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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIADO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

DIARIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

SEXTA-FEIRA, 5 DE DEZEMBRO DE 1975 * NÚMERO 90

SESSÃO N.º 89, EM 4 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Henrique Teixeira Queiroz de Barros

António Duarte Arnaut
Secretários: Ex.mos Srs. Carlos Alberto Coelho de Sousa
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 37 minutos.

Antes da ordem da dia.- Foram aprovados os n.ºs 86 e 87 do Diário da Assembleia Constituinte.
Deu-se conta do expediente.
O Sr. Deputado Carreira Marques (PCP) referiu-se às graves provocações fascistas verificadas nas vésperas das sublevações militares de 25 de Novembro, em Rio Maior e Odemira, tendo solicitado esclarecimentos ao orador os Srs. Deputados Fernando Roriz (PPD), Manuel Ramos (PS) e António Campos (PS).
O Sr. Deputado Eurico Campos (PS) manifestou a sua preocupação pelo facto de se encontrarem presos vários militares, em consequência da sublevação de 25 de Novembro, advogando a concórdia das forças políticas e militares, no interesse do povo português, lendo o Sr. Deputado Coelho dos Santos (PPD) pedido ao orador um esclarecimento.
O Sr. Deputado Teodoro, da Silva (PPD) teceu considerações sobre o processo de recrutamento eleitoral dos trabalhadores portugueses emigrados e dos retornados das ex-colónias portuguesas e, ainda, sobre a protecção e defesa dos pequenos investimentos dos emigrantes portugueses.
O Sr. Deputado Monteiro de Aguiar (PS) usou da palavra para enunciar alguns dos graves problemas que afectam o povo do arquipélago da Madeira.
O Sr. Deputado Gilianes Coelho (PS) denunciou actuações da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Setúbal no dia 26 de Novembro, exigindo a demissão de tortos os seus membros e a realização de um rigoroso inquérito aos acontecimentos verificados.

Ordem do dia. - Prosseguindo o debate na generalidade do parecer da 5.ª Comissão (parte III - Organização do poder político), usaram da palavra os Srs. Deputados António Macedo (PS), Vital Moreira (PCP), para esclarecimentos, Nunes Rodrigues dos Santos (PPD), Maria Emílio de Melo (PS), Roleira Marinho (PPD), Marcelo Rebelo de Sousa (PPD), Jaime Gama (PS), Olívio França (PPD), Aquilino Ribeiro Machado (PS) e Álvaro Monteiro (PS).

O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 19 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

ADIM - MACAU

Diamantino de Oliveira Ferreira.

CDS

António Francisco de Almeida.
Domingos José Barreto Cerqueira.
Francisco Luís de Sá Malheiro.
José António Carvalho Fernandes.
Manuel José Gonçalves Soares.
Manuel Raimundo Ferreira dos Santos Pires de Morais.
Maria José Paulo Sampaio.

PCP

António Branco Marcos dos Santos.
Avelino António Pacheco Gonçalves.

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Eugénio de Jesus Domingues.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando dos Santos Pais.
Francisco Miguel Duarte.
Herculano Henriques Cordeiro de Carvalho.
Hilário Manuel Marcelino Teixeira.
Hipólito Fialho dos Santos.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Terroso Neves.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Marques Figueiredo.
Vital Martins Moreira.

PPD

Abel Augusto de Almeida Carneiro.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Antídio das Neves Costa
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Joaquim da Silva Amado Leite de Castro.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António Maria Lopes Ruano.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António dos Santos Pires
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Armando Rodrigues.
Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Branco de Seiça Neves.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Carlos Francisco Cerejeira Pereira Bacelar.
Custódio Costa de Matos.
Eduardo José Vieira.
Eleutério Manuel Alves.
Emanuel Nascimento dos Santos Rodrigues.
Emídio Guerreiro.
Eugénio Augusto Marques da Mota.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
Germano da Silva Domingos.
João Baptista Machado.
João Manuel Ferreira.
Joaquim Coelho dos Santos.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto de Almeida Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Carlos Rodrigues.
José Francisco Lopes.
José Gonçalves Sapinho.
José Manuel Burnay.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Luís Eugénio Filipe.
Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia.
Manuel Coelho Moreira.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Manuel José Veloso Coelho.
Maria Augusta da Silva Simões.
Maria Élia Mendes Brito Câmara.
Miguel Florentino Guedes de Macedo.
Nívea Adelaide Pereira e Cruz.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Nuno Guimarães Taveira da Gama.
Orlandino de Abreu Teixeira Varejão.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Victor Manuel Freire Boga.

PS

Adelino Augusto Miranda de Andrade.
Afonso de Carmo.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Pinto da Silva. .
Álvaro Monteiro.
Álvaro Neto Órfão.
Amarino Peralta Sabino.
Amílcar de Pinho.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gomes Teles Grilo.
António José Sanches Esteves.
António José de Sousa Pereira.
António Mário Diogo Teles.
António Riço Calado.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando Assunção Soares.
Artur Cortez Pereira dos Santos.
Artur Manuel Carraça da Costa Pina.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Manuel Natividade Neves Costa Candal.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Casimiro Paulo dos Santos.
Domingos do Carmo Pires Pereira.
Emídio Pedro Águedo Serrano.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Enrico Telmo de Campos.
Flórido Adolfo da Silva Marques.
Francisco Carlos Ferreira.
Francisco Igrejas Caeiro.
Gilianes Santos Coelho.
Henrique Teixeira Queiroz de Barros.
João Joaquim Gomes.
João Pedro Miller de Lemos Guerra.
Joaquim Gonçalves da Cruz.
Joaquim de Oliveira Rodrigues.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
José Alfredo Pimenta Sousa Monteiro.
José Augusto Rosa Courinha.
José Fernando Silva Lopes.
José Luís de Amaral Nunes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Francisco. Miranda Calha.
Júlio Pereira dos Reis.
Ladislau Teles Botas.
Laura da Conceição Barraché Cardoso.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.

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Manuel Amadeu Pinto de Araújo Pimenta.
Manuel Ferreira Monteiro.
Manuel Ferreira dos Santos Pato.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel João Vieira.
Manuel Joaquim de Paiva Pereira Pires.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Manuel de Sousa Ramos.
Maria da Assunção Viegas Vitorino.
Maria da Conceição Rocha dos Santos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo.
Maria Helena Carvalho dos Santos Oliveira Lopes.
Maria Rosa Gomes.
Maria Teresa do Vale de Matos Madeira Vidigal.
Maria Virgínia Portela Bento Vieira.
Mário António da Mota Mesquita.
Mário de Castro Pina Correia.
Mário de Deus Branco.
Mário Manuel Cal Brandão.
Mário Nunes da Silva.
Pedro Manuel Natal da Luz.
Raquel Júdice de Oliveira Howell Franco.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria Antunes Pereira Rainho.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui Maria Malheiro de Távora de Castro Feijó.
Sophia de Melo Breyner Andresen de Sousa Tavares.
Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Peço atenção. Encontram-se presentes 167 Srs. Deputados. Declaro a sessão aberta.

Eram 15 horas e 37 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Submetemos à aprovação da Assembleia os n.ºs 86 e 87 do Diário.

Pausa .

Se ninguém pede a palavra ou se opõe, consideramos aprovados esses dois Diários.

Pausa .

Quanto ao Diário n.º 88, também já distribuído, aceitam-se reclamações.
O Sr. Secretário vai fazer o favor de proceder à leitura do

Expediente

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Telegramas:

A Juventude Democrática Cristã chora a perda dos dois portugueses que ofereceram a sua vida em defesa da liberdade e democracia pensamos: Ditosa a Pátria que tais filhos tem. Viva Portugal.

Outro telegrama, da direcção da Associação dos Ex-presos Políticos Antifascistas:
Protestamos vigorosamente prisão arbitrária por PSP de elemento direcção três membros AEPPA hoje manhã colagem cartazes. Denunciamos provocação atentória direitos cidadãos associações democráticos total contradição garantias Presidente República. Exigimos as explicações sucedidos garantias formais.

Este telegrama tem a data de 2 de Dezembro.
Outro telegrama:
Familiares militares presos exigem posição contra situação incomunicabilidade isolamento celas individuais junto piles delinquentes impassibilidade contacto advogados protesta veementemente contra passividade autoridades permitem actuação provocadores sobre familiares junto prisão Custóias em nome 493 familiares pelo Secretariado Comissão Familiares Militares Revolucionários Amélia Marques Pinto e Ana Ferreira.

Relativamente a este telegrama, e se me é permitido, quero dizer o seguinte: Em coerência com a minha conduta política e cívica, desde sempre assumida, que motivou até uma intervenção nesta Assembleia, lucro juntar o meu protesto no caso de, efectivamente, não estar assegurado aos arguidos, quaisquer que eles sejam, a assistência de advogado e de todos os direitos de defesa...

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Secretário: - Uma carta do Sr. Alberto Marins Carreira, de Queluz, expondo-nos um assunto articular, relacionado com um problema de inquilinato. O problema, naturalmente, escapa à competência desta Assembleia, mas apenas quero dizer ao nosso correspondente que ele é de fácil solução. Basta que o inquilino faça as obras e, seguidamente, desconte o seu preço nas rendas a pagar ao senhorio.
Sr. Jorge de Vasconcelos, de Lisboa, escreve-nos propósito de uma intervenção recente do Deputado Otávio Pato, na qual aquele Sr. Deputado do PCP firmou:
No domingo, no Terreiro do Paço, mais uma vez se provou o que por mais de uma vez temos afirmado: no Portugal de hoje não é possível governar sem o Partido Comunista e muito menos contra o PCP.

A propósito desta prelecção, o nosso correspondente tece algumas considerações, das quais destaco as seguintes:

O povo português, sendo antifascista, não tem que ser necessariamente comunista. A implantação do socialismo em Portugal não tem que ser necessariamente avalizada pelas cúpulas do PCP.
Quanto ao tom triunfalista do digno Deputado do PCP Sr. Octávio Pato, sempre lhe direi que o País é que decide se pode governar sem o seu partido, sem ter necessidade nenhuma de lutar contra ele. As próximas eleições, mais que as de 25 de Abril, darão a resposta ao Sr. Octávio Pato e a toda a cúpula do PCP.

Moção dos trabalhadores da Argibay, Sociedade de Construções Navais e Mecânicas, S. A. R. L., de Alverca do Ribatejo:
Protestam contra a prisão de oficiais de esquerda, que não podem ser acusados de contra-

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-revolucionários. Também protestam contra a suspensão dos contratos colectivos de trabalho e congelamento de salários, que só afectam as classes mais desfavorecidas.
É assinado por nove trabalhadores da respectiva comissão de trabalhadores e delegados sindicais.

Os trabalhadores da Companhia de Seguros Metrópole enviam-nos uma exposição, que passo a ler:

Trabalhadores da Companhia de Seguros Metrópole disseram não às tentativas sectárias de greve levadas a efeito por minorias activistas cujo objectivo é instalar no nosso país o caos e a anarquia, abrindo por esse meio o caminho à ditadura.
Apoiam e saúdam calorosamente o VI Governo Provisório e as forças interessadas na instauração da democracia e da liberdade no nosso país.
Seguem-se sessenta e seis assinaturas.

Os mesmos trabalhadores dão-nos conta de um telegrama que enviaram ao Conselho da Revolução, Regimento de Comandos da Amadora e Presidência da República.
O telegrama é o seguinte:
Trabalhadores da Companhia de Seguros Metrópole saúdam e apoiam calorosamente a decisão e actuação corajosa, abnegada e patriótica em defesa da liberdade, da democracia e do povo português.
Seguem-se sessenta e duas assinaturas.

Nada mais, Srs. Deputados.

Pausa.

O Sr. Presidente: - O período de antes da ordem do dia terminará às 16 horas e 35 minutos, ou 16 horas e 37 minutos, se quiserem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carreira Marques.

O Sr. Carreira Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nestes últimos dois dias tem sido notória a preocupação de muitos Srs. Deputados em responsabilizar o meu Partido pela sublevação militar de 25 de Novembro. Temos ouvido buscarem-se fantasiosas origens para se justificar um pretenso envolvimento do PCP. Tal campanha contra o PCP visa duas coisas: uma é esconder responsabilidades próprias na criação de condições que levaram às acções de sublevação e outra é esconder a contra-ofensiva de direita que se desencadeou no seguimento da derrota dos sublevados. Importa dizer, e é bom que seja entendido por todos quantos pretendem defender as liberdades democráticas e impedir o reaparecimento do fascismo, que, a, partir dos acontecimentos verificados em torno do 25 de Novembro, a Revolução portuguesa entrou numa nova fase. Assiste-se a um conjunto de medidas repressivas que estão a permitir um perigoso avanço das forças da reacção. Assiste-se a uma verdadeira chuva de ataques, de acusações, de mentiras e de calúnias que desaba sobre as forças da esquerda. Tal prática permite o consolidar de posições da direita nos órgãos chaves do poder político e militar, e de forma nenhuma isso poderá apontar para a manutenção das liberdades, antes as ameaça destruir, arrastando com elas todos os antifascistas.
Mas todo o frenesim acusatório que sobre o PCP recai não deixará certamente de alertar até os menos esclarecidos. É que as injúrias de «contra-revolucionários», de «inimigos do povo» e de «traidores da Pátria» são exactamente as mesmas que sobre os comunistas recaíram em 48 anos de ditadura fascista. E isto não passa despercebido a toda, a gente, e muito menos agora, em que os perigos do regresso ao fascismo se desenham cada vez com maior nitidez. É que o povo português não é tão ingénuo que não se vá apercebendo que a fúria das acusações contra o PCP servem fundamentalmente para camuflar toda uma actividade, essa sim, contra-revolucionária que, a continuar, bem nos pode mergulhar numa nova noite fascista.
Significativamente, ignorou-se a campanha concertada levada a efeito até às vésperas do 25 de Novembro por forças reaccionárias e, elas sim, interessadas em recuperar a Revolução.
Nem uma única voz aqui se ouviu para condenar que fosse os graves acontecimentos de Rio Maior e de Odemira, onde os fascistas lançaram autênticos ultimatos ao Conselho da Revolução e ao Presidente da República e atentaram seriamente contra as liberdades e a ordem democrática, e é importante que todos os antifascistas o façam prontamente, denunciando os ataques reaccionários.
Em Rio Maior, onde a reacção parece apostada em reunir o seu quartel-general, e a pretexto de justas reivindicações de pequenos e médios agricultores, os fascistas montaram todo um cenário de guerra aberta contra Lisboa.

Uma voz: - Social-fascista!
Vozes de protesto.

O Orador: - Fizeram uma manifestação, lançaram panfletos spinolistas, arvoraram-se numa chamada «União das Alianças dos Agricultores», que emitiu um manifesto, onde se dizia textualmente: «Vamos fazer valer os nossos direitos por meio de acções concretas que nos preservem de atentados inaceitáveis à propriedade privada.» E terminava o papelinho com palavras de ordem do estilo «Não às ocupações selvagens», «Pela defesa da legítima propriedade privada». Fizeram barricadas, cortaram estradas e outros acessos a Lisboa e ameaçaram cortar os abastecimentos de leite, água e energia eléctrica à capital se as suas reivindicações não fossem satisfeitas. É bom lembrar algumas das suas exigências: revisão imediata da Lei da Reforma Agrária; restituição das terras ocupadas aos antigos proprietários; saneamento imediato do Secretário de Estado da Estruturação Agrária, António Bica.

Vozes: - Muito bem!

Vozes diversas que não foi possível registar.

Uma voz (dirigindo-se para as bancadas da direita): - Cala a boca, urso!

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção dos Srs. Deputados.

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O Orador: - Mas Portugal não começa em Rio Maior, como ridiculamente pretendiam os promotores fascistas lá concentrados, porque os trabalhadores portugueses não deixam que os dividam entre Norte e Sul, porque a sua luta e os seus interesses são comuns.
A sublevação contra-revolucionária de Rio Maior inscreve-se de alto a baixo na crise criada pela actuação das forças de direita no Governo e nas forças armadas, pela repressão contra a esquerda militar, pelos saneamentos à esquerda, pela nomeação de reaccionários para postos de comando. Sempre que a direita avança, avança o fascismo na sua peugada. Não para a deixar caminhar em sossego, mas para a ultrapassar e esmagar na primeira oportunidade. Por isso os fascistas promoveram uma reunião em Rio Maior, no dia 24, para cortar as vias de acesso a Lisboa e para ameaçar perigosamente as liberdades duramente conquistadas pelas massas trabalhadoras e pelo povo português.

Uma voz: - É falso.

O Orador: - Em S. Luís, no concelho de Odemira, também no dia 24 (estranha coincidência ...), um grupo de mais de uma centena de meliantes armados atacou uma herdade ocupada por trabalhadores.

