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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIADO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

DIARIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

QUARTA-FEIRA, 17 DE DEZEMBRO DE 1975 * NÚMERO 96

SESSÃO N.º 95, EM 16 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo Sr. Vasco da Gama Fernandes

António Duarte Arnaut
Secretários: Ex.mos Srs. Carlos Alberto Coelho de Sousa
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 50 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.
Foi lida uma declaração do Sr. Deputado Coelho de Sousa informando que, por ler voltado a fazer parte do PPD, se integraria, consequentemente, no respectivo grupo parlamentar.
Foi lido um requerimento, apresentado na Mesa pelo Sr. Deputado Rúben Raposo (PPD), solicitando informações sobe a possível publicação de um decreto-lei que revogue a tributação das anos 40.
O Sr. Deputado Américo Viveiros (PPD) requereu, em seu nome e no de outro Sr. Deputado dos Açores, caos Ministérios da Administração Interna e da Justiça, que informem a que resultados conduziu o inquérito realizado aos acontecimentos ocorridos na Câmara Municipal de Vila Franca do Campo em S. Miguel e, ao Ministério da Administração Interna, para que preste informações relativas ao governador do Distrito Autónomo de Ponta Delgada nos Açores.
O Sr. Deputado Afonso Dias (UDP) requereu que o Governo e o Conselho da Revolução o informem sobe a situação dos antifascistas detidos em Custóias e acerca dos propósitos, de prosseguirem formas de repressão policial. Perguntou ainda as razões dos aumentos de preços de produtos essenciais e os fins a que se destina o produto dos impostos sobre o tabaco e gasolina.
O Sr. Presidente informou a Assembleia de que se encontrava a exercer essas funções, por motivo de o Sr. Prof. Henrique de Barros se encontrar em Paris, a convite da Embaixada de Portugal.
Foi comunicado ter sido encontrada uma solução acordada entre os Deputados independentes e o Grupo Parlamentar do PPD, tendente à instalação dos primeiros no hemiciclo.
O Sr. Deputado Manuel Alegre (PS), a propósito do Congresso do PDC realizado em Leiria, refutou declarações do secretário-geral desse partido, Dr. Silva Resende, e criticou a actuação política do PDC, que afirmou não ter as mãos limpas de compromissos com a reacção. Terminou afirmando que nem o golpismo nem a reacção poderão «passar», dado que é vontade e determinação do povo português promover a vitória da democracia e do socialismo. O orador foi interpelado, para pedido de esclarecimentos, pelo Sr. Deputado Afonso Dias (UDP).
O Sr. Deputado Galvão de Melo (CDS) fez considerações acerca de afirmações produzidas no plenário pelo Deputado do PCP Manuel Gusmão sobre anticomunismo, tendo criticado seguidamente a actuação da PCP no processo política posterior a 25 de Abril de 1974.
O Sr. Deputado Romero Magalhães (PS) teceu considerações sobre as dificuldades de numa revolução se conciliar o real e o utópico e o conflito entre o ser e o querer ser e considerou que as ideologias que procuram, na sua aparente generosidade, «fazer o povo feliz à força», têm de ter em conta a realidade concreta do povo. Criticou em seguida os órgãos de informação que levaram à derrocada das recentes aventuras esquerdistas e, designadamente a RTP, que no passado dia 15 deu «informações» que reputou de incorrectas e lamentáveis, sobre a posição do PS frente ao MFA e acerca do reaparecimento do Partido da Democracia Cristã. Terminou afirmando que o fascismo não passará se o combate à reacção tiver em conta o povo real, que deverá ser respeitado e nunca ideologicamente agredido.
A Sr.ª Deputada Maria da Conceição Rocha dos Santos (PS) criticou a forma como está a ser levada a efeito a aplicação da Lei da Reforma Agrária, nomeadamente no campo da formação de cooperativas agrícolas e de cooperativas de complexos agro-industriais, e criticou a acção nefasta e o comportamento indigno e ditatorial dos funcionários da ex-comissão de apoio às cooperativas.

Ordem do dia.- Concluiu-se a discussão na generalidade do parecer da 6.ª Comissão (Tribunais), tendo usado do palavra os Srs. Deputadas Jorge Miranda (PPD), que interveio por duas vezes; Afonso Dias (UDP), que respondeu ainda a interpelações dos Srs. Deputados Maria Emílio de Melo (PS), Maria Rosa Gomes (PS) e Florival Nobre (PS), e José Luís Nunes (PS), que respondeu também a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputadas Jorge Miranda (PPD), Barbosa de Melo (PPD) e Luís Catarino (MDP/CDE).
O Sr. Deputado Vital Moreira (PCP) formulou uma declaração de voto a propósito da aprovação do parecer na generalidade.

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Iniciou-se seguidamente a discussão na especialidade, tendo sido discutidos e votados os artigos 1.º, 2.º e 3.º Usaram da palavra para o efeito os Srs. Deputados Jorge Miranda (PPD), Manuel João Vieira (PS), José Luís Nunes (PS), Barbosa de Melo (PPD), Herculano de Carvalho (PCP), Luís Catarino (MDP/CDE), Fernando Amaral (PPD), António de Almeida (CDS), Alberto Andrade (PS), Coelho dos Santos (independente) e Romero Magalhães (PS).
Formularam declarações de voto os Srs. Deputados José Luís Nunes (PS) e Barbosa de Melo (PPD).
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

CDS

António Pedreira de Castro Norton de Matos.
Carlos Galvão de Melo.
Domingos José Barreto Cerqueira.
Francisco Luís de Sá Malheiro.
Manuel Januário Soares Ferreira-Rosa.
Manuel José Gonçalves Soares.
Maria José Paulo Sampaio.

MDP/CDE

Álvaro Ribeiro Monteiro.
Luís Manuel Alves de Campos Catarino.
Manuel Dinis Jacinto.

PCP

Adriano Lopes da Fonseca.
António Branco Marcos dos Santos.
Avelino António Pacheco Gonçalves.
Eugénio de Jesus Domingues.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando dos Santos Pais.
Francisco Miguel Duarte.
Herculano Henriques Cordeiro de Carvalho.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Hilário Manuel Marcelino Teixeira.
Hipólito Fialho dos Santas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Terroso Neves.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Marques Figueiredo.
Leonel Ramos Ramires.
Vital Martins Moreira.

PPD

Alfredo António de Sousa.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
António Joaquim da Silva Amado Leite de Castro.
António Maria Lopes Ruano.
António Moreira Barbosa de Melo.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Armando Rodrigues.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Carlos Francisco Cerejeira Pereira Bacelar.
Eduardo José Vieira.
Eugénio Augusto Marques da Mata.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando Barbosa Gonçalves.
Fernando José Sequeira Roriz.
João António Martelo de Oliveira.
João Baptista Machado.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Manuel Ferreira.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Burnay.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís Eugénio Filipe.
Manuel Coelho Moreira.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Maria Élia Mendes Brito Câmara.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.

INDEPENDENTES

Alfredo Joaquim da Silva Morgado.
Antídio das Neves Costa.
António Roleira Marinho.
Carlos Alberto Branco de Seiça Neves.
Custódio Costa de Matos.
José Gonçalves Sapinho.

PS

Adelino Teixeira de Carvalho.
Afonso do Carmo.
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Álvaro Monteiro.
Amarino Peralta Sabino.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António José Sanches Esteves.
António José de Sousa Pereira.
António Mário Diogo Teles.
António Riço Calado.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando Assunção Soares.
Artur Cortez Pereira dos Santos.
Artur Manuel Carraça da Costa Pina.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Casimiro Paulo dos Santos.
Domingos do Carmo Pires Pereira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Eurico Telmo de Campos.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Flórido Adolfo da Silva Marques.
Florival da Silva Nobre.

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Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Xavier Sampaio Tinoco de Faria.
Gilianes Santos Coelho.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Isaías Caetano Nora.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo Silva Pereira.
João Joaquim Gomes.
João Pedro Miller de Lemos Guerra.
Joaquim Antero Romero Magalhães.
Joaquim da Costa Pinto.
Joaquim Laranjeira Pendrelico.
Joaquim de Oliveira Rodrigues.
José Alfredo Pimenta Sousa Monteiro.
José Augusto Rosa Courinha.
José Fernando Silva Lopes.
José Luís de Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Ladislau Teles Botas.
Laura da Conceição Barraché Cardoso.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Ferreira Monteiro.
Manuel Ferreira dos Santos Pato.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel João Vieira.
Manuel Joaquim de Paiva Pereira Pires.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel de Sousa Ramos.
Maria da Assunção Viegas Vitorino.
Maria da Conceição Rocha dos Santos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo.
Maria Rosa Gomes.
Maria Teresa do Vale de Matos Madeira Vidigal.
Maria Virgínia Portela Bento Vieira.
Mário de Castro Pina Correia.
Mário Nunes da Silva.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui Maria Malheiro de Távora de Castro Feijó.
Sophia de Melo Breyner Andresen de Sousa Tavares.
Vasco da Gama Fernandes.
Vítor Manuel Brás.
Vitorino Vieira Dias.

UDP

Afonso Manuel dos Reis Domingos Dias.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 148 Srs. Deputados. Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão e a abertura das galerias.

Eram 15 horas e 50 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai-se proceder à leitura do

Expediente

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Srs. Deputados, o expediente é assaz volumoso. Vou tentar resumi-lo.
Começo por informar terem sido recebidos cinquenta e cinco telegramas, quatro cartas e um postal de pessoas e entidades afectas ao PPD, repudiando por forma mais ou menos idêntica a atitude dos deputados independentes ao abandonarem aquele partido e permanecerem na Assembleia. Classificando tal atitude de oportunista, golpista e antidemocrática. A maior parte dos protestantes exigem a saída ou expulsão da Assembleia dos referidos Deputados por falta de representatividade.
Mais telegramas:
Da assembleia geral da Adega Cooperativa do Marco:

Assembleia geral Adega Cooperativa do Marco em sua reunião de 13 de Dezembro de 1975 analisando o Decreto-Lei n.º 588/75 por unanimidade repudiou não só o referido decreto como os termos em que está redigido o seu preâmbulo ofensivo da dignidade e liberdade dos associados.

Outro telegrama:

As comissões de trabalhadores de Vialonga sede e Catujal da Sociedade Central de Cervejas associando-se ao movimento das massas trabalhadoras do País que isoladamente ou pela voz dos seus legítimos representantes se têm vindo a manifestar com a actual situação que a todos atinge exigem a imediata libertação e integração dos oficiais antifascistas presos. Fim à suspensão dos órgãos de informação, fim aos saneamentos à esquerda, fim às medidas antioperárias. Comissões de trabalhadores Vialonga sede e Catujal da SCC.

Um telegrama, assinado: «Bombeiros Castanheira de Pêra»:

Corpo activo direcção associados manifestam regozijo justa intervenção Assembleia favor bombeiros Deputado socialista Kalidás Barreto pedem bons ofícios V. Ex.ª palavras cheguem quem de justiça.

Outro telegrama, da Associação Livre de Agricultores de Vale de Âncora:

Associação Livre Agricultores Vale Âncora protesta V. Ex.ª cancelamento temporário subsídio leite industrial Março Junho alegação falta verbas Junta Nacional Produtores lesados centenas contos União Cooperativas aguarda despacho Pinto Cardoso pagamento imediato protestamos falta pagamento Agosto Novembro subsídios mesmo leite e, consumo maior agravamento situação crítica produtores exigem pagamento imediato apontando consequências comunicando remetido Novembro denunciando boicotes constantes alertam situação produtores cansados regressados Federação receberem logo mesmos postos subsídio restantes consideram habilidade destruição imediata Cooperativa Agrícola executivo.

O teor não é muito explícito, dado que houve a preocupação de poupar palavras. Mas li como foi apresentado.
O Sr. Dinis de Oliveira Santos escreve-nos a propósito da Reforma Agrária. Diz que tem 67 anos,

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é um pequeno agricultor e, em virtude da sua avançada idade e de os filhos não poderem cultivar directamente a terra, teve necessidade de as arrendar.
Simplesmente, a renda não chega para a sua subsistência, segundo afirma. E pergunta: «Não será esta situação uma nova forma de exploração do homem pelo homem?»
A Sr.ª Maria Albuquerque Silva. Nunes, de Lisboa, remete-nos urna, exposição em papel selado - faço aqui um parêntesis para informar que não é necessária enviarem as exposições em papel selado - sobre um caso, que classifica: de gritante injustiça, passado no Ministério do Trabalho, no tempo do major Costa, Martins e do Dr. Carlos Carvalhas.
O problema refere-se a um prédio de rendimento.
A exposição fica à disposição dos Srs. Deputados.
O Sr. José dos Santos escreve-nos uma carta contendo afirmações desprimorosas a respeito do general Otelo.
A Sr.ª Maria da Conceição da Silva Freitas dirige um apelo aos Deputados para que se interessam pela concessão de uma amnistia, na quadra natalícia que se aproxima, aos presos políticos.
O Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Construção Civil dos Distritos de Viseu e da Guarda enviou-nos a seguinte comunicação:
«Em face do impasse verificado no contrato vertical para o sector de construção civil e dizendo-se que estavam canceladas as negociações do mesmo até ao dia 31 do mês de Dezembro do mesmo ano, decidiu-se, em plenário dos delegados sindicais dos distritos de Viseu e Guarda, responsabilizar as entidades competentes, ou seja, o Sr. Primeiro-Ministro, pelas decisões que venham a ser tomadas pelos trabalhadores a partir dessa data, caso o contrato não seja entregue aos trabalhadores até ao dia marcado, que é a data acima citada. Lembramos desde já que não ficaram responsáveis os delegados sindicais nem os sindicatos que os representam pelas atitudes a tomar pelas massas trabalhadoras do sector e outras que venham a aderir ao mesmo.»
A Sr.ª Maria do Carmo da Conceição, de Ramalhais de Cima, Pombal, expõe-nos a sua dramática situação: sem casa, sem empado, com um filho doente. Apela à caridade do Estado.
Numa sociedade socialista, informo a nossa correspondente, não há lugar à caridade, há sim justiça.
Sugerimos à nossa correspondente que exponha o seu caso, que merece a máxima consideração, ao Sr. Primeiro-Ministro, porque certamente ele será resolvido. Nós, infelizmente, não podemos resolvê-lo.
O Sr. Joaquim Ferreira escreve-nos, a propósito de algumas intervenções ou atitudes de Deputados, afirmando, a verta altura: «Não se esqueçam esses senhores que aí nesse edifício construído e pago com o suor dos trabalhadores está a alma de todo o nosso povo.»
Estas considerações vêm a propósito de uma intervenção do Deputado Manuel Gusmão sobre a RTP.
Relativamente a isso, o nosso correspondente afirma:
«Não se esqueça o Sr. Deputado Manuel Gusmão que todo aquele que repudia o que espontaneamente nasce do povo, quer sejam canções ou outros fundos do sentimento, não é digno de filho, do povo, é um degenerado.»
A Comissão Revolucionária de Apoio à Reforma Agrária, de Lisboa, envia-nos um comunicado que resume a sua interpretação dos acontecimentos em Rio Maior. Esse comunicado fica à disposição dos Srs. Deputados.
O Sr. Machado da Fonseca, de Espinho, escreve-nos a propósito de um problema que merece ponderação: é o pagamento das contribuições e licenças camarárias. Diz o nosso correspondente que essas licenças e contribuições se venceram em Novembro, que algumas já entraram em relaxe. E, a esse propósito, afirma: « Acontece que sendo as ditas contribuições e impostos originários dos resultados do exercício de 1974, neste momento, devida à paralisação de negócios que se verificou ao longo da ano de 1975, as empresas foram consumindo as seu fundos de maneio em pagamentos de salários e não têm agora recursos para efectuar tais pagamentos.» A fim de obviar a esta situação, sugere que o problema seja resolvido pelo Sr. Ministro das Finanças. Aqui fica o apelo do nosso correspondente.
A Comissão Administrativa da Câmara Municipal do Concelho de Mangualde escreve-nos a manifestar o seu apoio à moção aprovada em reunião conjunta das câmaras municipais do distrito da Guarda, e de que já foi enviada cópia a esta Assembleia.
O movimento de solidariedade a favor de Maria Alice da Costa Carvalho, de Braga, informa-nos estar a realizar uma subscrição pública para obter os fundos necessários (420 000$) para que aquela senhora seja sujeita a uma transplantação renal em Londres. Apela para todos os trabalhadores e, nessa medida, também para os Deputados do povo. O apelo aqui fica. Se alguém quiser contribuir, pode entregar a sua contribuição na Mesa, que a fará enviar aos nossos correspondentes.
Nada mais.

O Sr. Secretário (Coelho de Sousa): - Há uma declaração na Mesa de um Sr. Deputado:

Carlos Alberto Coelho de Sousa, Deputado a esta Assembleia Constituinte, que, por razões relativas às suas relações com o PPD, declara a V. Ex.ª que volta a fazer parte desse mesmo partido e, consequentemente, a integrar-se no respectivo grupo parlamentar.

Sala das Sessões, 16 de Dezembro de 1975.

(É assinado pelo declarante.)

Aplausos.

Vou ler um requerimento:

Requerimento

Considerando a situação financeira das câmaras municipais, que, fruto da elevação dos seus encargos, são incapazes de satisfazer as necessidades dos munícipes, vendo-se obrigadas a mendigar comparticipações e subsídios junto do Poder Central - acarretando esta pobreza franciscana a demitir-se ,por inoperância, junto das populações;
Considerando que a administração local deste país só consome 4 % do PNB, enquanto, em

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média, para que haja eficácia, o seu número tem de ser de 15 %;

Considerando que importa fazer uma justa distribuição de todos os recursos públicos pelos agentes que participam no desenvolvimento económico, nomeadamente Administração Central e local;
Considerando a necessidade de corrigir desequilíbrios verificados aquando da distribuição de equipamentos sociais entre regiões, a necessidade de aumentar as receitas camarárias, a necessidade de diminuir ou atenuar as diferenças entre municípios rurais e industrializados e o acabar de determinados impostos anacrónicos:
Requere-se, ao abrigo do disposto deste Regimento, as seguintes informações:

Se se projecta, e para quando, a publicação de um decreto-lei que, revogue a tributação dos anos 40, lançando as bases duma verdadeira reforma das finanças locais.

Sala das Sessões, 16 de Dezembro de 1975. O Deputado do PPD, Rúben José de Almeida Martins Raposo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Américo Viveiros, para ler um requerimento.

O Sr. Américo Viveiros (PPD):

Requerimento

Considerando que o respeito da vontade popular é condição essencial ao avanço do processo revolucionário em curso;
Considerando que o governador do Distrito Autónomo de Ponta Delgada, nos Açores, nomeado após o 25 de Abril, Dr. Borges Coutinho, destacado elemento do MDP/CDE, reconheceu no discurso de posse, pronunciado em Agosto de 1974, perante o Ministro da Administração Interna, que o povo é quem mais ordena»;
Considerando que, coerentemente com essa declaração e em face do crescente repúdio popular da sua pessoa e do seu partido, aquela individualidade muito ao contrário do que aconteceu, em todo o País, com correlegionários seus em condições idênticas - pediu a demissão do cargo que ocupava, durante a manifestação apartidária realizada em Ponta Delgada no dia 6 de Junho passado;
Considerando que, passado já quase meio ano, ainda não foi publicada a portaria de exoneração da referida individualidade, que mantém portanto a titularidade do cargo;
Considerando que tal situação constitui autêntico desrespeito pelo povo, que destituiu a supracitada individualidade das ditas funções e considera este facto uma das suas conquistas irreversíveis:
Requere-se, ao abrigo das disposições legais aplicáveis, que o Governo, pelo Ministro da Administração Interna, informe urgentemente o seguinte: a) Por que razão não foi ainda publicada a portaria de exoneração da mencionada individualidade do cargo de governador do Distrito Autónomo de Ponta Delgada?
b) Quando se pensa publicar finalmente essa portaria?
c) A que estatuto se encontra submetida a mencionada individualidade, nomeadamente em matéria de serviço e vencimentos?

Sala das Sessões, 16 de Dezembro de 1975. Os Deputados do PPD pelos círculos eleitorais dos Açores: Américo Natalino Viveiros - Germano da Silva Rodrigues - João Bosco Mota Amaral - Rúben Raposo.

Vou passar a ler outro requerimento:

Requerimento

Considerando que só a verdade é revolucionária;
Considerando que o avanço do processo revolucionário em curso passa pelo desmascarar dos falsos revolucionários e oportunistas que tentaram impor ao povo os seus critérios ultraminoritários em actuações de verdadeiro terrorismo;
Considerando que o assalto e devastação da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo, na ilha de S. Miguel, bem como os acontecimentos que os antecederam, ligados à «auto-eleição» de uma comissão administrativa, causaram a mais viva e justa indignação popular;
Considerando que esses factos ocorreram em Junho de 1974, em plena era dos assaltos às autarquias locais por elementos antes proclamados progressistas e defensores do povo, e que do inquérito a eles aberto nada foi ainda dito à opinião pública:

Requere-se:

Que o Governo, pelos Ministérios da Administração Interna e da Justiça, informe a que resultados conduziu o inquérito realizado aos acontecimentos da Câmara de Vila Franca do Campo, em São Miguel.

Américo Natalino Pereira de Viveiros - João Bosco Soares Mota Amaral - Germano da Silva Domingos - Rúben José de Almeida Martins Raposo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Afonso Dias.

