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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETÁRIA-GERAL DA ASSEMBLEIA NACIONAL

DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148

ANO DE 1964 20 DE MARÇO

VIII LEGISLATURA

SESSÃO N.º 146 DA ASSEMBLEIA NACIONAL

EM 19 DE MARÇO

Presidente: Exmo. Sr. Mário de Figueiredo

Secretários: Exmos. Srs. Fernando Cid Oliveira Proença
Luis Folhadela de Oliveira

Nota. - Foi publicado um suplemento ao Diário das Sessões n.º 132, inserindo o parecer das Contas Gerais do Estado de 1962 (metrópole).

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Virgílio Cruz requereu informações nobre o Plano rodoviário de 1945.
O Sr. Deputado Gonçalves Rodrigues requereu informações sobre livros e outras publicações proibidas.
O Sr. Deputado Moura Ramos requereu informações sobre comissões nomeadas há mais de um ano.
O Sr. Deputado Alberto de Araújo agradeceu ao Sr. Ministro das Finanças o despacho de autorização do aumento da área dã cultura da cana sacarina na ilha da Madeira.
O Sr. Deputado Antão Santos da Cunha apresentou uma nota de aviso prévio acerca das estruturas políticas, sociais e económicas do Regime.
O Sr. Deputado Mário Galo referiu-se ao Decreto-Lei n.º 45 331, que estabelece o sistema de licenciamento para a circulação de veículos automóveis de carga particulares.
O Sr. Deputado Alberto de Meireles manifestou a sua confiança em que entre em execução o Decreto n.º 45 002, que assegura aos funcionários civis a assistência nas várias modalidades de doença.

Ordem do dia. - Prosseguiu o debate sobre as Contas Gerais do Estado (metrópole e ultramar) e da Junta, do Crédito Público referentes ao ano de 1962.
Usaram da palavra os Srs. Deputados Ubach Chaves, Santos Bessa e Martins da Cruz.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Agnelo Ornelas do Rego.
Agostinho Gonçalves Gomes.
Alberto Carlos de Figueiredo Franco Falcão.
Alberto Henriques de Araújo.
Alberto Maria Ribeiro de Meireles.
Alberto Pacheco Jorge.
Alberto Ribeiro da Costa Guimarães.
Albino Soares Pinto dos Reis Júnior.
Alexandre Marques Lobato.
Alfredo Maria de Mesquita Guimarães Brito.
André Francisco Navarro.
Aníbal Rodrigues Dias Correia.
Antão Santos da Cunha.
António Augusto Gonçalves Rodrigues.
António Barbosa Abranches de Soveral.
António Gonçalves de Faria.
António Júlio de Carvalho Antunes do Lemos.
António Magro Borges de Araújo.
António Moreira Longo.
António da Purificação Vasconcelos Baptista Felgueiras.
Armando Cândido de Medeiros.

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Armando Francisco Coelho Sampaio.
Armando José Perdigão.
Artur Águedo de Oliveira.
Artur Alves Moreira.
Artur Augusto de Oliveira Pimentel.
Artur Proença Duarte.
Augusto José Machado.
Belchior Cardoso da Costa.
Bento Benoliel Levy.
Carlos Alves.
Carlos Coelho.
Carlos Emílio Tenreiro Teles Grilo.
D. Custódia Lopes.
Délio de Castro Cardoso Santarém.
Domingos Rosado Vitória Pires.
Elísio de Oliveira Alves Pimenta.
Ernesto de Araújo Lacerda e Costa.
Fernando Cid Oliveira Proença.
Francisco António Martins.
Francisco António da Silva.
Francisco Lopes Vasques.
Francisco de Sales de Mascarenhas Loureiro.
Henrique Veiga de Macedo.
Jacinto da Silva Medina.
James Pinto Bull.
Jerónimo Henriques Jorge.
João Mendes da Costa Amaral.
João Nuno Pimenta Serras e Silva Pereira.
João Rocha Cardoso.
João Ubach Chaves.
Joaquim de Jesus Santos.
Joaquim José Nunes de Oliveira.
Jorge Augusto Correia.
José Alberto de Carvalho.
José Augusto Brilhante de Paiva.
José Dias de Araújo Correia.
José Manuel da Costa.
José Manuel Pires.
José Maria Rebolo Valente de Carvalho.
José de Mira Nunes Mexia.
José Monteiro da Rocha Peixoto.
José Pinheiro da Silva.
José dos Santos Bessa.
José Soares da Fonseca.
Júlio Alberto da Costa Evangelista.
Júlio Dias das Neves.
Luís de Arriaga de Sá Linhares.
Luís Folhadela de Oliveira.
Manuel Herculano Chorão de Carvalho.
Manuel Homem Albuquerque Ferreira.
Manuel João Correia.
Manuel João Cutileiro Ferreira.
Manuel Lopes de Almeida.
Manuel de Melo Adrião.
Manuel Nunes Fernandes.
Manuel de Sousa Rosal Júnior.
D. Maria Margarida Craveiro Lopes dos Reis.
Mário Amaro Salgueiro dos Santos Galo.
Mário de Figueiredo.
Olívio da Costa Carvalho.
Paulo Cancella de Abreu.
Quirino dos Santos Mealha.
Rogério Vargas Moniz.
Rui de Moura Ramos.
Sebastião Garcia Ramires.
Virgílio David Pereira e Cruz.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 87 Srs. Deputados.
Está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Telegrama

Da Federação dos Grémios da Lavoura de Vila Real e Alto Douro a apoiar a intervenção do Sr. Deputado Virgílio Cruz no debate das contas públicas.

O Sr. Presidente: - Quero informar VV. Ex.ªs de que, dado o número de oradores inscritos, não deixará de haver sessão no próximo sábado e não sei se terá de havê-la na próxima segunda-feira. VV. Ex.ªs ficam assim prevenidos de que a ordem do dia poderá não ficar esgotada no sábado e terá de esgotar-se na segunda-feira. E sabem também que a Assembleia não pode funcionar na ordem do dia não estando presente a maioria do número legal dos seus membros, isto é, não estando presentes 66 Srs. Deputados.
Tem a palavra para um requerimento o Sr. Deputado Virgílio Cruz.

O Sr. Virgílio Cruz: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

"O Plano rodoviário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34 593, de 11 de Maio de 1945, prevê uma extensão da rede de estradas nacionais classificadas de 20 597 km.
Nos termos regimentais, requeiro que, pelo Ministério das Obras Públicas, me sejam fornecidas:

a) Indicação, por distritos e por categoria, de estradas nacionais classificadas da parte do Plano rodoviário já executada;
b) Indicação, por distritos, da extensão de estradas nacionais com pavimento de macadame".

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

"De acordo com as normas constitucionais, requeiro que, pala Presidência do Conselho e pelo Ministério do Interior, me sejam fornecidos, com a possível urgência, os elementos de informação seguintes:

Pela Presidência do Conselho:

Lista das obras literárias em língua portuguesa, originais ou traduções, cuja venda e proibição pelos serviços de censura ainda hoje se mantenham e daquelas que, tendo um dia sido objecto de restrições, podem já circular livremente.
Lista das obras em línguas estrangeiras nas mesmas condições e de matéria exclusivamente literária.
Cópia das instruções, circulares e outro material do orientação oficial dirigidos nos últimos cinco anos

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pelos serviços de censura a todos os serviços públicos intervenientes no que respeita à importação, edição, circulação e representação de matéria literária, com especial referência a revistas ilustradas e publicações humorísticas em qualquer língua e de carácter dissolvente.
Cópia de idêntico material dimanado da Comissão de Literatura Infantil.
Indicações concretas da actividade ou dos planos do Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo no que respeita ao fomento de actividades culturais orientadas para a difusão de ideias e para a formação política de sentido nacional capazes de contribuírem para a criação de uma mentalidade que garanta a revitalização dos grandes ideais portugueses nas novas gerações.

Pelo Ministério do Interior:

Indicação da legislação vigente sobre publicações obscenas.
Nota das intervenções policiais provocadas nos últimos dez anos pela circulação ilegal de publicações ofensivas da moral pública.
Lista das obras ou publicações de qualquer natureza e respectivas quantidades apreendidas no mesmo período, com indicação das casas editoras ou distribuidoras responsáveis."

O Sr. Moura Ramos: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa o seguinte

Requerimento

"Para uma eventual intervenção sobre os graves inconvenientes que resultam das excessivas demoras de muitas das comissões nomeadas na apresentação de trabalhos que lhes foram cometidos, requeiro, ao abrigo das disposições regimentais, que, pelos diferentes Ministérios, me sejam fornecidas as seguintes informações:

1.º Comissões nomeadas há mais de um ano;
2.º Trabalhos que hajam realizado;
3.º Elementos que as compõem e remunerações que lhes são atribuídas".

O Sr. Alberto de Araújo: - Sr. Presidente: por despacho do Sr. Ministro das Finanças acaba de ser autorizado o aumento da área em que na Madeira actualmente se cultiva a cana sacarina, podendo os agricultores plantar mais 2 milhões de soca de cana.
Porque me ocupei recentemente deste assunto na Assembleia Nacional e porque o despacho do Sr. Ministro das Finanças não só demonstra o interesse que sempre dedica aos problemas daquele arquipélago, mas também constitui um primeiro e importante passo para que a Madeira possa, no futuro, produzir o açúcar e o álcool necessários ao consumo local, satisfazendo, ao mesmo tempo, legítimas aspirações da lavoura, aqui exprimo a S. Ex.ª o reconhecimento do distrito que me honro de representar nesta Câmara.
Aproveito a oportunidade de estar no uso da palavra para me congratular, como Deputado e como presidente da Associação Comercial, com o facto de o Sr. Ministro da Economia ter aceite o convite do Sr. Governador do Funchal para visitar a Madeira.
Esperamos que essa visita ponha o Sr. Ministro da Economia em contacto directo com os problemas e a vida económica da ilha, com os diversos órgãos da administração local, com as entidades mais representativas do seu comércio, da sua indústria e da sua agricultura, de maneira a se poderem estabelecer as bases e as linhas gerais em que deve ser estruturado o planeamento económico do arquipélago, hoje, mais do que nunca, necessário e urgente.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Antão Santos da Cunha: - Sr. Presidente: pedi a palavra para enviar para a Mesa uma nota de aviso prévio sobre as estruturas políticas, sociais e económicas do Regime.
O carácter representativo das nossas instituições políticas mereceu-me há dias algumas palavras de comentário e admiti desde logo que o problema pudesse ser objecto de mais larga apreciação.
O interesse que o assunto despertou nesta Câmara e a repercussão que as minhas palavras tiveram fora dela encorajam-me a levar por diante aquele meu propósito, confiado menos no mérito de uma contribuição pessoal necessariamente modesta do que no valimento de testemunhos mais qualificados que porventura possa provocar.
Alea jacta est...
As duras realidades da hora presente num mundo que se agita, e perde, pelo esquecimento ou pela renúncia de valores espirituais que ordenem e comandem a vida das nações e dos próprios indivíduos, aquelas prementes realidades, dizíamos, obrigam-nos a reconhecer ao factor político uma importância cada vez maior.
É que na confusão geral em que muitos se extraviam só conseguirão sobreviver os povos que, fiéis às constantes da sua história, aos valores que a enformam, souberem acautelá-los e defendê-los como elementos vivificadores do seu carácter e personalidade e como base sobre a qual é possível erguer com segurança uma vida de renovação e de progresso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E este alto objectivo de fidelidade à história e de identidade com os justos anseios da nossa época só o podemos alcançar através de instituições políticas capazes e eficientes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pelo que a Portugal respeita e, sobretudo, pelo condicionalismo difícil que, imerecidamente, nos foi criado, aquela eficiência e capacidade hão-de aferir-se pelo contributo e revigoramento que as instituições possam dar à unidade nacional.
Mas a unidade nacional dos Portugueses terá de ser mais do que uma simples afirmação, ou mesmo mais do que um ideal que se prossegue descuidadamente.
Tem de afirmar-se como uma profunda realidade espiritual, como um estado de alma que nos identifica e solidariza com os sagrados interesses da terra comum.
A nossa consciência política poderá ser solicitada por duas tendências antagónicas: uma, que nos leva a pensar os problemas no plano nacional; outra, que nos arrasta para a visão mais restrita da nossa óptica partidária.
Mas, como elementos de uma comunidade, e, por isso, com deveres que transcendem a nossa própria posição individual, temos de nos superiorizar ao ponto de, com na-

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turalidade, sacrificarmos as manifestações da nossa pequena consciência partidarista aos ditames mais elevados de uma consciência nacional esclarecida e firme. Só assim poderemos encontrar o ponto óptimo de síntese daquelas duas tendências.
Fazer um esforço sério para realizar esse encontro é tudo quanto nos pode impor esta hora crucial da Pátria; é tudo quanto a todos podem exigir os que lutam e morrem por ela.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ora, esta preocupação eminentemente nacional tem dominado a nossa vida política nas últimas três décadas.
E os resultados estão à vista, com largo saldo positivo de vitórias e realizações nos diversos sectores da vida pública e com posição de marcado relevo pelo que respeita à intransigente e corajosa defesa dos nossos direitos de Nação livre e independente pelo Mundo repartida.
No entanto, e sem esquecer o muito que o País deve ao Regime, talvez possamos pôr algumas questões e procurar superar algumas dificuldades.
Os grandes objectivos nacionais, inseridos na Constituição Política como seu conteúdo programático, são, certamente, acoites pela generalidade dos Portugueses.
Sem divergências de fundo que valha a pena considerar, as opiniões poderão dividir-se no tocante aos métodos considerados mais hábeis para realizar aqueles superiores objectivos.
Não esqueçamos, porém, que a identidade de fins é só por si um factor de aglutinação que não deve ser desprezado, e que em muito pode influenciar a consciência política de vastos sectores da população, se soubermos estruturar era termos válidos e executar com autenticidade a sua participação na vida política e garantir a sua presença na condução dos negócios públicos.
Esta participação, sob o signo da unidade nacional, é o escopo maior do nosso sistema representativo.
A questão que a muitos preocupa é a de saber se o sistema está estruturado em termos de assegurar convenientemente aquela participação, ou, o que vale o mesmo, se a institucionalização do Regime atingiu grau suficiente e se se processa em nível de funcionamento aceitável e eficaz.
Entendem alguns - e eu também - que essa estrutura pode ser completada e robustecida, tornando mais densa u nossa vida política pelo aproveitamento equilibrado de todos os seus órgãos, que devem ser respeitados nas suas prerrogativas próprias, sem o que não haverá condições de interesse e estímulo para uma colaboração prestigiosa e responsável.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que é de todos deverá ser garantido pela participação de muitos, em função dos interesses legítimos do quadro natural a que pertencem, ou das aspirações da instituição a quem cabe a sua representação.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Muito bem!

O Orador: - Em plano de responsabilidade, temos de forjar o nosso próprio destino, ultrapassando as delícias de certo "providencialismo" de que alguns julgam poder fiar, indefinidamente, a segurança da sua vida e fazenda.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Bem generosa tem sido connosco a Providência ao assegurar-nos, por tão largo tempo, uma chefia sábia e decidida, prudente e firme; a chefia de que a Nação carecia nesta hora grave da sua história.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Mas, se a excelência desse comando singular é razão de confiança ilimitada, e bem merecida, de muitos, alguns receiam - e eu também - que ela sirva de pretexto para molezas e desleixos, para erros e desvios, a contar, antecipadamente, com a "capa da misericórdia" de uma autoridade e prestígio que tudo supera e absolve!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Seja como for, devemos preparar-nos dignamente para sobreviver e continuar, honrando essa chefia e merecendo o seu sacrifício de inteira e inigualável devoção ao bem comum.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E, posto o problema da necessidade de uma mais intensa vida política e de um revigoramento das nossas instituições representativas, é a altura de salientar que a sua solução interessa, de modo muito especial, aos que se movimentam no quadro doutrinário da Revolução de Maio, pelo que se deverá encarar com certa reserva o zelo de alguns que, vivendo outras preocupações, muito se inquietam com o futuro do Regime, que, em boa verdade, não aceitam nem defendem...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Isto quer dizer que o problema é fundamentalmente nosso, embora se não veja inconveniente em o pensar em voz alta, não só porque já é de muitos, mas porque poderá ser de muitos mais, de todos quantos, sem ideias preconcebidas, só esperam que se lhes abram caminhos para uma colaboração leal e desinteressada no plano nacional.
Pelo nosso lado, olhando em frente, queremos melhorar e progredir, e combateremos todas as fórmulas de estagnação, de regresso e de abandono.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - No panorama geral da nossa representação orgânica ocupa lugar fundamental a organização corporativa.
São muitos e complexos os seus problemas, pelo que o seu estudo e solução se reveste da maior importância para a vida o futuro do Regime.
Não sei se todos terão dado conta desta verdade e se todos estarão conscientes do que a organização corporativa representa na nossa estrutura constitucional.
A minha dúvida nasce do conhecimento de factos verdadeiramente preocupantes, que vão desde verdadeiras heresias no plano doutrinário aos mais espantosos desatinos no plano da acção.
O Ministro das Corporações - fiel aos imperativos de uma honrosa, mas pesada, tradição de intransigência doutrinária - vai procurando manter o fogo sagrado, empenhado em reacender a velha chama que iluminou tantas inteligências e aqueceu tantos corações, e, por isso, possibilitou tantas conquistas e tantos triunfos.
Mas essa afirmação de ideal esbarra com a montanha enorme da incompreensão e da hostilidade, que se ergue

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dominadora e intransponível, mesmo em sectores com responsabilidades, e dos quais, por isso mesmo, legítimo seria esperar identidade de propósitos e amiga colaboração!
Sem querer dramatizar as coisas, sinto-me obrigado a dizer que, neste capítulo, se atingiu, para além de algumas belas palavras, um estado de extrema tensão, aquela tensão que, normalmente, precede as rupturas irremediáveis.
Os organismos corporativos de muitos sectores estão cansados da inutilidade dos seus esforços e das suas canseiras.
Não podem suportar, por mais tempo, agravos e desconsiderações.
A sua presença no estudo e solução dos problemas ou é esquecida, ou, o que às vezes é pior, é menosprezada sem fundamento ou razão. Ninguém se dá ao trabalho de cotejar e discutir soluções ou de demonstrar a superioridade daquelas que se defendem.
A inexperiência e a falsa sabedoria de qualquer burocrata de 3.ª ordem sobrepõem-se, sistemàticamente, ao parecer dos que conhecem os problemas e têm legitimidade representativa para influenciar o sentido das melhores soluções a tomar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Os organismos e os seus dirigentes desprestigiados e desiludidos. As actividades, e as empresas que as integram, a sofrer os prejuízos de experiências mal pensadas ou de procedimentos ou omissões injustificados.
Criadas as Corporações com tanto alvoroço e esperança, nelas estamos a queimar, desatentamente, as últimas possibilidades de uma autêntica representação de interesses nos quadros da nossa vida política, social e económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Este problema deverá ser examinado em toda a sua amplitude e com todas as suas implicações, dispostos a aceitar, com honestidade intelectual, os resultados a que possa conduzir o seu estudo sereno e desapaixonado.
O que não podemos é alicerçar uma conduta sobre equívocos e incertezas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Hão-de tomar-se as decisões que se mostrem mais consentâneas com o interesse nacional, e para trás terão de ficar aqueles que não souberam ou não quiseram identificar-se com aquele interesse ou que pretendiam realizá-lo por caminhos que não são os nossos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As considerações que aí ficam procuram justificar, em traços muito largos, um aviso prévio, que peço vénia para anunciar, sobre as estruturas políticas, sociais e económicas do Regime e que subordino aos seguintes pontos essenciais:

a) A nossa estrutura constitucional como meio de realização do bem comum. Equilíbrio e cooperação dos vários órgãos da soberania;
b) O sistema representativo orgânico e a participação efectiva dos cidadãos na condução dos negócios públicos. As normas que entre nós o consagram. Possível alargamento e reforço do sentido representativo das nossas instituições políticas;
c) A organização corporativa no quadro constitucional. Os princípios que a enformam e as normas que presidem ao seu funcionamento. Possível revisão de algumas dessas normas. Preocupação de simplicidade e eficiência;
d) A política social. Seus principais objectivos. O "clima" em que se desenvolve e os meios de que se dispõe para a sua realização. Coordenação de esforços dos vários sectores responsáveis pela condução daquela política;
e) A política económica. Seus objectivos essenciais. Meios para a sua realização. A direcção da vida económica. Órgãos que a devem executar. A disciplina corporativa e a intervenção estatal. O ordenamento interno da nossa vida económica e as sujeições que derivam da nossa colaboração no plano internacional.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Mário Galo: - Sr. Presidente, prezados colegas: na sessão de 12 de Dezembro do ano findo, quando da desluzida intervenção que me coube efectuar na apreciação da proposta de Lei de Meios para este ano de 1964, tive a honra de produzir brevíssimas considerações sobre o Decreto-Lei n.º 45 331, de 28 de Outubro também do ano findo - o diploma que estabelece o sistema de licenciamento para a circulação de veículos automóveis de carga mistos e de reboques afectos a transportes particulares de mercadorias. E então eu dissera que me reservava para mais tarde tratar do assunto menos perfunctòriamente, porque tal assunto o merecia - e merece-o.
Já nesta Assembleia se ouviu a voz autorizada do ilustre Deputado Alfredo Brito, que fez ao mesmo decreto-lei uma crítica bastante pertinente, bastante construtiva. Uma crítica que dispensaria outras se acaso o assunto não se apresentasse com magnitude tal que não será de mais tudo quanto se diga ou faça no sentido da minoração dos efeitos mais ou menos tremendos da sua aplicação à vida (tão atribulada já) das nossas indústrias e outras actividades.
Com risco, pois, de confrontos com a brilhante argumentação daquele ilustre colega, aqui vou expor o que julgo ser dever meu dar à atenção condescendente da Assembleia, com apelo à consideração do ilustre Ministro das Comunicações, que, sem dúvida nenhuma, reverá, com o seu alto espírito de compreensão, o decreto-lei que tanto sobressaltou, por exemplo, a indústria transformadora entre nós e, não menos, toda a actividade agrícola do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sou de franca opinião de que, quanto ao Decreto-Lei n.º 45 331, se deve discordar do seu conteúdo e da sua oportunidade. Com efeito, quanto ao conteúdo, devemos entender que a uma supressão eventual do parque automóvel de transportes privados não corresponderia uma imediata tomada de posição pelo parque de aluguer, incluindo o caminho de ferro (este não talvez por não comportar a carga, mas por outros condicionalismos, como o de não ter os seus vagões positivamente ao lado das fábricas).