Uma voz: - Mentira.

O Orador: - (Descansem os mais inquietos, que não se tratava de uma «ocupação selvagem», porque ia ser legalizada no dia seguinte pelos organismos competentes.) Transportados em camiões, furgonetas e um jeep e exibindo armas de guerra, montaram um cerco à herdade. Homens armados ocuparam os pontos altos do terreno, enquanto outros, equipados com megafones e pequenos aparelhos de transmissão, comunicavam entre si. Na Herdade do Roncão encontravam-se apenas sete trabalhadores, que foram ameaçados de morte, selvaticamente espancados e insultados.

Vozes de protesto.

Depois de dominados pela violência fascista foram fechados num palheiro. Alguns dos assaltantes, para se divertirem, tentaram arrancar a roupa aos heróicos defensores da herdade para os verem correr, nus, pelas terras do Roncão.

Vozes de protesto.

Uma voz: - Melhores que a PM ...

O Orador: - Mas, quando compreenderam que os trabalhadores estavam dispostos a defender a sua dignidade com o sacrifício das próprias vidas, os agressores meteram-nos nos camiões e tomaram o caminho de S. Luís. Aí, já amedrontados pela certeza de que trabalhadores de Beja vinham a caminho para libertarem os seus camaradas, restabelecer a administração operária do Roncão e castigar os provocadores fascistas comandados pelo famigerado Vital Furtado, começaram a debandar. A resposta do Alentejo revolucionário, a resposta solidária daqueles que estão construindo a Reforma Agrária, apavorou a tal ponto o bando de provocadores que muitos não conseguiram fugir. Apesar de armados, vários entregaram-se sem resistência e confessaram, tremendo, que haviam sido contratados ou aliciados para o ataque criminoso. Entre eles havia algumas curiosas filiações partidárias. E logo que estas foram conhecidas, logo alguém se prontificou a dizer que o Vital Furtado era um médio rendeiro e até nem era má pessoa.
Ficou demonstrado que o ataque ao Roncão foi minuciosamente preparado e executado por quadros com preparação militar e não uma simples revolta de um médio agricultor ilegalmente atingido pela Reforma Agrária, como já alguém pretendia. É que nem o Vital Furtado é um médio rendeiro, como ainda a Herdade do Roncão se insere nos limites pontuais fixados pela Lei da Reforma Agrária. É que o Vital Furtado era rendeiro por desporto e para lhe servir de capa às suas rendosas «actividades». Conhecido contrabandista de alta nomeada, está rodeado de um bando bem armado de marginais e criminosos da pior espécie. Muitos dos fascistas que ilegalmente saíram do País tiveram a preciosa ajuda do gangster Furtado, que, segundo testemunhos recolhidos em Sagres e Vila do Bispo, estaria também implicado no tráfico de armas destinadas a organizações terroristas, como o ELP e o MDLP.

O Sr. Santos Silva (PPD): - Apanharam aqueles que estavam aqui à porta outro dia?

Uma voz: - Fora o ELP!
Vozes de protesto.

Gera-se diálogo entre as bancadas da esquerda e da direita impossível de registar.

O Sr. Presidente: - Não travam diálogo, pois o Regimento não o permite. Faz favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador - É este conhecido fascista, protegido ainda por algumas forças deste país, que aparece em 24 de Novembro a dirigir pessoalmente uma séria provocação contra a Reforma Agrária, que não pode ser entendida isoladamente, mas que muito tem a ver com toda a série orquestrada de ataques e provocações ocorridos por todo o País, com vista a intimidar os trabalhadores, a fazer recuar a Revolução e a criar um clima de instabilidade política e social.
São acções deste tipo que nos demonstram que o perigo de uma ditadura fascista aparece claramente no horizonte se não se unirem rapidamente todos os que querem fazer-lhe frente. Por isso se devem tomar de imediato medidas severas contra actividades contra-revolucionárias, designadamente do ELP e do MDLP. Por isso devem cessar imediatamente as prisões, a repressão, os saneamentos à esquerda e as perseguições a todos quantos se têm entregado à causa da Revolução.
Os ataques ao PCP serão igualmente aplaudidos pela fera fascista, que nos espreita, como igualmente serão aproveitados os silêncios que se fizerem de actos como os que aqui acabamos de denunciar.

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Estranha, mas significativamente, não foi essa a prática seguida aqui pelos que rios atacam, mas que dizem não querer o fascismo.
Tenho dito.

(O orador fez a sua intervenção da tribuna.)

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fernando Roriz pediu a palavra. É um pedido de esclarecimento?

O Sr. Fernando Roriz (PPD): - Era um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado para formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. Fernando Roriz (PPD): - Era um pedido de esclarecimento ao orador que acabou de usar da palavra.
Eu ouvi a referência que o orador fez à manifestação de Rio Maior, que considerou um meio de coacção contra o Conselho da Revolução. Salvo erro, foi esta a expressão que ele usou. E apreciei, naturalmente, o prurido de legalidade democrática que essa afirmação encerra. Entretanto, porque eu, por motivos de doença, não estive presente nesta Assembleia nos dias que se seguiram ao sequestro dos Deputados nesta Assembleia Constituinte, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado que usou da palavra se o Partido Comunista Português, em face desta atitude, tomou qualquer posição de condenação desse sequestro que foi feito aos Deputados da Assembleia Constituinte, se não considerou também que isso foi um meio de coacção contra o Conselho da Revolução e o Governo.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Mais algum dos Srs. Deputados deseja pedir esclarecimentos?

Pausa.

O Sr. Deputado Manuel Ramos?

Pausa.

Tem V. Ex.ª a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Manuel Ramos (PS): - O Sr. Deputado referiu-se à nomeação de reaccionários para postos de comando. Já o Sr. Deputado Carlos Brito há dias tinha dito a mesma coisa, e também há dias pedi ao Sr. Deputado Carlos Brito que ele me dissesse concretamente a quem se referia. É claro que o Sr. Deputado Carlos Brito não respondeu concretamente, tal como eu pedira, de maneira que eu peço agora, de novo, ao Sr. Deputado que acabou de falar o seguinte: se há efectivamente reaccionários em postos de comando, importa denunciá-los, e, portanto, eu peço ao Sr. Deputado que enuncie esses nomes, porque, se assim não for, não poderemos dar o mínimo valor às suas afirmações.

(O orador não reviu.)

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Mais algum pedido de esclarecimento?

Pausa.

O Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Eu desejava perguntar ao Sr. Deputado, para lhe reconhecer, aliás, uma força moral nesta intervenção, quando ele concretamente ataca as barricadas de Rio Maior, se também ataca as barricadas feitas em 19 de Junho ao Partido Socialista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O segundo ponto que eu também gostava de saber é, quando ele condena o contrabando de armas, se ele o condena também em relação aos partidos que vêm fazendo contrabando de armas neste país.

(O orador não reviu.)

Uma voz: - O PS!
Burburinho na Sala.

O Sr. Presidente: - Feitos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carreira Marques, para responder, se o entender.

O Sr. Carreira Marques (PCP): - Em relação ao primeiro pedido de esclarecimento, devo dizer que o Sr. Deputado certamente não tem tomado atenção aos documentos do meu partido.

Risos.

Neles se dizia claramente, em relação à retenção dos Deputados nesta Assembleia, que não concordávamos com essa forma. Isso foi dito claramente pelo meu partido nos seus comunicados.
Em relação ao Sr. Deputado Manuel Ramos, devo dizer-lhe que o meu partido já denunciou alguns, naturalmente.

Uma voz: - Muito bem!

Vozes: - Quais? Diz quais.

O Orador: - Irá denunciando outros, à medida que eles forem aparecendo.

Manifestações na Sala.

Em relação ao Sr. Deputado António Campos, eu não consigo perceber o que tem a ver uma barricada fascista feita em Rio Maior com uma outra coisa que é a tentativa de impedir que exista uma marcha sobre Lisboa com todos os fascistas e ELPs.

(O orador não reviu.)

Agitação na Sala.

Vozes: - Fascista! Social-fascista!

Apupos.

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O Sr. Presidente: - Pede-se a atenção.

Manifestações ruidosas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pede-se mais comedimento.

Vozes: - Já chega de fascistas. Rua!

Grandes manifestações.

O Sr. Presidente: - Segue-se no uso da palavra o Sr. Deputado Avelino Gonçalves.

A agitação continua.

O Sr. Presidente: - Peço atenção.

O Sr. Avelino Gonçalves (PCP): - Sr. Presidente

Agitação.

O Sr. Avelino Gonçalves (PCP): - Sr. Presidente: Não me encontro preparado por agora para fazer a intervenção que tencionava e pedia ao Sr. Presidente e à Mesa o favor de considerarem adiada até amanhã a minha inscrição.

Uma voz: - Não há adiamentos.

Manifestações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Campos.

O Sr. Eurico Campos (PS):- Sr. Presidente, Srs. Secretários.

Risos.

Srs. Deputados: Estamos preocupados.
As cadeias que o 25 de Abril esvaziou, tornando possível que todos os políticos adquirissem o estatuto de homens livres, hoje, mercê de circunstâncias que vale a pena analisar, estão repletas de militares. Mais militares, dentro e fora do País, militam em organizações clandestinas e ainda outros, a partir de agora, irão talvez continuar a agrupar-se secretamente, para encetarem mais uma luta inglória.
Pessoalmente, gostaria que os senhores militares, oficiais, sargentos e praças, analisassem profundamente os porquês dos golpes de 11 de Março e de 25 de Novembro, para, e talvez com facilidade, logicamente concluírem que «as políticas» não podem nem devem invadir os domínios dos quartéis. É notório, e demasiadamente evidente, que a prática política é pertença dos políticos, porque estes sabem, por formação bem estruturada nas sãos princípios democráticos que defendem, que as vitórias políticas só se conquistam através do voto universal e secreto. Por isso, defendemos que as vocações surgidas para a prática política no seio das forças armadas devem, para bem de todos nós, serem civilmente postas ao serviço dos partidos políticos. Na verdade, aqueles que ambicionam chegar ao poder por meios violentos demonstram, nesta prática, não uma vocação límpida de políticos, mas exclusivamente competência de carrascos do povo. A força das armas só a usa, para fins políticos, quem não tem do seu lado a força do povo. As armas devem ter, na verdade, aplicabilidade política na defesa das liberdades democráticas e na vigilância revolucionária, para que as forças políticas cumpram integralmente, sem desvios traiçoeiros, a soberana vontade popular. A nós, socialistas, preocupa-nos a hipótese sempre viável de se concretizarem novas ruturas no seio das forças armadas, pois receamos repetições históricas, tão dolorosas para o povo português. Por isso, advogarmos, no interesse do povo português, uma concórdia político-militar, discutida, não, como sempre tem acontecido, desarticulada e separadamente, mas numa convergência de esforços em presença de todas as foiças militares e políticas.
Deste modo, será talvez possível desarmar posições sectárias e caminhar no sentido da evolução do socialismo por via democrática.
Tenho dito.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos, que deseja pedir esclarecimentos.

O Sr. Coelho dos Santos (PPD): - Exactamente! Eu desejava realmente que o Deputado Eurico Campos me esclarecesse o seguinte:
Eu vi que manifestou preocupação por se encontrarem presas algumas individualidades políticas ou militares e vi que preconiza a concórdia entre todos os cidadãos deste país. Como estou totalmente de acordo, mas não me satisfaz, se não for devidamente esclarecido, esta posição do Sr. Deputado, eu agradecia que me dissesse o seguinte: se de facto há presos do 11 de Março que não se sabe ainda do que é que são acusados, e alguns foram soltos há poucos dias, verificando-se que estiveram presos durante vários meses sem culpa formada e sem qualquer tipo de culpa; ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... se estão presos alguns indivíduos ligados ao regime fascista, mas que nem por isso mesmo deixam de ser cidadãos deste país, e cujas famílias se encontram na miséria e em situação tal que os próprios órgãos de comunicação social se têm ultimamente referido a esse facto, criticando-o acerbamente, como aconteceu há dias no jornal Tempo, dizendo-se, inclusivamente, que. alguns desses indivíduos só tinham visitas de duzentos em duzentos dias; , se sabemos também que foram presos agora, no 25 de Novembro, alguns militares revolucionários, efectivamente, e cuja culpa não lhes pode ser totalmente assacada, gelo contrário, deve ser assacada a quem os manipulou; se sabemos também - e isto em termos muito mais amplos - que, quer no derrube do regime fascista, quer no 11 de Março, quer no 25 de Novembro, os chefes, os mais responsáveis, se puseram a salvo; eu queria perguntar ao Sr. Deputado o seguinte: se entende ou não que (levem ser tomadas medidas em dois sentidos. Num primeiro sentido, de benevolência, relativamente a todos os que praticaram crimes, muitas vezes não tanto por culpa própria, mas em função do próprio ambiente em que viveram.

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Uma segunda pergunta, que é esta: se devem ou não ser criadas novas leis pelo Conselho da Revolução, essas então revolucionárias, e sabendo-se que neste momento está estabilizada a situação política, condenando de forma mais violenta aqueles que no futuro vierem realmente a atentar contra a democracia. Explicitando melhor e em poucas palavras: suponho que, no espírito do Sr. Deputado, está a abranger, no seu desejo de concórdia, uma clemência relativamente a todos aqueles que estão presos neste momento, mais produto da sociedade em que viveram do que por culpas próprias. E queria que esclarecesse efectivamente se assim é.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Mais algum dos Srs. Deputados deseja pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Eurico Campos depois da sua intervenção?

Pausa.

Ninguém mais; portanto, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Campos para responder a este pedido de esclarecimento.

O Sr. Eurico Campos (PS): - Pois, Sr. Deputado, agradeço a sua prolongada pergunta ...

Risos.

... e tenho somente a responder-lhe que o meu partido já tomou posições sobre o assunto. Devem ser responsabilizados os culpados, mas isso não implica que aqueles que, na verdade, sem culpa verificada na prática e nos inquéritos a que com certeza se vai proceder e que devem ter o mais rapidamente possível o seu fim, nós julgamos, e concordo com o Sr. Deputado, que deve haver uma certa clemência, tanto de um lado como de outro, para que este país, as suas forças militares e políticas, possam construí-lo em paz, em harmonia, em democracia, a caminho daquilo que todos nós desejamos, que é um autêntico socialismo.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Teodoro da Silva.

O Sr. Theodoro da Silva (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sinto o dever de ser mais uma vez porta-voz nesta Câmara das preocupações e legítimos anseios dos trabalhadores portugueses que mourejam em terras estrangeiras - isto é, os emigrantes!
A minha intervenção de hoje limitar-se-á a dois aspectos, retirados de entre muitos que a correspondência que diariamente me é dirigida, e, além disso, através de contactos pessoais e de tantas conversas tidas junto de muitos portugueses emigrados, me fizeram sentir com relevância especial, neste momento.
Terminado o trabalho desta Assembleia Constituinte, todos os cidadãos portugueses serão chamados a exercer o seu direito de voto.
Mas este direito não pode só dizer respeito, desta vez, às eleições para Deputados à Assembleia Legislativa: com efeito, teremos em breve eleições para as autarquias locais - câmaras municipais, juntas de freguesia - e, talvez, para outros órgãos do Poder.
É bom, portanto, relembrar aqui as condições em que foi efectuado o recenseamento dos trabalhadores portugueses no estrangeiro para as eleições de 25 de Abril de 1975. Com efeito, o recenseamento então realizado, pelos condicionalismos e formalismos postos à sua efectivação, conduziu a uma situação absurda, que é a de que em cerca de três milhões de emigrantes apenas houve uns vinte e um mil recenseados!
É evidente de que algo está errado nesta situação. Há alguns aspectos .que necessitam de correcção e ponderação a tempo e, por isso, imediata, desde já, poderemos apontar, embora de uma forma sucinta, assim:
Os critérios apertados que presidiram à definição da capacidade de eleitor terão de ser revistos - até com base em disposições já aprovadas por esta Assembleia Constituinte -, a fim de permitirem uma maior possibilidade de inscrição e recenseamento, nomeadamente disposições que limitam a capacidade de voto dos emigrantes ausentes além de cinco anos.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - É urgente a abertura de novos postos de recenseamento no estrangeiro e não só nos consulados de carreira: com efeito, as áreas cobertas pelos consulados são em muitos casos de tal maneira extensas que inúmeras vezes se torna necessário aos cidadãos com capacidade de eleitor percorrerem centenas e talvez milhares de quilómetros para se recensearem;
A necessidade de estes postos de recenseamento se encontrarem abertos fora das horas normais de trabalho - porque eles se destinam a servir os trabalhadores -, a fim de permitirem que o recenseamento se faça sem perda de horas ou até de dias de trabalho dos emigrantes, com a consequente redução dos seus salários;
A necessidade de que o recenseamento se faça em épocas de permanência nos locais habituais de residência dos emigrantes e não em épocas como, por exemplo, o Natal ou as férias de Verão em que estes se encontram ausentes, a maior parte, até, de visita aos seus familiares e às suas terras em Portugal.
Julgo ter focado alguns dos aspectos que interessam directamente ao recenseamento dos emigrantes em terras estrangeiras, mas é muito importante não esquecer o direito de voto que também assiste aos emigrantes em terras portugueses os chamados « retornados» ou, melhor é dizer, os portugueses refugiados de África!
Existe outro aspecto que julgo também dever merecer a atenção desta Câmara - a protecção aos pequenos investimentos.
Com efeito, raro é o dia em que através de cartas, petições, exposições, etc., por todos os meios ao seu alcance, os trabalhadores emigrantes não deixam de perguntar ao Estado, aos governantes, aos mais diversos órgãos de soberania, ao seu Deputado, a toda a gente, a todos nós, o que é feito, o que foi feito do seu dinheiro, que tanto lhes custou a ganhar com trabalho duro em terra estrangeira e que confiadamente enviaram para Portugal, «para a sua terra» e que aqui investiram!

