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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIA DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 34

ANO DE 1962 17 DE FEVEREIRO

ASSEMBLEIA NACIONAL

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 34, EM 16 DE FEVEREIRO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs.
Fernando Cid Oliveira Proença
António Moreira Longo

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 31 e 32 do Diário das Sessões, com uma rectificação do Sr. Deputado Sousa Meneses quanto ao n.º 31.
Leu-se o expediente.
Para os efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, foram recebidos na Mesa os n.ºs 30 e 33 do Diário do Governo, 1.ª série, inserindo diversos decretos-leis.
Usaram da palavra os Srs. Deputados André Navarro, sobre a infiltração das actividades comunistas; Gamboa de Vasconcelos, acerca da questão dos aeroportos nos Açores; Marques Lobato, para tratar de problemas de interesse para a província do Moçambique, e António Santos da Cunha, que se referiu a assuntos ligados ao distrito de Braga.

Ordem do dia. - Continuou a discussão na generalidade na proposta de lei de arrendamento da propriedade rústica. Usou da palavra o Sr. Deputado Pinto de Mesquita. O Sr. Presidente encerrou a sessão às 10 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 16 horas.

Fez-se a chamada, à qual responderam, os seguintes Srs. Deputados:

Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto dos Beis Faria.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Gonçalves de Faria.
António Magro Borges de Araújo.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.
Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.

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Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Egberto Rodrigues Pedro.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando António da Veiga Frade.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco José Lopes Roseira.
Francisco José Vasques Tenreiro.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Buli.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Bocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Augusto Correia.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Fernando Nunes Barata.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Luís Vaz Nunes.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebelo Valente de Carvalho.
José Mendes Pires da Costa.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Bocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José Pinto Carneiro.
José Soares da Fonseca.
José Venâncio Pereira Paulo Rodrigues.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Le Cocq de Albuquerque de Azevedo Coutinho.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
Manuel Tarujo de Almeida.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.

ui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Simeão Pinto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Virgílio David Pereira e Cruz.
Vítor Manuel Dias Barros.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 109 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.
Eram 16 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia

O Sr. Presidente: - Estão ora reclamação os n.ºs 31 e 32 do Diário das Sessões, correspondentes às sessões de 9 e 13 de Fevereiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Meneses.

O Sr. Sousa Meneses: - É para apresentar a seguinte rectificação ao Diário das Sessões n.º 31: na p. 712, col. 1.ª, 1. 21, onde se lê: «... embora não tenham força para dominar ...», deve ler-se: «... sempre que a força seja necessária para dominar ...».

O Sr. Presidente: - Se mais nenhum Sr. Deputado deseja fazer qualquer reclamação, considero os referidos números do Diário aprovados, com a rectificação apresentada ao n.º 31.

Deu-se couta do seguinte

Expediente

Telegramas

Do delegado escolar Vaz, de Celorico da Beira, acerca do exercício do lugar de delegado escolar.
Do presidente da Câmara Municipal de Espinho apoiar a intervenção do Sr. Antunes de Lemos acerca da restauração de algumas comarcas.
Vários a apoiar as considerações do Sr. Cutileiro Ferreira no debate acerca da proposta de lei relativa ao arrendamento da propriedade rústica.

O Sr. Presidente: - Para efeitos do disposto no § 3.º do artigo 109.º da Constituição, estão na Mesa os n.ºs 30 e 33 do Diário do Governo, 1.ª série, de 10 e 14 do corrente, que inserem os seguintes decretos-leis: ,n.º 44 184, que autoriza o Ministério do Exército a mandar admitir à Academia Militar, a título excepcional e por uma só vez, para futuro ingresso nos quadros permanentes das armas, oficiais milicianos e estabelece as respectivas condições; n.º 44 186, que regula o provimento de vários e ligares do quadro do pessoal do Fundo das Casas Económicas, criado pelo Decreto-Lei n.º 44 020; n.º 44 187, que manda aplicar a discriminação e repartição estabelecidas pelo Decreto-Lei n.º 36 779 ao adicional sobre a contribuição industrial liquidado a favor das juntas distritais, nos termos do artigo 784.º do Código Administrativo, e n.º 44 188, que aprova para ratificação a emenda modificando a última alínea, A-3, do artigo 6.º do Estatuto da Agência Internacional de Energia Atómica.
Tem a palavra o Sr. Deputado André Navarro.

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O Sr. André Navarro: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: destina-se esta minha intervenção na Assembleia Nacional a pôr o País em guarda contra a perigosa ofensiva comunista que, avassalando o mundo contemporâneo, está, no presente, empregando o seu extraordinário poder e métodos eficientes de desagregação e de destruição, atacando Portugal nos seus próprios fundamentos materiais e espirituais. Esta batalha em que estamos envolvidos na metrópole e no ultramar não permite, de facto, que qualquer português digno deste nome se mantenha alheado da luta. Ela é, na realidade, de rida ou de morte e está em jogo o território pátrio e a existência espiritual da Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Oito séculos de história missionária nas cinco partes do Mundo constituem objectivo básico a destruir pelas forças do mal. Liquidado este activo valioso da civilização cristã, ficaria, na verdade, aberto à invasão dos bárbaros, além do território imenso da Pátria lusa, a sua projecção inapagável no Mundo.
Por isso estas minhas palavras de aviso deverão ser tomadas e ouvidas no seu real significado, como um alerta para todos tomarem neste momento, com firmeza, tis suas posições - homens, mulheres e jovens da minha Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sei, por experiência própria, já antiga, que este meu falar me colocará de novo na primeira linha perante as hostes cobardes da subversão. Não me importa tomar de novo esta posição, digo-o com a maior sinceridade, ela até me é muito grata. E só peço a Deus que quando chegar o minha hora eu esteja de pé defendendo o património que herdámos e que havemos de transmitir íntegro aos vindouros, e que a Pátria honrada que nos abençoou seja a minha derradeira e bela visão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Quem atenda, com justeza, a situação relativa dos dois blocos políticos em luta no Mundo contemporâneo, o extenso e demogràficamente denso bloco comunista, que domina quase l bilião de almas, compreendendo, entre outros, povos eslavos, mongóis, mal aios, chineses, indianos e muitos outros j e o conjunto designado por bloco ocidental da Europa e sua projecção no Mundo, facilmente verifica que o número de reveses e de vitórias de cada um destes conjuntos de nacionalidades, a partir da última grande guerra, é deveras significativo para definir o sentido actual da luta nesta guerra revolucionária movida pelo comunismo internacional contra o bloco da civilização cristã.
Assim, e untando apenas aspectos relacionados com os sucessos da mais perturbadora heresia político-social que atingiu o Mundo, o notável escritor francês general Pierre Billote, mini artigo que tem por título o «Considérations stratégiques», faz as seguintes considerações, algumas das quais julgo do maior interesse destacar, como apoio do que me proponho dizer: a Os segredos do Kremlin estão bem guardados», dizia o general Billote; «seria bastante presunçoso e ao mesmo tempo imprudente tentar imaginar as intenções soviéticas, tanto mais que é característica da sua doutrina preparar planos comportando múltiplos desenvolvimentos de acção, de uma extrema complexidade de concepção, mós de uma grande maleabilidade de aplicação. Mas conhecemos a sua doutrina política, o seu pensamento militar, as suas realizações e, igualmente, em larga medida, o seu potencial de guerra no momento actual do curso dos armamentos. Isto permite estabelecer um certo número de hipóteses plausíveis sobre os objectivos estratégicos que a política soviética não pode deixar de encarar.
Desde que se obteve a certeza de que Estalinegrado seria salva, a política russa, sossegada sobre a forma como terminaria a guerra contra a Alemanha, começou a ter como fim supremo limitar ao máximo a vitória dos ocidentais e conseguir condições de paz mediante as quais pudesse atingir um dia a paz bolchevista».

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - «As conferências de Teerão e de Ialta satisfizeram plenamente as preocupações soviéticas. A conferência de Potsdam foi-lhe igualmente favorável. O trampolim mancha que lhes foi concedido não podia deixar de fornecer sucesso final a Mao Tse Toung contra Tchang Kai-Chek; o Leste europeu subjugado, a Alemanha ocupada e dividida em quatro zonas e o exército vermelho em Thuringer Wald, tudo isto era de molde a dar todos as probabilidades de êxito aos partidos comunistas da Europa Ocidental. Depois da entrega destes dons gratuitos e pelo facto de os anglo-saxões se manterem obstinados no prosseguimento da sua política do apaziguamento, os sovietes podiam julgar, com segurança, que iriam atingir rapidamente, sem darem um tiro, toda uma série de objectivos assinalados por Lenine e por Estaline. Era suficiente utilizar os recursos da sua estratégia ampla. Uma tal estratégia supõe a existência de um exército vermelho muito potente, perante o qual os Estados ocidentais devem temer a todo o momento e em todo o lugar a intervenção, mas exclui operações de guerra conduzidas pelo exército vermelho. Pelo contrário, toda uma série de outros meios cujo emprego foi minuciosamente ensinado na Academia Frunze, no Instituto Lenine, na Escola Revolucionária Anticolonialista de Tinis ... ou na Escola de Bobigny tem o seu lugar nesta estratégia; acção política, acção económica, acção psicológica, acção subversiva, conflitos militares conduzidos por potências interpostas, etc.
Mal terminaram as hostilidades com a Alemanha e o Japão, a U. R. S. S., sem qualquer condicionalismo, inicia as suas diversas operações, simultaneamente, na Lrente europeia e nas retaguardas asiáticas: Muitas foram bem sucedidas, algumas malograram-se perante as reacções ocidentais, que tentaram, então, elevar, apressadamente, diques perante o fluxo crescente da maré comunista.
Nos países do Leste europeu e da Alemanha Ocidental desapareceram rapidamente todos os vestígios democráticos no seu Governo e na sua administração. A Finlândia e a Grécia conseguiram escapar à justa, a segunda depois de uma guerra civil atroz e graças a potentes meios militares americanos. A França e a Itália mal se livraram da subida ao poder de governos da Frente Popular, de direcção comunista. A China imensa em três anos passa de um campo ao outro. A Coreia do Sul só permanece ao lodo das nações livres à custa de uma grande guerra. O Vietname do Norte foi subtraído à União Francesa depois de nove anos

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de luta. Em 1956 dá-se uma pausa, no Sudeste asiático, e, de resto, os novos senhores do Kremlin referem-se muitas vezes à «política de apaziguamento» inaugurada em Genebra em 1955, ao mesmo tempo que em Moscovo se lançava a política de «destalinização». Mas, simultaneamente, depois dos preliminares norte-africanos, começa a batalha pelo Mediterrâneo. O intermediário, mais ou menos consciente e em geral mais que menos -, do bolchevismo é desta vez o pan-arabismo e pan-islamismo, que imitam o expansionismo chinês e que atacam agora as retaguardas imediatas do mundo ocidental, no próprio flanco da Europa atlântica.
Duas noções impõem, porém, aos sovietes uma certa prudência e imprimem às suas manobras um ritmo menos rápido do que eles desejariam. A primeira é a noção profunda e antiga que eles têm por experiência do desenvolvimento dos povos de cor. Há muito tempo que os russos, sobretudo os militares, são muito sensíveis ao perigo amarelo e o espírito de independência manifestado por Mao Tse Toung muitas vezes os tem inquietado.
Os apelos repetidos de Nasser para a unidade do mundo islâmico, do qual a U. R. S. S. conta no interior das suas fronteiras 40 milhões de representantes, ressoaram também desagradàvelmente aos seus ouvidos. Assim, torna-se necessário aos sovietes amortecerem estas tendências, constantes ou esporádicas, contrárias & sua estratégia, e recompô-las, sem cessar, segundo uma resultante dirigida contra o mundo ocidental.
A segunda noção, não menos importante na opinião dos sovietes, é a da eventualidade de uma agueira preventiva» que poderiam desencadear os Estados Unidos se se sentissem gravemente ameaçados. Em face desta dupla eventualidade, tornou-se forçoso para os sovietes encararem e estruturarem uma grande estratégia de aniquilação do mundo atlântico».
Para esta deliciosa situação do mundo ocidental, contribuíram, como afirmava o general Billote, não só o insucesso diplomático do Ocidente nas conferências de Teerão, de Ialta e de Potsdam, como a política de abandono dos territórios imensos da comunidade britânica, sob a égide dos partidos trabalhista e conservador, digamos políticas calculistas eleitorais destes partidos, e ainda mais a incompetência dos responsáveis políticos e militares americanos, bem como a dos dirigentes europeus na condução do rescaldo da grande guerra mundial nos territórios do Médio e do Extremo Oriente.
Isto não significa, porém, é conveniente desde já acentuá-lo, que os resultados conseguidos de domínio territorial nesta primeira fase da guerra revolucionária e de conflitos localizados após o findar da grande guerra, correspondam a uma comunicação efectiva das populações de tão vasta área. Os exemplos polaco, húngaro, alemão oriental, ucraniano, coreano e de muitos outros, embora de menor vulto, demonstram, na realidade, até que ponto é grande e cada vez mais se acentua a reacção dos povos dominados pela ditadura do partido comunista, associado ao proletário da indústria pesada e ao exército vermelho, e, ainda mais, quão lentamente esta heresia político-social tem tido dificuldade em penetrar no próprio âmago da Rússia Soviética e da China popular. Refiro-me à reacção permanentemente activa das classes mais numerosas dos suas heterogéneas populações - as centenas de milhões de camponeses que labutam em tão vasta área.
É assim que o partido comunista russo e o comunismo activo desse país não abrange ainda hoje, decorrido quase meio século de sovietização do país, mais de 10 por cento da população total do território euro-asiático, não tendo conquistado senão em escala mínima as populações agrícolas. Posição análoga ocupa o comunismo chinês. Contudo, estas minorias comunistas de excepcional virulência política têm-se mostrado suficientemente capazes de perturbar profundamente todo o resto do mundo civilizado e não civilizado.
Com o desenvolvimento dos nacionalismos afro-asiáticos, estimulados inicialmente pelos Estados Unidos da América e mais tarde pela Rússia Soviética e China Popular, e pela acção levada a cabo pelos países orientadores do comunismo internacional nos organismos dependentes das Nações Unidas, com o apoio da nação norte-americana, pais interessado, materialmente, na conquista de novos mercados e de regiões ricas em matérias-primas industriais, bem como dos partidos socialistas da Grã-Bretanha e de outros países europeus em fase de suicidas nacionalizações e adoptando vários slogans de elevado efeito psíquico-colectivo nos domínios da vida política e social de povos subevoluídos, entre os quais o do virulento anticolonialismo; digo, a marcha para o Ocidente do comunismo internacional, nesta guerra revolucionária dirigida pela Rússia, tem sido feita numa progressão inquietante e ainda mais acentuada nesta última fase, designada por a da coexistência pacífica».
E assim é que no curto período do último quinquénio este movimento fez avançar o comunismo desde as fronteiras estabilizadas após a última guerra mundial, atingindo hoje já as costas ocidentais do Indostão e do Atlântico, na África Ocidental, mais acentuadamente nas novas repúblicas tribais da Guiné e do Ghana. E, a completar este movimento ofensivo, o comunismo russo-chinês instalou ainda importante testa de ponte junto das costas americanas - prolongando assim tão vasta acção ofensiva até Junto das principais defesas do hemisfério ocidental. E tudo isto sem que os seus dirigentes tenham sacrificado, como afirmara o general Billote, um único soldado. Simples jogo inteligente de xadrez nesta guerra, cuja estratégia o mundo ocidental ainda não conseguiu compreender.
Isto apenas quanto a conquistas já consolidadas. Em todo o resto do mundo ocidental, porém, os partidos comunistas consentidos ou de actividades clandestinas continuam, e cada vez com mais vigor, a sua importante missão de desagregação progressiva das resistências europeias e americanas, com o fim de prepararem, com êxito predeterminado, novos golpes estratégicos e consequentes avanços.
Gomo único inêxito grave nesta última fase da guerra revolucionária, e que possivelmente poderá vir a provocar reviravolta sensacional na luta do império comunista contra o mundo livre, se este souber compreender ainda a tempo a posição assumida por Portugal nesta dura batalha, deverá destacar-se a tentativa anteparada da gloriosa luta de Angola ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... etapa fundamental, prevista na estratégia ofensiva russa para a conquista rápida de toda a África Central e do Sul, e que deveria anteceder o objectivo final da América Latina.
Se não tivesse sido este o desfecho da primeira fase desta ofensiva vencida em Angola por portugueses de todas as raças e se, pelo contrário, as forças pró-comunistas da U. P. A. e outras, conjugadas com as do capitalismo maçónico americano, a coberto de maus

