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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIADO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

SÁBADO, 20 DE DEZEMBRO DE 1975 * NÚMERO 99

SESSÃO N.º 98, EM 19 DE DEZEMBRO

Presidente: Ex.mo - Sr. Vasco da Gama Fernandes

António Duarte Arnaut
Secretários: Ex.mos Srs. Carlos Alberto Coelho de Sousa
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO: - O Sr. Presidente abriu a sessão às 14 horas e 45 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente.

A Mesa leu dois requerimentos: um do Sr. Deputado Armando Correia (PPD) referente à situação de trabalhadores saneados em vários departamentos do Estado e empresas nacionalizadas, outro do Sr. Deputado Theodoro da Silva (PPD), Luís Carito (PS) e Alfredo Morgado (INDEP.) relativa ao processo eleitoral na Sindicato dos Trabalhadores de Indústria e Comércio Farmacêutico.
O Sr. Deputado Américo Viveiros (PPD) apresentou um requerimento em seu nome e no de outros Deputados do PPD pelos círculos eleitorais dos Açores, referente a um decreto-lei aprovado em Conselho de Ministros, que introduz alterações ao diploma que institui a Junta Governativa dos Açores.
O Sr. Deputado Oliveira Dias (CDS) leu um requerimento pedindo elementos ao MEIO acerca da elaboração dos programas das diferentes matérias professadas no ensino primário, básico e secundário, bem como nas escolas de magistério.
O Sr. Deputado Kalidás Barreto (PS) leu um requerimento referente à situação dos alunas que, tendo obtido aproveitamento em uma secção do S.º ano, não podem inscrever-se no novo regime escolar sem abdicar da secção que já fizeram.
O Sr. Deputado Eurico Campos (PS) apresentou um requerimento relativo ao deficiente funcionamento dos estabelecimentos de ensino preparatório e secundário e às dificuldades que tem havido na colocação dos professores.
O Sr. Deputado José Figueiredo - (PCP) leu um requerimento referente à repressão da PSP sobre os trabalhadores grevistas do sector livreiro, no Porto.
O Sr. Deputado João Neves (PCP) apresentou dois requerimentos: o primeiro relativo à situação das pensões de Invalidez e velhice dos pescadores, e o segundo à redução do tempo de serviço militar destes trabalhadores na frota bacalhoeira.
O Sr. Deputado Casimiro Cobra (INDEP.) referiu-se às dificuldades do avanço da democracia para o socialismo e aos entraves das forças golpistas de direita, lendo salientado o papel que cabe à social-democracia na consecução dos objectivos socialistas.
O Sr. Deputado Carreira Marques (PCP) fez considerações acerca da necessidade de avançar com a Reforma Agrária e referiu-se aos acontecimentos de Rio Maior, nomeadamente ao assalto à Quinta do Brical e ao plenário dos agricultores.
O Sr. Deputado Kalidás Barreto (PS) referiu-se aos problemas, que decorrem da falta de pagamento por certas empresas das contribuições para a Previdência e às manobras que se vêm verificando no senado de travar o avanço do Contrôle operário da produção.
O Sr. Eugénio Mota (PPD) fez considerações acerca das problemas com que a democracia se de/conta e às dificuldades que se têm posto à colaboração entre o PS e o PPD. Acerca desta intervenção fizeram pedidos de esclarecimento as Srs. Deputados Carlos Lage (PS) e Florival Nobre (PS).
O Sr. Presidente submeteu à apreciação da Assembleia um requerimento apresentado pelo PS no sentido de ser prorrogado o período de antes da ordem do dia por mais uma hora, que foi aprovado.
O Sr. Riço Calado (PS) fez comentários acerca da evolução da revolução portuguesa e referiu-se em especial ao II Plenário de Agricultores de Rio Maio e aos problemas da Reforma Agrária.
O Sr. Deputado José Camacho (PPD) abordou vários problemas da região da Madeira. Foi feito um pedido de esclarecimento a este orador pela Sr. Deputado José Nisa (PS).
Acerca da interpretação a dar ao artigo 43.º do Regimento, que levantou dúvidas à Mesa, usaram da palavra os Srs. Deputados Romero de Magalhães (PS). Vital Moreira (PCP), Artur Cortez (PS) e Flórido Marques (PS).
O Sr. Deputado Jaime Gama (PS) criticou a actuação dos governos provisórios, incluindo o VI, por não ter sido ainda definida uma «política açoriana» e referiu-se aos diversos problemas que daí tem advindo.
O Sr. Deputado Flórido Marques (PS) comentou a evolução do processo revolucionário português, com as características que tem revestido no Norte e Sul do País e referiu-se à experiência da cooperativa avícola Avicriz no distrito de Viseu. A esta intervenção- foi feito um pedido de esclarecimento pelo Sr. Deputado Herculano de Carvalho (PCP).

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Ordem do dia. - O Sr. Deputado Rui Cunha (PS) leu o relatório e parecer da Comissão de Verificação de Poderes acerca da substituição do Deputado José Pinheiro Lopes de Almeida por Rogério Gemes Lopes Ferreira.
Prosseguiu o debate na especialidade do parecer da 6.ª Co». missão (Tribunais), tendo usado da palavra na apreciação do artigo 19.º os Srs. Deputados Jorge Miranda (PPD), Sousa Pereira (PS) e José Luís Nunes (PS).
O Sr. Deputado Barbosa de Melo (PPD), durante o debate, interpelou a Mesa no sentido de ser verificada a existência do quórum necessário ao prosseguimento dos trabalhos, não tendo esse facto sido confirmado pela Mesa.
Poucos minutos decorridos, porém, o Sr. Presidente viu-se obrigado a encerrar a sessão por não se encontrar na Sala o número regimental de Deputados.
Eram 17 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 14 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

CDS

António Pedreira de Castro Norton de Matos.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Luís de Sá Malheiro.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
José António Carvalho Fernandes.
Manuel José Gonçalves Soares.
Manuel Raimundo Ferreira dos Santos Pires de Morais.
Maria José Paulo Sampaio.

MDP/CDE

Álvaro Ribeiro Monteiro.
Manuel Dinis Jacinto.

PCP

Adriano Lopes da Fonseca.
António Branco Marcos dos Santos.
Eugénio de Jesus Domingues.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando dos Santos Pais.
Francisco Miguel Duarte.
Herculano Henriques Cordeiro de Carvalho.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Hilário Manuel Marcelino Teixeira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Terroso Neves.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Marques Figueiredo.
Leonel Ramos Ramires.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Vital Martins Moreira.
Alfredo António de Sousa.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
António Joaquim da Silva Amado Leite de Castro.
António Moreira Barbosa de Melo.
António dos Santos Pires.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Carlos Francisco Cerejeira Pereira Bacelar.
Eleutério Manuel Alves.
Eugénio Augusto Marques da Mota.
Fernando Barbosa Gonçalves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
João António Martelo de Oliveira.
João Baptista Machado.
João Manuel Ferreira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Camacho.
José Carlos Rodrigues.
José Ferreira Júnior.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Luís Eugénio Filipe.
Manuel Coelho Moreira.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Élia Mendes Brito Câmara.
Miguel Florentino Guedes de Macedo.
Nicolau Gregório de Freitas.
Adelaide Pereira e Cruz.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.

INDEPENDENTES

Alfredo Joaquim da Silva Morgado.
António Roleira Marinho.
Carlos Alberto Branco de Seiça Neves.
Custódio Costa de Matos.
José Augusto Baptista Lopes e Seabra.
José Francisco Lopes.
Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia.
Orlandino de Abreu Teixeira Varejão.

PS

Adelino Teixeira de Carvalho.
Afonso de Carmo.
Agostinho de Jesus Domingues.
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amarino Peralta Sabino.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António José Gomes Teles Grilo.
António José de Sousa Pereira.
António Riço Calado.
Armando Assunção Soares.
Artur Manuel Carraça da Costa Pina.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Casimiro Paulo dos Santos.
Domingos do Carmo Pires Pereira.
Etelvina Lopes de Almeida.

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Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Eurico Telmo de Campos.
Flórido Adolfo da Silva Marques.
Florival da Silva Nobre.
Francisco Carlos Ferreira.
Francisco Igrejas Caeiro.
Isaías Caetano Nora.
Jerónimo Silva Pereira.
Joaquim Antero Romero Magalhães.
Joaquim da Costa Pinto.
Joaquim Gonçalves da Cruz.
Joaquim Larangeira Pendrelico.
Joaquim de Oliveira Rodrigues.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
José Alfredo Pimenta Sousa Monteiro.
José Augusto Rosa Courinha.
José Fernando Silva Lopes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio Pereira dos Reis. Ladislau Teles Botas.
Loura da Conceição Barraché Cardoso.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Maria Kalidás Costa Barreto.
Manuel Amadeu Pinto de Araújo Pimenta.
Manuel Ferreira Monteiro.
Manuel Ferreira dos Santos Pato.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel João Vieira.
Manuel Joaquim de Paiva Pereira Pires.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Manuel de Sousa Ramos.
Maria da Conceição Rocha dos Santos.
Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo.
Maria Helena Carvalho dos Santos Oliveira Lopes.
Maria Rosa Gomes.
Maria Teresa do Vale de Matos Madeira Vidigal.
Mário de Deus Branco.
Mário Nunes da Silva.
Pedro Manuel Natal da Luz.
Raquel Júdice de Oliveira Howell Franco.
Rui António Ferreira da Cunha.
Vasco da Gama Fernandes.
Vítor Manuel Brás.

UDP

Afonso Manuel dos Reis Domingos Dias.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 139 Srs. Deputados. Está aberta a sessão.

Eram 14 horas e 45 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos ler o

Expediente

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Telegramas:

Bombeiros Caldas Rainha apoiam Deputado Kalidás Barreto e outros Deputados que defenderam bombeiros Constituinte leva em consideração intervenções.
Grupo trabalhadores Laboratório Farmacológico protesta energicamente contra factos verificados preparação acto eleitoral Sindicato Indústria Comércio Farmacêuticas impedindo milhares trabalhadores exercer direito voto.

Seguem-se quinze telegramas, cuja leitura me permito dispensar, de entidades ou pessoas ligados ao Partido Popular Democrático e de repúdio pela atitude dos Deputados independentes que abandonaram este partido.
Há uma carta do mesmo teor da Sr.ª Helena França, de Lisboa.
O Partido Trabalhista Democrático Português envia aos Srs. Deputados e, par intermédio desta Assembleia, a todo o povo os votos de festas felizes, com liberdade, igualdade e fraternidade.
A Comissão de Trabalhadores da Metalurgia Luso-Italiana, S. A. R. L., envia-nos um comunicado, que contém uma proposta aprovada em recente assembleia geral, de repúdio e crítica par um artigo publicado no jornal A Luta - não está cá o nosso colega e director desse jornal, Raul Rego -, relativamente a um artigo publicada nesse conceituado vespertino sob o título «Trabalhadores da Luso-Italiana apoiam o general Costa Gomes». O comunicado e as várias propostas vêm em anexo e ficam à disposição das Srs. Deputados, e especialmente do meu camarada Raul Rego.
Nada mais.

O Sr. Presidente: - Vão ser lidos dois requerimentos que se encontram na Mesa.

O Sr. Secretário (Coelho de Sousa): - Primeiro:

Requerimento

Considerando que os vários requerimentos apresentados para informações sobre saneamentos « selvagens» de trabalhadores levadas a efeito em vários departamentos do Estado e empresas nacionalizadas não obtiveram a resposta devida;
Considerando que entre os atingidos por esses saneamentos há chefes de família que se encontravam e encontram na situação de doentes;
Considerando que alguns levaram mais de vinte anos ao serviço das empresas donde foram saneados em condições de legalidade duvidosa e mesmo até de ilegalidade;
Considerando que, par circunstâncias óbvias, estes trabalhadores não têm possibilidade de recorrer a outras actividades lucrativas:
Requeiro, ao abrigo das disposições regimentais, que pelo Ministério da Assistência Social me sejam dadas as seguintes informações:
1. Qual a razão por que os trabalhadores sujeitos a estes saneamentos não receberam ainda os subsídios de doença, nomeadamente os que estão inscritos na Caixa da Indústria de Lisboa;
2. Qual a razão por que estes beneficiários perderam direitos adquiridos como trabalhadores ao longo de tantos anos de serviço nos seus locais de trabalho, tendo todos os descontos legais em dia;

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3. Se não é possível regularizar a sua situação nesta quadra de Natal, de modo a tornar mais fácil a sua vida familiar durante este período festivo;
4. Se continua a ser norma das instituições da Previdência adiarem a resolução dos problemas dos beneficiários das caixas como método normal do seu espírito de justiça social.

Sala das Sessões, 18 de Dezembro de 1975. Armando António Correia, Deputado do PPD.

Requerimento

Considerando que, no curto espaço de tempo de cinco meses, pela segunda vez, no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria e Comércio Farmacêutico se passam situações anómalas no respeitante ao processo eleitoral;
Considerando que a Comissão Instaladora desse Sindicato nas anteriores eleições de 26 de Julho de 1975 já procedeu de forma bastante ilegal, conforme veio a conhecimento público;
Considerando que agora foram impedidos do direito de voto cerca de dois mil trabalhadores da indústria farmacêutica, alegando falta de envio da quotização para o Sindicato;
Considerando que a Comissão Fiscalizadora de uma forma arbitrária e antidemocrática se permitiu ultrapassar uma decisão da assembleia geral quanto à data da eleição marcada para 15 do corrente;
Considerando que a lista hoje designada pela lista A entrou no Sindicato depois do horário oficial de expediente no último dia e que as eleições estão marcadas para o próximo dia 20 de Dezembro:
Requeremos que, ao abrigo das disposições legais e pela entidade competente, nos seja informado com urgência:

A) Por que motivo não tomaram posse os corpos gerentes eleitos pela lista B em 26 de Julho passado?
B) Por que razão e qual a base legal que permite à Comissão Instaladora afastar do acto eleitoral mais de dois mil traba1hadores que pretendem usar do direito de voto nas eleições do seu Sindicato?

Sala das Sessões de Assembleia Constituinte, 19 de Dezembro de 1975. - José Theodoro da Silva (PPD) - Luís Abílio da Conceição Cacito (PS) Alfredo Morgado (INDEP.).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para ler um requerimento, o Sr. Deputado Américo Viveiros.