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Onde está esse dinheiro que é fruto da venda do seu trabalho?
Onde está esse dinheiro que não é nosso, porque é deles?
Nas casas ocupadas? Nas terras ilegalmente ocupadas? Nos títulos de investimento que nada mais valem presentemente do que o papel em que foram impressos? Ou a desvalorizar-se nos bancos?
Há aqui todo um conjunto de medidas a tomar urgentemente em relação a estes pequenos investidores, se não quisermos que os portugueses que trabalham no estrangeiro vão voltando progressivamente as costas ao seu país e se sintam estranhos e marginalizados - não por culpa própria - na reconstrução política e económica deste Portugal, que é tão deles como é nosso!
O que se torna necessário são medidas justas e concretas, porque não é com «baladas» em «serões para alegria na emigração» que os emigrantes se convencem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitos mais problemas relativos à emigração há que tratar - e a eles voltarei -, mas, desde já, o que não peço, mas exijo, em nome de centenas de milhares de portugueses ausentes no estrangeiro, é que pelas autoridades competentes sejam tomadas medidas concretas, quer no que respeita ao futuro recenseamento dos emigrantes e refugiados, quer no que respeita à protecção e defesa dos pequenos investimentos dos emigrantes.
E termino, repetindo novamente, numa persistência legitimada pelos clamores e protestos dos portugueses emigrantes que dos mais diversos pontos do globo e todos os dias a mim chegam, termino, repetindo o que há algum tempo já aqui afirmei publicamente e perante vós: «Os emigrantes constituem um dos sectores mais dignos e lutadores do nosso povo ...

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - ... e o futuro de Portugal não pode constituir-se marginalizando esses trabalhadores!»
Tenho dito.

(O orador fez a sua intervenção na tribuna.)

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Monteiro de Aguiar.

O Sr. Monteiro de Aguiar (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao trazer a esta Assembleia alguns problemas do arquipélago da Madeira, faço-o com o entusiasmo que eles sempre me despertaram, porque os vivo, tal como o povo trabalhador, esse povo que vem aguardando, calma e serenamente, que um dia seja libertado das situações injustas de que tem sido vítima ao longo de vários anos.
Mas esse sofrer contínuo tem de ter o seu fim, e já é tempo de pensar-se nas resoluções concretas para os vários problemas que afligem as populações da sacrificada gente da minha terra.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sim, é já tempo de pensar-se que a melhor resposta que pode dar-se a um povo, muito concretamente, o da região da Madeira, é mostrar-lhe todo o interesse na solução efectiva dos seus mais sensíveis problemas.
Contudo, naquela terra, onde há muito para fazer e quase tudo é problema, causa certa inquietação por onde e como começarem as primeiras medidas.
Com efeito, o Governo deverá tomar as necessárias providências para as situações que na ilha da Madeira se nos afiguram de importância vital, e requerem uma resposta rápida, concreta.
Assim, enumeramos algumas, não nos dispensando de trazer a esta Plenário, a seu tempo, outras mais, e com detalhe mais circunstanciado:
Extinção do regime de colónia, flagelo que atormenta o povo rural, vergonhosa situação que continua a oprimi-lo, e mantém no subdesenvolvimento toda a agricultura madeirense;
Reorganização do sector das pescas, no qual se deve incluir a montagem de uma rede de frio, ou porto frigorífico;
Construção dos silos (armazenamento de cereais);
Ampliação do Aeroporto do Funchal, cujo projecto se encontra concluído e deverá ser submetido à aprovação do Governo, através do respectivo Ministério;
Construção mais acelerada da habitação social, suprindo por este meio as carências enormes neste sector;
Dada a dificuldade de rápida ligação entre as zonas rurais e a cidade, e para efeito de primeiros socorros, a existência de helicópteros é uma necessidade. Parece-nos não ser difícil resolver este assunto.

Preocupa-nos, para além destes factos, a situação em que vive a população de uma ilha que faz parte do arquipélago: é Porto Santo.
Na verdade, conhecem-na, hoje, muitos madeirenses, continentais e estrangeiros.
Conhecem-na, certamente, pelo que ela tem de mais atractivo: a praia de areia, com os seus 8 km de extensão.
A ilha do Porto Santo tem, como não podia deixar de ser, óptimas condições para o turismo.
Porém, terá de ter-se em conta que um rápido crescimento do turismo tem de processar-se de forma equilibrada, para não originar distúrbios na economia e nas estruturas sociais da comunidade da ilha, assim como no meio ambiente natural.
Mas, para além das condições turísticas referidas, há algo mais a conhecer, quer quanto à situação em que vivem os seus 4000 habitantes, aproximadamente, quer ainda quanto às suas necessidades de primeira ordem.
Assim, o povo daquela ilha forma como que uma comunidade fechada.
Basta referir que, em 1960, 93 % do total da população eram nativos.
Da estrutura etária pode-se observar que a percentagem da juventude é relativamente elevada, e que no período de 1960-1970 aumentou ainda mais.
O nível educacional em 1960 era muito baixo: 40 % da população era analfabeta. Em 1970, um

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terço das crianças de idades compreendidas entre os 5.e 10 anos não frequentava a escola.
Cabe aqui apontar que em 1975, e depois de várias démarches efectuadas, a população juvenil ainda não tem o ensino secundário oficial.
Daqui se conclui que em matéria de educação muito há a fazer para dar satisfação às carências prementes neste domínio.
A população ocupa-se, sobremaneira, na agricultura.
Mas neste sector, para lá da sua reestruturação por métodos mais eficientes, tenha-se em conta a notória falta de água, quer para a irrigação das terias, quer para o abastecimento domiciliário.
Contudo, é possível suprir tal deficiência através de uma arborização intensiva, bem como pela captação de águas por meio das requeridas pesquisas.
Outro assunto importante que terá de merecer rápida solução é o do porto, na mesma ilha.
Na verdade, as ligações marítimas entre a Madeira e Porto Santo, com maior incidência no período de Inverno, não podem efectuar-se.
O transporte de mercadorias naquela época é uma constante preocupação, uma vez que a via aérea é não só mais onerosa, por um lado; por outro, a capacidade de carga da transportadora nacional não oferece garantias.
Assim, a construção do referido porto cobriria uma lacuna há longos anos existente, como serviria ainda de apoio à frota pesqueira da Madeira.
Mas, não menos grave são as condições de assistência médica.
Apear do centro sanitário existente com algumas condições, somente há um médico residente para atender a população.
Os doentes que porventura necessitem de uma rápida intervenção cirúrgica, por exemplo, estão fatalmente condenados.
Não pode, pois, continuar esta população a ser esquecida. A protecção na doença, e não só, terá de merecer do Governo as providências rápidas, dotando o mesmo aquela ilha dos meios materiais e humanos indispensáveis a uma cobertura eficiente no sector da saúde.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação aflitiva deste povo merece a nossa atenção, a nossa preocupação.
Urge dar uma resposta concreta aos problemas apontados para que esta gente, cansada como está de promessas, passe a acreditar que os tempos mudaram, possa sentir que também para eles a Revolução foi um facto. É que o povo está cansado de verbalismo fácil.
Por isso só acredita naquilo que vê. O povo só estará empenhado na Revolução se, para além das palavras, se passar aos actos.
O povo do arquipélago da Madeira precisa de actos corajosos, e por isso, de homens corajosos capazes de empreenderem esses mesmos actos.
É necessário transformarem-se as estruturas de uma sociedade caduca.
Isto só poderá acontecer se forem criadas as condições, do ponto de vista político, para que o povo aceite todo o processo de reestruturação da nova sociedade.
Não será com certeza, como tem vindo a acontecer, com tentados bombistas, tentativas de assalto ao Poder pela força, criando um clima de incerteza e terror, que o povo trabalhador ganhará confiança, a predisposição, neste processo revolucionário, dó qual muito mais deveria ter beneficiado no concreto, isto é, na resolução dos seus vivos problemas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar esta minha intervenção, ficará um apelo: Que o Governo tome em consideração os problemas aqui levantados em relação ao povo do arquipélago da Madeira, e não os deixe esquecidos, como acontecia e ainda acontece.
O povo da minha terra, que tem sofrido e continua a sofrer tamanhas injustiças, quer ver, sentir, que a Revolução, como disse, chegou também a ele, e que, assim sendo, os madeirenses são também portugueses.
Disse.

(O orador fez a sua intervenção na tribuna.)

Vozes:- Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Gilianes Coelho. Dispõe de dez minutos.

O Sr. Gilianes Coelho (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se os factos que vou relatar a este hemiciclo e ao resto do País não se revestissem de tanta gravidade, e não sendo eu senão um recém-chegado, não me teria atrevido a vir, quase que directamente, a esta tribuna.
Durante o dia 26 de Novembro o País foi alertado para o que se estava a passar na cidade de Setúbal, através de um comunicado difundido pela Emissora Nacional. Contrariando a lei de estado de sítio decretado na véspera, havia-se instalado no edifício da Câmara Municipal, com o total apoio e apadrinhamento da Comissão Administrativa, um pseudo-revolucionário «comité de luta». O que era e como era formado este «comité de luta»?
Constituiu-se com delegados de comissões de trabalhadores e comissões de moradores que, na sua grande maioria, nem sequer tinham sido eleitos pelos que pretendiam representar, alguns deles completamente alheios a essas comissões, verdadeiros oportunistas que, a coberto da defesa dos interesses dos trabalhadores, defendiam apenas os seus interesses partidários de ideal pseudo-esquerdista e ditatorial. Pois foi precisamente este «comité de luta», de que se desconhece a identificação de muitos dos seus membros, que a «democrática» Comissão Administrativa da Câmara de Setúbal acolheu nas instalações que são do povo, pactuando com a agressão e o desafio contra-revolucionário lançado por aquele «comité» contra os trabalhadores, a população de Setúbal e do País. Quando o País vivia horas de angústia, confiando na serenidade actuante das forças militares que defendiam a Revolução sob o comando do EMGFA, e recusando a guerra civil, da qual os portugueses estiveram à beira, a Comissão Administrativa fomentou a subversão e a calúnia contra aquelas. Não o quis fazer directamente, servindo-se dó «comité de luta», o qual utilizou as instalações sonoras da Câmara colocadas na varanda do edifício municipal, apelando directamente para a

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sublevação armada, ao mesmo tempo que servia de canal de informações para a emissora clandestina que, durante a noite de 25 e parte do dia de 26, vinha difundindo iguais apelos subversivos.
Por outro lado, o presidente em exercício da Comissão Administrativa pôs também à disposição daquele «comité» um jeep da Câmara, que percorreu, desde a madrugada de 26, a cidade em apelos de levantamento em armas.
Afinal, foi a própria força organizada dos trabalhadores e do povo de Setúbal que revolucionariamente neutralizou aquela agressão. A emissora clandestina foi silenciada na tarde de 26 por actuação e vigilância conjugadas do povo e dos militares revolucionários, e o «comité de luta» teve também que abandonar a Câmara no fim da tarde desse dia 26, face à atitude enérgica dos trabalhadores municipais.
Na verdade, estes trabalhadores, apercebendo-se que as instalações camarárias serviam de quartel às forças subversivas e que o silêncio e as facilidades concedidas pela Comissão Administrativa eram uma cumplicidade evidente, organizaram-se e denunciaram em comunicado datado desse dia tal atitude. Ainda assim foi evidente a manobra da Comissão Administrativa junto dos trabalhadores para estes alterarem o comunicado que já havia sido aprovado pelos mesmos, conseguindo-o em parte pela supressão de dois parágrafos comprometedores.
Não pode o País, não pode o povo de Setúbal e não pode o Partido Socialista esquecer esta afronta de um órgão que, tendo a obrigação de ser democrático e defensor dos interesses gerais, antes, pelo contrário, procurou ludibriar o povo, dividi-lo, pô-lo contra as autoridades revolucionárias.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Tal facto não pode ficar impune. Impunes já ficaram anteriores actos antidemocráticos daquela Comissão Administrativa, que não foi eleita por ninguém e que oportunisticamente se instalou na Câmara para fazer o jogo monolítico ao serviço dos interesses totalitários.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O povo não está ainda esquecido do 18 de Fevereiro, em que a força dos trabalhadores municipais se opôs ao saneamento de alguns camaradas, pretendido pela Comissão Administrativa. O inquérito exigido então pelos trabalhadores continua nas gavetas do esquecimento.
Também o Vitória de Setúbal foi alvo da cobiça da Comissão Administrativa, mas a reacção, de pronto, da sua massa associativa tirou-lhe as veleidades. Mas, tendo calado, o povo não esquece.
O «poder popular» foi na cantiga enganadora difundida pela Comissão Administrativa, mas cuja realização prática foi nula, apenas servindo para os interesses pessoais e partidários e para iludir a incompetência e a inoperância administrativa.
Igualmente, ninguém esqueceu ainda o desrespeito ao hino nacional feito publicamente por um elemento da Comissão Administrativa, assim como a afronta do hastear da bandeira soviética no mastro de honra da Câmara, em lugar da bandeira nacional que lá deveria estar.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E ainda que, por força deste último facto, tivesse sido demitido o então presidente da Comissão Administrativa, que assumiu toda a responsabilidade, conseguiu a Comissão Administrativa salvar a «honra do convento» e manter intacto o restante elenco dos seus correligionários.
Nesta hora grave e de defesa da Revolução, o PS está consciente que tais actos são intoleráveis, porque golpistas, contra-revolucionários e insurreccionais, e que só poderão aproveitar os que desejam a guerra civil e o regresso ao fascismo ou ainda ao totalitarismo. Por isso, não pode deixar o PS de louvar as forças militares de Estremoz e Setúbal, que nesta idade asseguraram a ordem e a disciplina, nomeadamente pela actuação firme dos seus oficiais, que não se deixaram enredar por aliciamentos e pressões a que estiveram submetidos por algumas minorias oportunistas. Por isso, o PS não deixa de estranhar o silêncio e a falta de medida pronta e imediata do governador civil, que não pôs cobro à actuação contra-revolucionária do «comité de luta». E, no entanto, o governador civil estava informado, dando o seu tácito consentimento, de que aquele «comité» reunia e deliberava nas instalações camarárias. Por isso, o PS repudia energicamente os actos colaborantes da Comissão Administrativa e exprime às autoridades revolucionárias e democráticas o seu sentir, interpretando os sentimentos da população e dos trabalhadores de Setúbal, verdadeiramente empenhados na construção do socialismo, exigindo:
1) Imediata demissão de todos os membros da Comissão Administrativa.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- 2) Um inquérito rigoroso, com vista ao apuramento das responsabilidades e punição adequada aos membros da Comissão Administrativa ou outras autoridades administrativas.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- 3) Constituição de uma nova Comissão Administrativa, de acordo com o respeito pela vontade popular livre e democraticamente expressa.
Tenho dito.

(O orador fez a sua intervenção da tribuna.)

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Entramos no período da

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Macedo.