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E julgo ser ainda de conteúdo não certo a circunstância de a iniciativa própria do transporte de aluguer nunca se ter tornado, fosse lá pelo que fosse, de tal maneira eficiente, na quantidade e no mais, que viesse a desencorajar entre nós o surto do transporte particular.
O crescimento da produção e do escoamento dos artigos fabris - no afluxo às fábricas das matérias-primas e na saída dos produtos fabricados - nunca mereceu, fosse lá pelo que fosse, repito, do transporte de aluguer a observação atempada, eficiente, colaborante (e -coordenada com os caminhos de ferro), que se tornava precisa.
O que aconteceu foi que o transporte de aluguer se deixou ultrapassar, queixando-se só quando se apercebeu do vulto que o transporte em geral já oferecia.
Uma panorâmica da composição do parque total automóvel dos transportes diz isso, sem sombra de dúvida. E, ainda quanto ao conteúdo, não se concorda de maneira nenhuma -quer entre os Gregos, quer entre os Troianos ... - com o sistema de tributações inserto no referido decreto-lei.
Quanto à sua oportunidade, acontece:

Os prejudicados maiores (indústrias com o seu parque automóvel de transportes) têm, quanto aos produtos que fabricam, de fazer frente a uma concorrência estrangeira que se antolha avassaladora no próprio mercado interno. Aliás, uma concorrência com que não contavam na altura em que adquiriram, dentro de todos os preceitos legais, o seu parque automóvel de transportes.
Os beneficiados (os transportes de aluguer) não têm uma concorrência estrangeira a encarar.

E poderá dizer-se: a uma descida mais ou menos vertiginosa das barreiras aduaneiras, que têm defendido as indústrias transformadoras metropolitanas, vai juntar-se agora o desemprego de uma fonte de abaixamento (que nunca se pode confundir com qualquer espécie de subsídio, directo ou indirecto) dos custos de produção-venda que eram os seus próprios transportes (nas matérias-primas, por exemplo, no afluxo, e, naturalmente, nos produtos acabados, no escoamento). Dois fenómenos que se apresentam com o mesmo sinal - um sinal negativo para a indústria transformadora.
Voltando a falar do conteúdo, direi ainda que se trata, sem dúvida, de uma providência que não agrada - já o disse há pouco: nem a Gregos nem a Troianos-a qualquer dos parques automóveis de transporte. Realmente, como ainda há poucos dias o acentuou o importante matutino O Século, o problema que envolve a indústria da camionagem de carga não ficou resolvido, pois tal indústria continua a estar altamente onerada na tributação que sobre ela impende - e a camionagem de carga particular afecta às fábricas, nos seus transportes privativos, ficou a estar onerada numa escala imponente! Imponente nas suas proporções e imponente de preocupações!
Uns números comparativos que adiante produzirei comprovam-no, quanto ao que se pagará cá e ao que se paga noutras nações.
Sr. Presidente: o Decreto-Lei n.º 45 331, independentemente da circunstância de a sua plenitude de incidência fiscal não se verificar de um só jacto e de, a meu ver, não ficar resolvida a situação da camionagem de aluguer, tem, no entanto, de ser encarado já na sua figura final quanto às indústrias transformadoras que possuem transportes de carga próprios - e pode dizer-se que não há indústria transformadora categorizada que os não tenha. E digo que tem de ser encarado já porque, ao contrário do que se lê no preâmbulo do referido decreto-lei, tais transportes nessas indústrias transformadoras categorizadas, longe de servirem para serem obtidos "lucros", servem antes para uma deflação de preços do custo ou de venda - e esta deflação aproveita, em última análise, não ao industrial, mas ao consumidor final ou a outras indústrias intermédias que tenham esta primeira produção como matéria-prima para as suas próprias produções finais.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E já na minha citada intervenção de 12 de Dezembro do ano findo eu o dissera, a tal movido apenas pelo conhecimento que tenho dessas circunstâncias, dada a minha condição, também, de industrial e de membro, ainda que apagado, da Corporação da Indústria. Disse eu então:

... na indústria transformadora e noutras o transporte efectuado pelos seus veículos e para sua exclusiva utilização não é um modo de criar lucro, mas um modo de baixar custos de produção-venda e de preços ao consumidor final.

Ora, eis que me chega às mãos uma obra (editada pela conhecidíssima Casa Delmas, de Paris) subordinada ao título La Pratique dês Transporta par Fer-Route-Eau-Air, de Paul Durand, que no seu intróito nos diz expressivamente:

Les transports sont l'un des baromètres économiques dune nation; leur coût est un des éléments du prix de revient.

Repito: prix de revient - preço do custo.
E isto conduz-nos a toda uma série de considerações de vária índole, entre as quais avulta a de o jogo de abaixamentos ou elevações do volume do escoamento promover elevações ou abaixamentos de produção pela sua repercussão maior ou menor no poder aquisitivo do consumidor final.
Sr. Presidente: não obstante algumas aclarações promovidas pelo Ministério das Comunicações - dando-nos, pela sua informação pública de 19 de Dezembro de 1963, nota de que muitos casos estão a ser estudados com vista a modificações a introduzir no decreto-lei que está em causa -, a verdade é que o problema fundamental fica de pé: o agravamento dos custos de produção ou de venda (e suas implicações encadeadas, influenciadoras, em última análise, dos dimensionamentos fabris) dos artigos da indústria transformadora. Porque, em boa verdade, o dimensionamento fabril processa-se - diga-se lá o que se disser - se o industrial admite, pelo menos, a hipótese de vir a produzir artigo que se bata econòmicamente com o da concorrência, quer no mercado interno, quer, se for o caso, no mercado internacional.
Ora, já que se falou em concorrência, hemos que considerar que, em pouco tempo, caiu sobre a indústria transformadora portuguesa uma multidão enorme de preocupações ou de esforços de adaptação, na decorrência de:

a) Novos tributos fiscais (ou de maior peso, se já existentes);
b) Ingresso da metrópole no complexo integrado instituído pela Convenção de Estocolmo (E. F. T. A.);
c) Adesão portuguesa ao G. A. T. T.; e, sem dúvida, quanto a esforços de adaptação,
d) Consideração injuntória da integração económica do espaço português.

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E o Decreto-Lei n.º 45 331 é um facto novo, uma injunção nova de agravamento, que se junta às injunções dramáticas que a nossa indústria transformadora viu erguerem-se à sua frente desde há uns três ou quatro anos para cá, principalmente pelo acastelamento das dificuldades em que ficou, pois, em face do que se inscreveu nas quatro alíneas acabadas de referir. São muitos trabalhos - além de muito delicados - para pouco tempo!
Entrarei agora, prezados colegas, em aspectos de concretizações e comparações.
Não julgo que se tenham modificado as condições que levaram o legislador de 1945 a não sobrecarregar com taxas especiais os transportes de carga particulares.
Esta isenção permitiu principalmente (já o fui insinuando) que os produtos fabris entrassem e entrem no consumo sem serem onerados com excessivos custos de transportes e dentro de tempos úteis e oportunos - até porque, assim, serão obtidos os majores rendimentos possíveis em todas as operações ligadas a um activo sistema de transportes: melhor utilização dos veículos e do pessoal que lhes está afecto; aproveitamento dos mais convenientes períodos para serem efectuados os transportes; máximo aproveitamento das operações de carga e descarga, que se realizam assim a horas previamente determinadas e com pessoal disponível para esses trabalhos e devidamente treinado, etc. - tudo conduzindo a um mais eficiente e racional aproveitamento de todas as condições ligadas à exploração fabril geral, com o consequente abaixamento dos custos dos produtos.
E tal desiderato não é possível conseguir-se pela utilização do caminho de ferro ou de outros veículos de transporte público.
Por isso, toda a indústria transformadora e outras actividades nacionais ficaram altamente surpreendidas - penosamente surpreendidas em boa verdade - ao verificarem que o pensamento governamental se mudara radicalmente ao fim de menos de duas décadas, quando agora atira para cima dessas indústrias e outras actividades um ónus verdadeiramente incomportável (e imerecido!), em vez, afinal, de aliviar os transportes de carga de aluguer.
O crescimento vertiginoso do parque de camionagem particular de carga, a que alude o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 45 331, tem de ser interpretado não como um abuso, mas como um índice de progresso que exorna o próprio parque industrial e de outras actividades do País!

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Um progresso que, evidentemente, tem de ser encorajado, que não arredado da sua curva ascensional. Pede-o o desejo em que todos estamos de que o rendimento nacional se expanda!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Creio, contudo, Sr. Presidente, que uma não pequena percentagem daquele crescimento do parque de transportes particulares se deve a indivíduos que, ao abrigo das leis em vigor e pouco acautelantes, efectuam transportes pràticamente em regime de aluguer sem para tal se encontrarem devidamente licenciados.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Com efeito, o Decreto n.º 45 060, de 4 de Junho de 1963, pretendeu definir o que se deveria entender por "transporte particular" e "transporte público" de mercadorias. No seu artigo 1.º fixou-se:

São transportes particulares de mercadorias os transportes realizados por entidades singulares ou colectivas em veículos de sim propriedade:
a) De mercadorias que lhes pertençam:
b) De mercadorias que sejam objecto da actividade comercial, industrial ou agrícola do proprietário do veículo e que este haja comprado ou vendido, ou que, no exercício da referida actividade, lhe tenham sido entregues para reparação ou transformação, sob condição de que tais transportes constituam apenas uma operação acessória daquela actividade.

A legislação francesa é a este respeito muito mais exigente, porquanto diz que os transportes privados ou por conta própria (não submetidos a coordenação e, portanto, completamente livres) são os que se efectuam para satisfação das próprias necessidades por uma pessoa física ou moral com veículos que lhe pertencem ou que, por aluguer, são postos à sua disposição exclusiva para transporte de mercadorias que sejam de sua propriedade ou objecto do seu comércio, da sua indústria ou da sua exploração, com a condição de que o transporte não constitua senão uma actividade acessória em relação à actividade profissional da pessoa física ou moral que o promove.
Porém, enquanto na nossa legislação, para que o transporte se possa considerar "particular", já chega a condição de que as mercadorias transportadas sejam propriedade do transportador, na legislação francesa estabelece-se o seguinte:

Pour que soit reconnu le caractère prive d'un transport de marchandises, il faut:
1) Que la direction du transport appartienne à celui qui l'exécute;
2) Que celui-ci soit propriétaire ou régulièrement locataire du véhicule servant au transport;
3) Que les marchandises transportées lui appartiennent ou fassent l'objet de son activité professionnelle;
4) Que le transport ne soit que l'accessoire de son activité;
5) Que le transport ait pour but la satisfaction des besoins de son entreprise.

A coroar estas condições, no entanto, surge a seguinte:

La réunion de ces cinq conditions est légalement nécessaire pour que soit reconnu le caractere prive d'un transport de marchandises.

Então, Sr. Presidente, seria suficiente que a legislação portuguesa seguisse a francesa para que imediatamente desaparecessem das nossas estradas numerosos transportadores que abusivamente se têm substituído aos industriais de transportes públicos. Aí é que o legislador português tem de levar o seu dedo purificador.
Sr. Presidente: num país com as características do nosso, e no actual grau de desenvolvimento da camionagem, a não ser que sobre ela incidam taxas proibitivas da sua utilização, dificilmente poderemos pensar em que ao caminho de ferro acorram muitas das mercadorias que hoje circulam por estrada em regime de carga completa de camião ou a granel.
É que a utilização do caminho de ferro, além de sujeita a demoras naturais, até porque os percursos se fazem em velocidade útil bastante reduzida, onera normalmente os artigos transportados com duplas despesas de carga e

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descarga, exigindo a presença de pessoal nem sempre disponível e ainda menos apto para operações de manuseamento de produtos tantas vezes frágeis, delicados, que vulgarmente se transportam por estrada sem a despesa acessória de custosas embalagens.
Por outro lado, também as distâncias a percorrer dentro do nosso país se limitam, muitas vezes, a umas muito poucas centenas de quilómetros, e, se lá fora se vem notando cada vez mais intenso o movimento dos grandes veículos de carga nas estradas, se os caminhos de ferro desses grandes países industrializados da Europa e do Mundo inteiro apresentam consideráveis saldos negativos nas contas da sua exploração, não podemos pensar em que nós, tão pequenos, consigamos obter resultados mais favoráveis, mesmo à custa de uma legislação altamente protectora dos caminhos de ferro, mas de consequências enormemente desastrosas para as outras actividades.
Só quem não percorre essas estradas da Europa é que não se apercebe do intensíssimo tráfego de mercadorias de todas as qualidades e classes, índice seguro de acentuado progresso em todos os sectores económicos das nações que o sustentam. E não é só quanto ao número de veículos, mas também quanto à tonelagem, cuja progressão é notória, pois não é raro cruzarmo-nos com veículos com deslocações muitíssimo elevadas, da ordem das 20 t e 30 t - tendo há pouco lido numa revista da especialidade que dentro de pouco tempo será corrente o trânsito de veículos com uma deslocação da ordem das 45 t!
Sr. Presidente: quase todas as nações europeias têm prestado a mais acentuada atenção à sua rede de comunicações, dotando-a dos aperfeiçoamentos que os modernos sistemas de transportes exigem, não só para tornar mais fácil, mais seguro e mais rápido o tráfego dos veículos que circulam pelas estradas, mas também para reduzir o desgaste e evitar demoradas e custosas reparações dos pavimentos, construindo ou reconstruindo, portanto, as estradas em condições de maior resistência à velocidade e à carga dos veículos.
E nós, os Portugueses, não nos podemos alhear destes factos evidentes, se é que queremos continuar a acompanhar a vaga de progresso que engolfa o Mundo; e nem sequer se deseja pensar em que técnicos tão ilustres como os que possuímos não serão capazes de dotar o País com a rede rodoviária que impõem as nossas condições de nação europeia desejosa de evolução, de aperfeiçoamento.
Não serão, então, medidas largamente restritivas de uma livre circulação rodoviária de mercadorias ou exageradamente limitativas das cargas que resolverão o problema dos nossos meios de transporte e assegurarão por muito maior espaço de tempo a conservação das nossas estradas.
Sr. Presidente: tive ocasião de estudar a legislação espanhola, francesa e italiana referente a transportes. E, salvo qualquer deficiência de informação recebida ou qualquer nova incidência fiscal superveniente de mim desconhecida e das entidades - aliás, qualificadas - às quais recorri, a verdade é que foi com espanto meu que verifiquei que os encargos resultantes da aplicação entre nós do Decreto-Lei n.º 45 331, em especial quanto à camionagem particular, excedem em muito os daqueles três países.
Pondo de parte o caso da Espanha, em que os encargos sobre os serviços de transportes privativos das empresas industriais se podem considerar verdadeiramente irrisórios - e isso não obsta a que o progresso económico da vizinha e amiga nação se processe espectacularmente - e em que se sabe ser a camionagem particular tributada apenas em metade dos encargos fiscais que oneram a camionagem de aluguer, verei o que se passa em França e na Itália, fazendo a comparação com o nosso país.
Pois bem: em França sòmente os transportes públicos se encontram submetidos à coordenação, sendo os transportes privados absolutamente livres.
A coordenação de transportes entrou em vigor em 1934 e compreende três zonas, que se chamam "de camionagem", "de pequena distância" e "de grande distância".
A zona "de camionagem" estende-se hoje ao departamento administrativo de residência do explorador do transporte e passa ao departamento vizinho quando a empresa tem a sua sede perto dos limites desse departamento.
A zona "de pequena distância" é definida por uma área de um raio de 150 km à volta da sede da empresa transportadora. E, por sua vez, a zona "de grande distância" cobre todo o território francês, e qualquer veículo munido desta autorização pode percorrer todo o país, com umas excepções para que se torna precisa autorização especial, mas que para o caso geral não conta.
Os impostos são: uma taxa geral que incide sobre todos os veículos cujo peso total autorizado em carga ultrapasse 3 t (e isto significa que os veículos até esta carga - que são inúmeros em todas as nações - em nada são taxados, o que é importante, até como sintoma!); uma sobretaxa que incide sobre os veículos cujo peso total autorizado em carga exceda 6 t, mas só cobrável quando os mesmos veículos circulam fora da zona "de pequena distância" definida atrás e apenas na carga que vá além das 6 t.
A camionagem particular é na França tributada em apenas um pouco mais de metade do que compete à generalidade da camionagem dita de aluguer.
Por sua vez, a legislação italiana diz que as taxas são comuns à camionagem particular e à de aluguer - e não dei, através da leitura que dessa legislação fiz, pela existência de qualquer regulamentação sobre coordenação dos transportes. As taxas variam com a carga, acontecendo que os veículos novos de produção nacional de peso em marcha autorizado superior a 3 t têm direito a um desconto de 60 por cento sobre as taxas correspondentes durante um período de três anos.
Vejamos agora, Sr. Presidente, um quadro comparativo para um veículo de peso bruto de 15 t e carga útil de 9 t que se desloque por todo o território dos respectivos países.
A soma das taxas e sobretaxas que incidem anualmente sobre a sua exploração e cobráveis pelos Estados a que respeitam apresentam a seguinte figura final - nos valores que faço corresponder a moeda corrente portuguesa para facilidade de comparação:

[ver quadro na imagem]

Isto é: verifica-se uma diferença enorme entre o que paga o veículo em Portugal e em qualquer das duas outras nações mencionadas no quadro.
Se considerarmos agora o caso de um percurso de 40 000 km, e levando em conta os custos do gasóleo nos três países que citei e as taxas e sobretaxas cobradas pelos Estados respectivos, teremos que o veículo de peso a que me referi no quadro e na coluna dos veículos de carga particulares apresentará uma diferença de exploração total naqueles 40 000 km (que admitirei ser o percurso anual) mais em Portugal do que na França, 20325$; mais em Portugal do que na Itália, 24 320$.