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pastores, tivesse atingido os objectivos designados pelo alto comando soviético, já hoje as fronteiras do mundo ocidental teriam recuado mais uns milhares de quilómetros, com perda definitiva de um manancial importantíssimo de matérias-primas de que a Europa necessita como base das suas actividades industriais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O Brasil seria, na América do Sul, como fácil presa, a primeira base a conquistar depois. E de facto, com sincronismo perfeito, o que mostra bem o cuidado e a ciência político-militar do estado-maior que planeia a ofensiva revolucionária russa, elementos comunistas e criptocomunistas ocupavam, e ocupam ainda, no Brasil posições-chave para a luta que se antevia breve no sentido da instituição no hemisfério sul de uma nova república popular «tipo Cuba».
Esta, em síntese, a situação actual dos dois blocos em luta.
Vejamos agora, numa rápida analise, para melhor compreendei- as causas do sucesso destes avanços rápidos do comunismo internacional, o provável sentido e algumas das principais linhas estratégicas já denunciadas pelo inimigo nesta luta, bem como a sua progressão desde o momento em que um grupo de elementos políticos responsáveis do mundo ocidental concedeu criminosamente trunfos de excepcional valor ao único inimigo que o Ocidente poderia vir a temer logo que a Alemanha hitleriana, na última grande guerra, denunciou a impossibilidade de conquistar uma vitória pela armas.
E é interessante verificar hoje quê são elementos intimamente ligados a esse grupo, que procuraram também destruir a Espanha nacionalista, os que hoje atacam Portugal em todas as suas frentes, aliados com o comunismo russo e com elementos pró-comunistas integrados no trabalhismo inglês e socialismos escandinavos, com o objectivo de anular sistematicamente as principais bases ide defesa da Europa.
Não devemos esquecer, na realidade, que esse agrupamento - o American Comitee on África -, ligado intimamente ao presidente americano que foi triste comparsa das conferências de Teerão, de Ialta e de Potsdam, é exactamente o mesmo que dirige e subsidia dispendiosas campanhas na África e na América em vários meios, especialmente no universitário, no jornalístico, da rádio e da televisão e que reúne meios materiais destinados a lutar contra a presença no continente negro do mundo ocidental, representado hoje nesse território pelo único país com tradições verdadeiramente missionárias e que desde sempre desenvolveu uma política de igualdade de direitos de todas as ruças assimiladas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Como são também agrupamentos comunistas e criptocomunistas brasileiros a ele associados os que apoiaram e apoiam o itinerante Jânio Quadros, responsável máximo pela situação difícil que está atravessando a nação irmã ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - ... noção de etnia muito semelhante a das províncias portuguesas de África e cujo Governo tem alinhado na O. N. U. ao lodo dos inimigos de Portugal, negando assim os primores da sua própria existência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Já não faltará, mesmo, encontrar uma imagem fidelista para ã América do Sul. Não se evidenciará, talvez, pelas barbas, mas sim por óculos de tartaruga a disfarçar diabólicas vistas - direi menos mamífero carnívoro, mas, decerto, mais réptil venenoso. E então teremos, certamente, a desdita de assistir à destruição, em pouco tempo, dessa admirável nação, pletórica de perspectivas de desenvolvimento económico e social, imagem lusíada no continente americano e que a sábia política iniciada pelo presidente Kubitschek prometia levar a posição de realce excepcional no mundo contemporâneo.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não é por acaso, decerto, que os seus amigos vão tomando, também, aqui, na nossa terra, posições de realce em vários sectores da vida nacional, camuflados pelo comunismo internacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As decisões das conferências cie Teerão, de Ialta e de Potsdam abriram, assim, na realidade, as portas do mundo ocidental à onda eslava, parada há séculos junto dos antigos limites territoriais do Império Bom ano e só anteparada no pós-guerra, nas actuais fronteiras europeias, pela avisada política do general Marshall e por via de uma Alemanha rapidamente recuperada, mercê da acção patriótica de um povo pletórico de energia e de saber.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O- Orador: - Infelizmente a actual orientação política americana vai destruindo, nos seus malfadados passos, todo o admirável trabalho desse grande político, anulando progressivamente os principais pontos de apoio da economia europeia em via de integração. E isto com o assentimento suicida de alguns países altamente industrializados, como a Grã-Bretanha.
Quanto ao resto do continente europeu haveria algo ainda a dizer daquele país que desfruta de benefícios incalculáveis derivados da obra colossal de um grande estadista romano, tão temido pelos elementos comunistas, e ainda dos inexperientes escandinavos, sofrendo de neurastenia socialista, hoje, também, pára-quedistas em África, lutando contra o Ocidente a soldo cio comunismo internacional e da finança maçónica.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O tempo, porém, não sobra para tais pormenores, e por isso vamos concluir estas considerações preliminares, traçando, sumariamente, as directrizes actuais da ofensiva comunista contra o mundo ocidental.
Caminhando do leste para o oeste, facilmente se denuncia, hoje, uma primeira linha de força dirigida no sentido da Austrália e da Nova Zelândia, passando através da Indonésia. O auxílio comunista ao Governo de Sukarno, dia a dia mais avultado, em material de guerra e em especialistas da arte militar e de subver-

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são, não tem outro objectivo que não seja o domínio do Extremo Oriente australiano, fonte importantíssima de matérias-primas e de produtos agrícolas de largo consumo no continente europeu.
A Indonésia será apenas, assim, simples ponte de passagem para a conquista deste derradeiro domínio da coroa britânica. Que ingenuidade, pois, a desse representante da Austrália na O. N. U. ao atacar numa das últimas sessões desse organismo comunizado a defesa que Portugal está fazendo em Angola do mundo ocidental contra as investidas do inimigo!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O mesmo inimigo que, dentro em breve, atacará, impiedosamente, o seu próprio país.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Virão então, possivelmente, à luz do dia, os primores dos métodos, tão auto-elogiados, da colonização britânica, que na Austrália, por exemplo, conseguiram de facto a aquiescência total dos povos indígenas. E, contudo, bom dizer, que desses indígenas australianos só existirão hoje raros descendentes em alguma reserva da natureza e alguns, direi, algures, para constituir em momento próprio o Governo livre da Austrália.
Vejamos agora a segunda linha de força da estratégia geral comunista. Ela está directamente dirigida no Japão. Já foram sintomáticas as reacções populares japonesas, conduzidas habilmente pelos partidos comunista e socialista, impedindo a visita do presidente da República dos Estados Unidos, general -Eisenhower, nos últimos tempos da sua investidura presidencial. Repetiram-se, agora, nos meios intelectuais, universitários e sindicais, na presença de um elemento da família Kennedy, que, pelos vistos, não está preparado para colóquios deste melindre político.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não nos devemos admirar, pois, que se verifique, em dado momento, conjunção de interesses, inicialmente económicos e mais tarde políticos, como os da China popular. Circunstâncias raciais, a ignorância americana com referência aos problemas essenciais da vida de outros povos, interesses económicos opostos, não levam, de facto, a crer qualquer possibilidade de colaboração efectiva nipo-americana. E assim, mais uma vez, no Extremo Oriente, veremos os Estados Unidos semear dólares, que, germinando, darão apenas ienes e rublos ...
Outra flecha está sendo dirigida pela Rússia Soviética através do Indostão, com a colaboração activa do comunismo português e do camuflado no trabalhismo britânico, como ponto de partida para uma acção mais vasta sobre a África Meridional. As populações indianas dispersas já em larga escala, no Sul e no Leste do continente negro, constituiriam a guarda avançada deste movimento, que a O. N. U. está estimulando, de resto, conscientemente, com o treino de importantes efectivos gurkas nas forças dos capacetes-azuis, ocupando já pontos vitais do Congo ex-belga. E a acentuar a intenção, o convite feito recentemente para que os soldados indianos mandem ir as suas famílias para se fixarem no Katanga.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O porto de Mormugão, extorquido por Nehru a Portugal, digamos à Europa cristã, será a base aeronaval ideal para o apoio dessa ofensiva dirigida contra a África do Sul, Rodésias e província portuguesa de Moçambique. E os Estados Unidos e a Grã-Bretanha continuam, contudo, o primeiro a distribuir generosamente dólares aos indianos e o segundo a colher libras dos mesmos indianos, fazendo, porém, ambos, infelizmente, como já vai sendo norma, apenas o jogo da Rússia. Não sabemos, contudo, se este coincidirá, desta vez, com o jogo chinês. Façamos votos paru que assim não aconteça.
Outra linha de força da estratégia comunista, atravessando o Médio Oriente, território de importância fundamental para a Europa, quer debaixo do ponto de vista económico, quer como ponto de passagem obrigatória para o Extremo Oriente, hoje já provido de quadros comunistas numerosos, e mesmo, em certos sectores, de elementos russos especializados, como acontece, em maior escala, no Iraque, está dirigida no sentido de atingir a costa atlântica no Noroeste do continente negro, englobando a conjunto do Magrebe. Esta linha de força da estratégia comunista está em ligação íntima com a dirigida contra os territórios portugueses da África Ocidental.
Finalmente, o porta-aviões insular Cuba procurará, na altura oportuna, quando devidamente dotado de rampas de mísseis e antimísseis atómicos, fazer a separação dos dois blocos de resistência do mundo ocidental - a Europa e a América do Norte. Por aqui se poderá inferir desta resumida antevisão da estratégia comunista o interesse que os dois países, dotados já em larga escala de elementos ofensivos atómicos, devem ter pelos arquipélagos que são cristas da antiga Atlântida. Isto pela influência que podem vir a ter essas hipotéticas bases na anulação ou, pelo contrário, no reforço de acções estratégicas de importância vital para a decisão desta luta sem quartel declarada há muito entre os dois sentidos da vida humana - a do homem livre e a do homem escravo. Bestará saber como foi dividido, por conluio russo-americano, o espaço vital dos dois blocos, pelo infeliz tratado de Tordesilhas do século XX ...
Vejamos agora como se vai efectivando, no bloco europeu, a penetração progressiva das forças subversivas, conduzidas no sentido de diminuir a resistência material e espiritual deste importante sector do Ocidente.
Dominados, como já se afirmou, com a traidora aquiescência dos responsáveis ocidentais, nas conferências do pós-guerra, os antigos estados derivados da coroa austro-húngara, e ainda a Bulgária, a Roménia, a Polónia e os Estados Bálticos, a Europa Ocidental, digo, ficou totalmente sujeita ao progresso das forças comunistas.
O facto de a Espanha haver sofrido, tempos antes, o choque violento das forças comunistas, mas de as ter conseguido dominar, no fim de um guerra cruenta, que matou cerca de 1 000 000 de espanhóis e que destruiu bens e haveres sem conta, foi, certamente, obstáculo importante à comunização europeia no pós-guerra-mundial e condição de valor para o êxito da melhoria da situação económica levada mais tarde a cabo por viu do Plano Marshall.
As tentativas feitas pelo partido comunista francês para dominar, nessa época, a França, ocupando posições do maior realce na estrutura política, militar o administrativa desse grande país, por via da Frente Popular, não surtiram, assim, o efeito desejado, como

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também as manobras do partido comunista italiano, o segundo mais numeroso da Europa, teve, por análogas razões, inêxito semelhante.
Por outro lado, a dificuldade de fazer pender para o lado comunista a Alemanha social-cristã levou os estrategas russos a procurar atacar as retaguardas deste colosso industrial, restituído, após a guerra, num espaço de tempo record, seguindo a táctica conhecida por acção periférica, utilizando os partidos socialistas e aparentados de aquém-Reno. E isto, pela mesma razão por que o comunismo francos, no decurso da última guerra, lutou inicialmente a favor de Hitler, para depois o atacar após u reviravolta das relações germano-russas.
Posição igualmente conducente à mesma finalidade estratégica, embora noutro clima político, a do comunismo italiano, aproximando-se ou afastando-se do socialismo de Neni, hoje de braço dado com a ala esquerda progressista da democracia cristã.
Estas mudanças tácticas, incompreensíveis para todos aqueles que ainda acreditam que a estratégia e a diplomacia comunistas sigam a desactualizada ortodoxia ocidental, suo, contudo, efectivamente os caminhos escolhidos pelo comunismo para, sem olhar a meios, atingir os fins. A este respeito é também sintomática a posição das forças subversivas da Península, ora sob a influência da directiva francesa, ora da italiana, conforme as conveniências de momento.
Chegou a haver nos jornais clandestinos do partido comunista português - refiro-me a números seguidos do Avante - o elogio e a exautoração de Estaline, conforme os ventos sopravam da França ou da Itália.

O Sr. Pinheira da Silva: - Muito bem!

O Orador: - Presentemente, não será também, assim, já Togliati o orientador da subversão no território português, pois a presença de muitos milhares de trabalhadores nacionais e de antigos terroristas congoleses em França levou, decerto, a passar para Duelos a maestria da acção. Ela encontra-se neste momento, em Paris, mais próxima dos centros preparadores de Praga, onde, científica e tecnicamente, suo instruídos os futuros responsáveis pela subversão comunista em territórios da Península e da África Portuguesa.
Na Inglaterra o comunismo está penetrando, principalmente, devido à dificuldade de alargar a sua acção às mossas trabalhadoras, nos organismos profissionais, especialmente nos sectores que mais podem vir a influenciar a vida económica, da nação. É o caso das indústrias eléctricas e dos transportes.
A greve experimental de 24 horas dos vários sectores ligados à indústria eléctrica, verificada há poucos anos e que paralisou praticamente a vida inglesa durante esse período, foi, de facto, sintoma alarmante da profundidade já atingida pelo comunismo no ambiente profissional desse país. E, como foi necessário tomar posições-chave nos sindicatos, não hesitaram os comunistas ingleses em falsificar os próprios resultados das eleições para dirigentes sindicais, o que só há pouco tempo foi denunciado.
Mas é especialmente no ataque à juventude, com o objectivo de constituir, a partir dela, viveiro activo de agentes de ideias, marxistas, gérmenes de futuras e vastas acções revolucionárias, que se concentra, em grande parte, nesta fase da guerra fria, a acção dissolvente do comunismo internacional comandado pelos dirigentes russos e chineses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Após o insucesso dos festivais da juventude, realizados no seu próprio território, por se ter verificado ser impossível esconder dos olhares perscrutadores da massa juvenil as misérias do proletariado rural e da maioria do operariado da pequena indústria, organizaram-se, como sucedâneos, viagens comandadas, quer para profissionais já doutrinados em Paris ou Praga, quer para a juventude das pseudo-nações nascidas da operação anticolonial, viagens ao paraíso da escravatura. Compreendem elas, como não pode deixar de ser, paragens junto das grandes obras públicas e unidades da indústria pesada, a trabalhar para a guerra, bem como a visita de algumas explorações agrícolas colectivas devidamente seleccionadas.
Por isso, quanto a festivais da juventude, agora só no estrangeiro mais facilmente controlável, como na Áustria, pois mesmo para estudantes retirados há pouco da vida tribal bastará mostrar aspectos da antecâmara do paraíso soviético. E assim se evitam desejos e perguntas inoportunos ou indiscretas.
Mas não é só com festivais que a juventude é conduzida, habilmente, para caminhos errados, pelos doutrinadores comunistas do materialismo.
Toda uma estruturação professoral elaborada para os vários graus do ensino, seleccionando, para cada caso, os elementos mais capazes para captar o interesse nos diferentes estados de evolução da juventude. E como as cátedras são invioláveis, não se poderá trabalhar, na realidade, com objectivos subversivos, em atmosfera mais calma e aliciante. E para que o trabalho seja mais profundo e rápido, vá mesmo de organizar uma nova categoria - a dos estudantes profissionais, que se mantêm por tempo indefinido nos postos dominantes, para execução integral do plano de contaminação e de assimilação da juventude escolar. E esses elementos mudam com frequência de escolas, de faculdades e até de universidades, de acordo com os mesmos fins.
Não nos devemos, pois, admirar de que no organismo estrutural do comunismo da juventude portuguesa estejam previstas mudanças frequentes dos «cábulas profissionais» de Coimbra para Lisboa e para o Porto e vice-versa.
E quando não chegam estes meios, atrai-se o estudante para o mau teatro, para o colóquio conduzido e para os convívios, ou ainda para os concertos ou reuniões literárias. E para tal, tudo serve. Basta escolher programas, autores e actores.
Teatros de estudantes, juventudes musicais, cineclubes, páginas literárias, tudo são hoje meios para atingir os mesmos antipatrióticos fins. Mudam-se, por vezes, os figurantes, quando se mudam, mas a representação é sempre a mesma, só varia o cenário. E & mínima reacção contrária do activo não captado ou do neutro mais sensível, acordado do sono letárgico, logo a estrutura comunista da juventude se adaptará às novas posições tácticas, criando rápidos antídotos para destruir os efeitos psicológicos das boas iniciativas. São tudo processos muito conhecidos da guerra revolucionária e, assim, há muito descritos nas revistas da especialidade. Não vale a pena, pois, insistir.
O que interessa aos elementos dirigentes do partido comunista e oposições assimiladas é que as forças nacionalistas e patrióticas não realizem nada de efectivo capaz de consolidar a paz social. A sua táctica orienta-