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O Sr. António Macedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está dito o essencial acerca da matéria em debate e é de justiça reconhecer que várias intervenções foram, sem favor, de nível invulgar, notáveis ou brilhantes, convincentes umas, convidativas à reflexão outras.
Mas há sempre aspectos novos ou que mais impressionam o comum das pessoas e que podem representar achegas ou contributos de valia para o exame clarificador dos problemas.
E às vezes até sucede que as tomadas de posição marginais ou de segundo plano são aquelas que transmitem luz mais viva ou penetrante para a análise das questões em apreço.
É por isso que me dispus a subir a esta tribuna e me proponho alinhar umas tantas considerações à volta da «Organização do poder político», face à Plataforma de Acordo Constitucional com os partidos políticos.
Já nesta Assembleia foi salientado que o pacto MFA-partidos correspondeu às exigências, ou melhor, às ambições de um grupo de pressão político-militar, inspirado por concepções apregoadas como de vanguardismo revolucionário e que, afinal, visavam a conquista ou a manutenção do Poder, por meios não democráticos ou alheias às regras do jogo democrático.
O pacto foi uma florescência do «gonçalvismo» pujante e triunfalista, fonte de aventura que, meses depois, veio a degenerar em confrontação armada,
propiciatória da guerra civil.
O pacto foi, sem dúvida, o modo de perpetuar esse «gonçalvismo», manipulado por determinadas correntes políticas minoritárias que sabiam não poder contar com as simpatias, as preferências ou os votos da maioria do eleitorado.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o pacto antecedeu as eleições e funcionou até como ponto de partida ou condição sine qua non para a sua efectivação no prazo anunciado.
Por isso foram essas correntes minoritárias que mais entusiastas e aguerridas se manifestaram na aceitação e assinatura da Plataforma de Acordo Constitucional, desenvolvendo intensa actividade, através dos seus instrumentos de difusão e propaganda (e muitos e diversos eram então), para simular um coro de aplausos e louvores aos objectivos e princípios fundamentais do pacto partidos-MFA.
Até a este hemiciclo se trouxeram, vezes sem conta, as exaltações e as subserviências desses grupos políticos e correntes minoritárias, rendidas ao culto de poderio representado pelos órgãos de Soberania sui generis, instituídos por elementos ou forças de inspiração ou mandato não popular, posto que de dita dinâmica revolucionária.
Sucedeu até que de uma bancada deste hemiciclo chegou a ser gritado, com ênfase, que esta Assembleia Constituinte não podia arrogar-se o privilégio de órgãos de Soberania, pois que só os militares que fizeram o 25 de Abril é que, por assim dizer, constituíam a fonte de direito divino ou de poder absoluto ...

Deputados eleitos pelo povo ficavam de cócoras perante o toque de sentido ou as vozes de comando dos estados-maiores dos exércitos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E diziam-se progressistas e de esquerda os que deste modo outorgavam o domínio político a uma classe privilegiada em detrimento do poder democrático dos trabalhadores - base e alicerce de uma sociedade a caminho do socialismo.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Presidente da República, o Conselho da Revolução, a Assembleia do MFA, órgãos exercidos ou compostos exclusivamente por militares, esses é que seriam as cúpulas, as linhas de força, as traves mestras de soberania, ainda que não coincidentes com os rumos apontados pelo voto popular, através das urnas e do sufrágio universal.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: As roupagens com que se vestiu a Plataforma de Acordo Constitucional deixaram a descoberto propósitos inconfessados.
Os disfarces políticos foram o «motor de arranque», o «avanço do processo», a preservação da «carga revolucionária», a garantia das conquistas alcançadas ...
Mas o que se pretendeu foi pura e simplesmente impor a limitação de competência da Assembleia Constituinte, na eventualidade de as eleições não serem favoráveis - como se receava - a certos grupos empenhados no assalto ao Poder.
Foram esses receios que levaram a aludir, no pacto, por um lado, às «lutas partidárias estéreis e desagregadoras» e, por outro lado, aos «partidos políticos que defendem os mais legítimos interesses do povo português».
Ora, após o resultado das eleições e a manifestação inequívoca do eleitorado, ficou assinalada a via democrática e socialista como meta a atingir, na paz e em liberdade.
Tornava-se, pois, desnecessária a tutela prevenida na Plataforma de Acordo Constitucional. O povo português soubera optar e decidir dos seus destinos, com consciência e dignidade, por muito que isso tivesse causado engulhos a uns extravagantes cabotinos ou sisudos fantasistas trajados de sociólogos.
Portanto, em respeito e homenagem ao povo português, o MFA deveria ter anulado essa Plataforma de Acordo, se outros fins claros e expressos se não continham no seu plano de intervencionismo na política e na governação do País.
O povo português bem merecera a sua emancipação. Partidos responsáveis qualificaram-se autênticos mandatários da vontade popular, sem escamoteações ou manobras sujas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também agora são partidos minoritários que mais se opõem à revogação mesmo parcial do pacto, alarmados com a perspectiva de ser retirada ao MFA a «predominância política», com que se deleitaram no consulado «gonçalvista». E isto porque admitem ser mais fácil captar adeptos ou influenciar posições nas forças armadas - como terreno mais receptivo ao seu aventureirismo - do que penetrar nas camadas da população sempre coisas das suas prerrogativas de independência e de cidadania.

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Quer dizer: é-lhes mais fácil manejar o golpe do que o voto
Também é sintomático que ainda se fale e invoque a pureza do pacto - depois de as forças armadas (ou melhor: o delírio «gonçalvista») terem dado à luz esse nado-morto que foi o triunvirato!
E à advertência de mestre-escola com que se procura criticar uma suposta hipocrisia na assinatura do pacto, por parte de alguns dos seus signatários, aqui se deixa a anotação de que o Partido Socialista desde logo exprimiu as suas reservas e discordâncias, de que deu conhecimento oficial e notícia pública.
Por outro lado, não deixa igualmente de ser suspeito que os mesmos partidos políticos tanto, se empenhem em argumentar que as «alterações das circunstâncias» não legitimam a alteração da Plataforma de Acordo Constitucional.
Estarão eles esquecidos já de que a ideia do pacto e a sua concretização se fundamentaram exactamente numa invocada «alteração das circunstâncias»?
Pois, para avivar a memória, bastará reler os breves capítulos A e B do pacto (introdução e objectivos da Plataforma) e verificar que o 11 de Março foi o pretexto repetidamente apontado para justificar as «aberrações constitucionais» (assim lhes chamo) impostas pelo golpe contra-revolucionário.
Ora, «alterações de circunstâncias» se podem e devem alegar também agora, e com igual determinação, face ao golpe jogado no 25 de Novembro, para entravar a marcha da revolução e criar a anarquia política e o caos económico.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O exemplar comportamento do povo e a patriótica conduta da parte mais sã das forças armadas (digo mais sã porque esta restrição foi feita por personalidades do Conselho da Revolução) revelaram que o país real está consciente e seguro dos seus destinos e dos meios de que dispõe para exercer o poder político em plena soberania.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o MFA não tem, como alguns partidos minoritários, o complexo da auto-suficiência ...
O MFA procura ser o intérprete e o guia das aspirações e dos anseios do povo português, como o seu Conselho da Revolução eloquentemente o demonstrou durante a última crise, em especial através das providências e medidas já tomadas, no aparta? De outras que mais se imponham para manter a povo em tranquilidade e segurança e num vives pelit, que são fundamentais numa democracia política e económica, com rumo ao socialismo, em liberdade e em justiça.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pois a esse Conselho da Revolução daqui se faz um solene apelo para que, ao encontro dos votos emitidos nesta Assembleia, de representantes eleitos pelo povo, se proceda à revisão ou reformulação da Plataforma de Acordo com os Partidos Políticos.
A minha voz, que em quarenta e oito aras de ditadura fascista nunca, emudeceu, em defesa da liberdade, das garantias individuais do cidadão, da instauração e prevalência, dos partidos políticos, da autenticidade do sufrágio directo e universal, da plena soberania do povo português, aqui se faz ouvir neste momento para continuar a defender os mesmos princípios, que constituíram a bandeira de combate de todos os democratas perseguidos durante o fascismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista manter-se-á fiel aos compromissos assumidos, como já a proclamou sem ambiguidades, mas acredita que seja feito um sincero esforço de compreensão e de reconhecimento das virtudes cívicas e morais do povo português, que desejará não se ver diminuído no exercício do poder político que lhe foi prometido e assegurado com o 25 de Abril de 1974.
O Conselho da Revolução está, por certo, a seguir e: a acompanhar, com espírito isento e lúcido, os trabalhos desta Assembleia Constituinte, pelo que não deixará de reflectir sobre o que neste hemiciclo e tem dito, sugerido ou salientado, neste debate em que está em causa a organização do poder político.
O Conselho da Revolução está tão interessado coma esta Assembleia em que a Constituição que nos empenhamos em elaborar dignifique e honre o povo português. Tenho dito!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Alguém pediu a palavra para pedidos de esclarecimento?

Pausa.

O Sr. Deputado Vital Moreira, para pedidos de esclarecimentos.
Pausa.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - O Sr. Deputado classificou como aberrações constitucionais as soluções da Plataforma Constitucional.
Não tenho à mão, mas lembro perfeitamente os termos com que o Partido Socialista publicamente recebeu a Plataforma, criticando algumas soluções pontuais, mas reconhecendo a sua necessidade.
Pergunto se, na altura, o Partido Socialista considerava como aberrações constitucionais aquilo que se dispôs a assinar?
Segunda pergunta: se o Partida Socialista, quando subscreveu a Plataforma, já previa poder vir a estar em condições de a vir a denunciar ou de vir a pressionar na sentido da sua revogação?
Terceira pergunta: se o Sr. Deputado, ao acusar certas partidos de se porem « de cócoras» perante o poder militar, quis significar e incluir o seu próprio partido, que se teria posto «de cócoras» para apenas esperar - e pôr-se «de cócoras» (risos) exactamente paca se permitir subscrever aberrações constitucionais -, dizia eu, apenas para estar em condições de,

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quando o MFA estivesse cede cócoras», poder então desescrever e desassinar aquilo que assinou?
Era a estas três perguntas que gostaria que o Sr. Deputado respondesse.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Mais algum pedido de esclarecimento do Sr. Deputado António Macedo?

Pausa.

Mais ninguém pede esclarecimentos.
Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Macedo, para responder a estes pedidos de esclarecimento.

O Sr. António Macedo (PS): - Agradeço a oportunidade que o Sr. Deputado Vital Moreira me dá de poder clarificar talvez um pouco melhor - eu peço desculpa de ser confuso, S. Ex.ª é que é um modelo de clarificação. Peço, portanto, licença ...

Risos.

Quando, na verdade, me referi a aberrações constitucionais, eu fui claro em acentuar que assim lhe chamo, sou eu que lhe chamo, não é o Partido Socialista que chama.
O Partido Socialista não pode ser responsabilizado por opiniões meramente pessoais. Eu é que lhe chamo aberrações constitucionais e acho uma aberração constitucional, na verdade, e agora o digo, que o Presidente da República, por exemplo, não seja eleito directamente pelo povo em sufrágio directo e universal. Para mim, é uma aberração constitucional.

Aplausos.

No que respeita às objecções, aos reparos, às reservas, que o meu partido fez ao subscrever a plataforma, elas foram, como disse, tornadas públicas. O meu partido fez reservas, fez objecções de variada natureza, e em especial até quanto a este aspecto que acabei de referir, contra o facto de em democracia, que nós desejamos plena, total e autêntica, o Presidente da República ser eleito por modo indirecto e não pelo povo.
Quanto aos partidos que estavam de «cócoras» (risos), eu quero dizer que, felizmente, no Partido Socialista, as pessoas que o dirigem são pessoas sempre de pé, são pessoas de uma grande verticalidade.

Aplausos.

Nunca nos pusemos de cócoras e foi por isso que tanto sofremos durante a época do fascismo, como eu aqui ligeiramente referi. Agora, se o Partido Comunista está ou não de cócoras, eu entendo que isso será resposta a dar por eles mesmos, na medida em que fizeram tantas vezes aqui intervenções aguerridas, entusiastas, vibrantes mesmo, como de resto é uso do seu porta-voz, Sr. Deputado Vital Moreira, essas intervenções em favor do MFA, em favor do pacto, etc. Claro que hoje essas referências entusiastas e vibrantes em favor do MFA, a favor do Conselho da Revolução, talvez hoje já não sejam feitas com o mesmo calor, com o mesmo entusiasmo e com a mesma paixão.
Está respondido.

(O orador não reviu.)

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigues dos Santos.

O Sr. Nuno Rodrigues dos Santos (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os acontecimentos que ensombraram e agitaram a passada semana tiveram, entre outros irrecusáveis méritos, o de mostrarem claramente como é pernicioso e prejudicial o envolvimento, na política, das forças armadas de um país.
Nada pode haver, efectivamente, de pior do que os militares - sem, primeiro, despirem as suas fardas e sem se despojarem, previamente, das suas armasse imiscuírem em lutas partidárias e em conflitos ideológicos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As consequências são sempre desastrosas mesmo quando os dominam preocupações humanitárias e sentimentos generosos - como é de reconhecer que se têm verificado entre nós - que os levam a substituir as balas por cravos e os «tiros para o ar» pelo «fogo raso» ...
É que o militar tem de ser, normalmente, um violento educado a dominar e não a convencer, a constranger e não a persuadir. Por isso ele será, profissionalmente, tanto mais valioso e prestante quanto mais aguerrido se mostrar e quanto maior impiedade puser na luta que trava.
São as suas virtudes mais elementares (a coragem, a audácia, a decisão, o espírito de disciplina, a conformação com todos os desconfortos, o desagrego pela vida), até, que lhe constelam o peito de medalhas e que o graduam nos mais altos postos da carreira.
Mas a deformação profissional leva-o irresistivelmente a transformar em inimigos simples adversários ou a converter em adversários meros e acidentais contraditores.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Estas tendências poderão segmentar os militares para o exercício de muitas funções particularmente úteis, mas contra-indicam-nos sempre, como tais, para a política (sobretudo em democracias pluralistas) feita do estudo sereno ou de discussão vibrante, mas em recontros que se querem eminentemente pacíficos e em acções que importa sejam reflectidos e ordeiros.
Mas não se veja no que venho a dizer o menor desrespeito ou qualquer resquício de desconsideração pelos elementos das nossas forças armadas.
Não mo permitiria fazê-lo a circunstância de ter sempre presente, na minha memória saudosa, a figura austera de meu pai, frequentemente envolto

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na sua vistosa farda. E com a agravante de se acumularem nele - diga-se de passagem - duas condições profissionalmente contraditórias consistentes nas suas qualidades de médico e simultaneamente de militar. E isso me recorda o que suponho fosse um gracejo de um velho amigo dele, que me assegurava tê-lo visto a tratar com estrema solicitude um dos inimigos que, no decurso da escaramuça alvejara com relativo êxito.
Ainda agora no decurso da insurreição - que um sector das forças armadas (que já nos habituámos a designar de «o são») mais consciente e mais digno, foi forçado a dominar, tendo-o feito, aliás, com requintes de generosidade - se acumularam motivos para que todos nós democratas convictos nos sintamos no dever indeclinável de lhes manifestarmos o nosso alto respeito e o nosso mais profundo reconhecimento.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Impõe-se, porém, não esquecer, para bem de todos, que foi o mesmo Exército que nos libertou no 25 de Abril o que nos despojou de todos os direitos e nos submeteu à mais longa e feroz das ditaduras no 28 de Maio.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Isso nos leva a concluir que o Exército se avilta quando se insurge contra um Governo legítimo, porque representativo do povo, e se exalta e glorifica quando intervém a assegurar o predomínio da vontade soberana da Nação.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Orador: - Eis por que não é com o Exército do 28 de Maio que estou, mas com o do 25 de Novembro.
Simplesmente, para que os 28 de Maio não voltem a ser possíveis e para que os 25 de Novembro constituam um salutar aviso a dissuadir permanentemente, dos seus nefandos intentos, os factores da desordem, os manipuladores de minorias sectárias, os propugnadores de «vanguardas revolucionárias», importa que as forças militares se alheiem da política e se recolham à missão específica que lhes cabe de infatigáveis defensores da integridade territorial do País e de mantenedores resolutos da paz social.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que lhes dirijo daqui um apelo, que desejaria vibrante, no sentido de que se debrucem humildemente sobre si próprios e reconheçam sem constrangimento o erro enorme que cometeram ao decidirem conduzir o «processo da Revolução» como se comandassem um destacamento entregue a exercícios ou manobras de «fogos reais».

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O povo que nas eleições para esta ?assembleia havia de revelar o alto grau da sua consciência política, resistindo tenazmente às «campanhas de dinamização» da famigerada 5.ª Divisão e aos incitamentos ao «voto em branco», merecia trem que respeitassem a vontade manifestada e lhe confiassem a direcção dos seus próprios destinos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Com o pacto MFA-partidos - imposto a estes pela «linha gonçalvista» daquele propunha-se institucionalizar a intervenção política aos militares, atribuindo-lhes, por mais alguns anos, actividades políticas para que não estão preparados, que os diminuem aos seus próprios olhos e que os arriscou à incompreensão e ao repúdio do povo, naturalmente fiel aos que escolheu e designou, numa formidável e inesquecível jornada cívica, para o orientarem e representarem nos mais altos escalões do Poder Público.
Ninguém ignora em que estranhas condições se celebrou esse acordo, que constituiu, para todos os afeitos, uma autêntica chantagem política - a reclamar, há muito, total e completa anulação.