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E poderá dizer-se que será mais em Portugal do que na Espanha cerca de 30 contos, para mais, que não para menos.
Se a estas consideráveis diferenças juntarmos as referentes aos custos de aquisição das viaturas, dos pneumáticos, etc., facilmente concluiremos que nos encontramos em situação muito delicada para qualquer dos efeitos que venhamos a considerar na marcha da exploração de fabricos que sofram a concorrência dos similares estrangeiros em qualquer mercado, interno ou internacional.
Sr. Presidente: a perturbação no seio da nossa indústria transformadora já implantada (e quase toda em reorganização) é grande! É grande até porque não se sabe se os embates já pararam ou se continuam!
É muito simples ao legislador dizer ao industrial que cabe a este escolher a fórmula que mais se coadune a um baixo custo de escoamento do seu produto. Muito naturalmente, esquece-se o legislador de que o dilema não dá para nenhum abaixamento - antes leva qualquer dos ramos dilemáticos a um aumento desse custo. É como pedir-se a um sentenciado que escolha entre o cutelo e a corda...
Quando se fala em justiça fiscal, tudo conduz a crer na adesão imediata e incondicional dos espíritos à sua implantação, à sua manutenção e, porventura, ao seu desenvolvimento, ao seu aperfeiçoamento, já que, em boa verdade, um sistema fiscal deve não se ter como perfeito, senão que o havemos de ter como simplesmente perfectível.
Acontece, porém, quando da aplicação de chofre dos preceitos dessa desejável justiça fiscal, poder disso resultar que os planos de desenvolvimento económico que estejam em condições de execução, em certas camadas de contribuintes tradicionalmente devotados a essa causa fiquem eles seriamente abalados quando surpreendidos por premissas novas, por variáveis ou parâmetros que não estavam na mesa dos seus desejos de novas indústrias ou remodelação das existentes.
E só quem lida com estes problemas sabe bem o quanto uma curva de custos de produção (a promover uma curva dos preços de venda), é completamente destroçada pela introdução de uma nova carga, de um novo ónus! Porque, em boa verdade, a indústria nacional não está a compor-se ou a recompor-se em placidez de espírito.
O industrial português está hoje em trabalhos agudos, pela destruição já começada ou iminente das curvas aduaneiras, que lhe davam protecção capaz - e não interessa que se diga que tal protecção se situava em pontos elevados em demasia. Era assim que se estava - e muitas e muitas vezes em indústrias que aos actuais empresários não couberam senão por mera herança de qualquer espécie, pois, se tivessem de as montar agora, muitos o não fariam.
Não tenho dúvidas, Sr. Presidente, quanto a um "êxodo das indústrias" para os grandes centros do consumo, evitando-se assim, entre o mais, os custos dos transportes.
Ao êxodo da mão-de-obra das regiões ditas rurais sucederá o êxodo das indústrias. Já alguém me falou em transferir para a área industrial do Porto uma fábrica sua que há quase um século labora num centro bastante distante.
Feitas as contas aos custos a que ficarão agora os transportes, somando-os aos restantes encargos de produção, preferirá o custo da transferência da fábrica para um centro de consumo intenso e extenso, que é o Porto, quanto aos artigos que fabrica. E cairemos, então, no oposto às intenções que o Governo tem dado à consideração do País - as de encorajar a localização de indústrias fora das zonas de Lisboa e do Porto.
Não se poderá, inclusivamente, ter o fenómeno como cooperador dos altos desígnios governamentais de, no âmbito da legislação da integração económica do espaço português, criar pólos de crescimento económico nas regiões menos desenvolvidas, no fito de, concomitantemente, promover uma harmonia social e mesmo política por toda a terra portuguesa. E as transferências de indústrias impor-se-ão perante este duplo aspecto: se não se transfere, fechará a breve trecho, com todo o cortejo de consequências económicas e sociais para a região e para o País; se se transfere, o cortejo será de consequências económicas e sociais para a região, que, se já é débil na sua estrutura, pior ficará, de mais a mais se acontecer que a indústria dessa região não seja diversificada, uma transferência arrastando outras, portanto.
Sr. Presidente: a nossa indústria estará a constituir seguramente um dos baluartes da retaguarda das batalhas que estamos a travar nos campos das armas. Mas não deixará de constituir, ela própria, uma frente de batalha que precisa também de adequadas retaguardas.
E vou terminar com o seguinte pensamento: o de que o ilustre Ministro das Comunicações se disponha a rever o conteúdo e a oportunidade do Decreto-Lei n.º 45 331, deste diploma que me ocupou nesta intervenção - uma intervenção que espero seja desculpada por todos os que têm estado a segui-la, pelo que de maçadora se terá tornado. E até por tão longa haver sido e sem o brilho que a causa exigia.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Alberto de Meireles: - Sr. Presidente: proponho-me ocupar por brevíssimos momentos a atenção da Câmara acerca de um problema que interessa vivamente grande parte da população portuguesa. Refiro-me à assistência na doença ao funcionalismo civil do Estado.
O assunto, aliás, foi tratado ontem pelo nosso ilustre e tão querido colega Pinto de Mesquita.
Publicou-se em 27 de Abril do ano findo o Decreto-Lei n.º 45 002, no qual se dá satisfação ao que fora programado em lei já velha (a Lei de Meios para 1958) quanto à assistência nas várias modalidades de doença aos funcionários civis do Estado. Não é de mais encarecer o alto sentido, a largueza de vistas e, mais ainda, a bondade dos princípios desse diploma. Referirei sòmente que entre eles se conta o princípio salutar de liberdade de escolha do médico assistente pelos doentes utentes da assistência.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Passado tempo, no relatório da Lei de Meios para 1964, o Sr. Ministro das Finanças disse que estava pronto para ser publicado o regulamento que havia de possibilitar a execução desse diploma legal de forma que já no início de 1964 os funcionários pudessem começar a beneficiar, por forma gradual, dessa assistência.
Compreende-se a ansiedade, mesmo inquietação, com que todo o funcionalismo público português viu passar o início de 1964 sem que, na ordem prática de execução, chegassem aqueles papéis que todos nós sabemos serem necessários como base burocrática para coisas desta natureza. Fizeram-se planos. Cada um fez aqueles que lhe permitia o conhecimento daquele diploma, sobretudo no que respeita à livre escolha dos médicos assistentes. Mas o certo é que o tempo vai passando e até hoje não houve

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qualquer início de execução ou declaração explicativa sobre o assunto.
Ora isto é estranho e contrário àquilo a que o País se habituou. Devemos essa homenagem, muito sincera, ao Sr. Ministro das Finanças, que tem dado suficientes provas de prudência, segurança e escrúpulo.

O Sr. Pinto de Mesquita: - Isso é axiomático.

O Orador: - Compreendemos no entanto que, dependendo a aprovação do regulamento de duas entidades colaborantes, que neste caso, nos termos do artigo 18.º do decreto, são os Ministros das Finanças e da Saúde e Assistência, por razões que são conhecidas de alteração na chefia deste sector se tenha atrasado, lamentavelmente, o retoque final do regulamento.
Sei, no entanto, que ele está já em fase adiantada e tudo leva a crer, e a confiar, que o Governo, através dos dois Ministérios pelos quais corre este assunto, possa comemorar a data áurea tradicional do Ministério das Finanças, que é a do 27 de Abril, neste ano da graça de 1964 com o início da execução, que todos esperamos e desejamos...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... de um esquema assistencial, cuja bondade, necessidade e justiça desnecessário é encarecer, até porque o Sr. Ministro das Finanças, em repetidas afirmações, se encarregou de o fazer, considerando a desvantagem em que os funcionários públicos estão nesse domínio perante os trabalhadores das empresas privadas, considerando a insegurança do funcionário público nesse domínio, considerando também as dificuldades serísssimas para a maioria - eu não digo a totalidade - dos funcionários públicos de acudirem às emergências, que não são só dolorosas, mas sobretudo caras, de uma doença.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não falo agora neste problema para o lembrar no Sr. Ministro das Finanças, pois que - ele mesmo o disse - este problema está na primeira linha de preocupações do Governo de há muito tempo. Seria, portanto, impertinente lembrá-lo ao Sr. Ministro das Finanças.
Foi simplesmente para afirmar a minha confiança em que será resolvido dentro da linha de seriedade e de prudência, mas também de celeridade, que se impõe, fazendo-me eco de uma expectativa que é grande e, parece, inteiramente justificada.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E com essa palavra de confiança, Sr. Presidente, termino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vai passar-se à

Ordem do dia

O Sr. Presidente: - Continuam em discussão as Contas Gerais do Estado e da Junta do Crédito Público relativas a 1962.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ubach Chaves.

O Sr. Ubach Chaves: - Sr. Presidente: o parecer das Contas Gerais do Estado de 1962, dentro da orientação do esclarecido relator, Eng.0 Araújo Correia, actualiza o conhecimento da actividade do Estado na metrópole e no ultramar.
Familiariza-nos com os serviços públicos, revelando-nos o que, com a sua manutenção, se despendeu e fazendo ressaltar, por vezes, aspectos que passam desapercebidos aos leitores assíduos do Diário do Governo. É que a actuação do Governo, dos Ministros e dos Secretários de Estado expressa no Diário nem sempre aparece com clareza favorável ao entendimento dos menos informados das exigências da contabilidade pública, nem fundamentada em termos de se poder emitir um juízo de valor sobre a bondade das providências.
Legisla-se segundo as imposições de momento para se atingirem resultados imediatos e deixa-se à Assembleia Nacional o exame da política de investimentos, na certeza de que ela velará pela conveniente arrumação das contas, dando ao País a garantia de que o Governo fez bom uso dos poderes conferidos na Lei de Meios.
Esse exame ainda é facilitado, no plano da justeza dos números e do respeito das leis, pela decisão do Tribunal de Contas. Não é, porém, o saldo positivo ou negativo, só por si, indício de uma boa ou má administração.
Os saldos positivos comprovam a verdade da política financeira, mas não denunciam erros, deficiências e carências dos serviços incumbidos da realização dos fins do Estado.
Importa, por isso, ao Deputado possuir-se de espírito crítico para, com. objectividade, se pronunciar sobre a política prosseguida nos diversos sectores da administração pública e conhecer da, sua eficiência, padrão de valor dos actos dos governantes. Não está em causa o bem servir, nem a moralidade da Administração, mas a maneira como o Governo conduziu a política económica, social, financeira e educativa, aspectos relevantes da actividade normal do Estado.
A existência de um pensamento de governo esclarecido e brilhantemente enunciado ao longo das últimas décadas não é elemento revelador do valimento de uma política. O valimento comprova-se na acção e depende, fundamentalmente, das instituições e dos homens.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O pensamento define uma conduta, proclama a virtude dos métodos e ilumina o caminho dos servidores, mas só adquire força quando a execução comprova a, sua bondade e renova a sua vitalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um pensamento de governo não pode ter intérpretes predispostos a realizar a sua própria política 1 ou a fenecer conceitos e leis elaborados com consciência e experiência para abrir novos rumos à acção mais conforme ao interesse nacional. Todo e qualquer desvio desse pensamento se há-de considerar lesivo da política por ele definida e da ordem tenazmente defendida como condição primeira da actividade dos homens e das instituições.
No desenvolvimento destas ideias, tem de reputar-se altamente gravosa toda e qualquer personalização da política a que se aponta no desenvolvimento normal das instituições.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Personalizam-na os governantes, se se afastam da linha do pensamento político definido por quem de direito.
Personalizam-na os governados, quando menosprezam o mesmo pensamento e se supõem árbitros qualificados dos actos de quem detém o comando da administração pública.
As consequências deste desentendimento do verdadeiro sentido do pensamento político de que todos se dizem servidores patenteiam-se por diversas formas, para sobre elas nos devermos deter. Importa, porém, tê-las bem presentes, para se encontrar o melhor rumo de uma revolução que apresenta no seu activo realizações imorredouras, e não pode entorpecer-se nas pequenas quezílias do que se não faz, quando na origem da acção política está o fazer-se em cada dia mais e melhor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Afigura-se, por isso, essencial um permanente apelo aos homens e às instituições, para que todos desenvolvam a sua actividade num plano de liberdade e de eficiência favorável a maiores cometimentos na realização de legítimas aspirações e ao esclarecido combate a discriminações e recriminações atentatórias da vis da Nação.
Para tanto, é imperativo retornar ao primado da política que se opôs à política dos partidos, opondo-a com a mesma energia à política dos técnicos e dos tementes de se comprometerem na fidelidade integral às imposições da doutrina.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Regime tem de fiar-se mais de homens de ideal e de experiência que, sem desfalecimentos, mantenham bem vivo o espírito de renovação e estimulem o afeiçoamento a instituições criadas e ordenadas para atingir novos padrões de vida.

O Sr. Rocha Cardoso: - Assim devia ser.

O Orador: - Sr. Presidente: ao debruçar-me sobre a acção do Governo, expressa no relatório das Contas, sou levado a fixar-me nos aspectos fulcrais das apreensões da opinião pública - a política económica e a política educacional. Uma e outra foram largamente debatidas nesta Assembleia e, por maneira bem vincada, transpareceu um querer de acção e de revisão mais harmónico com as realidades e as exigências de elevação do nível educativo e do crescimento económico.
A Assembleia não elaborou um programa, mas enunciou ou relembrou princípios de há muito consagrados pela doutrina enformadora da actividade do Governo. Não foi posta em causa a doutrina, mas a acção ou a omissão, e manifestou preferência por formas de actuação política mais céleres e eficientes. Não duvidamos de que o Governo queira vir ao encontro do entendimento da Assembleia. Não estamos, porém, seguros das possibilidades de efectivação das providências recomendadas, porque, para além dos homens, os problemas apresentam-se sob aspectos transcendentes, quer no estudo, quer na execução, e ainda mais na certeza de se atingirem os objectivos.
Não irei repisar pensamentos ou opiniões tão esclarecidamente expostos pelos ilustres Deputados intervenientes no debate sobre a crise agrícola. Direi, no entanto, que o problema da agricultura, tão largamente tratado nas encíclicas, nas pastorais, nas organizações agrárias e por economistas e estudiosos do mais alto nível, se apresenta sob aspectos que variam de país para país, conforme o meio, os homens e a doutrina económica.
Quer nos países desenvolvidos, quer nos subdesenvolvidos, a actividade agrícola atravessa um fase renovadora, para melhorar índices de vida, aumentar a rentabilidade, satisfazer o consumo interno e colocar no exterior produtos de alta qualidade.
E, assim, vemos os Estados Unidos da América orientados na compressão de uma produção agrícola estimulada por subsídios que, afinal, se vieram a considerar de excepcional vantagem para os grandes produtores e de modesta retribuição para os pequenos e médios.
De notar é que em 1959, para um total de 3 700 000 explorações agrícolas, só cerca de 20 000 vendiam mais de 8000 contos por ano. Representavam 16,9 por cento da produção total, mas as percentagens na produção de algodão, arroz, frutas, batatas, legumes, cana-de-açúcar, produtos florestais e especialidades agrícolas, avicultura e bovinos iam de 17,3 a 58,4 por cento.
Segundo estudos recentes, teria aumentado o número das grandes explorações de 50 por cento no decurso do último quadriénio e estaria em rápido declínio o número de herdades abaixo de 40 ha.
Segundo o Prof. G. E. Mingay, "a política presente, está provado, tem produzido efeitos indesejáveis no aumento de rendimentos dos grandes lavradores, ao passo que faz pouco ou nada pelos pequenos, tem desviado terras para fins não económicos e tem recorrido a subsídios de exportação e a quotas de importação, pondo assim os Estados Unidos numa posição falsa em relação ao movimento internacional de comércio livre".
Em França assiste-se a um movimento de reestrutura das explorações agrícolas, que vem conduzindo os pequenos produtores ao abandono das suas explorações para se integrarem nas empresas agrícolas de grande ou de média dimensão, por estas lhes assegurarem estabilidade de trabalho e rendimentos superiores aos auferidos na exploração por conta própria.
Desenvolve também um esforço decisivo no sentido de se autonomizar na produção de vinho, a fim de enfrentar a concorrência italiana, e de substituir a produção de certas qualidades de vinho por maneira a compensar os 15 milhões de hectolitros oriundos dos três países da África do Norte.
O Governo fixou-se na atribuição de prémios aos produtores que arranquem vinhas em regiões desaconselhadas para essa cultura, em razão da qualidade das terras ou da dureza do clima, e concede empréstimos a médio prazo aos produtores interessados em reconverter as suas vinhas, plantando castas recomendadas para a produção de vinho de qualidade.
Facto curioso da estrutura vinícola francesa: os 60 milhões de hectolitros produzidos obtêm-nos os 1 400 000 declarantes sobre 1 300 000 ha, o que representa, em média, menos de 1 ha por produtor.
No entanto, 33 000 produtores, ou seja menos de 3 por cento, lançam no mercado 40 por cento da produção e 1 140 000, cuja produção é inferior a 50 hl, não comercializam mais de 15 milhões de hectolitros (uma média individual de 13 hl, ou seja a produção de um terço de hectare).
Neste e noutros aspectos da vida agrícola francesa só deve encontrar explicação para certos movimentos que se prestam a comentário fácil e, por vezes, a indesejáveis exclamações.
A Alemanha também se debate em graves dificuldades para obter melhoria sensível da produtividade da agricultura. Poderemos avaliá-las se se considerar que a superfície total cultivável de 13 180 000 ha está repartida entre

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1 700 000 explorações agrícolas. Estas abrangem cerca de 16 350 000 parcelas, ou seja uma média de 10 parcelas por unidade. No entanto, um terço dessas explorações abrange mais de 10 parcelas e, de entre elas, 22 000 mais de 50.
A evolução das estruturas, entre ]949 e 1960, concretiza-se numa redução das explorações, 297 000; das superfícies cultiváveis, 275 000 ha; do número de parcelas, 2 por cento.
Uma nota de interesse a confirmar o princípio de que quanto menor é a superfície da área cultivada maior é a exigência de trabalho efectivo: a soma de trabalho efectuado nas explorações de menos de 2 ha representa 64 trabalhadores plenamente ocupados; nas de 10 ha a 20 ha, 15 trabalhadores; e nas de mais de 50 ha, 9 trabalhadores.
Toda essa obra de reconversão se tende a acentuar, pois, sob as exigências do mercado agrícola europeu, os peritos reclamam um abaixamento de preços e prevêem o afastamento para outras actividades de, pelo menos, 600 000 produtores e trabalhadores agrícolas.
As reacções são, naturalmente, vivíssimas, mas o Governo Alemão persiste na sua política de criar condições de competição à agricultura e de assegurar aos trabalhadores agrícolas um nível de salário paralelo ao das demais actividades, intento em que estão igualmente empenhados todos os países.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas se curarmos, agora, da extensão dos problemas da agricultura nos países socialistas, observar-se-á a lenta evolução na instituição da propriedade colectiva e na melhoria da sua produtividade.
Assim, na China, o Comité Central decidiu, em Setembro de 1962, que:

É necessário concentrar a energia do partido e de toda a nação no objectivo de dar à economia colectiva das comunas populares a indispensável ajuda material, técnica e financeira. No domínio da indústria, o primeiro objectivo é o de fazer progredir a política de ajustamento e de racionalização, em ligação estreita com as exigências do progresso técnico da agricultura.