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-se assim sempre no sentido de acentuar contrastes. Eis a razão por que elementos do partido não identificados, é claro, digamos camuflados de monárquicos, de republicanos ou ide católicos progressistas, alinham com frequência nas assembleias, mesmo nas altas assembleias políticas, nas administrações e direcções de colectividades, defendendo posições capazes de acentuar o que na linguagem marxista se designa por contradições do regime capitalista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Julgo, por exemplo, bem entendido, em relação ao caso nacional, o que significa a recente corrida de elementos janistas portugueses para certos postos de comando. Estejamos atentos e será fácil então ver o sincronismo da sua acção com a campanha pró-janista em progresso na república irmã.
É a juventude o principal manancial a garantir a continuidade das nações. Se a Europa continuar, porém, a deixá-la entregue a esses agentes da guerra revolucionária, mal irá a defesa da civilização que nos une. E a forma de actuar não é deixá-la espontaneamente escolher caminhos nesta encruzilhada tortuosa que o comunismo internacional, técnica e cientificamente, gerou para a dissolução de todas as forças do Ocidente. E necessário, sim, compreender os seus justos anseios, compreender também o clima e as consequentes determinantes do século em que vivemos. E mão é só a válvula enganadora da educação física e dos desportos que resolverá assunto de uma tal gravidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não; teremos de ir mais fundo e mudar o cenário que enganosamente lhes apresenta o adversário e procurar chamar ao contacto com ã juventude, para a esclarecer, elementos que a saibam de facto compreender e guiar pelo caminho da verdade, despertando-lhe gostos, anseios artísticos que não sejam origens de aberrações humanas e resolvendo os seus verdadeiros problemas e quê Conduzam também os mais aptos para a investigação no sentido de criar mais obreiros capazes de dar ao povo português condições de vida mais feliz o mais sã.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não é, com eleito, com mentores comunistas ou pró-comunistas camuflados de apolíticos, nas escolas, nas oficinas, nas empresas, nas repartições, nas Universidades, nas artes, nas ciências e nas letras que Portugal poderá continuar, de facto, a trilhar o caminho que oito séculos de história gloriosa nos apontam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente, desta tribuna apelo para o Governo para que, corajosamente e sem hesitações, ampute os membros doentes e os tumores malignos e cauterize as chagas já abertas e que dê àqueles que serão os futuros dirigentes da Nação a certeza de que a geração que gloriosamente se bate no ultramar, e que bem exprime o verdadeiro sentido do que nesta Pátria constitui o eterno, não possa ser, em qualquer momento, traída na retaguarda.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou terminar. E terminar como comecei.
O momento que passa não é de paz, é de guerra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O momento que passa é de luta acesa em todos os sectores e em todas as frentes e não é de perigosas transigências com neutros, cobardes ou medrosos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As hostes inimigas já pisaram as nossas fronteiras e macularam o sagrado território nacional.
Homens, mulheres e jovens de Portugal, de todos os credos e de todas as raças! Caminhemos, pois, alegremente para a luta, reunidos em volta do grande chefe que Deus nos concedeu neste momento ímpar da nossa história.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Gamboa de Vasconcelos: - Sc. Presidente, Srs. Deputados: o assunto que hoje me leva a erguer voz nesta Assembleia é um assunto regional, mas de tal interesse e urgência para a própria articulação do agregado nacional que eu ouso esperar não só de VV. Exas. a melhor atenção, mas ainda do Governo a mais pronta actuação.
Os Açores essa vaga «ilha» que os portugueses da metrópole julgam perdida no meio do Atlântico, sem outro valor que não seja o de servir de ponto estratégico à cobiça da América - são um arquipélago de nove ilhas dispersas, com a área total de 3400 km- e uma população de mais de 336000 habitantes, superior, portanto, à de toda a cidade do Porto e quase três vezes maior do que a população branca de Angola e de Moçambique reunidas.
Esta população, descendente directa dos pioneiros das Descobertas que ali chegaram e se fixaram há mais de 500 anos, é ainda hoje fiel e atenta sentinela de Portugal nas rotas do Novo Mundo.
Ali ela enfrenta heroicamente as iras frequentes da Natureza, aguentando, sem medo, os estremeções vulcânicos da terra, os ímpetos revoltos do mar e as fúrias desabridas das tempestades. Ali ela sofre estòicameute as múltiplas agruras da distância e da escassez do solo, suportando as mais enervantes demoras, as mais extremas privações e tis mais árduas tarefas e canseiras.
Ali ela vive, resignadamente, o drama da sua elevada densidade demográfica, lançando, dolorosamente, ao mar da emigração boa parte dos filhos que a terra não comporta e redúzindo a nível quase desumano as comodidades e os direitos de grande parte daqueles que nela ficam.
Particularmente em S. Miguel, onde a densidade atinge 225 habitantes por quilómetro quadrado ou, melhor, mais de 325 por cada quilómetro aproveitado, a vida é dura e penosa até mesmo para aqueles que não pedem exclusivamente à enxada o pão de cada dia.
Ora nos Açores tudo gira em volta da agricultura, da pecuária e da pesca. Os seus produtos, em bruto ou depois de transformados em pequenas unidades industriais, ou são consumidos nas próprias ilhas ou- suo exportados para a metrópole e para a estrangeiro, em troca de tudo o mais que lhes falta e que não é pouco.
Um activo comércio, embora grandemente dificultado e onerado por fretes e alcavalas de toda a ordem, a que

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se juntam incompreensivas taxas alfandegárias, até para os artigos de origem nacional, e injustas proibições de entrada na metrópole de certos produtos, como, por exemplo, o álcool e o tabaco, torna possível a vivência dessas centenas de milhares de açorianos, a despeito das arrevesadas condições geográficas, económicas e sociais, graças à existência de transportes marítimos e aéreos.
Não fossem, na verdade, as caravelas do infante, e os Açores não teriam sido descobertos em 1432 nem o seu povoamento viável a partir de 1440.
Não fosse o constante aumento da tonelagem dos barcos, através dos tempos, e não teria sido possível a. fixação de tamanho caudal de gente em tão longínquas paragens.
Não tivessem surgido, nos últimos anos, os grandes aviões de passageiros, e muitos ilhéus teriam já desertado das suas terras por lhes ser impossível a vida ao ritmo dos nossos dias.
Os transportes são, para todos os povos; elementos importantíssimos de desenvolvimento e de progresso. Mas se são essenciais até mesmo para aqueles que habitam os continentes, para os homens das ilhas e, sobretudo, das ilhas pequenas, eles suo verdadeiros glóbulos sanguíneos imprescindíveis à sua própria existência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vem isto a propósito da sombria perspectiva que paira sobre os Açores em virtude da diminuição, ou supressão, da escala de Santa Maria nas carreiras a áreas internacionais.
Os Açores não ficam na rota dos paquetes que demandam a África, a América do Sul ou a América Central, nem são visitados, mensalmente, por dezenas de barcos de turismo, como sucede à ilha da Madeira.
Apesar de estarem no paralelo de Nova Iorque, também não são escala dos navios que, da Europa, se dirigem para ali, ou vice-versa.
As suas comunicações marítimas (afora os minúsculos barcos que fazem serviço de transbordo de carga e passageiros entre as ilhas ou simplesmente de carga entre estas e o continente) estão apenas asseguradas, entre as capitais dos três distritos insulares e Lisboa, pela simples e demorada viagem quinzenal, com paragem na Madeira, de um paquete de pequena ou de média tonelagem da Empresa Insulana de Navegação e, de S. Miguel para o Norte da Europa ou, eventualmente, para os Estados Unidos, pelas incertas viagens de pequenos cargueiros da companhia Carregadores Açorianos.
Se não fossem, pois, os aviões estrangeiros da linha das Américas que, até há pouco, diariamente e em poucas horas, os ligavam ao continente, os açorianos estariam ainda hoje condenados, como lia 50 anos, a só poderem contactar regularmente com a metrópole de 15 em 15 dias e, irregularmente, com o resto do Mundo de mês a mês ou quando as conveniências comerciais dos barcos de carga assim o permitissem.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - E essa condenação não a merecem nem a podem suportar os homens das ilhas.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O problema das comunicações aéreas dos Açores estava, em parte, resolvido, como se deixou já antever, pela necessidade obrigatória que os aviões tinham de se reabastecer a certa altura da viagem, para poderem galgar, com plena carga, a enorme distância que separa as costas do Velho e do Novo Continente.
Essa imperiosa necessidade tinha levado os americanos a construírem, durante a última guerra, dois enormíssimos aeroportos, um na ilha Terceira (Lajes) e outro na ilha de Santa. Maria, que, depois de muitos e relevantes serviços prestados a eles e aos ingleses na luta contra os submarinos alemães que então torpedeavam impiedosamente as suas frotas marítimas, passaram, depois de insistentes e difíceis negociações, para a inteira jurisdição portuguesa, ficando o da Terceira ainda sujeito ao contrato, que agora termina, de servir as necessidades militares americanas do pós-guerra e o de Santa Maia completamente livre para o tráfego aéreo comercial.
Era, pois, neste esplêndido aeroporto, que só tinha, para grande parte dos açorianos, o inconveniente de ficar situado numa ponta do arquipélago (e numa ilha onde residia apenas 4 por cento da sua população), que os grandes aviões transoceânicos pousavam todos os dias nos dois sentidos.
Os habitantes das outras ilhas, ou utilizando os dois antigos aviões de reduzida lotação, como -S. Miguel e Terceira, ou servindo-se de dois pequenos barcos de cabotagem, como Graciosa, S. Jorge, Pico, Faial Flores e Corvo, lá percorriam dezenas ou centenas de milhas em busca daquela «terra de promissão», que lhes permitia levantar voo para toda e qualquer parte onde urgia defender os seus interesses.
A necessidade de uma escala intermédia de reabastecimento cessou, porém, com a entrada ao serviço dos novos aviões a jacto, possuidores de grande raio de acção.
E este grande aeródromo, que chegou a ter instaladas no seu terminal todas as companhias de navegação aérea das rotas do Atlântico Norte, viu, de repente, debandarem as agências e, logo a seguir, começarem a rarear as aterragens semanais nas suas pistas, de forma a serem, no final de 1961, ainda 22 na direcção leste-oeste, mas apenas 4 no sentido oeste-leste.
Os voos neste sentido, já por serem em número reduzido, já por se realizaram somente das 9 horas e 35 minutos das quintas-feiras Tis 2 horas e 40 minutos dos sábados, ou seja, praticamente, em apenas dois dias seguidos da semana (quintas e sextas-feiras), têm já causado enormes contrariedades e prejuízos aos habitantes dos Açores.
O pior, porém, é que estes mesmos voos, já de si insuficientes, estão em perigo de desaparecer completamente logo que as obras de alongamento das pistas do aeródromo de Lisboa permitam o descolamento dos grandes jactos com plena atestação de carga e combustível.
Os Açores estão, assim, na iminência de ficarem privados de ligações aéreas comerciais com a Europa e a América por todo o ano corrente, prazo em que a Aeronáutica Civil pensa poder dar por concluídas as obras da Portela.
E, nestas circunstâncias, urge, desde já, estudar com cautela e resolver com largueza este grave problema, de importância vital para o arquipélago.
E digo com cautela e largueza porque os Açores não aspiram apenas à vida apagada e triste que têm levado, como ilha perdida ou esquecida nu meio do Atlântico.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

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O Orador: - Os Açores têm direito a romper, sem demora, com a mediocridade que estrangula a sua vida presente e limita as perspectivas da sua vida futura.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Particularmente S. Miguel, onde labutam, dificilmente, mais de 170 000 portugueses de boa lei e onde Deus espalhou, às mãos cheias, incomparáveis tesouros de beleza paisagística, tem de ser olhada de forma mais vasta e mais real do que aquela que os seus escassos 747 km2 deixam perceber nos mapas rio instrução primária ...

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - É indispensável dimensionai- os seus problemas noutra escala que não seja aquela que aconselhou os engenheiros de há 25 anos a construírem na majestosa doca de Ponta Delgada uns míseros e obsoletos caisinhos em T, que agora se estão a entulhar por milhares de contos, e que levou ns engenheiros de hoje a erguerem no mesmo porto, em vez de uma ampla doca seca onde pudessem limpar o casco e reparar avarias de fundo todos os navios nacionais ou estrangeiros que dela carecessem, um pobre plano inclinado para barcos até 10001, que não serve sequer para varar a maioria das pequenas unidades da frota açoriana ...

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - É preciso que se não desperdicem quantias elevadas, como se pretende fazer agora, na simples aquisição de um pequeno rebocador de atracação ou de manobra portuária, quando se necessita, nos Açores, de um grande e potente salvádego, capaz de enfrentar as bravezas do oceano numa zona de anti-ciclones, tão sujeita a trágicos sinistros marítimos.
Sirvo-me deste facto apenas para tornar mais evidente a pequenez da medida em que se tem projectado ou executado, nos últimos tempos, os problemas da vida açoriana e não me atrevo a tocar agora na exiguidade de propósitos que informam outros campos da actividade insular, como, por exemplo, o do turismo, porque estes requerem ser tratados com maior desenvolvimento noutra intervenção. E se os trago à pluralidade do conhecimento desta Assembleia, no momento em que tão-sòmente me proponho tratar das comunicações aéreas, é porque me seria penoso verificar que, logo após a efectivação de qualquer solução menos ponderada ou discutida, ou aparentemente mais fácil e económica, neste sector, se houvesse caído nos mesmos erros padronais ou funcionais que tanto têm eucurtecido os nossos horizontes e tanto dinheiro nos têm feito gastar leviana ou inutilmente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No estudo do problema das ligações aéreas dos Açores dois aspectos têm de sei- considerados ao mesmo tempo: o dos voos propriamente ditos e o dos aeródromos de que a realização desses voos depende.
1) O dos voos pode ser resolvido ou pelas dez companhias estrangeiras que ainda hoje tocam, irregularmente, em Santa Maria, ou por unia carreira nacional que fizesse, regularmente, a linha da América do Norte com- escala pelas ilhas adjacentes, ou por uma carreira também nacional que se limitasse ao trajecto
Lisboa-Funchal-Sintra Maria, deixando o percurso da Venezuela, dos Estados Unidos e do Canadá para as companhias dos outros países. Em qualquer dos casos a ligação das ilhas entre si seria feita pela Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, que tão longa experiência tem dessas cartas viagens, ou por outra qualquer empresa semelhante.
A primeira solução teria a enormíssima vantagem de pôr não só os açorianos em comunicação com a metrópole e com os vários pontos da Europa e da América, mas também os estrangeiros destes dois grandes continentes em contacto com os Açores.
O turismo, essa fonte inesgotável de receita e de divisas, encontraria assim, na rota normal das suas caprichosas preferências, quase sem querer, a realidade viva das ilhas atlânticas em toda a sua pujante beleza.

O Sr. Armando Cândido: - Muito bem!

O Orador: - Soubéssemos nós arranjar devidamente a casa e facilitar com presteza o acesso aos seus jardins que nem sequer a propaganda desses encantadores atractivos correria de nossa conta ...
Além dessa primordial vantagem, que, para os Acures, repito, é enormíssima e da qual, posso já acrescentar, depende em grande parte a melhoria do seu futuro, outras surgem também e de capital importância: a de ficarem os habitantes das ilhas servidos, desde já, por grandes e numerosos aviões a jacto, que lhe reduziriam o tempo de Santa Maria a Lisboa a escassa hora e meia e o custo das viagens de ida e volta a simples escudo e meio por milha, ou seja 50 por cento do preço normal das passagens.

O Sr. Sousa Meneses: - Muito bem!

O Orador: - Tudo vai era que a Pan America, a Canadian Pacific, a Air France, a K. L. M., a Swissair, a T. W. A., a Avianca, a Ibéria, a Viasa, a Guest e outras companhias, como a Alitalia, e te., depois de verificarem que os voos intercontinentais directos e o aumento de lotação dos aparelhos não lhes deram o acréscimo de tráfego que supunham no início da concorrência, se queiram sujeitar contratualmente à obrigação de paragens semanais e certas em Santa Maria, em troca não só dos pequenos mas não desprezíveis interesses comerciais para uma escala intermédia, como sejam os do transporte de mala, passageiros, turistas e emigrantes, mas ainda da concessão de maiores facilidades e menores encargos, que iriam desde a abolição dos incompreensíveis vistos consulares dos passaportes, que se não exigem na metrópole, u redução imediata de 50- por cento das taxas de utilização, de forma a torná-las iguais às de Lisboa, e, finalmente, ao estabelecimento decisivo de um grande aeroporto franco.

O Sr. Armando Cândido: - Muito bem!

O Orador: - Era, realmente, convertendo Santa Maria em grande aeroporto franco que se conseguiria rapidamente aumentar ou, melhor, iniciar o caudal de visitantes de que as ilhas tanto carecem e merecem e com ele o interesse das companhias estrangeiras pela escala dos Açores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E não se pense nem se diga que a promulgação dessas medidas implicaria na baixa de rendimento do aeroporto ou levantaria sérias dificuldades

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à fiscalização ou defesa da soberania nacional, porque condenado à diminuição ou, dentro de poucos meses, à extinção da sua receita actual, já ele está com a deserção parcial ou total dos aviões das carreiras internacionais, e a ilha de Santa Maria é tão pequena e rodeada de tanta água por todos os lados que nem grandes vedações nem numerosos contingentes de polícia seriam necessários para- impedir transgressões aduaneiras ou de outra natureza por parte da população ou dos passageiros em trânsito naquela área.
O que é preciso é evitar a todo o transe que a perda, que parece fatal, da receita do aeroporto se não some a perda definitiva e irremediável da receita, incomensuravelmente superior, que pode advir da visita em massa de turistas aos Açores.