O Sr. Afonso Dias (UDP): - Antes de passar à leitura do requerimento, e porque é a primeira vez que tomo lugar na Assembleia Constituinte, quero saudar o povo português e reafirmar que a UDP, hoje tomo ontem, se manterá de cabeça erguida,

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dentro deste hemiciclo, na defesa sagrada dos direitos do povo português.
Passo a ler um pequeno texto para fundamentar um requerimento.
Com o 25 de Abril o nosso povo reconquistou as liberdades espezinhadas durante 48 anos de fascismo. Em grandiosas e inesquecíveis manifestações, o povo, lado alado com os soldados, procedeu à libertação dos antifascistas encarcerados e impôs a detenção de muitos dos principais cabecilhas dessa ditadura odiada.
Hoje ouvimos dizer da boca de muitos responsáveis que após o 25 de Novembro foi reposto o espírito do 25 de Abril. É preciso dizer que isto é uma tremenda falsificação, é um insulto aos sentimentos democráticos do nosso povo.

Uma voz: - Não apoiado!

O Orador: - Se há comparação entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro é porque um é a negação do outro.
Depois do 25 de Novembro são os fascistas que são soltos e os antifascistas que são presos e perseguidos. No 25 de Abril o povo começou a utilizar as liberdades democráticas; no dia 25 de Novembro recomeçou à ser vítima da repressão.
A seguir ao 25 de Abril os soldados confraternizaram na grua com o povo, as organizações fascistas foram desmanteladas, o povo podre organizar-se e lutar em melhores condições por uma sociedade justa, avançar na Reforma Agrária e conquistar as nacionalizações de algumas grandes empresas pertencentes aos maiores inimigos e exploradores e impor-lhes melhores condições de vida e o aumento de alguns salários.
Hoje os oficiais reaccionários têm os seus canhões apontados às liberdades do povo, o fascista coronel Jaime Neves ...

Vozes: - Não apoiado!

Burburinho.

O Orador: - ... vai prometer os seus «chaimites» aos latifundiários e grandes agrários que em Rio Maior manipularam centenas de agricultores, os partidas fascistas ilegalizados pela sua participação nos golpes e conspirações contra a democracia, como o PDC, realizam já activamente os seus congressos, a burguesia exploradora começa a impor aumentos de preços dos bens de consumo popular, procurando assim recuperar os aumentos de salários.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Isso não é um requerimento.

O Orador:- Hoje, são os exploradores e os seus representantes, bem representados nesta Assembleia, que de atacados passam a furiosos atacantes.

O Sr. Manuel Ramos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

Burburinho.

O Orador: - Posso prosseguir, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Eu já concedo a palavra para. interrogar a Mesa. Um momento só.
Efectivamente ...
Vozes de protesto.

Eu peço o favor, talvez, de me ouvirem.
Efectivamente, tem sido hábito, nesta Assembleia, mais do que uma vez, ao apresentarem os requerimentos, fazerem considerandos justificativos das conclusões do seu requerimento. Reconheço, no entanto, que o Sr. Deputado está a exceder um pouco o hábito desta Assembleia, e pedir-lhe-ia o favor de resumir um pouco, porque tem outras oportunidades, ou seja, uma intervenção que poderá fazer antes do período da ordem do dia. Peço-lhe que resuma o texto em matéria de considerandos e que entre imediatamente nas conclusões do seu requerimento.

O Orador: - Sr. Presidente: tenho que fundamentar os considerandos e isto ...
Burburinho.

... trata-se do texto de fundamentação.
Burburinho.

Apupos.

O Sr. Presidente: - Não, não, não é assim. Isso não são considerandos. Isso é uma intervenção, que poderá ter lugar, e tê-lo-á, com certeza, logo que pedir a palavra para isso e for inscrito no período de antes da ordem do dia.
Peço-lhe o favor de resumir a sua intervenção, no sentido de apresentar o mais depressa possível à Assembleia as conclusões do requerimento.

O Orador: - Procurarei ser breve.

O povo português e todos os antifascistas e democratas vêem, por isso, com crescente apreensão as últimas actuações das autoridades civis e militares, que põem cada dia em maior risco as liberdades duramente conquistadas.
No passado dia 13, o Estado-Maior-General das Forças Armadas comunicou ao País que o fascista Tenreiro, antigo chefe da tenebrosa Legião Portuguesa e grande explorador do povo, tinha desaparecido, após ser conduzido a casa pelas autoridades, a pretexto de razões de saúde.
Os jornais deram conta de que as autoridades estabeleceram negociações com vista à libertação do general nazi, racista e assassino dos povos africanos Kaulza de Arriaga.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho novamente de lhe chamar a atenção, salvo melhor opinião, e de lhe pedir o favor de resumir o preâmbulo, digamos assim, do requerimento. Lembro que tem oportunidades - as que entender -, e com certeza que lhe serão concedidas à face do Regimento, de fazer uma intervenção sobre esse problema.
Peço-lhe o favor de entrar o mais depressa possível nas conclusões do seu requerimento.

O Sr. António Campos (PS): - Está-lhe a tomar o pulso, Sr. Presidente.

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O Orador: - Serei breve na fundamentação, mais uma vez, Sr. Presidente.
Em Estremoz, na semana passada...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenha paciência, não me obrigue a praticar um acto que fundamentalmente me desagrada, ou seja, retirar-lhe a palavra.
Tenha a bondade de entrar imediatamente nas conclusões do seu requerimento.

O Orador: - Considerando tudo o que foi dito anteriormente, requeiro que o Governo e o Conselho da Revolução informem:
1) Se consideram ou não uma afronta aos sentimentos democráticos do povo português a situação dos antifascistas detidos em Custóias, em tudo semelhante às que vigoraram para os antifascistas antes do 25 de Abril;

Burburinho.

Uma voz: - Isso não é uma pergunta.

O Orador:
2) Se é seu propósito continuar a reprimir e manter presos antifascistas, a ordenar buscas a casas, fábricas, clinicas e igrejas, enquanto são soltos pides e outros notórios contra-revolucionários;

O Sr. Pires de Morais (CDS): - Muito bem!

O Orador:
3) Se o julgamento e condenação dos pides e fascistas, que há tanto tempo o povo português exige, consiste para as autoridades em amnistiá-los ou libertá-los um a um;
4) Se, tendo o coronel Jaime Neves declarado em Rio Maior que estava disposto a mudar para lá os «comandos» da Amadora antes do 25 de Novembro, caso as coisas não corressem como ele queria, isto constitui ou não uma ameaça de quebra da tão falada «disciplina militar» e se, como tal, as autoridades pensam tomar medidas ou se, pelo contrário, essas medidas só se aplicam aos soldados e oficiais antifascistas;
5) Por que é ordenado o aumento dos preços de produtos essenciais, agravando assim as condições de vida aos trabalhadores, e não é tomada qualquer medida de expropriação dos capitais imperialistas estrangeiros que há muitos anos vêm sugando as riquezas do povo português;
6) Se os impostos agora fixados para o tabaco e a gasolina se destinam a pagar indemnizações aos figurões da alta finança e dos latifúndios alentejanos atingidos pelas nacionalizações e pela Reforma Agrária;
7) Se a libertação de Henrique Tenreiro se destina a que este retome as suas actividades económicas no sector das pescas, interrompidas com o 25 de Abril;
8) Se o Governo pensa chamar todos os monopolistas fascistas, como sejam os Meios, os Champallimauds, para que retomem as suas actividades económicas;

O Sr. António Campos (PS): - Provocador!

O Orador:
9) Se a libertação de Silva Cunha se destina a que ministros fascistas retomem a sua actividade política anterior nos Ministérios.

O Sr. António Campos (PS): - Tu é que és conduzido pelo fascismo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Antes de prosseguirmos, queria-lhes comunicar a razão por que se encontra ausente desta presidência o Sr. Prof. Henrique de Barros, que nesta altura se encontra em Paris, a. convite da Embaixada de Portugal, para assistir a uma recepção do Presidente e Vice-Presidente da Assembleia Nacional Francesa aos Deputados do Grupo Franco-Português. Portanto, fica aqui o esclarecimento sobre a razão justificativa da ausência do Sr. Prof. Henrique de Barros.
Também me pediu que chamasse a atenção de VV. Ex.as para as 7.ª e 8.ª Comissões, para irem preparando os seus trabalhos, porque pode eventualmente o mais rapidamente possível, sempre que for possível, é claro, entrar-se na discussão das 7.ª e 8.ª Comissões.
Entrando noutro ponto: a despeito de se poder considerar que este assunto devia ser resolvido na ordem do dia, tomei esta iniciativa, a que a Assembleia reagirá da maneira que lhe parecer mais justa, de o tratar imediatamente, pela razão simples de que não se encontra presente o grupo dos Deputados não inscritos e que só querem regressar à Sala, segundo fui informado na reunião que tivemos no meu gabinete, desde que tenham lugares, efectivamente, no hemiciclo. O problema foi posto na reunião que tivemos agora; houve divergências e de tal forma que eu estaria disposto, dentro do período da ordem do dia, a dar andamento ao requerimento que se encontra na Mesa apresentado pelo grupo de Deputados não inscritos. Mas acabo de ser informado, e tenho o maior prazer em o comunicar à Assembleia, de que as partes chegaram a acordo. Quer dizer: o PPD chegou a acordo com o grupo dos Deputados não inscritos para a sua colocação nesta Assembleia: mas como isto vai demorar um bocadinho, suspendo a sessão por 10 minutos para arrumação dos Srs. Deputados.
Eram 16 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:...

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia.

O Orador:-... No Congresso do PDC, que teve lugar neste fim de semana, em Leiria, foram feitas afirmações que não poderemos deixar sem resposta!

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O novo Secretário-Geral do PDC, Dr. Silva Resende, declarou a certa altura do seu discurso: «... o nosso partido há-de dar graças por ter as suas mãos limpas. Limpas de governos antiportugueses, limpas de pactos equívocos ou sob coacção, limpas de constituições atentatórias de direitos inalienáveis e sagrados.»
Com estas afirmações, pretende talvez o Dr. Silva Resende invocar que os partidos, ou, pelo menos, alguns dos partidos que têm assento nesta Assembleia e participam no Governo Provisório têm as mãos sujas por terem assumido as responsabilidades históricas das revoluções do Governo, da assinatura do Pacto Constitucional e da elaboração de uma Constituição democrática. que consagra os princípios e as conquistas fundamentais da Revolução do 25 de Abril.
Se é isso o que o Secretário-Geral do PDC pretende significar, nós, socialistas, queremos dizer que assumiremos orgulhosamente a nossa parte de responsabilidade na revolução portuguesa, queremos dizer, e dizemo-lo com orgulho, que de facto sujámos as nossas mãos na luta pela liberdade e pelo socialismo, antes e depois do 25 de Abril.

Vozes: - Muito bem!
Aplausos.

O Orador: - Quanto ao PDC e ao Dr. Silva Resende, não temos notícia de que alguma vez, antes ou depois do 25 de Abril, tenham metido as mãos na luta pela liberdade e pela democracia em Portugal.
Não os vimos na luta antifascista. E também não os vimos na luta pela defesa das liberdades conquistadas em 25 de Abril. Não os vimos sequer sair a terreiro para defender a liberdade religiosa ou para assumir a defesa da Rádio Renascença.
Vemo-los agora a pôr em causa a revolução portuguesa no seu conjunto.
Sim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PDC e o seu novo secretário-geral têm as mãos limpas de compromissos com a Revolução; resta saber se as têm limpas de compromissos com a reacção.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Não há revolução sem erros e sem desvios. Ninguém mais do que nós, socialistas, dentro e fora desta Assembleia, ergueu a sua voz, no momento oportuno, para denunciar e combater os erros e os desvios da nossa revolução. Ninguém mais do que nós se empenhou na luta pela defesa das liberdades e de uma via democrática para o socialismo.
Simplesmente de cada vez que denunciamos erros e desvios não o fizemos para pôr em causa os princípios e objectivos da Revolução; fizemo-lo para defender esses princípios e objectivos; fizemo-lo para defender a democracia, para salvar a Revolução e para garantir a sua marcha irreversível para o socialismo no respeito pela liberdade e pela vontade do povo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Pois, assim, o PDC e outras forças de direita, não tendo tido a coragem de lutar pelas suas ideias nos momentos difíceis, invocam agora os erros da Revolução para pôr em causa a própria Revolução.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós, socialistas, não queremos a liberdade apenas para alguns, não queremos a liberdade apenas pára nós. Sempre considerámos que a liberdade dos outros é um bem tão precioso como a nossa própria liberdade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Temos mostrado na prática que defendemos a liberdade de todos os portugueses, mesmo daqueles que são nossos adversários ideológicos.
Não contestamos o direito de os Portugueses se organizarem de acordo com as suas convicções políticas, desde que respeitem a legalidade democrática. Não contestamos o direito de os Portugueses se reunirem e exprimirem livremente. Ninguém, tanto como nós, desejo sublinhá-lo uma vez mais, se tem batido para garantir a liberdade de organização, de reunião e de expressão. Mas o que contestamos é o facto de alguns, que nunca se bateram pela liberdade, pretenderem agora aproveitar-se das liberdades que outros souberam conquistar e defender para pôr em causa as conquistas democráticas e revolucionárias do povo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O que contestamos também é o facto de se utilizar a sigla da democracia cristã para falar uma linguagem que não é cristã nem democrática, mas claramente revanchista e descaradamente reaccionária e fascista.
Aplausos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista é contra toda e qualquer forma de ditadura. Queremos construir o socialismo no quadro institucional de uma democracia política. Acreditamos no valor das ideias e da persuasão. Acreditamos sobretudo na maturidade e na capacidade política do povo português. E preferimos a incomodidade da democracia aos rigores da ditadura, seja ela qual for.

Uma voz: - Apoiado!

O Orador: - Jamais tentaremos impor o socialismo. Jamais permitiremos que ele seja imposto pela força. Mas também jamais permitiremos que, pela força ou pela manipulação, se ponham em causa as opções democráticas e socialistas do povo português.

Vozes: - Muito bem!
Aplausos.

O Orador: - As ideias reaccionárias responderemos com a divulgação das ideias democráticas e socialistas; à manipulação responderemos com o esclarecimento e a mobilização consciente dos trabalhadores e do povo; às práticas antidemocráticas responderemos com a luta pela imposição da legalidade democrática; quanto à violência contra-revolucionária, a essa, se ela se manifestar, responderemos, se for preciso, de armas na mão, na luta pela liberdade e pela democracia.

Aplausos.

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Queremos aqui dizer claramente que, com o mesmo vigor, a mesma firmeza e a mesma determinação com que nos batemos contra o aventureirismo golpista e pseudo-revolucionário, nos bateremos contra qualquer tentativa das forças reaccionárias para destruir as conquistas democráticas do povo português.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O golpismo não passou.

A reacção não passará.
A democracia e o socialismo vencerão, porque essa é a vontade do povo português.

(O orador não reviu, tendo feito a sua intervenção da tribuna.)

Vozes: - Muito bem!
Aplausos.

O Sr. Presidente: - Pedido de esclarecimento, quem pediu?

Pausa.
Tenha a bondade, Sr. Deputado Afonso Dias.

O Sr. Afonso Dias (UDP): - Eu queria pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado. Se o PS considera, erros e desvios ao respeito à liberdade do povo e à ordem democrática as rusgas pela calada da noite, as prisões dos antifascistas, a ameaça de ilegalização das comissões de moradores e ainda, quando diz que não defende só a liberdade para o PS mas a liberdade para os outros, pergunto se nos outros se incluí a libertação dos pides, como foi sugerido na televisão pelo Dr. Mário Soares.

(O orador não reviu.)

Burburinho.

Uma voz: - Provocador!

O Sr. Presidente:- Poderá o Sr. Deputado Manuel Alegre responder, se assim o entender.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Bom, Sr. Presidente, normalmente não respondemos a provocações. Nós não advogamos a libertação dos pides nem o nosso camarada Mário Soares alguma vez advogou tal libertação. Advogou, sim, o respeito da lei e o julgamento de todos aqueles que se encontram detidos. Quando falo de desvios e de erros da Revolução, refiro-me por exemplo a certas práticas, a certas torturas que foram cometidas no Regimento de Polícia Militar, uma unidade que com certeza o Sr. Deputado considera uma unidade progressista.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano de Carvalho.

O Sr. Herculano de Carvalho (PCP): - Eu queria perguntar à Mesa se a minha intervenção de hoje poderá ser adiada para amanhã, dado que ainda não tenho a minha intervenção preparada.

O Sr. Presidente: - Com certeza.
Segue-se o Sr. Deputado Galvão de Melo. Tenha a bondade.

O Sr. Galvão de Melo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito do que, na penúltima sessão, aqui foi dito pelo Sr. Deputado Nobre Gusmão do Partido Comunista sobre anticomunismo, parece-me oportuno fazer algumas observações. Passando de lado os termos particularmente infelizes usados pelo Sr. Nobre Gusmão ao dirigir-se a esta Assembleia, ao dirigir-se ao Partido Popular Democrático e ao dirigir-se a mim próprio decidi esta vez responder, não esquecendo nem o banho de mar nem a matraca que exibi no comício de Rio Maior. Eu, todos o sabem, sou anticomunista na medida em que sou antitotalitarista.

Vozes: - És fascista!

O Orador: - Contudo, mais que anticomunista, eu sou democrata.
Risos.

Uma voz: - E humorista.

O Orador:- Eu gostava ...
Burburinho.

O Orador: - E humorista, também, quando se trata de comunistas.
Risos.

Eu gostava de chamar a atenção dos Srs. Deputados do Partido Comunista que nunca os interrompi enquanto falam.

Uma voz:- És um provocador.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados tenham paciência. Não podem, efectivamente, manter um diálogo, e ainda para mais do tipo daquele que estava a iniciar-se.
Continuará V. Ex.ª no uso da palavra.

O Orador: - Contudo, mais que anticomunista, eu sou democrata, e portanto respeitador das ideias dos outros homens. E portanto respeitador das ideias dos comunistas, tanto como de todos aqueles que, seguidores de outras ideologias, possam, porventura, estar em oposição política comigo.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Aliás, foi esta convicção democrática que, dois dias depois dó golpe revolucionário de 25 de Abril do ano passado, sendo membro da Junta de Salvação Nacional, me autorizou e obrigou, perante numerosa imprensa (escrita, rádio e TV), a declarar «se a maioria dos portugueses optarem pelo comu-

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nismo, por que não o aceitar? Mas esta opção há-de ser autêntica, isto é, há-de cumprir rigorosamente as regras do jogo democrático. Além de que este comunismo não poderá servir de veículo a imperialismos estrangeiros: terá forçosamente que nascer no País e obedecer somente a portugueses».
Quero com isto dizer que não aceitarei a tomada de poder pelo Partido Comunista, como não a aceitarei de qualquer outro partido político, desde que essa tomada de poder não seja escolha e eleição do povo português.
Quero com isto dizer que aceito perfeitamente a presença do Partido Comunista, como aceito a de qualquer outro, desde que ele aceite e proceda de acordo com as regras da luta democrática ...

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ... isto é, luta de ideias, luta de argumentos inteligentes, mas não luta pela força física ou sequer luta de oportunistas que abusivamente aproveitem da boa fé de outros.
Ora, a democracia, desejo afirmado unanimemente pelos partidos representados nesta Assembleia - talvez único desejo unanimemente até agora afirmado -, faz-se com partidos democráticos, e não com outros. Faz-se com o respeito de todos por todos, e não de apenas uns tantos. Faz-se por aceitações e cedências mútuas, e não por imposições unilaterais que, a permitirem-se, já seriam expressão de nova tirania, de nova ditadura.
Porém, a verdade é que os militantes do Partido Comunista, a despeito das boas intenções pessoais, individuais, são obrigados, pela totalitária direcção do seu partido, a tomar atitudes em contradição, em desrespeito, das mais elementares regras democráticas. Se não veja-se:
Logo após o 25 de Abril de 1974, aproveitando-se de uma revolução que não fizeram, os comunistas imediatamente tomaram de assalto posições de contrôle da máquina governativa com base no oportunismo próprio e boa fé dos restantes. Apoderaram-se dos meios de comunicação, de que se serviram largo tempo, para mal informar e desmoralizar o País. Neutralizaram aqueles que lhes resistiram. Boicotaram, pela violência, comícios de outros partidos; boicotaram, pela violência, manifestações dê outras ideologias; assaltaram e destruíram sedes de outros partidos; ...

Uma voz: - És um provocador!

O Orador: - ..., em total desrespeito por uma reforma agrária, têm, a seu coberto, praticado autênticos roubos e destruições, indo ao extremo de utilizarem mercenários estrangeiros.

O Sr. Herculano de Carvalho (PCP): - É ao ELP e ao MDLP que costumas dar apoio.

O Orador: - Incapazes de obterem o Poder pela via democrática, tudo têm tentado, após as eleições, para anular o efeito concreto, prático, dessas mesmas eleições.
E toda esta violência. se passa enquanto o Secretário do Partido Comunista, exibindo quase cinicamente todo o seu impudor, vai afirmando que é preciso «rechaçar totalmente as liberdades democráticas», que «não é possível levar o Pais ao socialismo por intermédio de ampla coligação democrática» e que «os comunistas não aceitam o jogo das eleições».

Vozes: - És mentiroso!

O Orador: - Então que aceitam?, pergunto eu, ...

Uma voz: - A ti não...