Dentro desse objectivo, dirige-se à modernização do equipamento agrícola, à extensão das zonas de regadio, à produção de adubos, à mecanização da exploração, à racionalização da produção pecuária, às produções para uso industrial e à intensificação do ensino. Recorreu-se às formas clássicas de intervenção para aumentar a produção.
Na instauração da propriedade colectiva é que o partido se vem debatendo em dificuldades graves, e de tal monta que a propriedade "inteiramente do povo" não excede mais de 2490 explorações, cobrindo uma área de menos de 5 por cento da superfície total cultivada.
A transição da economia individual para a economia socialista efectuou-se através de cooperativas, que em 1958, por fusão, se constituíram em comunas populares.
A propriedade rural colectiva funda-se na actividade da comuna, da brigada e da equipa.
A comuna tem a função orientadora e coordenadora no plano do Estado, mas à brigada, e depois à equipa, cabe a iniciativa da produção, tudo se orientado no sentido de a estimular e de incrementar produções essenciais e de maior interesse económico.
Trata-se de uma nova hierarquia no plano da produção agrícola, que tem por base a propriedade colectiva da brigada, tornada possível porque 80 por cento das culturas de alimentação se destinam a satisfazer as necessidades dos próprios trabalhadores agrícolas e porque as quantidades compradas pelo Estado em pouco excedem 10 por cento da produção total.
A predominância do autoconsumo condiciona fundamentalmente a produção agrícola, mas o Estado, ao mesmo tempo que desburocratizou a planificação, confiou toda a iniciativa à brigada. E esta que tem a seu cargo a realização do plano de produção, mas, para tanto, teve de impor para uma certa produção uma certa quantidade de trabalho e um certo preço de custo e de conceder prémios sempre que se ultrapasse a produção planificada.
O Estado e o partido recorrem aos processos clássicos de impulsionar a produção agrícola através de uma política de preços, de crédito agrícola, de prémios, de comercialização e de fixação de mão-de-obra, tudo orientado no sentido de estimular a iniciativa e o interesse na produção.
A União Soviética, que vem de muito longe na instauração da propriedade colectiva com base nos kolkhozes e sovkhozes, ainda mantém, no domínio agrícola, explorações pessoais auxiliares, que, segundo dados estatísticos de 1959, contavam 9 900 000 membros de famílias de kolkhozianos, de operários e de empregados, totalizando 7,7 por cento de todos os recursos de mão-de-obra nacional e 92 000 produtores individuais.
Na produção de legumes, de batatas, de frutas e na pecuária desempenham as explorações pessoais auxiliares um papel preponderante na produção agrícola total, muito embora estejam mais orientadas para o consumo, e não pròpriamente para o mercado.
Os dirigentes soviéticos, conscientes das vantagens dessa produção, não se propõem suprimir tais explorações e parece, pelo menos na doutrina, continuarem confiados na evolução dos kolkhozes, em termos de se reconhecer que, do ponto de visto individual, será mais vantajosa a propriedade colectiva.
Não importa, neste momento, examinar a política agrícola soviética, cada vez mais marcada por um sentido de descentralização, nem os seus triunfos, nem os seus insucessos. Interessa reter, para o pensamento a desenvolver, que se mantém, apesar de tudo, ainda vivo o sentimento da propriedade privada e que o produtor agrícola russo dá o pleno rendimento da sua capacidade de trabalho e de iniciativa quando o seu próprio interesse se pode efectivar sem vínculo colectivo.
De notar é que continua em aberto a disputa tendente a considerar o lucro como índice fundamental da qualidade de trabalho das empresas colectivas, e isto porque, enquanto uns entendem não ser o actual regime de preços favorável ao conhecimento real da produtividade, outros defendem que a produção socialista não se dirige à obtenção de um lucro máximo, mas à criação de bens tendentes à elevação do nível de vida dos trabalhadores.
Seja como for, a verdade é que o Estado encontra no lucro das empresas industriais parte importante das suas receitas.
Esta digressão pelos países capitalistas e socialistas tende a demonstrar que a economia agrícola se apresenta com aspectos sombrios por toda a parte e não constitui excepção a realidade revelada no recente aviso prévio desta Câmara.
No movimento de reconversão de estruturas ou de culturas e de melhoria de produtividade está sempre em causa o interesse de quem produz. Quer se trate de realizar o interesse colectivo pelo somatório dos interesses individuais, quer se trate de derivar da propriedade colectiva o melhor interesse individual, a verdade é que tanto na

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economia capitalista como na socialista, se têm em conta o interesse e a iniciativa como elementos motores de crescimento e de prosperidade da agricultura.
A iniciativa da produção centrada no kolkhoze ou na brigada e o interesse centradonos prémios de produção ou nas explorações pessoais, dentro da economia socialista, e a iniciativa individual na base da expansão da produção e o interesse estimulado pelo melhor preço, pelos subsídios ou pelos prémios de reconversão, dentro da economia capitalista, são elementos de um mesmo esquema de intervenção, tendente a vincular o trabalhador à terra através de uma remuneração equivalente à de outras actividades e a assegurar a auto-suficiência no plano nacional ou a valorizar a produção no exterior.
Um certo paralelismo nos métodos e um certo paralelismo nos objectivos não afasta a irredutibilidade nos conceitos de propriedade privada e de propriedade colectiva.
A nossa opção está feita, mas tem de afirmar-se o fundado repúdio de uma doutrina económica que, apesar de executada sob o império da mais indesejável das violências, não conseguiu, nem jamais conseguirá, destruir o sentido de liberdade e de posse que caracterizam a natureza humana.
E agora voltemo-nos para os nossos problemas agrícolas. Vem de muito longe, como já aqui tivemos ocasião de expor, o nosso combate por uma agricultura capaz de realizar o seu melhor bem e de contribuir decisivamente para o desenvolvimento da economia nacional.
Têm-se operado, sob alguns aspectos, evidentes progressos no saneamento da actividade agrícola, mas sem que até ao presente se tenha conseguido, no plano de conjunto, a melhoria por todos ansiada.
O amor à terra vai-se transformando em desamor, por tantos serem os motivos de desânimo e de desconforto. Ninguém se sente bem, ou pelo que perdeu ou pelo que não ganha, e as explorações agrícolas sentem-se mais do que nunca ameaçadas pela pressão da industrialização e da emigração, sem pressentirem como poderão, com um mínimo de segurança, dar à terra conveniente aproveitamento.
Os motivos de protesto avolumam-se, pelo que se sofre e pelo que se pressente de bem-estar nas demais actividades. Se não fora a desigualdade de tratamento, certamente não seria tão alto nem vibrante o grito de alarme. Não se pode duvidar da razão dos agricultores, nem desmerecer as suas aspirações.
Na verdade, o nível de vida tem estado fundamentalmente apoiado no preço dos produtos da terra, deixando-se ao movimento normal da economia todos os demais preços das actividades secundárias e terciárias, salvo um ou outro ajustamento.
Ora, parece não ser legítimo constranger a agricultura a restrições de preço que têm em vista estabilizar o custo da vida, para defesa e protecção de todos os consumidores.
A agricultura desempenha uma função primacial no abastecimento público e detém no seu seio uma grande percentagem de população que tem de viver, e de viver no mesmo plano de rendimento das demais actividades. Está demonstrado que ela não pode continuar a suportar os sacrifícios até agora pedidos e, porque assim é, há que distribuí-los por toda a população, recorrendo a uma rasgada política de subsídios ou ao livre ajustamento dos preços à rentabilidade admitida nas outras fontes de produção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se ignoram os auxílios prestados a certas produções, mas pode afirmar-se que uma política de subsídios, no entendimento acima exposto, jamais foi praticada.
As esporádicas intervenções na garantia de preço do azeite ou do vinho não concorreram para o desejado desafogo da economia agrícola. Há-de reconhecer-se, porém, que muitos produtores foram, a partir de certo momento, vítimas das suas próprias pretensões, sacrificando preços à certeza do escoamento da produção.
Tratava-se, no fundo, de uma certa impreparação e inaptidão para o risco, princípio basilar da economia de mercado, pois, salvo a exportação de um ou outro produto a preço subsidiado, toda a produção encontrou colocação.
A tendência marcada do produtor para se defender do risco da exploração contraria a iniciativa e. o sentido de responsabilidade. O Estado substituindo-se ao risco inerente à iniciativa privada, directa ou indirectamente, afasta-se da sua posição de árbitro de todos os interesses.
O providencialismo estadual generalizou-se até ao ponto de a própria indústria se entrincheirar no condicionamento de produção, para se garantir, de alguma maneira, contra a concorrência. Bem quiseram o Governo e a Assembleia, em 1954, traçar novos rumos à indústria, através de um condicionamento técnico de instalação, doutrina consagrada em lei até hoje praticamente inaplicada.
Andam os produtores, de há muito, inimizados com princípios inerentes à liberdade de iniciativa, e tenho para mim estar aí a origem de muitos males de natureza económica.
Vem este brevíssimo comentário a propósito da alternativa de se subsidiar a produção agrícola ou de se permitir a livre formação dos preços dos produtos alimentares.
A política de subsídios conduz à garantia de preços e de colocação e pode conduzir, pelo menos em regime de transição, à fixação de quotas de produção, como se vem defendendo nos Estados Unidos cia América e em França.
Outros países mais avisados, como a Alemanha, dispõem-se a sujeitar a produção agrícola ao risco da competência, não só interna como externa, e, para tanto, propõem processos de reconversão conducentes à baixa dos custos de produção e à conveniente actualização das remunerações dos trabalhadores agrícolas.
Tenho para mim, como melhor, esta orientação, embora não possam deixar de ter-se presentes as consequências imediatas de uma viragem que, fundamentalmente, atingiria a produção cerealífera em terras não recomendadas.
Embora não estejamos preparados para enfrentar, desde já, a competição externa, temos de reconhecer o.ssa possibilidade se nos decidirmos a um esforço sério de reconversão de estruturas e de culturas e se nos viermos a revelar capazes de aproveitar as favoráveis condições de clima para nos anteciparmos na oferta de produtos de qualidade ao mercado europeu.
O arranque para a viragem suscita sérias dificuldades, tendo-se como mais relevantes as repercussões da adopção de preços económicos e os auxílios, a dispensar durante a fase de reconversão de culturas, mas a virtude da decisão depende da grandeza do interesse económico e social que for posto em equação.
Nas presentes circunstâncias não se investe em explorações agrícolas que já foram fonte de fortes prejuízos, nem se investe para se reduzirem custos de produções comprovadamente inrentáveis.
Não se pode ignorar esta realidade, e porque a desconhecemos por demais é que assistimos a um destroça-

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mento de energias e ao abandono de terras aproveitáveis para florestação, ou à florestação de terras especialmente indicadas para culturas alimentares.
O interesse é o centro motor de todas as actividades e, se não for defendido e estimulado, a economia regride ou não se expande ao ritmo mais conveniente. Que ninguém se deixe impressionar pelo lucro, porque este proporciona o investimento e o investimento é o factor do crescimento.
O Estado detém nele a percentagem mais ajustada à realização da política da saúde, do ensino, da segurança social e do fomento. Não se hesite, por isso, em criar condições favoráveis de rendimento às explorações agrícolas, especialmente quando, como agora, as temos de despertar de um longo torpor.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não estou aqui a pretender concretizar soluções, mas a defender uma política renovadora da economia agrícola para além do pensamento em que se tem desenvolvido. Mas, ainda no domínio dessa política renovadora, emito a opinião de que a adopção de preços económicos na agricultura não conduz necessariamente a uma elevação do custo de vida se se operarem nos produtos de origem industrial ajustamentos conducentes à correcção económica dos preços.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Há aí um extenso campo de acção para um esforço sério de reordenamento de estruturas e de produções.
Também o custo da reconversão da agricultura poderá não constituir nas circunstâncias actuais uma barreira intransponível, desde que se recorra a um empréstimo interno amortizável pelo próprio rendimento das explorações reconvertidas. Ainda continuo no domínio da política. Mas não será a política a arte de governar e de realizar o bem comum com justeza e oportunidade?
Perdoe-me a Câmara o tempo que lhe estou a tomar, mas creio na vantagem de exteriorizar o fruto de uma experiência de dezenas de anos em contacto directo com as realidades sociais e económicas da indústria. Pouco tem valido a doutrinação, o exemplo estrangeiro, a assistência técnica, certo ordenamento dos quadros de produção e todo um forte querer de actualização.
A indústria ampliou as suas instalações, reequipou-se, curou da qualidade e melhorou a produtividade na medida em que o interesse estimulou a iniciativa e o lucro proporcionou o investimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Atraiu técnica qualificada, criou condições de expansão e só agora, por seus próprios meios, se revela mais acessível às imposições de uma competição que ameaça as fronteiras alfandegárias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Importa ter presente o exemplo da indústria no desenvolvimento de uma política agrícola e importa também conhecer a experiência estrangeira como poderosa fonte de inspiração. Mas uma coisa é estar informado e outra decidir e ir ao encontro de uma opinião dominante perfilhada pelas pessoas mais esclarecidas. Mas como se forma e onde está essa opinião dominante?
Por ausência de quadros e ineficiência das instituições, a verdade é que, para além do pensamento definido pelo Presidente do Conselho em certos momentos da vida nacional e da orientação preconizada nos planos de fomento, a política económica tem dependido quase exclusivamente do arbítrio de quem foi chamado a dar-lhe execução.

O Sr. Martins da Cruz: - Infelizmente.

O Orador: - Não nos propomos cauterizar essa ferida aberta no corpo da economia nacional. Parece-nos, sim, imperioso fazer surgir um órgão qualificado para exercer uma acção destacada na condução da política económica. Para aí se dirigiram outros países, mesmo aqueles em que a opinião dos economistas forma escola e as instituições revelam valimento na expressão de um pensamento construtivo e renovador.
A Inglaterra, em 1962, ao ver-se em presença de uma situação económica ameaçadora, recorreu à criação do National Economic Development Council (Neddy), constituído por representantes do Governo, da indústria, dos sindicatos e das Universidades, que têm por função elaborar uma política de desenvolvimento económico que assegure, na estabilidade dos preços, um crescimento mais rápido; e à criação do National Incomes Comission (Nicky), cuja actividade se exerce no domínio das questões de remuneração e de outras condições de emprego, quer no sector público, quer no sector privado.
Seria de interesse dar conta da actividade exercida por esses organismos, mas retenha-se que, não estando investidos de qualquer poder para a aplicação da política que formulam nos seus relatórios, a opinião pública dispensa-lhes o mais favorável acolhimento, segura de que as decisões recomendadas se situam, exclusivamente, no plano do interesse nacional.
Tenho para mim que se deveria evoluir no sentido de um organismo de idêntica composição e função, por maneira que, na ordem económica, as providências do Governo encontrassem na opinião pública assentimento politicamente relevante.
Pressinto a interrogação, a dúvida e o pessimismo que esta sugestão suscita, mas responde por mim o poeta: "Tudo vale a pena se a alma não é pequena".
Sr. Presidente: vi-me impelido para a análise da política económica pelo parecer das contas, em que se contêm referências directas à forma como, em diferentes planos, ela se vem desenvolvendo. Não me propus aprofundá-las, mas é legítima a interrogação que se formula, se do avolumar de despesas de certos serviços da Secretaria de Estado da Agricultura se têm colhido vantagens proporcionadas aos objectivos.
Deixei precisamente para o fim o comentário à eficiência desses serviços. Fixei-me, ao longo do meu depoimento, na ideia de que sem um vivo estímulo material não há interesse em produzir, tendo em vista uma política de rentabilidade agrícola de nível paralelo ao das demais actividades.
Não me dirigi ao exame dos factos externos que condicionam, ou favorecem, a reconversão das estruturas e das culturas, como sejam o emparcelamento, o ensino, a assistência técnica, a investigação, o crédito agrícola, a comercialização, etc. Não o fiz porque, embora os considere da mais alta importância, não se têm revelado eficientes quando tomada a economia agrícola no seu conjunto.
O meritório esforço do Governo através dos respectivos serviços, salvo em casos especiais, como, entre outros, o dos serviços florestais, ficou muito aquém dos seus propósitos de despertar a actividade agrícola para um movimento de reconversão na produtividade e na rentabilidade. Talvez porque os serviços se não depararam com um qua-

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dro económico favorável a uma eficiente actuação; talvez porque os próprios responsáveis não foram capazes de concertar um plano sistemático de intervenção na economia agrícola, e talvez porque os ténicos encarregados da execução se não possuíram do espírito de missão, ou não foram materialmente apoiados, a verdade é que o pensamento do Governo sofreu desgastes inimaginados.
Embora se tivesse tido a consciência de que uma política agrícola não se executa a distância e se tivessem criado condições financeiras para fixar os técnicos nas próprias zonas de reconversão, a verdade é que se abandonou esse pensamento e se manteve a rotina. Tende-se, de novo, para ele, mas não pode deixar de ter-se presente que o maior trabalho dos técnicos será o de polarizarem iniciativas, tendo em vista a economia e a celeridade nas diversas formas de cooperação. A demonstrá-lo está o exemplo de Sever do Vouga, já aqui, justamente, posto em relevo, como valiosíssima experiência.
Sem recurso à coacção, alcançaram-se resultados quase imprevisíveis, mas importaria utilizar todos os meios disponíveis para acelerar o processo de crescimento e se conhecer da rentabilidade real das explorações agrícolas da região.
O respeito e admiração que se devem aos dirigentes e técnicos dos serviços de agricultura só podem levar-nos à convicção de que o dispositivo estadual se entorpece perante uma realidade económica desfavorável à inovação e ao investimento. Virá, certamente, a desempenhar a sua altíssima função quando o interesse for palpável, como sucedeu com a produção do arroz e do tomate, e parece verificar-se com as frutas e a avicultura.
Há que tirar da experiência a lição aconselhável para rasgar novos horizontes a uma massa de população desolada e descrente.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: todos temos como fundamental ao crescimento económico a estabilidade política, como suporte de uma vontade económica sempre orientada no mesmo sentido.
A estabilidade política vem sendo tenazmente assegurada por Salazar, ao longo de 35 anos, e tem sido a rocha contra a qual se esbatem todas as procelas arquitectadas no interior e no exterior.
Nesta hora adversa Continua sendo o ponto firme da vida nacional e o inimigo, consciente dessa realidade, desfere contra ele todas as armas, na errada convicção de que uma brecha poderá surgir no quadrado da defesa do território e dos princípios enformadores da unidade ardorosamente mantida por todos os portugueses, mas especialmente pelos que, a peito descoberto, enfrentam a metralha e a guerrilha de salteadores.
Nós, como eles, estamos em armas, embora alguns se não dêem conta, há-de convir-se, por extrema confiança no espírito de resistência dos mais directamente responsabilizados pela manutenção da ordem pública e das instituições. Neste aspecto, todos e cada um dos Portugueses cumpre o seu dever. Nem sequer os adversários de ideias recusam apoio no essencial por tanto se identificarem com a vontade nacional e reconhecerem a inviabilidade de outra política, seguros de que toda e qualquer cedência no plano da unidade constituiria traição à Pátria.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Dentro deste espírito de unidade nacional, nem sempre é coincidente o ângulo de visão quando se atenta na execução da política, na ordem geral, definida pelo Governo.
Sempre, porém, que a discordância afecta actos mais flagrantes, susceptíveis de constituírem um estorvo, não só à acção governativa, como à própria política de unidade nacional, é da mais estrita obrigação concorrer para o acerto das providencias tendentes à realização do interesse público.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Seria indesejável que simples manifestações de inconformismo viessem a adquirir relevo, para sobre elas basear um julgamento da Administração, mas também se deve ter par inaceitável qualquer atitude tendente a condenar a crítica que se exerça no plano da reflexão e da responsabilidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É que, tanto como a crítica, importa evitar as decisões adjuvantes de legítimos reparos e, portanto, censuráveis no plano do interesse geral.
É de repelir, sem dúvida, toda a crítica negativa que ignora a grandiosa obra desenvolvida em todos os domínios da administração pública e a que pretende, no pormenor, basear um juízo fomentador de desorientação. Mas é de aceitar e de estimular a crítica vinda de órgãos responsáveis, porque essa dá expressão à consciência política do País.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Não podemos esquecer, entre as aquisições reais do Regime, a de ter criado na opinião pública um pensamento ajustado ao interesse público, portanto mais exigente sobre os actos da Administração.
Torna-se, por isso, de obrigação ter em conta essa consciência política e o seu poder de irradiação, sempre que estejam em causa, mais que as ideias, os homens, e mais que as instituições, os processos de actuação.
Todas estas considerações se fizeram para me permitir afirmar que não vimos assistindo ao desenvolvimento de uma vontade económica sempre orientada no mesmo sentido. Tem havido inflexões de vária ordem que não correspondem ao pensamento tanta vez afirmado por Salazar com pleno assentimento da Nação.
Eu defendo esse pensamento e pretendo que quem tem sobre si o encargo de lhe dar execução o faça, mas que se faça em todos os sectores da administração pública, por maneira a permitir-se a plena floração da iniciativa privada e a reforçar-se um sentimento de confiança essencial à vida económica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Fazer e fazer bem, apoiados nas instituições existentes ou a criar, apresenta-se como imperativo para os que têm de consolidar a frente da unidade nacional. Mas esse imperativo recai igualmente sobre todos nós, por termos de constituir-nos em fiéis intérpretes de um pensamento que visa a criar condições mais favoráveis de vida a todos os portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Estamos vinculados à obra do Governo, além do mais, porque nos cabe fiscalizá-la. Temos de prestar-lhe o nosso melhor apoio, facilitando-a, propagando-a

