3322 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 132
Pior ainda com a revolução industrial operada, nalguns países, intensamente, no século XIX, a ponto de ficarem os campos abandonados, tão poderosa se manifestou a forca de atracção das espectaculares vantagens oferecidas pela indústria.
Portugal não acompanhou, pode dizer-se, em ritmo análogo esse movimento, mas não podia deixar de integrar-se nele, ainda que seguindo-o com algum atraso. No entanto impor-se a sua vida agrícola ressentiu-se, e agora, que o surto industrial parece, até por exigências da cooperação europeia, o fenómeno avoluma-se através dos seus efeitos, aumentando aquela margem de desequilíbrio permanente a que já me referi.
Não obstante, e embora modificadas as condições de vida nos campos, a agricultura não parou. Constituindo uma actividade essencial à vida humana, por nela assentarem as necessidades básicas da existência, não poderia entregar-se à inércia. Procurou evoluir, evoluiu e evolui. Assim, os choques perturbadores entre a técnica e a rotina, apesar de compreensíveis, afirmam-se inevitáveis.
Surgem novas técnicas de trabalho.
O crescimento e a diversidade do consumo, dia a dia mais premente, estimulam a produção.
Ao passo que a agricultura é mecanizada, em maior ou menor escala, aumentando proporcionalmente a produtividade do trabalho, o próprio solo, pela incorporação de estimulantes e correctivos alcançados pela ciência, produz mais e com menor esforço.
Desta forma, e admitindo mesmo o benéfico efeito da mecanização, na parte em que engrossa o número de agricultores por conta própria - libertando-os do regime de assalariamento -, novas dificuldades se verificaram pela fuga dos assalariados em busca de emprego na indústria.
Um dos mais cintilantes especialistas de economia agrária do nosso tempo observava, com toda a razão, que os movimentos intensos de êxodo agrícola, desencadeados pelo desenvolvimento das indústrias e dos serviços, se por um lodo têm estabelecido o equilíbrio demográfico em zonas sobrepovoadas, determinam nos campos suma profunda sangria dos melhores elementos de trabalho e iniciativa, que contribui para a destruição dos centros vitais da comunidade camponesa», acrescentando - em esclarecedora e eloquente síntese - que «o rural, enquanto não é chamado a reconstruir sobre as ruínas da sociedade tradicional uma nova estrutura agrária, não encontra outra solução que não seja a de atender às solicitações da indústria, dos serviços, do urbanismo, esquecendo, sem culpa, os imperativos do seu destino histórico».
Mas a agricultura não pode limitar-se, nem nunca se limitou, à produção. Distribuir e comercializar os produtos foi sempre e continua a ser um dos seus objectivos complementares com vista à remuneração compensadora.
Assim, com o desenvolvimento das comunicações através das novas estradas e dos novos transportes, a primitiva malha da distribuição em que participavam os próprios produtores agrícolas cresceu, e ganhou acentuada autonomia. Correspondentemente, aumentaram as suas exigências de ordem funcional e outras que a ambição e a, febre do lucro trazem. Nem só os comerciantes surgiram, como classe diferenciada. Apareceu também aquele intermediário que já não é bem o comerciante comedido e eficaz,- mas o perturbador das transacções, que busca o sobrelucro em pura actuação especulativa.
Por outro lado, tornou-se denso e deveras complexo o próprio comércio.
O produto começou a circular de cada vez mais sobrecarregado - por vezes injustificadamente - até ao consumidor, sem que se reflectisse na origem, ou seja no sector primário, o suplemento de preço suportado por aquele que paga, finalmente, não só os encargos da produção mas os da distribuição, mesmo os inaceitáveis.
Por cima de tudo isto, o mau tempo que Deus manda, para que os homens aprendam a saber que o sol, a chuva e o vento não são forças que se verguem ao seu mando.
De estranhar seria, pois, que alguém estranhasse a realização do presente aviso prévio.
E esta Assembleia lugar marcadamente próprio para a apresentação e discussão das questões de interesse nacional e das questões de relevo ligadas ao interesse local, desde que expostas e debatidas com evidente utilidade.
Facultar à nossa consciência de parlamentares elementos de estudo sobre a crise da agricultura, que não é só nossa, mas universal; precisar os aspectos particulares que caracterizam num ou noutro pormenor a crise portuguesa; chamar a atenção do Governo para este e aquele pontos fundamentais - adiantar argumentos, formular votos, enfrentar dúvidas, observações e comentários, tudo com sereno e criterioso realismo, é tarefa de muita dignidade e responsabilidade.
E uma coisa - além dos abundantes e valiosos contributos devidos ao Sr. Deputado Amaral Neto e aos Srs. Deputados que se seguiram no uso da palavra - se ganhou já com este aviso prévio. O Governo, que vinha já manifestando os seus propósitos através de declarações públicas, definiu ainda mais os seus planos de acção, quanto aos problemas de «produzir mais», de «produzir melhor» (envolvendo a adaptação da exploração às técnicas) e de se «repartir e distinguir melhor os resultados da produção» por meio da comercialização e dos preços.
Não tenho necessidade de seguir aqui o desenvolvimento dado pelo Sr. Ministro da Economia à exposição que enviou a esta Assembleia. Todos VV. Exas. a ouviram e a leram atentamente. E o próprio País também a conhece através dos órgãos de informação.
Pelo que se vê, o Governo mostra-se atento e resolvido a encarar frontalmente os actuais problemas da agricultura, sendo certo que só os poderá resolver no espaço de tempo consentido pela natureza desses, problemas e com o concurso da própria agricultura. Neste ponto, a insistência é legítima e indispensável. Em mais de uma passagem da sua extensa exposição, o Sr. Ministro da Economia fala da vantagem de os agricultores se organizarem, não para um simples esforço de ajuda entre alguns, mas para um. esforço que se integre validamente no esforço geral, de forma que a agricultura transite para processos de vida menos isolados e menos individualistas. Referindo-se ainda ao agricultor, e a propósito do desvio entre preços na produção e no consumo, não foge mesmo a reconhecer e a afirmar que «a tendência actual é para fazer participar o produtor nos benefícios mediante a sua associação ou cooperação», sendo de notar que «em quase todos os países, mesmo de feição liberal, os movimentos cooperativos desempenham papel fundamental».
Poderia agora, e a propósito da cooperação e da tendência cooperativa, trazer ao plenário alguma soma de considerações, pois já tive o ensejo de estudar esses movimentos com bastante curiosidade e suficiente demora. Mas alongaria em excesso esta minha intervenção, e não acrescentaria, certamente, qualquer novidade ao que em outro lugar já disse.
«A história do movimento cooperativo - diz o Prof. Michel Cépède - é a história da longa e dura luta de pioneiros que têm pouco a pouco definido e conseguido obter parcialmente um estatuto equitativo para a nova forma de solidariedade humana que se esforçam por inserir no meio estranho do mundo económico actual».