O Sr. Américo Viveiros (PPD):

Considerando que a Junta Governativa dos Açores solicitou ao VI Governo Provisório a publicação de diploma legal -  atribuidor de poderes governamentais no âmbito das matérias de interesse público, que estão nela descentralizadas;
Considerando que a imediata e garantida atribuição desses poderes é indispensável para a defesa dos interesses do povo açoriano;
Considerando que a petição da Junta Governativa dos Açores foi apoiada pelo povo, apoio testemunhado nas grandiosas manifestações do passado dia 17 de Novembro, onde o povo reclamava o poder à Junta;
Considerando que, segundo informa o comunicado oficial, o diploma aprovado esta semana em Conselho de Ministros de maneira nenhuma corresponde à solicitação formulada pela Junta Governativa dos Açores, antes deixa tudo tal como estava;
Considerando que a deliberação do Conselho de Ministros não pode deixar de interpretar-se como uma recusa ao pedido da Junta Governativa dos Açores;
Considerando que atitudes como as que acabam de ser tomadas em Conselho de Ministros só vêm favorecer a direita reaccionária, e bem assim dar aval àqueles grupos políticos e militares que têm por todas as formas e meios ao seu alcance, incluindo por meio de departamentos de acção psicológica, muitos deles bem conhecidos e usados nas ex-colónias, camuflar e distorcer a verdade dos factos, confundindo as populações e até promovendo confrontos entre civis e militares;
Considerando ainda que o despacho ora aprovado em Conselho de Ministros virá certamente agravar a situação política nos Açores, que, explorada pela reacção, poderá levar a confrontos sangrentos;
Considerando que o povo açoriano neste momento luta pela conquista da ampla autonomia a que se sente com direito, e que sempre lhe foi negada no regime ditatorial de Salazar e Caetano:
Considerando que a luta do povo açoriano por aquilo a que tem direito não se compadece com os interesses partidários e imperialistas, nem com os jogos de gabinete feitos nas costas do povo;
Considerando que o decreto ora aprovado põe em causa e risco o debate público em curso nos Açores do anteprojecto de estatuto político-administrativo, elaborado por mandato da Junta Governativa, em obediência a preceito legal, visto que vem lançar fundadas dúvidas sobre a viabilidade da sua transformação em lei;
Considerando que, atentos os altos interesses em jogo, se impõe que S. Ex.ª o Presidente da República recuse a promulgação do diploma em causa, remetendo-o ao Conselho de Ministros para remodelação;
Considerando que o povo açoriano tem o direito de saber qual a posição dos vários membros do Governo no debate e votações havidas em Conselho de Ministros a propósito do diploma em causa:
Requere-se ao Governo, por intermédio de S. Ex.ª o Primeiro-Ministro, que sejam prestadas as seguintes informações:

a) Qual foi o teor das intervenções feitas pelos membros do Governo que participaram nos debates na generalidade e

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na especialidade do projecto de decreto-lei de alteração ao diploma que institui a Junta Governativa dos Açores?
b) Quem foram os autores das propostas de alteração que vieram a ser introduzidas nesse decreto-lei?
c) Qual foi o resultado das votações havidas, na generalidade - e - na especialidade, e qual a posição assumida por cada um dos membros do Governo presentes nessas votações?

Os Deputados do PPD pelos Círculos Eleitorais dos Açores: Américo Natalino Viveiros - João Bosco Mota Amaral - Rúben Raposo - Germano Domingues.

O Sr. Presidente: - Também para ler um requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS):

Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, requeiro que pelo Ministério da Educação e Investigação Científica me sejam fornecidos os seguintes elementos:

1. Programas das diferentes matérias professadas no ensino primário, básico e secundário, bem como nas escolas do Magistério;
2.Relação dos livros de texto aprovados e cópias dos textos de apoio elaborados por serviços do MEIC para o desenvolvimento do ensino no âmbito dos mesmos programas, bem como cópias das circulares orientadoras a este respeito e acerca dos critérios de avaliação de conhecimentos correspondentes;
3.Critérios definidos para a selecção desses livros e elaboração desses textos de apoio e cópia das instruções dadas a este respeito pelo MEIC aos serviços encarregados de as fazerem;
4. Informações acerca da participação havida na definição dos programas, selecção dos livros aprovados, elaboração. dos textos de apoio e das disposições orientadoras por parte de funcionários dos serviços centrais do MEIC e por professores, alunos e encarregados de educação e critérios ou mecanismos _ a que obedeceu a selecção ou designação das individualidades referidas.

O Sr. Presidente - Para ler um requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado Kalidás Barreto.

O Sr. Kalidás Barreto (PS):

Considerando que a criação do 5.º ano experimental das escolas preparatórias representa a possibilidade de um ensino quase gratuito para a5 classes mais desfavorecidas;
Considerando que essa criação se verificou, em muitos casos, em terras onde não havia ensino oficial até ao 5.º ano, como é o caso de Castanheira de Pêra e Figueiró dos Vinhos, por exemplo;
Considerando que nestas terras deixou de funcionar outro tipo de ensino liceal;
Considerando que nestas terras houve alunos que no ano transacto frequentaram no ensino particular (único existente) o 5.º ano liceal e obtiveram aproveitamento em somente uma secção;
Considerando que os alunos nestas condições não poderão inscrever-se no esquema moderno de ensino sem que abdiquem da secção que já fizeram;
Considerando que essa medida é uma violência aos alunos e constituirá uma ocupação de que não se vê grandes benefícios, prejudicando fundamentalmente as alunos de pequenos recursos materiais, já que os outros podem deslocar-se para outras terras:
Requeiro ao Sr. Ministro da Educação e Investigação Científica:
1.º Me indique as razões que levaram o Ministério a opor-se às matrículas dos alunos com metade do 5.º ano antigo no novo regime escolar;
2.º Se há viabilidade dessa disposição ser anulada com efeito no presente ano lectivo, a fim de que nestes casos especiais os alunos se possam matricular nas disciplinas em falta, para conclusão dos seus cursos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Campas, ainda para ler um requerimento.

O Sr. Eurico Campos (PS):

Considerando que em muitos estabelecimentos do ensino preparatório e secundário milhares de alunos não tiveram aulas durante o 1.º período escolar por falta de professores;
Considerando que centenas de professores continuam á espera de colocação, muito embora, na sua grande parte, estejam adstritos às escolas onde leccionaram no ano anterior;
Considerando que existe uma situação de impasse quanto ao critério a estilizar na colocação dos restantes professores, devido às quatro posições em confronto - a do MEIC, através do Decreto n.º 409-A/75; a dos executivos sindicais; a do secretariado das comissões de luta contra o desemprego, e a dos candidatos à docência:
Requeiro aos responsáveis por este Ministério que, através dos órgãos de comunicação social, esclareçam o País, e principalmente os professores, do seguinte:

a) Se houve ou não comissões directivas que não enviaram aos serviços centrais os mapas com o registo de todas as vagas d.e professores existentes nas suas escolas;
b) Se é ou não verdade que houve uma travagem burocratizante por parte da Comissão Central de Colocações; dando azo a flagrantes injustiças;

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c) Quando e que critério irá presidir à colocação dos restantes professores;
d) Quis são, neste momento, as preocupações desse Ministério quanto ao necessário prolongamento deste ano lectivo e dos seguintes, criando condições paira que, honesta e decisivamente, se ponha um .travão à proliferação doo analfabetismo diplomado.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra, também para a leitura de um requerimento, o Sr. Deputado José Figueiredo.

O Sr. José Figueiredo (PCP):

Considerando a luta que vem sendo desenvolvida pelos trabalhadores do sector livreiro ao sentido de impor o cumprimento das normas contratuais;
Considerando o comunicado divulgado sobre o assunto pelo Ministério do Trabalho em 17 do corrente;
Considerando, nomeadamente, que nesse comunicado se afirma que «a portaria tem que ser cumprida» e que ecos trabalhadores devem continuar a exercer pressão sobre as entidades patronais»;
Considerando, assim, que é incontestável que a greve dos trabalhadores do sector livreiro constitui uma justa resposta às prepotências do patronato;
Mas considerando, por outro lado, que em 18 deste mês, mais uma vez, a Polícia de Segurança Pública actuou e reprimiu trabalhadores em luta, exactamente aqueles a que me venho referindo;
Considerando que a PSP agiu a pedido do patronato, o mesmo patronato que o Ministério do Trabalho, no seu comunicado, afirma que não apoia;
Considerando que num dos casos, pelo menos, à repressão policial feita junto da livraria pertencente a uma ex-Deputada da ANP se juntaram inadmissíveis comentários dirigidos aos trabalhadores, como, por exemplo, «isto agora mudou» e «ide trabalhar, malandros»:
Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, requeiro das autoridades competentes os seguintes esclarecimentos:

a) Quem ordenou a repressão da PSP do Porto sobre os grevistas?
b) Quem comandou tal operação repressiva?
c) Os agentes da PSP utilizados nessa acção repressiva foram informados da luta que ,opunha os trabalhadores do sector livreiro ao patronato capitalista?
d) Consideram as autoridades responsáveis que esta acção repressiva está de acordo com os termos do comunicado do Ministério do Trabalho?
e) Ou reconhecem as autoridades que este comportamento repressivo é um apoio concreto ao patronato, que teima em não cumprir as normas contratuais?
f) Consideram ou não as autoridades que o desencadeamento desta acção repressiva tem alguma coisa a ver com a modificação da situação político-militar operada em fins de Novembro?
g) Estão as autoridades responsáveis dispostas a reconhecer que esta acção policial contraria as liberdades democráticas e a tomar medidas que impeçam a repetição da repressão policial sobre os trabalhadores da cidade do Porto?

O Sr. Presidente: - Para a leitura de mais dois requerimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Neves.

O Sr. João Neves (PCP):

Primeiro requerimento

Considerando que o Programa do Movimento das Forças Armadas fixava como um dos seus objectivos a melhoria das condições de vida das classes mais desfavorecidas;
Considerando que é desesperada a situação de muitos pescadores afastados da actividade por velhice ou invalidez;
Considerando que continuam muitos pescadores com dezenas de anos de trabalho a receber subsídios de 500$ mensais ou até menos;
Considerando que o Estado fascista, que sempre desprezou os interesses dos trabalhadores em geral, discriminou, ainda assim, os pescadores em benefício de meia dúzia de exploradores entre eles o miserável Tenreiro, recentemente libertado;
Considerando que esses pescadores, agora afastados por invalidez ou velhice, durante dezenas de anos de trabalho descontaram para uma Previdência que hoje não os protege como devia:
Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, requeiro das autoridades competentes os seguintes esclarecimentos:

a) Quantos são os pescadores afastados do serviço por invalidez ou velhice que recebem pensão de reforma ou invalidez?
b) Qual é o valor médio e qual é o máximo e mínimo dessas pensões?
c) Quantos são os pescadores inválidos ou velhos que recebem uma pensão social, por não lhes ser reconhecido o direito à pensão da Previdência?
d) Qual é o valor médio e quais são o máximo e o mínimo dessas pensões?
e) Em que estado se encontra o apuramento de responsabilidades por desvio de fundos ou utilização abusiva dos dinheiros descontados aos pescadores para fins de previdência?
f) Foi até hoje instaurado qualquer processo ao almirante fascista Henrique Tenreiro pelos crimes que praticou?

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Segundo requerimento

Considerando que as autoridades fascistas aproveitavam a obrigação de serviço militar para sujeitar os pescadores bacalhoeiros a trabalhar durante sete viagens em troca de salários miseráveis, engordando assim as fortunas de uma minoria de exploradores, entre os quais o fascista Henrique Tenreiro, recentemente libertado;
Considerando que esse objectivo era alcançado sob a chantagem de «ou isto ou a guerra»;
Considerando que a guerra colonial terminou;
Considerando que há pescadores que já cumpriram, nas condições atrás referidas, quatro e cinco viagens;
Considerando que o tempo do serviço militar obrigatório foi reduzido e que foram atenuadas as necessidades de recrutamento;
Considerando que a obrigação de cumprir ainda dois ou três anos de viagem para dar por findo o serviço militar coloca os pescadores jovens em situação de desfavor no que respeita a remunerações:
Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, requeiro do Estado-Maior-General das Forças Armadas que me seja informado se é intenção das autoridades reduzir o tempo de prestação de serviço militar na frota bacalhoeira, e nomeadamente se vai ser dado como cumprido o serviço militar aqueles que fizeram já várias épocas de pesca nas condições referidas.

O Sr. Presidente: - Está encerrado o período de leitura dos requerimentos.
Vamos dar a palavra ao Sr. Casimiro Cobra, que é o primeiro dos 162 Deputados que se encontram inscritos. Há, pois, 162 Deputados inscritos para o período de antes da ordem do dia. Bom record!
Sr. Deputado Casimiro Cobra, tenha a bondade.

O Sr. Casimiro Cobra (INDEP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:
Nesta minha primeira intervenção como Deputado independente quero saudar, em especial, com amizade e sinceridade, os meus colegas do PPD, onde continuo a ter alguns dos melhores amigas desta Sala.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O conceito que cada um faz da vida leva-nos a tomar atitudes diferentes quando os objectivas parecem ser os mesmos, embora uns se autolimitem à formalidade de defesa dos seus pontos de vista e outros prefiram a satisfação real dos princípios que defendem. Não está em causa aquilo que cada um quer como modo de vida da sociedade portuguesa mas muito claramente a posição de cada um perante a situação real da sua fase actual de transformação. Não tenho, como sabeis, complexos nem de esquerda nem de direita e aqui nesta Assembleia melhor que ninguém são os Srs. Deputados quem me podem julgar perante essas análises de conceito político.
Aqui defendi a necessidade de uma profunda transformação da actual sociedade portuguesa, em que o poder económico esteja subordinado ao poder político, não permitindo que a Revolução se limitasse a umas vontades formais sem ter em conta a real situação em que tem vivido e vive a grande maioria dos portugueses. Não podemos permitir que se queira limitar esta Revolução a um simples «aparar das pontas mais salientes das injustiças de que são vítimas as classes mais desfavorecidas de Portugal.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O acesso dos trabalhadores ao poder será legitimado por um processo revolucionário que nunca deixará de respeitar a democracia e a verdadeira vontade popular. Não há nenhum social-democrata que não aceite uma profunda Reforma Agrária, em que aos trabalhadores, pequenos e médios agricultores seja permitido tirar da terra o produto legítimo do seu trabalho.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Nunca um social-democrata aceitará que se modifique estruturalmente a actual lei das expropriações, mais chamada da Reforma Agrária, exigindo simplesmente do VI ou VII Governo (já não sabemos) a legítimo cumprimento de todos os seus princípios, sem prejudicar os pequenas e médios agricultores, procedendo ao reajustamento de princípios que, efectivamente, não tiverem em conta a realidade.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Digo hoje aquilo que disse ontem e decerto direi amanhã. Sem deixar de criticar aqueles que pelo «golpismo» ameaçaram permanentemente a revolução portuguesa e que tiveram largas culpas no 25 de Novembro, sempre defendi que o socialismo só podia ser construído, e pode, com uma aliança entre todas as forças com implantação na classe operária, nos camponeses, na pequena e média burguesia, sem que para isso pudéssemos deixar de aceitar, na realidade, o que significa uma sociedade socialista e democrática. Só quem conhece os reais problemas das classes mais desfavorecidas pode estar coerentemente nesta Revolução, não bastando as roupagens, as bonitas palavras e os golpismos permanentes. Estou mesmo convencido de que quem nos fala de democracia pondo à sua frente talvez saudosisticamente a paz, é parque considera que estamos em guerra e nesse caso temos de nos esclarecer de que lado do campo de batalha está cada um Depois dos últimos e lamentáveis acontecimentos políticos houve pessoas e organizações que se quiseram apresentar com outras vestes, mudando o cinzento - escuro para branco ou mesmo para rosé, esquecendo que as casas são as mesmas, os processos os mesmos e a clientela idêntica ou pior. O oportunismo dessas organizações explora com habilidade e cinismo as fraquezas da Revolução, apresentando-se ao povo português como exemplos de virgindade nas responsabilidades da governação depois do 25 de Abril. Se a confraria desses «santos» senhores se esquecer da grave situação em que se encon-

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tram as classes desfavorecidas deste país, será lamentável ter de refrescar-lhes a memória e pô-los no devido lugar, que, como dizem repetida e coerentemente, ocupam na direita portuguesa. Estou firmemente convicto de que não será a social-democracia a confrontar esta revolução, desde que ela nunca se confunda com os reaccionários, tantas vezes misturados com a Revolução, no caminhar cego e oportunista, direito noa poder que já ocuparam.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - A social-democracia terá de se manter em Portugal como uma forma de avançar pacificamente e par visa constitucional rumo aios objectivos socialistas ...