Vozes: - Muito bem!

O Odor: - Mas a iniciativa da sua proposta ;partiu do Conselho da Revolução e é a ele que cabe fazer o público reconhecimento do que se acha ultrapassado, inválido e rescindido por repetidas infracções exclusivamente dos seus proponentes.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entretanto é evidente que não se ,pede do Conselho da Revolução que se desinteresse do movimento em boa hora desencadeado e de que é natural quê muito se orgulhe; e nem se lhe sugere mesmo que determine um regresso pleno à legalidade democrática personificada por esta Assembleia democraticamente eleita e pelo actual Governo com ela identificado; - apela-se apenas para que, ponderadas as razões fortes que o fundamentam - o Conselho da Revolução - com a mesma decisão e dignidade com que sufocou a insurreição do 25 de Novembro, reconheça as imprevidências, as precipitações, os abusos cometidos pelos que o orientavam então - violando sem escrúpulos a letra e o espírito do seu límpido «programa» inicial - e se disponha, se não a renunciar totalmente aos privilégios e posições que se atribuiu, a reservar-se uma simples função fiscalizadora, exercida em termos discretos e correctos, segundo fórmulas e termos a negociar.
Só assim o MFA terá levado até às últimas consequências a sua missão revolucionária e ganhará, sem limitações nem reservas, a gratidão do povo português, a gratidão de todos nós, portugueses.
Disse.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo.

O Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muitas forças políticas, bem como forças militares, se têm afirmado interessadas na construção do socialismo resta saber qual o caminho e qual o projecto a adoptar.
Todos dizem querer uma sociedade socialista, isto é, uma sociedade sem classes, onde desapareça a exploração do homem pelo homem, e à força de tanto se utilizarem estas expressões elas quase já se encontram despojadas do seu conteúdo; no entanto, mesmo o observador mais desatento verificará que cada corrente visa objectivos radicalmente diferentes.
Assim, há aqueles que, reclamando a necessidade da democracia dita formal, mas mostrando o seu cepticismo sobre a utilização de práticas de democracia directa, não apresentam uma contraproposta para a eliminação das duas grandes limitações que a prática formalista ou burguesa da democracia contém, são elas: a institucionalização jurídica da relação de classes e a não democratização dos locais de trabalho.
Quanto ao primeiro ponto, partindo-se do axioma de que todos os homens nascem livres e iguais em direitos, oculta-se que isto, longe de ser uma realidade, é tão-somente o afirmar de um princípio, o declarar de uma intenção.
Na prática, cada cidadão tem de lutar pela sua liberdade e conquistar os seus direitos. O que as instituições da democracia formal permitem é que as classes dominadas lutem, podendo assim obter algumas vitórias que se traduzam em novas conquistas, mas não esqueçamos que há uma luta desigual entre uma classe dominante detentora do poder e uma classe dominada que deseja e tem direito de controlar esse mesmo poder.
Quanto à não democratização dos locais de trabalho, é um facto constatado no dia a dia pelos trabalhadores. A democracia formal não ultrapassa os portões das fábricas ou as portas dos escritórios. As empresas são instituições de cunho militarista em que os oficiais são os burocratas do saber.
O resultado destas limitações é que, neste sistema, o povo escolhe os seus governantes, critica-os e pode até com alguma dificuldade destituí-los, mas não governa, isto é, não tem qualquer tipo de participação activa na vida da sociedade, o contrôle do poder escapa-lhe e este continua na mão de tecnocratas e financeiros.
A este tipo de democracia opõem outros a democracia dita «popular», que se traduz no centralismo burocrático. Também aqui se afirma como realizado o princípio de que os homens nascem livres e iguais em direitos, dando-se como justificação o facto de já se ter consumado a estatização dos meios de produção.
Neste caso, substitui-se a classe burguesa, classe dominante da sociedade burocrato-capitalista, pela classe dos burocratas políticos. Aquela tinha o poder da propriedade, esta tem a propriedade do Poder. Decreta-se que o Estado agora é controlado pelos trabalhadores, mas estes continuam alienados do Poder, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... também os burocratas não abrem os portões das fábricas e as portas dos escritórios à democracia.
Em 1920, afirmava Lenine: «Por causa das deformações burocráticas do novo regime, em que não são as massas populares que reinam, mas sim uma élite que pretende falar em seu nome, nós não construímos o socialismo pelo povo, mas sim, na melhor das hipóteses, para o povo.»
A relação do Poder num caso e noutro mantém-se; na sociedade burguesa os cidadãos escolhem para governantes os proprietários do saber; na sociedade burocrática escolhem aqueles que são da confiança do partido. Pessoalmente, apetece-me usar uma expressão popular e dizer: «Entre uma e outra, venha o Diabo e escolha.» É que, se a democracia burguesa é uma forma incompleta da democracia sem adjectivos, a democracia popular é uma mistificação da mesma. Sociedades do Poder controlado por uma oligarquia são sociedades de homens divididos. Nas duas o Poder não é um instrumento na mão dos trabalhadores, antes os instrumentaliza.
De facto, a manipulação da opinião pública através da publicidade e as desigualdades no domínio económico são, entre outros, factores limitativos da prática da democracia.
Mas, por outro lado, como pode um cidadão escolher se lhe limitam e controlam a informação de que necessita? Como se faz uma escolha perante uma lista única?
Como pode um cidadão confrontar livremente a sua opinião com a de um amigo se desconfia que, usando o telefone, poderão existir «parasitas» devassando uma conversa privada?
Antes do 25 de Abril dizia-se que isto era antidemocrático e estávamos todos de acordo. Porque não o estamos agora?
Perante estas duas correntes, outra se foi criando mais radicada no sector militar.
Nesta linha, podemos ainda definir duas variantes: uma primária e grosseira concretizada no documento guia da aliança povo-MFA e que já fez gastar mais tinta, papel e tempo do que o que merecia.
A outra linha mais elaborada e partindo da analise das realidades de outros Estados pretende manter as organizações políticas mais subalternizadas, substituir o povo na condução da sua história por um catalisador permanente, o MFA.
O que este esquema denuncia é um certo receio, uma certa desconfiança do povo e não é só a limitação da democracia é também a limitação da revolução.
Limita-se a revolução porque esta deve ser fundamentalmente acto criador de todo o povo. É o povo transcendendo-se a si próprio em cada instante; ora se lhe impusermos um condutor a ele estranho, o povo não será mais do que massa executante, limitar-se-á a seguir o caminho que lhe foi desbravado, logo não há criação, logo não há transcendência de si mesmo, logo não há resolução.
Limita-se a democracia porque embora o povo possa escolher livremente os seus representantes para a Assembleia Legislativa, é-lhe vedado escolher aquele que o representará, não só nacional mas também internacionalmente, e, o que é mais grave, na escolha do Presidente da República participa, além dos re-

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presentantes populares e quase que em igualdade de circunstâncias, um outro órgão que escapa ao seu contrôle democrático.
Limita-se a democracia porque é atribuída capacidade legislativa, isto é, admite-se como autoridade governante um órgão, o Conselho da Revolução, que não presta contas ao povo, nem directamente nem indirectamente, através da Assembleia Legislativa, nem foi por ele escolhido.
Mas o que, para qualquer espírito democrata, é mais chocante é a denúncia do receio e da desconfiança feita sobre o povo.
Depois de ter demonstrado repudiar golpismos reaccionários de direita ou de pseudo-esquerda, não merece o povo português tal afronta.
Ser democrata implica que se seja corajoso, e coragem é uma qualidade que tem que estar presente em qualquer militar, muito mais nos militares revolucionários e consequentes, como os das forças armadas portuguesas, que, aliás, têm dado provas bastantes.
Aquando da assinatura do pacto, por um lado, muitos temores podiam existir e, por outro, tinham peso no Conselho da Revolução elementos militares afectos a uma linha antidemocrática para a via socialista portuguesa; ora, quanto aos temores, não têm razão, hoje de existir, não porque os inimigos da democracia e da liberdade tivessem sido eliminados, mas porque, quer as forças armadas, quer o povo, já demonstraram terem capacidade para as neutralizar; quanto à composição do Conselho da Revolução, pode-se hoje verificar que os militares afectos à linha antidemocrática são totalmente repudiados pela maioria do povo português.
Assim, dos oficiais que em todos os momentos em que a democracia esteve em perigo lutaram para a salvar e que integram o Conselho da Revolução, é-me lícito esperar que desejem mais do que aceitem a revisão do pacto, não para que o MFA seja eliminado da vida portuguesa, mas sim para que seja aquilo que o povo espera dele: o garante da liberdade, da democracia e do socialismo.
Da liberdade que fará respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores para que possam livremente informar-se não só sobre as correntes que lhes são afectas, mas também sobre aquedas que são suas adversárias, para que bem conhecendo bem as possa combater, e também manterem-se informados sobre a totalidade das acções dos órgãos de Governo para os poderem controlar.
Para que possam livremente reunir-se e associar-se segundo os seus interesses culturais ou de classe e em conjunto com os outros trabalhadores cultivarem o espírito de comunidade e juntarem forças para lutar por uma sociedade mais justa e pela sua total emancipação.
Para que possam livremente fazer ouvir a sua voz.
Da democracia, não só formal mas também de base e representativa que permita finalmente o começar a abrir-lhes as portas das fábricas e as portas dos escritórios, bem como permitida intervenção actuante de cada cidadão na sua autarquia local.
Finalmente do socialismo, sociedade do homem indiviso, membro plenamente responsável numa comunidade autogovernada em todas as zonas de actividade social - que não será para hoje ou para amanhã mas que constitui o projecto da sociedade autogovernada que recusará a pulverização de cada cidadão e a negação totalitária da sua autonomia, projecto esse que permitirá direccionar a luta de classes numa proposta revolucionária de resolução das contradições das sociedades do poder, sejam burocrato-capitalistas, sejam as burocrato-socialistas.

(A oradora não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deve ser preocupação primeira dos representantes eleitos do povo a defesa intransigente dos princípios que defendem a soberania desse mesmo povo, soberania que lhes foi negada ao longo das últimas décadas. O poder político terá, portanto, de pertencer ao cidadão anónimo deste país e não mais a qualquer casta ou classe neoprivilegiada.
Se ao definir, na organização económica, já aprovada nesta Constituição, a possibilidade de os trabalhadores intervirem no contrôle de gestão e produção das empresas, como poderemos agora optar por tipos de organização política onde esses mesmos trabalhadores, grande parte integrante do povo, ficam afastados de poder exercer a total soberania?
Realmente, constitucionalizando o facto da eleição indirecta, por colégio eleitoral, do Presidente da República, estamos a afastar o povo do processo político que por direito lhe pertence. Não esqueçamos que se grande parte da população portuguesa ainda se não deu conta da importância que cabe à Assembleia Constituinte, não será aprovando normas deste tipo, de cariz antidemocrático, que essa consciencialização se verificará.
Aqui, permito-me lembrar aos mais diversos órgãos de comunicação social, muitos deles hoje já libertos das garras que os asfixiavam, da grande responsabilidade que lhes cabe em explicarem ao povo português aquilo que representa, em termos de libertação, a Assembleia Constituinte, fazendo, inclusive, a história do que foram as anteriores Assembleias Constituintes Portuguesas, quer pelas normas então aprovadas, quer pelos vultos que, nessas épocas, foram arautos e defensores dos interesses populares.
Estou convicto de que, após uma perfeita definição de. poder militar, numa altura em que este já pertence a homens efectivamente identificados com a democracia, não será difícil remover obstáculos que, nas circunstâncias actuais, tiram poder ao povo português, negando-lhe a soberania que o artigo 1.º da parte III da Constituição diz pertencer-lhe.
Não se trata evidentemente de afastar os militares. Eles merecem-nos a admiração pelo levantamento do 25 de Abril e pela acção corajosa e pronta no 25 de Novembro, defendendo o povo português de uma nova ditadura. Trata-se, isso sim, da escolha entre a função política ou a função militar, e àqueles que optarem por esta caber-lhes-á a defesa dos princípios que a Constituição definir, e desta maneira estão ao

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lado do povo, porque defendem os princípios que os legítimos representantes desse mesmo povo acabarem por aprovar.
E quem defende a legalidade constitucional defende a ordem democrática normal que a Constituição aprovou e que, portanto, é vontade do autêntico povo deste país. Estarão as forças armadas realmente integradas nas funções que exclusivamente lhes competem: a defesa da independência nacional e a defesa dos princípios democráticos que a Constituição integrar, garantia insofismável do avanço democrático das conquistas do povo português.
Tenho dito.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Interromperemos a sessão por trinta minutos, depois do que prosseguirá esta discussão na generalidade.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Peço atenção. Declaro a sessão reaberta.

Eram 18 horas e 5 minutos.

(O Sr. Secretário António Arnaut foi substituído pelo Sr. Secretário Alfredo de Carvalho.)

O Sr. Presidente: - Vamos prosseguir a discussão na generalidade do parecer da 5.ª Comissão.
O orador inscrito nesta altura é o Sr. Deputado Marcelo Rebelo de Sousa, a quem dou a palavra.

O Sr. Marcelo Rebelo de Sousa (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha primeira intervenção, de ontem, tinha dito que deixava para segunda intervenção a abordagem da matéria do pacto MFA-partidos. É, pois, apenas sobre este tema, bastante circunscrito, que vou, desta feita, usar da palavra.
No debate feito ontem e hoje, nesta Sala, sobre 'a matéria da plataforma MFA-partidos, duas posições essenciais e óbvias têm sido tomadas pelos diversos oradores. Houve oradores que, com algumas tonalidades de diversidade na sua posição, mas com um denominador comum bastante claro, defenderam a revisão imediata da plataforma assinada pelo MFA e pelos partidos políticos. Houve, pelo contrário, quem defendesse o pacto celebrado em Abril deste ano, entendendo-o como perfeitamente adequado às circunstâncias político-militares deste momento. Vale a pena ver cada uma destas duas posições, embora de relance. E começo pela última. Pensando naqueles, neste caso naquele, o único Sr. Deputado que aqui defendeu a manutenção do pacto celebrado pelo MFA e pelos partidos políticos, não se encontra ineditismo nesta posição. Já foi a mesma posição defendida pelo mesmo sector político da Assembleia Constituinte, nos trabalhos da 5.ª Comissão. Uma defesa permanente, uma defesa constante, uma defesa quase cepticista, embora devamos dizê-lo, em homenagem à verdade, uma defesa que por parte de
um dos elementos deste sector foi uma defesa inteligente. E aqui faria um parêntesis para dizer aquilo que a 5.ª Comissão, na elaboração do texto que estamos a apreciar, deve particularmente a dois juristas que pessoalmente considero de há muito antes do 25 de Abril, os Srs. Deputados Vital Moreira e Jorge Miranda.
É facilmente explicável a posição dos sectores que defendem a manutenção do pacto MFA-partidos. Era já facilmente explicável antes do 25 de Novembro; continua a ser facilmente explicável no momento presente. Era facilmente explicável antes do 25 de Novembro, já que a celebração do pacto entre o MFA e alguns partidos políticos corresponde a um determinado contexto favorável aos sectores que tão clara e frontalmente defendiam o pacto. Efectivamente, trata-se do período áureo do desvio gonçalvista dentro do Movimento das Forças Armadas. O pacto permitiu a manutenção de posições particularmente favoráveis a um determinado sector dentro desse Movimento e, por outro lado, e digamos que mediatamente, àqueles partidos políticos que tinham directa ou indirectamente manifestado e continuavam a manifestar o seu apoio a esse sector gonçalvista.
Na dúvida, e isso foi muito claro nos debates da 5.ª Comissão, quando pouco a pouco se processava uma alteração na composição, por exemplo, do Conselho da Revolução, na dúvida, o mesmo sector considerava que era de continuar a defender de forma encarniçada o pacto, na esperança de que o equilíbrio de forças político-militares voltasse a ser completamente favorável. Tratava-se de manter uma conquista importante, uma conquista politicamente significativa, mesmo quando os ventos pareciam soprar no sentido da alteração d.e forças no seio do próprio MFA.
Agora, depois dos acontecimentos do 25 de Novembro, e neste momento de espera que se sente claramente que é a situação política actual, é compreensível , continua a ser compreensível, que os mesmos sectores políticos se atenham ao pacto, e se atenham de uma forma muito clara, muito violenta por vezes. Em primeiro lugar, porque se trata agora de se colarem a uma das duas linhas que surgem ou que despontam dentro do Movimento das Forças Armadas, aquela linha que, não correspondendo claramente à orientação preconizada .em momento anterior, é, dentro da lógica do mal o menos, claro, é aquela que lhes parece preferível defender. Por outro lado, porque entendem que há na posição de vanguarda que continuaria a assumir o Movimento das Forças Armadas, com a manutenção do esquema do pacto, determinadas possibilidades ou determinadas vias de actuação política que lhes parecem particularmente favoráveis, e porque esta colagem à linha de tipo terceiro-mundista do MFA, e, por outro lado, a possibilidade de utilização de determinadas aberturas presentes na estrutura consagrada no pacto não são despiciendas, os mesmos sectores políticos permanecem, senão mesmo multiplicam os seus esforços na defesa do pacto. Devo lembrar contudo a experiência dos «nasserismos» que se caracterizou por, curiosamente, nem sempre se revelar extremamente favo-

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rável às vanguardas políticas que disputam o lugar às vanguardas militares.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de um ponto sobre o qual, certamente, os sectores políticos, na defesa do pacto, terão ponderado os seus prós e os seus contras, mas que permanece como lição em vários países do Terceiro Mundo, lição da contradição que pode surgir entre dois tipos de estruturas: as estruturas propostas por sectores militares defendendo vanguardas militares no poder e as estruturas propostas por partidos políticos que pretendem defender ou impor vanguardas políticas no mesmo poder.
Se passarmos para a posição daqueles que aqui defenderam a revisão do pacto MFA-partidos, houve quem falasse com maior ou menor veemência na coacção política que teria forçado vários partidos políticos a assinar aquela plataforma. Devo dizer que, na minha óptica, o Partido Popular Democrático, tendo presentes, e tendo declarado isso .mesmo em nota publicada no mesmo dia, as reservas que condicionavam e que condicionavam poderosamente o ambiente ou o clima político em que o pacto foi celebrado, devo dizer que o PPD assinou assim um compromisso e costuma respeitar escrupulosamente os compromissos previamente assinados.

