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4 DE DEZEMBRO DE 1975 2915

O Sr. Coelho dos Santos (PPD): - Efectivamente eu queria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado José Luís Nunes.
Eu ouvi-o referir que um militar não era nem mais nem menos do que um cidadão fardado e, estando totalmente de acordo com isto, não aceito, não posso aceitar que ele diga que não podemos denunciar um pacto que em certo momento foi imposto aos partidos por um MFA que era uma vanguarda política das forças armadas, como ele próprio reconheceu. Agora, faço a seguinte pergunta: se a primeira afirmativa é verdadeira - que um militar é um cidadão fardado com os mesmos direitos de qualquer outro cidadão -, como podemos conceber que, neste título da Constituição, "Organização do poder político", que nem sequer é organização do poder militar, ficasse fixado um preceito que permitiria que um militar - na hipótese da eleição de um Presidente da República - tivesse um voto como qualquer civil, através da Assembleia, e outro voto como militar? Teria dois votos.

O Sr. Presidente: - Mais algum pedido de esclarecimento?

Pausa.

Creio que mais ninguém.

Portanto, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes para responder a este pedido, se o entender.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Bom, os considerandos que fez eu não os disse e são considerandos que a si próprio o vinculam, não me vinculam a mim.
Quanto ao saber como é que uma disposição dessa; apareceu na Constituição é uma coisa que deve perguntar ao seu próprio partido, que, como nós, também assinou o pacto. É a única coisa que lhe posso responder.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado
José Augusto Seabra.

O Sr. José Augusto Seabra (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É pena que o meu amigo Vasco da Gama Fernandes não esteja presente, porque eu queria antes de mais saudar a sua afirmação de que na elaboração de uma Constituição também podem participar os poetas. E eu, como poeta, gostaria de fazer aqui, para amenizar talvez um pouco o ambiente, algumas considerações poéticas, mas que eu acho que são também políticas.
Foi o poeta inglês Shelley que disse que os poetas não eram apenas aqueles que faziam poemas, aqueles que faziam versos, mas também os que faziam as leis e mesmo os que faziam as constituições. Ora, o que se discute aqui é o problema da revisão do pacto que os partidos fizeram com o MFA, e essa ideia de pacto sugere-me imediatamente, como estão a pensar, o poeta Goethe, sugere-me o pacto com o Diabo. Nós devemos dizer, quanto a nós, Partido Popular
Democrático, que não fizemos um pacto com o Diabo e, portanto, não nos sentimos vinculados ad eternum por esse pacto. Talvez o Partido Comunista, em vez de querer a revisão do pacto, em vez de querer rever o pacto, se reveja nesse pacto, e se reveja nesse pacto porque, no fundo, ele desejaria ser o Diabo, isto é, ele desejaria ser simultaneamente aquele que faz o pacto com o Diabo e o próprio Diabo. E é natural que hoje o Partido Comunista, constatando que, afinal, não conseguiu ser o Diabo - e nós não o consideramos, pela nossa parte, o Diabo - e é natural que o Partido Comunista sinta a nostalgia desse pacto, é natural que o Partido Comunista se reveja no pacto.

Uma vos - És bruxo.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Patife!

O Orador: - Para nós, o Pacto, como qualquer lei, como qualquer contrato, como qualquer constituição mesmo, o pacto é historicamente algo que se insere numa transformação. As condições, as circunstâncias mudam e, mudando as circunstâncias, é evidente que o próprio pacto tem de mudar, e é por isso mesmo que nós, sem sermos revisionistas como o Partido Comunista Português, defendemos a revisão do pacto.
É que nós temos, não uma concepção metafísica do pacto, não uma concepção ontológica do pacto, como disse aqui o meu amigo José Luís Nunes, mas uma concepção dialéctica do pacto e, portanto, mudando as circunstâncias históricas, mudando as condições, nós pensamos que o Pacto também tem de mudar. E, aqui, quero introduzir novamente um outro poeta, o nosso grande Luís de Camões. E vou contar uma história: É que eu, quando estava na União
Soviética, em Moscovo, fui um dia abordado, como poeta, para fazer um comentário sobre o Dia de Camões. E fiz um comentário, como era natural, a propósito de um soneto que todos conhecem e que começa:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades

Pois, meus amigos, esse comentário que eu fiz foi cortado pela censura da Rádio Moscovo, porque se dizia que eu estava a fazer uma interpretação abusiva da dialéctica camoniana.

Risos.

Mas, meus amigos, eu quero realmente lembrar o começo desse soneto e o fecho, a sua chave de ouro. O soneto começa, como sabem:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Muda-se o ser, muda-se a confiança,
Todo o mundo é composto de mudança.
Tomando sempre novas qualidades,

O que é pura dialéctica, como mostrou o meu amigo, o ensaísta, o crítico Jorge de Sena. Mas o fecho é este:

Mas afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.

Isto é, a mudança sofre, ela própria, uma mudança também. A mudança já não muda do mesmo modo, a mudança muda de modo diferente. E é isso que faz

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foram solucionadas pelas declarações que os próprios Srs. Álvaro Cunhal e Pereira de Moura apresentaram, afirmando
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