice-presidentes.
5. No caso de na corporação não existirem secções o vice-presidente será eleito nas condições estabelecidas para a eleição do presidente.

10 de Julho de 1956.- Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE X

Propomos que os n.º l e 2 sejam substituídos pelos seguintes:

1. A composição do conselho da corporação será fixada por decreto, de forma a assegurar o necessário equilíbrio da representação, tendo em vista o valor económico e social das actividades integradas e o de outros interesses a que se entenda conveniente dar representação. Essa composição será definida em especial para cada uma das corporações a instituir, devendo participar do conselho representantes das instituições ou organismos corporativos que a constituem, bem como, com voto meramente consultivo, os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica que junto dela funcionem.
2. Compõem os conselhos das secções representantes das instituições ou organismos corporativos interessados e, com voto meramente consultivo, os presidentes ou directores dos organismos de coordenação económica cujas atribuições respeitem às matérias do âmbito da secção, observando-se o critério estabelecido no número anterior quanto ao equilíbrio da representação.
N.os 3 e 4 sem alteração.

10 de Julho de 1956.-Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE XI
Propomos o aditamento do seguinte n.º 3:

3. Nas corporações morais e culturais, a forma de designação dos representantes das instituições que nelas devem participar será regulada especialmente, para cada caso, pelos diplomas instituidores das referidas corporações.

10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE XII

Propomos a substituição do n.º 3 pelo seguinte:

3. O Governo poderá solicitar do presidente de qualquer das corporações interessadas a reunião conjunta das secções de diversas corporações sempre que nisso haja manifesta conveniência.

10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE XIII

Propomos que as palavras «ouvido o» sejam substituídas por «sob resolução do».
10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

BASE XV

Propomos que seja substituída pela seguinte:

O Governo promoverá a instauração de corporações morais e culturais, cabendo-lhe definir quais os ramos de actividade social que devem ser considerados corporações na ordem moral e cultural ou a elas equiparados.

10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

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1346 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 167

BASE XVI

Propomos que seja substituída pela seguinte:

Às corporações instituídas em cumprimento do disposto nas bases XIV e XV caberá representar na Câmara Corporativa as respectivas actividades.

10 de Julho de 1956. - Os Deputados: António de Almeida Garrett, Augusto Cancella de Abreu e Francisco de Melo Machado.

Proposta de substituição

Proponho que a base III passe a Ter a seguinte redacção:

Os organismos de coordenação económicas enquanto for julgado necessário, funcionam como elementos de ligação entre o Estado e as corporações, devendo os seus órgãos representativos, sempre que possível, ser constituídos pelas secções destas.

Sala das Sessões, em 13 de Julho de 1956.-
O Deputado, Jorge Jardim.

Proposta de aditamento

Acrescentar a seguir à alínea f) da base XIV da proposta de lei n.º 37 uma nova alínea:

g) Corporação do Vinho do Porto.

Assembleia Nacional, 12 de Julho de 195G.- Os Deputados: Sebastião Garcia Ramires, António Russell de Sousa, Carias Alberto Lopes Moreira, Manuel Maria Murtas Júnior, Alexandre Aranha Furtado de Mendonça, Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso, Urgel Abílio Horta, João de Paiva de Faria Leite Brandão, Vasco Mourão e José Sarmento de Vasconcelos e Castro.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão. A próxima será na terça-feira, 17 do corrente, tendo por ordem do dia a discussão na especialidade do presente diploma e a autorização para o Chefe de Estado se ausentar do País.
Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Abel Maria Castro de Lacerda.
André Francisco Navarro.
António Calheiros Lopes.
António Pinto de Meireles Barriga.
Daniel Maria Vieira Barbosa.
Manuel Maria de Lacerda de Sousa Aroso.
D. Maria Leonor Correia Botelho.
Teófilo Duarte.
Srs. Deputados que faltaram à sessão:
Adriano Duarte Silva.
Agnelo Orneias do Rego.
Amândio Rebelo de Figueiredo.
António Carlos Borges.
António Russel de Sonsa.
António dos Santos Carreto.
Artur Proença Duarte.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
João Afonso Cid dos Santos.
João Alpoim Borges do Canto.
Joaquim de Moura Relvas.
Joaquim de Sousa Machado.
José Dias de Araújo Correia.
José Gualberto de Sá Carneiro.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Luís de Azeredo Pereira.
Luís Filipe da Fonseca Morais Alçada.
Manuel Cerqueira Gomes.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Magalhães Pessoa.
Manuel Maria Sarmento Rodrigues.
Manuel Marques Teixeira.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Mário Correia Teles de Araújo e Albuquerque.
Miguel Rodrigues Bastos.
Pedro de Chaves Cymbron Borges de Sousa.
Pedro Joaquim da Cunha Meneses Pinto Cardoso.
Ricardo Vaz Monteiro.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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