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - ... mas para isso terá de ter na prática uma actuação que dê confiança aos operários e aos camponeses, já que quanto à pequena e média burguesia isso não parece estar muito em dúvida.
Teremos de claramente saber quem quer avançar para o socialismo e quem se pretende aproveitar do novo «golpismo» para desviar esse avanço para o lado ao mesmo para, trás. Não podemos esquecer que o fascismo criou muitas situações de inconciliação de classes e de interesses e que em muitas regiões deste país a luta é de modo que só terminará com a desaparecimento de uma delas. A recuperação de qualquer forma de capitalismo teria consequências trágicas: para Portugal, exigindo a curto prazo a implantação de um regime de terror
que pudesse abafar os legítimos protestos dos trabalhadores e das es mais desfavorecidas. Quem pensa que aos trabalhadores basta dar metade do pão que eles produzem está a raciocinar em termos de que é ,possível manter uma sociedade onde uns homens explorem outros homens, pois estou certo que, enquanto isso se, mantiver, o movimento operário nunca deixará de lutar paira que o produto do seu trabalho lhe seja entregue na totalidade.
O individualismo, fabricado com situações de privilégio para alguns nunca. enganará a grande maioria, e só quem não conhece a solidariedade proletária pode ter tais ideias para Portugal. Estou pois convicto de que a social-democracia tem o seu lugar na via socialista escolhida, em 25 de Abril de 1975 pelo povo português, pois nela se encerra o que de mais genuíno existe na vontade natural da grande maioria dos portugueses.
Tentar mistificar atitudes circunstanciais com convicções de sempre, seria fazer mau juízo de valor do carácter de cada um e da sincera e honesta vontade com que acredita numa solução socialista para o nossa país. Acima das virtudes e dois defeitos dos homens há-de sempre manter-se o seu desejo colectivo sobra os caprichos dos individualistas, que hão-de ver perder as suas esperanças na verdade dos factos do que é realmente uma sociedade socialista e democrática.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta: nova fase da revolução portuguesa não é- a última, tem de se caracterizar pela sinceridade e honestidade dos propósitos de cada um; o povo português não permitirá que seja mais uma vez enganado por novas formas «de golpismo». O socialismo não pode parecer algo de que muitos se querem ver livres, mas, muita pelo contrária, tem de ser uma certeza principalmente para todos aqueles que trabalham, seja na campa, seja nas fábricas.
Recuperar o capitalismo, repito, seria uma nova tragédia, para as trabalhadores, portugueses, quer essa recuperação se dê com gestão inteligente ou estúpida desse mesma capitalismo. A agonia da perda dos privilégios é natural que custe a muita gente, mas será bom que trados esses pensem naus privações que os outras passaram e passam durante toda a sua vida de trabalho e sacrifício.
Estou certo de que a social-democracia saberá estar no lugar próprio para defender as seus princípios todos eles encaminhados no sentido da sociedade socialista, ela sim o verdadeiro objectivo que nos livrará de novas formas de exploração da mais-valia de quem produz.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Continuo a acreditar na sociedade democracia com objectivos socialistas em Portugal.

O orador fez a sua intervenção na tribuna.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carreira Marques.

O Sr. Carreira Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando aqui, há dias, tive oportunidade de denunciar algumas manobras nitidamente reaccionárias que: culminaram numa série de dicções de. igual tendência, houve alguns protestos contra essa minha intervenção, a que decerto ;não deve ter sido estranha a intensa emotividade política que se viveu nos dias imediatamente a seguir aos acontecimentos de 25 de Novembro.
Mas como em política nada acontece por acaso e porque este momento de necessária reflexão nos ajudará a compreender melhor a justeza de algumas afirmações, vale a pena retomar o tema da minha anterior intervenção e juntar-lhe os elementos novos que. uma certa perspectiva e prática reaccionária se encarregaram de adicionar à realidade portuguesa.
Refiro-me concretamente, a diversos acontecimentos verificados em Rio Maior.
Na noite de 1 para 2 deste mês de Dezembro os trabalhadores da Quinta da Brinçal foram alva de um ataque fascista que, a tiro, foi praticado por alguns elpes, caciques e lacaios, depois de a Quinta ter sido revistada pelas forças armadas, em busca de armas e de molda ter sido encontrado. Após o assalto as trabalhadores foram conduzidos ao pasto da GNR, onde estiveram retidas durante cerca de vinte horas.
Após serem libertados e na iminência de novas violências e provocações os trabalhadores tiveram de se escapar para o posto donde tinham saído momentos andes. Esta força militarizada, perante a evidência dos factos, limitou-se a fazer transportar os trabalhadores em carro de praça até ás suas casas.
Esta ocorrência, para além do seu conteúdo claramente provocatório e fascista, cujo processo se insere

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num enquadramento contra-revolucionário mais vasto, impõe que alguém dê resposta urgente a esta questão:

Os trabalhadores e as suas organizações são objecto da procura de armas por parte das forças armadas, .mas, entretanto, são atacados por conhecidos fascistas, a tiro, e estas araras não :são apreendidas, nem os seus possuidores são incomodados.

Entretanto, e no seguimento dos acontecimentos do dia 24 de Novembro em Rio Maior, realizou-se no passado dia 14, na mesma terra, um chamado II Plenário dos Agricultores. Tendo contado com larga participação, porque convocado a nível nacional, os seus promotores tiveram, contudo, que recuar nos seus propósitos, já sobejamente demonstrados no dia 24 de Novembro, uma vez que para a realização da reunião tiveram de oferecer garantias, que não estavam nos seus planos, à Região Militar de Lisboa. Mas, apesar disso, a movimentação, nos bastidores, de alguns elementos ligados ao MDLP foi bastante intensa e os resultados da sua acção estão bem patentes em algumas palavras de ordem gritadas no «plenário», em intervenções de «agricultores», e na própria moção que foi aprovada.
Quando um dos oradores se referiu aos contactos havidos com o Ministro da Agricultura e durante os quais este membro do Governo se afirmou defensor da actual Lei da Reforma Agrária, a assistência reagiu, gritando: «gatuno», «Sibéria», «Custóias», « rua», etc. Não parece que isto soja linguagem democrática e mais ainda de agricultores.
Um outro orador afirmou, referindo-se ao Ministro Lopes Cardoso, que «sobre ele tomaremos medidas drásticas se não atender aos nossos anseios», sem precisar quais, mas que não é difícil adivinhar, a julgar por todo o ambiente criado pelos promotores.
Mas não faltou também a indispensável dose de anticomunismo para demonstrarem bem àqueles que ainda tivessem dúvidas das reais intenções dos pressurosos defensores dos pequenos e médios agricultores deste país que tão. «candidamente» promoveriam o plenário de Rio Maior. Chegou se a afirmar que nenhum comunista teria a coragem de levantar o braço naquela «terra de liberdade». Os próprios dirigentes do PS, Mário Soares e Lopes Cardoso, foram ali chamados comunistas, o que prova bem que, tal como no passado fascista, para os promotores do festival de Rio Maior são comunistas todos os que se batem contra o fascismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Mas é na moção aprovada em Rio Maior que estão sintetizados os verdadeiros interesses e objectivos do chamado Secretariado Nacional dos Agricultares. O seu texto é bem claro para não deixar dúvidas quanto à manipulação reaccionária de que estão a ser vítimas muitos pequenos e médios agricultores, cujos justos anseios e interesses não podem de forma alguma coincidir com o que em Rio Maior foi aprovado.
Exige-se (é o tece da moção) a suspensão imediata das Leis da Reforma Agrária e do Arrendamento Rural, que ambas sejam discutidas a nível nacional e promulgadas pela Assembleia Legislativa, que sejam proibidas .bodas as ocupações em herdades cultivadas e que se tem as garantias dadas pelo Governo nesse sentido, que sejam dadas garantias de indemnização e que o Ministro da Agricultura esclareça o País dos graves riscos que corre a economia nacional resultante da forma como está a ser conduzida a Reforma Agrária, etc.
Recorde-se que a Lei da Reforma Agrária visa, no essencial, a expropriação dos latifúndios e o respeito pelais pequenas e médias explorações agrícolas. Para tanto, está estabelecido um sistema de pontuação e uma área de exploração agrícola máxima admissível que garantem aos que trabalham a terra, pequenos e médios agricultores, a continuidade da sua exploração, mas que proíbem a existência de latifúndios e de grandes explorações capitalistas.
Serão então os pequenos e médios agricultores que estão interessados na. suspensão da lei?
Quanto à Lei do Arrendamento Rural, pode dizer-se que ela veio introduzir no distorcido e feudal sistema de arrendamento que se praticava na agricultura profundas alterações, que, é bom salientar:
Garante ao cultivador directo: o direito à exploração da terra, proibindo ao senhorio absentista a cessação do contrato que tinha sempre em vista a especulação do velar da, renda;
Obriga o senhorio a reduzir a escrito o contrato de arrendamento;
Estabelece valores de arrendamento, proibindo o seu pagamento adiantado;
Obriga ao pagamento da renda em dinheiro, salvaguardando alguns casos específicos em que tal não é possível;
Só permite aia senhorio reapossar-se do prédio se este pretender explorá-lo directamente;
Garante ao rendeiro o pagamento de indemnização pelas benfeitorias, introduzidas na propriedade. Em suma, a Lei do Arrendamento defende, exclusivamente, o homem que, trabalha na terra.
E nem se venha dizer que o pequeno senhorio é prejudicado, porque também a ele lhe está garantida a exploração da propriedade desde que o queira fazer directamente.
A quem interessa então a suspensão desta lei? Ao trabalhador da terna, ao homem que trabalha e produz? Ou ao absentista e especulador que lhe vê fugir a privilégio de continuar a viver à custa de quem trabalha?

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Quem está então interessado em que tais leis sejam suspensas e só promulgadas pela Assembleia Legislativa? Esta posição legalista não esconde suficientemente os verdadeiros propósitos de quem a defende.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Exige a moção que o Governo faça cumpriu- as garantias que deu de que não serão ocupadas as herdades cultivadas. Nunca o Governo deu quaisquer garantias nesse sentido, porque, cultivado ou não, o latifúndio gera sempre um subaproveitamento. Em nenhum sistema económico se pode

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permitir a existência da propriedade latifundiária. Mesmo no sistema capta, tal propriedade é banida, por manifestamente aberrante e antieconómica.
Voltando à moção, exige-se nela a garantia, desde já, de indemnizações aos expropriadas.
Sobre esta matéria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, todos estamos recordadas do que ficou aprovado na Constituição que estamos a fazer. Eles também sabem e não se coíbem da começar, desde já, a contestá-la, ainda que de forra indirecta, o que também serve para demonstrar de que propósito estão animados. A este respeito bastará recordar que em Rio Maior foi aprovada uma adenda na qual se exige a desocupação imediata de todas as herdades e a consequente entrega aos seus anteriores proprietários. Desconfiado com a fartura, o próprio Secretariado promove de seguida uma conferência de imprensa para declarar que não era muito correcta a exigência, mas acrescentou logo que tinha da ser respeitada porque tinha sido aprovada pelo plenário.
No ponto n.º 9 e último da citada moção vem o ultimato ao Ministro da Agricultura: Esclarecer o País sobre os graves riscos que corre a economia nacional se a Reforma Agrária continuar em marcha.
Naturalmente que esclarecer ou não é um problema do Ministro Lopes Cardoso, uma vez que é a ele a quem, desta vez, é apontada a moca dos reaccionárias que promoveram a reunião de Rio Maior.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas eu gostaria de aqui dizer alguma coisa sobre os tais «riscos».
Neste momento encontram-se legalizadas cerca de trezentas unidades de exploração e outras encontram-se em vias de o serem. Calcula-se que estejam ocupadas por unidades colectivas ...

O Sr. Presidente: - Tem dois minutos, Sr. Deputado.

O Orador: - Calcula-se que estejam ocupadas ...

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, peço desculpa. São seis minutas.