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e defendendo-a como expressão do pensamento de Salazar. É de nossa obrigação, mas sem prejuízo de uma autocrítica depuradora de desvios indefensáveis e do poder de que estamos investidos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Continua a nossa geração a deter o facho da vitória e as palmas do martírio. Tornemo-la ainda mais digna de honrar os mortos e de se perpetuar na memória dos que nos vão continuar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente: os ilustres Deputados intervenientes no recente aviso prévio sobre a reforma do ensino carrearam, por maneira esclarecida, elementos de toda a natureza para se ajuizar da realidade escolar e se conhecer o pensamento dominante na Assembleia Nacional quanto à, orientação a adoptar no trato de um dos problemas da maior transcendência para os destinos do País.
Pouco mais poderiam dizer na ordem política, pois, mesmo quando depuseram pedagogos e técnicos do ensino, dos mais qualificados, o que esteve sempre em foco foi a política da educação. Não surpreenderá, por isso, que o político, que me prezo de ser, veja ainda o problema em aspecto diferente, o do rendimento escolar, relacionado com o custo do investimento.
Fui levado para esta ordem de considerações ao verificar, pelo Relatório das Contas Públicas, que da verba orçamentada, em 1962, para o Ministério da Educação Nacional, num total de 1 080 548 contos, só foram gastos 1 013 587, ou seja menos 66 956 contos; e ao comparar os nossos gastos de educação com os da França, onde a porcentagem dos créditos abertos à educação nacional no Orçamento Geral do Estado passou de 1/14 em 1950 para 1/12 em 1954, 1/10 em 1958 e 1/7 em 1961, atingindo cerca de 1/4 em 1962.
Ora, o largo caminho percorrido em Portugal revela-se manifestamente favorável ao confronto, pois a despesa de 188754 contos em 1938 foi sempre progredindo, até atingir 968 476 em 1961 e 1 013 587 em 1962, ou seja mais 824 732 em relação a 1938 e mais 45 293 em relação a 1961.
Quer dizer: 1/8 do Orçamento Geral do Estado. Esta percentagem, em números globais, deve ser posta em relevo no que respeita quando se considera o volume dos encargos extraordinários que a Nação está a suportar na defesa da integridade do território.
De referir, porém, é que a verba de 1 080 543 contos de 1962 foi elevada para 1 147 952 em 1963 e para 1 209 288 em 1964.

O Sr. Martins da Cruz: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Martins da Cruz: - Tenho estado a ouvir com muita atenção a exposição de V. Ex.ª
V. Ex.ª disse que a despesa com o ensino foi de 1/8, mas não é assim.

O Orador: - Da desposa ordinária do Estado.

O Sr. Martins da Cruz: - Desculpo V. Ex.ª, mas é 8,9 por cento da receita ordinária.

O Orador: - Eu digo que em França as despesas de educação representam 1/6 do total e cá representam 1/8.
Não vejo que o confronto nos seja desfavorável. Temos progredido bastante; em 1938 não era assim.
Estas percentagens, de resto, não interessam para a comparação que estou a fazer.
Sucede, porém, que muitas das críticas à política do ensino parece centrarem-se na escassez dos recursos, isto sem contar com o pedido fundamentado de reforço de dotações por parte das autoridades universitárias.
Bem se conhecem as dificuldades existentes em todos os países, especialmente nos mais desenvolvidos, para se enfrentar o custo de uma educação crescentemente exigente. Não constituímos excepção e sentimos essas dificuldades, porventura mais agravadas. Importa, porém, saber se gastamos bem ou se não se poderia gastar melhor para se obter do ensino existente maior rendimento. E que, tanto quanto se pode ajuizar dos meios de informação postos ao nosso alcance, os reparos recaem mais sobre a qualidade do ensino do que, propriamente, sobre a lotação escolar. Com maior ou menor dificuldade, os candidatos ao ensino vão encontrando acomodação nas escolas de ensino público ou do ensino particular.
O rendimento do ensino, em aprovações e no grau de conhecimentos adquiridos, parece ser a pedra de toque da crítica mais generalizada, que julgo dirigir-se menos ao ensino superior e ao primário e mais ao técnico profissional e ao secundário.
Quanto ao ensino superior, a própria Universidade faz o seu depoimento. Na verdade, o magnífico reitor da Universidade de Coimbra, o Doutor António Jorge Andrade Gouveia, quando, no ano findo, examinou o rendimento da sua escola, em 1961-1962, disse:

Baixo rendimento escolar revelado pelo número deduzido de formaturas. O aproveitamento médio de 33 por cento, comparado com 80 por cento das Universidades britânicas ou com o resultado nas Universidades alemãs - Letras, 67,6 por cento de Exames de Estado e diplomas e 22,2 por cento de doutoramentos; Direito, 67,2 por cento e 26,9 por cento; Medicina, 84 por cento em diplomas e doutoramentos; Ciências, 38 por cento de doutoramentos (estatísticas de 1954-1955) -, mostra uma nítida deficiência do nosso rendimento escolar, que deveria diplomar cerca de 800 estudantes por ano, e não menos de 300. Apenas na Faculdade de Direito existem estudos pós-universitários regulamentados, mas em pequena escala, e, assim, os diplomas e títulos académicos acima da licenciatura são raros, com doutoramentos limitados quase aos candidatos à carreira docente. Temos, portanto, muitos estudantes, poucos professores e fraco rendimento escolar.

E ainda outra conclusão do esclarecido mestre:

Corpo docente muitíssimo limitado, com relações de docentes-estudantes muito baixas: em Letras, 1/41; em Direito, 1/47, e em Ciências, 1/31, comparados na Grã-Bretanha com uma relação global de 1/10 e na Alemanha: Letras, 1/12, e Ciências, 1/14 (estatística do ano lectivo 1955-1956).

Se a este depoimento juntássemos o de outros reitores das Universidades, veríamos não ser só aos políticos, mas também aos responsáveis da administração escolar, que se afigura grave o rendimento do ensino superior.
Algumas das causas já aqui foram expostas pelo nosso ilustre Vice-Presidente, Doutor Gonçalves Rodrigues, numa das suas esclarecidas intervenções, para sobre elas

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nos devermos deter, mas, no entanto, deve dizer-se - facto gravíssimo que tem origem na carência de estímulo material - não ser por motivos de ordem financeira que estão por preencher muitas das vagas do quadro docente das Faculdades.
Quanto ao ensino liceal, segundo a estatística, o rendimento médio pode aferir-se pelos seguintes resultados: dos 14 120 alunos matriculados no 1.º ano em 1956-1957 cinco anos depois (1960-1961) obtiveram aprovação no 5.º ano 9073, número que inclui uma grande percentagem de alunos que teriam repetido um ou mais anos, ou seja um rendimento inferior a 64,3 por cento.
Dos 12 757 alunos matriculados pela primeira vez no 1.º ano em 1955-1956 foram aprovados no exame final do 3.º ciclo em 1961-1962 4227, número que inclui igualmente uma elevada percentagem de alunos repetentes de um ou mais anos, ou seja um rendimento máximo de 33,1 por cento. Deve atender-se a que, daqueles 12 757 alunos matriculados em 1955-1956, uns tantos, ao terminar o 5.º ano, se desviaram para outros estudos (escolas normais, institutos, etc.) ou se empregaram.
O ensino primário parece não estar tanto em causa, mas, quando se confronta a formação obtida sob a reforma de 1911 com a obtida sob as posteriores, poderá ser-se levado a optar por aquela do ponto de vista do rendimento.
Sejam quais forem as razões, o nível do ensino parece estar afectado por causas intrínsecas e extrínsecas a necessitarem de estudo e de urgentes providências. Bem sabemos que está em estudo um grande plano de reforma dos estudos, mas é de recear que um plano de conjunto condicione e retarde intervenções quase unanimemente perfilhadas pelo corpo docente de algumas Faculdades e de outras escolas.
Os grandes planos revelam-se, na execução, muito aquém dos objectivos inicialmente propostos e retardam soluções já estudadas e consideradas indiscutíveis, sacrificando-se, tantas vezes, o razoável ao bom e o bom ao óptimo.
Um plano não pretende mais que sistematizar realizações.
Não visa ordenamentos de aplicação simultânea. Nada impede, por isso, que em cada momento se providencie dentro da linha geral das directrizes prèviamente estabelecidas. É que, quando se atenta na natural lentidão da formação intelectual e em que só no decurso de uma boa vintena de anos se vê florir uma juventude criada dentro de novos horizontes, muito embora à luz dos mesmos ideais, tem de reconhecer-se todo o tempo perdido na decisão de problemas imediatos como passivo insaldável no plano do rendimento escolar.
Entre o que está estudado e o que deve ser estudado há que descobrir a regra de conduta mais consentânea com os imperativos de ajustamento às realidades. Não vou referir o que se afigura como imediatamente realizável, por ter a consciência plena das dificuldades e por saber como é audacioso um juízo quando se não estudaram, com sentido de responsabilidades, aspectos essenciais de uma questão transcendente. No entanto, a dar-se audiência ao entendimento de pessoas especialmente qualificadas em problemas de ensino, é-se levado a concluir que a carência de recursos não pode responder pela inviabilidade de providências imediatas no plano do rendimento escolar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Por isso me permito focar um aspecto do ensino técnico em que julgo poder emitir uma opinião - o têxtil. Manifestou-se em 1946 o desejo de criar na Covilhã - um núcleo industrial de mais de 30 000 pessoas vivendo quase exclusivamente da indústria de lanifícios - uma escola técnica adaptada às necessidades do meio e dos restantes centros fabris dessa indústria.
No pensamento dos dirigentes corporativos da actividade estava a intenção de criar uma escola onde, a par da formação intelectual, se fizesse preparação profissional, e para tanto instalar-se-ia uma autêntica fábrica com um regime de laboração adequado à finalidade. A formação, pensava-se, deveria visar um desenvolvimento mental capaz de abranger as particularidades e incidências dos processos de transformação e contribuir, fortemente, para o conhecimento, além da matemática essencial, da história e da língua. Havia a preocupação de evitar a dispersão de estudos, dando relevo fundamental ao que se supunha ser essencial a um português de lei e a um obreiro qualificado da indústria de lanifícios.
Bem se procurou demonstrar o valimento dessa orientação, mas tudo teve de ceder perante a programação oficial do ensino técnico, apesar de certa boa vontade e mesmo compreensão de alguns dos responsáveis. O Estado aparece como único detentor da verdade em matéria de ensino e impõe, como conduta uniforme, a sua programação, mesmo às instituições que doutrinàriamente no plano do Estado pretendem realizar fins de interesse público.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Perante tão irredutível atitude, abandonou-se a ideia de criar a referida escola profissional. Entretanto, foi reorganizada a escola técnica da Covilhã, que passou, naturalmente, a funcionar dentro do esquema de ensino oficial. Poderia admitir-se melhoria sensível do rendimento escolar, uma vez que funciona num centro predominantemente industrial e com vantagem relevante para o fabrico de fios e tecidos de lã.
A realidade é, porém, muito outra - os alunos matriculados no ano lectivo em curso aparecem assim distribuídos: ciclo preparatório, 351; mestre-de-obras, 5; formação feminina, 71; comércio, 522; electricidade, 35; serralharia, 81; tecelagem, fiação, tinturaria e debuxo, 135.
Examinemos agora o rendimento escolar: os alunos matriculados na secção industrial, internos e externos, nos últimos cinco anos lectivos (1958-1959 a 1962-1963) foram os seguintes, indicando-se entre parêntesis os que se diplomaram:

Cursos de aprendizagem: de tecelão, 30 (3); de tintureiro, 45 (1); de fiandeiro, 7 (2); de serralheiro, 49 (5).

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - V. Ex.ª não fez o cálculo do custo da educação de cada um dos diplomados?

O Orador: - Foi o que me faltou fazer.

Cursos de formação: de técnico de tecelagem, 157 (13); de serralheiro, 27 (5); de electricista, 77 (3); de formação feminina, 261 (31); de cerzideira, 56 (3).
Cursos de aperfeiçoamento: de debuxador, 403 (16); de tintureiro, 118 (2); de fiandeiro, 15 (0); de serralheiro, 193 (0); de electricista, 84 (3).

O Sr. Jorge Correia: - Era preciso averiguar porquê.

O Orador: - No mesmo período de cinco anos os alunos matriculados nas diversas classes do curso de técnico de tecelagem totalizaram em cada ano o máximo de 36 e o mínimo de 24 e nos cursos de aperfeiçoamento o máximo de

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90 e o mínimo de 69; este, como se observou atrás, muito poucos alunos o completam, porque só buscam obter conhecimentos técnicos da indústria de lanifícios.
Perante este quadro, a indústria continua a admitir anualmente muitas centenas de aprendizes que não tem preparação superior aos aprendizes de há dezenas de anos, ou seja a 4.ª classe, com a agravante de terem passado, até atingirem a idade de admissão, dois anos os rapazes e quatro anos as raparigas numa ociosidade nefasta do ponto de vista educativo e familiar.

O Sr. Jorge Correia: - Pois não devia admitir-se.

O Orador: - Ora, devido a carência de quadros intermédios, os obreiros que nas oficinas se aperfeiçoavam no seu labor regridem do ponto de vista profissional, e esta realidade obriga o mesmo organismo corporativo - a Federação Nacional dos Industriais de Lanifícios - a encarar de novo a ideia de criar uma escola de preparação profissional, tal como o havia pensado há dezoito anos. Mas entre esta solução, forçosamente morosa, dispendiosa e difícil no plano de formação intelectual, e a adaptação da escola existente à realidade da vida fabril, o que será lógico fazer? Não me parece legítima a hesitação.
A escola como existe nem forma quadros intermédios, nem subalternos, embora concorra para transmitir conhecimentos sobre a indústria aos que a vão frequentando. Há que formá-los, por estar em causa uma indústria que dá trabalho permanente e garantido a mais de 20 000 trabalhadores, satisfaz todo o consumo nacional de tecidos de vestuário, abastece de fios as indústrias de malhas, de tapetes e de feltros e proporciona os trabalhos domésticos de malhas. Porque não aproveita o Estado a cooperação que a indústria transitoriamente lhe poderia prestar? Note-se que digo transitoriamente, e isto porque estamos em presença de um problema de toda a indústria têxtil, actividade com mais de 100 000 trabalhadores e com o maior valor da exportação nacional.
Para se lhe dar resolução conveniente haveria que confiar à Universidade de Coimbra o encargo de organizar o ensino têxtil em nível paralelo ao estrangeiro. E digo a esta por estar no centro do País e por já contar entre os seus doutores o cientista Manuel Alves da Silva, que também o é pela Universidade de Leeds, com largo conhecimento do problema, pelos seus estudos em Inglaterra, nos Estados Unidos da América e na Alemanha; e, até, quanto a mim, pelo coração.
Uma vez criados esses estudos e recrutado pessoal docente especializado, se estudaria como instituir um ensino capaz de preparar, convenientemente, os quadros intermédios e subalternos e se decidiria sobre a rede escolar deste ensino. Se o não fizermos, continuaremos a improvisar, tendência marcada do temperamento nacional, tendência contra a qual se vem lutando sob a chefia de Salazar, mas ainda, infelizmente, subsistente. E, já agora, não quero deixar de dizer que tudo isto se poderia fazer, porventura, sem dispêndio para o erário público - tão prementes são as necessidades - se tivéssemos corporações de grandes sectores económicos possuídas de poder normativo, portanto capazes de realizar a sua missão a par do Estado, tal como a doutrina as consagrou. Quanto ao ordenamento corporativo, não irei mais longe, porque a tanto me obriga o amor às ideias!

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Eu, por mim e por todas as pessoas conhecedoras da realidade industrial, posso afirmar que o ensino têxtil não satisfaz aos seus fins. Emitimos um juízo de valor. O conhecimento das causas e o estudo das soluções convenientes cabem aos técnicos do ensino, mas, salvo melhor opinião, creio não podermos afastar-nos da orientação para que aponto. A função do Estado é organizar e encaminhar o ensino por forma a preparar todos os homens que chegam à vida segundo o seu nível intelectual e as suas preferências, tornando-os aptos a serem úteis a si, à família e à sociedade segundo os principias da moral cristã. Além do mais, porque, como disse recentemente o Chanceler Erhard, "na luta pacífica da concorrência as nações medem as suas forças no campo da ciência, da cultura, cia arte e do desporto".
E já que falamos de Erhard, permitam-me VV. Ex.ªs um breve apontamento sobre o ensino alemão. Como se sabe, não existe um ministro da Educação Federal, por ser da competência dos estados ou dos senados das cidades autónomas a organização do ensino no respectivo território, embora as diferenças não sejam essenciais. Segundo uma publicação oficial do estado da Renânia do Norte - Vestefália, que compreende cerca de 16 milhões de pessoas -, as escolas, quanto à forma, classificam-se de: básica. secundária intermédia, secundária superior, profissional, (promoção profissional, preparação profissional, especialização, especialização média e superior.
Dentro de cada uma dessas formas há, por vezes, diversos tipos. Assim, há escolas secundárias superiores de tipo clássico (línguas clássicas) e de tipo moderno (línguas-vivas) e de formação; e. escolas profissionais de minas, agrícolas, industriais, comerciais e de economia doméstica.
De entre todos, estes tipos de escola, há distinção entre escolas públicas, mantidas pelo governo do estado, por uma freguesia ou por um grupo de freguesias, ou, então, por um grémio, ou por câmaras de comércio, de indústria, agrícolas ou de ofícios, e escolas particulares, em geral sob o patrocínio de entidades eclesiásticas, associações ou pessoas singulares.
Estas ainda podem ser de substituição, quando organizadas com a aprovação do Estado, e de aperfeiçoamento, mas os seus diplomas não tem qualquer correspondência com os das escolas públicas. Na cúpula encontram-se as universidades, as escolas superiores técnicas, as academias pedagógicas e certas escolas especializadas, como as de administração pública, de finanças e de justiça, dependentes dos respectivos Ministérios e só para funcionários. Todo este quadro de ensino se desenvolve a partir da escola básica, que "constitui a pedra angular de todo o sistema educacional". A obrigatoriedade escolar prolonga-se por oito anos, distribuída por dois ciclos, o primário (quatro anos) e o superior (quatro anos).
Alguns estados já têm um 9.º ano, voluntário, que se destina a "promover o desenvolvimento da personalidade, a aprofundar a educação cívica e política e a preparar a entrada no mundo profissional". O diploma da escola básica possibilita a aprendizagem de profissões manuais, do comércio, da indústria e da economia doméstica e agrícola; a ocupação como aprendiz ou operário, no comércio, na indústria, na agricultura ou no âmbito doméstico; a entrada no serviço público, menor ou médio, como funcionário, após um estágio para ulterior entrada na carreira e frequência obrigatória da escola profissional geral.
A articulação entre o ciclo primário e as escolas secundárias intermédias, as escolas secundárias superiores, as escolas secundárias de formação complementar, forma abreviada das superiores, para outros acessos, as escolas comerciais, as escolas profissionais gerais, especiais e de especialização é total, por maneira que, em qualquer