Uma voz:- Muito bem!

O Orador:- Prefiro por isso dizer, apesar de naquela altura ter levantado dúvidas no seio do meu partido quanto à celebração do pacto, prefira dizer que é muito fácil fazer história rectroactivamente.

Uma voz:- Muito bem!

O Orador: - E que a história compreenderá sem grande esforço que a política é sempre a arte do possível, e não é a persistência obstinada de um perfeccionismo dogmático.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Um possível que não convide ao pragmatismo oportunista, mas que tome em linha de conta a correlação de forças do momento, que atenda à realidade palpável do País e do Poder no momento em que se tomem as decisões. E se me repugnam os tecnocratas de todos os sistemas e de todos os regimes, sempre prontos à cedência que compensem em ambição e em vanglória pessoal e de grupo, também me não entusiasma o quixotismo de uma utopia mais ou menos abstracta. Não pretendo com isso dizer que não se tenha desde logo tido a convicção da existência no pacto de cláusulas que constituíam claro desvio à principiologia dos mecanismos democráticos pluralistas. Simplesmente, conforme disse, o Partido Popular Democrático, quando celebra compromissos e mesmo quando outras partes os violam, não costuma por esse motivo ou sem motivo viola-los unilateralmente.
Simplesmente, é clara, e é clara para qualquer analista político, a alteração superveniente de circunstâncias, muito definida, depois do golpe contra-revolucionário de 25 de Novembro, alteração superveniente que conduz, no entender do Partido Popular Democrático, à revisão lógica e imediata do pacto MFA-partidos. Ao contrário do que, em processos de intenção, feitos aqui e lá fora por vezes se diz que não se trata de uma denúncia unilateral, não se trata de ignorar o peso e a relevância da legitimidade revolucionária inicial do Movimento das Forças Armadas, mas sim de dizer que, numa democracia institucionalizada, essa legitimidade revolucionária deve dar lugar, clara e insofismavelmente, a uma legitimidade democrática representativa da vontade do Povo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se pretende com isto impor o regresso imediato do MFA aos quartéis, pelo menos na minha óptica, mas definir o MFA como entidade cuja única orientação política pode ser a de defender a implantação, consolidação e funcionamento de mecanismos democráticos pluralistas no nosso país.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata, ao contrário de processos de intenção aqui feitos, de subscrever retrocessos, e seja-me aqui permitido um breve parêntesis para referir quanto o Partido Popular Democrático cem, de forma genérica, condenado as milícias armadas, venham elas do lado dos ELPs, venham elas de grupúsculos auto-iluminados, pseudo-radicais de ,esquerda, que se arvoraram, sem mandato nenhum do povo português, em vanguardas desse mesmo povo. O que se pretende é uma revisão do pacto mediante negociação dos seus vários subscritores, os partidos com as forças armadas, pretende-se que o MFA assuma predominantemente a função de garante da legalidade e dias estruturas democráticas com órgão ou órgãos próprios em missões de vigilância e de garantia, reponderando pontos que de forma clara constituíam, e constituem, desvios aos mecanismos da democracia pluralista, como a eleição do Presidente da República, como a existência, sabe-se lá com que critério de legitimidade, em termos de uma democracia institucionalizada, e com que metologia de funcionamento, de uma assembleia do MFA, a revisão das funções dos órgãos que claramente intervêm em matérias de poder civil, estou a pensar em matérias designadamente de poder legislativo.
Quereria terminar esta minha segunda intervenção com duas considerações: a primeira, dirigida ao Movimento das Forças Armadas.
Tenho a convicção pessoal, e creio que corresponde à convicção do Partido Popular Democrático, de que a melhor forma de dar um corolário lógico, um corolário sequente, à legitimidade revolucionária de que foi portador o Movimento das Forças Armadas no 25 de Abril e ao princípio de defesa da ordem democrática de que foi exemplo a parte sã das forças armadas no dia 25 de Novembro, é pre-

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cisamente pedir a esse Movimento que, mesmo que a pretexto de um suprapartidarismo, se não envolva em quesílias partidárias; ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... mesmo que a pretexto de pretender governar de acordo com um projecto nacional este país, reduza a sua missão política, que a tem, apenas à implantação, à garantia do funcionamento de um sistema democrático no nosso país.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O segundo é dirigido aos partidos políticos.
Eu sei que estamos, e tínhamos de estar, num momento de apuramento de culpas pela actuação de grupos civis que, conjuntamente com grupos militares, tiveram, sem dúvida, grave responsabilidade no golpe de 25 de Novembro.
Eu sei que é inevitável um choque de prismas políticos num momento de clivagem como é este, em que temos de escolher, e de forma insofismável, entre um processo democrático de construir o socialismo ou um processo autocrático.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Eu sei que é difícil rever estruturas, mudar mentalidades, substituir chefias. Mas também sei que é profundo o apelo democrático no povo português. Também sei que o povo português não é reaccionário. Também sei da admiração e do civismo com que em Portugal se acompanham as experiências políticas de vários outros países e de vários outros partidos. Não é por acaso que políticos, como um italiano Berlinguer ou um Santiago Carrillo, merecem a consideração, mau grado divergências ideológicas, de todos os democratas portugueses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E porque sei tudo isto, e porque sei que há transformações que têm de ser feitas, porque estão na linha da história, e não faze-las é praticar, ao contrário, a política de avestruz que o salazarismo e que o caetanismo também praticaram, ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... porque sei tudo isso, penso que possível, nem que seja por estratégia, nem que seja por táctica, pedir aos partidos políticos, para além daqueles que já o disseram por principiologia e pelos actos, sei ser possível pedir, neste momento, uma cooperação no que deve constituir o denominador comum fundamental: a construção de uma democracia pluralista que impeça no futuro, e de uma vez para sempre, tal como se verificou no passado, a ultrapassagem das ditaduras de direita, impeça ditaduras de esquerda e possibilite uma evolução para o socialismo, sem violentações da maioria do povo português, que quer dizer como quer construir o socialismo, quando quer construir o socialismo e as formas que esse processo há-de seguir no futuro.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o início da apreciação na generalidade das propostas referentes à organização do poder político, esta Assembleia é forçada a debruçar-se sobre a Plataforma de Acordo Constitucional entre o MFA e os partidos políticos. Trata-se, sem dúvida, de matéria da maior importância na vida política do País e sobre ela se pode dizer que os Portugueses aguardam com expectativa a palavra final, não só dos militares mas, sobretudo, dos Deputados que elegeram e os representam.
O texto constitucional praticamente devia ter começado aqui. Outro foi, porém, o entendimento e a vocação dos Srs. Deputados, a quem a nossa história parlamentar ficará a dever notáveis debates ideológicos sobre doutrina política. Mas é da maneira como esta Constituinte souber transitar da dissertação abstracta em torno de princípios gerais para a reflexão concreta sobre as futuras instituições políticas que dependerá a solidez e a estabilidade do regime que, em nome do povo, estamos a construir.
O debate que aqui se abre é, portanto, um debate institucional. Trata-se, em suma, de dar configuração a novas instituições. Instituições adequadas ao povo a que se destinam e ao tempo em que se inserem. Instituições capazes de garantir a estabilidade de um regime que, no quadro da democracia e das liberdades, torne viável o respeito e o cumprimento das leis, o bom funcionamento da administração, pública, a unidade do Governo, a actividade racional do legislativo, a força e a autoridade do Estado.
É por não consentirmos numa ditadura que sentimos a necessidade de termos instituições. É por repudiarmos o totalitarismo que desejamos instituições sólidas. Não podemos ignorar que em larga medida o advento do 28 de Maio foi permitido, pela incipiente organização dos poderes públicos durante a I República. É um erro que a nossa propensão para o liberalismo excessivo nos não pode obrigar a cometer.
O nosso país precisa de instituições democráticas. A liquidação do regime fascista não é uma tarefa administrativa, é a construção de um novo sistema político fundado na democracia representativa.
O 25 de Abril, gerado nas contradições de um exército vencido pelas guerras coloniais, conquistou a aceitação popular ao definir um projecto democrático. Mas perdeu-a logo em seguida, quando enveredou pela imposição de um colectivismo minoritário, de partido e de facção armada.

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Á Assembleia Constituinte cabe, pois, readquirir plenamente a soberania, sem nenhuma espécie de veto final, para elaborar uma autêntica Constituição e para que não fique na história como a pena colectiva a quem incumbiu a função mecânica de verter ao papel uma carta constitucional outorgada por outros. Perante o texto elaborado pela Comissão, dentro do enquadramento que o pacto consente, pergunto se estaremos a projectar um regime democrático ou, pelo contrário, uma semiditadura militar. O País nos julgará um dia. Pela minha parte, não tenha dúvidas.
O pacto constitucional foi firmado por alguns partidos, não porque. concordassem com as suas disposições, mas por ser, na altura, a única via para assegurar a realização de eleições livres e a existência desta Assembleia. Da parte de quem o desejou e concebeu, o pacto assume um propósito antidemocrático, contrário ao Programa do, Movimento das Forças Armadas. Da parte de quem o aceitou, o pacto insere-se numa estratégia que visa, sobretudo, a realização de eleições democráticas.
Um dos principais ideólogos do pacto foi o almirante Rosa Coutinho. A sua concepção sobre o «verdadeiro socialismo» foi, porém, derrotada por aquilo a que também ele gostava de chamar a «dinâmica do processo revolucionário». Quem, em nome do MFA, concebeu o pacto, hoje não existe.
O actual Conselho. da Revolução, expressão da maioria democrática dos militares portugueses, tem que ajustar o pacto ao espírito do 25 de Novembro, para que o novo regime possa ser a expressão da maioria democrática do povo português. Da nossa parte, entendemos que essa revisão se deve fazer quanto antes, para que esta Assembleia possa prosseguir os seus trabalhos. As palavras do capitão Vasco Lourenço, ao admitir a possibilidade de alterações ao texto acordado, são um bom indício de que a parte militar estaria disposta a voltar a sentar-se à mesa. Ao Conselho da Revolução só resta declara-lo publicamente. Isso representaria a consagração política definitiva da vitória militar e popular sobre as forças antidemocráticas no 25 de Novembro.
O que poderá ser então posto em causa no pacto?
Para além de ele constituir uma limitação inadmissível da soberania popular e uma violação frontal ao Programa do MFA, a que o povo aderiu em 25 de Abril, o pacto insere-se na linha do autoritarismo militar de fachada socialista e tanto serve aqueles para quem o Exército é instrumento da ditadura de um partido como aqueles para quem as forças armadas são forma de ascensão política pessoal. O problema. deste momento é o de que a possibilidade de utilizar o pacto foi perdida pelos primeiros, mas continua a ser acalentada pelos segundos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Para quem defende o socialismo como resultante da escolha livre do povo e implicitamente aceita que o povo o não escolha, o pacto reveste características injustificáveis. Com efeito, o que ali se consagra é a tutela militar de toda a nossa vida política, como se fosse a Nação a fazer parte , integ1rante das forças armadas, e não o contrário.
Uma das facetas mais odiosas do fascismo, que urge de vez abolir da sociedade portuguesa, é a da preponderância militar. Aliás, a preponderância política dos militares é sempre o instrumento da ditadura política de alguém que se serve dos militares em proveito próprio e desvirtua, assim, a sua patriótica missão. Um exército não é uma guarda pretoriana. O exército partidário é sempre uma guarda Pretoriana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - As forças armadas portuguesas envolveram-se nas guerras coloniais por se terem deixado transformar em guarda pretoriana do regime deposto.

Uma voz:- Muito bem!

O Orador: - O 25 de Abril representa não só a emancipação política dos militares, mas, sobretudo, sua própria emancipação militar enquanto membros de uma instituição que se havia degradado. A partidarização das forças armadas, posterior a 25 ide Abril, é a tentativa da constituição de uma nova guarda pretoriana ao serviço de uma força política, é a continuação da degradação do Exército por outros meios. Querer envolver os militares nas opções políticas permanentes é destruir as forças armadas, prolongar a guerra civil e impedir a democracia. Não creio que os militares que fizeram o 25 de Abril para cessarem a guerra colonial estejam agora dispostos a prosseguir indefinidamente a guerra civil em que os querem envolver. Que o 25 de Novembro, ao derrubar os conspiradores, tenha contribuído para devolver os militares à sua vocação e a instituição armada ao lugar que lhe compete numa democracia, são os meus votos.
Foi através do pacto, do que ele exprimia e do que ele permitia, que se instalou uma visão completamente errada ela Revolução portuguesa. Ele :deu lugar à confusão permanente entre actividade partidária - e acção militar, pois apelou irremediavelmente para que os militares se socorressem dos partidos e os partidos dos militares, a fim de fazerem, uns e outros, triunfar os seus pontos de vista nas instâncias mais adequadas e na altura conveniente.
O problema político principal com que se debatem neste momento os militares democratas e os partidos democráticos é o de encontrarem o lugar exacto para as forças armadas e para as forças políticas no futuro quadro institucional, que, uma vez alterado o pacto, cabe a esta Assembleia livremente definir.
As forças armadas atravessam uma crise profunda de identidade. Desgastadas nas guerras coloniais, divididas pela subversão a que foram sujeitas pelas minorias activistas, confrontado o seu prestígio momentâneo em 25 de Abril com a frieza da realidade actual, as forças militares, tal como o País, sentem a necessidade de se fundarem num alicerce sólido. Os militares não poderão continuar por muito tempo

