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5 DE DEZEMBRO DE 1975 2939

Á Assembleia Constituinte cabe, pois, readquirir plenamente a soberania, sem nenhuma espécie de veto final, para elaborar uma autêntica Constituição e para que não fique na história como a pena colectiva a quem incumbiu a função mecânica de verter ao papel uma carta constitucional outorgada por outros. Perante o texto elaborado pela Comissão, dentro do enquadramento que o pacto consente, pergunto se estaremos a projectar um regime democrático ou, pelo contrário, uma semiditadura militar. O País nos julgará um dia. Pela minha parte, não tenha dúvidas.
O pacto constitucional foi firmado por alguns partidos, não porque. concordassem com as suas disposições, mas por ser, na altura, a única via para assegurar a realização de eleições livres e a existência desta Assembleia. Da parte de quem o desejou e concebeu, o pacto assume um propósito antidemocrático, contrário ao Programa do, Movimento das Forças Armadas. Da parte de quem o aceitou, o pacto insere-se numa estratégia que visa, sobretudo, a realização de eleições democráticas.
Um dos principais ideólogos do pacto foi o almirante Rosa Coutinho. A sua concepção sobre o «verdadeiro socialismo» foi, porém, derrotada por aquilo a que também ele gostava de chamar a «dinâmica do processo revolucionário». Quem, em nome do MFA, concebeu o pacto, hoje não existe.
O actual Conselho. da Revolução, expressão da maioria democrática dos militares portugueses, tem que ajustar o pacto ao espírito do 25 de Novembro, para que o novo regime possa ser a expressão da maioria democrática do povo português. Da nossa parte, entendemos que essa revisão se deve fazer quanto antes, para que esta Assembleia possa prosseguir os seus trabalhos. As palavras do capitão Vasco Lourenço, ao admitir a possibilidade de alterações ao texto acordado, são um bom indício de que a parte militar estaria disposta a voltar a sentar-se à mesa. Ao Conselho da Revolução só resta declara-lo publicamente. Isso representaria a consagração política definitiva da vitória militar e popular sobre as forças antidemocráticas no 25 de Novembro.
O que poderá ser então posto em causa no pacto?
Para além de ele constituir uma limitação inadmissível da soberania popular e uma violação frontal ao Programa do MFA, a que o povo aderiu em 25 de Abril, o pacto insere-se na linha do autoritarismo militar de fachada socialista e tanto serve aqueles para quem o Exército é instrumento da ditadura de um partido como aqueles para quem as forças armadas são forma de ascensão política pessoal. O problema. deste momento é o de que a possibilidade de utilizar o pacto foi perdida pelos primeiros, mas continua a ser acalentada pelos segundos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para quem defende o socialismo como resultante da escolha livre do povo e implicitamente aceita que o povo o não escolha, o pacto reveste características injustificáveis. Com efeito, o que ali se consagra é a tutela militar de toda a nossa vida política, como se fosse a Nação a fazer parte , integ1rante das forças armadas, e não o contrário.
Uma das facetas mais odiosas do fascismo, que urge de vez abolir da sociedade portuguesa, é a da preponderância militar. Aliás, a preponderância política dos militares é sempre o instrumento da ditadura política de alguém que se serve dos militares em proveito próprio e desvirtua, assim, a sua patriótica missão. Um exército não é uma guarda pretoriana. O exército partidário é sempre uma guarda Pretoriana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As forças armadas portuguesas envolveram-se nas guerras coloniais por se terem deixado transformar em guarda pretoriana do regime deposto.

Uma voz:- Muito bem!

O Orador: - O 25 de Abril representa não só a emancipação política dos militares, mas, sobretudo, sua própria emancipação militar enquanto membros de uma instituição que se havia degradado. A partidarização das forças armadas, posterior a 25 ide Abril, é a tentativa da constituição de uma nova guarda pretoriana ao serviço de uma força política, é a continuação da degradação do Exército por outros meios. Querer envolver os militares nas opções políticas permanentes é destruir as forças armadas, prolongar a guerra civil e impedir a democracia. Não creio que os militares que fizeram o 25 de Abril para cessarem a guerra colonial estejam agora dispostos a prosseguir indefinidamente a guerra civil em que os querem envolver. Que o 25 de Novembro, ao derrubar os conspiradores, tenha contribuído para devolver os militares à sua vocação e a instituição armada ao lugar que lhe compete numa democracia, são os meus votos.
Foi através do pacto, do que ele exprimia e do que ele permitia, que se instalou uma visão completamente errada ela Revolução portuguesa. Ele :deu lugar à confusão permanente entre actividade partidária - e acção militar, pois apelou irremediavelmente para que os militares se socorressem dos partidos e os partidos dos militares, a fim de fazerem, uns e outros, triunfar os seus pontos de vista nas instâncias mais adequadas e na altura conveniente.
O problema político principal com que se debatem neste momento os militares democratas e os partidos democráticos é o de encontrarem o lugar exacto para as forças armadas e para as forças políticas no futuro quadro institucional, que, uma vez alterado o pacto, cabe a esta Assembleia livremente definir.
As forças armadas atravessam uma crise profunda de identidade. Desgastadas nas guerras coloniais, divididas pela subversão a que foram sujeitas pelas minorias activistas, confrontado o seu prestígio momentâneo em 25 de Abril com a frieza da realidade actual, as forças militares, tal como o País, sentem a necessidade de se fundarem num alicerce sólido. Os militares não poderão continuar por muito tempo