O Orador: - ... perguntam todos os democratas.
Vozes de protesto do PCP.

E tudo isto se passa enquanto os seus representantes aqui nesta Assembleia pouco mais fazem do que gritar, ameaçar, insultar.
Burburinho.

Mais recentemente, por meio de manipulação fraudulenta - denunciada pelo próprio Primeiro-Ministro -, ousaram mesmo «aprisionar» Ministros e Deputados dentro desta Câmara: único bastião democrático da Revolução.
Burburinho.

Apupos.

Por fim o golpe contra-revolucionário de 25 de Novembro, que teria precipitado toda a Nação em dramático banho de sangue, se não fora a. competência, a disciplina, o patriotismo das forças armadas e das forças de segurança que ião nobremente reagiram, apesar de tão mal compreendidas e injustamente tratadas.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não seja demente, Sr. Deputado. Não seja demente.
Burburinho.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não pode dirigir-se, de maneira nenhuma, ao Sr. Deputado da maneira como o está a fazer. Eu não tenho possibilidade de evitar que as pessoas profiram as palavras.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Depois de se ouvir o que se está, a ouvir...

O Sr. Presidente:- Eu só posso dizer às pessoas que as proferem que as não devem proferir.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Então diga ao Sr. Deputado que não seja insultuoso.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Uns podem insultar, outros não podem falar. A UDP à instantes, não podia falar ...
Burburinho.

O Orador: - Depois de tudo isto e o mais que a falha de tempo não permite relatar, vem agora o Sr. Deputado Nobre Gusmão tentar explorar, mais

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uma vez, com palavras baixas, os temores de um «banho de mar» e os temores de uma pequenina «matraca».
Atitude mais ridícula, não a posso eu imaginar.
O que é um possível banho de mar comparado à tentativa de um banho de sangue?

Uma voz: - É o que você quer.

O Orador: - O que foi o meu «incitamento à violência em Rio Maior, para usar a vossa linguagem, comparado aos criminosos incitamentos do Rádio Clube tantas e tantas vezes repetidos ao serviço do Partido Comunista?

Uma voz: - É falso!

Vozes de protesto.

O Orador: - O que foi o meu «incitamento» comparado com o vosso abortado golpe de 25 de Novembro?

Uma voz: - É falso. É falso!

O Orador: - O que vale a «matracazinha» de meio quilo,...

Risos.

... precisamente 550 g, se a colocarmos ao lado ...
Vozes de protesto.

Apupos.

... das armas apreendidas nas sedes do vosso partido?

Uma voz: - Não atire mentiras para o ar.

O Sr. Presidente: - Chamo a atenção da Assembleia: eu não pote evitar que as palavras sejam proferidas. A meu ver, a impropriedade de certa 1inguagem parece-me incomportável coar a dignidade desta Assembleia.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Ao lado das que ainda não foram apreendidas e ao lado das que têm sido descobertas ...
Apupos.

... na fronteira cujo destinatário fácil é imaginar a partir das remetentes: Rússia e Checoslováquia?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados do Partido Comunista, façam-se democratas e serão recebidos de braços abertos. Se não sabem como, perguntem aos vossos camaradas do PC espanhol, do PC francês e, sobretudo, do PC italiano.

Uma voz: - Vai discursar para Espanha.

Outra voz: - Demagogo.

Burburinho.

O Orador: - Até lá, Sr. Deputado Nobre Gusmão, as suas cândidas...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não está cá. Ele falou quando tu cá estavas; tu falas quando sabes que ele não está presente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado que está a intervir sabe perfeitamente que tem largas oportunidades nesta Assembleia, através de qualquer intervenção antes da ordem do dia, de poder usar da palavra quando quiser, e até o Sr. Nobre Gusmão poderá responder. Tem, aliás, o direito de defesa, e ser-lhe-á condida a palavra, se a pedir.

Burburinho.

Peço desculpa, Sr. Deputado Galvão de Melo. Faça o favor de continuar.

O Orador:- Até lá, Sr. Deputado Nobre Gusmão, as suas cândidas indignações contra o banho de mar e contra a pequenina matraca apenas me fazem sorrir.
E é tudo por hoje.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Para infâmia já chega.
Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Amílcar de Pinho, tenha a bondade.
Pausa.

Sr. Deputado Romero Magalhães.

O Sr. Romero Magalhães (PS): - Sr. Presidente: Agradecia que me dissesse quanto tempo tenho para falar, porque preferia falar amanhã, se estiver sobre o hora.

O Sr. Presidente: - Tem o tempo todo. Tem o quarto de hora. Eu tive de descontar o tempo da interrupção de alguns dos Srs. Deputados. Tenha a bondade de falar. Tem o seu tempo.

O Sr. Romero Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É do conhecimento histórico que as grandes mutações sociais rápidas, a que se dá o nome de revoluções, têm um limiar para além do qual as populações repelem quaisquer transformações. As revoluções, que aparecem sempre como uma esperança, vão, no decurso da sua inadaptação ao real, afastando-se dos projectos colectivos com que os povos inicialmente sonham, acabando por gerar um conflito entre o real e o utópico, entre o ser e o querer ser. Este desfasamento aliena os povos do seu destino, afasta-os do querer daqueles que, pretendendo-se mais lúcidos e mais sabedores, se autopromovem vanguardas e lutam por fazê-los felizes à força. Nesta contradição caíram até hoje quase todas as revoluções cataclísmicas: assim, a Revolução Francesa, que só depor de dezenas de anos de vicissitudes, de sangue, retomou os caminhos da liberdade e da igualdade jurídica que tinham sido as suas grandes conquistas.

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O nosso país conheceu também realidades deste tipo no século passada. E bem podemos hoje sentir quão longe se estava então do conhecimento do povo que soamos e que queremos ser.
Novamente os mesmos erros se cometeram durante estes poucos meses de liberdade que já contamos. As ideologias comunistas, coar, toda a sua aparente generosidade, também quiseram fazer o povo feliz à força. Custa-me profundamente ver pessoas cuja capacidade de combate é inegável fecharam os olhos à realidade, ao mundo em que vivem.
O esforço teorético é imprescindível ao nosso progresso. Mas se não se fizer esse esforço sobre a realidade concreta de um povo com quadros mentais, modos de vida e cultura próprios, produzem-se apenas ideologias. Faz-se o nosso querer realidade e cai-se numa atitude tacanhamente idealista. Faz-se dos nossos sonhos realidades o pior é o acordar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perdoem-me as reflexões expostas. Não sendo teórico, tenho, todavia, o bom senso de quem não tem crenças transcendentes e se aqui está é para lutar, de pés na terra, pela felicidade possível de um País em crise e desavindo consigo próprio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estivemos à beira de uma catástrofe há bem poucas semanas. Afastada esta, seria, é de supor, altura para uma pausa de reflexão e de sábio realismo político.
Que motivos houve para tal desastre? Ainda há bem poucos dias um conhecido ideólogo comunista nos disse aquilo que nós, socialistas, vínhamos defendendo desde, pelo menos, o passado mês de Julho. Os meios de comunicação social levaram à derroca da das aventuras esquerdistas que teriam posto a ferro e fogo o povo de Portugal, não fora a disciplina, por muitos ignorada, de grande parte das forças armadas.
Também aí o irrealismo, as ideologias, levaram a melhor sobre o bom senso. Num país em que tanta gente passou tanto tempo fardada, poucos ignorariam que duas companhias disciplinadas destruíam rapidamente regimentos (quantos fossem) carentes de instrução operacional. Mesmo assim tentou-se a aventura, fomentada que foi palio acicate de uma informação desbussolada que criou um País à medida dos seus desejos. Onde a informação deveria cumprir uma tarefa de esclarecimento, de pedagogia, de educação em toda, a nobre acepção do termo, fez-se um bourrage de cervaux de uma ignorante agit-prop.
A pausa pedagógica, reflexiva, devia seguir-se. Todavia, temo bem que assim não seja. E esta é a razão de subir a esta tribuna. Ontem, dia 15 de Dezembro, a televisão, de tão «brilhante» actuação nos tempos do fascismo como nos da 5.ª Divisão, voltou a dar informação enfada e capciosa e a agredir mais de metade da população do País.
Assim, «informou» que o PS era pelo regresso do MFA aos quartéis, posição que o nosso partido nunca defendeu. Lembro apenas o notável ensaio político aqui lido pelo meu camarada António Reis. Mas o PS já está habituado à «informação» televisiva: E o povo sabe bem quais são as nossas posições, pois não as escondemos. A importância que devemos dar-lhe é, portanto, a que merece. Pior, porém, foi o comentário ao lamentável reaparecimento do Partido da Democracia Cristã, partido que deve sem demora ser ilegalizado, pois a sua designação vai contra o votado nesta Câmara, em resolução em que o próprio CDS se absteve - é bom lembrarmo-nos.

Aplausos

O comentarista de serviço, cujo nome não quis fixar, voltou à carga com a reacção católica do Centro e do Norte do País. Conhecemos a música e sabemos onde está a orquestra. O que interessa perguntar é se isso não é uma agressão contra mais de metade da população portuguesa. E se não vai precisamente, por ódio a uma informação que afinal continua telecomandada, provocar o efeito contrário, fomentando, a penetração dos reaccionários, a cujo levantar de cabeça se queria abster. Se é que realmente se queria, pois as dúvidas começam a ser legítimas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos sete os socialistas representantes da povo do distrito de Coimbra nesta Câmara. Povo que, sem ser enganado par uma demagogia nunca permitida, é, segundo o comentarista, afinal reaccionário. A nossa paciência tem limites. É assente acabar com o balofo ideológica na informação e na pedagogia social que os mais media devam veicular. É urgente descer à terra e perder o complexo elitista e aprender com o povo para ser povo a achar as soluções reais para este país leal. Atitudes como as que aqui critico, a título de exemplo, são contra revolucionárias e revelam esse «uso burguês de cultura» que a nossa camarada Sophia de Mello Breyner se não cansa, de estigmatizar. Ou não será de um burguesíssimo mau gosto, a propósito do acontecimento, falar em «leitura científica do Evangelho» (sic)?
O aproveitamento reaccionário de algo tão puramente transcendente como a religião é condenável. Igualmente é condenável o ataque à sensibilidade religiosa, que tem de ser escrupulosamente respeitada. Sob pena de se criar um problema mais no nosso percurso para a democracia e para o socialismo. Temos de denunciar sem tibiezas as reaccionários que pretendem acoitar-se à sombra da Igreja, do mesmo modo que temos de denunciar quantos, a pretexto de ataques à reacção, mais não fazem do que uma pedagogia anti-revolucionária pela via da agressão ideológica.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, ambas as atitudes são profundamente marcadas pelo desprezo pelo povo. Ambas pretendem lográ-lo, desviando a atenção ,para um cepo de luta que mão é o político. Equivalem-se perfeitamente.
Quer-se combater a reacção? Sabemos bem, pelo menos do lado esquerdo da Câmara, o que isso custa.. Mas só é possível fazê-lo começando por respeitar o povo real, e não, querendo moldar o povo real à imagem e semelhança. Antes de mais, temos de respeitá-la e de não o agredir. Só assim o fascismo não passará.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Maria da Conceição, tem dez minutos. Não sei se chegará para a sua intervenção.

Pausa.

Tenha a bondade.

A Sr.ª Maria da Conceição Rocha dos Santos (PS):- Sr. Presidente, eu rectifico. Deve ser Maria da Conceição Racha dos Santos.

O Sr. Presidente: - Tem razão, minha senhora, a culpa é aqui do Secretário do lado direito, que confundiu o nome. Peço muita desculpa.

A Sr.ª Maria da Conceição Rocha dos Santos (PS):
De nada.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

A Sr.ª Maria da Conceição Rocha dos Santos (PS):
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vinda de zonas onde o sector agrícola está no centro das nossas preocupações mais prementes, não podia, ao falar pela primeira vez em voz alta nesta Sala, deixar de referir o estranho modo como está a ser levada a efeito a aplicação da Lei da Reforma Agrária, nomeadamente no campo da formação de cooperativas agrícolas e de cooperativas de complexos agro-industriais.
É lamentável que, neste preciso momento, funcionários, cuja missão foi promover postos de trabalho (que não criaram), orientar ou esclarecer trabalhadores, no sentido de formação de cooperativas enquadradas dentro do espírito dia lei, se aproveitem do cargo para que foram nomeados durante o V Governo, que criou comissões de apoio às cooperativas, agora já extintas, se aproveitem, dizia eu, dessas posições privilegiadas, que teimam em não abandonar, para, em nome de um Ministério, que também espera deles o cumprimento escrupuloso da lei, pressionarem, atemorizarem, ludibriarem, aqueles que lhes deviam merecer respeito e em nome dos quais vão sectariamente servindo interesses contrários aos dos trabalhadores. E estes vêem, confusos, desorientados ou perplexos, certos cavalheiros que, dizendo-se arautos de uma revolução agrária, usam os mesmos métodos que outrora eram usados pelos inspectores do velho fascismo.
De facto, alguns destes senhores vivem confortavelmente na cidade e vão, quando muito bem entendem, ao complexo agro-fabril o tempo suficiente para justificar as ajudas de custo, a deslocação e o ordenado, que continuam a receber, mesmo depois da sua função já ter caducado.
Podia referir casas concretas de funcionários que, a coberto de uma, democracia que não seguem e de um socialismo que não praticam, continuam a lançar trabalhador contra trabalhador, desmantelando comissões de trabalhadores eleitas democraticamente para as fazer substituir por outras, em que a vontade do trabalhador começa a ser relegada para segundo plano e até esquecida, usando uma verborreia que o homem do campo, simples por natureza, não divisa e que eles sabem utilizar às mil maravilhas, conscientes de que 1idam com pessoas que não tiveram, como eles, oportunidade de acesso à instrução, que difunde as ideias que a maioria do povo português esteve privado durante quase meio século.
Reputo tais senhores de maus funcionários. Eu chamo-lhes oportunistas, ditadores e vigaristas, pois, além de sugarem o suor daquele que trabalha, ainda usam autoritariamente a ameaça para os amedrontar. Não sentem escrúpulos nem a consciência lhes pesa quando ludibriam os trabalhadores, levando-os a acreditar em patranhas que inventam sob aparente legalidade para melhor os manipularem.
Alguns são possuidores de cultura - engenheiros - ou, pelos menos, ostentam títulos que fazem pressupor cu1tura. Mas aqueles a quem o dia-a-dia ensinou muito a respeito da terra que trabalham, dizem que eles não percebem nada «daquilo», que são incompetentes.
E eu pergunto: então para que servem tais senhores junto das cooperativas? Só para lançar a confusão, dividir trabalhadores e ainda por cima a expensas dos próprios trabalhadores, que vêem aumentar, com despesas desnecessárias, o estado já precário de certas cooperativas agro-industriais?
O comportamento indigno e ditatorial destes funcionários da ex-Comissão de Apoio às Cooperativas, que teimam em se manter nos extintos cargos, conduzirá, inexoravelmente, a um clima permeável a manobras contra-revolucionárias, que abrirão o caminho a um neofascismo.
E não só estes funcionários São responsáveis por atropelos à lei.
Atende-se, por exemplo, no exposto no jornal A Luta, de 13 do corrente, por um motorista dos transportes rodoviários do distrito de Lisboa, que pergunta: «quem é que vai ser o responsável ou responsáveis pelo sangue que se vai derramar em Alcácer do Sal, propriamente dito no IRA (Instituto de Reforma Agrária de Alcácer do Sal), e mais, em propriedades que pertencem ao concelho de Grândola, tais coma Assencada e Monte dos Pinheiros?, quando se refere aos maus tratos que recebeu e ao roubo da camioneta que conduzia por parte de «pretensos progressistas que ocuparam as propriedades da Agro-Pecuária, S. A. R. L.», firma onde trabalhava.
O trabalhador já está a firas saturada de maquinações e ou temo que comece a alhear-se do processo revolucionário quando já não distinguir o trigo do joio.
Ele conheceu a miséria e sabe que é preciso comer todos; os dias. Lembra-se de que, lá em casa, as crianças choravam quando não havia, pão.
Que melhor caminho para a reacção do que este de crianças a chorar com fome?
Urge que quem de direita volva abertamente os olhos para este estado de coisas e ponha, de uma vez por todas, ponto final a tais situações.
Fora com todos aqueles que não servem verdadeiramente o povo!
Tenho dito.
Aplausos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

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O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
1. Para melhor esclarecimento da posição constitucional dos tribunais, talvez tenha algum interesse sumariar a evolução do seu tratamento no direito constitucional portuguê6, confrontando as constituições liberais com a Constituição salazarista e esta com as leis constitucionais publicadas após o 25 de Abril.
Até 1933 os tribunais integravam um dos poderes do Estado, o poder judicial. Todavia, as diversas Constituições - de 1822, de 1826, de 1838 e de 1911 - só consideravam tribunais, na plena acepção do termo, na linha, aliás, do toda a tradição portuguesa anterior ao constitucionalismo, os tribunais comuns de jurisdição ordinária, os tribunais judiciais. Outros tribunais que elas previam ficavam numa situação secundária ou indefinida.
Nem podia ser de outro modo numa época em que as necessidades de jurisdição, de jurisdição especializada, eram relativamente pequenas e em que os órgãos jurisdicionalizados que iam surgindo em alguns sectores da Administração tinham um desenvolvimento balbuciante e esferas de competência restritas.
O artigo 116.º da Constituição de 1933, ao substituir a expressão «poder judicial» pela expressão «função judicial», abriu caminho, paradoxalmente, a um conceito mais amplo e também mais rigoroso. Dizendo «a função judicial é exercida por tribunais ordinários e especiais» veio explicitar (tenha ou não o legislador constituinte tido disso consciência) que todos os órgãos incumbidos do desempenho de determinada função do Estado materialmente definida - a função judicial ou jurisdicional - eram tribunais, mesmo quando não estavam subordinados ao Supremo Tribunal de Justiça e não podiam, só por esta razão, ser chamados tribunais judiciais.
Havia a distinção entre tribunais ordinários e tribunais especiais. Mas esta distinção, como resultava dos artigos 117.º e 119.º, apenas se reportava a certas garantias que eram conferidas aos juízes dos primeiros e não aos juízes dos segundos. Todos os demais preceitos da Constituição relativos a tribunais eram aplicáveis tanto aos tribunais ordinários como aos tribunais especiais.
Na linha das Constituições precedentes, tribunais ordinários eram os tribunais judiciais enumerados na segunda parte do artigo 116.º: o Supremo Tribunal de Justiça e tribunais de l.ª e 2.ª instâncias. Por exclusão de partes, todos os outros eram tribunais especiais, por mais arbitrário que fosse integrá-los todos na mesma categoria. Eram tribunais especiais, portanto, os tribunais judiciais especializados, certos tribunais não judiciais mencionados no próprio texto da Constituição - tribunais administrativos, de trabalho e de contas - e, enfim, os tribunais criados directamente por lei - tribunais fiscais, aduaneiros, militares, marítimos, de géneros alimentícios, etc.
Discutia-se bastante acerca da qualificação dos tribunais administrativos. Durante largos anos, tinha dominado a opinião, apoiada nas concepções do sistema administrativo de tipo francês transplantado para Portugal no século XIX, segundo a qual eram meros órgãos jurisdicionais da Administração ou do poder administrativo. Todavia, nos últimos anos, ia ganhando adeptos a tese contrária: que eram verdadeiros ,tribunais, órgãos da função judicial, embora, lamentavelmente, sem disporem de condições satisfatórias para decidir os litígios da sua jurisdição, os litígios administrativos.
O panorama dos tribunais portugueses, aquando do 25 de Abril, podia traduzir-se ainda no seguinte: para lá da dicotomia puramente formal de tribunais ordinários - tribunais especiais -,o que sobressaía era um número relativamente apreciável de diversas ordens de jurisdição, de diversos grupos de tribunais, cada um dos quais hierarquicamente subordinado a um tribunal supremo; e aqui o critério era exclusivamente orgânico.
A cada ordem de jurisdição correspondia uma magistratura e, na ordem judicial, havia ainda a distinguir entre magistratura da metrópole e magistratura do ultramar. As carreiras eram, pois, largamente diversas e, sem embargo de regras comuns, os magistrados de cada ordem de jurisdição tinham estatuto próprio, distinto do das outras.
Pulverização dos tribunais, pulverização das magistraturas, dispersão dos regimes jurídicos, dispersão dos serviços administrativos de apoio, eram, entre outras, as características do sistema judiciário do Estado Novo, agravadas pelas características dos sistemas político e económico-social subjacentes. Somente a verticalidade da esmagadora maioria dos juízes portugueses e o seu apego à profissão apesar da sua formação positivista - terão impedido tal sistema os conduzisse a uma completa submissão perante os detentores do podar político e do poder económico.
2. É nesta situação que surgem coma sinais de mudança o Programa do Movimento das Forças Armadas e o artigo 18.º da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio.
Com efeito, entre as medidas compreendidas no Programa do Movimento das Forças Armadas contam se [B, n.º 5, e)]:

Medidas e disposições tendentes a assegurar, a curto prazo, a independência e a significação do poder judicial;
1) A extinção dos «tribunais especiais» e a dignificação de processo penal em todas as suas fases;
2) Os crimes contra o Estado no novo regime serão instruídos por juízes de direito e julgados em tribunais ordinários, sendo dadas todas as garantias aos arguidos.
As averiguações serão cometidas à Polícia Judiciária.