O Orador: - Calcula-se que estejam ocupadas por unidades colectivas e cooperativas de produção cerca de um milhão de hectares, o que corresponde a dois terços da área total sujeita às medidas de expropriação. Pode computar-se em mais de 10 % o aumento de sementeira do cereais de Outono, numa altura em que algumas forças se referem a quebras dia produção.
Para exemplificar, no concelho de Castro Verde, no Baixo Alentejo, semearam-se, este ano, mais 100 000 kg, de trigos e 600 000 kg de cevadas. E se uma reforma agrária deve ser equilibrada de forma a evitar uma baiuca de produção, poderemos dizer que, ao contrário do que tem acontecido noutros países, tudo se conjuga para que em Portugal se observe um aumento de produção não só global mas no rendimento médio por hectare.
Sendo a ocupação de terras o ponto quente da nossa Reforma Agrária é conveniente dizer que tal prática tem perfeita justificação no caso português, que é, de facto, específico, e que não se verificou em nenhum outro país que encetou uma reforma agrária num processo de construção do socialismo. O avanço dos operários agrícolas para a ocupação de terras tornou-se necessário para vencer a constante hesitação do poder político, obrigando-o a promulgar legislação clara e adequada que garantisse a Reforma Agrária.
Por outro lado foi esse avanço que possibilitou ter-se assegurado a execução normal das colheitas do trigo, da azeitona, do arroz, do tomate e de todas as sementeiras de cereais de Inverno. Foi ainda um avanço que impediu que os donos das explorações agrícolas expropriáveis vendessem rapidamente todos os gados, máquinas e todos os restantes investimentos facilmente mobilizáveis e todas as colheitas a fazer ou existentes em armazém. E esse procedimento seria a prática normal (que em muitos casos ainda se verificou) logo que os grandes agrários se apercebessem de que já não dispunham do poder político que evitasse o avanço da Reforma Agrária.
Neste momento o processo da Reforma Agrária está a visar basicamente a destruição do sistema latifundiário, com a entrega directa da terra aos trabalhadores e, paralelamente, assegurar que a produção não diminua. Ora temos, efectivamente, de reconhecer que o campesinato que existia ao lado do latifúndio não beneficiou grandemente nesta fase de destruição do sistema latinfundista. Porém, tal verdade tem as suas raízes em questões sócio-políticas. O camponês não tem o mesmo grau de consciência do operário rural e isso impossibilitou-o de se organizar rapidamente, além de que o facto de serem também proprietários, embora muito pequenos e explorados, os impediu de, efectivamente, assumirem uma atitude contrária ao ancestral direito de propriedade do senhor sobre o seu latifúndio.
Porém, as contradições que podem advir entre o atraso organizativo dos camponeses e o rápido avanço dos operários rurais não devem ser aproveitados para atirar os camponeses para os braços da reacção. Há que encontrar as formas justas para integrar os camponeses na Reforma Agrária e com eles se reforçar a historicamente inevitável aliança entre operários e camponeses.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Muitos são já os que se estão a integrar em herdades colectivas ou a organizarem-se em cooperativas.
É preciso fomentar estas práticas. E porque de um caso concreto se trata, cito este exemplo: na freguesia de Pias houve uma herdade ocupada por trabalhadores que verificaram estaria mesma rodeada por pequenas courelas de camponeses. Posto a estes o problema logo ficou decidido que as pequenas parcelas de terra seriam integradas na herdade ocupada e toda a área assim conseguida seria entregue, exclusivamente, aos camponeses. Hoje, essa cooperativa, com posteriores adesões, ocupa uma área de mais de 1000 ha.
Esta é uma forma correcta que em nada se assemelha com outro caso concreto ocorrido anteontem em Canha, no Montijo, onde o lugar da Cooperativa do Futuro foi assaltada por cerca de trinta indivíduos

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todos alheios ao trabalho do campo e que no fim não esconderam as suas ligações ao afirmarem que era só telefonar para Rio. Maior para vir um mar de gente desocupar a Cooperativa.
De um lado, há a preocupação de resolver os grandes problemas dos camponeses; do outro, o propósito fascista de derrotar as grandes conquistas dos operários rurais e camponeses.
Para terminar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não é cedendo posições à direita e à reacção que se defenderá a nossa revolução.
A Reforma Agrária não deve recuar nem um milímetro; deve, pelo contrário, avançar.
A Lei do Arrendamento, nos seus aspectos fundamentais, deve ser intransigentemente defendida.
Com estas disposições quanto às duas leis fundamentais que regulam as relações de produção nos campos, faremos avançar a nossa revolução, porque é conveniente não esquecermos que a Reforma Agrária que se está a fazer é inserida num projecto de construção do socialismo em Portugal.
Tenho dito.

(O orador fez a sua intervenção na tribuna.)

Aplausos.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Kalidás Barreto.

O Sr. Kalidás Barreto (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa breve intervenção, gostaria de trazer a esta Assembleia as preocupações dos trabalhadores quanto a dois problemas que se têm arrastado, sem solução, o que provoca dificuldades de toda a espécie. Refiro-me concretamente à falta de pagamento das contribuições para a Previdência e ao contrôle operário.
Quanto ao primeiro ponto, é sabido que foi largamente noticiado, que, neste momento, as empresas devem à Previdência cerca de dois milhões de contos, sendo mais de meio milhão do sector têxtil.
Tais atrasos têm neste ou naquele caso alguma justificação, considerando dificuldades conjunturais desta ou daquela empresa; o facto é que em muitos casos são verdadeiros boicotes.
Em face da quase, impunidade pela exiguidade de consequências pela falta de pagamento, animadas pelos previsíveis reflexos na perturbação social, há empresas, e não só, que parecem apostadas em levantar dificuldades.
A Previdência tem cada vez menos dinheiro e, canse que consequentemente, menos liquidez para corresponder ao esquema de benefícios.
Se, entretanto, suceder alguma ruptura, não tardarão os reaccionários a explorar a ingenuidade de alguns trabalhadores, levando-os a concluir apressadamente que, afinal, isto está cada vez pior e que quando eram as patrões a gerir a Previdência nunca foram cortados os benefícios.
Ora isto é precisamente o que os boicotadores pretendem e para isso devem estar alertadas as classes trabalhadoras!
Os jornais já noticiaram represálias das farmácias, por atrasos das caixas nos pagamentos e tudo isso, se se concretizar (o que espero não suceda), virá perturbar ainda mais a situação.
É, pois, tempo de se tomarem medidas e é urgente a análise casuística e a resolução dos problemas, a menos que se queira fazer o jogo dos que, em vários campos e também neste, fazem o joga da reacção.
Há vários meses que grupos de trabalhadores, remeteram ao Governo noções alertando para a gravidade do problema e propondo medidas que até agora, não obtiveram resposta.
Fazendo eco dessas propostas, sugiro, com toda a urgência que o caso requer, o seguinte:

1.º Que se instaure um rigoroso inquérito a todas empresas em que há atrasos de remessa de contribuições para a Previdência;
2.º Que naquelas em que se demonstre má fé se aplique um sistema de multas que possa ir até à afectação dos bens particulares dos sócios, com prisão das sabotadores.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Só com medidas exemplares nos prevaricadores poderemos conseguir a resolução dos problemas, pois que estou plenamente convencido - até demonstração do contrário - que nisto tudo há actos de verdadeira sabotagem económica.
Quanto ao segundo ponto, o do contrôle operário, consta nos corredores desta Assembleia, e não só, que há fortes pressões sobre o Governo para que adocique o mais possível a lei.
Todos estamos recordados da luta que se desenvolveu nesta Constituinte aquando da consagração do princípio do contrôle de gestão por parte das comissões de trabalhadores todos sabemos dos argumentos que foram apresentados, das discussões havidas, das posições extremadas.
A inflexibilidade do Partido Socialista e dos outros partidos de esquerda aqui representados impediu que a disposição fosse alterada e que acontecesse o incrível aborto de uma constituição socialista não consagrar o contrôle operário.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Mas as forças do capital não desarmam facilmente e vêm trazendo subrepticionalmente novas razões!
E diz-se agora que o investimento estrangeiro se assentaria com o contrôle; e diz-se ainda que nós nos poderemos esquecer das pequenas empresas, dos pequenos interesses privados; e diz-se também que o contrôle operário poderá ser aproveitado por forças apostadas na política de terra queimada!
É necessário que se diga claramente a esses senhores que estamos em transição para o socialismo; que o povo disse que o queria; que as classes trabalhadoras exploradas deste País não querem outra coisa!
De resto eu não compreendo como se constrói o socialismo com a prática do contrôle operário que nesta fase nada tem a ver com autogestão e muito menos com a prática conciliatória e desejada pelas forças capitalistas, de co-gestão.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - O socialismo não se institui por decreto, constrói-se!
E é na fábrica, na oficina, em que cada trabalhador deixa de ser a peça da máquina, em que cada trabalhador se liberta, em que cada trabalhador vê que é
parte de um todo, em que cada trabalhador toma verdadeira consciência da classe que se constrói o socialismo!
É fiscalizando os actos de gerência, é alertando as autoridades para as irregularidades, e sabendo como se faz, quando se faz e para quem se faz que se constrói o socialismo!
É tomando consciência do todo da sua empresa e do que ela representa no todo que são as outras; é resolvendo colectivamente os problemas; é analisando e discutindo em conjunto que se constrói o socialismo!
Quem pode, pois, ter medo do controle operário?
Será que ele assustará assim tanto os investimentos estrangeiros?
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso que se diga claramente e já: se o investimento estrangeiro vem fomentar a economia sem desejar interferir no nosso processo, é bem-vindo!
Mas, se pelo contrário, vem querer impor, directa ou indirectamente, o que quer que seja às classes trabalhadoras, repudiamo-lo!

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Pobres sim, mas independentes!

Como nesta Assembleia, em que as forças de esquerda repeliram as pressões, também no Governo confiamos assim suceda! Faz parte da luta pelo socialismo que desejamos construir e que terá sempre as forças do capitalismo a contrariá-lo!
As forças socialistas quer na Assembleia quer no Governo não deixarão que o decreto sobre o controle operário saia coxo, que a revolução socialista seja amputada numa das suas principais peças!
As classes trabalhadoras estão, entretanto, atentas para não permitir a perda de nenhuma das suas conquistas, certos que é por actos, e não por palavras, que se define de que lado estão as forças políticas!
Esperamos que os boatos sejam só boatos, ainda que segredados nos Passos Perdidos. As forças do capital não vencerão! Mesmo com mocas de 550 g!

Tenho dito.

(O orador fés. a sua intervenção na tribuna.)
Aplausos vibrantes.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eugênio Mota.

O Sr. Eugênio Mota (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de entrar propriamente na minha intervenção, eu desejaria, em nome do Partido Popular Democrático, saudar V. Ex.ª e todos os Deputados membros desta Assembleia Constituinte, sem qualquer excepção, e bem assim os trabalhadores desta Casa; para desejar a todos e suas famílias um Natal de paz, um fim de ano de alegria nos vossos lares, e para 1976 a coragem e determinação necessárias para enfrentar as dificuldades que se adivinham, para construir, a favor do povo português, os alicerces da sociedade democrática e socialista que todos ambicionamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa hora muito difícil da vida da nossa pátria, porventura mais grave do que certas aparências possam sugerir, eu gostaria de, perante vós, a título meramente pessoal, fazer-me eco das preocupações que sinto como democrata e como português, e das inquietações, da insegurança, da angústia perante o futuro, que vejo apossarem-se da grande massa do nosso povo.
Penso que as questões realmente sérias, as opções profundas e fundamentais, têm sido tratadas em Portugal com alguma leviandade. Por isso, ao aproximar-se uma época tradicionalmente evocadora de sentimentos de fraternidade, e ao encerrar-se esta Assembleia para umas férias de duas semanas, que espero sejam de reflexão, eu atrevo-me a falar hoje, com serenidade, com singeleza, da democracia, do aparente lugar-comum que é a democracia. E digo aparente porque, na realidade, ela é, antes, uma conquista muito difícil, muito exigente, sempre ameaçada, e nunca definitiva, de povos civilizados. Ela é neste país uma aspiração profunda, uma finalidade ardentemente desejada pela maioria esmagadora dos portugueses. Mas estarão os responsáveis políticos deste país, os dirigentes, os intelectuais, os activistas a proporiam junto do povo aquela pedagogia social imprescindível à vivência autêntica de um estado democrático, à radicação das regras nobres do convívio democrático desse mesmo povo? Estaremos todos e cada um de nós empenhados seriamente em dar a este povo, pela palavra, e sobretudo pelo comportamento e pelo exemplo, uma ideia concreta, positiva, de conteúdo palpável, do que é, de facto, a democracia, das servidões e sacrifícios que impõe, da autodisciplina que pressupõe, do respeito mútuo e da cooperação activa que exige, da dignificação do comportamento humano que significa?
Eu sei que os homens não são santos. Demasiado o sei, ao cabo de muitos anos de luta no terreno da democracia económica e social autêntica que é o cooperativismo. Luta quotidiana, paciente, dolorosa, em condições muito difíceis, longe das ribaltas e dos exibicionismo. Luta que não era espectacular, nem criava vedetas, nem promovia ninguém que não fossem os próprios trabalhadores do movimento cooperativo. Luta à qual deram o seu contributo, entre tantos outros, o Presidente desta Assembleia, professor Henrique de Barros, e outros companheiros cooperativistas que tenho a alegria de ver nas bancadas do Partido Popular Democrático e do Partido Socialista.
Hoje, porém, a nossa tarefa prioritária é a consolidação entre nós da democracia política, pois, sendo, por si só, insuficiente para a libertação do homem, e tendo de ser completada no plano económico e no plano social, não podemos esquecer um instante só que seja que ela é imprescindível, fundamental, conquista inestimável sem a qual a dignidade de um povo e de cada um dos cidadãos fica ameaçada, enfraquecida e 6 finalmente destruída.

Vozes: - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou sinceramente preocupado porque começo a ver o povo deste país descrente da democracia. Estou sinceramente preocupado porque o povo português começa a sentir que tem sido enganado e ainda não deixou de o ser. A vivência autêntica da democracia passa pelo respeito profundo da vontade popular, livremente expressa no voto. Daqui não há que fugir senão com sofismas ou subterfúgios vanguardistas que o povo não aceita. O que o povo português disse claramente, em 25 de Abril de 1975, foi que 70 % dos eleitores, em termos de votos expressos, queriam a construção em Portugal do socialismo democrático, isto é, queriam a democracia e queriam o socialismo, mas não um sem o outro.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - E por isso repudiavam as vias antidemocráticas para um pseudo-socialismo centralista. Esse voto do povo também disse claramente que, para o objectivo atrás anunciado, o eleitorado confiou maioritariamente no Partido Socialista e no Partido Popular Democrático para a concretização das etapas iniciais das grandes transformações que reclama a sociedade portuguesa.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que o povo não compreende, e eu também não compreendo, que não se tenham querido tirar as consequências lógicas deste dado básico e que muitos se tenham perdido no labirinto das interpretações capciosas para negar a evidência, lançando o descrédito no processo democrático. É por isso que eu considero, como português e como democrata, que tudo o que se tem feito e se faz para enfranquecer os dois grandes partidos portugueses, ou para dificultar a sua colaboração, constitui um autêntico atentado à democracia e às aspirações profundas do nosso povo.
O povo português não esquece aqueles que andaram a vender ao MFA as suas brilhantes invenções do voto em branco, da democracia só para alguns, e, depois das eleições, a explicação do voto pela impreparação e inconsciência desse mesmo povo. Os Portugueses não aceitam que esses cupulistas, desligados do povo real que desconhecem e carregados de uma pesada quota-parte de responsabilidade na desordem político-económica do após 11 de Março, continuem a ser ouvidos por quem quer que seja que pretenda impor novos projectos pré-fabricados ao nosso povo. Também isso o faz descrer da democracia.
O povo português deseja, com certeza, que os partidos políticos afirmem a sua personalidade própria e a sua coerência. Mas não compreende que caiam no sectarismo e se degladiem por questões tantas vezes secundárias, quando o seu papel, no que se refere aos partidos maioritários, é a busca das afinidades e a construção de um programa viável de governo.
O povo não compreende que os partidos democráticos defendam a democracia em ordem dispersa e não coordenem melhor os seus esforços. A democracia portuguesa está longe de estar consolidada, muitos perigos a espreitam, e não suporta, por isso, a violência de certas lutas interpartidárias ou dentro dos partidos que noutras condições seriam normais. As portas da tempestade económica que se anuncia, também isto faz descrer da democracia.
Pessoalmente, como social-democrata que sempre fui, pois nunca descobri outra via democrática para o socialismo, também não compreendo que, por erro de cálculo, se venha a desperdiçar a oportunidade histórica da colaboração leal e firme dos dois partidos que defendem em Portugal a construção do socialismo em liberdade.
O povo português sabe, até porque lhe foi confirmado por elementos responsáveis do Conselho da Revolução, que o Partido Comunista Português, vencido nas eleições de 25 de Abril, e vencido no golpe abortado de 25 de Novembro, tem pesadas responsabilidades, quer na subversão militar que quase levou ao drama da guerra civil, quer na demolição sistemática da economia portuguesa.