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momento, o aluno possa dar novo rumo à sua actividade escolar.
E, já agora, perdoem-me VV. Ex.ªs, para remate das minhas considerações sobre o ensino, que refira a organização das escolas secundárias superiores. Há a modalidade alongada (nove anos) para o liceu de Línguas Clássicas, o liceu de Línguas Modernas, o liceu de Matemática e Ciências Físicas e o liceu de Ciências Sociais; e a modalidade abreviada para o liceu de formação (seis anos), para o ciclo de formação para diplomados das escolas secundárias intermédias (três anos) e para o liceu de Ciências Económicas e Sociais, preparatório das escolas superiores de Economia (três anos).
Os quatro tipos de liceus de modalidade alongada dão, sensivelmente, as mesmas horas de Religião, de Alemão, de História, de Geografia, de Música, de Formação Artística e de Ginástica. Distinguem-se pelas horas das outras disciplinas: o Latim e o Grego, no liceu clássico; o Inglês e o Francês, no liceu moderno; a Matemática e a Física, no liceu matemático-físico; e as Ciências Sociais e uma disciplina de Ciências Naturais, no liceu social feminino.
Distinguem-se ainda pelas horas ocupadas as seguintes disciplinas: Inglês, Latim (o latim que nós desprezámos e que até permite à Rússia ensinar Direito Romano, durante dois anos, nas Faculdades de Direito), Matemática, Física, Biologia, Química (comuns a todos os liceus); Grego, apenas nos liceus clássicos; Francês, apenas nos liceus modernos; Ciências Sociais, apenas nos liceus sociais femininos; são voluntárias, nos últimos dois anos, as disciplinas de Filosofia (excepto no liceu social feminino) e, recentemente, Pedagogia. Mesmo quanto aos liceus, além do liceu nocturno, existem outras particularidades, mas abandono-as, como abandono tudo quanto respeita à organização e funcionamento da rede escolar inicialmente referida, por não interessar ao desenvolvimento do meu pensamento.
Como se observa, o ensino que a traços gerais acabamos de relatar visa a fazer de todos os jovens elementos socialmente úteis. Não há lugar para fracassados nem para proletariado intelectual. Todos têm na sociedade o lugar da sua preferência, pois mesmo os diplomados na escola básica têm de continuar a frequentar cursos profissionais ou especializados para encontrarem acesso na actividade da sua escolha. No ensino secundário a diversidade de escolas e de cursos oferece possibilidades de valorização e de acesso e assegura o alto nível do rendimento escolar, por assentar numa base de selecção natural, a da preferência do aluno dentro de uma comunicabilidade interescolar sistematicamente definida.
Se curarmos bem de todos os aspectos apontados, há-de reconhecer-se que a Alemanha, como tantos outros países, já encontrou há muito a linha de rumo na planificação da educação e dispõe de ordenamentos escolares adaptados à vida real, por forma a fazerem de cada homem o mais poderoso elemento de riqueza e de progresso.
É impossível que esses esquemas de organização escolar sejam mais dispendiosos, mas tenho para mim de incomparável maior custo um rendimento escolar inferiorizado por um conjunto de circunstâncias imponderadas ou subsistentes devido a fértil imaginação na inovação e até na assimilação. Se se quebrar o espírito de rotina e se souber bem alicerçar o rendimento do ensino existente, lançando em cada dia mais algumas pedras no edifício que precisamos de urgentemente concluir, por certo não faltarão recursos, pois para empreendimentos igualmente dispendiosos eles têm sido suficientes e até muitas vezes excessivos.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Melhorar o rendimento do ensino existente deve ser o grande objectivo, mas têm de aceitar-se todas as implicações dessa melhoria. Não bastará ajustar quadros, rever programas, remodelar estudos, nem pedir à escola que se dê mais à sua função de ensinar, de educar e de seleccionar. Por de mais se vem esquecendo que é obrigação do Estado, bem maior do que a imposta às actividades privadas, remunerar convenientemente e tanto quanto mais quiser defender o nível do ensino.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - A alta missão do professor só poderá ser exercida com autêntico proveito em regime de exclusividade profissional, e nas actuais circunstâncias o Estado impele para outro servir os mais essenciais dos seus colaboradores. Não se esqueça que na base do nosso subdesenvolvimento está a subeducação e que o mais valioso de todos os investimentos será o de assegurar urgentemente dignidade às remunerações do pessoal docente.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Assiste-se a uma desagregação da docência por ausência de estímulo. Tenhamos bem presente esta realidade e não distingamos nos gastos entre os da defesa e os da educação, por ambas serena os pilares do futuro da Pátria.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - As aspirações são unânimes. Deus permita se saiba polarizar esse sentimento colectivo de renovação e de reordenamento da vida educativa.
Sr. Presidente: venho buscando extrair da realidade nacional e estrangeira certos princípios orientadores da acção que, em meu entender, se deveria desenvolver no domínio da política económica e da política educacional. Não tive outro objectivo, ainda que, por vezes, transpareça um tanto de inconformismo como de ansiedade. Palavras de dor e de confiança que reflectem o pensamento de quem encontra na vida sempre novos motivos para prosseguir no combate das ideias.
Sofro por elas quando as sinto maltratadas e empobrecidas. Não me zango com os homens, por bem saber quanto é duro o ofício de governar e de servir. Nem sequei-me zango com os próprios adversários de ideias, nas suas críticas e censuras, pelo respeito devido à sua verdade e porque, em posição inversa, nós estaríamos perante eles como eles estão perante nós.

O Sr. Gonçalves Rodrigues: - Muito bem!

O Orador: - Não querem, estou crente, nem destruir nem subverter, tal á convicção de que se afundariam, e ao País, se uma vaga de ódio pudesse extravasar. Eles querem, sinceramente, que nós sejamos mais coerentes e melhores no servir e bem saibamos distribuir por todos os portugueses a responsabilidade que lhes cabe nesta hora alta da Pátria.

O Sr. Lopes Roseira: - Muito bem!

O Orador: - O frémito e a comoção trespassa-os, como a todos nós, quando a morte ceifa os heróis, mas ninguém trepida ou renuncia ao sacrifício. O povo, no seu labor e nas suas alegrias e dores, dita a sua lei e o seu querer de vencer e de não ceder. Saber cumprir e ser melhor é imperativo da consciência nacional.

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Aos que traem a Pátria continuaremos a dispensar o mais intransigente combate. A sua luta e o seu ódio fortalecem a nossa determinação de manter a Revolução, na acção e na politicização, com Salazar e para além de Salazar.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Também se trata de respeitar um mandato da consciência nacional. Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Santos Bessa: - Sr. Presidente: ao participar neste debate sobre o relatório das Contas Gerais do Estado do ano de 1962, quero, antes de mais, prestar a minha homenagem à ilustre comissão que o subscreve, e particularmente ao seu ilustre relator, o Eng.0 Araújo Correia, pela transparente clareza que o caracteriza e pela exaustiva análise que nele se contém.
Ele corresponde ao período das primeiras dificuldades em que se encontrou o Governo para fazer face a esta guerra que nos foi imposta pela cobiça e pelo despudor que reina no tablado internacional. A nossa estrutura económica saiu vitoriosa do embate, ao mesmo tempo que o patriotismo das nossas gentes de Angola e o heroísmo dos nossos soldados afirmam a sua constante e arme decisão de conservar íntegro o território nacional. A Nação acompanha com consciente nobreza e com patriótica fé quanto se está fazendo para a protecção das populações ameaçadas e para a defesa da integridade do País, e isso é motivo de intenso júbilo para todos nós.
As dificuldades e exigências deste primeiro período que estamos analisando têm a sua expressão numérica nos 15 200 000 contos que houve que recolher para fazer face às despesas públicas, recorrendo para tanto, entre outras coisas, aos 496 000 contos de saldos dos anos económicos findos e a 2 601 700 contos de empréstimos.
Sr. Presidente: quero aproveitar este ensejo para destacar algumas referências que neste parecer dizem respeito ao problema hospitalar do País, e particularmente ao da zona centro. Socorro-me para tanto dos elementos que me foram fornecidos pelos Ministérios das Obras Públicas, da Educação Nacional e da Saúde e Assistência em satisfação do requerimento que aqui apresentei em 26 de Março do ano passado e do que tenho verificado como membro da Comissão Executiva Inter-Hospitalar de Coimbra.
O hospital é uma peça fundamental do nosso equipamento sanitário, ao qual estão atribuídas funções curativas, recuperadoras, preventivas e pedagógicas.
Deve-se à actual situação política a Lei n.º 2011, de 2 de Abril de 1946, que foi largamente debatida nesta Câmara e que, pela primeira vez, lançou as bases de uma organização geral da assistência hospitalar de Portugal, de forma a garantir o socorro médico e cirúrgico e o tratamento de urgência que a doença ou os acidentes exigem. Mercê dessa lei, realizou o País uma notável obra, no cumprimento do programa previsto, tanto no (que respeita às construções e beneficiações como à satisfação do número de camas e ao equipamento de muitos dos nossos hospitais.
Nas três zonas hospitalares criadas e nas regiões e sub-regiões em que foram divididas hierarquizaram-se os hospitais que lhes competiam - centrais, regionais e subregionais - com base em cálculos provenientes da aplicação de fórmulas que regulam o número de camas em relação à população a servir.
Aquando da discussão do Estatuto da Saúde e da apreciação do douto parecer da Câmara Corporativa foram expostos os números correspondentes às construções novas, às beneficiações e ao equipamento dos hospitais, dispensando-nos, por isso, de os salientar de novo.
No presente relatório salienta-se, pelo que respeita aos sub-regionais, que já se executaram, em relação ao previsto, 76 por cento para a zona norte, 64 por cento para a zona centro e 83 por cento para a zona sul. E, portanto, a zona centro a que vai mais atrasada na execução desses programas.
Considero da maior justiça salientar aqui o trabalho realizado pela Comissão de Reapetrechamento Hospitalar, criada pelo Decreto-Lei n.º 43 700, de 29 de Junho de 1961, que elaborou já o I, o II e o III planos, que muito virão a beneficiar os respectivos hospitais. Infelizmente, a sua execução, por dificuldades burocráticas, não tem observado aquela celeridade que seria para desejar.
Apreciando o esforço realizado no sector das construções, salienta judiciosamente o parecer das Contas Gerais do Estado que agora discutimos:

Se ao longo do que tem vindo a esboçar-se se reconhecem os progressos realizados, parece, no entanto, que o resultado já atingido deveria permitir não só acção intensa no que respeita à consecução dos meios necessários ao desempenho das tarefas que aos hospitais compete levar a cabo, como também seria reflexão acerca do princípio geral a que deve subordinar-se a estrutura hospitalar do País. Conviria hierarquizar os centros de acção e estabelecer, de forma eficaz, uma comunidade de meios técnicos e administrativos. Esta comunhão de meios técnicos com serventia regional concorreria para a melhor eficiência dos serviços complementares já existentes - dispensários, postos clínicos, laboratórios e outros.

Manifesto o meu acordo com o conteúdo destas afirmações. No sentido de se conseguir uma boa parte do que aqui se sugere têm trabalhado as três comissões inter-hospitalares e as centrais de orientação dos doentes. Em trabalho contínuo, vão-se descobrindo defeitos, vão-se colmatando lacunas, vai-se tentando um aperfeiçoamento funcional no sentido de servir cada vez melhor o doente e de tornar mais rendoso o investimento feito e o trabalho realizado.
A respeito da nossa organização hospitalar, seja-me permitido recordar aqui o que dela disse o Dr. Maumy, perito da Organização Mundial de Saúde, que recentemente esteve entre nós em serviço oficial, que visitou muitos dos nossos hospitais gerais e especializados e que, em relatório presente àquela Organização Mundial, se declara satisfeito por "ver o equipamento hospitalar de Portugal a um nível tal que ele suporta facilmente a comparação com o da maior parte dos países da Europa e do Mundo".
É claro que, ao afirmar isto, também ele diz - e todos nós o reconhecemos - que isso não significa que tudo seja perfeito.
Faz também referência à solidez na tradição hospitalar portuguesa, sem prejuízo de uma constantemente progressiva adaptação, à admirável devoção de quantos se consagram à causa do hospital e à fé que os anima.
Pelo que respeita à zona centro, que particularmente me interessa, ela dispõe actualmente de 1 hospital central, 5 regionais, 57 sub-regionais e 8 locais.

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O nosso hospital central é constituído pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, que se encontra em manifestas condições de insuficiência para cumprir a sua dupla função de hospital escolar e de hospital central da zona. Essa insuficiência ressalta da sua taxa de ocupação média dos leitos - 106 por cento.
Como a distribuição não é uniforme nos vários serviços, julgo que deve haver alguns em que essa ocupação deve exceder os 120 por cento.
Ora, sabe-se que desde que essa taxa de ocupação exceda 80 por cento já se considera o hospital em más condições de funcionamento e manifestamente insuficiente pelo que respeita ao número de leitos de que dispõe para servir a população que lhe está adstrita.
Segundo a informação que gentilmente me foi fornecida por S. Ex.ª o Ministro das Obras Públicas, prevê-se a construção, em Coimbra, de um hospital escolar da Cidade Universitária e de um hospital civil.
Quanto ao primeiro, cujo projecto já se encontra em conclusão, prevê-se que ele fique dispondo de 618 camas e com as condições necessárias para o ensino dos futuros médicos e para a preparação do ensino pós-escolar. Deduzo que esse número deve ter sido fixado de acordo com as exposições que a Faculdade de Medicina deve ter feito a este respeito. E digo deduzo porque, apesar de ter pedido expressamente no n.º 8 do meu requerimento que me fossem fornecidas cópias dos relatórios, propostas ou informações que digam respeito aos planos elaborados nos últimos 10 anos pelas autoridades que superintendem nos hospitais (Misericórdias, Fundações, Faculdade de Medicina de Coimbra, Comissão de Obras da Cidade Universitária e Comissão de Construções Hospitalares, etc.), nenhuma delas me foi ainda fornecida.
Por isso mesmo, aproveito o ensejo para voltar a solicitá-los, visto que penso não ser esta a última vez que, nesta legislatura, me ocupo deste problema.
Ora, se com as 902 camas de que hoje dispõem os Hospitais da Universidade de Coimbra a sua ocupação média é de 106 por cento, o hospital escolar de 613 camas não pode bastar às necessidades de Coimbra como sede de zona.
Por isso mesmo se resolveu, e muito bem, prever a construção de um hospital civil na cidade de Coimbra. Na informação que me foi fornecida diz-se que esse hospital comportará 400 camas. Quer dizer: os 2 hospitais totalizarão 1013 camas.
É claro que, à luz dos dados actuais, poderíamos supor que, se com as 902 camas temos uma ocupação média de 106 por cento, as 1013 camas dificilmente poderão fazer baixar essa taxa a níveis convenientes, tanto mais que a população aumenta constantemente e que a taxa de frequência hospitalar, isto é, o número percentual de habitantes que se fazem hospitalizar na roda do ano, tem também tendência a aumentar. Mas como, em contrapartida, se espera que, entretanto, se melhorem as condições de equipamento e de funcionamento dos hospitais regionais da zona e se aperfeiçoe o serviço da central de orientação dos doentes, julgo que as 400 camas do hospital civil bastarão, com as 613 do escolar, para as necessidades da zona. É, no entanto, necessário que seja construído em condições de poder ampliar-se sem dificuldades.
Na informação a que me reporto nada se diz a respeito da orientação que vai ser seguida na construção destes dois hospitais - se se faz primeiro o escolar e depois o civil; se o contrário, se os dois ao mesmo tempo.
Este aspecto do problema preocupa-me seriamente e ouso chamar para ele a atenção do Governo, e particularmente dos Srs. Ministros das Obras Públicas, da Educação Nacional e da Saúde e Assistência.
Entendo que essas construções não podem prejudicar a importantíssima função que compete à Faculdade de Medicina na preparação de futuros médicos e na educação pós-escolar dos diplomados. A Faculdade deve ter sempre à sua disposição as condições indispensáveis a essas atribuições. Ora, receio bem que, se o plano destas construções se iniciar pelo actual hospital, se venham a comprometer ainda mais sèriamente as condições já actualmente bastante comprometidas para a função do ensino e da assistência. Mesmo que a remodelação prevista do velho hospital se faça por zonas, hão-de estar sacrificados durante anos muitos serviços, uns após outros, e impedidas de ser utilizadas permanentemente algumas dezenas ou mesmo centenas das actuais camas. Deste modo, agravam-se as funções citadas e compromete-se mesmo a matrícula dos futuros médicos daquela Faculdade. A ocupação média subirá então para os 120 ou 130 por cento, ou mesmo mais! ... Além disso o contraste, já hoje manifesto, entre as condições materiais deste hospital escolar e das suas dotações em pessoal com os Hospitais Escolares de Lisboa e Porto será ainda mais patente, e isso não deixará de trazer sérios inconvenientes.
A construção simultânea dos dois hospitais não impede o que estou dizendo.
Deste modo, afigura-se-me que o único meio de obviar a estes inconvenientes será construir em primeiro lugar o hospital civil, instalando nele, depois, os serviços do hospital escolar que ocupem os sectores sujeitos a obras dos actuais Hospitais da Universidade de Coimbra.
Deste modo, a Faculdade disporia das instalações necessárias ao ensino sem as perturbações que as obras no actual hospital acarretam e sem redução do número de camas a que isso obriga. Ficariam, assim, salvaguardados os direitos da Faculdade e as necessidades da assistência.
Não sei como estão previstas as dotações desses hospitais em camas para crianças doentes. A nossa situação, a este respeito, na zona centro, é deveras confrangedora. Não andarei muito longe da verdade se calcular que para a população dos 1 803 976 habitantes que estão registados, pelo censo de 1960, na área dos 22 901 km2 que constituem a zona centro teremos cerca de 180 000 crianças de menos de 5 anos, 160 000 de 5-9 anos e 160 000 de 9-14 anos, perfazendo, portanto, 500 000 crianças, quer dizer, mais de um terço da população adulta.
Ora bem, enquanto, para o conjunto da população temos 4242 camas, distribuídas pelos hospitais, não. temos senão pouco mais de 100 para assistir às 500 000 crianças; isto é, 1 cama para cada 425 pessoas, mas, no que respeita a crianças, sòmente 1 cama para 5000 crianças! E há que ver que destas só 23 se encontram no hospital central, 22 no da Covilhã e umas quantas (cujo número não consta do inquérito feito, nem da informação que me prestaram) no hospital de Viseu. Nos outros 3 hospitais regionais da zona - Leiria, Guarda e Castelo Branco - nem uma só cama destinada a pediatria!
E os Hospitais da Universidade de Coimbra, onde se ministra o ensino da pediatria e se faz a preparação pós-escolar dos médicos, não dispõem senão de 23 camas!...
Em 7 dos 22 hospitais sub-regionais há um total de 35 camas, com uma média por hospital que varia entre 3 e 8. Nesses 7 concelhos, ao menos, pensou-se nas crianças doentes; mas em nenhum deles há, sequer, 1 pediatra! Também não sei se as camas estão devidamente separadas das dos adultos, como é de regra. Tenho razões para supor. que constituirá verdadeira excepção o que se verificar a tal respeito.

