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2992 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 92

universal - a descolonização -, não obstante os erros aí cometidos. Pôde manter-se uno enquanto assegurou a democracia e, exemplarmente, promoveu eleições.
Já não pôde subsistir imune à divisão quando quis ser ele a construir o socialismo; porque socialismo não há só um, mas vários, consoante as concepções que dele se possuam, e porque em Portugal muitos são os partidos que se reclamam do socialismo, cada qual com adeptos entre os militares.
Portugal não é qualquer país africano ou centro-americano. Havia e há - pela tradição de um século de democracia liberal, interrompida pela intentona de 28 de Maio e restaurada pelo 25 de Abril, pela intensidade dos contactos com a Europa, pela força de correntes políticas anteriores ao MFA (entre as quais avulta o PCP) - uma vida política densa e complexa à margem do Exército. As associações políticas, a Igreja e as Universidades sempre foram os verdadeiros produtores ideológicos do País, e não as forças armadas. Deste modo, qualquer projecto político global das forças armadas viria a ser fatalmente um projecto importado do exterior, importado de qualquer partido ou de quaisquer tecnocratas incapazes de assumir o poder através do voto.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, entendemos que as forças armadas e o MFA devem continuar a ocupar um lugar na vida política deste país, que ainda não é altura de cessarem a sua intervenção. Devem-no ocupar, pela necessidade de tornar irreversíveis as conquistas da Revolução, ameaçadas ainda pela direita reaccionária e pela esquerda golpista; pela confiança que nos inspira o MFA patriótico, progressista, independente e apartidário que venceu em 25 de Abril e em 25 de Novembro; pela experiência do que foi a 1.ª República, constantemente sobressaltada ou paralisada por convulsões político-militares e político-sociais e por um parlamentarismo desordenado e caótico.
Daí que defendamos uma reconsideração do pacto, substituindo o actual texto por outro mais realista, mais adequado à vontade do povo e às possibilidades efectivas das forças armadas portuguesas - carecidas, antes de mais, de se reorganizarem - e mais próximo da legitimidade democrática, já expressa nas eleições para esta Assembleia Constituinte.
O novo texto deveria compreender dois elementos:
um elemento programático, correspondente à face democrática e socialista da Revolução, e um elemento orgânico, correspondente à criação de um órgão específico no âmbito dos órgãos do Estado.
O elemento programático encontra-se compreendido, aliás, no articulado aprovado pela Assembleia Constituinte sobre liberdades e garantias, direitos económicos, sociais e culturais e organização económica. Mas seria ainda conveniente que solenemente todos os partidos declarassem aceitar um efectivo regime de liberdades democráticas e pluralismo e se declarassem dispostos a não voltar atrás nas conquistas socialistas já realizadas (nacionalizações, Reforma Agrária, participação dos trabalhadores na vida do País); como seria conveniente que as forças armadas se declarassem dispostas a preservar a Constituição e a acatar a vontade popular expressa em eleições, fosse qual fosse o partido que as ganhasse.
O elemento orgânico, esse implica uma total alteração do pacto.
Dizemos:
Não a um Presidente da República eleito por um colégio eleitoral restrito, formado pela Assembleia do MFA e pela Assembleia Legislativa;
Não a um Conselho da Revolução definidor das linhas de orientação programática do Governo;
Não a um Conselho da Revolução órgão legislativo sancionador das leis e órgão de garantia da constitucionalidade material das mesmas leis (com os perigos evidentes para os direitos fundamentais por elas regulados);
Não a uma Assembleia do MFA sem competência prevista na Constituição e anteposta à Assembleia Legislativa;
Não a um Governo dividido entre Ministros da confiança do MFA e Ministros da confiança do Primeiro-Ministro; ...

O Sr. Presidente: - Dois minutos, Sr. Deputado.

O Orador: - ... Não a um Primeiro-Ministro escolhido pelo Presidente da República sem critérios constitucionais específicos.
Dizemos, porém:
Sim a um Conselho da Revolução ou Conselho de Estado ou Conselho da República, órgão de ligação e de decisão de conflito entre os demais órgãos do poder e órgão de defesa das conquistas revolucionárias;
Sim a um órgão, que tivesse composição mista ou só militar com competência consultiva e com competência deliberativa na respeitante à definição da política de defesa nacional e às forças armadas, bem como, eventualmente, ainda com competência deliberativa quanto às leis mais ligadas à construção do socialismo.
Empregando a linguagem habitual em direito público, dir-se-á que, no sistema que preconizamos, as forças armadas não exerceriam nem poder legislativo, nem poder executivo, nem poder judicial. Exerceriam, sim, um poder moderador, ou seja, um poder de garantia e equilíbrio entre os demais poderes do Estado, um poder neutro acima das forças políticas partidárias, embora nem por isso menos dirigido â realização dos fins de transformação social e política.
Em conclusão: o que pedimos às forças armadas, hoje e amanhã, é que garantam legalidade democrática e defendam a revolução socialista em liberdade, de que há dias falava o Presidente da República. Não é que se retirem da cena política, mas que exerçam uma vigilância sobre esta vida política, uma vigilância arbitrária e isenta que não se confunda com qualquer tutela.
Estamos certos de que as forças armadas saberão aceitar este papel e incumbir-se dele em aliança com o povo português uma aliança espontânea e não manipulada, uma aliança semelhante àquela que já existiu em 25 de Abril de 1974 e que tem de continuar a existir para que Portugal seja, finalmente, o país moderno e progressista, que todos ambicionamos.

Vozes:- Muito bem!