Apupos da bancada do PCP.

Vozes de protesto.

Perguntem ao major Melo Antunes.

Vozes: - É falso.

O Orador: - Perguntem ao major Melo Antunes.
E no entanto vêm dizer-lhe que é indispensável a participação do PCP na Governo. Isto é grave, parque se a política nem sempre coincide com a moral, nem par isso o povo deixa de reagir quando ela se torna manifestamente imoral. E também esta contestação desgosta o povo dia democracia.

Apupos da bancada do PCP.

O Sr. Hilário Teixeira (PCP): - Não seja insultuoso, ó seu estúpido.

O Orador: - É verdade que surge uma esperança, uma pequenina e tímida esperança, de que o Partido Comunista venha a evoluir no sentido da aceitação das regras democráticas ...

Apupos da bancada do PCP.

... já que a seu golpismo faliu. Para que o povo acredite, porém ...

Apupos da bancada do PCP.

Sr. Presidente, eu espero que ...

O Sr. Presidente: - Espera e espera muito bem, se eu pudesse fazer alguma coisa. No entanto, eu peço aos Srs. Deputados o favor de acabarem com isso.

O Orador: - Para que o povo acredite, porém, é necessário um razoável período probatório e é indispensável uma equipa dirigente diferente daquela que se desacreditou.
Sabemos todos que, para além das dificuldades próprias da revolução portuguesa e da crise mundial, cabem às equipas gonçalvistas dos IV e V Governos res-

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ponsabilidades esmagadoras na ruína económica do País. Basta o testemunho de um Lundberg, Prémio Nobel da Economia, e sobejam as análises de economistas portugueses.

Vozes de protesto.

A maior parte desses erros só agora começam a produzir os seus efeitos ou produzi-las-ão em breve. Porém, quem já se preocupou em explicar ao povo esses mecanismos, coacto muito bem pedia há poucos dias um conselheiro da Revolução? Para que serve a RTP e a Emissora Nacional? E os jornais? Para silenciarem tais responsabilidades e fazerem cair o odioso sobre os ...

Apupos.

... sobre os partidos da esquerda democrática que procuram reconstruir o País? Também pelo silêncio, pela omissão é pela falta de esclarecimento se destrói a democracia.

Uma voz: - Qual democracia?

Apupos.

O Sr. Presidente: - Faltam dois minutos, Sr. Deputado

(Vozes diversas discordantes do orador.)

Faça o favor de continuar. Peço aos Srs. Deputados atenção. Faz favor.

O Orador: - É urgente demonstrar pelos factos que a democracia não é discussão estéril, mas eficácia de governo. É urgente demonstrar pelos fastas que a democracia não é o caos, mas o respeito mútuo. É urgente. que os meias de informação assumam a seu papel pedagógico e cessem de ceder à tentação, para vender mais uns quantos jornais, de pôr em risco o prestígio da democracia ou de, fraudulentamente, jogar no desmantelamento de partidos políticos que são vitais para a, economia portuguesa. A crise económica que se avizinha vai representar um rude assalto às nossas incipientes instituições democráticas. Para que a resistência seja vitoriosa é necessário ganhar o povo, moralizá-lo para a batalha, ter a coragem de lhe dizer que, infelizmente, terão de se pedir sacrifícios a todas, sem excepção. É necessário demonstrar lhe a iniquidade e cobardia do recurso aos messias ...

Apupos.
Vozes diversas de protesto.

O Sr. Presidente: - Peço o favor aos Srs. Deputados de me escutarem. Eu tenho a impressão que os apartes todos juntos dariam uma bela intervenção, na altura oportuna. Seria preferível intervirem e deixar os apartes, e até o Sr. Deputado, compreende.

Pausa.

Tenha a bondade de continuar.

Vozes: - Isto é uma provocação.

O Orador:-... a menoridade cívica das que clamam por um salvador. Mas cera isso temos de rever radicalmente, na minha opinião, o comportamento, a atitude mental das círculos dirigentes responsáveis. Se não soubermos despir-nos dos nossos individualismos, dos nossos tiques, dos nossos pruridos, dos nossos preconceitos, das nossas sobrancerias, das nossas vaidades, dos nossos sectarismos e partidarismos, então será em vão que protestaremos a nassa fé democrática.
A nossa pobre democracia, frágil e anémica, é uma criança tímida a quem os inimigos pretendem assassinar, mas a quem muitos autoproclamados democratas, que se disfarçam, às vezes, de vanguardistas iluminados, também não têm poupado maus trates. E assim dificilmente sobrevirá. A nossa revolução é uma longa série de erros, dos quais os mais graves adquirem á categoria de crimes. São já erros demasiados, cuja lista vem engrossando espantosamente, como se moda aprendêssemos.

Uma voz: - Essas é que são as tuas boas-festas?

O Orador: - Não estou pessimista, não desespero nunca. Contudo, se não houver mudança radical nos hábitos políticos que se vão adquirindo, a derrota será dificilmente evitável e o povo português ainda não terá encontrado os dirigentes que merece.
Espero ainda que o amor à pátria, que nos une a todos, que o respeito pelo povo e pela sua vontade, que norteia os democratas, virão a impor uma política de salvação da democracia, de verdade, de coragem, de salvação nacional.
Tenha dito.

(O orador não reviu.)

Aplausos.
Apupos.

Uma voz: - Muito bem!

O Sr. Kalidás Barreto (PS): - Devolvam os votos de boas-festas ao Pai Natal...
Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para um pedido de esclarecimento o Sr. Deputado Carlos Lage. Peço, pois, a atenção do Sr. Deputado interpelado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intenção é formular duas ou três perguntas ao Deputado que acabou de falar. Primou a exposição deste Sr. Deputado, para além do voto piedoso inicial, por um panorama catastrófico da situação política, económica e social portuguesa, pintada com tintas extremamente negras. A exposição do Sr. Deputado, a determinada altura, inclui críticas ao Sr. Major Melo Antunes, que parece também ser incluído nesse panorama como contribuindo para essa situação, que ele pinta como extremamente catastrófica.
Eu queria perguntar-lhe o seguinte neste contexto: porque é que o Sr. Major Melo Antunes foi exaltado sistematicamente e elogiado pelo PPD quando foi do derrube do IV e V Governos Provisórios e neste momento é alvo de uma aberta campanha de críticas, ainda que com uma certa elegância formal e com

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certo respeito por parte do PPD e dos seus Deputados? Será que o Sr. Major Melo Antunes mudou de um momento para o outro? Deixou de ser o herói para ser neste momento o vilão? Ou o Sr. Major Melo Antunes é um dos objectivos a derrubar pelo PPD na sua campanha direitista?

Uma voz: - É isso!

O Sr. Herculano de Carvalho (PCP): - A seguir vêm os outros ...

Aplausos.

O Orador: - Segunda pergunta: parece o Sr. Deputado ter considerado o PPD como um partido da esquerda democrática. Isso é incompatível com tudo o que temos verificado nos últimos tempos e nomeadamente com a posição de dezenas e dezenas de quadros, de homens políticos e intelectualmente válidos do PPD, que denunciam o PPD como sendo um partido não de esquerda democrática, mas por inveredar cada vez mais por uma política direitista. Gostava também que me explicasse essa questão.

O Sr. Presidente: - Também para solicitar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Florival Nobre.

O Sr. Florival Nobre (PS): - Queria chamar a atenção da Mesa que, ao pretender fazer uma pergunta ao Deputado do PCP que aqui já falou, apesar de chamada por um empregado ou um funcionário desta Assembleia, não teve em consideração. Penso que os Deputados não são só os representantes dos grupos parlamentares, como tal há que tomar atenção a todos os Deputados.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Fará justiça à Mesa de considerar que ela não reparou efectivamente nesse pedido de esclarecimento. E quando tomou conhecimento dele já tinha sido dada a palavra a outro. Suponho que o Sr. Deputado não fará a injustiça de acreditar que seria com qualquer intenção, que não posso perceber qual seja, que não lhe foi concedida a palavra.
Pode continuar o seu pedido de esclarecimento.

O Orador: - Dirijo-me, portanto, ao Sr. Deputado do PPD. Compreendo a sua apreensão pela má governação dos IV e V Governos, porém não compreendo porque não pós uma só vez em destaque a sabotagem económica feita pelos latifundiários e grandes financeiros portugueses.

Uma voz: - Também o é ...

Risos.

O Sr. Presidente:- Poderá o Sr. Deputado interpelado responder, se assim o entender.

O Sr. Eugénio Mota (PPD): - Em relação às perguntas do Sr. Deputado Carlos Lage, eu devo dizer que evidentemente o relativo pessimismo do quadro que eu passei é consequência sincera e imediata de tal como vejo o panorama português. Mas não me parece que seja de maneira nenhuma mais pessimista nem mais negro de que o quadro já várias vezes traçado pelo Dr. Mário Soares, quando se mostra preocupado pela situação portuguesa, ...

Uma voz: - Muito bem!

O Orador:-... e também pelo major Melo Antunes na entrevista que deu ao Nouvel Observateur.
Quanto à primeira pergunta, eu julgo - e até porque realmente não tinha ali o copo de água para beber e talvez me tenha feito perceber mal- essa pergunta resulta de uma incompreensão, porque a minha referência ao major Melo Antunes foi apenas em resposta a um aparte do Partido Comunista, quando negava uma acusação feita na minha intervenção. E eu socorri-me do testemunho do major Melo Antunes nessa referida entrevista, em que ele acusou o Partido Comunista Português de fazer uma sabotagem sistemática da economia do País. Essa foi a minha única referência ao major Melo Antunes e, portanto, julgo que isso não seja de qualquer maneira pejorativo ou um ataque, visto que as nossas opiniões coincidem, e portanto não há aqui a mais pequena referência desprimorosa para com esse militar democrata, que eu respeito.
Em segundo lugar, eu não posso aceitar que o Sr. Deputado Carlos Lage venha argumentar com entrevista ou intervenções de dissidentes do PPD para afirmar que o partido voltou à direita. Essas intervenções têm sido negadas e eu pessoalmente dou o meu testemunho de que não verifico no PPD a mais pequena viragem à direita.

Vozes: - Já lá estava!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Peço o favor de não interromperem.

Pausa.

Pode continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - E repudio frontalmente a ideia de que os oitocentos delegados ao congresso do PPD que aguentaram uma sessão consecutiva de vinte e seis horas se tenham deixado manipular. O que penso realmente é que há dissenções de grupos, de pessoas, o que de maneira nenhuma toca no programa que se manteve e mantém inalterável desde o I Congresso do Partido.
Quanto à pergunta do outro Sr. Deputado do Partido Socialista, eu não me referi à sabotagem económica dos latifundiários ou dos monopolistas porque me parece que em qualquer revolução os democratas e revolucionários têm a obrigação de contar com a oposição daqueles cujos privilégios estão afectados.
É evidente que esse é um inconveniente que surge em todas as revoluções.
Agora é muito mais grave se, do lado das próprias forças revolucionárias e democráticas, surgem aten-

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tados à economia do País e, portanto, uma colaboração directa com a sabotagem desses latifundiários e desses monopolistas.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Assembleia.
Encontra-se na Mesa, assinado por 12 Srs. Deputados, um requerimento que vou pedir ao Sr. Secretário o favor de ler.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - É um requerimento subscrito por Deputados do Partido Socialista, do seguinte teor:

Nos termos do n.º 2 do artigo 43.º do Regimento desta Assembleia, requeremos o prolongamento do período de antes da ordem do dia por mais uma hora.
Sala das Sessões, 19 de Dezembro de 1975.
Os Deputados do Partido Socialista (seguem-se doze assinaturas).

O Sr. Presidente: - Vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com 18 abstenções (PCP e MDP/CDE).

(Nesta altura o Sr. Secretário António Arnaut foi substituído na Mesa pelo Sr. Secretário Alfredo de Carvalho.)

O Sr. Presidente: - O período de antes da ordem do dia terminará, portanto, às 16 horas e 45 minutos.
Segundo determina o Regimento, daremos a palavra sucessivamente a um representante de cada um dos partidos. Neste período, é assim que determina o Regimento.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pires.

O Sr. Manuel Pires (PS):- Pelo Partido Socialista intervém o Sr. Deputado Riço Calado.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Riço Calado.