O Sr. António Santos da Cunha: - Muito bem!

O Orador: - Isto é ponto fundamental que de forma alguma se deve perder de vista nas negociações que urge encetar com as companhias de navegação aérea atras citadas ou com outras que ao problema queiram trazer o seu concurso.
De resto, para que Santa Maria passe a ter, pelo menos, 3 carreiras semanais, em dias alternados, bastará que uma dessas 10 companhias ali toque uma só vez, nos dois sentidos, de 25 em 25 dias.
Será isto um sacrifício tão grande que não valha, em troca, os interesses comerciais a que se alude acima, sobretudo depois da redução ou mesmo da abolição das taxas como se preconiza?
Não nos parece.
A segunda solução, isto é, a de uma carreira nacional que fizesse, regularmente, a linha dos Estados Unidos extensiva, necessariamente, ao Canadá, onde os Açores têm presentemente mais de 16 000 emigrantes e dentro de pouco tempo muitos mais, seria gratíssima ao patriotismo dos açorianos, mas não se nos antolha que um escasso movimento anual de 9900 passageiros embarcados e desembarcados no sentido leste-oeste e de 5600 no sentido oeste-leste, que é a média dos últimos três anos (média esta aumentada no primeiro sentido pela, excepcional entrada na América em 1960 dos sinistrados do vulcão dos Capelinhos), pudesse, por si só e com os preços baixíssimos que as companhias estrangeiras praticam nas passagens dos turistas e dos emigrantes, justificar ou fazer face às vultosas despesas de aquisição de material e de manutenção de uma linha que exige grandes aviões de longo curso e, portanto, centenas de milhares de contos de capital.
Besta-nos considerar ainda a terceira solução, ou seja a de uma companhia nacional que apenas se limitasse à exploração da carreira, Lisboa-Funchal-Santa Maria, deixando as viagens dos Açores para a América às empresas estrangeiras.
O caso, à primeira vista, é sedutor, não só pela presença portuguesa na resolução parcial do problema - presença sempre grata ao coração dos ilhéus, repito -, mas ainda porque estabeleceria ligações aéreas da Madeira com os Açores, facilitando assim o intercâmbio comercial e cultural dos dois arquipélagos (que, por estarem a centenas de milhas um do outro, quase se desconhecem) e trazendo ao turismo nacional o seguro valor de desconhecidos esplendores da Natureza e de inéditas facetas da vida social atlântica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Simplesmente, temos de pensar, antes de tornar definitiva esta solução, se os actuais 310 passageiras que, segundo a média mensal dos últimos três anos, se dirigem dos Açores para Lisboa ou de Lisboa para oa Açores (e todos viajando com passagens de excursão, isto é, por metade do preço normal) podem compensar as despesas de exploração resultantes de três voos semanais que se reputam mínimos para um regular serviço aéreo entre aquelas ilhas e a metrópole, sem aumento do preço actual dessas passagens.
Por outro lado, mesmo que o resultado fosse positivo ou a companhia estivesse em condições de perder dinheiro ou o Estado disposto a suportar os deficits, ainda é preciso saber se a exclusão desses passageiros do tráfego internacional, diminuindo o já reduzido interesse comercial oferecido por Santa Maria aos aviões das linhas da América, não prejudicará as negociações que, sem perda de tempo e de oportunidade, se aconselham para já, de forma que esses aviões continuem a escalar aquele aeroporto e a assegurar não só as comunicações com o Novo Mundo (que não podemos financeiramente tomar à nossa conta), mas ainda o afluxo de visitantes estrangeiros que, mais uma vez, insisto, SP julga imprescindível à vida económica e social dos Açores.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E que os insulares, pela vida de restrições que levam nas suas terras, e a que aludi no começo desta exposição, não podem, de forma alguma, suportar nem um centavo mais que seja no já para eles elevado preço actual das passagens, quer marítimas, quer aéreas, e se amanhã se vissem colocados na dura alternativa de ter de pagar o dobro do custo destas últimas, mesmo que lhes provassem que esse era o preço normal praticado em todo o Mundo, ou de terem de abandonar os aviões, constrangidamente seriam obrigados a abandonar os aviões (como ainda há pouco quase o fizeram com o magnífico navio Funchal antes do abaixamento das tarifas), jamais perdoando a quem fosse o responsável por tamanha perturbação na sua já tilo difícil vida social e económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há que ter, pois o maior cuidado na articulação deste momentoso problema, que se não pode confinar à simples elaboração de um restrito programa aéreo de ocasião, mas tem de ver e de prever em toda a sua magnitude o presente e o futuro da panorama açoriano.
Ponderados, assim, os prós e os contras de todas as soluções possíveis com respeito aos voos, vejamos agora a parte do problema que se refere aos aeródromos.
2) A guerra de 1939 trouxe, como já se disse, dois enormíssimos campos de aviação aos Açores, um na ilha de Santa Maria e outro na ilha Terceira. A construção de qualquer deles, obedecendo exclusivamente aos imperativos militares da ocasião, não visou satisfazer as necessidades sociais da população açoriana.
Se um, o das Lajes, ficou onde era mister, relativamente a este desiderato, isto é, numa ilha central e de grande população, o outro, o de Santa Maria, localizou-se numa das ilhas mais pequenas e extremas do arquipélago.
Eu sei que foram, sobretudo, as condições orográficas excepcionais do seu solo que assim aconselharam.
O que ainda hoje não descubro é a razão por que, depois da guerra, quando tanto importava solucionar com

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acerto os problemas humanos da paz, se destinou Santa Maria a aeroporto comercial e as Lajes a aeroporto militar.
Tudo parecia indicar, como mais útil à dispersão das ilhas, que o aeroporto comercial de entrada dos Açores se situasse no meio dessas ilhas, de fornia a ficar o mais possível equidistante de todas elas. Hás razões decerto mais imperiosas do que as' ditadas pela simplicidade, da lógica impuseram o contrário e hoje é u partir dessa realidade que se têm de urdir os planos conducentes à boa e regular distribuição dos benefícios das carreiras aéreas por todos os que delas carecem nos Açores e que não são somente os 77 641 habitantes da Terceira ou os 13 506 de Santa Maria.
No grupo central e ocidental do arquipélago há mais de 74 000 pessoas dispersas por várias ilhas, algumas a enorme distância, como as Flores e ò. Corvo, absolutamente carecidas de um aeródromo no Faial ou no Fico. E em S. Miguel, onde residem 171 328 indivíduos, ou seja 52 por cento da população total do arquipélago, e onde, a par de maior beleza e de maior riqueza, há também, por motivo da sua exagerada densidade demográfica, maior pobreza, está-se mal e insuficientemente servido por umas simples e precárias faixas relvadas de terra batida o conhecido «aeropasto» ou «aerovacas» de Santana (risos) -, que, com pistas curtas e mal drenadas e instalações acanhadas e impróprias, nada mais permite do que a descolagem e a aterragem de minúsculos aviões, nos dias de pouca chuva ou de pouco vento, incapazes, por si só, de darem vazão ao tráfego que se acumula logo após os numerosos dias de impraticabilidade deste pseudo-aeródromo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, tanto a construção do campo de aviação de S. Miguel, como o do Faial (ou Pico), está prevista no II Plano de Fomento, e o de S. Miguel já teve até às suas ordens uma pequena verba de 3000 contos, por conta dos 12 000 coutos inscritos naquele Plano, para início das suas obras.
A impossibilidade, porém, de a Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada arcar com a elevada despesa da compra dos terrenos não permitiu que aquela verba fosse utilizada, e, quando o Ministério das Comunicações se dispunha a concorrer com 10 000 contos para essa aquisição, eis que surge a guerra de Angola e com ela a premente obrigação de acudir, em primeiro lugar, à defesa do território ultramarino ameaçado.
Tudo isto já foi pormenorizadamente explicado à população de S. Miguel pelo ilustre Deputado pelo círculo de Ponta Delgada,, conselheiro Dr. Armando Cândido de Medeiros, como foi compreendido e aceite.
Ser toda a portuguesíssima população dos Açores, que e forma alguma se quer eximir aos sacrifícios que a defesa de Angola ou de qualquer outra parcela atreita à soberania nacional exija no presente ou no futuro.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas exactamente paru que esses sacrifícios possam ser suportados pelos homens que nessas isoladas ilhas labutam sem quebra de fé nos destinos da sua Pátria é imprescindível que se lhes não neguem os meios indispensáveis à sua própria sobrevivência.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E os campos de aviação estão neste caso. S. Miguel há móis de quinze anos que pede, ordeiramente, de mãos postas, que lhe dêem um aeródromo em condições.
E há mais de quinze anos também que ora se aproxima ora se distancia da realização deste sonho, tal como se pusesse às instâncias superiores não um problema vital para gente que não pode galgar a pé, de automóvel ou de comboio as milhas que a separam da capital ou do resto do Mundo, mas uma simples e inconsistente fantasia que só merecesse entrar na conta dos sobejos ...
Não, meus senhores. Isto não está certo nem é tolerável por mais tempo.
A Direcção-Geral da Aeronáutica Civil foi dotada este ano com as verbas necessárias às ampliações dos aeroportos de Lisboa e Porto e à construção dos novos aeroportos de Faro e do Funchal.
Regozijamo-nos com o facto, especialmente com o da Madeira, que também andava atrasada nesta matéria há muitos anos, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... mas de forma alguma aceitaremos o protelamento da materialização deste anseio para além de 1962 sem forte ressentimento.
Os açorianos não querem considerar-se filhos enjeitados do seu país e mal avisado andará o governo que lhes faça sentir o travo dessa amarga condição ... Espero, portanto, que o novo ano traga àquele punhado de europeus, que não navega em águas americanas senão quando atirado pelos ventos da desdita à rota compulsória da emigração, a merecida compreensão dos seus direitos e a justa compensação à sua firmeza de ânimo.
E já que faltam dez meses para se chegar ao fim do ano e temos, portanto, tempo de sobra para falar sobre o assunto, analisemos, com vagar, o que se pensa fazer em S. Miguel em matéria de aviação.
Exactamente porque fie ha muito o Ministério das Comunicações reconhecia como grave a falta de um aeródromo capaz naquela ilha, a Direcção-Geral da Aeronáutica Civil concluiu em Setembro de 1960 o projecto de uma pista pavimentada com 1500 m de comprimento na direcção 11-19 (ou seja, aproximadamente, leste-oeste) a construir nos actuais terrenos do campo de Santana.
Não estou, naturalmente, em posição de discutir as razões de ordem técnica que levaram aquele importante departamento do Estado a optar por aquela zona, rodeada de montes muito próximos, nem também as que levaram à adopção de uma só pista, quando sempre ouvimos aos pilotos da S. A. T. A., que há muito utilizam aquela área, serem indispensáveis duas, uma na direcção de 110.º-190.º e outra na direcção de 70º-250º magnéticos, para que o campo não ficasse reduzido de 40 por cento nas suas possibilidades.
Mas, como simples observador, várias vezes estranhámos que não fosse dada preferência à ampla clareira das Calhetas, cuja superfície era, evidentemente, mais extensa e os montes incomparavelmente mais distantes.
A nossa condição de leigo aconselhou-nos, porém, sempre a não trazer a público tão desautorizada opinião, e essa seria ainda a nossa atitude se não lêssemos, com surpresa, na própria memória descritiva e justificativa do referido projecto as seguintes palavras assi-

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andas pelos engenheiros João Tomás Siu e José Maria Seguro e visadas pelo engenheiro director, interino, dos serviços de obras, Rui de Sampaio e Melo:

O clima açoriano, de uma maneira geral, com a existência de plafonds baixos e a origem vulcânica da ilha de S. Miguel, com grandes elevações montanhosas no interior, eliminou as zonas de altitude, pelo que a procura cie lugares propícios à construção se fez, portanto, nas zonas menos acidentadas e junto à costa. Mas mesmo aqui as planícies são raras ë as que existem ou apresentam grande declive transversal ou estão mais ou menos cercadas de montes. Quer dizer, não é fácil encontrar na ilha de S. Miguel terreno que em absoluto eliminasse as deficiências que se apontam para o actual aeródromo de Santana, mas, para satisfação de necessidades mais exigentes, aconselhou-se a zona das Calhetas, a oeste da povoação de Rabo de Peixe.

Isto significa que não eram somente os leigos que pensavam ser a zona das Calhetas mais propícia à «satisfação de necessidades mais exigentes» de um aeródromo em S. Miguel.
Eram também os técnicos:
Por que razão então se preferiu a sua localização nos terrenos de Santana?
Sem dúvida porque se atendeu apenas à satisfação rápida e económica da modéstia do tráfego actual.
Mas ter-se-á ao menos admitido, por hipótese, que esse tráfego possa vir a ser modificado, qualitativa e quantitativamente, nos próximos dez ou vinte anos, de forma a tornar «mais exigentes» as condições do aeroporto daquela ilha?
Acaso a área, de Santana permitirá a ampliação da pista projectada ou o lançamento de outras, no caso de essas novas condições se verificarem?
Se assim é, nada mais temos a objectar acerca da escolha de Santana, mas se, por hereditário pendor de imprevisão ou tradicional escassez de verba, o caso não chegou a ser considerado com toda a amplitude que merecia, então aproveitem-se estes meses de forçada inércia para escolher outro local que nos permita não só resolver, com a modéstia dos recursos actuais, as pequenas necessidades do presente, mas também acautelar, com mais largas perspectivas, as frequentes surpresas do futuro.
E não se receie que a procura e o conhecimento exacto de outra zona mais propícia se não possa fazer em tão escasso tempo.
Um mês, calcula o Exmo Director-Geral da Aeronáutica Civil, bastará para concluir um novo estudo dos Calhetas ou' de outra região qualquer.
Façamo-lo então, se acaso Santana não responde, satisfatoriamente, a todas as premissas que atrás ficaram postas.
A mediocridade, até na aspiração, foi sempre, no último século, o principal factor da nossa decadência.
Acabemos, pois, de uma vez para sempre, nesta era grandiosa das pontes sobre o Tejo, com o subdimensionismo, não das realizações (que essas dependem, evidentemente, das disponibilidades do momento), mas das previsões, que custam sempre menos que a emenda dos erros no porvir.
Quando em S. Miguel se procedia à escolha do melhor sítio para a construção do novo aeroporto, muitas foram as vozes que afirmaram dar-se preferência aos terrenos planificados de Santana não só por serem mais baratos mas ainda por se tornar impossível a sua devolução, com a mesma configuração orográfica, e portanto com a mesma área e as mesmas divisórias e serventias, aos seus proprietários.
A primeira afirmação nunca foi verdadeira, porque nunca houve no concelho da Ribeira Grande terras mais caras do que as chegadas ao morro de Santana, mas, mesmo que o preço de um alqueire de terra nesse sítio fosse o mesmo do que um alqueire de terra nas Calhetas, este sairia sempre mais barato porque em Santana esse alqueire, de vara pequena, mede apenas 968 m3, ao passo que nas Calhetas ele é de vara grande e mede 1393 m3.
A segunda afirmação, correspondendo à realidade, também não era óbice insuperável.
Bastava que o Estado comprasse pelo ser justo valor todas os terras ocupadas pelas actuais pistas do aeroporto e a seguir as vendesse sem qualquer especulação em pequenas parcelas, bem servidas, para que com a transacção não perdesse sequer um só centavo.
Falo neste assunto, descendo a estes pormenores, porque entendo ser sempre útil e até mesmo indispensável que, antes de se proceder à compra definitiva de terrenos e de principiar obras de pavimentação que os inutilizem definitivamente para a agricultura, se esgotem e ponderem, todos os aspectos desta momentosa questão, que tão viva e tristemente tem apaixona ri o e desiludido os habitantes de S. Miguel.
E já que falo dos terras de Santana e rins tristezas e desilusões que elas têm ocasionado, não posso deixar de erguer aqui um veemente brado de protesto contra a profunda injustiça que há mais de quinze anos atinge os seus proprietários.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Estas terras foram requisitadas pelo Estado, durante a guerra, para servirem de aeródromo militar, a troco de pequena renda que ao tempo se podia, considerar normal.
Terminada a guerra, essas terras, só em parte devolvidas, ficaram a servir de precário aeroporto civil.
Dizia-se que o Estado ai iria comprar, e o boato parecia certo, porque se procedia nessa altura à sua avaliação. Mas o propósito por aí se quedou, sem jamais aliviar as consciências.
No entretanto, tudo começou a subir, os géneros, como as rendas ou os próprios vencimentos dos funcionários públicos, mas, a despeito de múltiplas reclama- . coes particulares e públicas, de que os jornais se fizeram eco, só as terras de Santana ficaram na mesma, tal como se, pelo facto de ser o Estado o seu omnipotente rendeiro, elas implicitamente se desvinculassem da lei agrária a que sempre estiveram atreitas para caírem sobre a alçada da lei do inquilinato urbano, por que nunca se regeram.
Semelhante arbitrariedade não pode continuar!
Ela não honra o Governo nem prestigia a justiça!
Ninguém em S. Miguel compreende ou aceita tamanha iniquidade!
Há, pois, que reparar, sem perda- de mais um dia, o dolo e o desprezo em que têm vivido esses infelizes proprietários, não só actualizando as rendas das suas terras, mas ainda indemnizando-os dos prejuízos que imerecida e resignadamente sofreram durante todo este tempo.
O Estado tem de ser, em todas as ocasiões e em todos os casos, «pessoa de bem».