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mais sem que seja definida uma política nacional de defesa, pois, sem essa definição, que sentido faz um exército? Toda a nossa estrutura militar é ainda a da guerra colonial. Precisará o País de tantos quartéis e de tão grande efectivo? A reestruturação anunciada, mas em boa parte adiada, das forças armadas é hoje sentida não só pelos militares, mas pela Nação inteira. Em suma, trata-se de responder a duais perguntas: que Exército? E para quê?
Em nossa opinião, não é deixando-se corroer pela intriga partidária, permitindo no seu seio discussão doutrinária e contestação hierárquica, que as forças armadas se dignificam e cumprem o seu dever perante o povo. Não haverá tranquilidade para os Portugueses, nem, sobretudo, para os militares, enquanto as forças armadas se não reconhecerem como instituição no quadro constitucional de um Estado democrático. As forças armadas cabe a defesa do território e, em última instância, a manutenção da ordem interna quando a legalidade constitucional democrática for ameaçada. Aos militares não compete ser a vanguarda de nenhuma orientação partidária, mas o grande garante armado de que as escolhas livres do povo serão respeitadas.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - É o povo que define o seu exército, não é o exército que determina o povo, de que é parte. Em circunstância alguma as forças armadas, enquanto tal, poderão ser órgãos de Soberania. Elas devem depender, sim, dos órgãos de Soberania.
A apologia das castas, incluindo as militares, e dos seus privilégios políticos é um princípio corporativo, não é um ponto de vista democrático. A instituição militar não é um poder, é um serviço público como outro qualquer.
O pacto constitucional tem que ser ajustado aos valores da democracia. Se não puder ser feita a sua suspensão, que ao menos se proceda à sua profunda revisão.
Pessoalmente, julgo que a situação do País, a necessidade de reconciliar os Portugueses de todas as regiões, reunir os civis e os militares, obriga a que o Presidente da República tenha directamente um mandato nacional. O Chefe do Estado deve ser eleito por sufrágio universal e nunca por um colégio eleitoral, em cerca de metade constituído por uma Assembleia do MFA, cuja razão de ser e sobrevivência não são pacíficas no próprio meio militar. A democracia estável a que aspiramos, capaz de empreender a reconstrução do Estado, no plano político, e de reanimar a produção, no plano económico, exige a arbitragem nacional de um Presidente da República eleito directamente pelo povo. Um Presidente de todos os Portugueses, não o Presidente do partido em que votarem as forças armadas portuguesas.
Ora no pacto constitucional, o Presidente da República é, sobretudo, o presidente do Conselho da Revolução, pois é este órgão que detém praticamente os poderes mais significativos. O Presidente da República não é Chefe do Estado. A chefia do Estado é colectiva e compete ao Conselho da Revolução. Em meu entender urge, portanto, rever esta disposição, de modo a fazer do Presidente da República o Chefe do Estado eleito directamente pela Nação.
O Conselho da Revolução acumula funções excessivas, dadas as características sectorias da sua origem sócio-profissional. É um corpo militar com amplos poderes, que vão desde a chefia colectiva do Estado até ao desempenho de funções senatoriais propriamente ditas. O Conselho da Revolução pode, segundo o pacto, definir mesmo orientações programáticas de política interna e externa e velar pelo seu cumprimento, o que significa que o seu poder envolve não apenas o Governo, mas a própria actividade legislativa. De resto, o Conselho, ao fiscalizar a constitucionalidade das leis, incluindo a das que ele próprio elabora, concentra dois poderes de forma nitidamente ditatorial. O esvaziamento das funções do Presidente da República, da Assembleia Legislativa, do Governo e dos tribunais, em benefício do Conselho da Revolução, de proveniência castrense, leva-nos a reconhecer que o regime «original» consignado nas disposições do pacto é uma ditadura militar limitada. Um «conselheiro da Revolução» poderia ser, simultaneamente, Chefe do Estado, chefe militar, senador, Deputado, governante e juiz. Que melhor aspiração para qualquer candidato a ditador?
As funções do Conselho da Revolução descritas pelo pacto constituem uma hipertrofia da alçada dos militares sobre o País e sobre o povo e levá-los-iam a querelas partidárias inúteis dentro das forças armadas a que urge finalmente pôr cobro após o 25 de Novembro. Como garantes da vontade popular, que melhor forma de associação institucional e pacífica das forças armadas aos órgãos de soberania que a sua presença num conselho de defesa das liberdades públicas?
Refere igualmente o pacto que o poder militar se deve manter independente do poder civil. Em termos de constitucionalismo democrático, os poderes não se dividem em militares e civis. A soberania é una e reside no povo, os poderes são três e convém que estejam nitidamente separados e harmoniosamente equilibrados.
As forças armadas, enquanto instituição, através dos seus Chefes de Estado-Maior, participam na definição e execução da política nacional de defesa. Mas não é a elas que cabe o privilégio da sua definição exclusiva. Se assim acontecesse, o Ministro da Defesa seria apenas um adido militar no Governo ou um embaixador permanente do Governo junto das forças armadas.
Não haveria inconveniente maior para os militares democratas nem para a democracia que fosse aperfeiçoado o mecanismo constitucional, de modo a permitir a plena integração das forças armadas no Estado e a sua articulação com a acção governativa resultante da escolha popular. A hipótese de um Conselho de Ministros restrito, presidido obrigatoriamente pelo Presidente da República e a que assistissem os Chefes dos Estados-Maiores, não seria de excluir com o objectivo de se evitarem descoordenações desaconselháveis no sector da Defesa Nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou pessoalmente convencido de que a nossa história política, os acontecimentos recentes e a experiência alheia nos aconselham um regime democrático semipresidencialista, com um Presidente da República eleito por sufrágio directo e universal, um legislativo reforçado, nacionalizado e livre dos vícios do parlamentarismo e um

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Governo estável duplamente responsável perante o Chefe de Estado e a instância parlamentar. Creio que o Estado democrático deverá atribuir à instituição militar o lugar próprio, em conformidade com a vontade do povo de que fazem parte os seus membros e a que jamais se devem sobrepor invocando a força das armas que a Nação lhes entregou.
Reconhecendo embora os esforços da Comissão para minorar os aspectos negativos de um pacto ultrapassado, não posso em consciência dar a minha aprovação pessoal na generalidade ao texto que nos é proposto: Estou convencido de que assim interpreto a vontade dos democratas portugueses, civis ou militares, que são certamente a grande maioria do povo deste país.

Vozes: - Muito bem!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Olívio França.

O Sr. Olívio França (PPD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem dúvida que o cenário político em que se encontrava o País antes do golpe de certos elementos militares encostados ao PC e outras organizações de esquerda, e contando com este e a possível mobilização das suas massas, mudou bruscamente. E eu quero significar que o factor mais importante, que foi susceptível de trazer toda uma nação às portas do abismo, consistiu na quebra da promessa dada aos Portugueses que iria ser construída uma sociedade democrática pluralista, sobre as ruínas de um Estado totalitário, destruidor da personalidade humana.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Entrevistas das pessoas mais responsáveis das forças armadas falavam claramente e o povo português adquiria a certeza que, depois da travessia longa, áspera de um túnel negro que durou cerca de cinquenta anos, não iria desembocar noutro túnel porventura mais tenebroso.
Um Governo que não podia governar foi entregue possivelmente à pessoa que não era a mais indicada para o fazer, já que vinha marcada por uma apagada vida política, voluntariamente escolhida depois que ascendeu à cátedra, isso foi a fonte, ou melhor, o pretexto que decidiu tudo o mais que veio a acontecer no nosso Portugal.
Na sombra e dentro das forças militares organizadas, elementos de extrema esquerda filiados ou simpatizantes do Partido Comunista, transformaram todas as movimentações políticas, guiando-as para carreiros estreitos de conspiração antidemocrática. E em seguida ao erro histórico da apressada força fascista, saudosa do seu poder perdido, pretendendo recuperar-se numa manifestação de tipo nacional, a qual viria a partir-se nas barricadas justamente armadas pelo povo. Noa minha opinião, foi este o ponto supremo em que a inabilidade política do general Spínola se manifestou. Uma ordem sua teria desmobilizado toda a massa reaccionária que pretendia avançar sobre Lisboa.
Depois veio o 11 de Março. Sobre este caso nem s quer me posso pronunciar. Nunca mais foi publicado o inquérito a que se procedeu e quais os seus responsáveis.
Só sei do enorme espanto do povo português, quando se apercebe que uns tantos pára-quedistas estão de papel na mão, a querer ocupar o RAL 1 - e, tranquilamente, em volta deles alguns populares, poucos, enquanto com a maior pacatez funcionava uma equipa dia RTP focando toda aquela comédia, onde não faltou um membro do Partido Comunista, arengando aos pára-quedistas, e para todo o mundo português que o ouviu espantado.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Em outros tempos a máquina da justiça teria funcionado rigidamente e a política do Governo, afinal triunfante, não descarrilaria das linhas em que se encontrava.
Um pacto que já antes do 11 de Março se negociava acabou por endurecer.
E o pacto nascido do medo acabou por criar em Portugal um fenómeno constitucional originalíssimo.
A sua originalidade consistiu em ter quebrado as promessas de uma organização verdadeiramente democrática em Portugal, e ter permitido um tal estado de confusão nas possibilidades de governar, que ao fim e ao cabo o receio da infantilidade dos partidos foi largamente ultrapassado pelo realismo da candura e infantilidade militar no aspecto da governação pública.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Não digo coisa nova, nem é acto de Oportunismo quando sigo aquilo que é hoje uma opinião geral, ou muito generalizada, de que há que entregar o Poder às forças de opinião representadas os partidos, com as necessárias adaptações impostas elas circunstâncias e pelo factualismo do golpe.
Muito antes do 25 de Abril, no interregno, Vasco Gonçalves, que flutuou entre o pedido de demissão e sua saída definitiva do Governo, aqui neste hemiciclo, advoguei a necessidade de respeitar o Poder que representava a expressão do sufrágio resultante das maravilhosas eleições de 25 de Abril, e criar ao mesmo tempo qualquer outra estrutura, que, não sendo de modo algum o pacto, tivesse a faculdade de tranquilizar as forças armadas, tranquilizando como consequência o País, tão necessitado de paz, de paz verdadeira, bem entendido, não daquela paz que um triste conselho mundial anda falsamente a apregoar e que acabou por parir o prémio mais alto em benefício do Sr. Brejnev - santo amigo da tranquilidade universal.

Uma voz:- Muito bem!

O Orador: - O constitucionalismo português está marcando passo novamente; mas as forças dos partidos verdadeiramente democráticos neste hemiciclo terão de desenvolver toda a sua força criativa para acertarem no desenvolvimento do projecto, e com as experiências colhidas, as verdadeiras linhas de uma

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democracia pluralista, onde um socialismo de rosto humano, como proclama o Partido Socialista, ou um socialismo cujo rosto brilhe ao sol da liberdade, como deseja o PPD, seja definitivamente instaurado em Portugal.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Estão criados os pressupostos que deverão levar o MFA e os partidos à reforma do pacto, mas desta vez a mesma dinâmica revolucionária dirige-se principalmente no sentido de uma geração verdadeiramente democrática e na qual avulte a majestade de uma Constituição que seja espelho da nossa Revolução e da nossa democracia, firmemente virada para um socialismo democrático sem ambiguidades - e onde não mais possam pairar as sombras de uma falsa ditadura do proletariado, que outra coisa não seria se não a ditadura irresponsável de uma vanguarda sem eco nas verdadeiras massas populares, ...

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Muito bem!

O Orador:-... uma ditadura facciosa, antidemocrática e antiliberdades humanas.
Sr. Deputados comunistas: Que pena eu tenho que a dureza da vossa posição dogmática vos não consinta a penetração nos verdadeiros princípios da democracia e como seria maravilhoso que na sequência das novas técnicas sócio-políticas que estão iluminando os partidos comunistas por toda a parte, o vosso partido, em acto de contrição política, mergulasse os vossos ideais numa orgânica democrática despida de toda a violência.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Ámen!

O Orador: - Como é pena acontecer que no meio de vós, pessoas do mais alto relevo intelectual, como é o caso do Dr. Vital Moreira, não possam ter a força, essa sim, força revolucionária, de destruir a velha carcaça ideológica de que está revestido o PCP e iniciar para ele a bela aventura da sua autêntica democratização.

Risos.

Mais nada, meus senhores.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Hilário Teixeira (PCP) (apontando o peito):
É só apontar a pistola e atirar ...

Agitação no hemiciclo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Aquilino Ribeiro.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas que para uma estrutura constitucional coerente resultam das imposições da pacto e as distorções que da sua consignação poderão advir para a vida política do País conduzem a que se procure avaliar com certa frieza se não estaremos perante um mal necessário, se não teremos outra forma de escarmentar os perigos de um retrocesso ao fascismo.
Convém não esquecer que o acordo firmado com os partidos se ficou a dever, em última instância, ao receio que os militares alimentavam de ver comprometida a Revolução pelo resultado das eleições. Na altura, o grau de politização do povo português constituía, para muitos, uma incógnita inquietante. Não seria correr um grande risco hipotecar o futuro ao voto de uma população mal acordada para o exercício da cidadania, submetida à ordem de caciques, em grande parte constituídos por antigos beneficiários do anterior regime?
Se bem que os políticos mais atentos ao fenómeno sociológico português nunca tivessem aceite esta visão catastrofista, não é legítimo dizer que ela estaria longe de ser uma hipótese com um mínimo de viabilidade. E por isso se compreenderam as inquietações implícitas no seio do MFA, quando tomou a resolução de impor aos partidos a assinatura de um compromisso que lhe permitiria, em caso de desvio, repor a Revolução no devido rumo. Tratava-se, sob a capa de um acordo livremente negociado, de um verdadeiro ultimato. Aos partidos era, evidentemente, deixada a liberdade de não assinarem, mas a alternativa que ficava em suspenso, e que eles bem compreenderam, seria a não realização das eleições. Perante isso acederam que outra coisa poderiam fazer?
Efectuadas as eleições ficou provado à saciedade que a razão não estava do lado dos que descriam do bom senso dos Portugueses. Estes afirmaram-se tão unanimemente a favor da democracia e do progresso que não é admissível pensar que no futuro se possa verificar um dramático volte-face capaz de repor à tona a dominação fascista. Não só por essa ser a vontade enraizadamente profunda do nosso povo como também por alterações já verificadas no corpo económico e social do País terem retirado à reacção alguns dos apoios mais perigosos de que tradicionalmente dispunha.
Não é já efectivamente crível que, pelo simples jogo político, através das instituições que venham a criar-se se possa algum dia repor em causa o caminho para o socialismo que estamos a trilhar.
A acrescer a todos os indícios positivos que neste sentido se vão acumulando é justo destacar a extraordinária movimentação de massas que, a chamamento dos partidos democráticos, se têm levantado sempre que a liberdade surge ameaçada.
Por este somatório de razões é legítimo perguntar se os motivos de boa prudência que, entre outros, estiveram por detrás da iniciativa do MFA não perderam a sua justificação face a tudo o que, entretanto, se passou.
De uma coisa estamos certos: o povo português não compreende, em face de tantas provas de equilíbrio e maturidade políticas prestadas e de tão profundas alterações verificadas nos condicionalismos que levaram à assinatura do pacto, que, em nome de um compromisso já inadequado, se persista em passar-lhe um atestado de minoridade e submetê-lo a um regime de tutela.
Compete-nos a nós, Deputados, levantar o problema e procurar despertar o MFA para a responsabilidade

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que assume se mostrar insensível a uma revisão dos acordos. Não nos move qualquer intuito de exercer pressão sobre os responsáveis militares, mas mal ficaríamos com a nossa consciência e mal cumpriríamos as obrigações que assumimos para com o povo se, tendo reconhecido que as circunstâncias se modificaram, não abordássemos aqui esta questão que reputamos de vital importância.
Sabemos perfeitamente que as forças armadas representam, neste momento, um factor determinante na vida política do País. Não ignoramos também quanto delas depende a criação e manutenção das condições para o efectivo exercício das instituições num clima de paz e de liberdade. Necessárias como são à consolidação das novas estruturas, consideraríamos totalmente estulto advogar o seu regresso aos quartéis, puro e simples.
Entendemos que o MFA tem uma palavra importante a dizer e que deverão ser criados os canais adequados para que essa palavra pese e se repercuta nos órgãos de decisão em que venha a espelhar-se a vontade popular.
Encontrar as fórmulas adequadas, conciliando as inquietações ainda subjacentes no espírito de alguns responsáveis militares com a preocupação da maioria dos Deputados desta Assembleia de assegurar o primado da legitimidade eleitoral, pressupõe a revisão do pacto e a sua oportuna renegociação.
Não compete à Constituinte levar a cabo semelhantes diligências, mas apenas exprimir o seu voto quanto à indispensabilidade de que se entabulem conversações entre o MFA e os representantes dos partidos, para o efeito qualificados, no sentido de se explorar e discutir as eventuais perspectivas de uma oportuna revisão.
Não acreditamos que os militares se mostrem reticentes a semelhante eventualidade. O pacto revestiu-se de um carácter leonino que correspondia a um mútuo clima de desconfiança: desconfiança dos militares nos políticos e na capacidade de autogoverno do povo português; desconfiança dos políticos nos militares, receosos de sempre possíveis reacções ou de ditaduras ditas de salvação nacional.
O ambiente está hoje consideravelmente mais clarificado e muitos dos intervenientes não são já, felizmente, os mesmos. Por isso, somos levados a crer que o MFA, já depurado de um certo inebriamento triunfalista, que nos primeiros tempos o acompanhava, tenha agora de si próprio uma imagem mais humanizada e menos messiânica. Que esteja, pois, receptivo a que lhe hão aceitem a infalibilidade das decisões, embora ninguém ponha em causa o patriotismo que as fundamentam.
Assim, não é pensável que o MFA se identifique com o papel de qualquer vanguarda revolucionária e se disponha, através da poderosa utensilagem que as cláusulas do pacto lhe puseram nas mãos, a impor as suas soluções às soluções definidas pela vontade popular. Não parece que seja este o rumo dos que em 25 de Abril de 1974 fizeram uma revolução para restituir Portugal aos Portugueses. O MFA tem oscilado entre a tentação de se transformar numa vanguarda, e daí os que apelam para o seu papel de motor da Revolução, daí o chamado «documento-guia» e o intuito menos aventureiro de se ajustar aos grandes rumos do consenso colectivo, daí o plano de acção política e daí a sua vocação para garante do processo. É como garante do processo que o vemos privilegiadamente.
A legitimidade revolucionária perde em grande parte o sentido quando contraposta à legitimidade emanada de uma consulta popular realizada pela via eleitoral.
A subsistência das duas formas de legitimação como fundamento do direito a intervir na vida do País conduz a largas faixas de indefinição do Poder, a ambiguidades e contradições, quando não mesmo a. antagonismos difíceis de dirimir, com toda a teoria de consequências que daí advêm para o regular funcionamento das instituições.
Este perigo, constantemente emergente durante a vigência dos anteriores governos, num plano analogicamente paralelo, dada a esfera de competência, em muitos sectores sobreponivel, da autoridade militar e do Governo, é fonte permanente de conflitos e estrangulamentos, com os quais a eficiência e operacionalidade da administração dos negócios públicos se não compadece. A clarificação dos circuitos de decisão exige a univocidade dos centros de poder.
Mas esta necessidade de clarificação não se circunscreve apenas ao domínio civil. O alargamento e penetração do sector militar na condução do sector público leva infalivelmente ao seio das forças armadas as querelas e oposições partidárias, desunindo-as e desgastando-as. Assim acontecerá infalivelmente, Como já lucidamente salientou o meu camarada Sottomayor Cardia, com tanto mais risco quanto mais elevada for a potencialidade interventora das forças armadas na política e a tentação correspondente de algumas forças partidárias de as instrumentalizarem para as suas causas.
Já tomámos conhecimento da posição do PC quanto ao problema, agora em discussão, de ser ou não justificável uma revisão da Plataforma de Acordo Constitucional. Não compreendemos muito bem as razões profundas em que se estriba a sua atitude. Os argumentos invocados pelo seu porta-voz não se afiguram convincentes.
Será, porventura, que o seu desamor ao sistema democrático representativo leva o Partido. Comunista a preferenciar um sistema constitucional em que este sai largamente minimizado?
O Partido Socialista entende que as condições para a implantação de um sistema político verdadeiramente democrático são agora mais favoráveis. Essa implantação passa necessariamente pela revisão do pacto. Para bem da liberdade, dos interesses das classes trabalhadoras, da coesão e prestígio das forças armadas, bom seria que todas as partes envolvidas assim o entendessem.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Monteiro.

