O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3078 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 95

E seja-me lícito deixar aqui expresso o que já escrevi, em jeito de citação, no tema apresentado no Congresso dos Advogados já aludido.
Na repressão terrível que se seguiu à Comuna de Paris, o Avocat Général Descouture, virando-se para os advogados que se sentavam em redor do seu bastonário, Maître Rousse, disse: «Advogados, não há na história da vossa Ordem época mais gloriosa do que aquela em que o dever da defesa foi cumprido por vós, mesmo sob o fogo dos assassinos.»

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - São estas atitudes o reflexo e consequência das ideias democráticas em constante progresso e que, mercê do clima favorável criado pela nossa revolução, vão ser a força que darão aos tribunais, como órgão de Soberania, a sua nova e poderosa fisionomia de instituições livres.
E, nessa convergência de ideias, uma outra ética impregnará o Poder Judicial, o qual, assim, poderá dar ao homem novas garantias na sua vivência social.
Outra batalha que vai ser ganha, com certeza, é aquela que diz respeito aos tribunais especiais, vespeiro imundo das maiores arbitrariedades e violências. E não são só mau exemplo os temerosos tribunais plenários de má memória.
Um dia, num tribunal especial do Porto, foi um pobre homem condenado numa pena relativamente severa, por ter vendido azeite, cujo preço legal era de 7$50 o litro, por mais um tostão. Garanto-vos que nessa altura ninguém o conseguia por menos de 20$. No final, o advogado defensor pediu aos componentes do tribunal se lhe faziam a alta fineza de lhe indicarem em que mercearia compravam o azeite.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Mas os membros do tribunal preferiram guardar segredo.
Não faço bem ideia de que sejam os juizes populares na inovação do projecto. De qualquer maneira, a ideia é salutar, desde que se mantenham as garantias de imparcialidade e se criem regras onde a arbitrariedade seja afastada e a técnica judiciária não seja corrompida pela demagogia e pela irresponsabilidade.
Ninguém quererá que se repita no nosso país o triste espectáculo de um julgamento selvagem, às portas de um tribunal, sem sujeição a quaisquer regras decentes, como se, porventura, se estivesse tratando de uma cena do far-west americano, para gáudio dos amantes da violência e da brutalidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas o que mais importa fixar neste projecto é a independência e a democraticidade interna da magistratura judicial.
Em nenhuma Constituição anterior o Poder Judicial foi alguma vez tratado como um verdadeiro poder do Estado, em termos de soberania.
E durante o interminável consulado fascista os tribunais, reflexo das instituições donde derivavam, declaravam o direito em conformidade com a natureza despótica, do regime e, com a acentuada doença de autoritarismo que recebiam, como satélites do Poder Central.
Isso acabará com a iluminação fortemente democrática do projecto.
E é de acreditar que as revisões impostas pela experiência e até pelas profundas modificações sociais em vias de realização venham a realizar as condições de novos progressos.
Em princípio, nada obstaria a que eu desse ao projecto o meu voto de conformidade na ordem geral, com ressalva de certas alterações na discussão na especialidade.
E agora, Srs. Deputados, aproveitarei a minha vinda aqui, e fora do propósito que cá me trouxe. Quero dirigir-me especialmente aos homens que, segundo o seu dizer, sem se afastarem dos seus ideais sociais-democratas, se apresentam hoje aqui - e eu espero que por bem pouco tempo - separados dos outros que foram sempre seus colegas.

Aplausos.

E quero mais, quero dizer que, nas interrupções sofridas pelo Dr. Mota Pinto, algumas frases desagradáveis se perderam sem que eu pudesse ter a visão das pessoas que as proferiram. Mas há uma que, na minha qualidade de membro do Partido Popular Democrático subsistente, me repugnou inteiramente ouvi-la e que eu, na sua frente, Sr. Dr. Mota Pinto, não tenho dúvidas nenhumas em repudiar ...

Vozes: - Isto não é da ordem do dia.

Manifestações.

O Orador: - ... quando ouvi chamar-lhe a si traidor.

Manifestações.

É uma infâmia.

Burburinho.

Não há traidores. Há pensamentos livres, mantidos dentro da mesma ideologia, talvez com uma outra diferenciação.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chamo a sua atenção. Está completamente fora da ordem do dia. Agradecia que terminasse.

O Orador:- Peço desculpa.

O Sr. Presidente: - Pelo muito respeito que me merece, custa-me interrompê-lo, mas a verdade é que está a falar na ordem do dia.

O Orador: - Só um segundo, já que comecei, para terminar a minha peroração.

Burburinho.