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Chamo, por isso, a atenção do Governo, como já o havia feito nesta Assembleia há alguns anos o Deputado Armando Cândido de Medeiros, para que cesse imediatamente esta injustiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: vou terminar, colocando, resumidamente, por ordem de importância e de premência, os pontos de vista que defendi nesta exposição a propósito das ligações aéreas dos Açores.
Foram eles:
1.º A abertura imediata de negociações com as companhias de aviação estrangeiras para que não cessem as suas escalas periódicas ao aeroporto de Santa Maria, dando-se-lhes em troca para já, além do tráfego de passageiros e emigrantes, maiores facilidades e vantagens, como sejam a abolição dos vistos nos passaportes e a redução de 50 por cento das taxas de utilização;
2.º A construção inadiável do aeroporto de S. Miguel em 1963, procurando-se saber, por um novo e mais circunstanciado estudo da sua superfície, qual o local mais indicado para a construção de pistas que não só satisfaçam as suas modestas exigências do presente, mas ainda permitam, com a sua ampliação ou multiplicação, enfrentar as exigências do futuro;
3.º Construção do aeroporto do Faial (ou do Pico) logo a seguir ao de S. Miguel;
4.º A passagem, tão breve quanto possível, do aeroporto de Santa Maria a aeroporto franco;
5.º A ligação aérea do triângulo Lisboa-Madeira-Açores por uma carreira nacional, logo que o trafego sonegado por esta às carreiras internacionais não prejudique as negociações para o estabelecimento definitivo da escala de Santa Maria nas linhas do Atlântico Norte;
6.º e último em importância material, mas primeiro em importância moral: a actualização e indemnização das rendas das terras de Santana.
Todo este feixe de legítimas solicitações não visa somente trazer às ilhas açorianas a solução imediata de algumas das suas mais imperiosas necessidades; visa também concorrer par» o bom nome de Portugal, que ali se ama e sente como Pátria grande e sagrada que se não quer deixar de amar.
Que assim o compreenda e sinta o Governo da Nação.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Marques Lobato: - Sr. Presidente: peço hoje a benévola atenção da Câmara para algumas considerações gerais em tomo do problema da unidade nacional, de que se fala com tão grande interesse, à acerca de que Moçambique tem também algumas ideias fundadas, necessariamente, na vivência global dos problemas e das realidades, em ordem u uma unidade que na» pode existir u escala nacional sem a participação directa e activa de todos os componentes do conjunto português.
Já tive ocasião de dizer à Câmara que se vivo em Moçambique, pelo intercâmbio de culturas, um especial comportamento ultramarino. A Pátria global que somos deve ser uma realização permanente nas almas e na vida, mas na minha província está ainda muito longe de ter sido suficientemente realizada, sequer em certos valores essenciais. Há, pois, a imperiosa necessidade de faze-lo a continuamente, que é a forniu clássica de ser português em Moçambique. Daí que lá consideremos que são nossos todos quantos vão daqui juntar-se à velha falange que faz Portugal em África, em missão de vida, na continuidade dos tempos, e o defenda de todos os assaltos e de todos os desvios intentados ou conseguidos pelos que deturpam o sentimento e o ideal de unidade nacional.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em torno disto tem-se desenvolvido até a ideia de que qualquer discussão da problemática do ultramar afecta a unidade nacional e fornece armas aos que dentro ou fora da Nação são contra a unidade política portuguesa. Daí que se exija; em certo sector, que solucionemos em família os desmandos melindrosos, sem alarde ruidoso. Ora é o caso, que eu entendo bem e que oiço, ou não entendo. E acontece que, ouvindo desmandos melindrosos, se me antolha a existência de uma mão-cheia de problemas a solucionar, problemas que, todavia, ao que se diz, não devem ser discutidos, porque o estrangeiro ávido de escândalo no ultramar nos ronda a porta e a discussão só serve a causa dos inimigos da Pátria, a menos que tal discussão se faça em família.
Claro que ninguém, deve aceitar que os problemas se não discutam só porque o estrangeiro nos ronda com intenções malévolas e conhecidas, mas, sendo válida a ideia de que tal discussão se faça em família, sem alarde ruidoso, o que significa serenidade, é válido que se faço nesta Assembleia Nacional, que é por definição a casa da família portuguesa, nobre por virtude própria e justa por consciência plena.
Efectivamente, a sensatez moçambicana pede que os seus grandes problemas sejam trazidos a esta Casa e expostos, para que, ouvido o seu ponto de vista, se processem as soluções que deseja, ou, no caso de estar a reclamar o que não é justo, a província seja aqui mesmo convencida da sem razão do pedido. E o fundamento disto é que Moçambique está aqui por direito próprio, com a dignidade que lhe é secularmente peculiar, em ordem a um sentimento de portugalidade que professa por intermédio de uma unidade nacional para a qual se bate com factos e com ideias.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A província inteira está a acompanhar com crescente expectativa o interesse que u Câmara tem dedicado às intervenções dos seus Deputados e manifesta a viva esperança de que sejam atendidas as reclamações básicas esquematicamente formuladas. Convirá acrescentar que o alto interesse que a província exprimiu pelo último acto eleitoral, de fornia inequívoca, se ficou devendo a circunstâncias momentâneas de política interna e externa, que obrigaram no voluntário cerrar das fileiras precisamente pela unidade nacional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Porém, e é bom que Moçambique o saiba e o sinta, estamos por isso a ser aqui ajudados por uma mentalidade nova que só honra à Câmara. Esta mentalidade, com seu alto sentido renovador da vida nacional, leia mostrado a melhor compreensão pelos nossos problemas, pela temática das nossas fórmulas básicas, e acha-se possuída de um tão alto, nobre e moderno sentido do que é o interesse da Nação que me parece

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útil exprimir à Câmara qual o conceito moçambicano de unidade portuguesa, que, a nosso ver, conduz à justa definição do superior interesse nacional e à consagração dos justos interesses regionais.
E uma ideia central que tem de estar no cerne de toda a planificação política, económica e cultural para toda a Nação e acerca da qual têm de formular-se princípios justos e claros, porque a doutrina da unidade nacional deve assentar numa filosofia social que se fundamente na dialéctica histórica da expansão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos, por isso, sobre o conceito de unidade nacional, a sua forma e o seu valor, a sua expressão e aplicação, uma palavra a dizer, que me parece útil à Câmara, ao Governo, à Nação em geral e às elites metropolitanas em particular.
Começarei por afirmar que, sendo os homens de Moçambique, por atitude de vida em missão, disciplinados e disciplinadores em alto grau, não deixam, todavia, de possuir, por isso, um agudo sentido de crítica.
Mas vive agora a Nação inteira a hora da verdade, e está a impor-se às massas conscientes da província o dever imperioso de participar activamente na jugulação dos perigos que já surgiram, podem avolumar-se e visam afectá-las.
Por isso, e pela forma como Moçambique vê, sente e vive a hora que passa, é chegado o momento oportuno de o pensamento moçambicano, actualmente responsável pelo futuro de Portugal em Moçambique, dizer ao pensamento metropolitano, também actualmente responsável pelo futuro de Portugal na metrópole, o que pensa quanto ao modo de salvar-se e continuar-se o Portugal comum, na sua essência tradicional de povos e territórios dispersos no Mundo e unidos na vida e no espírito em ordem a um padrão moral comum de ser e viver.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Temos a consciência de que esta atitude é a total expressão do nosso mais alto sentido de dever nacional para o Portugal que somos, e que não confundimos de modo algum nas diferenças modais com a metrópole que não somos, sem que, porém, nos esqueçamos de que a metrópole é nossa alma e nossa vida, a mãe espiritual, e que sem ela não podemos ser portugueses.
Temos em Moçambique o legítimo orgulho, em virtude de a terra ser ultramar, de saber e compreender na alma a história de Portugal, que, tendo principiado neste pequeno recanto europeu, de maneira precária mas voluntariosa, se fez verdadeiramente Portugal na sua missão humana pelo Mundo, pela adesão de outros povos e outras gentes ao esforço para uma vida comum e melhor. Sabemos muito bem, e com muito pormenor de factos e ideias, como se formou Portugal com tanto sacrifício, em que as grandes heroicidades que radicaram a Pátria no ultramar não foram as batalha» dos maus compêndios de história, em quo se deturpa por completo a epopeia de vida dada à paz e à solidariedade e compreensão entre os homens, que tem sido a existência de Portugal no Mundo.
Mas o que é certo é que as falsas ideias se tornaram verdades comuns. Creio, porém, que, devidamente esclarecida, a Câmara não hesitará em restaurar os tradicionais princípios morais e jurídicos em que assentava a autêntica unidade nacional, princípios que lhe garantirão uma perpetuidade moral e material que está hoje gravemente ameaçada. Com efeito, o que antigamente se considerava orgânico era a Nação compreender-se também nas terras que descobrira e conservava, para se identificar nas suas populações, o que é diferente do que dispõe o artigo 133.º da Constituição, onde numa fórmula jurídica que não corresponde ao sentimento nacional prejudicialmente se contrapõe a metrópole ao ultramar.
Ora nós em Moçambique sabemos, e é em grande parte o nosso próprio caso, que a formação territorial, política e social da Nação não é acção exclusiva da metrópole, porque é uma acção nacional, indiferenciada e comum, o que não exclui o valor essencial da contribuição metropolitana. Assim, quero reafirmar que a metrópole propriamente dita que predominou na vida de Moçambique, desde o século XVI até meados do século passado, foi o Estado da índia,, a favor do qual funcionou exclusivamente o sistema económico de pacto colonial em que Moçambique viveu até que as condições económicas gerais do Mundo o obrigaram a desviar-se a favor da metrópole europeia.
E também indesmentível que as nossas principais províncias no Mundo constituíram, formaram e alimentaram, por influências políticas, sociais e económicas suas,, colónias próprias e distantes, que eram zonas da sua acção e expansão, e por elas próprias foram entregues à metrópole-mãe, da Europa, para se integrarem na comunidade nacional. Infelizmente não se tem dado importância a este modus faciendi tão peculiar e característico da nossa expansão e que tanto ilumina e esclarece o caso português, que não temos estudado à luz dessa lição única e magnífica, porque nos desviámos e nos esquecemos do velho e fecundo princípio da unidade plural da Nação.
A unidade plural da Nação, tese basilar do nobilíssimo pensamento moçambicano da ultramarinidade portuguesa, assenta na histórica realidade de que não é só a metrópole que é Portugal e que também sem ultramar não há Portugal.
A unidade plural da Nação é a história da formação ultramarina da nacionalidade, provado como está que, impossibilitada de manter individualidade e independência na Europa e de assegurar para si qualquer missão na Europa, a metrópole foi procurar ao ultramar as raízes de uma nova estrutura e garantir a sua missão no Mundo para se impor na Europa pela sua ultramarinidade.
Para isso, a metrópole ofereceu ao ultramar a sua europeidade cristã, universalista, em valores de pensamento, acção e vida, e recebeu em troca a adesão integradora das terras e dos povos, indispensável à criação de um espírito de comunidade, de unidade, de grandeza de fé e de missão, que constitui a essência da nova Nação, extra-europeia, e portanto ultramarina.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com este intercâmbio de valores, o ultramar assegurou a independência da metrópole, e a metrópole assegurou a independência do ultramar, e pela fusão dos valores e interesses de uma vida comum perpetuou-se a independência do conjunto e fez-se a Nação unificada.

O Sr. Pinto de Mesquita: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

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O Sr. Pinto de Mesquita: - Angola não poderia ser defendida dos holandeses sem a intervenção do Brasil. Basta isso para justificar o que V. Exa. tinha dito.

O Orador: - Foi um dos casos que tive presente ao formular esta ideia.
Porém, nada disto teria sido possível se a velha monarquia portuguesa não tivesse construído e aperfeiçoado, com a elasticidade que caracterizava as suas estruturas internas, o conceito altamente humano, e, por consequência, superiormente cristão, de uma república que culminava na liberdade do bem individual para o bem comum ...

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - ... e em que os territórios tinham plena e própria expressão através das pessoas e das populações corporativamente organizadas em instituições independentes, que eram totalmente livres sob a égide do rei.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Esta ordenação social, económica, política e cultural, sob que se fez a verdadeira ultramarinidade portuguesa, punha todos os territórios, povos e instituições nacionais num pé de absoluta igualdade, em que a metrópole não era mais nem era menos, porque era o mesmo que qualquer província ultramarina, conforme um texto famoso do século XVII formulado em Lisboa.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Muito bem!

O Orador: - Claro que a Câmara já se apercebeu, num relance, em relação aos princípios antigos e às foi-mas actuais, do antagonismo que separa os dois sistemas, e já viu que o da velha monarquia garantia efectivamente a vida e a virtude de uma autêntica república, sob a égide da Coroa, de que todos eram vassalos em seus reinos, domínios e conquistas. No moderno, herdado da constitucionalização liberal do jurismo abstracto, há, da parte da metrópole um relação no ultramar, um prejudicial sentido de posse e uma suposta intenção material, traindo o alto padrão moral subjacente na expansão como decisivo valor humano.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Muito bem!

O Orador: - No antigo, feito de permanentes e vividas adaptações às circunstâncias peculiares de cada caso, em ordem às realidades insofismáveis de cada problema, há uma contíuua e renovada identificação total, do ser nacional em cada uma das suas partes. Por isso, no sistema moderno a Nação possui ultramar e no sistema antigo a Nação é ultramar.
E o que me aflige no sistema, moderno é o permanente perigo de ser falseada a verdadeira realidade moral da nossa unidade, visto a constitucionalizarão geométrica iniciada com o liberalismo, com a supressão da liberdade do poder real, ter privado os governos, os povos e as instituições ultramarinas da ordenação e desenvolvimento das suas próprias vidas, por tê-los privado da possibilidade de discussão e ordenamento em plano nacional, num pé de igualdade entre todos os povos e territórios nacionais, sob a égide do soberano como poder arbitrai independente, superior a todas e a cada uma das parcelas nacionais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Curioso que sou destas velharias, creio, quanto u unidade nacional, que as instituições e as estruturas políticas asseguravam outrora a mesma absoluta igualdade moral e jurídica entre os vários territórios e as várias populações portuguesas em qualquer parte do Mundo, não obstante as suas profundas diferenças, e a metrópole não era mais nem era menos, porque era igual, não obstante a sua específica qualidade. A soberania, tanto dos reinos como dos domínios e conquistas, era exercida pelo rei; do ponto de vista da fidelidade, todas as pessoas estavam vinculadas ao rei, e servi-lo era o modo de servir concretamente a Nação.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Destes dois factos decorria lógica e necessariamente a unidade nacional, tornando-se possível e fecundo o diálogo português, concreto u base de razões e interesses regionais, plural em ordem às reciprocidades, e no qual a metrópole participava como os mais territórios, acrescida apenas da grandeza da sua qualidade moral - e nisso estava a força imperativa do seu prestígio de prima inter pares.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

1 O Orador: - Como as palavras nada valem sem os actos, a unidade nacional não deve assentar numa teórica declaração de princípios, mas numa vida comum dialogada entre todos e vivida em ordem ao respeito comum pelo interesse geral e ao respeito de cada parcela pelos interesses particulares das restantes. E preciso que a unidade, que é uma expressão moral, assente efectivamente no princípio da solidariedade, que ú um valor real. A unidade nacional à base da solidariedade nos interesses verdadeiramente comuns, acima dos quais está a sobrevivência comum e da individualidade nos interesses inegavelmente parcelares, é uma soma de qualidade em que o resultado participa do valor invisível de cada parcela, que é em si unia realidade própria, com sua específica grandeza. Unir significa agregar, formar bloco do que é disperso e variado. Ora, em relação às pessoas e às populações, a formação da unidade implica uma dialéctica em torno da ideia e a clara discussão dos problemas que podem facilitar ou dificultar o objectivo para que sejam definidos e resolvidos de cada vez que se levantem.
Antigamente, com élites muito mais reduzidas e forças sociais e económicas muito mais débeis, sempre o ultramar considerou inalienável e imperativa a sua parcela de responsabilidade moral e material em relação a qualquer território ultramarino e à própria metrópole, apesar de sempre ter vivido ameaçado na sua integridade, em Timor até 1913, em Macau até 1887, na Índia até 1830, em (Moçambique e Angola até 1918 e na Guiné até 1886.
A Câmara não julgará que estou a forjar uma teoria, dado que se sabe que só por falta de meios se não veio da índia em 1852 coroar em Lisboa um rei português, como se sabe que nunca o povo de Macau aceitou a união ibérica filipina e os miguelistas da Índia projectaram repor no trono o proscrito rei D. Miguel.
Porém, a sagração do direito de participação do ultramar na gestão da vida nacional é o facto de os povos da nossa índia, pela voz do Conselho do Estado, das Câmaras Gerais e dos Senados do Povo, terem resistido três longos anos às peremptórias ordens da