Por sua vez, dispõe o artigo 18.º da Lei n.º 3/74:

1. As funções jurisdicionais serão exercidas exclusivamente por tribunais integrados no poder judicial.
2. Não é permitida a existência de tribunais com competência específica, para o julgamento de crimes contra a segurança do Estado.
3. Exceptuam-se do disposto no n.º 1 os tribunais militares.

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Qual o sentido deste preceito? Afigura-se-nos que tem de ser unicamente este: que todos os órgãos jurisdicionais são considerados tribunais e que entre todos os tribunais existe a unidade decorrente de exercerem todos a mesma função do Estado ou integrarem o mesmo aparelho de poder, o poder judicial.
Assim, o artigo 18.º da Lei Constitucional revolucionária vem corroborar a interpretação que dávamos ao artigo 116.º da Constituição de 1933. Só os tribunais exercem a função jurisdicional ou judicial; nenhum outro órgão de soberania a deve poder exercer; há um nexo indissolúvel entre tribunais e função judicial; os tribunais existem para exercê-la e ela apenas pode ser exercida através deles; a função jurisdicional, por natureza, exige órgãos com características precisas, os tribunais. Vai-se, pois, do elemento material - a função jurisdicional - para o elemento orgânico - os tribunais.
Mas a nova regra de 1974 não é a mera reprodução da velha regra de 1933. Não se limita a prescrever que as funções jurisdicionais incumbem aos tribunais; prescreve ainda que os tribunais têm de estar integrados no «poder judicial». Não basta que um órgão se denomine tribunal ou revista mesmo certas características de tribunal; urge que esse órgão possua as características específicas do «poder judicial» ou faça parte do sistema de órgãos em que este consiste.
Mais ainda: o sentido útil do artigo 18.º não se esgota no domínio conceitual.
A função judicial não compete senão aos tribunais e se os tribunais, salvo os militares, desempenham a mesma função e pertencem ao mesmo Poder, então é patente não já a homogeneidade dos actos que praticam, mas desde logo a unidade fundamental que os liga. Tomado como aparelho de poder de órgãos estaduais, o Poder Judicial é unitário e, mais do que unitário, uno.
Donde, uma importante consequência: que todos os tribunais, a partir de agora, são ou devem ser tribunais judiciais. Ou seja: que todos os tribunais devem encontrar-se, pelo menos, nas mesmas condições em que se encontravam os tribunais ordinários, os tribunais comuns de jurisdição ordinária, na Constituição de 1933; que os seus juízes devem ter a plenitude das garantias da magistratura; e que devem estar ligados administrativamente a um único ministério, o Ministério da Justiça.
Foi a partir destes dados constitucionais que os Governos provisórios puderam decretar as reformas legislativas destinadas a repor as instituições judiciárias em consonância com o Estado democrático e com as aspirações de muitos anos de luta pelos direitos do Homem. Por isso, graves distorções entretanto ocorridas à sua margem, com o Tribunal Militar Revolucionário, criado contra o Programa do MFA e com regras de processo que desrespeitavam elementares garantias de defesa dos arguidos, ou os pretensos tribunais populares», fruto de manipulação partidária, pouco significado podem ter perante a importância da reformas já concretizadas ou a concretizar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados:
3. O texto elaborado pela 6.ª Comissão enquadra-se plenamente nas ideias acabadas de expor e constitucionaliza as principais conquistas alcançadas até agora, através de preceitos não só tecnicamente apurados como politicamente progressivos.
Estes preceitos deverão ser conjugados com os respeitastes a direitos, liberdades e garanti-as, igualmente bem elaborados e completos, que atrás votámos - até porque a garantia específica dos direitos fundamentais não se encontra nem nas autoridades administrativas, nem no exercício do direito de resistência, nem sequer no Provedor de Justiça, mas sim nos tribunais (artigo 8.º, n.º 1, da parte II da Constituição), únicos órgãos que decidem segundo critérios de legalidade e não de conveniência ou de oportunidade política.
Embora a Assembleia Constituinte tenha, inexplicavelmente, a nosso ver, recusado a qualificação da República Portuguesa como Estado de direito, bem pode afirmar-se que o articulado que nos é proposto consagra - salvo algumas correcções a introduzir - os princípios fundamentais do Estado de direito democrático no tocante a organização judiciária.
Assim, vamos nele encontrar:

a) A atribuição aos tribunais, e só aos tribunais, das funções materialmente jurisdicionais - da «administração da justiça» (artigo 1.º), «reprimindo as violações da legalidade democrática e diminuindo os conflitos de interesses públicos e privados» (artigo 2.º);
b) A independência dos tribunais, em relação aos órgãos, políticos, e a sua sujeição apenas à lei (artigo 3.º);
c) A integração de todos os tribunais - todos considerados ,tribunais judiciais, com excepção dos tribunais militares e do Tribunal de Contas - numa única ordem de jurisdição (artigos 6.º e seguintes), sem prejuízo da necessária especialização (artigos 6.º, n.º 2, e 9.º);
d) A proibição de tribunais com competência para o julgamento de quaisquer categorias de crimes (artigo 6.º, n.º 3), salvo crimes militares (artigo 12.º);
e) A unidade de corpo e estatuto dos juízes dos tribunais judiciais (artigo 15.º);
f) A independência dos juízes, garantida através da inamovibilidade e da irresponsabilidade (artigos 17.º e 18.º) e da auto-organização da magistratura em termos de conselho superior ,próprio (artigo 16.º);
g) A separação da magistratura judicial da magistratura do Ministério Público, elevando esta a órgão autónomo (artigo 19.º);
h) O princípio democrático, não apenas por a justiça ser administrada em nome do povo, mas sobretudo por ser constitucionalizado o júri (artigo 10.º) e se admitirem outras formas de participação popular (artigo 11.º);
i) O princípio do contraditório (artigo 4.º) e o princípio da publicidade das audiências dos tribunais (artigo 14.º);
j) A obrigatoriedade e a prevalência das decisões dos tribunais sobre as de quaisquer outras autoridades - ou seja, o reconhe-

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cimento da força, do caso julgado -, prevendo-se mesmo a aplicação de sanções aos responsáveis pela sua inexecução (artigo 5.º).

4. O texto contém, todavia, algumas imperfeições e lacunas que poderão ser supridas, evitando-se, com certa facilidade, dúvidas e tentações de desvios por parte do futuro legislador ordinário.
Indicarei as seguintes:

a) A ausência da expressão «poder judicial», ao contrário do que acontece no Programa do Movimento das Forças Armadas e nas Constituições portuguesas; excepto a de 1933, sabendo-se que essa expressão reforça a ideia de independência dos tribunais em face dos demais órgãos ou poderes do Estado;
b) A subtil diferenciação entre tribunais «com competência específica» e «tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas» (artigo 6.º, n.º 2), sendo cento que a Constituição deveria indicar quais, para impedir uma nova dispersão de tribunais, ainda quando todos judiciais;
c) A formulação do n.º 3 do artigo 6.º, proibindo a criação, e não já a existência pura e simples de tribunais com competência exclusiva, e não já específica, para o julgamento de quaisquer categorias de crimes - formulação essa idêntica à do artigo 117.º da Constituição de 1933 e que marca um evidente retrocesso relativamente ao atrás citado artigo 18.º da Lei n.º 3/74;
d) A separação estabelecida entre o instituto do júri e as outras formas de participação popular na administração da justiça (artigos 10.º e 11.º);
e) A imprecisa definição da jurisdição dos tribunais militares e a atribuição aos mesmos da competência para o julgamento de acções (armadas) contra a segurança do Estado (artigo 12.º);
f) A adopção do termo «Conselho Superior da Magistratura», em vez de «Conselho Superior Judiciário» (artigo 16.º), até porque o Ministério Público também constitui uma magistratura;
g) A não definição de critérios a que deva submeter-se o legislador ordinário, quando abra excepções à irresponsabilidade dos juízes (artigo 17.º, n.º 2);
h) A admissibilidade de nomeação dos juízes para comissões de serviço (artigo 18.º, n.º 2);
i) A falta de qualquer alusão à assistência judiciária, sendo cento que o antigo 8.º, n.º 1, do título sobre direitos fundamentais, só indirectamente a pode abranger.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, o Estado de Direito não apenas há-de existir correspondente à sociedade democrática e socialista; ele envolve valores próprios e impõe-se, desde já, como requisito imprescindível e prova clara do rumo certo por que enveredamos, na eliminação de todas as formas de coacção, de alienação e de exploração do homem. O socialismo não se pode constituir seara democracia política nem Estado de Direito, e não há Estado de Direito sem instituições judiciárias guardiãs da legalidade formal e material e dos direitos fundamentais dos cidadãos contra os abusos do poder.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - Quando ainda domina em tantos espíritos a mentalidade fascista da violência e do facto consumado, quando para alguns a alternativa parece consistir em anarquia ou repressão, quando tantos cidadãos foram e ainda estão presos sem culpa formada, quando muitos anais ficaram privados, por motivos políticos ou de perseguição pessoal, do seu emprego, da sua carreira e dos seus direitos adquiridos, quando ainda não desapareceu toda a insegurança - quando isto se verifica, há que apelar para a autoridade moral dos tribunais como reduto principal de protecção da dignidade da pessoa humana.
Quando a maior parte das leis em vigor traz a marca da ditadura fascista, quando a desigualdade económica, falta de cultura e a natureza de certas relações sociais impedem a litigância ou a utilização de meios jurídicos adequados para a realização de legítimos interesses, quando os trabalhadores sentem ainda os tribunais como corpos estranhos e os juízes como elementos de classe antagónicos - quando isto se verifica, compreende-se o alcance das normas constitucionais e legislativas que devem regular a organização e o funcionamento dos tribunais e o recrutamento e o estatuto dos juízes.
A aplicação da Constituição vai seguramente exigir forte consciência cívica a todos os portugueses, efectiva participação popular, coerência dos políticos que se dizem democratas e socialistas, pronta acção legiferenta e fiscalizadora do Parlamento, renovação dos serviços da administração directa e indirecta do Estado. Mas vai exigir igualmente, todo o saber e toda a sensibilidade jurídica dos juízes: que sejam fiéis aos mais elevados valores de solidariedade humana, atentos às condições sociais e económicas dos casos a decidir, empenhados em verter as novas leis na vida e em reinterpretar as antigas sem face das normas constitucionais, capazes de fazer verdadeira elaboração jurisprudencial do direito e não mera exegese legislativa.
Os juízes portugueses, todos quantos participam na administração, da justiça e, em geral, todos os cidadãos esperam da Assembleia Constituinte que confira ao poder judicial a sua autêntica dimensão para que possa realizar a justiça e para que, também ele, possa contribuir para a tarefa de transformação da sociedade portuguesa numa sociedade mais livre, mais igualitária e mais pacífica.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Interrompida a sessão até às 18 horas.
Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 5 minutos.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda para segunda intervenção.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para fazer uma segunda intervenção com o único objectivo de, neste momento em que vai haver negociações entre os partidos, políticos e o Movimento das Forças Armadas com vista à revisão da Plataforma de Acordo Constitucional, lembrar um problema que considero fundamental para a eficácia da Constituição que estamos a fazer, para a aplicação pronta e correcta da Constituição que há-de ser instrumento fundamental da construção da sociedade democrática e socialista portuguesa. Refiro-me à criação em Portugal de um tribunal constitucional.
O problema da fiscalização jurisdicional da constitucionalidade das leis não vem tratado no parecer da 6.ª Comissão, porque esta expressamente remeteu para o estudo que se vai fazer durante a revisão do pacto, e porque considerou ainda que essa matéria, de certo modo, se encontrava abrangida no âmbito de trabalhos da 5.ª Comissão.
Como até agora ainda ninguém nesta Assembleia aludiu a esse problema, sinto-me na obrigação de o fazer por um lado, chamando a atenção para enorme desvio a todos os princípios que é o princípio constante do pacto actualmente em vigor, segundo o qual o Conselho da Revolução é o órgão de garantia da constitucionalidade das leis, e, por outro lado, para pedir que se avance um pouco mais na consolidação da legalidade democrática e na edificação do Estado de Direito, criando um tribunal constitucional!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Portugal, desde a Constituição de 1911 - e esse é um título de glória que os homens da I República, tão esquecidos, devem merecer -, temos em Portugal uma regra que atribui aos tribunais o poder de fiscalizar a constitucionalidade das leis. Essa fiscalização até agora não tem sido exercida com todo o rigor e com todo o desenvolvimento. Não se tem extraído dessa regra todas as consequências. Todavia, ela lá está e permitiu, quer na vigência da Constituição de 1911, quer na vigência da Constituição de 1933, que algumas vezes os tribunais efectivamente garantissem direitos fundamentais dos cidadãos ofendidos por leis ordinárias.
Foi, por isso, que eu, e suponho que todos os democratas portugueses, verifiquei que, no texto da Plataforma assinada em Abril, se atribuía ao Conselho da Revolução, órgão político, órgão formado por militares, a competência exclusiva para a declaração da inconstitucionalidade material das leis. Não percebo, ainda agora, a razão por que tal cláusula foi introduzida no pacto. De qualquer forma, quero insurgir-me contra ela, e, como já uma vez aqui fiz nesta Assembleia, protestam contra tudo quanto representa de retrocesso na tradição constitucional portuguesa, contra tudo quanto pode representar de grave risco para a defesa dos direitos fundamentais.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - Nós estivemos aqui nesta Assembleia a definir com todo o cuidado um catálogo de direitos, liberdades e garantias. Ora, se um órgão político, um órgão que julgasse segundo critérios de conveniência e de oportunidade, e certamente sem a devida formação jurídica - como é o Conselho da Revolução ou semelhante -, viesse a decidir se uma lei era constitucional ou inconstitucional, amanhã correríamos o grave perigo de direitos fundamentais serem gravemente transgredidos por leis ordinárias, muitas delas, aliás, feitas pelo próprio Conselho da Revolução, que é também órgão legislativo.
É, assim, que me pronuncio no sentido de, pelo menos, se voltar à regra constante da Constituição de 1911 (e que também passou, aliás com grave deficiência, para a Constituição de 1933), ou seja: que os tribunais tenham competência para apreciar a conformidade material, orgânica e formal dás leis com a Constituição e para, no caso de verificarem que existe desconformidade, não aplicarem as leis inconstitucionais. Mas, mais ainda, proponho que nós como outros que saíram de ditaduras - criemos um tribunal constitucional ...

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - ... à semelhança do que se fez na Áustria em 1920, à semelhança do que se fez na Checoslováquia em 1920, à semelhança do que se fez em Espanha em 1931, do que se fez em Itália em 1947, na Alemanha Ocidental em 1949, na Turquia em 1961. Proponho que em - Portugal se crie um tribunal constitucional, isto é, um órgão com competência especializada e concentrada para apreciar a conformidade das leis e dos mais actos do poder com a Constituição, órgão esse que, aliás, poderia ter também funções relacionadas com o contencioso eleitoral e com o funcionamento dos partidos políticos. O tribunal constitucional deveria ser um órgão jurisdicional, um verdadeiro tribunal. Na sua composição, porém, poderia atender-se a um recrutamento especial de juízes que tomasse em conta a natureza particular das decisões sobre inconstitucionalidade. Sugiro que esse órgão seja independente em relação ao Supremo Tribunal de Justiça e independente também em relação ao Conselho da Revolução; mas admitiria que tanto o Supremo Tribunal de Justiça como o Conselho da Revolução pudessem designar alguns ou todos os seus membros. Como é que seria organizada a fiscalização da constitucionalidade no âmbito do tribunal constitucional? Essa fiscalização poderia ser organizada por via de excepção e por via de acção.
Por via de excepção, através dos incidentes que fossem suscitados em quaisquer tribunais e que deveram subir ao tribunal constitucional, em vez de, como sucedia na vigência das duas Constituições anteriores, serem os próprios tribunais a decidir, com os inconvenientes de desconformidade de julgados daí advenientes. É este, por exemplo, o sistema que existe em Itália. Além disso, admitiria que, durante o período de, transição, e para defesa, precisamente, das conquistas revolucionárias do povo português, o Conselho da Revolução ou órgão equivalente tivesse o poder de propor acções de constitucionalidade perante o tribunal constitucional a fim de o tribunal impedir a vigência de leis contrárias a .essas conquistas revolucionárias.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema da constitucionalidade das leis, da garantia da conformidade das leis com a Constituição, não é simples problema para juristas, é também problema para políticos. E não se trata de aqui se defender qualquer juridismo, trata-se de não defender qualquer legalismo puramente formal. Trata-se de defender as condições objectivas, através das quais há-de ser possível a construção da sociedade...

O Sr. Presidente: - Falta um minuto, Sr. Deputado.

O Orador: - ...melhor que queremos realizar no nosso país. Trata-se de, através de instituições, como esta que preconizo, preservar os direitos fundamentais dos cidadãos e aquela legalidade, sem a qual não pode haver Estado de direito, não pode haver democracia política, não pode haver o socialismo de face humana que queremos que venha a haver no nosso país.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem:

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Afonso Dias, tenha a bondade.

O Sr. Afonso Dias (UDP): - É a primeira vez que faço um intervenção nesta Assembleia sobre a matéria da Constituição.
É a primeira vez, e não será, está visto, a última, que digo nesta Assembleia que os projectos apresentados pela comissão são o mais completo conjunto de instruções sobre como tentar fazer o movimento popular e a roda da história andarem para trás.
Mais ainda: esses projectos são reaccionários.

Burburinho.

Já há muito tempo que a UDP o denuncia.
Os Srs. Deputados presentes na comissão esforçaram-se, e conseguiram fazer um texto que tem a principal característica de remeter toda a decisão de justiça para fora das mãos do povo.
Ao abordarem esta questão da justiça os Srs. Deputados esquecem-se do fundamental: a justiça não é para todos a mesma coisa.
Há uma justiça que teme o povo e a luz do dia, prefere as salas fechadas e pequenas. Essa é a «justiça» dos opressores. A outra defende e não teme o povo faz-se aos seus olhos e onde ele está. Essa é a justiça popular.
Há uma «justiça» que teme a discussão e outro argumento não tem que a repressão bruta e cega. Essa é a «justiça» dos opressores.
Há uma «justiça» que precisa de vestes pomposas, fala latim e rege-se por códigos fascistas. Essa é a justiça dos exploradores.
A outra justiça veste-se como o povo, fala a sua linguagem e tem a vontade do povo erigida em lei.
O que este articulado da comissão defende é a «justiça» dos opressores e exploradores.
O articulado fala ao de leve e de passagem na participação popular, mas não diz quando nem porquê.
Antes fala em termos hipotéticos de que a lei poderá criar juízes populares.
De resto tudo se baseia na justiça burguesa, todo o articulado está feito em função dela.
O texto diz que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.
Neste momento, a independência dos tribunais é a das leis fascistas em vigor, e essa já o povo sabe qual é.
É a independência que está do lado dos senhorios especuladores, que destroem casas para evitar que os trabalhadores sem casa lá posam viver.
É a «independência» que está do lado da «Reforma Agrária» que discretamente proíbe as ocupações das terras dos latifundiários fascistas, que destrói todo o processo democrático da Reforma Agrária feita pelos próprios camponeses e assalariados rurais e a atira, para os corredores dos Ministérios, ao mesmo tempo que deixa sem solução os gravíssimos problemas dos pequenos e médios agricultores.
É a «independência» da lei que acusa de assassínio um trabalhador que se defende das agressões do patrão.
É a «independência» de uma lei feita pelos exploradores e opressores para ser utilizada contra os explorados e oprimidos.
No futuro, será a «independência» das leis feitas por Governos que resolvem os problemas à bomba, que atacam o povo à metralhadora, que aumentam os preços, que não reconhecem a legalidade às comissões de moradores, que se viram contra os explorados e oprimidos.
Será a «independência» dos juízes que passaram anos a meter tratados na cabeça e que no fim ficaram com muita oratória, mas longe e bem longe do povo trabalhador. Esta Assembleia, tão cheia de ilustres advogados, é bem a prova do que dizemos.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Obrigado.

O Orador: - A visão desses senhores limita-se às quatro paredes de uma sala escura, às entrelinhas dos tratados. A sua capacidade é a dos aldrabões bem-falantes.
A Comissão não indicou, até porque isso não lhe interessava, que o julgamento de todos os implicados no regime fascista, nos golpes e acções fascistas será realizado em tribunais com ampla participação popular.
A Comissão não indica que os fascistas, reaccionários e todos os inimigos do povo sejam julgados em tribunais revolucionários, no decurso de um processo público em que lhes sejam asseguradas todas as possibilidades de defesa.
E que fique bem claro que, tribunais revolucionários não são tribunais militares ou civis especiais, mas sim tribunais onde haja uma ampla participação popular em todas as fases do processo.
No fundo, todo o articulado da Comissão serve para mostrar uma coisa: o que os exploradores defendem são as suas posições privilegiadas de classe dominante; o que eles acusam é o povo trabalhador por não trabalhar mais e por se unir em defesa dos seus interesses; o que eles temem é que o povo faça justiça nos seus locais de trabalho, nos seus bairros, nos seus quartéis, nas sua fábricas.

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Numa palavra, o que eles temem, o que os Srs. Deputados temem é a justiça popular em que podem vir a ser as vítimas da cólera do povo (risos), farto de ser enganado em fantochadas à porta fechada, num ambiente de opressão, onde o povo não fala sob pena de ser expulso pelo juiz armado do seu martelo, e só pode ouvir e calar diante da sentença que a burguesia dita ao povo que explora nas fábricas, na cidade e nos campos.