O Sr. Riço Calado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não têm sido fáceis os caminhos da revolução portuguesa iniciada em 25 de Abril de 1974. A euforia e à unidade dos primeiros momentos sucederam-se os tempos de um aparente trabalho em comum alheio a políticas partidárias e segundo a linha definida por um MFA, aceite como força apartidária posta ao serviço dos interesses de todo o povo português. Mas já então essa comunhão de ideais mais não era que uma aparência a esconder as verdadeiras intenções de forças políticas com vocação totalitária que, um pouco por toda a parte, procuravam sedimentar as suas posições nos mais variados sectores e níveis da estrutura do País.
E é assim que a breve trecho se assiste a um choque de concepções diferentes de que resultam divisões profundas e em que os verdadeiros interesses do País são sacrificados tantas vezes à imposição de ideologias mais ou menos paralelas ou até opostas.
Nessa luta pelo poder a própria posição suprapartidária do MFA acaba por ser ultrapassada pela instrumentalização, que o coloca ao serviço de concepções totalitárias veiculadas por algumas das forças em presença.
Num desprezo absoluto pela vontade expressa do povo nas eleições de Abril de 1975, verifica-se que os órgãos do poder militar se deixam enredar numa orientação política irrealista definida pela chamada linha gonçalvista. E vêem-se surgir vanguardas pseudo-revolucionárias de um esquerdismo irresponsável que se propõem, em nome de um povo que não representam, conduzir o País ,para uma aventura de resultados imprevisíveis.
O País assiste então atónito ao degradar da situação política, à derrocada da economia e à irresponsabilidade de uma imprensa manipulada ao mesmo tempo que se apelidam de contra-revolucionárias e agentes da reacção as forças políticas defensoras de um socialismo do possível.
E o povo, todo o povo e não apenas minorias sectárias, esse, esquecido e desorientado, acredita cada vez menos nesta Revolução que todos dizem fazer em defesa dos seus interesses.
Não surpreende por isso que no golpe de 25 de Novembro se verifique a sua quase generalizada adesão às forças que, opondo-se ao aventureirismo esquerdista, se propõem devolver ao País a paz e ordem democráticas necessárias para uma transição progressiva e firme na direcção do socialismo.
Mas infelizmente o desencanto e o temor entraram profundamente na alma do povo e, se a maioria sabe ainda distinguir a esquerda responsável e o aventureirismo esquerdista, largos sectores não têm consciência dessas diferenças e caem sob a influência de forças políticas defensoras de ideologias conservadoras contrárias aos seus próprios interesses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É à luz desta realidade que é preciso interpretar o que se está a passar no sector agrícola e que conduziu ao 11 Plenário de Agricultores de Rio Maior.
Nesse plenário cerca de 20 000 ou 30 000 pessoas exigem a revogação da Lei da Reforma Agrária, a suspensão da Lei do Arrendamento Rural e vão ao ponto de reivindicar a «desocupação de todas as herdades e a instauração de inquérito aos ocupantes e às entidades que tenham patrocinado ou ratificado as ocupações».
Se as afirmações produzidas são de extraordinária gravidade deve ser motivo de maior preocupação verificar a presença entre os agrários que dominaram o plenário de grande número de médios e até pequenos agricultores, iludidos e manipulados, sem dúvida, mas que os erros que se cometeram e a falta de esclarecimento empurraram para essa situação. E se é um facto que o número de presenças mais não representa que 4 % ou 5 % dos agricultores do País, temos de ter consciência que a sua atitude reflecte a imagem do que se passa em largos sectores do mundo rural. Pode, além disso, vir a actuar como agente catalizador de todo um descontentamento, congregando uma larga frente que se oponha à socialização da agricultura.

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E aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, lembro a frase de alguém que afirmou que esta Revolução se, ganha ou se perde nos campos. Urge, pois, que todas as forças políticas, verdadeiramente interessadas no avanço desta Revolução, se empenhem numa profunda análise crítica de toda uma linha de acção que conduziu a tais resultados.
Se queremos salvar esta Revolução temos de começar por reconhecer e admitir os erros e excessos cometidos e as injustiças praticadas e proceder rapidamente à sua correcção.
Sabemos bem, e infelizmente, que houve excessos, que se ocuparam indevidamente propriedades e que se não respeitou sequer o direito de reserva. São essas situações que se têm de corrigir e já. É facto que tal correcção tem as suas dificuldades, que vai deparar com a oposição de trabalhadores rurais, obreiros esforçados deste processo e que só o desconhecimento ou as manipulações de que foram vítimas conduziram à prática de tais excessos. Mas é preciso actuar, esclarecendo-os e corrigindo.
Só essa correcção e uma larga campanha de esclarecimento serão capazes de devolver a confiança à massa dos pequenas e médios agricultores desiludidos ou enganadas e de travar o seu resvalamento para a direita.
E nesse esclarecimento, que se impõe começar imediatamente, haverá que referir com toda a clareza os objectivos da Reforma Agrária e demonstrar que de forma alguma são contrários aos seus interesses. É preciso ainda desmascarar o aliciamento que forças conservadoras e de direita conduzem no sentido de os levar a uma aliança com os grandes agrários e ao afastamento dos trabalhadores rurais, dos quais devem ser, em sua própria defesa e na defesa do socialismo, potenciais aliados.
A provar as verdadeiras intenções dessas forças aí estão as reivindicações de Rio Maior.
Senão vejamos. A quem adianta a revogação da Lei da Reforma Agrária e a anulação de toda a reestruturação empreendida?
Aos pequenos e médios agricultores não, pela certa. Como surgem então em Rio Maior explorados a defenderem interesses de exploradores? Daqui lanço por isso o meu alerta aos pequenos e médios agricultores para que se não deixem instrumentalizar, participando em lutas que não são as suas.
Correcta .e sua é a luta pela correcção de um ou outro excesso que os tenha afectado, pela necessidade de garantir créditos, preços e escoamento de produtos pela revisão de aspectos pontuais da Lei da Reforma Agrária conducentes a situações injustas.
Porque há, na realidade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que rever certos aspectos da chamada Lei da Reforma Agrária, promulgada pelo IV Governo Provisório. De entre esses aspectos a rever citarei: a forma de pontuação que valorizando as terras segundo o seu aproveitamento está a penalizar quem mais investiu; a ausência de qualquer procedimento para os absentistas quando detentores de áreas que não caiam sob a alçada da lei; a pontuação exagerada nalgumas zonas e culturas, restringindo exageradamente as áreas das explorações admitidas; a faculdade de o direito de reserva implicar a transferência do agricultor para outra zona.
Mas em tudo o resto, e o que é muito, não podemos pôr em causa essa mesma lei.

Por isso desta Assembleia e em face dos acontecimentos ultimamente verificados denuncio as manobras dos partidos conservadores e de direita, que, em defesa dos grande agrários que representam, procuram manipular e mobilizar as classes exploradas dos pequenos e médios agricultores em cuja exploração participaram no passado.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - E daqui lanço também o meu apelo a todos os verdadeiros partidos democráticos de esquerda para que, arredando de vez tudo quanto nos divide, nos empenhemos todos, ruas todos, na defesa de uma reforma agrária correctamente aplicada e posta ao serviço das classes desprotegidas do mundo rural - trabalhadores, pequenos e médios agricultores.
A terminar citarei a frase que já atrás me referi. A Revolução ganha-se ou perde-se nos campos.
O futuro nos julgará pelo resultado.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Peço atenção aos Srs. Deputados. O CDS tem um Deputado inscrito: o Sr. Deputado Oliveira Dias. Poderá usar da palavra.

Pausa.

Quem é, Sr.ª Deputada Maria José Sampaio? Substitui-o?

Pausa.

Não pode ser adiamento, não pode ser. Tem que falar um Deputado de cada grupo dos inscritos.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Mas nós não queríamos utilizar o prolongamento.

O Sr. Presidente:- Ah! Ficará para outra vez, para a próxima vez, mas não neste período.

A Sr .$ Maria José Sampaio (CDS): - Exacto. Não neste período.

O Sr. Presidente: - Não há, portanto, ninguém do CDS com interesse em falar?

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Não, não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Então tem a palavra o Sr. Deputado do PPD José Camacho.

O Sr. José Camacho (PPD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para, através desta Assembleia, abordar alguns problemas que preocupam a Madeira, região das mais pobres do país, com uma densidade populacional que ultrapassa os 300 habitantes por quilómetro. quadrado, que agrava extraordinariamente as possibilidades de resolução dos numerosas problemas sociais e económicos e que explica a emigração que caracteriza, de há muito, o evoluir demográfico da Madeira.
Relativamente a Junho de 1974, verificou-se um aumento do custa de vida, que, para certos bens ali-

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mentares atingiu 41 %, no espaço de um ano, com os efeitos sociais negativos, em especial nas classes mais desfavorecidas. De salientar que tal subida se deve, quase exclusivamente, ao aumento de preços das importações, pois a maior parte dos produtos alimentares são importados do continente.
Em igual período, assistiu-se a uma diminuição de 11,2 % do crédito concedido, enquanto os efeitos protestados atingiam 132 452 contos, traduzindo um crescimento espectacular de 414,8 %, reflectindo as dificuldades financeiras por que passam as empresas, muitas delas praticamente falidas e que, a curto prazo, se traduzirão num aumento de desemprego, que já atinge os 8000 desempregados.
Estes alguns dados de uma conjuntura económica, que não deixa margem a dúvidas sobre a agudização da crise económica, que, necessariamente, não deixará de se fazer sentir a curto prazo, se não forem tomadas medidas que contrariem tal situação.
Outro indicador sobre o panorama madeirense é o facto de o Estado ter realizado nos últimos dez anos uma poupança pública que ascendeu a um milhão de contos, colocando a região da Madeira como financiadora da macrocefalia de Lisboa, isto é, não atendendo às enormes carências que existem em todos os domínios na Madeira, não considerando os custos da insularidade, uma vez que para a sua subsistência é obrigada a adquirir quase tudo o que necessita no Continente.
Impõe-se a modificação completa deste estado de coisas, prejudicial às legítimas aspirações dos Madeirenses em ver melhoradas as suas condições de vida e ver satisfeitas as carências de toda a espécie existentes.
Por isso pretendem a autonomia da região como única forma de salvaguardar os interesses regionais. Por isso escolheram a social-democracia como única via de construir em paz e liberdade a sociedade socialista.
Assim, terá de ser lançada uma reforma agrária que resolva o problema da colónia, forma antieconómica e socialmente injusta da exploração agrícola, substituindo esse contrato, nuns casos pelo arrendamento rural e noutros democratizando e socializando a propriedade; estabelecimento de uma política de preços, que não só oriente e estimule aquelas produções que se verifique serem as mais rendíveis, mas também garanta às populações rurais os rendimentos a que têm direito; criação e apoio de associações de agricultores, em ordem a assegurar-lhes o contrôle da comercialização das suas produções; desenvolvimento e modernização do equipamento do sector das pescas, com vista a aumentar rapidamente os quantitativos de pescado, que viabilizem um abastecimento acessível a toda a população e permitam uma melhoria das condições de vida daqueles que trabalham neste sector; instauração de um regime de franquia aduaneira, com a salvaguarda da produção local, por forma a incrementar não só as correntes turísticas, mas também todas as restantes actividades do arquipélago que o alargamento de mercado resultante dessa política comercial permitiria.
Além disso, desenvolver-se-iam as ligações aéreas e marítimas com mercados que são actualmente inacessíveis às nossas exportações.
Instalação do ensino universitário na Madeira, que possibilitaria a formação de técnicos indispensáveis ao desenvolvimento regional, além de tornar possível às classes mais desfavorecidas o acesso ao ensino universitário; lançamento de um programa de construção de habitações, escolas e estradas, satisfazendo as enormes carências que nestes domínios existem, quer na Madeira quer no Porto Santo.
Sendo a actividade turística responsável por 33 % do produto regional bruto, já que as receitas turísticas ascenderam a um milhão de contos, constituindo a actividade motora do desenvolvimento regional, assume particular importância a construção do prolongamento do actual Aeroporto de Santa Catarino, sem o qual estará comprometida no futuro, pois a actual pista não permitirá receber os aviões que equiparão as companhias aéreas.
Paralelamente, terá de caminhar-se para a liberalização do tráfego, que permita o estabelecimento de carreiras dilectas com os países geradores dos afiuxos turísticos.
Regionalização da banca e dos seguros, medida imprescindível para que o arquipélago ganhe a autonomia financeira, suporte necessário a uma verdadeira autonomia, colocando, de uma vez por todas, os recursos financeiros locais ao serviço da Madeira. Só assim o crédito será coordenado e conseguido segundo critérios adequados às necessidades e aos objectivos que forem fixados pelo planeamento regional.
Finalmente, caberá regionalizar o conjunto das receitas e despesas públicas, integrando-as num orçamento regional, outro passo decisivo na consecução da referida autonomia financeira, por forma não só a orientar globalmente a intervenção estatal na esfera económica, como também conseguir a coordenação dos serviços periféricos estatais e da Junta Geral, responsáveis, em grande parte, pela não resolução da problemática do arquipélago.
Estas são algumas das medidas que têm de ser tomadas no sentido da recuperação económica e da justiça social.
Não queria deixar de aproveitar esta intervenção sem comentar algumas notícias publicadas nos jornais, a propósito da recente aprovação em Conselho de Ministros do diploma que cria a Junta Administrativa e de Desenvolvimento Regional. Não é admissível que os poderes a serem transferidos resultem de uma concessão efectuada pelos Ministros ou pelo Conselho de Ministros, pois poderá constituir forte limitação à autonomia. O mesmo se passa com a proposta de orçamento regional que terá de ser apresentado ao Ministro das Finanças. São aspecto que terão de ser revistos, a menos que o Governo não esteja realmente interessado em estabelecer um regime provisório que conceda uma real autonomia, facilitando daquele modo o trabalho quer da direita quer da extrema-esquerda, pois ambas jogam na independência, sabendo-se que a forma eficaz de evitar que os Madeirenses adiram a posições extremas consistirá exactamente em estabelecer uma ampla autonomia.

Tenho dito.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Pelo Partido Comunista alguém pretende usar da palavra?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não, Sr. Presidente, não contamos usar da palavra, e por isso mesmo nos abstivemos na votação.

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O Sr. José Niza (PS): - Peço a palavra.

O Sr. Presidente: - É um pedido de esclarecimento?

Pausa.

Tenha a bondade.

O Sr. José Niza (PS): - Eu queria pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado do PPD que acabou de falar. Traçou uma panorâmica um bocado apocalíptica da Madeira. Efectivamente, concordo consigo nalguns aspectos, mas interessa-me, sobretudo, ter em vista as soluções que preconiza ou as soluções que deverão ser preconizadas para a solução real dos problemas da Madeira. Traçou o Sr. Deputado um quadro bastante negro, com soluções que acha apropriadas, mas, quanto a mim, cometeu uma omissão, e na sequência disso gostava de lhe fazer uma pergunta.
Sabemos todos que, independentemente do componente turístico, a Madeira é uma ilha, vive, não direi sobretudo, mas fundamentalmente, da agricultura. Não referiu o Sr. Deputado alguma coisa relacionada directamente com soluções de tipo agrícola para a ilha da Madeira. Eu perguntar-lhe-ia o que é que o Sr. Deputado pensa a respeito do regime feudal da colónia e quais são as soluções que o PPD preconiza nesse sentido.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Mais algum pedido de esclarecimento?

Pausa.

O Sr. Deputado interpelado poderá responder, se faz favor.