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metrópole para a entrega de Bombaim aos ingleses pelo fatal Tratado de 1661, e o próprio vice-rei Melo e Castro, enviado expressamente de Lisboa para executar o Tratado, se ter convertido imediatamente à razão nacional que a nossa índia inteira defendia e de que a metrópole não tinha o exacto valor.
E é uma página única da caluniada história colonial portuguesa que os povos coloniais da índia Portuguesa se tivessem oferecido ao reino para resgatar, por alguns milhões em dinheiro, aos ingleses, o compromisso de Bombaim. Infelizmente o assentimento real para o vice-rei sobrestar na entrega até novas negociações em Londres chegou tarde alguns meses a Goa, porque na delonga das monções e dos correios secretos por terra tinham sido cumpridas os últimas instruções urgentes, que já invocavam como razão de entrega a honra de el-rei - honra nacional.
Melo e Castro cumprira, porque para o ultramar a honra nacional é sagrada, mas respondeu que por via de Bombaim se havia de perder Goa e toda a índia.
A Câmara sabe, infelizmente, como a fatal profecia se cumpriu três séculos depois, que foi Bombaim que nos levou Goa.
Entendem assim as populações de Moçambique, que têm antigos deveres a que não querem furtar-se, porque a Nação está ameaçada, e essa ameaça se dirige também à sua província. E em plena ameaça a província vive flagelada de problemas e dificuldades, ou derivados do seu grande atraso em muitos aspectos, ou resultantes precisamente do seu amplo progresso e da marcha ascensional da sua vida em muitos outros. A Câmara já ouviu queixas, avisos e inquietações formulados quanto à administração, a economia e as questões sociais e culturais, e são gerais as opiniões quanto à impossibilidade em que se encontra o Governo da província de enfrentar a conjuntura que se lhe depara, por falta de meios materiais e armadura legal que lhe permitam antecipar medidas e soluções para problemas em que tem que vir forçosamente a tropeçar, por não estar habilitado a enfrentá-los por via legislativa e executiva.
Possivelmente nada disto sucederia se não tivesse a província crescido em valor e riqueza e tudo estivesse ainda confinado aos limites embrionários de 1920, quando começou a era actual, ou de 1930, quando começou a administração actual.
Mas aconteceu que se fez a terra e renovou a vida e, consequentemente, se desenvolveu em cadeia uma expansão global em ritmos desordenados, e com tal pujança que todo o esquema administrativo, económico-social, rígido por força dos seus princípios de sistema telecomandado, envelheceu.
A máquina administrativa de Moçambique não tem possibilidade legal actual, de mecânica e de orgânica, de acompanhar o ritmo da província, tanto no que se refere à previsão, à orientação, como à decisão e execução.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Por isso António Enes é constantemente lembrado, pois disse que Moçambique se tem de governar em Moçambique. Esta afirmação, já remota, é tida cada vez mais na província como elementar verdade axiomática, e a Câmara já ouviu o ilustre Deputado Eng.º Fernando Frade reclamar a urgente reforma do Conselho Legislativo, com a autoridade que lhe assiste como vogal do mesmo Conselho e a responsabilidade que, pela sua superior inteligência, lhe confere a qualidade de dirigente num sector económico da província.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Pelo que formulo o meu voto no sentido de o Governo, com o esclarecido apoio da Câmara, atender com oportunidade as justas reclamações daquele ilustre Deputado moçambicano, porque vai Moçambique prosseguir em maior velocidade os grandes empreendimentos sociais e económicos que o seu futuro impõe com premente urgência, e as populações da província perguntam como há-de ser isso possível se a autonomia administrativa e financeira que o Estatuto Constitucional garante, impõe e permite adaptar não corresponde, como existe, à realística expressão da vida provincial e o Governo não entendeu ainda que o seu estado actual de desenvolvimento e recursos exige maior descentralização administrativa e maior autonomia financeira do que as que são permitidas actualmente pelas leis reguladoras do preceito constitucional.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - O que se diz do regime-político e administrativo diz-se igualmente da ordem económica, porque se reclama que o regime económico da província seja estabelecido em harmonia com as necessidades do seu desenvolvimento e do bem-estar da sua população, e em ordem aos direitos e às legítimas conveniências da Nação, de que a província faz parte, e em cuja organização económica geral deve integrar-se. É o que expressamente dispõe o Estatuto Constitucional, com a necessária grandeza, mas também é evidente que a realidade já não corresponde & idealidade, e algumas leis essenciais aplicáveis à vida económica da província estão antiquadas em relação ao espírito de justiça que caracteriza o exame actualizado da Constituição.
Na ordem de grandeza destes dois grandes grupos de problemas que respeitam à auto-administração provincial intercala-se o problema da posição básica do Ministério do Ultramar, pelo que entendo dever ao caso uma palavra. E serei breve.
Serei breve, e direi que, quando em obediência aos ventos da história da primeira maré anticolonialista que houve no Mundo, no processamento ideológico da Evolução Francesa, as Cortes Portuguesas o aboliram, foi uma desordem que dois anos depois teve de ser remediada com a restauração daquela Secretaria de Estado.
Parece-me útil lembrar a experiência malograda para que se vão esclarecendo as razões de incapacidade de outros Ministérios, quaisquer que sejam, orientarem os respectivos sectores ultramarinos, porque há circunstâncias de conjuntura e peculiaridades, psicológicas e de toda a ordem, que só podem ser consideradas numa globalidade- viva e local.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Em cada província tem de haver um governo que governe com independência unitária, assistido por órgãos de governo local e subordinado, como governo privativo, ao Governo Nacional através do Ministro do Ultramar. A existência de um Ministro do Ultramar, a passar um dia ao plano de Ministro de Estado para o Ultramar,...

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: -... é a garantia da nossa autonomia administrativa, e da descentralização executiva, que é tão urgente. Tirem ao ultramar o seu Ministério, e nunca mais ninguém se entenderá neste país, e sobretudo nas províncias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Tornar-se-á impossível a coordenação nacional na metrópole e a execução no ultramar como acção de unidade governativa provincial.
O que acontece ao Ministério do Ultramar é que se encontra congestionado por sobrecarga de tarefas que devem competir às províncias, mas para os quais estas se não encontravam, ou infelizmente se não encontram ainda, preparadas. Há, pois, que repor o Ministério na sua função histórica de orientador, coordenador e inspector da política nacional no ultramar. O que é outro problema. Tanto assim que devo transmitir à Câmara que, conhecendo as actividades do Ministério desde a Vedoria da índia, por onde começou, e a Casa de Ceuta, por onde principiaram seus serviços de manutenção e assistência ao ultramar, considero uma injustiça, como investigador de história ultramarina que sou, não se prestar homenagem à secular dedicação do Ministério do Ultramar pelas províncias, mesmo quando erra ou não actua por inelutáveis motivos que dizem respeito mais à condição moral humana do que à dificuldade dos problemas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seu humilde servidor que sou, creio, porém, que disse dele algumas palavras serenas, que a Câmara, na sua justiça, não considerará filiadas na minha condição de funcionário, mais ainda se eu declarar, como faço, que de alguns sectores dos seus serviços e de alguns aspectos da sua acção tenho impressões nada favoráveis.
Mas é tempo de concluir, e direi, em resumo, que me parece conveniente regressar a antigos e fecundos princípios de vida e interpretar progressivamente alguns outros, que se revelam actualmente inoperantes, se queremos manter dinâmica a nossa unidade nacional, valorizar para todos o nosso Portugal comum e mante-lo fiel aos valores que nele se formaram porque a metrópole nele os implantou. Tem-se apelado para a coragem, a tenacidade e o sacrifício de todos os homens bons de Moçambique, de qualquer raça e qualquer cor, em nome da Pátria única e comum. E não consta que tenham faltado à chamada, com a disciplina e a vontade que o mato imprime aos homens.
Nem com o exemplo e a lúcida acção de uma cruzada, cujo alto valor de experiência viva e concreta não pode deixar de ser directamente escutado e atendido pelo que representa em quantidade e pelo que vale em qualidade.
Nesta ordem de ideias, há que dialogar amplamente a unidade nacional para robustecer princípios, intangíveis, manter permanentemente vivos e actualizados os princípios de acção comum e a ordem viva dos seus interesses e reajustar constantemente a coexistência dos interesses parcelares.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para isso é preciso reformar e robustecer as instituições que exprimem validamente a vida moçambicana nos sectores políticos, administrativos, sociais, culturais e económicos, para que possam intervir capazmente nesse diálogo indispensável ao bem da Nação e exigível péla perspectiva de uma acelerada e espectacular expansão de desenvolvimento económico-social na província.
Sóbria no seu justo pedir, é isto mesmo que Moçambique reclama, de forma actualizante, para cumprir o seu dever numa posição de responsabilidade efectiva na vida e nos destinos da Nação, e por esse modo participar, com todo o seu peso, são plano político da criação de uma vontade de viver em comum».

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. António Santos da Cunha: - Sr. Presidente: fiel àqueles propósitos que procurei impor a mim mesmo no aceitar a minha candidatura como Deputado, é meu dever dar realce aqui a tudo o que represente, da parte do Governo, intenção de valorizar a vida da província, valorização que se torna cada vez mais imperiosa, como acentuei nesta Camará quando foi discutida a proposta da Lei de Meios, fazendo assim coro com alguns dos vens mais ilustres membros.
E que, Sr. Presidente não é de mais que se repita a que tem tão relevante verdade -, se medidas imediatas obedientes a um plano de ordem geral não forem sem demora tomadas, o desequilíbrio económico entre a província e as zonas da capital vai-se acentuando cada vez mais, de uma maneira verdadeiramente assustadora, arrastando atrás de si reflexos de toda a ordem das mais nefastas consequências, o que também, por várias vezes, tem sido já salientado dentro desta Casa. O Santo Padre João XXIII, na sua notável encíclica Mater et Magistra, denuncia o mal, que não é só do nosso país, chamando para ele a atenção dos Poderes Públicos. Diz o Vigário de Cristo na Terra:

Entre cidadãos pertencentes à mesma comunidade política não é raro existirem pronunciadas desigualdades económico-sociais, devido a uns viverem e operarem em zonas economicamente mais desenvolvidas e outros em zonas economicamente menos desenvolvidas. Em tal situação a justiça e a equidade exigem que os Poderes Públicos actuem para eliminar ou reduzir essas desigualdades. Para tal fim, deve-se procurar que nas zonas menos desenvolvidas sejam assegurados os serviços públicos essenciais e o sejam nas formas e nos graus sugeridos ou reclamados pelo ambiente e correspondentes ao nível médio de vida em vigor na comunidade nacional.
Nós, os da província; habituados a uma vida onde a modéstia impera, com pouco nos contentamos e quando um ou outro sinal aparece a denunciar que os que detêm os selos do Poder se debruçam sobre as nossas necessidades, depressa nos alvoroçamos e sentimos o dever de manifestar a nossa gratidão.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A cidade de Braga e a sua Misericórdia, Misericórdia a cuja administração estou intimamente ligado, sentiram o maior júbilo ao tomarem conhecimento de que S. Exa. o Ministro da Saúde e Assistência ia confiar h instituição mater da caridade bracarense a criação de um amplo e largo serviço de

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recuperação de insuficientes físico-motores, que vai funcionar, dentro de pouco tempo, com o maior benefício para toda a população- minhota e corresponderá assim, na nossa província, à grande obra que, neste como em variados sectores, está desenvolvendo a Misericórdia de Lisboa sob o impulso do seu muito digno provedor - impulso sempre cheio de energia e entusiasmo, que o País sobejamente conheceu por ocasião da sua frutuosa passagem pelas cadeiras do Poder -, nosso muito ilustre e muito destacado colega nesta Assembleia.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Os técnicos que no Hospital de S. Marcos de Braga já incipientemente vêm trabalhando na recuperação a que aludo regozijaram-se juntamente por verificarem que o S. Exa. o Ministro, conhecedor do que ali, sem qualquer especial ajuda do Estado, se vinha praticando, foi ao seu encontro, oferecendo-lhes os meios necessários a uma ampla e eficaz acção.
O regozijo dos clínicos acompanhou o da Mesa da Santa Casa por ter verificado que também o amor e carinho que tributa à tantas vezes secular e veneranda instituição de caridade não passou desapercebido a quem, no vértice, dirige os serviços de saúde e assistência pública neste país.
A capital do Minho vê assim robustecidos os seus serviços hospitalares, e quem neles tem responsabilidade directiva não esconde, esperançadamente, que os serviços agora a inaugurar virão a ter decisiva influência nos restantes serviços, fazendo-os subir cada vez mais no bom conceito técnico em que já são tidos. A Santa Casa da Misericórdia de Braga continuará desta forma, cada vez mais apta, a sua longa trajectória de bem-fazer.
Perto de 700 camas ficarão sob a sua carinhosa alçada, com proveito para os doentes e para o Estado, que de uma maneira económica resolve uma das funções que sobre ele impendem: a assistência hospitalar aos economicamente débeis. Este um dos aspectos do problema que, não agora, mas em ocasião oportuna, procurarei tratar.
Não são de mais, pois, os agradecimentos que aqui quero deixar ao Sr. Ministro pela atenção com que - assim o demonstrou mais uma vez - segue o que se vai passando naquela minha cidade e pelo propósito já assente de dotar Braga e a província de que é capital com um serviço de grande alcance, que ao desenvolver-se no nosso país, como se está desenvolvendo, nos põe a par das grandes nações do Mundo.
Sr. Presidente: desejo também fazer especial referência à visita do Sr. Ministro das Corporações e Previdência Social ao Norte do País.
Quer pela série de melhoramentos inaugurados e actos contratuais a que presidiu, quer, acima de tudo, pelas afirmações feitas por aquele membro do Governo, este facto merece ser assinalado nesta Assembleia.
Todos nós, os que nos preocupamos seriamente com a grave situação que aflige a gente dos nossos campos, situação agora bem presente ao País pela discussão que se gerou em volta dos diplomas que aqui estuo sendo discutidos e a cujo autor, o denodado servidor da lavoura e soldado de sempre da Revolução Nacional, Eng.º Luís Quartin Graça, quero prestar as maiores homenagens pela iniciativa que em devido tempo tomou e à qual, gostosamente se vê, é garantida continuidade depois da sua saída do Governo, todos nós, dizia eu, nos regozijamos ao escutar da boca de quem no assunto tem especiais responsabilidades afirmações como a do reconhecimento oficial de que se trabalhador do campo abandonará as suas actividades se não lhe dei-mos os meios de assistência que merece para ali se manter».
É de facto necessário, como disse o Ministro, criar nas comunidades rurais melhores condições de vida que prendam mais os trabalhadores à terra.
Foi com júbilo que escutámos o Prof. Doutor Gonçalves Proença afirmar que os problemas sociais do campo têm de ser resolvidos. E têm-no de facto.

O Sr. Amaral Neto: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Amaral Neto: - Penso que V. Exa. pode estar tranquilo, porque tenho ouvido dizer que basta votar Leis de emparcelamento, arrendamento e outras afins para se resolverem os problemas essenciais da agricultura.

O Sr. Melo e Castro: - Que basta, não ouvi a ninguém. E apenas o princípio de uma grande obra que é preciso realizar.

O Sr. Amaral Neto: - Na declaração de voto do Digno Procurador Castro Caldas que finda o parecer da Câmara Corporativa sobre a proposta de lei do arrendamento rústico contém-se esta frase; referindo-se ao assunto da proposta de lei, di-lo matéria essencial para comandar as transformações de que a nossa agricultura carece. Não fiz algumas» nem «certas», mas usa o artigo definido no plural.

O Sr. Melo e Castro: - As reformas das estruturas agrários são sem dúvida essenciais, mas não dispensam, nem em país algum evoluído dispensaram, um sistema de segurança social dos trabalhadores do campo.

