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604 DIÁRIO DAS SESSÕES N.º 35

cria responsabilidades e serve de grande contenção na sua maneira de ser e proceder. Assim, tudo quanto vem da família é conservado e transmitido de geração em geração.

Os bens dos goeses, poucos ou muitos, resumindo-se às vezes numa simples casa com o prédio anexo - a gor-batt -, como lá se chama, passam de pais a filhos numa sequência ininterrupta, não entrando no comércio das coisas, a não ser por um desastre ou um caso de força maior. Voluntariamente, o goês não se desfaz da casa que herdou, à qual está ligado de tal modo que, por muitos anos que viva em outras terras para melhorar a sua vida ou angariar os meios dela, a ela regressa para viver os seus últimos anos e acabar os seus dias.

Já Maquiavel dizia ao soberano, no Príncipe, que o súbdito podia ser morto, que a família o esqueceria, mas que não deviam ser nunca tirados os bens a um súbdito, porque isto nunca podia ser esquecido nem perdoado.

Pois as autoridades indianas até aí quiseram vibrar um golpe, exercendo a sua política de intimidação. Sob pretexto de não deixar perder os bens "abandonados", publicaram o Evacuee Property Act em 1964, que é a forma mais escarrada de sequestro de bens de todas as pessoas que abandonaram o Estado da Índia após a pseudoliber-tação de Goa, Damão e Diu mantendo a sua nacionalidade portuguesa, marcando como data relevante 6 de Dezembro de 1961.

Caem sob as providências desta lei todos os bens pertencentes aos nacionais portugueses, mesmo que tais bens estejam a ser administrados por procuradores devidamente autorizados, ainda que sejam co-proprietários ou interessados nesses bens, porque, diz a lei, tal procuração carece de ser aprovada previamente pelo "gestor" para ter validade; os bens de qualquer nacional português que tenha a intenção de ir viver para fora da Índia ficam abrangidos por essa lei. Até mesmo os bens vendidos pelo próprio, antes da sua saída, estão sujeitos a serem sequestrados ao abrigo da mesma.

Esta lei, que contraria tudo quanto o homem até agora conquistou na sua marcha para a civilização e para o progresso, também infringe a 4.a Convenção de Genebra, atrás citada, no seu artigo 33.º, artigo este que, entre outros, tem plena validade mesmo após um ano de terminadas as operações militares, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 17.º

Os defensores dessa lei dirão que se trata de propriedades abandonadas pelos que saíram e que ela visa não as deixar deteriorar por falta de administração necessária. Simplesmente, o âmbito da lei é tão vasto que nitidamente se vê ter sido seu escopo sequestrar os bens daqueles indo-portugueses que saíram mantendo a sua nacionalidade portuguesa.

Essa lei concede ao "gestor" poderes para dispor dos bens dos nacionais portugueses como entender, incluindo a faculdade de os poder ceder! Para no caso de surgirem quaisquer obstáculos foi promulgado o Eemoval of Difficulties Act - Lei para Remover as Dificuldades -, a fim de poderem ser legalizados todos os abusos. Mais uma e gritante arbitrariedade das autoridades indianas a acrescentar a tantas de que têm sido vítimas as indefesas populações de Goa, Damão e Diu.

O Estado da Índia está hoje sob um regime puramente policial. Os seus habitantes vivem sob uma permanente ameaça e insegurança, onde os roubos, violações e assaltos são a ordem do dia, enquanto a autoridade se ocupa a vigiar as chamadas actividades políticas das populações, que nada mais reclamam além da liberdade a que têm direito a todos os títulos, naturais e jurídicos, reconhecidos pelo mundo civilizado.

A polícia, sentindo-se dona do poder sem qualquer consideração mesmo por velhos e senhoras que vivem sozinhos, viola os domicílios1 quandoentende, a qualquer hora do dia e até de noite. Tendo-se servido, logo após a invasão, do pretexto de procurar os elementos do Exército Português, foram revistadas casas particulares e comerciais, sendo, em alguns casos, saqueadas; seguidamente alegando existir ouro escondido; mais tarde, para descobrir os^ cúmplices e quaisquer documentos relativos ao caso das bombas que explodiram em Junho de 1964, e actualmente a pretexto de verificar se há açambarcamento de géneros alimentícios.

Estes casos levaram o ministro da Justiça do governo fantoche, Tony Fernandes, a confessar que "nunca no tempo dos portugueses fora assumida tal atitude".

Este regime é mantido pelo Governo da União Indiana, que se arroja de ser a maior democracia do Mundo e que, para silenciar o povo, elaborou e promulgou o De-fense of Índia Bules, ao abrigo do qual e do Evacuee Property Act se alastra o nepotismo e a prepotência. O insuspeito New York Times, na sua edição europeia de 28 de Fevereiro de 1966, transcreve em notícia de Nova Deli o seguinte:

Trinta e quatro pessoas de destaque da vida pública indiana acusam o Governo em carta aberta ao Presidente da República, Radhakrishnanan, e primeiro-ministro, Indira Gandhi, que a União Indiana está a seguir os métodos de um estado policial, mantendo o estado de emergência desde 1962, o que não se justifica, e declaram que, ao abrigo do Defense of Índia Bules, têm sido detidas, sem culpa formada, milhares de pessoas não só pró-Pequim ou pró-Paquistão, mas também os manifestantes pela crise da fome, da língua, os interessados nos assuntos políticos, os que escondem seus tesouros e pessoas suspeitas por variadas outras razões.

Um dos conhecidos signatários desta carta é o antigo procurador-geral da República M. C. Setalvad, presidente da Associação de Juristas da índia, que defendeu o ponto de vista indiano contra nós no Tribunal Internacional da Haia.

A Lei Penal Portuguesa, igual para o continente e todo o ultramar, foi abolida e substituída pelo Código Penal (este ainda é elaborado pelo administrador da Companhia das índias, Macauley) e Processual indianos, que não passam de uma legislação colonial, arcaica e odiosa.

Em 16 de Dezembro de 1963 saiu em portaria, "por ordem e em nome do governador-tenente de Goa, Damão e Diu", determinando que nãoseria, de futuro, inserida na 2.ª e 3.ª séries do Boletim Oficial muita matéria que até aí se vinha publicando, tal como despachos e portarias do Governo referentes a nomeações, designações, reconduções, fixação de remunerações referentes aos funcionários, autorizações para pagamentos de abonos pelos trabalhos extraordinários. Que cessaria também a publicação na 3.ª série de extractos de contratos de arrendamentos, compras e vendas, balancetes, contratos de fornecimentos ao Governo, etc. A l.ª série já não traz os diplomas legais que são postos em vigor no território. Diz a mesma portaria que a razão da não publicação da referida matéria tem por fim promover a economia de papel ...

Pouco depois da invasão, o governo de ocupação aboliu o "visto" do Tribunal Administrativo, com o fim, por certo, de levar avante os seus intuitos sem que a lei os possa controlar.