O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

3096 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º96

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
1. Para melhor esclarecimento da posição constitucional dos tribunais, talvez tenha algum interesse sumariar a evolução do seu tratamento no direito constitucional portuguê6, confrontando as constituições liberais com a Constituição salazarista e esta com as leis constitucionais publicadas após o 25 de Abril.
Até 1933 os tribunais integravam um dos poderes do Estado, o poder judicial. Todavia, as diversas Constituições - de 1822, de 1826, de 1838 e de 1911 - só consideravam tribunais, na plena acepção do termo, na linha, aliás, do toda a tradição portuguesa anterior ao constitucionalismo, os tribunais comuns de jurisdição ordinária, os tribunais judiciais. Outros tribunais que elas previam ficavam numa situação secundária ou indefinida.
Nem podia ser de outro modo numa época em que as necessidades de jurisdição, de jurisdição especializada, eram relativamente pequenas e em que os órgãos jurisdicionalizados que iam surgindo em alguns sectores da Administração tinham um desenvolvimento balbuciante e esferas de competência restritas.
O artigo 116.º da Constituição de 1933, ao substituir a expressão «poder judicial» pela expressão «função judicial», abriu caminho, paradoxalmente, a um conceito mais amplo e também mais rigoroso. Dizendo «a função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais» veio explicitar (tenha ou não o legislador constituinte tido disso consciência) que todos os órgãos incumbidos do desempenho de determinada função do Estado materialmente definida - a função judicial ou jurisdicional - eram tribunais, mesmo quando não estavam subordinados ao Supremo Tribunal de Justiça e não podiam, só por esta razão, ser chamados tribunais judiciais.
Havia a distinção entre tribunais ordinários e tribunais especiais. Mas esta distinção, como resultava dos artigos 117.º e 119.º, apenas se reportava a certas garantias que eram conferidas aos juízes dos primeiros e não aos juízes dos segundos. Todos os demais preceitos da Constituição relativos a tribunais eram aplicáveis tanto aos tribunais ordinários como aos tribunais especiais.
Na linha das Constituições precedentes, tribunais ordinários eram os tribunais judiciais enumerados na segunda parte do artigo 116.º: o Supremo Tribunal de Justiça e tribunais de l.ª e 2.ª instâncias. Por exclusão de partes, todos os outros eram tribunais especiais, por mais arbitrário que fosse integrá-los todos na mesma categoria. Eram tribunais especiais, portanto, os tribunais judiciais especializados, certos tribunais não judiciais mencionados no próprio texto da Constituição - tribunais administrativos, de trabalho e de contas - e, enfim, os tribunais criados directamente por lei - tribunais fiscais, aduaneiros, militares, marítimos, de géneros alimentícios, etc.
Discutia-se bastante acerca da qualificação dos tribunais administrativos. Durante largos anos, tinha dominado a opinião, apoiada nas concepções do sistema administrativo de tipo francês transplantado para Portugal no século XIX, segundo a qual eram meros órgãos jurisdicionais da Administração ou do poder administrativo. Todavia, nos últimos anos, ia ganhando adeptos a tese contrária: que eram verdadeiros ,tribunais, órgãos da função judicial, embora, lamentavelmente, sem disporem de condições satisfatórias para decidir os litígios da sua jurisdição, os litígios administrativos.
O panorama dos tribunais portugueses, aquando do 25 de Abril, podia traduzir-se ainda no seguinte: para lá da dicotomia puramente formal de tribunais ordinários - tribunais especiais -,o que sobressaía era um número relativamente apreciável de diversas ordens de jurisdição, de diversos grupos de tribunais, cada um dos quais hierarquicamente subordinado a um tribunal supremo; e aqui o critério era exclusivamente orgânico.
A cada ordem de jurisdição correspondia uma magistratura e, na ordem judicial, havia ainda a distinguir entre magistratura da metrópole e magistratura do ultramar. As carreiras eram, pois, largamente diversas e, sem embargo de regras comuns, os magistrados de cada ordem de jurisdição tinham estatuto próprio, distinto do das outras.
Pulverização dos tribunais, pulverização das magistraturas, dispersão dos regimes jurídicos, dispersão dos serviços administrativos de apoio, eram, entre outras, as características do sistema judiciário do Estado Novo, agravadas pelas características dos sistemas político e económico-social subjacentes. Somente a verticalidade da esmagadora maioria dos juízes portugueses e o seu apego à profissão apesar da sua formação positivista - terão impedido tal sistema os conduzisse a uma completa submissão perante os detentores do podar político e do poder económico.
2. É nesta situação que surgem coma sinais de mudança o Programa do Movimento das Forças Armadas e o artigo 18.º da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio.
Com efeito, entre as medidas compreendidas no Programa do Movimento das Forças Armadas contam se [B, n.º 5, e)]:

Medidas e disposições tendentes a assegurar, a curto prazo, a independência e a significação do poder judicial;
1) A extinção dos «tribunais especiais» e a dignificação de processo penal em todas as suas fases;
2) Os crimes contra o Estado no novo regime serão instruídos por juízes de direito e julgados em tribunais ordinários, sendo dadas todas as garantias aos arguidos.
As averiguações serão cometidas à Polícia Judiciária.

Por sua vez, dispõe o artigo 18.º da Lei n.º 3/74:

1. As funções jurisdicionais serão exercidas exclusivamente por tribunais integrados no poder judicial.
2. Não é permitida a existência de tribunais com competência específica, para o julgamento de crimes contra a segurança do Estado.
3. Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os tribunais militares.