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21 DE FEVEREIRO DE 1964 3321

dentro desta Casa, e é a de as agriculturas estranhos sofrerem ou não de dificuldades comparáveis, na relatividade tias circunstâncias, as da nossa.
O ponto tem grande interesse, afigura-se-me, para decidir se o nosso estado de crise é principalmente filho de causas específicas e erros próprios, ou se é antes efeito de condições inerentes ao movimento universal da economia, pois da resposta dependerá não só o tratamento como a vontade de o aplicar. Ora é um facto, direi, um facto lamentável, mas exacto, que muitos críticos se têm ultimamente manifestado na convicção de a nossa agricultura sofrer só ou principalmente de males e erros exclusivos seus, óptica falsa que tende a alienar a compreensão e simpatia do público, embora não ouse insinuar que intencionalmente.

A Câmara não tem de me perdoar qualquer incómodo que lhe cause em fazê-la ouvir, mais uma vez, estas palavras, pois estará, certamente como eu estou, disposta a reconhecer nelas uma das notas reveladoras do carácter do Sr. Deputado Amaral Neto. Tanto que vou ler mais esta passagem do desenvolvimento do seu aviso prévio:

Não me parece ter deixado dúvidas atras, pelos exemplos e citações oferecidos, de lavrar por essa Europa fora crise tão fortemente sentida como entre nós e até ocupando mais tumultuosamente as atenções; não posso pensar que tenham passado despercebidos alaridos recentes em países amigos...

Possuidor de um espírito fortemente moldado nas virtudes tradicionais da grei, o Sr. Deputado Amaral Neto dispõe ainda da preparação necessária para estudar assuntos desta natureza.
Dir-se-ia que semelhantes predicados acarretam a consequente responsabilidade. Mas a consciência e a lealdade de propósitos do autor do presente aviso prévio em nada se hirtam - tenho a certeza - a defender os seus juízos, sempre que os julgue sustentáveis, ou até a modificá-los sempre que os veja impugnados por motivos atendíveis.

Sr. Presidente: houve tempo em que de todos os ofícios lucrativos, «nenhum melhor, nem mais produtivo, nem mais agradável, nem mais digno de um homem livre do que a agricultura». Era essa, por exemplo, e assim referida, a opinião de Cícero, no De Officiis. Mas as circunstâncias mudaram, e o ofício, continuando a ser agradável, pelo ambiente são em que decorre, e mantendo-se digno da condição de homem livre, perdeu bastante a qualidade de lucrativo, tanto que desde ha muito se aponta pura a agricultura como sendo uma actividade produtiva em crise. E não me estou pondo fora das razões. Todavia, peço licença para observar:
Quase tudo o que se faz em agricultura ou se dispõe para a agricultura sofre, por natureza, de retardamento.
Trabalha-se para melhorar a terra, e a terra leva tempo a reagir.
Legisla-se em sentido favorável, e a lei não se torna tão depressa visível nos seus resultados práticos.
Há necessidade de conhecer o solo em superfície e em profundidade, e os estudos de prospecção não se fazem de um dia para o outro, dada a imensidade e a densidade das características e dos predicados dos terrenos.
Se por alguma coisa temos forçosamente de esperar, é pelas respostas da terra. Maior nos parecerá a demora, se olharmos para o crescimento da industria. Rasgamos hoje os caboucos destinados a construção de uma fábrica. Amanhã os alicerces estão atacados. Depois sobem algumas colunas mestras, e não tardam os pavimentos ò a cobertura, ao mesmo tempo quê as máquinas cedo estão aptos a ser instaladas e a funcionar com pleno rendimento.
Enquanto a agricultura caminha necessariamente devagar, a indústria pode avançar depressa.
O confronto não é satisfatório nem tranquilizador. Daí a conclusão de que a agricultura, após o advento do típico dinamismo industrial, jamais deixou de ver aumentadas as suas dificuldades.
Estou a formular estas considerações porque não me julgo em presença de uma só crise da agricultura, pois existem o desequilíbrio permanente e o desequilíbrio acidental, sendo certo que a destrinça tem relevância, visto importar redução no volume do problema em debate, tornando-o menos grave, sendo ainda de considerar que logicamente não podemos negar essa redução. Quer isto dizer que, mesmo na hipótese de se acudir à agricultura com as medidas tendentes a um desenvolvimento pleno ou plenamente racional, tem de haver sempre atraso em face do crescimento da indústria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sucede mesmo que a verdadeira crise da agricultura portuguesa vem de longe.
O que era a nossa sociedade rural em épocas mais recuadas?
Os donos da terra tinham-se fixado na terra. Ali construíram os seus solares e moradias, animando a faina agrícola com a sua devotada presença. Alguns deles, ao mesmo tempo que não cessavam de valorizar a terra, apoiavam-se no brioso contentamento de terem sido eles próprios os vencedores da terra, por terem expulso dela o tumulto das raízes que lhe desperdiçavam o poder criador. Havia como que um frémito de energia rural, que se comunicava à mais humilde gente da enxada, pela qual o próprio patrão em regra zelava, acudindo-lhe na vida.
A agricultura não era então só o ofício nobre que continua a ser: era o ofício que os nobres e os grandes exerciam com indefectível galhardia.
Depois, a luz e o rumor da cidade começaram a seduzir os homens da terra. Agora um, depois outro, foram sendo atraídos pelas doces comodidades e pelas alegrias, quantas vezes artificiais, dos grandes centros urbanos, designadamente os mais dotados de condições aliciantes. Os próprios trabalhadores que não participavam na posse da terra ou que tinham um palmo em que se debruçavam com afinco também se sentiram desencorajados, e, ou pela via da emigração ou pela procura de trabalho nos meios mais populosos, deram em engrossar o êxodo.
Então muitos palácios rurais ficaram desertos, alguns em ruínas, e até os simples tectos a que se acolhiam os mais pobres trabalhadores do agro deixaram de sentir o bulício da lareira.
Deste género de transformação nasceu, sem dúvida, um factor de crise na agricultura.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Começou assim a acentuar-se a diferenciação entre os ramos da actividade, que os economistas muito mais tarde haveriam de arrumar em três sectores: o primário, envolvendo a agricultura, a pesca e as actividades extractivas; o secundário, abrangendo as indústrias transformadoras e de construção; o terciário, agrupando os transportes e comunicações e os muitos e variados serviços de interesse público e privado.
E a agricultura, que nunca fora, em boa verdade, um seguro negócio, passou a ser meramente uma ocupação.