(Vozes diversas que não puderam ser registadas.)

Sr. Presidente, eu julgava que isto era uma Assembleia e parece mais a Praça da Ribeira, sem ofensa às vendedeiras.

Risos.

Manifestações.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia. Peço a atenção da Assembleia, efectivamente não me parece muito feliz a expressão «Praça da Ribeira», mas a verdade é que efectivamente na Assembleia se está a fazer um certo barulho. Eu peço à Assembleia que esteja o mais possível calada, de forma que o Sr. Deputado possa continuar a sua intervenção.

O Orador: - O povo não tem dinheiro para o poder gastar na «justiça» que aqui se prepara. O povo não tem possibilidade de arranjar bons advogados. O povo não pode esperar por sentenças que demoram anos ia ser ditadas. O povo não quer comprar testemunhas e fazer julgamentos que são uma farsa.

Burburinho.

Os tribunais burgueses terão hoje, quando muito, legitimidade para arbitrar diferendos entre exploradores, mas, não têm qualquer legitimidade para decidir dos destinos do povo: o povo não lhes reconhece tal autoridade.
Hoje, para se prenderem antifascistas não é preciso cumprir leis, nem ir a tribunais.
Para se libertarem conhecidos fascistas odiados do povo também não são precisas leis, não é preciso julgamentos.
Para serem libertados, basta ao Governo que sejam reconhecidos como fascistas.
Segundo os jornais, o tenente-coronel Costa Neves, membro do chamado Conselho da Revolução, estuda a possibilidade de aplicação de uma amnistia a presos políticos, na qual serão .certamente .incluídos os agentes da tenebrosa Pide.
Esta é a justiça dos inimigos do povo.
Em Custóias mantêm-se presos largas dezenas de militares antifascistas, isolados e incomunicáveis, em condições prisionais. que fazem lembrar as dos calabouços fascistas, condições que contrastam com a vida regalada que os pides disfrutaram durante todos estes meses.
Esta é a justiça dos exploradores!
Buscas arbitrárias são feitas pela PSP, GNR e Exército e atingem fábricas, herdades, clínicas e associações populares. Basta invocar o pretexto de uma denúncia anónima para que as forças repressivas entrem e revistem onde muito bem querem, num grave atentado aos direitos democráticos mais elementares dos cidadãos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Isso é que é a justiça popular.

O Orador: - Há dias chegou-se ao ponto de a GNR de Alcácer do Sal invadir e devassar a igreja evangélica local. Esta é a justiça dos exploradores!

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - E atirar pessoas ao Tejo?

O Orador: - Ainda hoje mesmo se soube que ao mesmo tempo que eram indiscriminadamente saneados todos os directores dos centros da Reforma Agrária era posto em liberdade mais um grande inimigo do povo e antigo Ministro do Governo fascista, Silva Cunha.
Esta é a justiça dos exploradores!
Essa justiça é bem clara: Repressão sobre o povo e os antifascistas, liberdade de actuação para toda a escumalha fascista, desde o PDC ao ELP.
É a justiça dos inimigos do nosso povo.
O grande tribunal, pelo qual terão de passar todos os juízes e perante o qual todos respondem, é o da luta do povo português por uma sociedade justa, onde a opressão e a miséria não fazem lei, onde não há lugar para fascistas nem para exploradores do povo.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Nem para a UDP.

O Orador: - Como, os presentes se aperceberam, fui forçado a incluir nesta intervenção as partes do requerimento que fui impedido de ler antes da ordem do dia.
Isto porque o vosso Regimento permite o corte arbitrário da palavra. Não há dúvida, as verdades custam a ouvir e para impedi-lo há que cozinhar leis apropriadas, que não impedem, contudo, que o fascista Galvão de Melo, a coberto de atacar o partido de Cunhal, desfile aqui o seu anticomunismo.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Pediu a palavra para esclarecimentos a Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo. E mais quem?

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Eu queria...

O Sr. Presidente: - Um momento só.

Pausa.

Tenha a bondade.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Eu teria várias perguntas a fazer. Eu esperava que fosse, efectivamente, menos demagógico este Sr. Deputado da UDP. No entanto, contém a mesma demagogia a que o outro já nos habituou, infelizmente. Mas eu iria simplesmente perguntar ao Sr. Deputado o seguinte: Se acha ele, nesse tribunal popular de que falou, que se deve julgar quem provocou a morte por afogamento de um militante do MRPP, no Terreiro do Paço.

(A oradora não reviu.)

Vozes: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Pediu a palavra também para pedido de esclarecimento a Sr.ª Deputada Maria Rosa Gomes.

A Sr.ª Maria Rosa Gomes .(PS): - O Sr. Deputado falou muito de justiça popular, falou também de verdade. A minha pergunta é bastante semelhante à da minha camarada Maria Emília de Melo, mas varia na resposta que o Sr. Deputado certamente não deixará de dar, com a verdade e a justiça que caracterizam as suas intervenções e que nós esperamos que venham a caracterizar, e que se diferenciem substancialmente das do seu antecessor, que apenas talvez não lesse tão bem como o Sr. Deputado. Eu queria perguntar, se por justiça popular entende afogar os jovens que pensam de maneira diferente de nós, que partilham ideologias diferentes de nós, e acrescentaria que, se isso é justiça popular, nós, os Deputados socialistas, em cujo nome não me importo de falar, repudiamos essa justiça popular.

(A oradora não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Florival Nobre.

O Sr. Florival Nobre (PS): - Eu, sobre os problemas relativos aos tribunais populares, lembra-me que houve um indivíduo no Alentejo que assassinou um sexagenário, apesar de ser um indivíduo latifundiário, não quero deixar de chamar a atenção que sempre me bati durante o fascismo contra essas prepotências que eram praticadas pelos fascistas. Como antifascista e como lutador pelas liberdades dos cidadãos, não posso aceitar que qualquer cidadão seja morto e o criminoso que o matou fique impune. Este indivíduo acabou por ser libertado pelos chamados populares, dentro do sistema dos tribunais populares.
Eu pergunto ao Sr. Deputado, faço a primeira pergunta: se está de acordo com isto, se é isto que eles entendem serem os tribunais populares. Como segunda pergunta, queria perguntar-lhe se as comissões de moradores que têm surgido, especialmente em Lisboa e nas zonas da cintura industrial, que aparecem sem que os moradores locais conheçam quem são, e que normalmente vão entregar as casas vazias a amigos e conhecidos, portanto, estas comissões que não foram eleitas pelos moradores locais, se é isto que eles entendem como comissões de moradores e se é isto que ele aprova nas costas dos moradores, que deviam ser os primeiros a pronunciarem-se sobre essas comissões.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Poderá V. Ex.ª responder, se assim o entender.
Tem a palavra.

O Sr. Afonso Dias (UDP): - Já foi aqui referido pelo meu camarada o incidente relativo à morte de um militante do MRPP, que nós lamentamos. Quero, contudo, e a talho de foice...

Uma voz: - ... e martelo ...

Risos.

O Orador: - ...perguntar se a Sr.ª Deputada se preocupa tanto assim com o militante da UDP assassinado pela PSP em Setúbal, aquando de um comício do PPD que lá se realizou o ano passado.
Vozes de protesto.

Quanto à prepotência pela morte do latifundiário, gostava de perguntar ao Sr. Deputado, antes de responder, se se refere ao latifundiário Columbano Monteiro e ao trabalhador agrícola José Diogo?

É a esse que se refere.
O trabalhador agrícola José Diogo não fez nem mais nem menos do que responder taco a taco às agressões do latifundiário fascista. Se é isto que o senhor quer que responda, isto é justiça popular.

(O orador não reviu.)

Vozes: - Rua. Ficámos esclarecidos.

Outras vozes: - Assassinos.
Burburinho.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção, Srs. Deputados. O Sr. Deputado José Luís Nunes tem a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fazer esta intervenção, faço-a na qualidade evidentemente de Deputado que é a qualidade que me trouxe a esta Assembleia. Ficaria, portanto, mal com a minha consciência se não evocasse também a minha qualidade de advogado e de homem de Direito, para quem, efectivamente, o primado da lei e o primado da justiça é aquele elemento que permite distinguir uma sociedade civilizada da pura e simples barbárie.
Desejaria também prestar ou referir uma homenagem a todos aqueles magistrados que não se vergaram e que foram justos, honrados e rectos durante a noite fascista.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Vou fazê-lo englobando-os no nome de um querido amigo meu, de um magistrado distinto a quem eu muito respeito, juiz, por inerência do cargo, do Tribunal Plenário do Porto, que se encontra vítima de um infame processo de saneamento que não há maneira de ser resolvido e que salvou a honra e a liberdade de tantos e tantos antifascistas. Trata-se ilustríssimo corregedor Américo Góis Pinheiro, cujo exemplo honrado quero recordar, exigindo que imediatamente cesse esse infame processo, e mais: que ele seja integrado imediatamente, já de acordo com a criminologia a que nos habituámos na sua carreira de magistrado, à qual tem pleno direito.

Vozes: - Muito bem!
Aplausos.

O Orador: - Dito isto, que ninguém ousará contraditar, eu gostaria de referir algumas coisas sobre justiça ou alguns princípios de justiça que urge aplicar.

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Sinto-me feliz por falar em seguida ao Sr. Deputado da UDP, pois o Sr. Deputado da UDP conseguiu, em síntese notável, expressar tudo aquilo que eu odeio e que combaterei até ao fim da minha vida, como homem de Direito, como cidadão e como advogado.

O Sr. Afonso Dias (UDP): - Excelente...

Aplausos.

O Orador: - É preciso dizer-se com muita clareza que aquilo a que se chama impropriamente justiça popular é pura e simplesmente, ou tem sido, a sigla que tem sido utilizada em Portugal e noutros sítios para acobertar a lei do linchamento, a barbárie, a lei de Lynch, o assassinato e o crime impune.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E é curioso que a expressão «justiça popular» que alguns «revolucionários», cuja ignorância só serve perante a sua falta de vergonha e o seu despudor,...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ...é também um princípio nazi; porque era assim que se chamava o tribunal de Prizeler, o tribunal do povo que, efectivamente, julgou muitos dos antifascistas e democratas alemães.

Vozes: - Muito bem!
Aplausos.

O Orador: - E é preciso dizer-se também que a expressão, ou tudo aquilo que o Sr. Deputado que me antecedeu no uso da palavra disse, e que não passa de um eco, de um pobre eco, de tantos e tantos disparates que enchem os nossos ouvidos a um tempo a esta parte, sobre problemas dos tribunais, é também concretamente a expressão clara daquilo que foi defendido pelos' melhores e mais importantes juristas nazis.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Os extremos tocam-se.

O Orador: - Nas suas palavras vemos, por exemplo, aquele princípio que era defendido por todo o pensamento alemão, nomeadamente o pensamento do ordinalismo concreto, em que, efectivamente, a justiça se revelava na alma e no espírito do povo, e que competia ao jurista explicitar, em normas jurídicas, esses princípios que se subordinavam, ou que se determinavam, ou que se expressavam, na alma ou no espírito do povo.
Nós sabemos o que é que isso deu. Deu a destruição do conceito de cidadão como sujeito de Direito e deu a constituição de «camarada do povo alemão», terminologia que, certamente, não repugnará ao Sr. Deputado, e que poderia substituir-se por «camarada do povo português» e que significava, pura e simplesmente, a criação, ou a manutenção, ou a existência de cidadãos de direitos diferentes definidos pela sua ligação à raça, ao sentido e ao sangue.
Era assim que falava para e simplesmente o código do povo alemão que Hitler criou, o Volks Gestzbuch, como já tive ocasião de dizer, para contrapor na sua
viciosa terminologia, ao código civil alemão, que ele considerava talvez burguês.
E essas expressões burguesas, na boca de cestas pessoas ou evocando certos princípios, chegam a aparecer-nos, nestes tempos conturbados que atravessamos, não como insulto, mas como elogio. A Revolução Francesa foi uma revolução burguesa.
Dito isto, alguns pontos que serão importantes focar, e nomeadamente no que se refere à organização dos tribunais, parece que deveremos manifestar na generalidade a nossa concordância com o articulado que foi apresentado pela Comissão. No entanto, há alguns pontos que, parece, é necessário que nos debrucemos sobre eles, e que seria importante que nós os analisássemos em concreto, para não cairmos em constitucionalizar determinadas normas ou princípios que podem, na aplicação prática, trazer graves problemas à administração da justiça. Em primeiro lugar, eu desejava referir-me ao artigo 4.º do princípio do contraditório. Todos nós sabemos a importância do princípio do contraditório e do princípio da contraditoriedade na administração da justiça. Simplesmente, entende-se que uma formulação deste estilo, para além do seu carácter conceptual, que permite que se ponham lá dentro muitas coisas, poderá trazer dificuldades àquilo que se torna necessário instaurar, que é o justo equilíbrio do princípio do contraditório com o princípio do inquisitório. O uso e o abuso do princípio do contraditório tiveram como consequência muitas vezes também o uso e o abuso daquilo a que se chamou a chicana processual e que levou necessariamente a um erro de sinal contrário, que foi colocar a justiça portuguesa demasiado dominada pelo princípio do inquisitório.
Simplesmente, não parece de forma nenhuma que seja este o momento ousado para cometermos determinados erros de exageros, e pareceria conveniente uma harmonização de ambos os princípios e a consagração também de um principio fundamental, que é o princípio da iniciativa processual, que se deve manter no campo do direito civil, mas que deve ser sensivelmente alargado no campo da prossecução da promotoria penal e do direito penal. Eu queria dizer, portanto, que nós só poderemos apreciar em concreto a jurisdicidade destas normas jurídicas e da organização da administração da justiça no articulado concreto em que estes princípios aparecem, não na sua formulação abstracta, mas concretamente aflorados.
Portanto, penso que, para além de manifestar o meu acordo, como digo, com o que aqui está escrito, não me parece correcta esta formulação e que dificilmente arranjaríamos uma formulação tão correcta que permitisse traduzir estas realidades. Parece, portanto, que uma solução possível seria a sua eliminação. No entanto, evidentemente, poderemos ver concretamente o assunto. Aliás, no relatório que foi apresentado pela Comissão, diz-se, por exemplo, o seguinte:«[...] Precisamente por isso, não se hesitou em aceitar a formulação de certos princípios, como o de inamovibilidade dos juízes e do contraditório, que dispensavam talvez uma consagração constitucional, tão discutíveis eles sempre nos aparecem.» Pois, desde que à Assembleia Legislativa caberá como competência exclusiva a organização judicial, parece arriscado ir admitir uma subordinação constitucional da administração da justiça ao contraditório, ou ao princípio

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da contraditoriedade, como, efectivamente, em certos casos, se prefere dizer.
Temos depois o problema dá participação popular na justiça. Eu devo dizer que a expressão «participação popular na justiça» é muito diferente da de «justiça popular». Evidentemente que nós podemos defender e devemos defender uma participação popular na justiça através de órgãos institucionais. Nomeadamente através de uma definição ou, redefinição, se necessário for, do papel do júri na administração da justiça. Nomeadamente através da admissibilidade da reorganização, em Portugal, daquela figura com grandes tradições no nosso direito, que é o juiz de paz. Mas é, preciso dizer-se, também, que isto de contrapor ou e falar em «justiça burguesa», que se contrapõe a uma «justiça revolucionária», é, efectivamente, para além de um disparate, uma descabelada hipocrisia.
Em nenhum país do Mundo que se conheça - eu falo do mundo civilizado - existe aquilo que se chamou justiça popular.
Na União Soviética, por exemplo, na base do tribunal da hierarquia judicial, existem uns órgãos semelhantes aos nossos juízes de paz, que são os tribunais de camaradas, que julgam casos de equidade. Portanto, os entendimentos, coisas que não revestem o carácter jurídico-penal ou jurídico-civil, como deve, evidentemente, entender-se num país socialista, mas que são semelhantes à estrutura que nós conhecíamos como juiz de paz. Pode ser importante, pode ser necessário que, no futuro, a reorganização judiciária constitua esta estrutura de juiz de paz, excepto se esta estrutura de juiz de paz se transformar numa forma de exercer pressões e de intervir numa coisa fundamental como um direito da personalidade, que é o direito da reserva íntima, ou da intimidade das pessoas. Há limites também para a actuação desta jurisdição de equidade. De qualquer modo, merece certamente o apoio de todos nós o princípio da participação popular na justiça, tal como ele é definido na Constituição, evidentemente, com o activo repúdio daquilo a que se chama «justiça popular».
Havia aqui um outro problema que também se desejaria resolver, ou se desejaria focar, e que era o problema da constitucionalidade e da inconstitucionalidade das leis. O nosso colega Deputado Jorge Miranda já se antecipou a muitas das coisas que eu desejaria dizer e com as quais eu estou absolutamente de acordo. No entanto, eu distinguiria duas coisas, que, aliás, estão subjacentes ao discurso do Sr. Deputado Jorge Miranda. Distinguiria, talvez, a possibilidade de impugnação ou de declaração de uma lei como anticonstitucional, fora dos feitos submetidos a julgamento, e a possibilidade de os tribunais, nos feitos submetidos a julgamento, poderem declarar e recusar-se a aplicar uma lei que é inconstitucional.
Nós conhecemos certamente a doutrina moderna, nomeadamente na esteira do eminente professor Castanheira Neves, no que se refere à não obrigatoriedade ou à possibilidade de o juiz se recusar a aplicar uma lei que é imoral ou injusta. Estando de acordo, mas fundamentalmente de acordo com esta formulação, eu creio que, no entanto, seria arriscado caminharmos desde já nesse sentido e dar uma possibilidade a um tribunal de dizer que uma lei é imoral ou injusta maxime, quando se vive num estado democrático. Mas já será possível, e já entendo que é possível, que um juiz, ou que um tribunal se recuse a aplicar uma lei, por ela ser formal ou materialmente inconstitucional.
Nós sabemos ou conhecemos a importância que tem havido, por exemplo, nos Estados Unidos da América, exactamente as tomadas de posição dos tribunais de primeira instância, que se recusam a aplicar em concreto uma determinada lei, dizendo que ela é materialmente inconstitucional, ou formalmente inconstitucional, embora a lei continue em vigor e o tribunal de 2.ª instância possa ter um entendimento diverso.
Dentro de um determinado caminho de ponderação e de evolução, que é necessário nestes assuntos da justiça - porque a instituição judicial, a justiça, é uma instituição sensível, e que, se é tocada nos seus princípios, se desagrega -, eu entendo que poderíamos talvez admitir, ou caminhar para um sistema híbrido em que houvesse um tribunal constitucional como única competência para apreciar, fora dos feitos submetidos a julgamento, a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de um diploma penal, mas que aos tribunais de l.ª Instância fosse dada uma ampla competência, uma total competência para dizerem ou recusarem a aplicar em concreto a lei, quando ela for formal ou materialmente inconstitucional, sem prejuízo de supor entendimento dos outros tribunais.
A diferença seria que, nesse caso, a lei continuaria em vigor. No caso da acção posta no tribunal constitucional, a lei, pura e simplesmente, deixaria de estar em vigor.
Simplesmente, deveríamos tem em atenção a necessidade de evitar que, através de recursos ao tribunal constitucional, se possa emperrara máquina legislante, quer ao nível da Assembleia Legislativa, quer ao nível do Executivo.
Esse foi, por exemplo, o esquema que o Parlamento seguiu no Chile, em que havia um esquema idêntico, e que não funcionou. Portanto, entendo que um recurso a um tribunal constitucional deverá ser bastante limitado e diminuído, sob pena de criarmos uma máquina que vai empobrecer, ou que pode empobrecer, com a sua acção através de recursos sucessivos de particulares, a actuação do Legislativo e do Executivo, também, nos casos em que tiver competência para tal.
Ora, estes problemas que aqui se deixam liminarmente esboçados levam ainda a dois problemas fundamentais, que é o da competência dos tribunais militares e o da competência que aqui não é aflorada, ou melhor, é aflorada, efectivamente, para reduzir as coisas ao seu devido sítio nos tribunais de trabalho. Quanto aos tribunais militares, destaca-se do uso de um foro em relação à pessoa.
Pois eu entendo que os tribunais militares devem continuar a manter uma competência, mas estrita ao julgamento dos crimes essencialmente militares, e tenho dúvidas, que poderão até ser citadas no debate, se os tribunais militares deverão ter competência para o julgamento de acções contra-revolucionárias de carácter armado, ou se essa competência deverá ser dissolvida ou deferida para os tribunais comuns. É um ponto fundamental.
De qualquer forma, entendo que, mesmo nos crimes essencialmente militares, as forças armadas, os

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elementos das forças armadas, deverão gozar sempre da faculdade de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça. E considero que esse problema poderá ser aqui assim por nós encarado profiquamente.
Quanto aos tribunais do trabalho, se adoptassem este articulado deixariam de funcionar tal como funcionaram até hoje. Em primeiro lugar, porque haverá uma só jurisdição para Portugal. Em segundo lugar, porque estes serão compostos necessariamente por magistrados togados, por magistrados de carreira.
Ora nós consideramos efectivamente fundamental esta exigência, de que os tribunais do trabalho passem a constituir uma só jurisdição em Portugal, embora possam existir - não sei se é certo ou não - com competência especializada, e em que a sua magistratura, sem prejuízo das qualidades e dos defeitos que certamente revelou, como todas, possa, efectivamente, funcionar, em que a sua magistratura fosse hoje integrada somente por magistrados de carreira. Considerando que é um ponto fundamental, porque, efectivamente, na sua veste, porque, efectivamente, na sua dignidade, porque, efectivamente, na sua defesa de função judicial só um magistrado de carreira, por mais defeitos que possa ter e que a lei procure corrigir, é capaz de garantir uma justiça íntegra e independente. Tudo o resto que se puser ou que se. contrapuser é demagogia, ou, pior do que isso, a instauração consciente ou inconsciente da lei de Lynch em Portugal.
E, contra essa, nós nos batemos, quer quando se trata do Ku Klux Klan, quer quando se trata de outros Ku Klux Klans de outras tendências.
Tenho dito.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente:- Algum pedido de esclarecimento?

