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3 DE DEZEMBRO DE 1975 2865

o que vier a acontecer e que, de certo modo, venha a modificar muito daquilo que porventura aqui se diz, não terá importância, pois que em relação àquilo que já foi ouvido, V. Exas. Sr. Presidente e Srs. Deputados, saberão que tudo o que vier a acontecer só poderá ser feito com a observância inteira de uma bilateralidade de todas as pessoas que intervieram no pacto.
Aproveito o ensejo que me é dado, antes da leitura propriamente desta pequena apresentação, para vos falar dos mortos, para vos falar daqueles que em prol da liberdade ofereceram o seu sangue generoso. Com os anos que já pesam sobre mim, eu pude assistir, nos últimos cinquenta anos, às provações mais extraordinárias em que outro sangue foi vertido por parte de muitos mártires, daquilo que eu considero mártires da liberdade.
Inclino-me perante os jovens que morreram, pois, efectivamente, nestas andanças políticas de tipo revolucionário ou contestatário, o que aconteceu durante quarenta e tantos anos de fascismo, foi quase sempre o sangue generoso dos jovens que na sua terra nos deu a nós a esperança de que algum dia a liberdade havia de aparecer no território de Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha qualidade de Presidente da 5.ª Comissão, encarregada de redigir o projecto de organização dos poderes políticos, venho apresentá-lo, depois de laborioso trabalho, à consideração e decisão desta magna Assembleia Constituinte.
É esta a terceira Constituição que nascerá de uma Assembleia Constituinte na terra portuguesa.
A dificuldade que houve em a plasmar não foi mal do nosso tempo. A história se encarregou de trazer até aos nossos dias os climas em que as outras Constituições nasceram e as preocupações que os coevos tiveram em realizar uma obra estável, onde a liberdade do homem obtivesse uma definitiva consagração.
Embora os sinais capazes de mostrarem a suprema aspiração à liberdade sejam tão velhos como a história do homem e da sua cultura sobre a Terra, sem dúvida que a sua marca na antiguidade só teve verdadeiramente algum brilho na civilização do mundo greco-romano.
A frouxa claridade desse tempo sofreu a tempestade de muitos acontecimentos, mas nem por isso foi apagada totalmente.
Em breves cintilações, muito débeis, é certo, surgiram tímidos sinais da liberdade, em limitados estatutos, mais com o aspecto de uma doação que de uma conquista. Disso são exemplos entre nós os forais dados a vilas e cidades pelos reis, limitando a capacidade e ambições da nobreza.
Com o desenvolvimento do mundo quinhentista, no qual os descobrimentos rasgaram novas rotas nos oceanos, é que aconteceu transformar-se o aspecto da civilização e comércio, que de mediterrânico se transformou em mundial, e posteriormente a grande revolução industrial, que o dinheiro e o progresso da ciência e da técnica possibilitou, mudaram a fisionomia europeia do fim do século XVII e princípios do século XVIII. É nesta fermentação que as ideias de liberdade humana se desenvolvem, as quais atingem os próprios salões da aristocracia francesa.
Os salões da burguesia de Duffand e de M.me Necker eram frequentados por Fontenelle, Montesquieu e D'Alembert; e, na expressão de Marois, foram a «antecâmara do poder», onde a força de oposição às instituições absolutistas, embora de modo suave, era permitida.
O desenhar desta apresentação, breve por sua natureza, não permite grandes desenvolvimentos, mas pode acrescentar-se que nesta atmosfera dois caminhos se abriram à liberdade: um de pacífica evolução, na Inglaterra, e outra de violência revolucionária, em França; o inglês assente em velhos costumes e alguns escritos, nos quais avultou o Bill of Rights, de 1689, e o francês que revolucionariamente se traduziu na Declaração dos Direitos do Homem, votada em 1789, e na Constituição de 1791.
Pode dizer-se que o século XIX foi o século das Constituições na Europa e em Portugal, como parte da Europa.
A nossa primeira Constituição nasceu em 1822. Outras surgiram e morreram, mas de entre elas a Carta, restaurada por Costa Cabral em 1842, conseguiu viver, alterada por vários adicionais, até 1910.
Em 1911 uma Assembleia Constituinte deu-nos a primeira Constituição da República e uma grande esperança de liberdade, que bem depressa se malogrou.
É de esquecer a Constituição de 1933. Nem houve poder constituinte, nem qualquer intenção de respeitar as liberdades humanas, pelo contrário, o seu sentido era esmagá-las e destruí-las.
Finalmente, hoje, este Plenário irá debruçar-se sobre o nosso projecto, como já o fez em relação a outros projectos essenciais , os quais não darão no seu conjunto o edifício de uma Constituição com feição notavelmente virada para a democracia e o socialismo.
A 5.ª Comissão, encarregada de redigir o projecta de organização dos poderes políticos, aqui o apresenta, e dele ressalta o carácter saliente de democraticidade e de firme marcha para uma sociedade socialista, o que, aliás, é factor evidente nos títulos que já foram aprovados nesta Assembleia.
Esta Constituição projectada não podia ser a Constituição de um partido, mas não podia deixar de reflectir a predominância das partidos maiores.
Contudo, nem por isso aconteceu que a flutuação variasse de tal maneira que se não conseguissem muitas convergências parciais dos partidos, conforme as várias concepções que os respectivos programas permitiam.
É de acentuar o espírito transaccional de todos os componentes da Comissão, o que tornou possível tornear muitas dificuldades e encontrar consenso onde poderia parecer impraticável qualquer entendimento.
A organização dos poderes políticos entrou em choque de forma mais visível com o pacto entre os partidos e o MFA, pelas dificuldades que a técnica constitucional encontrava em adaptá-lo dentro do projecto.
Sem dúvida que este pacto representou uma associação híbrida entre aqueles que democraticamente foram eleitos e os que, embora dispostos a apoiar o advento de uma democracia, só tinham a legitimá-los a força de uma revolução.
Falo em termos técnicos e não políticos acerca das dificuldades que esse hibridismo trouxe à elaboração constitucional.