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Pois bem: para simples confronto, dir-lhes-ei que na região sanitária de Nancy, que compreende 7 departamentos e que tem uma população de 3 400 000 habitantes
- menos que o dobro da que constitui a nossa zona centro -, há vários hospitais de 1.ª e 2.ª categoria em várias cidades dotados de serviços de pediatria que assistem às doenças infantis mais correntes.
Além disso, a região dispõe de serviço de puericultura e de pediatria de Nancy, que recebe todos os doentes infantis de um desses departamentos - o de Meurthe-et-Moselle - e recebe também os casos de diagnóstico delicado ou de terapêutica difícil dos outros 6 departamentos. Esse serviço central tem 200 camas (110 das quais para lactentes e 90 para crianças dos 2 aos 15 anos) e, para fazer face às 4200 admissões anuais, a duração média de hospitalização não atinge os 15 dias.
Para executar a sua função assistencial à criança doente, esse serviço é apoiado por estabelecimentos médicos, sociais, médico-sociais e médico-pedagógicos à volta de Nancy, perfazendo 1200 camas. No total, 1400 camas. Estas formações extra-hospitalares de apoio funcionam em perfeita coordenação. Deste modo, a criança assistida no serviço da clínica pediátrica de Nancy, depois da observação e do tratamento hospitalar, ou regressa ao domicílio ou é transferida para uma dessas formações satélites, onde vai passar a sua convalescença ou resolver problemas médico-sociais, pedagógicos ou puramente sociais que a atingem.
A que distância nos encontramos desta solução tão simples!
Não admira, pois, que entre nós as taxas da mortalidade infantil não baixem com a rapidez com que regressam nos demais países da Europa, na América do Norte e em alguns da América do Sul.
Coimbra, como sede de zona, necessita de que se lhe forneçam urgentemente condições de hospitalização de crianças doentes, com um número de camas suficiente, em hospital especializado ou em serviços independentes dos dois hospitais que vai possuir. Coimbra reclama urgentemente a solução deste problema, em nome das crianças que carecem de ser convenientemente assistidas na doença. Poupo VV. Ex.ªs à descrição de casos que tenho seguido com confrangedora amargura, sem que me fosse possível dar-lhes solução conveniente.
A penúria confrangedora do número de camas de que dispõe a zona, sem falar das condições deploráveis em que funcionam, dispensa-me de aduzir mais argumentos para justificar a necessidade de dotar a cidade com o seu hospital infantil ou com os serviços independentes a que me referi e, além disso, de criar, nos hospitais regionais, os pequenos serviços independentes para lactentes e para crianças mais crescidas.
Temos em Lisboa exemplos de uma e de outra coisa - de hospital especializado para doenças das crianças, na Estefânia; de serviço independente de pediatria integrado num hospital central, em Santa Maria. Um e outro sistema têm vantagens e inconvenientes - uns de ordem científica e técnica, outros de ordem económica e administrativa.
Devo dizer, no entanto, que a corrente propende para o hospital infantil independente. Assim aconteceu ainda recentemente com o de Santa Justina, no Canadá; o de Linz, na Áustria; o de Aarau, na Suíça, e com a clínica pediátrica de Turim, na Itália. Em Paris, o Hôpital des Enfants Malades e o de Saint-Vincent de Paul conservam e sua independência, e a nova clínica do Hôpital Trousseau tem a mesma característica.
A criança é capital precioso que precisamos de proteger com mais cuidado do que o temos feito.
Ao analisar, a traços largos, o problema da assistência à criança doente na minha zona, não esqueço, de modo algum, o que se torna também necessário fazer nas demais. Não posso concluir este apontamento sem solicitar do Governo, e particularmente do Sr. Ministro da Saúde e Assistência, uma atenção particular para este delicado e urgente problema.
Tal como os serviços de assistência à criança doente, julgo que os de traumatologia são também dos que reclamam mais urgente solução. O número dos que carecem de assistência especializada por acidentes de vária natureza é cada vez maior. Ao problema da assistência médica e cirúrgica ao grande traumatizado estão ligados os da reanimação, da reeducação e da recuperação. Neste capítulo também a insuficiência do nosso apetrechamento é manifesta. A este propósito permito-me recordar a necessidade de acelerar a 3.ª fase das obras do centro de reabilitação funcional em construção perto da Figueira da Foz.
Defendendo, como já disse, a prioridade de construção para o hospital civil, sem prejuízo de que alguns dos seus serviços fiquem provisoriamente afectados ao hospital escolar, parece-me justo pedir que na construção e apetrechamento se dê preferência a estes dois sectores - ao da (pediatria e ao da traumatologia. Eles devem ser os primeiros a ser postos a funcionar, por serem, como plaram&nte se demonstra, os de mais urgente necessidade.
Pelo que respeita aos demais hospitais da zona, atrevo-me a pedir que se faça o ponto, que se analise judiciosamente a nossa situação e que se veja o que mais nos convém fazer:

1) Se continuar a construir hospitais sub-regionais antes de cuidar devidamente das possibilidades da sua futura utilização, de ter a garantia de um rendimento social capaz dos investimentos feitos, e a dotá-los de caros blocos cirúrgicos antes de estão seguro da sua utilização por equipa cirúrgica;
2) Ou se devemos concentrar a nossa atenção e o nosso esforço nas construções novas ou nas ampliações, beneficiações e conveniente equipamento dos hospitais regionais.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Sou abertamente pela segunda hipótese. Em toda a parte, em todos os países, os hospitais regionais, são os de organização mais delicada. Mas são também as peças fundamentais do equipamento hospitalar do País. Há que pô-los em condições de nos garantirem o melhor rendimento possível, dando assistência conveniente aos sub-regionais da região.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O Orador: - Entre os nossos hospitais sub-regionais temos alguns muito bons, a funcionar com um bom rendimento, quase como hospitais regionais; mas temos muitos outros que não passam, do ponto de vista funcional, de simples postos hospitalares. Tenho na minha zona e no meu distrito alguns de grande fachada, de imponente aspecto, mas com um rendimento deplorável. Num deles a causa pode imputar-se à manifesta incapacidade de quem foi colocado à frente da Fundação a que ele pertence, sem possibilidade de compreender a alta missão que lhe pertencia.
Pelo contrário, há um pequeno hospital onde em três anos se gastaram pouco mais de duas centenas de contos e cujo rendimento médico, cirúrgico e obstétrico nos dá

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inteira satisfação. Merece a pena que se proclame o nome da terra que agora vive com entusiasmo o problema do seu pequeno hospital e da sua consulta de puericultura - Vila Nova de Poiares. Tenho também uma cidade - a Figueira da Foz - que tem um hospital velho, manifestamente insuficiente e em gritante contraste com a categoria da cidade, com as necessidades da sub-região e com as possibilidades médicas e cirúrgicas que possui. Além disso, a Misericórdia tem disponibilidades para começar a obra. Porque se espera?
Não posso fechar este capítulo dos hospitais sub-regionas sem solicitar da Direcção-Geral da Assistência a revisão do problema do pequeno hospital de Pampilhosa da Serra, cujas obras de apetrechamento se não podem concluir por falta de um pequeno subsídio. Trata-se de um concelho pobre, sem recursos, com más comunicações, cuja sede dista dos hospitais vizinhos entre 40 km e 71 km. São 20 000 habitantes que vivem em serras, numa área de 600 km2, abrangendo não só aquele concelho, mas também o de Góis e de Oleiros. O seu hospital está pràticamente concluído e parece-me que bem merece que não deixemos perder quanto ali investimos e em cuja construção a sua pobre Misericórdia gastou todas as suas economias.

O Sr. Nunes Barata: - V. Ex.ª dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Nunes Barata: - Quero agradecer a V. Ex.ª, em nome das populações da serra, o ter chamado as atenções do Governo para tão lamentável situação.
Estou convencido de que, se o Ministério da Saúde e Assistência analisar cuidadosamente o processo que levou à situação actual e à recusa do subsídio prometido, o assunto será resolvido a contento de todos e com prestígio para a Administração.

O Orador: - Estou convencido de que, uma vez revisto o processo, não haverá coragem para negar um subsídio que permitirá pôr em funcionamento esse hospital, que está pràticamente concluído.
Com este problema dos hospitais, do seu funcionamento e do seu rendimento se prendem muitos outros. Entre eles avulta o da manifesta falta de médicos; o da sua má distribuição no País; o da remuneração do seu trabalho; o da sua pr0eparação pós-escolar, e o da escassíssima afluência às Faculdades de Medicina. É um conjunto de problemas que não posso analisar hoje por falta de tempo, mas que requer uma intervenção na primeira oportunidade.
Ainda não há muitos anos que o conselho geral da Ordem dos Médicos teve a honra de ser recebido por S. Ex.ª o Presidente do Conselho, a quem expôs muitos aspectos deste complexo feixe de problemas.
Em artigos recentes, de comentários a um relatório da Organização Mundial de Saúde, um médico muito distinto tem analisado a nossa carência global de médicos, a sua má distribuição territorial e a penúria das nossas licenciaturas anuais em Medicina. E não só isso, mas também o ridículo ritmo da especialização médica em Portugal.
Ali se afirmou que nem temos estudantes de Medicina, nem médicos, nem professores! Nos últimos dez anos - disse-o o reitor da Universidade de Lisboa -, enquanto a frequência das Faculdades de Direito e de Letras subiu 100 e 150 por cento, a da Faculdade de Medicina baixou 10 por cento!
E quanto a professores, há 40 por cento de vagas no ensino superior - afirmou-se em parecer da Câmara Corporativa (13/VIII).
A Ordem dos Médicos, no seu relatório sobre as carreiras médicas, apontou deficiências e propôs os remédios. Esperemos que esse trabalho seja objecto de análise por parte do Governo e que a comissão destinada a resolver sobre a sua aplicação seja chamada a exercer a actividade que lhe compete.
No que respeita ao ensino, à duração do curso, às matérias ensinadas, ao número de horas de aula, etc., muito há que fazer. Carecemos de um curso médico mais curto, com melhor sentido prático, sem perder tempo com repetições que se não justificam ou a ensinar coisas que de nada servem, com prejuízo de outras que são essenciais.
Um ilustre catedrático de Medicina disse, ainda há pouco, em discurso pronunciado na Academia das Ciências de Lisboa:

Não se ensina medicina humana, mas simples biologia humana - não se cuida de habilitar o homem a tratar com outro homem que sofre, mas cuida-se sòmente da doença de que se sofre, que algumas vezes, no contexto geral, é a parte mínima.

São do mesmo discurso estas afirmações:

O curso de Medicina terá de ser profundamente modificado: em primeiro lugar, encurtado. A sua finalidade é mais do que nunca essencialmente formativa; para além dele, deve continuar o estudo, o aperfeiçoamento, numa palavra: a verdadeira informação.

A medicina social, que tem sido letra morta no nosso ensino módico de índole eminentemente curativa, tem de tomar o seu lugar entre as matérias que devem constituir a formação básica do futuro médico.
Quanto à escolaridade, ela é "simplesmente ridícula".
Sr. Presidente: servi-me deste relatório das Contas Gerais do Estado para fazer algumas considerações sobre um vasto problema de que dependem, em grande parte, a saúde dos Portugueses e a prosperidade da Nação. Quis cingir-me exclusivamente à minha zona e a alguns dos seus aspectos; mas, insensivelmente, abordei certos aspectos de ordem nacional que respeitam ao problema hospitalar. Na execução do vasto programa das construções e equipamento hospitalar já vão gastas somas astronómicas e dói-nos a alma que algum dinheiro gasto nesses investimentos não tenha o rendimento social que devia ter só porque há um lamentável desfasamento entre as construções, as adaptações, o equipamento, a dotação de pessoal, as previsões, etc.
O caminho já andado, as anomalias observadas, a incoordenação verificada, parecem-me justificar uma revisão profunda da nossa política a tal respeito, atingindo os vários sectores que influenciam este complicado problema dos nossos hospitais.
A juventude, o entusiasmo, a fé e outros recursos especiais do novo Ministro da Saúde e Assistência, a sua declaração de que se pode trabalhar apaixonadamente neste Ministério e a consciência de que pode dar um contributo válido ao encaminhamento deste e de outros problemas em curso são razões para olharmos com confiança o futuro dos hospitais portugueses e muitas das soluções que aguardam há tanto tantos problemas da saúde pública.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

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O Sr. Martins da Cruz: - Sr. Presidente: o magnífico reitor da gloriosa Universidade de Coimbra, na sessão solene da reabertura das aulas no início do corrente ano lectivo, a que se dignou presidir o venerando Chefe do Estado, lamentou o baixo rendimento escolar daquela prestigiada escola. E, socorrendo-se dos números. atinentes ao ano lectivo de 1962-1963, documentou as suas palavras com os seguintes elementos:
Frequentaram então a Universidade 5842 estudantes, que foram ensinado" por 226 professores catedráticos e assistentes. Concluíram o curso apenas 282 alunos!
A percentagem de aproveitamento, entrando em linha de conta com a duração dos cursos, não foi além da modesta média de 33 por cento!
Foi ainda o ilustre reitor que, desolado, confrontou aquela média com a obtida nas universidades inglesas e alemãs, que oscila entre 70 e 80 por cento, para concluir pela nítida deficiência do ensino na vetusta Alma Mater Conimbrigensis, que deveria formar anualmente 800 alunos e se fica por cerca de um terço!
Não vá, porém, julgar-se que tal é apenas desdouro da nossa mais antiga Universidade. Infelizmente anda aí acompanhada: a Universidade de Lisboa, com os seus 7637 alunos, mais 30 por cento, formou no ano de 1961-1962 apenas 395 alunos, isto é, sensivelmente a mesma média da de Coimbra.
A Universidade do Porto e a Universidade Técnica de Lisboa melhoraram um tanto as percentagens respectivas, mas, ainda assim, muito aquém das citadas para a Inglaterra e Alemanha.
Se do ensino superior passarmos ao ensino liceal, os resultados são ainda mais desoladores, como, aliás, já aqui expus, e, apenas para recordá-los na sua mais generalizada expressão, repetirei que de cada 1000 alunos que entram no liceu 45 por cento não chegam a concluir o 1.º ciclo! 450 deles perderam-se para o ensino frente ao elementar programa daquele 1.º ciclo!
E apenas 30 por cento - 300 em 1000! - conseguem concluir o 2.º ciclo, e deles apenas 14 vencem a barreira do 7.º ano!
Se descermos ao ensino. primário, na relatividade da sua dimensão, os números vão tendo o mesmo sinal: apesar de todas as recomendações oficiais de benevolência nos exames, os que foram incapazes de lograr o diploma de exame da 4.a classe excederam o número de 50 000 no ano lectivo de 1960-1961, o último de que consegui obter a estatística oficial.
No exame de admissão aos liceus e escolas técnicas a média de reprovações aproxima-se todos os anos dos 30 por cento!
Hemos de reconhecer que são, na verdade, desalentadores os resultados do nosso ensino em todos os graus.
Deixando de lado as desastrosas consequências que no plano do destino de cada um podem vir a ter tantas frustrações, com todo o seu séquito de imprevisíveis incidências sociais, e não ponderando mesmo apenas o grave prejuízo daí decorrente para a economia nacional, com tamanho desperdício de trabalho e de capital e tamanho atraso no aproveitamento das melhores energias da Nação, fica ainda larga margem para sério e profundo exame à volta das causas de tão lamentável efeito.
Serão elas complexas e difíceis de apurar com clareza, certamente. Mas eu atrevo-me a desde já apontar uma delas - as exíguas dotações financeiras votadas à educação. O que bem documentado se encontra nas Contas Gerais do Estado relativas a 1962, ora em discussão.
A falta de professores em todos os ramos de ensino, com excepção do primário neste momento, mas nessa falta a abundância de professores recrutados sem qualquer preparação pedagógica conveniente, e aqui até no ensino primário, no qual, por muito discutíveis motivos de economia, se sacrificam professores habilitados a milhares de regentes escolares que precisam mais de aprender do que sabem para ensinar; o afastamento de muitos e muitos dos mais capazes do magistério por insuficiência de vencimentos - aos 70 anos, quando a incapacidde o atingir, se tiver 30 anos de efectivo, o professor primário perceberá 2400$ mensais; o do ensino liceal ou técnico, 6500$, o catedrático, 9000$, se não erro; a deficiência de instalações adequadas; a ausência quase total do necessário apetrechamento pedagógico ao nível do ensino exigido pelo nosso tempo; a impossibilidade criada a cerca de 75 por cento da população escolar para prosseguir seus estudos, com sacrifício de tantos que seriam dos mais idóneos; o clima de rotina e desinteresse, de cepticismo e descrença por tudo isso criado no sector da educação, e tantas outras situações de igual significado, bem pode ser que não sejam devidos apenas à falta de verba, mas ser-lhe-ão principalmente.
Eu estou com o ilustre autor do excelente parecer sobre as Contas Gerais do Estado, o nosso Exmo. Colega Eng.º Araújo Correia, quando assevera que os problemas da instrução e da educação não dependem apenas de verbas orçamentais - é exacto; mas dependem muito delas, porque aí se radica e condiciona a própria mentalidade que informa o ensino. Um ensino com meios suficientes em todas as suas rubricas - pessoal, instalações e apetrechamento pedagógico - criará ele próprio uma mentalidade a que ficará inacessível um ensino privado daqueles mesmos meios.
Ora a mim afigura-se-me que o ensino nacional não vem tendo, na distribuição dos dinheiros públicos, o lugar que devia ser-lhe outorgado e a que é preciso reconduzi-lo sem demora, sob pena de continuar a agravar-se uma situação que nos condena, na escala da Europa, ao último lugar.
Nas Contas Gerais do Estado de 1962, que ora apreciamos, as despesas ordinárias e extraordinárias com a educação somam 1 023 000 contos. Em relação ao ano anterior, o aumento foi de 50 000 contos, ligeiramente superior aos acréscimos verificados de 1960 para 1961, que foi apenas de 31 000 contos, e de 1959 para 1960, que foi de 44 000 contos.
Estes números, aliás aproximados na sua diminuta expressão, traduzem um índice de crescimento sem qualquer significado, a definir uma política financeira de melhor tratamento para a educação, já que apenas correspondem ao natural e inelutável progresso quantitativo imposto pela taxa demográfica: a população escolar primária aumenta por ano na razão de cerca de 400 novas salas de aula. Isto é: pelas cifras constantes das Contas Gerais do Estado relativas aos últimos anos e até 1962 não poderemos, infelizmente, concluir por que estejamos a acompanhar a Europa no esforço e especial atenção que a expansão do ensino, em todos os graus, lhe vem merecendo.
Assim, as despesas do Ministério da Educação em 1962 representam cerca de 6,8 por cento das receitas totais do Orçamento Geral do Estado, percentagem que é deveras diminuta e, segundo penso, a mais modesta mesmo nos países do grupo do Mediterrâneo - de si os mais atrasados da Europa.
Considerando apenas as despesas ordinárias em relação às receitas da mesma natureza, aquele índice melhora um tanto, pois será, nesse caso, de 8,9 por cento.
Mesmo assim é das mais parcas percentagens do velho continente. Gomo termo de comparação, referirei a percentagem verificada na Itália, que é de 14 por cento.

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Para os 9 milhões de portugueses metropolitanos de 1962 a sua capitação da despesa para a educação foi de 4 dólares. Vá lá. Aqui não somos os últimos. Atrás de nós vem a Turquia, com os seus 3,8 dólares!
A Turquia quase a apanhar-nos, Santo Deus! Isto não pode ser, Sr. Ministro das Finanças!
O produto nacional quanto ao custo dos factores foi de 71 933 000 contos em 1962. Dele gastámos na educação a modicíssima percentagem de 1,4.
Para confronto, citarei que nos países da zona da O. C. D. E. aquela percentagem era de 4,01 já em 1958 e no grupo do Mediterrâneo (Portugal, Espanha, Itália, Grécia, Turquia e Jugoslávia) era de 2,38, percentagem que, aplicada a Portugal e para o ano a que se reportam as contas públicas em discussão, daria, para a educação, uma verba de cerca de 1 800 000 contos, montante que ao actual ritmo de crescimento não se prevê quando possa ser alcançado.

O Sr. Ubach Chaves: - É preciso esclarecer o que é encargo do ensino oficial e o encargo do ensino suportado pelos particulares.
Por exemplo: no ensino secundário há 120 000 alunos: 50 000 alunos são do ensino oficial e 70 000 do ensino particular suportado pelos próprios particulares. De maneira que, quando fazemos as contas, temos de entrar em linha de conta com aquilo que cada um de nós como particular suporta para a existência do ensino e não podemos limitar-nos a fazer as contas com aquilo que se gasta à face do orçamento.

O Orador: - Nos números que V. Ex.ª há pouco apresentou como representando percentagens de despesas do orçamento francês no ensino entrou em linha de conta com o ensino particular em França? Suponho que não entrou.

O Sr. Ubach Chaves: - Não posso, realmente, garantir. É possível que o ensino particular não esteja previsto nesses números, mas em França o ensino particular é subsidiado pelo Estado, e aqui não há subsídio nenhum, os particulares é que suportam a totalidade desse encargo.