Pausa.

O Sr. Deputado Jorge Miranda.
Mais alguém?

Pausa.

O Sr. Deputado Barbosa de Melo.
Mais alguém?

Pausa.

O Sr. Deputado Luís Catarino.
Pausa.

O Sr. Deputado Jorge Miranda, tenha a bondade.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se trata de abrir agora o debate, que espero venha a haver nesta Assembleia, sobre a fiscalização da constitucionalidade das leis, mas já que. o Sr. Deputado José Luís Nunes se referiu à minha intervenção acerca do tribunal constitucional, eu desejava pedir-lhe três esclarecimentos.
Começaria por recordar, se V. Ex.ª, Sr. Presidente, me permitisse, o sistema doutrinal constitucional que preconizei. Segundo esse sistema, o tribunal constitucional conheceria os incidentes de inconstitucionalidade suscitados nos tribunais judiciais, em qualquer tribunal, por via da excepção, e, por outro lado, conheceria questões de inconstitucionalidade por virtude de acções propostas pelo Conselho da Revolução. Não se trata, portanto, neste sistema, de retirar aos tribunais, a quaisquer tribunais, o poder de não aplicar leis inconstitucionais (os tribunais teriam esse poder, esse poder que lhes veio desde a Constituição de 1911, que lhes foi diminuído pela Constituição de 1933 e que lhes foi restituído, na sua plena integralidade, pelo Programa do MFA), mas, tão-somente, de os tribunais não serem eles a decidir das questões de inconstitucionalidade, competindo a decisão a um único tribunal, ao tribunal constitucional. Por outro lado, quanto à acção de inconstitucionalidade, não eram quaisquer entidades que teriam o poder de provocar aquilo que o Sr. Deputado José Luís Nunes chamou o «emperrar da máquina legislativa», mas uma única entidade, um único órgão, um órgão particularmente sensível às conquistas revolucionárias o Conselho da Revolução. E chamo a atenção para a diferença entre a nossa actual situação e a situação do Chile. Nós devemos ter uma Constituição revolucionária que será garantida através do tribunal constitucional. No Chile, pelo contrário, havia um Governo que se propunha realizar transformações revolucionárias na sociedade chilena e, pelo contrário, os tribunais e um congresso dominado por forças não interessadas nessa revolução é que propunham essas acções tendentes à declaração de inconstitucionalidade.
Mas os três pedidos de esclarecimento que queria formular eram os seguintes:
Em primeiro lugar, se não acha que um sistema como aquele que preconiza, e que, no fundo, era o sistema da Constituição de 1911 e da Constituição de 1933, em que todos os tribunais, em que todo e qualquer tribunal pode decidir da inconstitucionalidade na lei, se não acha que esse sistema pode conduzir à desarmonia de julgados. Isto é: hoje um tribunal considera que uma lei é constitucional, amanhã outro considera que essa mesma lei é inconstitucional, e cria-se uma certa insegurança jurídica. E, por outro lado, queria perguntar se não considera que esse sistema é um sistema, porventura justificado numa Constituição extremamente limitada ou reduzida, como a Constituição de 1911, se esse esquema se não coaduna ou se entende que. não se coaduna com uma Constituição tão complexa como aquela que estamos a fazer e que com certeza há-de exigir especialização. E, finalmente, eu queria perguntar-lhe se não considera que um sistema como aquele que preconiza, e que, afinal, foi o que já funcionou em Portugal, não acaba por conduzir precisamente a que os tribunais raramente conheçam da inconstitucionalidade, porque, até agora, todos os tribunais têm tido esse poder de declaração da inconstitucionalidade das leis. E eu, que uma vez tive de fazer um trabalho sobre inconstitucionalidade, raras leis declaradas inconstitucionais pelos tribunais encontrei. Os tribunais tinham como que uma timidez perante as leis inconstitucionais, tinham muito receio em declarar a inconstitucionalidade e, agora, receio eu...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem dois minutos.

O Orador: - ... que um sistema como esse viesse traduzir-se numa diminuição da força jurídica da Constituição.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Barbosa de Melo, tenha bondade.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por fazer uma pergunta ao Sr. Deputado José Luís Nunes. E a oportunidade desta pergunta está exactamente talvez nisto: é que a minha disposição de espírito à partida é bastante diferente da do Deputado Jorge Miranda. O Sr. Deputado José Luís Nunes disse - e pareceu-me que era esta a ideia que estava na base das suas considerações, ideia com a qual eu concordo - que não pode ser negado a qualquer juiz o poder de ser ele um garante no julgamento da própria Constituição. O juiz é um órgão de soberania e, no exercício da função de julgar, deve ter sempre acesso directo aos valores, aos princípios, aos preceitos constitucionais. Portanto, em princípio, o Sr. Deputado José Luís Nunes defendeu o sistema da fiscalização disseminada da Constituição por parte de todos os tribunais. Seria esse um atributo soberano de qualquer juiz. E eu, perante esta tese, com a qual concordo em absoluto (exactamente a tese que melhores frutos tem dado noutros sistemas; e se cá não deu, no período de 30, de 1930 em diante, talvez isso se deva, não ao sistema de fiscalização da Constituição, mas a outras razões que transcendiam esta matéria, nomeadamente à pressão exercida sobre os próprios juízes), eu pergunto ao Sr. Deputado José Luís Nunes, a partir deste ponto, a que vem o tribunal constitucional? Qual será a função que terá um órgão que se cria neste momento no aparelho, no topo do Estado, que realmente vai, no fundo, apenas revelar leis.
Era esta a minha pergunta.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Luís Catarino, tenha a bondade.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Embora o Sr. Deputado José Luís Nunes não tenha definido, nem era ocasião própria talvez para definir, a diferença entre o poder popular e a justiça popular, os tribunais populares, o que é certo é que não destrinçamos exactamente esses conceitos (e, repito, talvez não fosse a ocasião própria - desnecessária até ela seria - de distinguir tais conceitos), decorreu das palavras do Sr. Deputado José Luís Nunes uma certa aversão àquilo que chamou de manifestações do poder popular entre nós. E caracterizou esse poder popular, ou o exercício desse poder popular, através de tomada de formas de linchamento, de révanche, de perseguição, de intolerância. Eu pergunto ao Sr. Deputado José Luís Nunes se sempre aquilo que tem conhecido como afirmação do poder popular, depois da Revolução de 25 de Abril, tomou essas características.
A segunda pergunta é esta: disse o Sr. Deputado José Luís Nunes que excluiria, ou que não admitiria, pela menos de pleno, a existência de juízes populares, ou, pelo menos, não se mostrou muito consentâneo com essa ideia de existência de juízes populares, mas admitiu, pelo menos pareceu-me admitir razoavelmente, a existência de participação popular na administração da justiça, conceitos que são, efectivamente, diferentes.
Como o artigo 11.º da proposta da Comissão fala em tribunais, juízes populares e outras formas de participação popular, eu queria saber se o Sr. Deputado José Luís Nunes, à partida e já, exclui, na primeira forma, dessa discussão o artigo 11.º

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Quer fazer o favor de responder, Sr. Deputado?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Vou começar por responder ao Sr. Deputado Jorge Miranda, dizendo o seguinte: Muitos são os pensamentos que tenho acerca do assunto, que foi sintetizado pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo. Eu entendo que o tribunal é um órgão de soberania e que a fiscalização constitucional deve ser inicialmente posta no tribunal de l.ª instância, e que só como resíduo - e agora respondo ao Sr. Deputado Barbosa de Melo - eu admito esse resíduo. Suponhamos, por exemplo, este caso absurdo em que sucessivamente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça não pode ter carácter ad-rogatório ou ad-rogante, em que, pura e simplesmente, continua a manter que determinada lei é inconstitucional e, apesar de tudo, o Governa ou a Assembleia Legislativa, os poderes constitucionais, não derrogam essa lei. Ora, haveria aqui um caso em que poderia haver um recurso para qualquer coisa, para uma instância superior, que seria um tribunal constitucional.
Eu penso que os tribunais constitucionais se justificam essencialmente nos casas das repúblicas federadas, federações ou confederações, em que, através da existência de diversas legislações de carácter local, que correspondem muitas vezes à maneira de ser especial, à atribuição, etc., dos estados membros, das pessoas dos estados membros, é necessário que haja um tribunal superior que dê uma unidade jurídica muito clara, essa diversa jurisprudência que vai saindo dos diversos tribunais, e que nos Estados Unidos chega a ter, no campo penal e no campo cível, aspectos muitas vezes contraditórios. Basta ver, por exemplo, o que se passa no que diz respeito à pena capital, em que não só pela existência ou inexistência da pena capital, mas até, mais grave ainda, pelos crimes passíveis de pena capital, que vão, nos Estados do Sul, do estupro até, pura e simplesmente, nos setentrionais Estados do Norte, única e exclusivamente, à morte de agentes da polícia no exercício das suas funções. Basta referir por exemplo o processo actual penal, a intervenção do júri e do grande júri, determinado tipo de normas que às vezes são contraditórias e absolutamente diferentes. Ora, nesse caso, é que um tribunal constitucional, com uma grande competência generalizada, terá, na minha maneira de ver, uma grande aplicação. No nosso caso português, sem ex-

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cluir a hipótese, parece-me, no entanto, que ele deverá ter uma competência legal.
Quanto à Constituição complexa, eu não creio que a nossa Constituição seja complexa.
No entanto, seremos péssimos legisladores se não conseguirmos que esta Constituição, longe de ser uma matéria para especialistas, impregne a vida jurídica e dos cidadãos deste país. Eu entendo, por exemplo, que é muito importante que na cadeira de Introdução à Política, que se está a dar no 7.º ano dos liceus, longe de se ensinar as diversas teorias e de analisar em linhas gerais o que elas são, se ensine, efectivamente, com um carácter obrigatório, a Constituição Portuguesa. Não poderá haver nenhum bom cidadão que não conheça a sua lei fundamental, que não conheça a sua Constituição, que é, efectivamente, a fórmula 1 que garante os seus direitos.
Ora, eu entendo que, se um tribunal constitucional se poderia justificar pelas razões que há pouco dei, não me parece que de forma nenhuma se possa justificar perdoe-me o meu querido colega e amigo Dr. Jorge Miranda - pelas razões que apresentou. E pelo seguinte: porque entendo que é um dos tais casos em que nunca pode haver uma jurisdição especializada. E mais: o conceito de tribunal constitucional não se filia com a Constituição constitucionalizada, antes é uma antecipação ou uma criação de um órgão de soberania que fica já a meio termo entre a jurisdição comum e os órgãos legislativos do Poder com carácter supremo. Esta é que é a justificação, a meu ver, em termos de teoria de Estado,, num tribunal constitucional.
Ora, quanto a impedir a condição da constitucionalidade, eu creio que não, de forma nenhuma. A Constituição de 1933 caracteriza-se, a meu ver, por não ser uma Constituição, por permitir o golpe de Estado permanente. A minúcia a que nós descemos aqui foi conscientemente e muitas vezes inconscientemente dominada pela ideia da Constituição de 1933, que concedia todos os direitos, mas não legislativa devidamente, e não tinha, como o Sr. Deputado Costa Andrade afirmou e propôs na Comissão de que - fez parte e que foi muito importante até essa aplicação directa das normas constitucionais, que é um aspecto fundamental neste nosso articulado, e com uma magistratura diferente, a invocação da inconstitucionalidade vai permitir, para além de tudo, um reexame das normas jurídicas e será uma efectiva fiscalização em si popular, porque é oriunda dos efeitos submetidos a julgamento, das leis que os legisladores, legislativos ou executivos fizerem sobre a matéria. Quanto ao problema do Sr. Deputado Barbosa de Melo, eu creio que já respondi e devo dizer que estou totalmente de acordo. Acrescentarei um ponto: é que, embora eu pense que o princípio da não aplicação da lei injusta pode ser efectivamente real, eu sinto que, sob pena de se negar, e sem risco de cairmos num normativismo estreito, com o risco, sem esse risco, eu penso que a lei não pode consagrar esse princípio. Considero isso algo de carácter excepcional, e tanto mais excepcional quanto o dizermos num Estado democrático. Agora o que penso é que o juiz deverá ser sempre, como um órgão de soberania, a competência, para dizer: eu devo obediência essencialmente à Constituição, e essa obediência que devo à Constituição impede-se de aplicar esta lei que contraria liminarmente a Constituição, isto, evidentemente, fundamentando os casos. Agora é o problema que foi levantado pelo poder popular e pela justiça popular. Que efectivamente, diz o Sr. Deputado Luís Catarino, eu tenho uma certa aversão ao poder popular e à justiça popular.

O Sr. Presidente: - Peço o favor de resumir. Ultrapassou os quinze minutos.

O Orador: - Se V. Ex.ª o tivesse pedido identicamente às pessoas que me perguntaram, talvez agora não tivesse de me preocupar.

O Sr. Presidente: - A culpa não é minha. A culpa é de V. Ex.a, que aprovou o Regimento.

Risos.

O Orador: - Ora, portanto, dizia eu, quanto à justiça popular e à aversão pela justiça popular, não vou aqui agora distinguir os conceitos de justiça popular e poder popular, porque, senão, demoraríamos muito tempo. Eu direi que não me oponho à existência de um juiz popular, que, de resto, faz parte do nosso programa, desde que esse juiz popular se limite a julgar em casos muito concretos que podem ser resolvidos no plano da equidade, e que não constituem por si só ou necessariamente matéria subsumível a normas de carácter civil ou de carácter económico. É isto que é fundamental dizer-se. Pois evidentemente que nós sabemos que em agregados populacionais pequenos muitas vezes se criam fricções pessoais que podem ser superadas através de um magistrado oriundo, esse sim, do próprio povo, e que, através de um julgamento de equidade, poderá resolver problemas que criam fricções. Simplesmente, esta ideia de justiça popular não é necessariamente, nem, na minha opinião, perdõe-se-me, conceitualmente, inclusive, enquadrável num sistema especial. É algo de diferente: é aquela ideia que se tinha das nossas ordenações do julgamento de determinados casos através dos homens bons. E aquilo que, no fundo, se pretende através do juiz popular é, para além do significado concreto que a palavra tem, a instituição, num ou noutro caso muito concreto, de um sistema em que os homens bons da localidade possam julgar determinado tipo de coisas que só podem ser julgadas num plano de equidade. E quanto à possibilidade de execução desta sentença, inclusive, tenho as minhas fundadas dúvidas de que às decisões desse plano possa ser dada eficácia executória . Isto será um tema para tratarmos na altura própria.
Eu, efectivamente, peço desculpa por me ter alongado para além daquilo que o Regimento permite.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Vamos, portanto, passar à votação na generalidade do texto que tem estado em apreciação.
Submetido à votação, o texto foi aprovado, com uma abstenção (UDP).

O Sr. Presidente: - Antes de encerrar a sessão ...
Pausa.

Ah! Declaração de voto do Deputado Vital Moreira.

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3108 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 96

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Na declaração de voto apresentada pelos Deputados do PCP que fizeram parte da 6.ª Comissão foram evidenciados os aspectos altamente positivos da generalidade do articulado proposto para o capítulo dos tribunais,...

O Sr. Presidente: - Desculpe, dá-me licença? Eu queria pedir aos Srs. Deputados o favor de não saírem porque eu tenho uma comunicação a fazer antes do encerramento da sessão.
Tenha a bondade.

O Orador: - ...bem como as reservas que entendemos pôr em relação a alguns outros pontos.
Agora, ao votarmos na generalidade esse articulado não queremos deixar de enunciar algumas considerações sobre o significado político desta matéria - considerações que desde já fundamentam algumas propostas de alteração que oportunamente apresentaremos.
Quando o artigo 1.º do projecto declara que os tribunais administram a justiça «em nome do povo», importa que isto não fique apenas, como nesta fórmula constitucional declamatória, cobrindo uma «justiça»essencialmente antipopular. Não basta afirmar que os tribunais administram a justiça em nome do povo.
É necessário que a sua organização e actividade dêem garantias de servir os interesses populares.
Ora, há razões sérias para crer que não basta afirmá-lo para que tal se efective.
Bastará ter em conta a realidade que é o facto de os explorados e carecidos verem nos tribunais ainda um inimigo, um elemento de opressão. Bastará conhecer a realidade que tem sido a justiça, ou melhor a injustiça do trabalho, ao serviço de tudo menos dos interesses dos trabalhadores. Bastará constatar a realidade que é a inexistência da justiça administrativa, substituída pelo sórdido tráfico dos corredores dos
Ministérios e Secretarias. Bastará lembrar a autêntica imunidade de que beneficiaram a grande burguesia dos negócios e os altos dignitários do regime fascista.
Bastará recordar a abjecta instrumentalização dos tribunais, ao sabor dos mais mesquinhos interesses de um Governo ou de um Ministério.
Não se cura aqui, obviamente, de homens, e nomeadamente dos juízes. Cura-se, sim, de estruturas, de sistemas sócio-políticos.
Na realidade, a estrutura judiciária é um elemento fundamental de caracterização de um sistema político. É um esteio privilegiado de dominação política, de preservação de ordem social e política.
«Eles têm as leis, os tribunais, a polícia» - constatou alguém. E quando proferia «eles» significava as classes dominantes, a ordem económica, social e política vigente.
Com efeito, os tribunais não são neutros. Não são reaccionários só porque têm de aplicar leis reaccionárias. E não são, necessariamente, progressistas só por que são obrigados a aplicar leis progressistas. Os tribunais não são meros porta-vozes da lei. São uma estrutura política de per si, e não uma mera variável dependente de outras estruturas políticas do Estado.
A lógica judiciária é fundamentalmente conservadora, exerce uma acção de preservação das estruturas de cominação social e política. A origem de classe dos juízes, por outro lado, maioritariamente provenientes da média burguesia, bem como o seu estatuto social particular constitui-os, tendencialmente, em um corpo conservador, votado. à manutenção do sistema social vigente.

Esta questão surge com particular acuidade em períodos de transformação revolucionária. A estrutura judiciária e o corpo judicial surgem, geralmente, como elementos de resistência, de travagem, de reacção à dinâmica da transformação social. Nenhuma grande revolução até hoje pôde deixar de chocar-se com a estrutura judiciária e com o corgo judicial. Tal domo noutros domínios do aparelho de Estado, um aparelho judicial claramente construído para servir o fascismo não pode servir, intocado, um Estado democrático empenhado na construção de uma sociedade socialista.
Entendemos que o articulado agora aprovado; na generalidade, adianta soluções susceptíveis de transformar positivamente a estrutura judiciária existente. Entendemos, porém, que algumas outras soluções e particularmente algumas omissões em matérias importantes fazem com que o texto fique aquém do que se deve exigir a uma Constituição democrática e revolucionária.
Tenho dito.

O Sr. Presidente: - Há mais alguma declaração de voto?
Pausa.

Pois bem, o problema que se põe é o seguinte: são 7 horas e 10 minutos. Não sei se a Assembleia estará disposta a entrar já na especialidade ou deixar para a sessão de amanhã.
Pausa

Se não houver nenhuma reacção visível e sensível à Mesa, eu consideraria, portanto, como aprovada a sugestão de começarmos a especialidade amanhã.

Vozes: - Não!

O Sr. Presidente: - Bom, então vamos entrar na especialidade.

Vozes: - Já ...

Agitação no hemiciclo e troca de comentários que não foi possível registar.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados devem estar a dizer coisas muito interessantes, mas eu não consegui perceber coisa nenhuma. Mas admito que sejam muito importantes.
Risos.

Vamos ler o artigo 1.º
Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 1.º
(Definição)

Os tribunais são os órgãos de Soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

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O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve. É apenas para sugerir que o texto apresentado sofresse uma modificação no sentido que já referi na minha primeira intervenção de hoje, no sentido de que a função jurisdicional deve pertencer apenas aos tribunais. E que, portanto, se dissesse que «os tribunais são os órgãos de Soberania aos quais compete», ou «a que compete administrar a justiça em nome do povo».
A redacção que nos é apresentada - não ressalva inteiramente este princípio da exclusividade. Quando se diz que «os tribunais são órgãos de Soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo», poderia, por exemplo, entender-se que outros órgãos também tinham essa mesma competência. E parece-me que era importante que ficasse claramente decidido, de uma vez para sempre, que - os tribunais - são os órgãos de Soberania a que compete, e só a eles, administrar justiça em nome do povo.

(O orador não reviu.)

Uma voz: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não tem a sua alteração escrita? Ora um momento, por favor. Vamos a ver se, porventura, o nosso Secretário terá traduzido com fidelidade. Faça o favor, Sr. Secretario.