O Sr. José Camacho (PPD): - Quanto ao panorama que eu tracei e que o Sr. Deputado refere que é um panorama negro, ele corresponde de facto à realidade. A Madeira atravessa de facto uma crise profunda, uma crise económica que já é responsável por um largo número de desempregados e que, se não forem tomadas medidas a tempo, colocará certamente ainda um maior número de trabalhadores no desemprego.
Este panorama é real e, portanto, não considero de facto que seja apocalíptico. Deveria ser dito aqui, uma vez que a realidade é esquecida em favor de uma linguagem de promessas falsas que têm sido utilizadas por determinadas forças políticas.
Em seguida, quanto ao aspecto turístico, a Madeira não possui, de facto, grandes recursos em matérias-primas, portanto não tem grandes possibilidades de melhoria, por exemplo no domínio agrícola, que é responsável neste momento por trinta mil activos. É evidente que nós não estamos, e eu pessoalmente não estou, e o Partido Popular Democrático já demonstrou também a sua posição face a esse problema, nós não estamos de acordo com o regime feudal que existe e que permanece ainda na agricultura madeirense. É o regime de exploração da colónia, baseado numa capitação, vamos lá, num pagamento pelos caseiros relacionado com os resultados da exploração. Isso é, de facto, bastante gravoso para a exploração, até pela situação em que o caseiro normalmente fica, que é a de se ver, de um momento para o outro, afastado da sua exploração. São aspectos profundamente negativos e que têm de ser revistos. Na minha intervenção eu tive a oportunidade de salientar que a prioridade nesse sector da agricultura será no sentido de se proceder a uma revisão desses contratos e à sua substituição, por um lado, no domínio das pequenas propriedades, pela lei do arrendamento rural, e, por outro lado, quando for caso de grandes propriedades (e na Madeira há bem poucas), pela democratização e socialização da propriedade. Fórmulas, portanto, de instauração de cooperativas, que são passos a serem dados, no futuro, para a resolução da problemática da agricultura madeirense.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - O MDP está interessado em intervir neste período?

Pausa.

Não ...
Peço a atenção da Assembleia para uma dúvida que se levantou no meu espírito, que é a seguinte: o artigo 43.º diz que « o período de antes da ordem do dia terá duração máxima de uma hora, todavia ...», etc.
«Decidido esse prolongamento, será concedida prioridade no uso da palavra a um dos Deputados de cada um dos partidos com oradores inscritos.»
Acontece que ainda nos falta bastante tempo para terminar esse período, cujo prolongamento foi pedido, e eu gostaria que a Assembleia me ajudasse a interpretar esta disposição.
Deu-se agora uma volta. Entende a Assembleia que podemos voltar outra vez ao princípio, fazer uma segunda volta? Uma espécie de repescagem de Deputados dos outros partidos, de forma a completar a hora, ou considero como encerrado este período de prolongamento já? Isto é devido a cada um dos Deputados de cada partido com Deputados inscritos ter já usado da palavra.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Romero Magalhães.

O Sr. Romero Magalhães (PS): - Eu suponho que, se se fala em prioridade, é apenas para uma distribuição prioritária do tempo. O resto do tempo ficará naturalmente para os oradores que continuam inscritos, mas não já por distribuição equitativa pelos partidos, mas apenas pelos que estão inscritos normalmente.

O Sr. Presidente: - Mais luzes!

Pausa.

O Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreia (PCP):- Sr. Presidente: Eu creio que, aqui, a prática que tem sido seguida pode continuar a sê-lo, porque me parece correcta. Na realidade, a extensão do período de antes da ordem do dia implica uma alteração, até certo ponto, de expectativas dos partidos em relação às suas inscrições.
A prática que tem sido seguida é a de, depois de corridos os partidos para observar a prioridade, dar a

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palavra a quem queira fazê-lo, sem prejuízo das inscrições, que se mantêm tal como estão.
Tem sido, salvo erro, essa a prática que me parece ser de salvaguardar, sob pena de, observando as inscrições, se poder atentar contra as expectativas de partidos, que poderia não contar com a extensão do período de antes da ordem do dia. Portanto, salvo melhor opinião, parecer-me-ia que se deveria perguntar à Assembleia se há Deputados interessados em intervir, que interviriam à margem das inscrições actualmente existentes.

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - É exactamente isso que está no meu pensamento, de certo modo. Em todo o caso, a Assembleia dirá se está de acordo.

Pausa.

O Sr. Deputado Romero Magalhães.

O Sr. Romero Magalhães (PS): - No caso de V. Ex.ª seguir a opinião expendida pelo nosso camarada Vital Moreira, eu pedia a palavra para intervir neste período.

O Sr. Presidente: - Um momento só!

Pausa.

O Sr. Deputado Artur Cortês, faça favor.

O Sr. Artur Cortês (PS): - Dado que também me encontro inscrito, embora, talvez, para falar, segundo as inscrições, daqui a mais alguns dias, eu queria chamar a atenção da Mesa para que os camaradas que se encontram inscritos devam ter prioridade sobre as inscrições que sejam feitas, agora, nesta sessão.

O Sr. Presidente: - Foi exactamente isso que disse o Sr. Deputado Vital Moreira.
Ora, mais algum Sr. Deputado quer pronunciar-se?

Pausa.

O Sr. Deputado Flórido Marques, tenha a bondade.

O Sr. Flórido Marques (PS): - Eu penso que, realmente, também deve ser :respeitada a prioridade de inscrições após ser dada a palavra a um Deputado de cada partido, como foi feito, e no seguimento da opinião do Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Gama.

Pausa.

Bom, não se trata de pedir a palavra para intervir. Agora estamos aqui a resolver este problema prévio.
A Assembleia está de acordo a esse respeito, não é? Será respeitada a ordem das inscrições, não tomando em conta as inscrições que se fizeram, particularmente, neste caso do prolongamento. Estamos todos de acordo nisso? Alguma oposição, portanto, à tese do Sr. Deputado Vital Moreira e dos outros dois Srs. Deputados que acabamos de ouvir? Estamos de acordo quanto a este ponto?

Pausa.

Vamos então dar a palavra a quem a pediu.

Pausa.

Um momento só. Vamos ler a lista dos Srs. Deputados que se encontram inscritos.
Se algum estiver interessado em falar, falará, se não depois então tomarei em conta as inscrições feitas posteriormente.

Pausa.

Um momento só, atenção.

O Sr. Secretário (Coelho de Sousa): - Para hoje estavam as seguintes oradores inscritos, a quem vou perguntar se estão interessados em falar. Por ordem: Seiça Neves, Jaime Gama.

Pausa

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de ter sido aprovado recentemente um novo dispositivo legal para a Administração Regional dos Açores, equiparando o nível de autonomia da Junta Regional ao de idêntico organismo agora criado para a Madeira, não se pode dizer que os Governos Provisórios, o VI incluído, tenham chegado a definir, mesmo em linhas muito gerais, uma política açoriana.
Que este abandono dos problemas insulares tenha sido timbre dos Governos anteriores ao VI, onde forças políticas minoritárias tinham participação excessiva, é algo que se não justifica, mas cujas razões se podem compreender. A política de intriga e de movimentação palaciana teve, no caso açoriano, um dos expoentes máximos do gonçalvismo, a que o povo, por via democrática e no uso dias liberdades públicas, soube dar a resposta firme no momento oportuno. Porém, torna-se inadmissível que o VI Governo, consolidado pela representatividade popular e incluindo dois dos partidos que por larga maioria mereceram a opção do eleitorado açoriano, pareça querer continuar, se não nos objectivos, pelo menos nos métodos, a não atacar de frente a resolução dos problemas que gravemente afectam os Açores.
A Junta Regional dos Açores foi concebida, na sua primeira formulação, agora ligeiramente alterada em Conselho de Ministros, pelo gonçalvismo administrativo. Inseria-se o Decreto-Lei n.º 458-B/75, de 21 de Agosto, no propósito, felizmente gorado, de dividir o País em regiões político-militares, por transposição para Portugal dos esquemas praticados em África durante a guerra colonial. Valeu aos Açorianos o facto d.e as circunstâncias terem facultado o preenchimento dos lugares na Junta por personalidades ideologicamente divergentes dos arquitectos de semelhante monstruosidade. A má vontade dos autores do decreto - e, de resto, a sua incompetência - era tanta que no preâmbulo do diploma, por inadvertência, ou por manifesto desejo de realçar pseudodescentralizações, era tecido um elogio explícito daquilo que consideravam a autonomia de que há longa data, incluindo o período fascista, gozavam as ilhas dos Açores. O decreto gonçalvista apenas concebia que a Junta detivesse os poderes que lhe fossem delegados pelo Governo, deixando assim aos humores ministeriais o juízo da oportunidade

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e da extensão da sua delegação. Em suma, não se tratava de descentralização, isto é, de transferência do Poder para um órgão eleito, mas de desconcentração, ou seja, da atribuição do exercício do Poder, fundamentalmente administrativo, a uma autoridade regional, nomeada e dependente do Poder Central.
O Partido Socialista sempre entendeu que é pela via da descentralização político-administrativa, e no quadro, da unidade nacional que o Estado democrático reforça, que os Açores poderão desenvolver-se do ponto de vista económico e atingir um novo equilíbrio, de maior justiça, entre a sua população. O objectivo último, o da auto-administração dos Açores pelo seu povo, ficará certamente consignado por esta Assembleia quando discutir e votar as propostas referentes às regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Trata-se de edificar, em toda a sua plenitude, entidades regionais autónomas viáveis, que assumam funções até aqui reservadas ao Estado, sem todavia asfixiar o papel das autarquias locais e o seu dinamismo próprio na resolução dos problemas que directamente afectam os agregados populacionais.
Assente na conveniência da uma junta regional nomeada, o gonçalvismo administrativo previa a elaboração de um projecto de estatuto de autonomia, que a junta se encarregaria de remeter ao Conselho de Ministros num prazo fixado para aprovação final. A actual equipa que constitui a Junta Regional incumbiu uma comissão, cuja composição assenta na proporcionalidade eleitoral, de elaborar um anteprojecto de estatuto, o qual neste momento está a ser submetido a discussão pública nos Açores. Documento elaborado sem o conhecimento de princípios constitucionais que ainda não foram fixados, o debate que em torno dele se promoverá vai contribuir para um aprofundamento da problemática autonomista, podendo. certamente a sua repercussão ter efeitos positivos nos futuros trabalhos desta Assembleia. A 8.ª Comissão não deixará de estar atenta às sugestões positivas do anteprojecto de estatuto e da discussão que vai ter lugar, de modo a obter uma síntese harmónica que contribua para desdramatizar a questão açoriana.
Neste momento existem três perspectivas sobre, o problema da descentralização político-administrativa dos Açores: a dos decretos que constituem e alteram a Junta, a do trabalho da 8.ª Comissão desta Assembleia e a do anteprojecto de estatuto elaborado por um grupo de trabalho nomeado pela Junta Regional. Urge harmonizar todos estes esforços quanto antes, para que todos tenham o mesmo objectivo e não se entrechoquem nas suas formulações respectivas, com as nefastas consequências que daí resultariam para os açorianos e para a democracia.
As juntas regionais são órgãos nomeados, não são corpos eleitos. Não se trata de descentralização administrativa, nem muito menos política, mas de desconcentração de poderes. À sua constituição presidiu a necessidade de solucionar o expediente corrente da administração local, numa altura em que o enfraquecimento do poder do Estado impedia um acompanhamento conveniente, por parte. deste, das questões insulares. Agora que a via democrática parece ter reaparecido na política nacional, trata-se de definir com clareza a amplitude de autonomia político-administrativa que se pretende para os Açores - é a tarefa desta Assembleia, ao interpretar de forma correcta a aspiração secular do povo das ilhas. Mas trata-se igualmente de percorrer, pela via da desconcentração
racional de poderes com vista à descentralização final, o caminho das reformas que permitam reestruturar a administração existente nos Açores (serviços distritais e serviços periféricos do Estado), de modo a construir um novo sistema administrativo regional - e esta é a tarefa do Governo. Para tanto é necessário que haja por parte de todos clareza de pontos de vista sobre o assunto e articulação de propósitos.
Tem de haver uma política açoriana, quer por parte do Governo, quer por parte da Junta Regional. Não pode haver um somatório de políticas açorianas desconexas, consoante os Ministérios e os departamentos públicos, estejam estes em Lisboa ou nos Açores. A transição para um regime descentralizado implica um acompanhamento dessas transformações por parte de quem tem a responsabilidade de descentralizar. Ora, o que se verifica neste momento é que nada disto está a ser feito. Cada Ministério define acções parcelares quanto aos Açores, sucedem-se as delegações em viagem de turismo burocrático pelas ilhas, planeiam-se acções e apoios que não se concretizam, definem-se até soluções inaplicáveis por desajustamento à realidade, os meses passam, o descontentamento aumenta.
A necessidade de articular o despacho das juntas regionais com o Primeiro-Ministro e de coordenar as intervenções dos vários Ministérios em relação às ilhas. aconselha que na dependência do Primeiro-Ministro seja criada uma Secretaria de Estado para as futuras regiões autónomas. A este departamento competiria ainda programar e acompanhar a execução dos vários actos tendentes a normalizar a transferência de poderes do Estado e das juntas nomeadas para os novos órgãos de administração regional democraticamente eleitos que esta Constituinte tem em vista criar.
Temos que saber com clareza os objectivos da descentralização que se pretende efectuar, através do enunciado dos princípios constitucionais sobre a matéria. Depois, regulamentá-los em estatuto elaborado por assembleia democrática. Finalmente, e pelo processo das desconcentrações previamente delegadas sobre a junta, edificar as instituições e os organismos da região. Se às populações açorianas cabe a tarefa da participação activa nesta profunda revolução que permitirá o reencontro dos Açoreis com os seus interesses próprios e não com os caprichos alheios da administração lisboeta, ao Estado compete nesta circunstância acompanhar de boa fé o processo encetado, de modo a fazer da descentralização não um aligeirar egoísta de responsabilidades, mas a criação consciente de novas comunidades em quem delega, de uma vez por todas, grande parte das competências que até aqui para si próprio reservava.
Efectivamente, autonomia não pode ser sinónimo de abandono. A autonomia que se pretende é um acto positivo do Estado, não é o gesto negativo de uma Administração em crise. Autonomia é passagem consciente de responsabilidades, não é abdicação, por impotência, das próprias funções. Mal iriam os açorianos se, por falta de estruturas, a descentralização se viesse a saldar num fracasso; mal iria o Estado democrático se, nos Açores, a descentralização fosse uma experiência decepcionante.
Alguns pretenderão, em nome do centralismo, fazer em redor das novas regiões autónomas o mais completo vazio. Não as apoiar. Retirar-lhes a confiança, a fim de que acabem por perder a coragem em si pró-

