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17 DE DEZEMBRO DE 1975 3099

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda para segunda intervenção.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para fazer uma segunda intervenção com o único objectivo de, neste momento em que vai haver negociações entre os partidos, políticos e o Movimento das Forças Armadas com vista à revisão da Plataforma de Acordo Constitucional, lembrar um problema que considero fundamental para a eficácia da Constituição que estamos a fazer, para a aplicação pronta e correcta da Constituição que há-de ser instrumento fundamental da construção da sociedade democrática e socialista portuguesa. Refiro-me à criação em Portugal de um tribunal constitucional.
O problema da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis não vem tratado no parecer da 6.ª Comissão, porque esta expressamente remeteu para o estudo que se vai fazer durante a revisão do pacto, e porque considerou ainda que essa matéria, de certo modo, se encontrava abrangida no âmbito de trabalhos da 5.ª Comissão.
Como até agora ainda ninguém nesta Assembleia aludiu a esse problema, sinto-me na obrigação de o fazer por um lado, chamando a atenção para enorme desvio a todos os princípios que é o princípio constante do pacto actualmente em vigor, segundo o qual o Conselho da Revolução é o órgão de garantia da constitucionalidade das leis, e, por outro lado, para pedir que se avance um pouco mais na consolidação da legalidade democrática e na edificação do Estado de Direito, criando um tribunal constitucional!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, desde a Constituição de 1911 - e esse é um título de glória que os homens da I República, tão esquecidos, devem merecer -, temos em Portugal uma regra que atribui aos tribunais o poder de fiscalizar a constitucionalidade das leis. Essa fiscalização até agora não tem sido exercida com todo o rigor e com todo o desenvolvimento. Não se tem extraído dessa regra todas as consequências. Todavia, ela lá está e permitiu, quer na vigência da Constituição de 1911, quer na vigência da Constituição de 1933, que algumas vezes os tribunais efectivamente garantissem direitos fundamentais dos cidadãos ofendidos por leis ordinárias.
Foi, por isso, que eu, e suponho que todos os democratas portugueses, verifiquei que, no texto da Plataforma assinada em Abril, se atribuía ao Conselho da Revolução, órgão político, órgão formado por militares, a competência exclusiva para a declaração da inconstitucionalidade material das leis. Não percebo, ainda agora, a razão por que tal cláusula foi introduzida no pacto. De qualquer forma, quero insurgir-me contra ela, e, como já uma vez aqui fiz nesta Assembleia, protestam contra tudo quanto representa de retrocesso na tradição constitucional portuguesa, contra tudo quanto pode representar de grave risco para a defesa dos direitos fundamentais.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - Nós estivemos aqui nesta Assembleia a definir com todo o cuidado um catálogo de direitos, liberdades e garantias. Ora, se um órgão político, um órgão que julgasse segundo critérios de conveniência e de oportunidade, e certamente sem a devida formação jurídica - como é o Conselho da Revolução ou semelhante -, viesse a decidir se uma lei era constitucional ou inconstitucional, amanhã correríamos o grave perigo de direitos fundamentais serem gravemente transgredidos por leis ordinárias, muitas delas, aliás, feitas pelo próprio Conselho da Revolução, que é também órgão legislativo.
É, assim, que me pronuncio no sentido de, pelo menos, se voltar à regra constante da Constituição de 1911 (e que também passou, aliás com grave deficiência, para a Constituição de 1933), ou seja: que os tribunais tenham competência para apreciar a conformidade material, orgânica e formal dás leis com a Constituição e para, no caso de verificarem que existe desconformidade, não aplicarem as leis inconstitucionais. Mas, mais ainda, proponho que nós como outros que saíram de ditaduras - criemos um tribunal constitucional ...

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - ... à semelhança do que se fez na Áustria em 1920, à semelhança do que se fez na Checoslováquia em 1920, à semelhança do que se fez em Espanha em 1931, do que se fez em Itália em 1947, na Alemanha Ocidental em 1949, na Turquia em 1961. Proponho que em - Portugal se crie um tribunal constitucional, isto é, um órgão com competência especializada e concentrada para apreciar a conformidade das leis e dos mais actos do poder com a Constituição, órgão esse que, aliás, poderia ter também funções relacionadas com o contencioso eleitoral e com o funcionamento dos partidos políticos. O tribunal constitucional deveria ser um órgão jurisdicional, um verdadeiro tribunal. Na sua composição, porém, poderia atender-se a um recrutamento especial de juízes que tomasse em conta a natureza particular das decisões sobre inconstitucionalidade. Sugiro que esse órgão seja independente em relação ao Supremo Tribunal de Justiça e independente também em relação ao Conselho da Revolução; mas admitiria que tanto o Supremo Tribunal de Justiça como o Conselho da Revolução pudessem designar alguns ou todos os seus membros. Como é que seria organizada a fiscalização da constitucionalidade no âmbito do tribunal constitucional? Essa fiscalização poderia ser organizada por via de excepção e por via de acção.
Por via de excepção, através dos incidentes que fossem suscitados em quaisquer tribunais e que deveram subir ao tribunal constitucional, em vez de, como sucedia na vigência das duas Constituições anteriores, serem os próprios tribunais a decidir, com os inconvenientes de desconformidade de julgados daí advenientes. É este, por exemplo, o sistema que existe em Itália. Além disso, admitiria que, durante o período de, transição, e para defesa, precisamente, das conquistas revolucionárias do povo português, o Conselho da Revolução ou órgão equivalente tivesse o poder de propor acções de constitucionalidade perante o tribunal constitucional a fim de o tribunal impedir a vigência de leis contrárias a .essas conquistas revolucionárias.