O Sr. Álvaro Monteiro (PS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
1. Conforme se enuncia no artigo 1.º da parte III do projecto da Constituição que estamos elaborando,

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a «Organização do poder político - Princípios gerais», «o poder político pertence ao povo a é exercido rios termos da Constituição».
Nem seria admissível que em pleno século das luzes e do avanço da humanidade aufira pudesse ser a fonte do poder político, como claramente vem expresso no nossa projecto.
Como órgãos de Soberania, isto é, das entidades de direito público a quem compete a representação do povo soberano, incluíram-se, no n.º 2.º do artigo 2.º do título I (Princípios gerais), além da Presidente da República, da Assembleia dos Deputados, do Governo e dos tribunais, o Conselho da Revolução e a Assembleia do Movimento das Forças Armadas.
Em constituição política alguma do mundo moderno, inclusive dos países de expressão socialista de recente ou remota implantação, se inscreveram estes dois últimos órgãos carro detendo parte ou toda a soberania nacional.
E isso, naturalmente, porque a soberania nacional tem como origem, carro já se disse, a vontade do povo, e não a vontade de um clã, de uma classe profissional, de uma seita ou de qualquer estrato social; e normalmente só tem uma forma de se manifestar verdadeiramente democrática: o sufrágio universal, directo e secreto!
Nesse sentido podemos desde já adiantar que a Assembleia de Deputados será, segunda o esquema proposto no projecto, o órgão por excelência de soberania da povo português!
É dele que irão emergir, se aprovado, o projecto constitucional, a legitimidade do Presidente da República (ainda que com o senão de uma participação espúria), o Governo e os tribunais!
A Revolução de 25 de Abril, segundo o esquema do Programa do MFA, longe de apontar outra fonte de soberania, claramente indicou o sufrágio universal como o meia correcto de auscultar a vontade popular com vista à instauração da democracia neste país.
Não colocou a questão da existência de outros órgãos de Soberania, pela menos a médio e largo prazos, que tivesse por missão, legal ou revolucionária, a representação do povo português, o que significa que não antevia, então (a MFA), nem o Conselho da Revolução nem a Assembleia das Forças Armadas como órgãos dela.
Neste contexto o projecto constitucional apresentado aparece com dois enxertos anómalos, a respeito das quais é chegada a altura de dizer se o povo português os aceita ou rejeita.
Fora já o PS não poderá, sob pena de negar a palavra dada na contrato (que é conhecido por Plataforma de Acorda Constitucional de Abril de 1975, ou, mais simplesmente, por pacto constitucional, impugnara inclusão das estruturas nele consignadas.
Em verdade se deve dizer que boa parte do pano português apresentou determinadas e muito concisas objecções ou reparos quanto ao fundo e forma dessa convenção, e obviamente, que não esteve nunca no esquema constitucional pela qual vinha lutando denodadamente, inserido ma organização do poder político que se dispunha propor ao País órgãos como o Conselho da Revolução e Assembleia do MFA.
A veemência com que o povo português desejava a eleição dos seus representantes, em sufrágio autêntico, genuíno, que o fascismo lhe recusaria durante a longa noite de obscurantismo, mantida sob os mais ignominiosos pretextos, como, por exemplo, que «o povo não desejava falar em política» e o que importava, sim, para a sua satisfação e alegria, era a recordação dos grandes feitos de outrora, revividos num fado gemido algures, ou num pleito apaixonante de um jogo de futebol - aconselhava quem da política fizesse o alvo das sovas altas aspirações mais queridas, pelas quais sofrera e estava disposto a morrer, que haveria que suportar estoicamente essa nova provação, banto mais - imperioso é recordá-lo - a correlação das forças político-militares não se revelava promissora para, de imediato, se reivindicar o uso pleno da igualdade de direitos, que conduz à igualdade de poderes, isto é, tornava arriscado contrapor à legitimidade revolucionária a legitimidade do sufrágio universal; e, consequentemente, seria perigoso para a Revolução, que era a de todos os trabalhadores portugueses, rejeitar a força que, pelas armas, nos tinha atento os caminhos apara uma democracia, embora «mitigada».
Assim aceitou o pacto sob três condições, duas expressas e outra tácita.
Primeiramente, que esses órgãos seriam transitórios, isto é, que teriam existência constitucional, até ao limite máximo de cinco anos após a aprovação da constitucional.
Segunda, que findo o período transitório (mínimo de três e máximo de cinco) se procederia à revisão constitucional;
Terceira, e tácita, que esses órgãos fossem. eficientes no desenvolvimento do processo revolucionário que se proclamava expressamente pluralista na construção do socialismo. É realmente a que vem definido na alínea b) dos objectivos da Plataforma.
Hoje, decorridos quase oito meses sobre a assinatura do pacto, poderá perguntar-se se esta última condição, que, embora não expressa, decorre com toda a evidência dos fundamentos em que se inspirou, designadamente da sua «introdução», foi ou está sendo cumprida com lealdade e rigor que avalizaram a sua assinatura; se há ou não falhas, hesitações, incumprimento voluntário (não meramente acidental ou ocasional) das obrigações assumidas pelas partes contratantes, e, em caso afirmativo, quem faltou ao prometido, em que medida e quais as consequências que de tal verificação se hão-de extrair.
Na verdade, como foi já suscitado nesta Assembleia pelo nosso camarada Sottomayor Cardia, convirá esclarecer, quanto antes, estes pontos fundamentais e, naturalmente, agir consequentemente, ou seja, retomai em mãos, nas nossas próprias mãos, agora que não somos apenas elementos de partidos, mas toda o povo portugueses que acorreu às urnas em 25 de Abril de 1975, quais os órgãos do poder político que assegurarão o normal funcionamento da democracia em Portugal; se efectivamente os órgãos enxertadas neste projecto de Constituição estão ou não sendo aceites pelo povo (naturalmente em razões da sua actuação política) ou se, pelo contrário, não se verificam já claros sinais de rejeição! Ou, ainda, se aceitáveis os «enxertos», não estão inquinados de «vírus» supostamente revolucionários, ou, pelo menos, estranhamente revolucionários!

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5 DE DEZEMBRO DE 1975 2945

Queremos lealmente aludir à supremacia do poder político-militar que se pretendeu institucionalizar por uma forma que ultrapassa em muito o que as circunstâncias ocasionais de então (Abril de 1975) razoavelmente permitiriam, isto é, não se pretendia com a institucionalização do MFA abrir caminho para uma revolução do tipo peruano, nem, muito menos, para uma ditadura militar em que as forças civis fossem subalternizadas.
E adiantamos desde já que os excessos que põem em causa a democracia - independentemente da bondade que os teria ditado - têm e devem acabar, reduzindo a sua formulação a simples mas eficazes garantias do regular funcionamento dos órgãos que a traduzem.
Concretamente, o MFA tem uma grande e valiosa missão a cumprir: garantir, eficazmente, a estabilidade das conquistas revolucionárias, assegurar a ordem : legalidade democráticas!
Nada mais!
A marcha para uma sociedade socialista, essa há-de ser obra do povo português, dos trabalhadores portugueses, não de uma classe profissional, de uma seita ou clã!
Estes dias tumultuosos em que o País viveu, à espera de «golpes» que órgãos, que se dizem de informação, anunciavam a cada passo, aguardando os contragolpes que se lhe seguiriam, numa perspectiva que se antevia possível, senão provável, podem desde já dar uma idónea e correcta resposta.
A indecisão, para não dizer recusa, em garantir o funcionamento do VI Governo Provisório, faltando-lhe com o apoio das forças armadas que nominalmente .estavam representadas no Conselho da Revolução, revelou-o não apenas um órgão doente, incapaz, como, fundamentalmente, um órgão destroçado pelas suas próprias contradições políticas!
O Conselho da Revolução, tal como a Assembleia do MFA, preparou, através da posição assumida por alguns dos seus elementos, o seu suicídio político como órgão de soberania nacional! A interdependência, assinalada no n.º 1 do artigo 3.º do projecto da 5.ª Comissão, resultante ela própria do respectivo pacto, não funcionou!
Nem lhe valerá ou nem lhe valeria que um certo general, que tinha apenas a força física como argumento decisório, imputasse despudoradamente às lutas partidárias o caos que se aproximava e, especialmente e em desespero de causas, a injúria lançada contra o camarada Sottomayor Cardia (e a todos nós!), negando-lhe a representação que o povo - a ele e a nós - também lhe havia conferido!

Vozes:- Muito bem!

O Orador.- Ele, general, que, traumatizando a grande maioria do povo, se comprazia em exibir o seu infantilismo político, que o fez sonhar ridiculamente com Fidéis e outros mitos de duvidosa progressividade!
Ele, general, que esperava «montar o cavalo do poder», como se o povo fosse algum asno que um qualquer mesmo general - pudesse montar!
Não!

Há, pelo menos, que rever o pacto, ajustando-o ao condicionalismo actual, em marcha para uma autêntica democracia, evitando as tentações bonapartistas.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Quer isto dizer que o Conselho ida Revolução, órgão do MFA, já fez hara-kiri?
Que, portanto, há que sepultar o morto?
Que a sepultura de um morto não é na Constituição que se pretende viva, vigilante, actuante e actual, está fora de discussão.
Há, sim, antes que seja tarde, que pensar e repensar o problema!
O que atrás se deixou expresso foi apenas a verificação de que realmente o Conselho da Revolução corre sério risco de ser contaminado por novos bacilos, contra os quais não se antolha vacina válida!
Os próximos dias serão decisivos para o diagnóstico e prognóstico que há que fazer na análise dos caminhos que a Revolução terá que utilizar para poder ser verdadeiramente democrática e socialista. E, como parceiro justamente coroado de louros em 25 de Abril de 1974, ao MFA competirá rever o seu pensamento e linha de acção.
E a esta Assembleia, eleita pelo povo português e com a consequente legitimidade, extrair as consequências, quer dando o lugar na Constituição que todos nós, socialistas de boa fé e lizura, sinceramente estamos dispostos a conceder-lhe, ou sepultando-o, se assim não for, nas cinzas da história como um erro a que todas as revoluções estão atreitas.
Neste justo momento, o Partido Socialista, fiel à palavra dada, não denunciará o pacto, embora as sucessivas violações por parte das forças armadas a tanto o autorizassem!
Mas chama a atenção desta Assembleia, com legitimidade democrática indiscutível, e do MFA para se debruçarem atentamente sobre o problema constitucional que a situação político-militar suscita, evitando cair no perigoso erro de dar um lugar na Constituição a um corpo estranho, com gravíssimas implicações políticas, já aqui denunciadas, designadamente pelo peso das competências que no projecto da 5.ª Comissão (feita em obediência ao pacto) lhe foram atribuídas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Além do mais, a lição vivida até hoje e extraída sobretudo do « gonçalvismo» e dos golpes de sequestro da Constituinte e do VI Governo, que culminaram na criminosa insurreição do 25 de Novembro, aconselham, a meu ver, um diálogo franco e aberto com as forças armadas, com vista a, se não anular o pacto, pelo menos a revê-lo, eliminando dele os obstáculos que entravam o curso democrático da história e tendem a calar os votos do povo português, que, decididamente, repelem todas as formas de opressão ideológica!
Disse.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Peço a vossa atenção.

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Todos os oradores inscritos manifestaram o desejo de se exprimirem amanhã. Por este motivo, convocamos a sessão para amanhã, às 14 horas, insisto, às 14 horas, e encerro a sessão.

Eram 19 horas e 25 minutos.

Nota de rectificação:

Em conformidade com a leitura efectuada, é rectificado o telegrama da secção do PS de Castelo Branco, publicado a p. 2823 do n.º 86 do Diário. A versão correcta é a seguinte:

Repudia afirmações general Otelo transmitidas ontem televisão respeitantes Sottomayor Cardia sua actuação Assembleia Constituinte e esclarece Sr. General que Conselho da Revolução não tem competência para demitir Deputados eleitos povo e lamenta frequentes contradições e flutuação política Sr. General.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

CDS

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
António Pedreira de Castro Norton de Matos.
Basílio Adolfo Mendonça Horta. da Franca.

MDP/CDE

Álvaro Ribeiro Monteiro.
Levy Casimiro Baptista.
Manuel Dinis Jacinto.

PCP

Adriano Lopes da Fonseca.
Dália Maria Félix Ferreira.
José Pedro Correia Soares.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Maria Alda Nogueira.

PPD

Alfredo António de Sousa.
Alfredo Joaquim da Silva Morgado.
Amândio Anes de Azevedo.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando Barbosa Gonçalves.
João Bosco Soares Mota Amaral.
José Manuel Afonso Gomes de Almeida
José Manuel da Costa Bettencourt.
Mário Campos Pinto.
Nicolau Gregório de Freitas.
Obvio da Silva França.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

PS

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Eurico Faustino Correia.
Florival da Silva Nobre.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Isaías Caetano Nora.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo Silva Pereira.
Joaquim Laranjeira Pendrelico.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Luís Maria Kalidás Costa Barreto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Vítor Manuel Brás.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

CDS

Carlos Galvão de Melo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Manuel Januário Soares Ferreira-Rosa.
Victor António Augusto Nunes Sá Machado.

MDP/CDE

Luís Manuel Alves de Campos Catarino.
Orlando José de Campos Marques Pinto.

PCP

António Dias Lourenço da Silva.
António Malaquias Abalada.
Carlos Alfredo de Brito.
Dinis Fernandes Miranda.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Diogo Velez.
José Alves Tavares Magro.
José Pinheiro Lopes de Almeida.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

PPD

Abílio de Freitas Lourenço.
António Júlio Simões de Aguiar.
João António Martelo de Oliveira.
José António Camacho.
José Augusto Baptista Lopes e Seabra.
José Casimiro Crespo dos Santos Cobra.
José Ferreira Júnior.

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5 DE DEZEMBRO DE 1975 2947

Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.
Maria Helena da Costa Salema Roseta.

PS

Carlos Cardoso Lage.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Francisco Xavier Sampaio Tinoco de Faria.
João do Rosário Sarrento Henriques.
Joaquim Antero Romero Magalhães.
Joaquim da Costa Pinto.
José Manuel Vassalo de Oliveira.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Pedro do Canto Lagido.
Vitorino Vieira Dias.

UDP

Américo dos Reis Duarte.

Os REDACTORES: José Alberto Pires - José Manuel Carvalho.

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PREÇO DESTE NÚMERO 15$00

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA

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