O Orador: - V. Ex.ª quando mencionou esses números incluiu o subsídio do Estado?
O orçamento belga para o ensino oficial tem a dotação de 14 milhões de contos e, a par desse ensino oficial, há um ensino suportado pela Igreja, que vai do ensino primário ao superior.

O Sr. Ubach Chaves: - Mas também é subsidiado.

O Orador: - Mas os números que estou a referir são números votados nos orçamentos oficiais.
Não sei se na Turquia - o exemplo que citei - há ou não ensino particular em condições iguais às nossas. A estatística da U. N. E. S. C. O., donde tirei estes dados, não o diz, isto é, se na Turquia também há ensino particular e se é subsidiado ou não. Pode ser, portanto, que a observação de V. Ex.ª seja pertinente. Mas os números oficiais dão-nos esta triste realidade para nós, e infelizmente!
E, se V. Ex.ª me permite, vou continuar.
O produto bruto nacional vem subindo à taxa anual média de cerca de 6 por cento, superior à consentida às despesas da educação - 4 por cento, quando, num país de grande atraso educacional, tudo aconselha a rever esta situação.
Permita-se-me que cite o caso da Espanha, empenhada em apanhar a Europa. No seu "Planeamento integral de la educación" que pude observar na XXVI Conferência Internacional de Educação, em Julho último em Genebra, em 1970, num produto nacional bruto de cerca de 400 milhões de contos, a educação contará com 4,04 por cento, a média europeia, o que, em números, significa que naquele ano a Espanha gastará na educação 16 milhões de contos, aproximadamente.
Nós teremos também de fazer um esforço idêntico.
Nesse ano de 1970 quase toda a Europa estará na taxa de 4 por cento do produto nacional bruto, com excepção da Rússia, que prevê 5 por cento.
E nós teremos então ultrapassado os países mediterrâneos?
Impõe-se que ao menos tenhamos .atingido os 2 por cento, percentagem que para o produto nacional bruto previsto para aquele ano - mais de 100 milhões de contos - nos levaria a ter duplicado a despesa de 1962. dando à educação 2 milhões de contos.
Embora seja ainda dos mais modestos contributos fia Europa, é lícita a dúvida sobre se, atenta a actual falta de consciencialização do problema na opinão pública, aí chegaremos daqui a seis anos.
E tudo isso me leva a pensar que será na pouquíssima participação da educação nos dinheiros públicos que residirá o nosso atraso nesse domínio, que afecta, aliás e fundamentalmente, todo o nosso progresso social e económico.
Pelo pecado original o homem caiu na ignorância, que é das piores expressões do mal.
Só quando e na medida em que dela sai o homem pode regressar a Deus, conhecendo-O e amando-O na plenitude de toda a dimensão de que o Criador, na sua generosidade infinita, tenha dotado a sua alma.
Por isso o homem traz com ele, pelo simples facto de ser homem, o direito a sair da ignorância, o direito à instrução, o direito natural de instruir-se na medida da sua capacidade, direito que ninguém pode negar-lhe nem restringir-lhe.
É a sua própria personalidade que por ele se define e realiza. E por ele que o homem adquire a sua maior riqueza, individual e social.
Mas, a par dessa valorização espiritual e desse enriquecimento humano, a educação lança o homem na mais eficiente via da promoção social, tornando-o o mais decisivo factor na conquista do bem-estar e do progresso económico da sociedade a que pertence.

Qualquer que seja o sistema económico em vigor, está universalmente admitido, na hora actual, que os governos têm o dever de orientar as actividades económicas do país para o bem-estar geral da sociedade.
Os objectivos podem ser definidos de modo diferente nas diversas nações, ou pelos diferentes partidos políticos num mesmo país; mas o princípio geral não deixa de ser o mesmo e na maior parte das vezes visa a distribuição do rendimento, o nível de emprego ou o conjunto do desenvolvimento económico. Cada vez mais o Mundo se apercebe melhor de que a política seguida em matéria de educação pode contribuir poderosamente para atingir o bem-estar geral e que ela é, de facto, um dos instrumentos mais eficazes da política do crescimento económico, que a sua acção, quer se junte, quer se substitua, à dos restantes meios empregados, tomará sempre o seu papel de primordial importância.
Esta generalização subentende uma distinção que merece ser analisada com maior precisão.
Em termos de política económica, podemos distinguir dois aspectos da educação. A extensão e o nível

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da educação têm uma influência directa sobre o nível de vida: a educação actua sobre o consumo, mas também permite melhorar a eficácia das técnicas: ela age, também, sobre a produção. O que caracteriza estes dois efeitos é a sua longa duração, pelo menos igual à da vida do estudante.
Por este lado, a educação pode, pois, ser considerada como uma espécie de investimento, e normalmente de investimento a longo prazo.
A importância e a natureza deste investimento não devem ser determinadas ùnicamente pelas necessidades actuais: é preciso ter em conta o que será a situação daí resultante logo que a educação dê os seus frutos. A política em matéria de educação é, por natureza, uma política a longo termo, e os estudos que a analisem devem incluir o exame das tendências sociais e económicas também a longo termo.
Este ponto é de uma importância capital. Na maioria dos países, os créditos afectados às prospecções relativas à educação são extremamente reduzidos, e não são mais que uma porção mínima das somas consagradas às pesquisas relativas às tendências económicas e sociais.
Ora, na falta das informações desta natureza, sobre que sólidas bases se podem fundar os planos a longo prazo de fomento de educação?
Esforços bastante mais importantes e melhor coordenados são indispensáveis neste domínio. Os planos do fomento educacional deveriam fazer parte integrante da política económica.

Nesta concepção, a educação aparece, pois, como força essencial e impulsionadora do progresso económico, como elemento directa e imediatamente ligado ao consumo e à produção.
Ela é um bem de consumo, de consumo duradouro, evidentemente, constituindo um investimento destinado à aquisição de bens permanentes, já que a educação só conservará pela vida fora a garantir ao homem uma vida melhor. E daí ocorre ainda que a educação alargará ela própria a gama das necessidades de consumo, ao contrário da ignorância, que nem da riqueza sabe servir-se, mesmo que dela disponha.
E até nessa função a educação alimenta e favorece o progresso económico.
Mais acentuado se torna, no entanto, este aspecto da educação, considerando que o crescimento económico de um país não depende tanto do capital e das máquinas como da acção do homem, do homem que. pela educação, cultura e preparação profissional sabe aproveitar todos os recursos, naturais e técnicos.
As estatísticas da produtividade provam que o crescimento económico e a rentabilidade dependem essencialmente do factor humano - entendido como o homem instruído ao nível da tarefa que tenha a desempenhar nas sociedades evoluídas do nosso tempo.
A educação constitui, pois, uma frutuosíssima fórmula de investimento, ainda que a longo prazo. Claro que numa política de fomento de educação impõe-se, antes de mais, definir a estrutura interna desse investimento quanto a educação de base, cultura geral, preparação profissional, especializações, soluções pedagógicas, etc., e volume desse investimento em função dos recursos financeiros nacionais, problemas já de nítida natureza técnica sobre que não me deterei neste momento e neste lugar.
Importará apenas sublinhar que tanto pelo que representa de valorização individual no mais elevado plano da vida humana, como pelo primeiro factor que constitui no progresso económico e social, a educação deverá ser, mormente num país em vias de desenvolvimento como o nosso, a rubrica de maior investimento num plano de fomento e no Orçamento Geral do Estado deverá dispor das dotações suficientes à completa realização dos seus objectivos. De entre estes surge como primeiro a democratização do ensino secundário e superior. Graças a Deus obtivemos já a do ensino primário, mercê dos esforços, e não poucos e graves aborrecimentos, do Dr. Veiga de Macedo, que aí conseguiu vencer não apenas as dificuldades concretas que brotavam das circunstâncias atinentes aos meios financeiros, à falta de instalações e de agentes de ensino, como também os obstáculos subjectivos decorrentes de um tradicionalismo que supunha o analfabetismo factor de ordem e de ... submissão. Não lhe faltou, graças a Deus, coragem para arrostar com umas e outros.
Mas levar o ensino secundário a todos os portugueses, como consegui-lo, se, como disse, apenas cerca de 25 por cento de quantos se encontram na idade de frequentá-lo na verdade o recebem?
A mim, modesto Deputado de um círculo tão necessitado de instrução secundária, não mo cabe dizer a solução; cabe-me apenas dizer ao Governo que tem de encontrá-la, que é indispensável descobri-la, que é urgente realizá-la. Exige-o o pensamento do Sr. Presidente do Conselho, exige-o o prestígio da Revolução Nacional, exige-o o bem da Nação e exige-o a simples condição humana de quantos o aguardam para serem portugueses do nosso tempo.
Não podem eles ficar para toda a vida portugueses de 2.º categoria, apenas porque não conseguiram alcançar na família os meios económicos que haviam de garantir-lhes o direito à instrução, um direito natural, como o é o direito ao trabalho.
E se a família, por falta de recursos, lhes não pôde assegurar a realização desse direito, terá de funcionar o Estado, como entidade subsidiária a quem compete suprir aquela deficiência familiar, que o próprio Estado deverá esforçar-se por eliminar.
Se a família, pelo jogo das forças económicas, é posta em desigualdade que atinge um dos dados essenciais da sua missão - a educação dos filhos -, terá de acorrer o Estado a criar e a garantir a igualdade de oportunidades que "é a possibilidade que o Estado dá a todo o cidadão de poder alcançar os mais elevados graus do saber e da vida pública. Não se trata de fazer todos iguais. Isso seria, além de utopia, uma flagrante injustiça, porque nem todos somos iguais. Desde que somos concebidos, somos diferentes, e essa diferença inicial acrescenta-se dia a dia em função da nossa própria liberdade e das circunstâncias históricas em que nos movemos. Ao estabelecer a igualdade de oportunidades, o Estado procura, apenas colocar cada cidadão no mínimo das possibilidades económicas necessárias ao pleno desenvolvimento da sua personalidade, de todas as suas faculdades, físicas, morais e espirituais, necessárias à plena satisfação das suas legítimas aspirações sociais e na vida profissional e pública".
Este é um princípio eminentemente cristão. Nele se respeita a personalidade do homem. Se daí lhe advém o direito natural à instrução, aquele princípio em acção não é mais do que o dever correspondente àquele direito e cujo cumprimento cabe ao Estado, se não assegurou previamente à família a possibilidade de dele se desempenhar.
Por todo o mundo de hoje, na política da educação, se inclui como norma fundamental o princípio da igualdade de oportunidade - que ninguém fique aquém de aonde poderia chegar pela sua capacidade, pelas faculdades de que Deus o enriqueceu, por causa de deficiência de re-

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cursos económicos que lhe não consintam o acesso à instrução na medida das suas possibilidades.
A execução daquele princípio reveste por esses continentes fórmulas diversas, mas em todas está patente o mesmo objectivo - assegurar aos sem-recursos a frequência escolar que satisfaça as suas legítimas aspirações.
Um dos modos mais praticados e generalizados, e sem dúvida dos mais eficientes e dignificantes, é o crédito escolar, concedido aos que dele carecem mediante "empréstimos de honra".
Infelizmente, é ainda desconhecido entre nós.
Nos Estados Unidos da América - das nações hoje mais evoluídas na instrução a todos os níveis -, apesar de o seu teor de vida ser o mais elevado do Mundo e apesar das extraordinárias facilidades a todos concedidas para a frequência de estabelecimentos de ensino de todos o graus, o presidente Ivennedy decretou, entre as providências destinadas "a assegurar que todos os jovens com qualidades e capacidade para a frequência da universidade possam estudar, se essa for a sua vontade, sem olharem à sua situação financeira", o reforço de vários milhões de contos para o fundo de empréstimo a escolares.
Empréstimo de honra de montante suficiente para a frequência anual de uma universidade e respectiva manutenção aí assegurada. O juro é de 3 por cento. A amortização inicia-se um ano após a conclusão do curso e o total do empréstimo é reduzido a 50 por cento st1 o diplomado exercer o magistério por um período de cinco anos.
Normalmente são satisfeitos todos os pedidos apresentados.
Essa forma, aliada a muitas outras providências de idêntico objectivo, era a solução de que o presidente Kennedy se socorria para garantir aos Estados Unidos a preponderância universal, e não hesitou proclamá-la nestes termos, em 20 de Fevereiro de 1961:

Os nossos progressos como nação não se podem verificar mais ràpidamente do que os nossos progressos na educação.
As exigências do nosso papel condutor no Mundo, a nossa esperança de expansão económica, reclamam que todos os jovens americanos desenvolvam integralmente as suas capacidades, pois os nossos talentos são a nossa maior riqueza.

Isto proclamava o chefe de estado da. mais rica nação do Mundo. Seja-o embora: mais que toda essa riqueza vale a inteligência dos seus cidadãos. Essa é que é preciso cultivar, aproveitar e exportar.
Não se cuide, porém, que o crédito escolar é apanágio do tesouro norte-americano. Praticam-no, sob a forma de empréstimo de honra, a África do Sul, que instituiu duas modalidade - o empréstimo reembolsável e o não reembolsável, indemnizado, aliás, com o exercício da profissão por certo tempo-, a Alemanha Ocidental, com o juro de 5 por cento, a Bélgica, com várias modalidades, a Colômbia, a Dinamarca, onde o concede o Estado e a banca privada, a França, a Finlândia, o Japão, o Luxemburgo, a Noruega, a Suécia, a Suíça, a Jugoslávia, etc.
Consinta-se-me que termine esta citação pela nossa vizinha Espanha.
Na relatividade da sua posição económico-social em face da Europa, afigura-se-me o país de mais larga assistência escolar, nos termos em que a define, a Lei de 21 de Julho de 1960.
Depois de assinalar que todos os espanhóis têm direito a uma educação geral e profissional que não poderão deixar de receber por falta de recursos económicos e de garantir a todos o acesso a uma formação profissional e a um ensino de todos os graus na medida da sua capacidade e mérito próprio, estabelece o fundo de igualdade de oportunidades, destinado unicamente àqueles membros da comunidade que não possuem meios materiais para a frequência escolar e profissional em todos os graus.
A mero título de informação, direi que, em 1963, o investimento daquele fundo foi de 2000 milhões de pesetas, o que equivale a cerca de 1 milhão de contos. Direi ainda que os preceitos legais que regulam a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades expressamente registam que ele abrange apenas os necessitados de recursos, e de entre estes a começar pelos mais capazes, e que afasta, frisa-se, a intervenção de toda e qualquer recomendação.
Não obstante o funcionamento deste fundo, aberto a todos os espanhóis sem meios materiais para prosseguirem os seus estudos, a nação vizinha não desconhece o crédito escolar, também sob a modalidade de empréstimos de honra.
Concedem-nos as universidades, concede-os o Estado a filhos de funcionários seus concede-os a mutualidade do seguro escolar.
E Portugal? Como já referi, entre nós é desconhecido o crédito escolar. Não o criou, até agora, o Estado, nem, que eu saiba, o concedem quaisquer instituições privadas.
É verdade que existem bolsas de estudo, e estas dadas tanto por aquele como por algumas destas. Mas a solução quase não tem significado algum no alargamento e na extensão da nossa tão reduzida escolaridade.
Em primeiro lugar, as bolsas de estudo do Estado não atingem a bem modesta verba de 5000 contos, desconhecendo o montante que as organizações particulares lhes dispensam.
Ora, com tão reduzida verba, que extensão escolar poderia obter-se? Só para evitar confrontos, que são altamente desfavoráveis, não mencionarei aqui as verbas despendidas pelos países que acima referi na concessão de bolsas de estudo, a par do crédito escolar.
Mas acontece ainda que as bolsas de estudo são concedidas aos que já frequentam o ensino e sob a condição de serem dos alunos mais qualificados.
Resulta daí que por elas jamais poderão ter acesso à instrução precisamente os que mais necessitariam de socorro e. ajuda, já que tão carecidos são de recursos que nem ao menos puderam ingressar no ensino.
As bolsas de estudo, mesmo no seu reduzido volume, são apenas um estímulo para bons alunos que, embora com sacrifício, puderam já iniciar os seus cursos.
Mas tal providência deixa de fora da sua- alçada os 75 por cento da população portuguesa em idade escolar que por falta de meios materiais nem sequer pôde iniciar o 1.º ciclo do liceu ou das escolas técnicas.
E se aí ficam dos melhores, como não há-de também o rendimento do nosso ensino ser dos mais baixos da Europa, e a que justamente aludia o magnífico reitor da Universidade de Coimbra, como expus?
Até por essa bem fundamental razão importa criar quanto antes o crédito escolar, a ver se por ele ascendem, sem demora e numa primeira fase, ao menos aos institutos médios e às escolas superiores os milhares de portugueses que aí não chegam por lhes faltar em recursos económicos o que lhes sobra em capacidade e vontade.
Essa é uma função do Estado, esse é um dever do Ministério das Finanças, que importará cumprir quanto antes.
Eu confio em que o ilustre titular daquela pasta, o Sr. Prof. Doutor Pinto Barbosa, espírito aberto aos grandes problemas nacionais e cuja inteligência e capacidade de trabalho a Nação vem podendo apreciar na grave emergência que a guerra criou à nossa vida finan-

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3750 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 148

ceira, que, mercê daquela inteligência e capacidade de trabalho, continua firme e segura no seu progresso, como se nenhum embate houvesse sofrido, eu confio, repito, em que S. Ex.ª há-de encontrar a solução adequada a esta tão urgente necessidade nacional. Nós não podemos, nós não devemos, continuar a desperdiçar a inteligência da esmagadora maioria dos Portugueses; nós, que somos uma nação pobre, praticaríamos um acto de péssima administração se não corrêssemos a aproveitar o que o presidente Kennedy definiu, mesmo para a riquíssima nação americana, constituir a maior riqueza -: a inteligência de todos os cidadãos -, quer dos ricos, que são poucos, quer dos remediados, que são alguns, quer dos pobres, que são muitos.
O crédito escolar, que importa criar sem demora, será uma das muitas soluções que o problema pede. Não o demoremos, para não aumentarmos o nosso atraso. Não o demoremos se por ele abrirmos mais largo caminho para a instrução que corresponda em quantidade e qualidade às exigências do nosso tempo.
Se o conseguirmos, esta será das mais belas, das mais empolgantes, das mais duradouras, das mais meritórias conquistas da Revolução Nacional.
Tenho dito.

Vozes: - Muito bem, muito bem!

O orador foi muito cumprimentado.

O Sr. Presidente: - Vou encerrar a sessão.
O debate continua amanhã sobre a mesma ordem do dia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

Alberto da Rocha Cardoso de Matos.
António Burity da Silva.
António Calheiros Lopes.
António de Castro e Brito Meneses Soares.
António Marques Fernandes.
António Martins da Cruz.
Francisco José Lopes Roseira.
Henrique dos Santos Tenreiro.
Joaquim de Sousa Birne.
Jorge Manuel Vítor Moita.
Jorge de Melo Gamboa de Vasconcelos.
José Fernando Nunes Barata.
José Luís Vaz Nunes.
Manuel Amorim de Sousa Meneses.
Manuel Seabra Carqueijeiro.
D. Maria Irene Leite da Costa.
Simeão Finto de Mesquita Carvalho Magalhães.
Tito Castelo Branco Arantes.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

Agostinho Gabriel de Jesus Cardoso.
Alberto dos Reis Faria.
António Manuel Gonçalves Rapazote.
António Maria Santos da Cunha.
António Tomás Prisónio Furtado.
Augusto César Cerqueira Gomes.
Augusto Duarte Henriques Simões.
Carlos Monteiro do Amaral Neto.
Fernando António da Veiga Frade.
José Guilherme de Melo e Castro.
José Pinto Carneiro.
Manuel Augusto Engrácia Carrilho.
Manuel Colares Pereira.
Purxotoma Ramanata Quenin.
Ulisses Cruz de Aguiar Cortês.
Urgel Abílio Horta.
Vítor Manuel Dias Barros.
Voicunta Srinivassa Sinai Dempó.

O REDACTOR - Leopoldo Nunes.

IMPRENSA NACIONAL DE LISBOA

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