O Orador: - Peço licença para terminar as minhas considerações. Respeito muito as considerações de V. Exa., mas a lavoura não pode ser acusada sem que se lhe dêem os meios necessários à sua reabilitação.
As afirmações do Sr. Ministro das Corporações que até nós chegaram muito me alegram, porque demonstram que naquele Ministério se continua a trabalhar . com seriedade. Todos nós entendemos que é chegada a hora de tratar a sério dos problemas da gente do campo. Não podemos demorar mais tempo todas as soluções que visam ao desenvolvimento da economia nacional porque de contrário teremos entregado a nossa razão aos inimigos da Pátria.
Regozijemo-nos, pois, porque uma política que vem de longe e foi vigorosamente acentuada pelo seu esforçado antecessor está, pelo que escutámos àquele membro do Governo, em vias de entrar no caminho amplo das grandes realizações.
Revelando claro entendimento da grave situação da lavoura, que é injusto seja chamada ao pretório sem que lhe sejam dados da parte do Estado os meios para sair da situação aflitiva- para que u lançaram, através de uma política de preços que o Santo Padre João XXIII denunciou como lesiva dos mais sagrados interesses, dizendo:

Verdade é que os produtos agrícolas são pré-ordenados a satisfazer, antes de mais, necessidades humanas primárias, pelo que os seus preços devem

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ser tais que os tornem acessíveis à totalidade dos consumidores. E, porém, claro que não pode aduzir-se essa razão para forçar toda uma categoria de cidadãos a um estado permanente de inferioridade económico-social, privando-a de um poder de compra indispensável ao seu digno nível de vida, o que também está em contraste com o bem comum.

revelando claro entendimento da situação da lavoura, como ia dizendo, também o Ministro se refere à impossibilidade de qualquer agravamento fiscal a incidir sobre a mesma, seja a que título for.
O problema social da gente dos campos tem de ser encarado através da solidariedade que deve unir os diferentes ramos da produção.
Foi pena que 8. Exa. o Ministro não tivesse visitado também o distrito de Braga, pois, nomeadamente em Riba de Ave, teria ocasião de receber os agradecimentos da população operária daquele importante centro fabril, muito justamente agradecida pela acção da Federação de Caixas de Previdência - Habitações Económicas, que, em estreita ligação com a entidade patronal, está promovendo a construção de um grande bairro operário para os trabalhadores da firma Sampaio Ferreira, que servirá de exemplo e semente para realizações semelhantes em todo o distrito, como urgem, nomeadamente nas cidades de Braga, Guimarães e Barcelos.
Braga espera que prontamente seja iniciada a construção do bairro para trabalhadores de acordo com os estudos que, a pedido do Município bracarense, ordenou o então Ministro das Corporações, Dr. Henrique Veiga de Macedo, assunto que ao actual titular da pasta tem merecido o maior carinho - o que testemunha a sua visita a Braga no Verão passado -, como o tem merecido à actual administração municipal e ao delegado do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência. Impõe-se a construção do referido bairro em lugar central e urbano, pois posso afirmar ser aflitiva a falta de habitações desse género.
Para a ocupação do bairro que a Santa Casa dá Misericórdia possui são constantes as solicitações, o que levou a Mesa a pensar na ampliação do mesmo, o que se vai fazer com a ajuda, sempre pronta e amiga, do Ministério das Obras Públicas. Mas é evidente que isso não resolverá o problema, será uma insignificante achega. As necessidades de Braga, neste caso, só podem ser resolvidas pela construção de um ou dois bairros destinados a operários, onde o viver se possa tornar mais alegre, mais sadio, mais nobre e mais cristão.
Antes de terminar quero ainda ter uma palavra de agradecimento para o Sr. Ministro da Economia, que tão compreensivamente tem encarado a necessidade de serem instaladas e favorecidas novas indústrias em Braga que absorvam a actividade e excesso de população. Sabemos de alguns actos de S. Exa. que desde já lhe acarretam a grata simpatia da gente da minha terra.
Sr. Presidente: com o mesmo ardor - que por vezes, sinto-o com desgosto, chega a ter laivos de violência - com que reclamo e me revolto pelo descuramento a que são votados muitos problemas ligados à vida nacional, nomeadamente à vida das populações nortenhas, distantes da fonte donde jorram as benesses do Poder, também agradeço aquilo que se faça em prol de um melhor viver das gentes que aqui represento.
Ë que, Sr. Presidente, se não esqueço que sou acima de tudo Deputado da Nação, também não posso esquecer que estou aqui com os votos de uma população que em mim confiou a defesa de legítimos interesses, que nem sempre são tidos na devida conta. £ certo que os factos a que me acabo de referir estão longe de representar aquilo que desejamos e queremos.
Aquilo que temos de fazer, direi melhor, aquilo que urge fazer, é o inventário das nossas possibilidades e uma programação de realizações económicas de toda a ordem: o tal planeamento regional de que tanto se fala, mas que parece ser a moura encantada dos meus sonhos de menino ...
Proponho-me em breve requerer ao Governo sejam a Câmara e o País devidamente informados do estado em que se encontram os estudos tendentes a este fim.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continua em discussão na generalidade a proposta de lei sobre o arrendamento da propriedade rústica.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto de Mesquita.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Sr. Presidente: integrada nas medidas legislativas tendentes a melhorar o estado da nossa economia agrária, em sequência da proposta relativa ao emparcelamento que votámos, entrou em discussão a segunda, relativa à reforma do estatuto jurídico do arrendamento rústico.
Aguarda-se ainda, pendente na Câmara Corporativa, a revisão do regime jurídico da colonização interna, ligado à directriz para soluções de problemas estruturais da grande propriedade, em face dos melhoramentos introduzidos ou a introduzir, sobretudo pela irrigação mediante grandes barragens ou por água bom-nada e represada.
Evidentemente a primeira proposta de emparcelamento respeitava sobretudo ao Norte do País e esta última, a terceira, foca-se marcadamente para o Sul - à parte o Algarve.
E a segunda, a do arrendamento, que temos entre mãos.
Conclui-se no n.º 8 do sábio parecer da Câmara Corporativa, interpretando o pensamento da Secretaria de Estado da Agricultura, que nela se visa «especialmente, ou mesmo exclusivamente, o caso particular do Alentejo, ou da grande propriedade».
Como, porém, salienta o mesmo parecer, a prevista lei não poderá deixar de aplicar-se, nos seus termos genéricos, em todo o País, desde que os casos concretos se apresentem cabendo dentro dos limites dessa figura jurídica.
Adiante prosseguiremos a análise deste ponto, mas desde já cumpre realçá-lo, pelo que interessa a aspectos prévios do problema do arrendamento, tal como nos vem proposto, quer no plano jurídico, quer no económico-social.
No plano jurídico, não pode deixar de estranhar-se, por respeitar essa matéria a uma das subespécies do contrato que consiste no traspasse temporário e retri-

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buído do uso e fruição de coisa certa, e se chama «locação». Esta designa-se contrato de arrendamento, se o objecto é imóvel, e de aluguer, se móvel. O primeiro; por seu turno, reveste as sabidas funções de urbano e rústico. E, por isso, a este último designamo-lo como subespécie da locação.
Todas estas diversas figuras dão lugar na legislação civil a secções ido respectivo capítulo, precedidas de secções onde os preceitos gerais correspondentes a cada uma daquelas se acham consignados.
Perdoe-se-me aqui este bê-á-bá jurídico, por não ser da respectiva confraria a maioria dos Srs. Deputados que vão tendo a paciência de me aturar. (Não apoiados).
Que isto bastará para esclarecer VV. Exas. de quanto seja melindroso legislar, assim, avulsamente, sobre uma mera submodalidade jurídica, não obstante a sua importância na vida prática do direito, pela sua frequência. É todo o aspecto sistemático da codificação que pode ver-se afectado com o enxerto de uma anomalia a agravar o efeito, ocorre estar, como é de todos sabido, em adiantado estado de elaboração o projecto do novo Código Civil, sob a direcção do ilustre Prof. Vaz Serra, a cuja profunda ciência presto a minha homenagem, pois, para além do código cujas directrizes e sistematização orienta, nos vai legando trebonianamente novas, exaustivas e majestosas pandectas, que muito aproveitarão à vindoura ciência do direito.
E, de facto, entre matérias já elaboradas como anteprojecto encontra-se desde 1954 o referente à a locação», da autoria do Prof. Galvão Teles.
Por sinal, quanto à matéria do arrendamento rústico, já se lhe notavam muitos aspectos em correspondência com as necessidades da nossa época.
Não seria, assim, pelo menos de aconselhável prudência, por parte do respectivo sector da Administração proponente, ter previamente procurado para tal efeito a colaboração prévia do Ministério da Justiça?
Tudo isto se salienta no n.º 5 do esclarecido parecer da Câmara Corporativa, que altamente honra também a ciência jurídica, assistida do bom senso realista do Prof. Pires de Lima, que o relatou.
A sua leitura dispensa-nos de grandes divagações sobre a matéria. Em concordância com ele, no essencial, apenas me limitarei a formular algumas reservas ou divergências justificativas do meu voto.
E a melhor consagração das conclusões desse trabalho concederam-lha as entidades governativas responsáveis pela proposta, perfilhando como texto a ser-nos submetido o da Câmara Corporativa, embora com algumas modificações de importância.
Ora, no n.º 5 do referido parecer, onde se lêem já críticas de sentido semelhante ao das nossas, conclui-se que, não obstante dadas possibilidades que ali se mencionam, se deva apreciar a respectiva matéria e promover a vigência de renovada legislação em termos de se poder integrar num futuro código. A isso corresponde a reforma do primitivo texto pela Câmara Corporativa, com os retoques governativos ora propostos. Não sejamos mais papistas do que o papa e, revista e baptizada a proposta por tão exímio doutor, aceitemo-la na generalidade.
E isto não obstante ainda outra razão para pô-la por enquanto de conserva: a de dever integrar-se ela no plano da próxima revisão da regime jurídico da colonização interna a ser-nos submetido.
Esse diploma, por certo, será aquele em que arquitectònicamente melhor se desenrolará. á programática do Governo quanto ao futuro da nossa agricultura.
Aí se formularão às linhas de fundamentais empreendimentos; como integrar novas e capazes populações em terrenos carecidos delas; aí se lançarão as bases financeiras e de crédito, com as respectivas garantias, dos grandes melhoramentos fundiários; aí se hão-de prover indispensáveis modalidades de associação de proprietários e empresários na exploração do solo.
Não: seria assim, quando da sua entrada em vigor, a altura óptima de apreciar melhor coordenadas fórmulas de arrendamento? Algumas destas, que agora podem até, de chofre, antolhar-se como estranháveis, passariam a encontrar, mesmo por evidência de justas contrapartidas, melhor aceitação?
E fechado assim interrogativamente, este capitulo de matéria prejudicial e em que, como dissemos, estamos inclinados' a acompanhar a orientação geral do parecer da Câmara Corporativa, entremos no fundo do problema.

O Sr. Amaral Neto: - V. Exa. dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Amaral Neto: - Matéria prejudicial e, se bera entendi, também um pouco prejudicada, no espírito de V. Exa.

O Orador: - V. Exa. compreende, aceitamos, no plano propriamente de técnica, aquela redacção jurídica ou formulação, jurídica. Já se vê, eu aceito porque a redacção que lhe é dada antecipa de certa maneira a reforma para futuro próximo do Código Civil, embora com as reservas postas.
Sr. Presidente: tal como insistimos aquando da discussão sobre emparcelamento e já atrás o repetimos, o diploma que temos em discussão não pode deixar de revestir as características da generalidade quanto à sua aplicação no território metropolitano. Quer dizer: - a lei futura não se apresenta em termos de diversificação regional, como acontecia antes do constitucionalismo a certas leis, mormente as agrárias, no sentido de melhor os adaptar às necessidades das culturas e afolhamentos das diferentes zonas.
Já em consideração a esse princípio propus, aquando do diploma de emparcelamento, um aditamento ressalvaste, no caso das circunstâncias diversas do Norte e do Sul, ao n.º 3 da respectiva base I.
Não obtive ganho de causa; com isso não me senti molestado ideologicamente, pois me não repugnam ordenados princípios de vinculação da terra, mas o que paradoxalmente resulta dessa disposição votada sobre indivisibilidade é ela constituir ponto de partida para vínculos de facto operados, fortuita e indiscriminadamente, em regiões latifundiárias.
Agora, às avessas com o arrendamento rústico, é quase todo o Norte que pode vir a ver-se mais rigorosamente afectado, em choque reflexo, por aquilo que se pretende legislar com os olhos particularmente postos no Sul. E já atrás acentuámos que assim o refere a Câmara Corporativa fundamentadamente no seu texto e o confirma até o respectivo voto de vencido do Sr. Eng.º Castro Caldas.
Já quando do emparcelamento o sublinhámos; trata-se precisamente de casais agrícolas arrendados, de dimensões tradicionalmente familiares e de que tantos se vêm perpetuando desde a Idade Média, quase inalterados.
Tive o gosto e a honra de ver reconhecida no diploma de emparcelamento a existência dessa figura de econo-

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mia jurídico-agrária pelo que respeita à defesa da sua integridade contra preferências.
É aquilo que podemos chamar o caseirato, já que por tal se acha consagrado na literatura jurídica de Espanha, onde na Galiza e Astúrias existe regime paralelo.
É certo que a Secretaria de Estado da Agricultura, em documento oficial posterior à apresentação da primitiva proposta desta lei, declarou que ela mão visa tal modalidade de exploração da terra», atendendo à sua natureza mista de parceria.
Mas, como bem considera o ilustre relator do parecer da Gamara Corporativa, onde, no n.º 8, o caso vem notado, a verdade é que a lei genérica não pode sofrer discriminações regionais, e certamente os julgadores do futuro não se deixarão convencer por aqueles argumentos e facilmente serão levados a concluir pela absorção da parcial parceria num total arrendamento:
Isto posto, voltemos à análise histórico-jurídica daquela ancestral, mas não senil instituição.
Perdoe-me, V. Exa., Sr. Presidente, perdoem-me VV. Exas., Srs. Deputados, que volte a insistir sobre o mesmo tema. Olhem que não o faço, decerto, pelo raro diletantismo histórico-jurídico de certo magistrado que conheci, aliás ilustre e culto, o qual não ficava satisfeito enquanto não conseguia meter em qualquer dos seus acórdãos uma citação do Código Visigótico.
Prosseguindo, recordemos Alberto Sampaio, que nas suas Vilas-Estudos históricos e económicos (i, p. 166), através de velhos pergaminhos, pôde comparar a estrutura agrícola da vila de Silva Escura (Maia), pelos primórdios do século X, com as constantes das «Inquirições», relativas à mesma vila, nos meados do século XIII - 350 anos -, e verificou a estabilidade das respectivas subunidades: os casais de 25 tinham sofrido apenas aumento para 34. Enquanto a população rural assim se mantinha, do senhorio privativo de 2 bispos (Compostela e Coimbra) nada subsistia!
Ora o que nessa época foi possível documentar não tem deixado de continuar a perpetuar-se desde as a Inquirições» até agora.
Enquanto as reformas liberais fizeram ruir ou arruinaram toda a propriedade vinculada e enfitêutica, ou mesmo quando alodial, fazendo-a mudar de mão, aquelas unidades familiares, na posse útil pelos caseiros - precária de direito e sólida de facto -, conseguiram resistir; e ainda com a vantagem de, valendo mais conjuntadas quando transferidas de dono, tenderem sempre a manter-se, já que a morte dos ditos caseiros não põe problemas sucessórios quanto à respectiva partilha.
E assim escapam à principal causa - a sucessória - da atomização fundiária.
Profundemos um pouco mais qual a índole jurídica deste instituto, em que inicialmente predominava a forma de divisão dos frutos em parceria.
Evidentemente uma associação de capital e trabalho, pela sua índole de permanência muito mais de natureza institucional - lembremos Hauriou - do quê contratual.
As recíprocas relações jurídicas vão mesmo além das simples prestações quotistas de géneros e miunças - a parceria - e implicam uma coadjuvação e amparo dos senhorios, que geralmente também os financiavam como parceiros pecuários, e a que correspondia uma contrapartida de serviços, alguns quase domésticos, dos caseiros. Aquilo que podemos chamar «os invisíveis do negócio jurídico».
E certo que a partir do século XV se foi evoluindo crescentemente para uma renda certa, em cereal - uma moeda estável -, sobretudo depois que o exótico milho
grosso se generalizou, enriquecendo consideràvelmente a lavoura; mas isto só em parte, porque a parceria se manteve quanto ao vinho a terço e a meias o e ar», ou sejam os frutos.
Esta. a situação que perdura ainda e geralmente é baseada em contratos verbais.
Caseiros sem capital; senhorios, ou melhor e patrões», como lá ainda se diz, é a quem incumbe a realização das benfeitorias necessárias e úteis. E de como têm cumprido essas obrigações fala eloquentemente o bem-tratado agro minhoto, não obstante o desfavor com que tem andado esquecido, quando não malsinado.
E coisa curiosa, este regime de exploração rural, que abrange cerca de metade da área ali agricultável, mal se acha referenciado quer em diplomas legais - poucos parágrafos das Ordenações -, quer em títulos actuariais.
Isto o reconhecem Gama Barros (História da Administração, vol. VIII, p. 214) e o Dr. Pinto Loureiro, no seu Tratado da Locação, I, p. 46.
«O que está bem não faz barulho» no juízo dos médicos ... e também no dos motoristas. E a sabida felicidade da vida dos povos que não têm história.
Isto pelo que respeita ao caseirato no Norte.
Não é bem a mesma coisa pelo que legislativamente respeita ao Sul. Para aí começaram desde o rei D. Dinis a promulgar-se certas medidas no sentido de forçar os proprietários à colonização das terras incultas, marcadamente a Lei das Sesmarias. No tempo de Pombal são as Leis de 1764, 1774 e, mais tarde, a de 1804, ditadas no n.º 8 do parecer da Câmara Corporativa, aplicáveis exclusivamente ao Alentejo, disposições que, em parte, o primitivo projecto de Seabra do Código Civil ainda reproduzia. Nelas se estabelecia a regra de arrendamentos muito mais prolongados, que permitissem a rotação anual das folhas de cultura e, mesmo para além, em que os caseiros colhessem os benefícios de benfeitorias que investissem na terra.
Além das condições naturais geográfico-agrológicas, decerto que para esta diferenciação algo contribuíram também aquelas em que sobre a reconquista se fez a colonização do Sul, muito mais ermado do que para norte do Mondego. Esta última zona, mais densamente povoada e mais directamente tutelada pelo senhorio nobre ou eclesiástico, n f ora importantes centros urbanos, só tarde alcançou ver proliferados concelhos rurais - forais novos de D. Manuel.
No Sul, instituições dessa índole generalizaram-se logo a seguir a reconquista como processo de povoamento é com elas convenções de colonato e de enfiteuse. Esta última, correlativamente, só mais tarde se generalizou no Norte, por via reflexa, como processo, em parte, de vinculação da propriedade através da indivisibilidade.
Isto se conclui dos estudos de Gama Barros, Dra. Virgínia Baú e outros, e concordantemente o reconhece o. engenheiro Lima Bastos, quando no vol. 4.º do Inquérito (p. 114) diz que a enfiteuse no Minho nunca teve tanta importância como nas zonas onde havia «grandes extensões de terreno inculto e grande escassez de população».
Tudo isto bem mostra, por largo das figuras jurídicas tendentes à uniformidade, quando diferiam e diferem as realidades rurais subjacentes a norte e sul do Tejo. Já vimos a dificuldade em legislar hoje diversamente por províncias. Em todo o caso, o Código Civil, reportando-se neste capítulo nos usos e costumes, algo salvou dessa diversidade.