O Sr. Secretário (António Arnaut): A anotação que tomei é a seguinte:

Os tribunais são os órgãos de Soberania a que, ou a quem compete administrar justiça em nome do povo.

É isso?

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - A que compete!

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
O Sr. Deputado Manuel Vieira.

O Sr. Manuel Vieira (PS): - Eu entendo que o Sr. Deputado Jorge Miranda não tem razão. Teria razão, se a redacção fosse ligeiramente diferente. Se a redacção fosse: «Os tribunais são órgãos de Soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo»; então tinha razão.
A redacção é: «Os tribunais são os órgãos de Soberania com competência.» São os únicos órgãos de Soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo ...
Portanto, parece-me que a forma que ele apresenta (aliás, esta fórmula foi discutida na Comissão): «Os tribunais são os órgãos de Soberania a que compete administrar a justiça em nome do povo», também foi discutida na Comissão.
«A quem» não podia ser, de maneira nenhuma. Não podia ser porque é pessoal. Também se pôs a fórmula: «Aos quais compete administrar a justiça em nome do povo.» Mas esta fórmula é menos fria, sob o ponto de vista gramatical.
Portanto, o PS não tem em princípio uma objecção a opor à formulação do Jorge Miranda. Simplesmente, eu entendo, pessoalmente, que nada adianta, quer dizer, tudo o que ele diz já lá, está.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu acho que o Sr. Deputado Manuel Vieira tem toda a razão na explicação que deu, e, portanto, retiro a minha proposta. Congratulo-me, no entanto, por a proposta que apresentei ter permitido, precisamente, explicitar este princípio, para que não mais haja dúvidas. Retiro a proposta.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Está retirada a segunda proposta. Está o texto em. discussão.
O Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como estes dois artigos vão ser matéria de interpretação, seria talvez conveniente que fosse dito nesta Assembleia que esta formulação não exclui a competência dos tribunais arbitrais, nem a de, por exemplo, estruturas também dirigidas por magistrados togados, como nas comissões arbitrais. Portanto, evidentemente que na sua formulação não estão excluídos, porque os tribunais têm sentido lato, mas era bom que fosse aqui dito isto e que ficasse exarado nos autos, para quando ... quando ...

Risos.

... no Diário das sessões, para que, quando o problema fosse examinado, não se fossem ilegalizar, ou não se pensasse que essas estruturas eram susceptíveis de ser ilegalizadas.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Está o texto em debate.
Mais ninguém pede a palavra?

Pausa.

Vai votar-se.
Pausa.

O Sr. Deputado Barbosa de Medo, tenha a bondade.
Burburinho.

Se mais alguém se quer inscrever, era favor.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Eu queria fazer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um breve comentário à intervenção que acaba de fazer o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O texto, como fica, segundo o que vem projectado na Constituição, não resolve em rigor a questão de saber se os tribunais tem de ser necessariamente

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órgãos do Estado, se será de admitir a existência de outros órgãos, como as comissões arbitrais, como os tribunais arbitrais constituídos pelas partes e para administrar a justiça. O que, portanto, este preceito tem de significar é que, em suma, esses órgãos jurisdicionais que eventualmente venham a constituir-se têm de ser órgãos sujeitos, pelo menos, ao princípio da legalidade. Não é admissível que se dê a este artigo 1.º uma interpretação com a alcance daquela que apresentou o Sr. Deputado José Luís Nunes, sem, pelo menos, dizer que essas comissões arbitrais, ou esses órgãos jurisdicionais não estaduais que surjam em nome do princípio da autodiquia, se quisermos - o princípio de que os cidadãos se julgam a si mesmos -, que esses órgãos possam existir sem o princípio, sem que as condições do seu funcionamento sejam reguladas por lei, nos termos gerais desta Constituição. A interpretação, portanto, que apresentou o Sr. Deputado José Luís Nunes parece-me excessivamente ampla.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Se quiser responder, faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Gostava de dizer ao Sr. Deputado Barbosa de Meio que estou de acordo com o que diz. Simplesmente, quanto aos tribunais arbitrais, eu estava a pensar efectivamente nos tribunais pactícios, que funcionam nos termos da lei do Código Civil, mais nada. E esta formulação poderia, dentro de uma determinada tese que erradamente não considera esses tribunais órgãos de Soberania quando eles pronunciam efectivamente decisões cogentes que os colectizam como órgãos de Soberania, poderia permitir que eles fossem legalizados. Quanto às comissões arbitrais em que estou a pensar - para além de todas aquelas comissões de conciliação que não são bem comissões arbitrais de conciliação, em que efectivamente se trata de matéria da disponibilidade das partes e em que a comissão de conciliação unicamente dá forma legal àquilo que for pactuado -, estou a pensar numa coisa concreta: as comissões arbitrais formadas por magistrados togados, que são autênticos tribunais, e que julgam o problema das dívidas aos hospitais. E era a essas comissões arbitrais, em concreto, que é um sistema que tem provado, em grande parte, ser eficiente e que não deverá ser inconstitucionalizado, que eu me referia.
Portanto, agradeço a sua intervenção, que assim, precisar melhor o meu pensamento.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Dá-se por encerrado o debate e vamos votar.

Pausa.

O Sr. Herculano de Carvalho (PCP): - Era só para fazer um apelo aos juristas que discutem entre si estas questões para que, tanto quanto possível, utilizassem uma linguagem popular, de modo a toda a Câmara poder entender a discussão e poder participar, efectivamente, na sua discussão.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Aqui fica o apelo. Posso considerar encerrado o debate. Vamos votar. Vamos reler o texto que vai ser votado.

Foi lido de novo.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Aprovado por unanimidade. Artigo 2.º

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 2.º

(Funções)

Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Há uma proposta de emenda sugerida pelo Sr. Deputado Luís Catarino do MDP/CDE:

Proposta de emenda

A disposição deve ter a redacção seguinte:
Na administração da justiça, incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos, liberdade e garantias dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados, visando a construção da sociedade socialista.

O Deputado, Luís Catarino (MDP/CDE).

A alteração relativamente ao texto da Comissão é essencialmente esta última parte: «Visando a construção da sociedade socialista.»

O Sr. Presidente: - Quer usar da palavra o Sr. Deputado Luís Catarino.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Ao contrário do que pareceu entender o Sr. Deputado Arnaut - aliás, não fez com certeza um estudo atento, nem podia fazê-lo, no meio da proposta -, a parte fundamental da proposta de alteração nem é exactamente a final. No nosso entender, é exactamente aquilo que está alterado no carpo do artigo, no início e no meio do artigo 2.º agora em apreço. As finalidades da administração da justiça expressam-se em três momentos distintos, que são a defesa das direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, a defesa da liberdade democrática e a dirimência de conflitos entre interesses públicos e privadas.
Nós temos como primeiro objecto de defesa defender exactamente os direitos, liberdades e garantias que decorrem de uma legalidade estabelecida no direito positivo, lei ordinária ou lei constitucional. Temos outros interesses que decorrem da legalidade democrática que necessariamente não tem de constar do direito legislado, mas resulta de ioda uma prática política e de determinados princípios que se conquistaram no evoluir democrático de uma revolução,

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e temos, finalmente, também um outro momento em que se expressa a administração da justiça, que é a dirimência de conflitos de interesses públicos e privados.
Tal como vem redigido o texto da Comissão, parece-me que à administração da justiça apenas se aponta uma única finalidade, que é a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, tomando elas expressões tais como a violação ou a defesa da legalidade democrática e a dirimência de conflitos.
Quanto a nós, em vez de apontar-se aqui apenas uma finalidade - administração da justiça desdobrada em dois outros momentos, ou em três momentos -, apenas há aqui finalidades completamente distintas na administração da justiça, porque, repetindo, a defesa dos direitos, liberdades e garantias individuais resulta da defesa daquilo que está estatuído no direito constituído. A defesa da legalidade democrática pode fazer incidir a atenção dos tribunais na administração da justiça quanto a valores que não decorrem directamente da estatuição positiva do direito e também não se confunde sempre, de maneira nenhuma, com a defesa dos direitos, liberdades e garantias, a dirimência de conflitos públicos e privados. Isto, porque podemos imaginar que, na defesa dos direitos, liberdades e garantias, não estamos em frente de uma, situação que possa, ela, definir-se como interesses que conflituam processualmente no tribunal. Podemos admitir que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos possam ser definidos através de uma jurisdição que não tome em conta, tecnicamente, o conflito de interesses de litigantes no mesmo processo, mas, por exemplo, dos interesses que são definidos por uma via de jurisdição penal ou tutelar.
Sendo assim, parece que nós devíamos, relativamente à fórmula que vem da Comissão, isolá-la, tirando as formas gerundivas «reprimindo» e «dirimindo», transformá-la de tal ordem que aponte três finalidades que me parecem distintas e que não podem confundir-se.
A parte final do aditamento da alteração, que consiste no aditamento «visando a construção da sociedade socialista», exactamente decorrente dos princípios fundamentais definidos por esta Constituinte, relativamente ao Estado, aos fins do Estado, decorre de toda uma prática política que todos os sectores da vida social se impõem necessária e quotidianamente e da consideração de que este sector de administração da justiça sinta realmente a defesa desses valores de uma maneira tão premente como outros sectores da vida social portuguesa.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Continua o debate.

Pausa.

O Sr. Deputado Manuel Vieira.

O Sr. Manuel Vieira (PS): - Respondendo à intervenção do Sr. Deputado Luís Catarino, eu vou expor qual foi o pensamento do momento na Comissão. O pensamento do momento da Comissão, relativamente a este artigo, foi o seguinte: na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Incumbe assegurar a competência dos tribunais. Já veio no artigo 1.º: «Os tribunais são os órgãos de Soberania com competência para administrar ...» Agora vem, digamos, a explicitação dessa competência, agora vêm as funções específicas dos tribunais. E a Comissão hesitou se aqui havia de usara palavra «incumbe» ou «compete.». E prevaleceu a palavra «incumbe», porque se entendeu que a palavra «incumbe» indica o desempenho de uma função o desempenho da função judicial. E, portanto, « incumbe aos tribunais ...» A palavra «incumbe» traduz uma obrigação, simultaneamente um direito, mas sobretudo uma obrigação: ter obrigação de assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Essa é que se entendeu que é a função específica, própria, das tribunais.
Quando se diz, a seguir: «reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados», as palavras estão aí com rigor, com monta rigor. E aí de propósito, expressamente, para indicar a seguinte: que os meias de as tribunais assegurarem a defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos são precisamente esses: a repressão da violação da legalidade democrática e o dirimir de conflitos públicos ou privados. São os meias de que os tribunais podem dispor, e dispõem efectivamente, para atingir um fim. Portanto, eu acho que a intervenção do Dr. Luís Catarino, pelo menos na meu entendimento, vem contra o entendimento geral que se deu a este artigo.
Há aqui um problema que eu ponho ao Plenário, que é, além daquele que já pus («compete» em vez de «incumbe», ou «incumbe» em vez de «compete», a mim parece que é «incumbe» a termo, próprio), a palavra « reprimindo».
A palavra: «reprimindo» chorou alguns de nós, mas a verdade é que não se encontrou termo próprio para dizer que os tribunais devem impedir, pelos meios ao seu alcance, a violação da ilegalidade democrática. Se se encontrar um termo mais próprio, mais vigoroso, um termo que traduza melhor esta ideia, pois o Plenário está acessível, a esta ideia.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Continua em discussão.

O Sr. Fernando Amaral faça o favor.

O Sr. Fernando Amaral (PPD): - Nós concordamos com. o texto tal como vem formulado na proposta apresentada pela Comissão e não aceitamos o aditamento, proposto pela Sr. Deputado Luís Catarino porque, tal como vem formulado no sentido de aditar à proposta feita, com umas alterações apenas de pormenor, «visando a construção da sociedade socialista», isso era dar a este texto uma finaldade absolutamente desnecessária, porquanto a organização dos tribunais, ou melhor, do poder judicial, se integra em todo um contexto constitucional cujos princípios já foram definidos e, por isso, não iríamos dar aqui uma nova fonte de inspiração ao juiz - neste caso ao tribunal - porque ela já está inserida em toda a contexto constitucional, porque ela implica uma reformulação total, uma restruturação total de todas as nossas instituições, o ambiente próprio para o exercício das funções que vêm definidas

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neste artigo. Por isso é absolutamente desnecessário que, na proposta do Sr. Deputado Luís Catarino, se acrescente prioritariamente «visando à construção da sociedade socialista», porque ela já está implícita em todo o contexto constitucional, tal como vem sendo definido através dos trabalhos das Comissões que já foram aqui apresentados e aprovadas.

(O orador não reviu.)

Sr. Presidente: - Em discussão.
Pausa.

Ninguém pede a palavra. Vamos ler uma proposta, que é de alteração, do Sr. Deputado Luís Catarino.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - A proposta será, então, depois das considerações feitas pelo Sr. Deputado Luís Catarino, que explicitou melhor a sua proposta, e que de alguma maneira também esclareceu o meu entendimento, de substituição e não de emenda.
Será votada em primeiro lugar.
Foi lida de novo.

O Sr. Presidente: - Vai ser posta à votação.
Submetida à votação, a proposta foi rejeitada, com 18 votos a favor (PCP e MDP/CDE) e 1 abstenção (independente).

O Sr. Presidente: - Vamos então reler o texto da Comissão.
Foi lido de novo.

O Sr. Presidente: - Vai-se proceder à votação.
Submetido à votação, foi aprovado, com 4 abstenções (MDP/CDE).

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Há um aditamento apresentado pelos Deputados socialistas José Luís Nunes, Miranda de Andrade e mate outros dois camaradas, que peço desculpa por não identificar, porque as assinaturas são ilegíveis.
O aditamento é o seguinte: ao texto já votado propõe o aditamento da. expressão «nas feitos submetidos a julgamento».

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Quer usar da palavra o Sr. Barbosa de Melo?

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Era para pedir um esclarecimento à Mesa.
Trata-se, pois, de uma proposta de aditamento ao artigo 2.º É que eu não tenha aqui nenhuma cópia da proposta.

O Sr. Presidente: - Vamos ler, vamos ler.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Vou ler o artigo, porque interessa para explicitar melhor o pensamento dos proponentes.
Foi lido de novo.

O Sr. Presidente: - Alguém deseja usar da palavra?
O Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poderá pensar-se que é desnecessário este princípio. Simplesmente, esta Constituição é uma Constituição completamente nova em que, dentro da interpretação do seu sistema e aqui, dentro das suas diversas componentes, pode permitir ou contribuir para a ideia, sobretudo pela forma sintética e correcta como está redigido o artigo, que o princípio da iniciativa processual das partes ou do Ministério Público foi retirado daqui. Portanto, é necessário que fique qualquer coisa neste estilo.
Podem utilizar-se formulações diferentes. Por exemplo, o nosso colega, Dr. Tinoco de Faria, sugere que em vez de se utilizar a fórmula consabida «dos feitos submetidos a julgamento» se utilize uma expressão, que eu considero até mais correcta, e que permitia, portanto, se todos os meus colegas proponentes concordassem, alterar, que seria: «nos feitos submetidos a juízo». Porque pode haver um feito submetido a juízo em que não haja julgamento, porque houve uma composição das partes, e, no entanto, o tribunal já teve, pelo menos, ou pode já ter tido, uma actividade instrutória.
Muito brevemente, é o que se me oferece dizer sobre este aditamento.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Portanto, esta pequena alteração, com que, concluímos, estão de acordo, com certeza, pelo vosso silêncio.
Deputado Barbosa de Melo, tenha a bondade.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Eu propriamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece que nada haveria a opor a uma fórmula destas.
No fundo, quer-se dizer, segundo entendi a explicação, que os tribunais não oporão oficiosamente, que o tribunal, em princípio, que é um órgão, neste sentido, inactivo, um órgão neutral, só funciona quando estimulado por qualquer interessado que requeira justiça num caso concreto.
Parece-me que a explicação desta ideia não é necessária. Está ligada, diria, naturalmente ligada à ideia de o tribunal não ser um órgão nesse sentido inactivo, um órgão que só funciona por estímulo de um interessado num certo conflito. Por outro dado, poderia esta fórmula, cosmo se encontra redigida, ter este inconveniente: poderia desde já acabar de vez com uma ideia que. há pouco aqui foi discutida no plenário, a ideia dos tribunais constitucionais. Pois se um tribunal constitucional tiver a função de apreciar abstractamente as normas que lhe foram submetidas, em rigor aí não se pode falar de, um feito. No fundo, não é um caso concreto que é levado ao conhecimento e ao juízo do tribunal constitucional, mas é uma norma geral que, parece-me - e isto é uma opinião dada um pouco à primeira vista (a proposta também é apresentada assim) -, parece-me que, a introduzir-se aqui esta fórmula, queria ou podia querer-se significar desde já que: se exclui a possibilidade de um contrôle abstracto de normas feitas per tribunais.
Em conclusão, esta ideia parece-me certa. Porém, talvez seja desnecessária e a fórmula não seja muito

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feliz. De qualquer modo, estaremos abertos a outras formulações para a mesma ideia.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. José Luís Nunes?

Pausa.

Tenha a bondade.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Queria dizer ao Sr. Deputado Barbosa de Melo que fiz referência, há pouco, à maneira excelente como está definido este artigo 2.º E este artigo 2.º está definido da seguinte forma: «reprimindo a violação da legalidade democrática e dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados». Portanto, o efeito submetido a julgamento ou a juízo de uma lei inconstitucional abstractamente considerada cabe na primeira função do tribunal («reprimindo a violação da legalidade democrática»), que aparece ligada pela copulativa «e». Esse argumento não me parece que caiba. Evidentemente que, se coubesse, eu estaria de acordo com as objecções que fez.
Agora há aqui um problema que impressionou ou está a impressionar alguns dos nossos colegas. É o seguinte: e na conceito de tribunal, já há ideia dos efeitos submetidos a julgamento. Ora, salvo a devido respeito, eu não estou de acordo que a coisa seja assim. Eu diria que, no conceito de tribunal, até ao momento, já há essa ideia ou já está incluída essa ideia. No entanto, hoje em dia, em determinadas jurisdições especializadas começa-se a insistir muito claramente sobre a possibilidade de o tribunal poder actuar sem a observância do princípio de a iniciativa processual competir às partes, dando a este sentido de «partes» o sentido mais lato, não puramente civilista, mas também penalista.
Ora bem, numa Constituição deste estilo, em que nós fizemos, e ainda bem, uma rotura com uma série de aspectos do nosso passado próximo absolutamente condenáveis, pode pensar-se, se não ficar efectivamente legislado qualquer coisa neste sentido, que nós aderimos a esse tipo de concepção. E nós entendemos, ou pessoalmente eu entendo, que esse tipo de concepção é errado e que é de manter o princípio do impulso. Não me convence, efectivamente, o argumento, que me parece meramente redutivo, que dá. No fundo, estaríamos a pensar no tribunal como essência. Agora penso é que poderíamos talvez - sugestão que foi feita ainda agora pelo nosso colega Carlos. Candal substituir a expressão «nos feitos submetidos a juízo» pela expressão somente, «submetidos a juízo»: «dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados submetidos a juízo».
Quer dizer: há dois momentos na jurisdição do tribunal. Há aquele momento em que ele dirime os feitos públicas e privados, os conflitos de interesses submetidos a juízo, e há a qualificação prévia de que existe conflito; e essa qualificação prévia de que existe conflito, no meu entender ainda, só pode caber necessariamente às partes tomadas em sentido muito lato. Agora, saber se é ou não útil que isto fique, eu desejava dizer ao Sr. Deputado Barbosa de Melo que parece que é muito útil que esta firmação fique - «submetidos a juíza»; «de interesses», porque só a esses é que o tribunal pode dizer alguma coisa e só desses é que ele pode administrar justiça, mais nada.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O Sr. Fernando Amaral tenha a bondade.

O Sr. Fernando Amaral (PPD): - Em princípio, concordaria com a tese desenvolvida pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, mas afigura-se-me que essa expressão viria de algum modo restringir precisamente o âmbito da administração da justiça.
Se nós partirmos do princípio que a administração da justiça é sempre peticionária, que se não exerce, portanto, oficiosamente, e se formos depois fazer este aditamento, «nos feitos submetidos a juízo», de algum modo estamos a restringir ou, pelo menos, a dar a ideia de que há outros feitos não submetidos a juízo dentro dos quais seria possível a administração da justiça.
Quer-me parecer, portanto que, além de uma redundância, vem ainda prejudicar o sentido que resulta claramente de todo o texto, tal como vem proposto pela Comissão, na medida em que, se formos pôr «nos feitos submetidos a juízo», estamos fatalmente a restringir ou então a pretender adivinhar que haverá outros feitos não submetidos a juízo sobre os quais seria passível de se exercer uma administração de justiça.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Creia que não há acordo, mesmo com custas a meias, não é?

Pausa.

Ah! ó Sr. Deputado José Luís Nunes, parece-me que não pode ...

O Sr. José Luís Nunes. (PS): - Não, é que o problema que aqui, se põe é que estamos a ver este assunto e chegámos à seguinte conclusão ...

O Sr. Presidente: - Já que começou a falar pode continuar.

O Orador: - Peço imensa desculpa, Sr. Presidente, é um vício que me vem, efectivamente, dos tribunais, falar sem autorização dos juízes.
Ora, dizia eu ...

O Sr. Presidente: - Havia eu de ser juiz ...

