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2972 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 91

O Orador: - O exercício deste direito não é compatível com qualquer espécie de tutela. O povo português já demonstrou, aliás, que não precisa de tutores. E se os povos das ex-colónias, muito antes de o direito à autodeterminação lhes ser reconhecido, já o tinham conquistado de armas na mão, também o povo português conquistou de há muito esse direito. Conquistou-o na luta contra a ditadura fascista e na resistência à guerra colonial, conquistou-o pela maneira como, em 25 de Abril de 1974, legitimou com a sua participação a revolta dos capitães; conquistou-o pelo modo como soube exprimir nas urnas a sua vontade e pela determinação com que depois, quando o MFA se demitiu do seu papel de garante da vontade popular, soube impô-la nas ruas, mostrando, na prática, que só há um motor da Revolução: o povo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador. - Esta é, afinal, a questão de fundo: O 25 de Abril fez-se para restituir ao povo português o direito de decidir livremente o seu destino. Ao propor ou impor aos partidos a Plataforma de Acordo Constitucional, o MFA desviou-se desse objectivo essencial do seu programa e praticou um acto de desconfiança em relação ao povo português.
Como já foi dito nesta Assembleia pelo meu. camarada António Reis, ao longo do processo iniciado a 25 de Abril verificaram-se dois grandes desvios em relação à linha programática do MFA: o primeiro foi um desvio autoritário de direita, derrotado a 11 de Março; o segundo foi um desvio golpista de esquerda, derrotado em 25 de Novembro. O pacto constitucional foi um momento táctico deste segundo desvio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 25 de Novembro encerrou-se um ciclo da nossa Revolução; aquele durante o qual se pretendeu transformar a Revolução de Abril numa outra revolução. Alguns na Revolução russa de 1917, outros na Revolução cubana; outros, ainda, no golpe de Braga de 1948; ainda outros numa mistura, assaz original, com um pouco de sovietes, um pouco de sierra Maestra, alguma coisa de movimentos de libertação africanos e muito das assembleias do povo que Spinola tentou montar na Guiné.
Disse um filósofo revolucionário que a história se repete pelo menos duas vezes: a primeira, como farsa, e a segunda, como tragédia. Assim aconteceu em Portugal. A força de se querer imitar outras revoluções, fez-se da Revolução portuguesa, numa dada fase, uma farsa, e a farsa ia dando em tragédia.
A Revolução de Abril tinha perdido a sua originalidade. Portugal estava a perder a sua identidade. Vivia-se numa espécie de nevoeiro institucional, aliás fomentado, porque propício à conspiração. Nem Estado nem lei, nem rei nem roque. Apenas a ameaça constante do golpe, uma permanente tensão, fruto da conspiração permanente contra a democracia. Assim vivemos durante meses, até ao 25 de Novembro.
Os historiadores poderão em breve começar a estudar este período apaixonante e nele encontrar as mil receitas de como transformar em guerra civil, ou quase, o que poderia ter sido, simplesmente, uma transição democrática e pacífica liara o socialismo.
A nós cabe-nos analisar politicamente . o que se passou e tirar algumas conclusões. O que se passou não foi só um fenómeno político caracterizado por um confronto entre um projecto democrático e um projecto de natureza totalitário. O que se passou foi um fenómeno cultural caracterizado pela rejeição nacional de um projecto estranho e estrangeiro ao País e ao povo.
Foi isto o que não perceberam os pequenos burgueses, desenraizados e de má consciência, que pretenderam substituir o império colonial por um império ideológico, desta vez exercido sobre e contra o próprio povo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador :- Uma revolução faz-se para transformar um país; não para destruir a sua alma que é a sua história, a sua cultura, a sua personalidade.
Se o preço da Revolução é a destruição da entidade nacional, esta reage e destrói a Revolução. Tal é, quanto a mim, uma das lições mais importantes a tirar da experiência revolucionária portuguesa.
Em Portugal houve, contudo, uma esquerda que soube ser democrática e soube ser nacional. Por isso, retirou à direita o privilégio e a possibilidade de destruir a Revolução. A vitória sobre o projecto totalitário foi uma vitória de esquerda. De esquerda democrática, de esquerda nacional.
Com efeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao longo destes meses desenrolou-se uma dura e por vezes dramática luta institucional.
Estiveram em confronto dois projectos políticos, duas concepções da Revolução. Um projecto totalitário e um projecto democrático. Uma concepção antidemocrática e vanguardista da Revolução e uma concepção democrática e maioritária. O projecto vanguardista adoptou uma estratégia de tomada do Poder por uma via antidemocrática. O 25 de Novembro é o fruto dessa estratégia. Talvez se lhe tenha chamado impropriamente um golpe, o 25 de Novembro foi mais do que isso: foi uma tentativa de insurreição armada. Talvez, por isso, também, o Dr. Álvaro Cunhal falou de sublevações militares convergentes. !Uma insurreição, na verdade, é sempre uma convergência de sublevações integradas numa estratégia de tomada de Poder pela força. A insurreição foi preparada ao longo de meses e passou por várias fases.
Não interessa aqui fazer agora uma análise detalhada das várias fases porque passou a preparação da insurreição antidemocrática. Interessa apenas assinalar que uma das fases consistiu precisamente na instrumentalização do MFA e na sua colocação ao serviço da estratégia antidemocrática. Foi esse o papel da 5.º Divisão. E foi nessa fase, na fase em que o MFA se identificou com o gonçalvismo, que a plataforma de acordo constitucional foi apresentada aos partidos. Ela é, pois, o resultado do desvio gonçalvista, antidemocrático, que se operou nessa altura no MFA e representa um momento táctico, tanto da parte dos que a propuseram como de algumas forças que a assinaram. A derrota do projecto totalitário, que culminou na insurreição fracassada de 25 de Novembro, não pode deixar de ter como consequência a revisão de um pacto que é fruto desse projecto. E nem pode, também, deixar de ter como consequência uma reflexão sobre o papel do MFA na Revolução portuguesa.