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A tal propósito cumpre não esquecer as considerações do Prof. Paulo Merea, invocando Joaquim Gosta, sobre a necessidade do estudo do direito consuetudinário, ensinando no Boletim Aã Faculdade de Direito de Coimbra, VII, p. 146, que aos juristas têm feito gala em desconhecer as instituições e costumes com que a razão espontânea e original do povo corrigiu os vícios ou preencheu lacunas das legislações exóticas que as vicissitudes do tempo lhe impuseram».
Pois bem, será neste clima que convém considerar o diploma que nos é proposto.
Não excluindo os seus termos gerais, cumpre que por ele se não desvirtuem as regras de conduta jurídica que têm dado tão satisfatórios resultados na vida agrícola, è não pouco têm contribuído para a paz social do Norte do País, não obstante as crises que o afectam, mais resultantes da conjuntura económica do que de vícios da estrutura associativa fundamental.
Do Sul não me compete falar, mas penso que as linhas gerais do diploma não brigam com o aceitável regulamento dos recíprocos interesses' de senhorios e rendeiros.
Terá de ser, pois, este a votar um diploma de compromisso. E o que passamos a focar face às apontadas diferenciações típicas entre o Norte e o Sul.
Comecemos pelo prazo de duração do contrato - seis anos.
No Norte, o prazo era anual - o ciclo de uma cultura -, mas geralmente, de facto, tornava-se perpétuo, isto é, sem termo prefixado, por reconversão. No Sul, a tradição anda pelos nove ou dez anos - segundo os afolhamentos. Vê-se no projecto em discussão que será seis anos, o mínimo, para todos.
No Norte, creio, isso não afectará de mais o equilíbrio da convenção, que continuará a tender a perpetuar-se, com a presença zelosa dos senhorios, que a continuarão a manter, e, graças a Deus, hão-de ser ainda em grande número.
No Sul continuarão a ser decerto convencionalmente, por vantagem recíproca, de prazo superior. A dilação ao prazo costumado só pode estimular o rendeiro a dar melhor conta do seu recado.
Torna-se assim evidente que o Norte - quando do Norte falo refiro-me sobretudo ao Minho -, nesta transacção quanto ao prazo em relação ao que tem sido tradicional até 'hoje, vê dilatados os períodos de renovação, deixando de os ver vinculados à lei natural das culturas normais no terreno. No Sul vêem-se reduzidos em relação aos costumados afolhamentos, que os pautavam até à volta dos nove anos. Admito que no Minho haja vantagem em elevar, com as novas culturas intensivas de batata, plantas industriais e ainda atendendo à reprodução 'do gado vacum, o respectivo ciclo cultural para o triénio, mas não mais, numa cultura média equilibrada.
Em princípio, seríamos, pois, de opinião que para o Norte, onde se verifique o regime de caseirato supra-referido, o período mínimo de arrendamento poderia fixar-se em três anos. E, se a Assembleia encontrar uma nova fórmula razoável para os prazos dos contratos se adequarem aos respectivos ciclos culturais segundo as regiões, apoiaremos essa solução.
Caso se vote o prazo de seis anos, este passaria assim a corresponder a um duplo ciclo de três; é como se fosse uma recondução obrigatória. Se, como não noa cansámos de o repetir, afinal o arrendamento tem sido de uso tender a perpetuar-se, não será disso que venha grande mal, descontando mesmo a penetração de propaganda política eleitoral ou outra a que os caseiros não escaparão, supostos mais emancipados por este diploma da influência dos senhorios.
Creio, no entanto, na estabilidade das suas virtudes tradicionais ordeiras e cristãs, mesmo que a final seja votado esse prazo mínimo de seis anos.
Vejamos agora outro ponto de vincada divergência entre o Norte e o Sul alentejanos com influxo na economia destes contratos: o. das benfeitorias.
No Sul é tradicional, como contrapartida da prolongada duração dos arrendamentos, tocar aos rendeiros - geralmente abonados de capital - fazê-las. No Norte não estão os caseiros geralmente em condições de as poderem fazer substancialmente. Tem de ser sobretudo ao senhorio que isso cabe. E como se têm desempenhado dessa função - já o dissemos - podem apresentar-se os investimentos que continuam a aplicar naquelas terras, não obstante a depressão que vem sofrendo o valor da maioria dos produtos da terra, quer pela sua baixa internacional, quer por tabelamentos, quer devido à intervenção gananciosa de cambões discretos de intermediários.

O Sr. Azevedo Coutinho: - Muito bem!

O Orador: - V. Exa., na sua oratória de há dias, referiu-se a esse caso realmente calamitoso.

O Sr. Azevedo Coutinho: - Posso, se V. Exa. me der licença, dar um exemplo deste ano. Os exemplos repetem-se com uma frequência de causar preocupações.
A carne de porco, que no ano passado era vendida a 280f, está este ano a 200$, e, no entanto, a salsicharia continua a vender os produtos ao mesmo preço.

O Orador: - Agradeço a V. Exa. essa achega a ilustrar o que acabo de dizer.
Uma rápida inspecção a voo de automóvel bastará, creio, para revisão de tantas ideias feitas contra os proprietários da minha província em nome de princípios discutíveis e imprecisos de uma suposta justiça ofendida, e, o que é pior, interpretada como tal retroactivamente. E desta forma a tendência a julgar-se como crescentemente reparador da arguida lesão tudo quanto se faça a favor da parte realçada como a mais débil. Neste despertar do complexo de supostos ressentimentos, a mais certa pólvora para a luta de classes onde nunca a houve e nacionalmente cumpre evitar.
Decerto que há uma importante obra agrária a edificar, que só com grandes investimentos será possível levar a cabo, para bem de todos quantos dá terra vivem; mas isso sadiamente só poderá ir-se realizando, não com dissídios, mas pela colaboração de todos, não num espírito de produtividade de critério meramente económico, mas sim de produtividade, mas temperada de caridade cristã.
Nos inquéritos geralmente feitos à lavoura regional há tendência a notar-se o subdesenvolvimento dos caseiros que laboram no campo. Com justiça não poderão dizer que seja muito melhor a dos proprietários produtores directos vizinhos, frequentemente por virtude das partilhas sucessivas, com unidades de exploração desequilibradas e insuficientes. E- já nem falo à esquerda dos caseiros, na maior parte dos jornaleiros, cuja situação é ainda bastante pior.
Com certo sobressalto de justiça, em todo o caso, o Prof. Lima Bastos, chefe de fila de mestres económico-agrários, não deixou. de reconhecer no volume IV, p. 107, do inquérito colectivo que dirigiu, apreciáveis

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benefícios e melhorias aplicadas na terra por aqueles proprietários regionais.
Há decerto casos de abusos e explorações leoninas, mas estão longe de ser regra e merecem o castigo da reprovação geral.

O Sr. Azevedo Coutinho: - Muito bem!

O Orador: - Relacionado com tal problema, não pode deixar de pôr-se o do estado de impreparação técnica, a começar até pelo da insuficiente instrução elementar, da grande maioria dos arrendatários de terras minhotas, beiroas ou algarvias.
Esse estado de atraso tenderá rapidamente a diminuir com a maciça campanha pela instrução em termos de larga projecção, e à qual não pode deixar de associar-se a lembrança da benemérita acção do ilustre membro desta Assembleia Dr. Veiga de Macedo.
Falta aperfeiçoar-se com a correspondente instrução técnica, a completar embora em escolas complementares, mas que rudimentarmente devia ser iniciada na própria escola primária em meios rurais. Isto sem falar nas indispensáveis escolas- técnicas secundárias, de que para o norte de Coimbra não há nenhuma. Isto sem aspirar já a uma escola superior correspondente. Parece até que, para o efeito de instrução técnica, o Norte agrícola não tem existência.
Perdoe-se-me o desabafo por tão graves faltas que de longe vêm e que por vezes acarretam surpreendentes incidências de incompreensão.
É tempo de concluir quanto a este ponto das benfeitorias. De harmonia com a tradição jurídica do Norte, em que as benfeitorias constituíram de sempre dever e honra dos senhorios, entendo que será violento e nefasto não se lhes reconhecer senão subordinadamente com recurso aos tribunais - pressuposto de dissídios a afastar - a faculdade de realizar a seu alvedrio as de natureza útil.
Nesse sentido terei a honra de me associar a uma proposta de alteração à base XIV.
Sr. Presidente: é tempo de algo dizer sobre a especialidade da proposta do arrendamento familiar, protegido ou não.
É de notar que esse arrendamento que se prefigura como caso excepcional poderá converter-se em regra no Norte do País.
Constava inicialmente como «protegido» das bases XXV e seguintes da primitiva proposta governativa.
Apreciado com severa crítica pela Câmara Corporativa e até, a meu ver, muito pertinentemente, quanto a legítimas dúvidas sobre a constitucionalidade de alguns dos seus termos, foi afastado conclusivamente deste diploma em discussão pela mesma Câmara, embora com votos de vencido fundamentados em argumentos doutos de índole progressiva, como os do Sr. Procurador Castro Caldas, a que não posso dar sem reserva o meu voto.
Neste particular, a minha convicção inclina-se antes para o voto de vencido, não menos douto e, aliás, também progressivo, mas por vias menos improvisadas, do Sr. Procurador Pereira de Moura.
Segundo o mesmo, tal problema merecerá ser objecto de futuras disposições, mas mais temperadas e amadurecidamente digeridas. Essa a minha opinião.
Sucede, porém, que o Governo enviou a esta Assembleia uma proposta de alteração à base XXIII, através da qual o automatismo da sua aplicação nos tribunais pode fazer, entrar indiscriminadamente não só tudo aquilo que embora discutìvelmente se estabelecia na inicial proposta governativa, mas muito mais.
Ter-se-ia assim estimulado como que, sem se dar por ela, uma autêntica subversão agrária. Embora de sentido inverso, por amortizadora de propriedade, seria para o Norte ainda maior do que as tendentes à liberdade da terra de Mouzinho da Silveira, do Código Civil, e da remição obrigatória para os senhorios enfitêuticos dos respectivos foros; reformas estas que, quando falei sobre o emparcelamento, designei, aliás, de bem mais importantes para a estrutura social do que todas as contemporâneas reformas constitucionais.
Poderia converter-se como que numa enfiteuticação de toda a propriedade arrendada - sem limitação de tempo ou vidas - generalizada no Norte, onde o arrendamento de tipo capitalista praticamente e por tradição quase não existe.
Seria como quando, por motivo de guerra ou revolução, se bloqueiam fulminantemente os depósitos bancários! Seria como que uma cisão do átomo social, quando o que se deve pretender, nas providências tendentes ao fortalecimento da agricultura, é que elas constituam programa no sentido de robustecer orgânicamente o tecido social, de que a família é decerto a célula, mas vão isoladamente considerada, antes integrada num enfeixamento de relações económico-sociais superiores como têm de ser as do patrão e caseiro; como têm de ser as associações ou, funcionantes tais, os grémios da lavoura, equivalências agrárias do municipalismo, ou de mais desejável progresso como as cooperativas.
E assim veríamos demonstrado que esta proposta de lei, sobretudo determinada por circunstâncias do Sul, sem em nada afectar de essencial a respectiva propriedade, poderá mas é vir a ter uma repercussão na propriedade do Norte, alterando-lhe profundamente a índole.
Dir-se-á, e estou disso convicto, não ser tal o pensamento governativo quanto à modificação proposta a que nos estamos referindo. Dir-se-á que a simples revisão da nova base XXXVII deva afastar essa interpretação. Estou convicto em que tal não seja o pensamento do Governo; em todo o caso, temos que nos prevenir contra automatismos de interpretações possíveis das cortes da justiça.
E nunca é de mais lembrar o sabido epigrama de Bocage, a propósito de um cônsul ente perante um advogado, em que este lhe dizia à força de textos e de juristas citados: «tem razão, razão de mais», e a que aquele, duvidoso, prudentemente retorquia: «dar-ma-ão os tribunais?»
Tanto basta para que me determine a propor dever-se eliminar, por perigoso, a não ser que se concretize aplicável só a casos limitados, todo o título II da proposta, quer sob a forma sugerida pela Câmara Corporativa, quer pela proposta do Governo.
Não quer dizer que, em ulterior diploma legislativo, o problema não volte a ser considerado com «trabalho honesto» (no sentido camoniano) e construtivamente.
Entre os elementos de alicerce indispensáveis à premente - que não quer dizer precipitada - reorganização agrícola adequada às necessidades do tempo já notámos o da instrução generalizada ora em curso, progressivamente estruturada em sentido rural. Podemos considerar ainda a achega preciosa que lhe começa a prestar o serviço militar - o sempre glorioso exército português! -, que, habituando hoje os recrutas ao uso dos motores e máquinas, os está preparando para a

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nova adaptação à agricultura modernizada para que é forçoso caminhar.
O planeamento por zonas e ordenamento rural a que se referiram vários oradores, entre os quais o Sr. Eng.º Azevedo Coutinho, terão de ter neste capítulo marcante papel de precedência.
Finalmente, as necessidades de largos financiamentos previstos nos planos de fomento para que a lavoura supere a sua actual fase de depressão devem trazer-nos um modelo justificativo da protecção merecida a atribuir aos que para o correspondente encargo melhor queiram contribuir. Decerto ao proprietário que queira honrar os seus deveres tradicionais de bonificador da terra, devidamente coadjuvado pelos Poderes Públicos, o primeiro lugar de sacrifícios a fazer, sacrifícios que a seu tempo se verão multiplicadamente reproduzidos.
Mas se não quiser tomar este posto de proa, e em seu lugar o queiram para si os arrendatários, então que se atribua a estes merecido prémio, parte mais substantiva no direito de propriedade.
O seu contributo, correspondente de certo modo à parte eminente que ao Estado não pode sobre a propriedade deixar de reconhecer-se, será como que compensação justa da expropriação que de certa maneira o proprietário não deixará de sofrer de parte ideal do seu direito.
E ainda pelo jogo de certas preferências a estabelecer nas alienações de propriedades - contra as quais não sentimos em demasia prevenções - se poderá indirectamente alcançar para quem a explore melhor acesso à propriedade, cuja importância para a estabilidade social, desde que se corrija correspondentemente o regime sucessório, é de curial evidência.
Sr. Presidente: muito mais teria a dizer do que aquilo que me foi possível, por escassez de tempo, trazer aqui à consideração da Assembleia. Disse, no entanto, o bastante para justificar a minha orientação perante o articulado sobre que pelos nossos votos temos de nos pronunciar.
No sentido das reflexões que acabam de ser expendidas ocorre propor diversas alterações que subscreverei, singular ou colectivamente, para serem presentes à Assembleia.

Reservar-nos-emos para quando da discussão na especialidade formular mais em concreto o nosso pensamento com adequadas intervenções.
E, pedindo vénia pelo tempo que roubei à Assembleia, termino.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
A próxima será, com a mesma ordem do dia, na terça-feira dia 20.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Júlio de Carvalho Antunes de Lemos.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Jesus Santos.
José dos Santos Bessa.
Júlio Dias dos Neves.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Nunes Fernandes.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Urgel Abílio Horta.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR, Luiz de Avillez.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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Resultados do mesmo Diário
Página 0757:
André Navarro, sobre a infiltração das actividades comunistas; Gamboa de Vasconcelos, acerca da questão

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