O Orador: - Não! Mas aqui, pelo menos, tem uma autoridade semelhante.
Dizia eu, portanto, que desde que nós entendemos que fica mantido esse princípio de iniciativa processual, e desde que se formulam reservas sobre a fórmula mais conveniente, e desde que, efectivamente, este debate servirá para dar sentida ao que aqui fica escrita, pois nós não vemos inconveniente em retirar esta nossa adenda, depois do que fica no Diário da Assembleia Constituinte.

(O orador não reviu.)

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O Sr. Presidente: - Fica, portanto, retirada. Vamos então a outro artigo, não é?

Pausa.

Artigo 3.º, suponho eu, não é?

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 3.º

(Independência)

Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Ninguém pede a palavra?

Pausa.

Vai votar-se.

Pausa.

Ah! Peço desculpa. O Sr. Deputado Manuel Vieira.

O Sr. Manuel Vieira (PS): - Era só para fazer aqui, assim, uma pequena observação a este artigo, que é a seguinte, para não resultarem dúvidas no futuro: normalmente, algumas Constituições têm que «os tribunais são independentes e estão sujeitos à Constituição e à lei». A Comissão entendeu que a Constituição é precisamente a lei fundamental do País. Portanto, por uma razão de síntese e de harmonia, de mais precisão, pois, sujeitas à lei são todas as leis.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Mais ninguém inscrito?
Pausa.

Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos então a outro artigo.
Pausa.

Há uma declaração de voto.

O Sr. Fernando Amaral (PPD): - Pretendia fazer uma proposta de aditamento no sentido de este artigo 3.º ficar com a seguinte formulação: «Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei e ao direito.»

O Sr. Presidente: - Entendido?
Pausa.

Está em discussão.
Pausa.

Alguma objecção?
Pausa.

Vamos votar.
Submetida à votação, foi rejeitada, com 18 abstenções. (PCP e MDP/CDE) e 44 votos a favor (PPD, alguns independentes, CDS e o Deputado de Macau).

O Sr. Presidente: - Declaração de voto do Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Ora, nós votámos contra, porque pensamos, primeiro, que a expressão «o direito» é uma expressão suficientemente vaga e suficientemente imprecisa. Em segundo lugar, porque, mesmo dentro dessa vacuidade e imprecisão, abriria caminho àquilo que há bocado vimos que talvez não fosse conveniente, que era a possibilidade de o juiz se recusar a aplicar leis que fossem imorais e injustas. Em terceiro lugar, porque na expressão «o direito», pura e simplesmente pelo carácter ideológico, cabem, evidentemente, as formulações próprias da consciência individual do juiz e os diversos conceitos de direito que o juiz possa ter.
E parece-nos arriscado abrir um caminho ou iniciar um caminho nesse sentido. Por isso, votámos contra.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Nós propusemos e, consequentemente, votámos esta proposta de aditamento com base, no seguinte espírito: deixar aqui neste ponto uma abertura, uma válvula de segurança contrai ...

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados o favor de não se ausentarem, pois tenho uma comunicação a fazer, que lhes interessa, com certeza, antes de saírem.
Tenha a bondade.

O Orador: - Dizia eu: apresentámos esta proposta de aditamento para deixar aqui aberta uma válvula de segurança contra o, positivismo legalista. É certo que à palavra «lei» já foi dado aqui um sentido bastante amplo, mas há princípios materiais de justiça que são inerentes à civilização jurídica e que, quer queiramos, quer não, os tribunais não poderão deixar de aplicar, sob pena de se negarem a si mesmos. E era para fazer um apelo aos juízes de que não basta a ideologia inscrita na lei, porque a lei também é uma expressão ideológica, que há outros valores numa comunidade aborta, numa comunidade plural ou pluralista, que há outros valores que o juiz tem que ter em conta para proferir decisões de acordo com o sentimento jurídico dessa mesma comunidade, não de acordo com o seu sentimento pessoal.
Era isto.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Alguma declaração de voto?

Pausa.

Tenha a bondade.

O Sr. António de Almeida (CDS): - Não me levantei para uma declaração de voto, até porque votei contra, mas simplesmente para, mais uma vez, não pela minha boca, que é a primeira, fazer ver a este Plenário que é necessário que não reservem para as declarações de voto coisas que devem ser ditas antes

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da lei votada. Não é porque eu mudasse de opinião, mas é porque bastantes de nós teriam mudado se essas declarações fossem feitas antes da votação.
Guardar para as declarações de voto algo que possa modificar as votações deste Plenário é fraudulentamente fazer uma votação seguinte.
É isso que eu queria dizer.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Muito bem. Fica tudo como estava, a pedido do Sr. Deputado.
Mais alguma coisa?
Vamos ao artigo 4.º

O Sr. Secretário (António Arnaut):

ARTIGO 4.º

(Princípio do contraditório)

A administração da justiça subordina-se ao princípio do contraditório.

Há uma proposta de eliminação do Partido Socialista e uma de aditamento, que chegou agora, do PPD, subscrita por Jorge Miranda.
O aditamento é o seguinte, apresentado em meia folha de papel no sentido vertical:

Proponho que no n.º 3 - para os tribunais - se diga: «Integram o poder judicial.»

Então, nestes termos, o artigo 4.º ...

Pausa.

Perdão. Segundo verifico agora, é de aditamento ao artigo 3.º, já votado. Mas tínhamos passado à discussão e votação do artigo 4.º
Creio que a proposta é extemporânea. O Sr. Presidente verificará o facto ...

O Sr. Presidente: - Efectivamente, tínhamos passado ao artigo 4.º É o artigo 4.º que está, portanto, em discussão.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Então consideramo-la sem efeito, não é. Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Terá de ser mesmo assim. Está mesmo sem efeito.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Portanto, há o texto da Comissão e uma proposta de eliminação do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Vamos ler a proposta de eliminação.

Pausa.

Está entendida pela Assembleia?
Está em discussão.
Sr. Deputado Alberto Andrade tenha a bondade.

O Sr. Alberto Andrade (PS): - Pedia o favor a um dos Srs. Deputados advogados ou juristas para explicarem ao Plenário, ou pelo menos a mim, o que é, em que consiste, o princípio do contraditório.

Uma voz: - Apoiado!

O Sr. Presidente: - Quem é o jurista voluntário? Alguém da Comissão quer explicar? Não obrigo ninguém a explicar ...
Vamos lá, Sr. Deputado Luís Nunes, contradiga.
Risos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Vou tentar dar esta explicação e, ao mesmo tempo, para não maçar a paciência aos não juristas, vou também tentar defender porque é que se defende a proposta de eliminação.
O problema é que o direito aparece sintetizado ou concretizado numa série de conceitos jurídicos ou de princípios. Portanto, a certa altura, apareceram duas ideias que, grosso modo, enfim, em linhas gerais, se podem sintetizar em dois pontos: qual deve ser, ou o que é que deve predominar essencialmente, essencialmente, mas não só, mas essencialmente no que se refere ao problema da produção da prova, o que é que deve predominar: se é a actividade das partes, se é a actividade do tribunal.
Estes dois princípios, depois, dividem-se em dois. Se nós entendemos que a actividade do tribunal é que deve predominar, se nós entendemos que, por exemplo, no direito civil, para além da prova que as partes oferecem, o tribunal pode fazer indagações apor sua iniciativa oficiosa, estamos perante, em termos gerais, um sistema inquisitório. Se, por acaso, entendermos que não, se entendermos que a parte, as partes a que cabe um impulso, a remessa do processo paternal, mas também um oferecimento essencial das provas, nós estamos perante um princípio que se chama de iniciativa processual, essencialmente.
E agora, dentro deste princípio de iniciativa processual, é que aparece o princípio da contrariedade, o princípio do contraditório, e que se resume no seguinte: na necessidade, primeiro, de consagrar o princípio da iniciativa processual, segundo, na necessidade de consagrar ou' definir a igualdade das partes nas suas relações entre si, nas suas relações recíprocas com o tribunal e nas suas relações com o Ministério Público. Eu creio que definirei aqui o que se entende por princípio contraditório. Ora, esta explicação é meramente conceptual, mas eu peço imensa desculpa, mas não consigo ser mais claro. E por um motivo: primeiro, por defeitos próprios de que efectivamente os meus colegas não têm culpa, mas, em segundo lugar, porque assim como o que fala em direito usa uma linguagem de direito, quando se fala, por exemplo, em carpintaria, usa-se uma linguagem de carpintaria. E eu talvez me visse aqui um bocado embaraçado numa lei sobre civil e tivesse de pedir conselho aos nossos colegas trabalhadores na carpintaria sobre o que é, por exemplo, exactamente um encaixe, que é uma coisa que ou não sei o que é. Muito bem. Portanto, é só tentar expressar concretamente como é que as coisas são.

Risos.

Ora, porque é que nós propomos a eliminação deste ponto? É que dizer-se que a administração da justiça se subordina ao princípio, do contraditório parece-me que é ir longe de mais. Eu creio que na actual administração da justiça há lugar, para uma efectiva harmonização do contraditório, tal como eu o defini, com o inquisitório. E, agora, suponhamos

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um caso concreto, que é aí que nos entendemos melhor. Suponhamos, por exemplo, que num julgamento uma determinada testemunha, num julgamento em matéria civil, numa acção, por exemplo, de letra, para atender aí a especialidade do nosso colega Alberto Andrade ...

O Sr. Alberto Andrade (PS): - Tribunal plenário, por exemplo, é uma experiência que eu conheço ...

O Orador: - Isso aí já é diferente. Mas numa acção de letra a coisa interessa mais aos tribunais cíveis. Numa acção de letra, por exemplo, uma testemunha que se refere concretamente a um outro sujeito, a uma outra pessoa, dizendo que ele afirmou isto ou aquilo e que não foi fornecida pelas partes como testemunha. Pois muito bem pode ou não pode o tribunal chamar este homem a depor? Efectivamente, na nova lei, nos termos do artigo 645.º do Código de Processo Civil, o tribunal pode chamar este homem a depor.
E foi assim simplesmente que se corrigiu a injustiça que havia para a descoberta da verdade material, da aplicação pura de um princípio de iniciativa processual.
Quanto aos tribunais plenários, Aquilino Ribeiro chamou a esses tribunais, não tribunais plenários, dizendo: «Os fascistas arranjam nomes magníficos e até arranjaram um nome que rima com prostibulário.»

Risos.

Esta afirmação bem feita, no Quando os Lobos Uivam, motivou ao autor um processo iníquo, e efectivamente o meu colega, camarada e querido amigo Alberto Andrade teve um contacto directo com os tribunais plenários, não teve, de forma nenhuma, um contacto directo com o direito e com a justiça, porque o direito e a justiça estavam ausentes desses tribunais. E pura e simplesmente o que acontecia, salvo um ou outro magistrado, como há bocado tive ocasião de fazer notar, que lá se comportaram com o aprumo, uma dignidade e uma honradez que honraram a magistratura portuguesa, salvo algum caso ou outro, esses tribunais, efectivamente, não aplicavam nem o direito nem a justiça. De qualquer forma, um caso extremo de princípio, por exemplo, inquisitório, seriam os tribunais plenários. Suponhamos o seguinte: várias vezes se argumentou, nos tribunais plenários, que determinadas confissões tinham sido extorquidas sob tortura e sob coacção. E houve advogados que requereram a junção aos autos de determinados exames que foram feitos na cadeia às pessoas que sofreram estas torturas. Pois bem, da aplicação exclusiva ou exclusivista de um princípio inquisitório, o tribunal teria a faculdade de dizer se, sim ou não, considerava justo ou necessário para a decisão da causa a junção dos documentos. E, geralmente, considerava injusto e não aplicava. Se contemplarmos esse princípio como inquisitório pela admissão de um princípio de iniciativa processual ou também contraditório, nos termos em que decidiam nos planos em que defini, pois o tribunal terá menos, muito menos, latitude para cometer um acto desses e até nesse caso deverá juntar aos autos.
Evidentemente que esta justificação, esta explicação que dei, destina-se, eu peço desculpa, destina-se efectivamente a tornar fácil uma matéria controvertida e há pontos em que ela não é totalmente exacta. Mas tendencialmente é exacta.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Podemos votar?
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando do Amaral.

O Sr. Fernando do Amaral (PPD): - Pretendia apenas dizer que nós estamos pela consagração deste princípio, que deve ficar formulado na Constituição, porque ele constitui efectivamente uma das maiores conquistas do nosso mundo jurídico, na medida em que aqui está estabelecido não um sistema mas sim o princípio do contraditório, que, fundamentalmente, para os leigos, se traduz apenas no seguinte: é que ninguém poderá ser ferido nos seus interesses por uma decisão judicial sem que primeiro tenha sido ouvido.
O princípio do contraditório traduz-se essencialmente nisto: ninguém poderá ser ferido nos seus interesses por uma decisão judicial sem primeiro ser ouvido.

(O orador não reviu.)

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Coelho dos Santos faltam dois minutos.

O Sr. Coelho dos Santos (PPD): - Eu como não percebi bem a explicação do Deputado José Luís Nunes, pedia que ela fosse mais concisa e realmente dada com maior clareza. Referiu o Deputado José Luís Nunes que o artigo 645.º do Código Civil previa a hipótese, no caso de, no decurso do processo ser indicada uma testemunha não referida nos autos, o juiz poder chamar essa testemunha a depor.
Eu pergunto se o Código impõe ao juiz a obrigatoriedade de chamar essa testemunha a depor.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - É uma faculdade. Posso responder? É uma faculdade. Poderá o juiz fazê-lo ou não fazê-lo.

O Sr. Deputado Romero de Magalhães.

O Sr. Romero de Magalhães (PS): - Queria perguntar o seguinte: Na parte I, título II, artigo 19.º, já aprovado há bastante tempo, diz-se, no n.º 4:

Toda a instrução será da competência do juiz, que manda a lei indicar os casos em que ela assumir forma contraditória.

No n.º 5:

O processo criminal terá estrutura acusatória, ficando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório.

Pergunto aos proponentes da eliminação se esse artigo 4.º é ou não é necessário para, no sistema jurídico, encaixar com estas duas disposições do artigo 19.º já aprovado anteriormente.
Desculpe, eu não sou jurista e queria saber.

(O orador não reviu.)

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O Sr. Presidente: - Aí temos um encaixe.

Risos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - É essa pergunta do Romero Magalhães que ajuda exactamente a esclarecer esse assunto.
É que esse caso que focaste é exactamente um dos tais casos em que esses princípios devem ficar efectivamente consagrados, parque aí não há dúvida nenhuma. Agora, neste caso, quando se diz «toda a administração da justiça se subordina ao princípio da contraditoriedade ou o princípio do contraditório», já a coisa não é bem assim. Porque, por exemplo, entende-se hoje em dia que a prevalência ou a possibilidade de o juiz ou tribunal, mesmo nos feitos submetidos a julgamento ou nos casos submetidos a julgamento, matéria cível, poderem, por iniciativa própria, fazer determinadas indagações de prova para descobrir a verdade, é um ponto fundamental. Ora, dá a ideia, como isto está aqui redigido, que efectivamente isso está afastado da administração geral da justiça, e isso é que nos preocupa. A administração da justiça subordina-se ao princípio do contraditório. Isto que aqui está é efectivamente, tecnicamente, um erro, porque. ao contrário - permita-se o Sr. Deputado Fernando Amaral - do que o Sr. Deputado diz eu não penso que isso seja o princípio do contraditório. Porque, mesmo nos piores aspectos da aplicação do princípio inquisitório, da iniciativa do tribunal, nunca houve ninguém que defendesse que alguém pudesse ser condenado sem ser ouvido. Nunca ninguém defendeu isso. Não, o princípio da contraditoriedade vai muita mais além do que isso. E subordinar a administração da justiça penal e cível de competência especializada a isso parece-me ser retroceder no tempo. Depois, há aqui um conceito, um mero conceito. E eu entendo que na lei que regular a organização judicial é que nós devemos em concreto dizer o que isso é e esses princípios que competem a cada um, e não podemos de forma nenhuma inconstitucionalizar uma lei porque, obedecendo à experiência que a jurisprudência certamente trouxe, deu aos tribunais ou aos juízes uma iniciativa maior, que, se calhar, até pode ser justa. Isto pode contribuir para inconstitucionalizar, mas evidentemente que a eliminação deste n.º 4 não tem, em rigor, tudo o que ficou citado nos diplomas que o Sr. Deputado Romero Magalhães citou, e que permanecem efectivamente válidos.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Suponho que a Assembleia está saturada juridicamente.

Risos.

Está, portanto, encerrada a sessão praticamente, mas ainda queria pôr â consideração da Assembleia o seguinte: fui procurado por um grupo de Deputados que me puseram o problema de amanhã não haver sessão da parte da manhã, porquanto for esse grupo de Deputados, que fazem parte da Comissão do Pacto MFA-Partidos, procurado por um grupo de militares que desejariam conferenciar com eles amanhã, e só tinham esses senhores disponível o dia de amanhã da parte da manhã. Parece que este princípio não pode servir de exemplo. Não podemos continuar a transigir neste ponto, mas desta vez pareceu-me que seria de pôr à consideração da Assembleia, se me permitem, com a minha concordância.
A Assembleia não tem nada a opor?

Pausa.

Amanhã, às 15 horas, continuação da especialidade. Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Nota de rectificação:
No n.º 93 do Diário da Assembleia Constituinte, na p. 3014, col. 1.ª, 1. 9, devem eliminar-se as palavras «de voto».

Solicito que no n.º 94 do Diário da Assembleia Constituinte, na parte referente à minha intervenção, sejam feitas as seguintes rectificações:
Na p. 3056:

Col. 1.ª, 1. 46, em vez de: «na», deve ler-se:
«pela»; 1. 61, em vez de: «diminuirão», deve ler-se:
«dirimirão»;
Col. 2.ª, 1. 4, em vez de: «os», deve ler-se: «dos»; 1. 9, em vez de: «ressonâncias», deve ler-se: «ressonância»; 1. 13, em vez de.: «desejarmos», deve ler-se: «desejamos»; 1. 21, em vez de: «deve», deve ler-se: «deva», e 1.64, entre «comporta» e «com», deve existir um «ou».

Na p. 3057:

Col. l.ª, 1. 11, em vez de: «por», deve ler-se: «que»; 1. 12, em vez de: «uma», deve ler-se: «a», e 1. 13, em vez de: «dando-se», deve ler-se: « dê».

O Deputado do PS, António Sousa Pereira.

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

ADIM - MACAU

Diamantino de Oliveira Ferreira.

CDS

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
António Francisco de Almeida.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da França.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Manuel Raimundo Ferreira dos Santos Pires de Morais.
Vítor António Augusto Nunes Sá Machado.

MDP/CDE

Levy Casimiro Baptista.
Orlando José de Campos Marques Pinto.

PCP

Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Maria Alda Nogueira.

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PPD

Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Júlio Simões de Aguiar.
Emanuel Nascimento dos Santos Rodrigues.
Fernando Monteiro do Amaral.
José António Camacho.
José Augusto de Almeida Oliveira Baptista.
José Carlos Rodrigues.
José Manuel Afonso Gomes de Almeida.
Manuel José Veloso Coelho.
Maria Helena da Costa Salema Roseta.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nívea Adelaide Pereira e Cruz.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.

INDEPENDENTES

Abel Augusto de Almeida Carneiro.
Joaquim Coelho dos Santos.
José Augusto Baptista Lopes e Seabra.
José Casimiro Crespo dos Santos Cobra.
José Francisco Lopes.
Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia.
Orlandino de Abreu Teixeira Varejão.

PS

Adelino Augusto Miranda de Andrade.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Neto órfão.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
Carlos Cardoso Lage.
Francisco Carlos Ferreira.
João do Rosário Sarrento Henriques.
Joaquim Gonçalves da Cruz.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Luís Maria Kalidás Costa Barreto.
Manuel Amadeu Pinto de Araújo Pimenta.
Manuel Pereira Dias.
Mário António da Mota Mesquita.
Pedro Manuel Natal da Luz.

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

CDS

Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Emílio Leitão Paulo.
José António Carvalho Fernandes.

PCP

António Dias Lourenço da Silva.
António Malaquias Abalada.
Carlos Alfredo de Brito.
Dinis Fernandes Miranda.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Diogo Velez.
José Alves Tavares Magro.
José Pedro Correia Soares.
José Pinheiro Lopes de Almeida.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

PPD

Abílio de Freitas Lourenço.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António dos Santos Pires.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eleutério Manuel Alves.
Germano da Silva Domingos.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Bento Gonçalves.
Manuel da Costa Andrade.
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.
Mário Campos Pinto.
Miguel Florentino Guedes de Macedo.

INDEPENDENTES

Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Emídio Guerreiro.
José Manuel da Costa Bettencourt.
Maria Augusta da Silva Simões.
Nuno Guimarães Taveira da Gama.
Victor Manuel Freire Boga.

PS

Agostinho de Jesus Domingues.
Amílcar de Pinho.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António José Gomes Teles Grilo.
Emídio Pedro Águedo Serrano.
Eurico Faustino Correia.
Henrique Teixeira Queiroz de Barros.
Júlio Pereira dos Reis.
Maria Helena Carvalho dos Santos Oliveira Lopes.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário de Deus Branco.
Mário Manuel Cal Brandão.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pedro do Canto Lagido.
Raquel Júdice de Oliveira Howell Franco.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria Antunes Pereira Rainho.

Os REDACTORES: José Alberto Pires - Filomeno Monteiro Sobreira.

PREGO DESTE NÚMERO 18$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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