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prias. Preparar-se-ão, assim, para, sobre a desilusão, lançarem novamente a asfixia de um sistema centralizado. Dirão que a experiência falhou, que afinal não havia élites regionais à altura, que os Açores devem ser governados pelas direcções-gerais.
É o que por nós, socialistas, não queremos. Desejamos uma autonomia durável e por isso pretendemos que esteja bem alicerçada. Por isso suspeitamos também que o desinteresse manifestado pelas autoridades governamentais em acompanhar de modo global a reforma regional dos Açores deixa antever o propósito de aproveitar uma experiência que se pretende fracassada para voltar a impor antigos privilégios.
Mais importante do que delegar na Junta poderes para autorizar despesas até ao montante de 25 000 contos, como o faz um diploma recentemente aprovado, é contribuir para a construção nas ilhas de estruturas definitivas que permitam o suporte técnico, administrativo e financeiro da nova região. Do ponto de vista dos quadros, a autonomia passa pela criação de departamentos, a integrar na futura estrutura regional, e que permitam aos governantes regionais eleitos a definição e aplicação de linhas correctas e a tomada de decisões justas. Sem estruturas regionais de planeamento económico, sem recolha estatística, sem quadros no sector das finanças regionais, sem bons professores na nova Universidade açoriana, sem serviços eficientes na grande parte dos sectores, as instituições regionais acabarão por esvaziar o seu conteúdo, dando oportunidade para que os debates estéreis e por vezes bairristas se instalem onde deveria apenas estar a responsabilidade, a competência e a representatividade democrática. Será, desse modo, o pretexto para o renascer do centralismo.
Não há autonomia que dure sem profunda reforma fiscal e administrativa que a acompanhe. É necessário ter a consciência de que uma região implica despesas em novos serviços, as quais de modo algum podem ser equilibradas pelas antigas receitas da Administração centralizada. A autonomia financeira, entendo, a como liberdade para definir um orçamento, não como a fatalidade de se ater por todo o sempre apenas as receitas cobradas na região, porque estas se podem tornar manifestamente insuficientes para fazer face às necessidades novas. As assimetrias regionais de crescimento devem ser compensadas pelo orçamento nacional, sempre que os orçamentos regionais se revelarem incapazes. Por isso a região, além de elaborar o seu orçamento próprio, deve ter uma palavra a dizer sobre o orçamento geral, que também lhe diz respeito, no quadro da unidade nacional em que se integra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objectivo da autonomia político-administrativa que os açorianos reclamam é o de permitir a criação de uma economia auto-sustentada no território das suas nove ilhas. Sem sujeições ao estrangeiro ou aos especuladores locais, é certo, mas sem a tutela de paternalismos continentais ultrapassados. Utilizar de maneira racional os recursos existentes nos Açores, aproveitar em benefício regional as remessas dos emigrantes é algo que passa pela reforma de vários sectores e, sobretudo, pela criação imediata na região de um banco dos Açores, voltado para o desenvolvimento a para a constituição de sociedades de investimento que aproveitem as poupanças dos emigrantes e as coloquem ao serviço do melhoramento da colectividade regional. Com efeito, as divisas originadas no turismo açoriano e nas remessas dos seus emigrantes devem ser postas ao serviço da região que as origina e não arbitrariamente drenadas para sectores e localidades diferentes. A regionalização da banca, a constituição de sociedades de investimentos, o contrôle e aproveitamento regional das divisas geradas pelo trabalho dos açorianos e .º estabelecimento do princípio de uma maior liberdade regional de comércio com o exterior são medidas que, acompanhadas por uma reforma político-administrativa largamente descentralizadora, como aquela em que esta Constituinte, o Governo e a Junta Regional têm a obrigação de estar empenhados, contribuirão certamente para resolver os graves problemas económicos, sociais e políticos que afectam os Açores e que as suas populações aspiram a ver resolvidos em ordem ao desenvolvimento.
Se o VI Governo, em conjunto, alguns dos seus membros mais representativos ou, sobretudo, o Primeiro-Ministro, almirante Pinheiro de Azevedo, que é uma figura estimada por todo o povo das ilhas, se deslocassem aos Açores não para impor, mas antes para ouvir- compreenderiam que assim é. Espero que o façam quanto antes, porque neste campo, como em tantos outros, muitos já foram os meses perdidos.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vamos então ler a lista dos Deputados inscritos.

O Sr. Secretário (Coelho de Sousa): - António Reis, Melo Biscaia, Costa Andrade, Álvaro Monteiro, Fernanda Patrício, António Abalada e João Gomes.

O Sr. Presidente: - Terminou a lista dos oradores para hoje.
Temos a seguir o Sr. Deputado Flórido Marques, do Partido Socialista.

O Sr. Flórido Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora vivamos ainda factos que rolam o carro da história, embora sejamos nós próprios agentes activos da sua construção, penso que, sen cairmos na violação premente da tentativa da sua análise, podemos já situar este país na primeira linha das correntes transformadoras das sociedades mundiais.
A Europa de Leste, as democracias burguesas centro-europeias e o «Kissingerismo» temem. Cada bloco, mesmo o Terceiro Mundo, receiam, por motivos diferentes, é certo, mas todos com um factor comum, a dependência dos imperialismos e seus agentes, receiam, dizia, a violência concretamente pacífica do nosso processo revolucionário rumo ao socialismo, pelas consequências imediatas que irá provocar nas massas populares, o que quer dizer nas estruturas políticas, apeando cliques dirigentes que mais não fazem do que deturpar e atraiçoar a luta pela libertação das classes exploradas.
Neste país, onde assistimos a um golpe de Estado incipiente e não a uma revolução, feito pelo MFA, produto de uma guerra perfeitamente absurda, do trabalho de todos os que tiveram a coragem de minar a máquina repressiva do regime anterior e ainda das próprias contradições de classe existentes no seu seio,

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neste país, dizia, verificou-se o fim de uma época que durava há séculos. E, como em todas as inadaptações patológicas, transferimos desde o primeiro dia todas as conivências, as frustrações, as impotências e incapacidades para uma radicalização de posições que, tragicamente, não levaram nem levam a coisa alguma senão à iminente fronteira do retorno ao passado.
Ao MFA deve-se a revolução da madrugada de Abril. Porém, é às massas trabalhadoras, único e grande motor das revoluções, que se' deve o avanço das conquistas que concedem a possibilidade da construção do socialismo pela via pacífica e democrática.
Isto vem contrariar não só as teorias do fascismo provinciano e ronhen2.º do Sr. Salazar e os arremedos tecnocratas do Dr. Marcelo Caetano, mas também a demagogia de todos os que, com análises simplistas, resolveram criar o mito dia divisão deste país em dois. Isso é crime. Partir-se dos órgãos pseudo-dinamizadores da ex-5.ª Divisão - mais propriamente violadores de civilizações e formas de viver que se ligam às estruturas comunais ancestrais nortenhas -, partir-se de partidos políticos cuja implantação no Norte do País é diminuta, é simplesmente explorar um conjunto de condições que apenas beneficiaria a reacção. E eles souberam aproveitar-se ... Até inventaram uma nova fronteira ...
Mas, definitivamente, este povo, seja o Norte, com ou sem a matraquinha de alguns, seja a dita cintura industrial de Lisboa-Setúbal, ou o subproletariado rural alentejano, este povo é só um. E é um povo que optou pela via socialista, porque, no seu conhecimento empírico da política, ele sabe que só o poder da sua mão, o contrôle operário, poderá pôr fim a uma sociedade de exploradores e explorados.
Definitivamente, o socialismo, progressismo, não são propriedade de um sector político, de um grupo, ou de uma região. O socialismo é do conjunto das massas trabalhadoras, único e verdadeiro motor da revolução socialista portuguesa.
E só poderá .aceitar a tão fácil análise da divisão quem pretender retirar às massas operárias a direcção do avanço do processo, através das suas conquistas diárias, nos seus sectores de trabalho, na luta contra os inimigos comuns: o capitalismo e o imperialismo.
Ao ritmo soluçante, não sincopado, de golpes que ora se verificam nos salões palacianos, à boa maneira renascentista, ora se faziam notar na exibição grandiosa dia verborreia pseudo-revolucionária, passando pelas tentativas frustradas de Setembro, Março e Novembro - umas de cariz neo-direitista, a outra de feição verdadeiramente aventureirista de extrema esquerda -, os avanços e conquistas das massas trabalhadoras foram sendo efectuados.
Consolidadas algumas destas conquistas, carecem outras ainda de estabilidade, que, a não se verificar já, poderá afectar seriamente a existência da própria revolução socialista, já que umas e outras se conjugam.
Mas as transformações sociais como a que vivemos, rumo ao socialismo, não podem fazer-se sem uma base de sustentação económica passível de sustentar os ataques que lhe são feitos. Assim, não há revolução sem economia, nem economia sem planeamento. De outra forma, será uma contabilidade permanentemente débil, que só aproveitará a golpes de grupos totalitários. É evidente, portanto, que só com uma economia independente poderá avançar mais rapidamente o processo.
E como exemplo surge-nos, de trás da serra do Caramulo, no distrito de Viseu, em Campo de Besteiros, a prova de que o desejo de não ficar sujeito a pseudovanguardas revolucionárias os motores de fabrico alheio é inquebrantável.
No meu distrito, onde se encontram ainda laivos de comunidades ancestrais, onde a independência, a liberdade e a coerência nascem, vivem e morrem lado a lado de cada homem, no meu distrito, dito dos mais reaccionários do País, mas permanentemente roubado e explorado desde há séculos, encontra-se um exemplo de luta de trabalhadores pela sua total e absoluta emancipação. Na empresa de exploração avícola Avicriz, trinta trabalhadores demonstraram e demonstram que os senhorios, o caciquismo, são batidos pela unidade de esforços dos operários.
Negaram-se estes homens a deixar afundar uma empresa quando um seu co-proprietário e capitalista os abandonou, fugindo para o Brasil e deixando-a em situação de tecnicamente falida. Atrás de si deixava letras, hipotecas, fraudes fiscais, débitos.
Assim, há sete meses atrás, altura da fuga, acumulava cerca de 14 500 contos de débitos. A saída de divisas no bolso do senhor co-proprietário pensa-se ter orçado os 6000 contos. Isto chama-se boicote económico.
Os operários organizam-se. Passa-se á autogestão!
Apoiados pelo Ministério do Trabalho e Sindicato dos Bancários, conseguem o capital necessário para o arranque da agora sua empresa. Como fim último, a criação de uma cooperativa, nesta região avícola, cujo registo já foi pedido. E, de tecnicamente falida como estava, passa imediatamente a uma situação de recuperação: sete meses após o início do processo autogestionário, conseguem recuperar 3500 contos, verificando-se ainda o reajustamento de salários ao nível de compatibilidade com ais funções específicas de cada operário.
A solidez do avanço, o processo de gestão, o futuro cooperativo, criaram um aumento de produtividade e um renome a nível de mercados de ciclo que lhes permitia antever, a breve prazo, a estabilização total da empresa.
Porém, os golpismos de grupos políticos minoritários, que levaram ao 25 de Novembro, permitiram pensar que as viragens à direita na política portuguesa se efectuavam como desejariam os saudosistas. Por outro lado, os ataques ao Governo e outros órgãos de poder incapacitavam-nos de fazer cumprir leis. Ainda mais, a burocracia e a inconsciência de elementos que, por tácticas políticas, são colocados nos escalões intermédios dos Ministérios, obstaram a que fosse aplicado não só o congelamento das contas bancárias do sócio desertor - pedido feito ao Copcon mas também o Decreto-Lei n.º 660/74, alíneas b), c), d) e e), de 25 de Novembro de 1974, que permite a intervenção do Estado.
Estranhamente, verifica-se o regresso do ex-co-proprietário.
Impunemente, legalmente poderá, se quiser, reocupar a sua posição na empresa.
Estranho! ... Penso ser um dos tais soluços, e, neste caso, fedorento, da revolução portuguesa. Um homem que defrauda e foge certamente que não está com o processo; se regressa, é porque tem apoio ou pensa que se fez qualquer recuo - ou ambos os casos,

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quem sabe! -, mas o que não é, de certeza, é um aliado da Classe operária.
Sabemos que os Ministérios do Trabalho e da Agricultura dão o seu apoio total ao caso «Avicriz», caso exemplar pela coragem, dignidade e firmeza demonstradas pelos seus elementos.
Porém, o trabalho de minagem que haveria a esperar por parte do sócio desertor já começou. E se não houver, do Governo, intervenção imediata, poderá vir a verificar-se o espantoso caso de ver transferido todo o esforço de um grupo de homens, todo o desejo de emancipação, de ver defraudadas todas as suas esperanças., de ver mesmo perigando o seu direito ao trabalho.
O caso «Avicriz», hoje posto neste hemiciclo, não será o único. Mas ao trazê-lo para aqui não desejei mais do que alertar todos os que possam vir a ter perante si situações idênticas. Foi também meu intuito lembrar que o Norte, e o distrito de Viseu, não é nem mais nem menos reaccionário do que o Sul ou os outros distritos, mas que, sendo pobre, sabe também cooperar com os avanços do processo revolucionário rumo ao socialismo.
As divisões só podem servir a alguns pseudo-revolucionários ou neo-miguelistas, ciosos uns e outros, acima de tudo, da sua estreiteza moral e mental e dos seus privilégios. Note-se que, tal como o nosso país na sua globalidade é um espinho socialista cravado na garganta capitalista imperialista, também a Avicriz é um espinho na garganta de um velho salazarista/caetanista, senhor feudal da estância sanatorial do Caramulo e de granjas avícolas da região. Por isso a Avicriz é mais do que o direito ao trabalho: é a ameaça do fim político de um monopólio.
Que a Avicriz sirva de exemplo e que este exemplo seja apoiado imediatamente pelos Ministérios competentes é o meu último voto, o meu alerta.
Tenho dito.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Acabou, portanto, o período do prolongamento. Vamos ler uma...
Pausa

O Sr. Deputado Herculano de Carvalho, tenha a bondade.

O Sr. Herculano de Carvalho (PCP): - Era só para pedia um esclarecimento, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao Sr. Deputado que acabou de intervir agora.
O Sr. Deputado referiu o facto de o proprietário de uma empresa, cuja conta não teria sido congelada e outros factos do mesmo género. Portanto, eu perguntava o seguinte: se ele não considera que esse facto é uma prova - essa faceta juntamente com outras factos da mesmo tipo que estão a acontecer por todo este país -, se não considera isso uma prova de viragem à direita?

(O orador não reviu.)

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Fórido Marques (PS): - Queria esclarecer o Sr. Deputado do PCP que as contas bancárias do senhor ex-co-proprietário que fugiu para o Brasil e que retornou não. foram congeladas, porque penso que dentro do Copcon ou a qualquer nível militar, que eu não posso e creio que neste momento não devo situar, antes do VI Governo e ainda durante as campanhas de dinamização que estavam a efectuar-se, ou do chamado códice., eu não posso precisar exactamente, mas por um elemento desses dinamizadores foi afirmado que o Copcon iria congelar as contas.
Evidentemente que, instado esse elemento militar para que mostrasse as cartas dirigidas ao Copcon no sentido de que fossem congeladas, esse senhor realmente nunca conseguiu mostrá-las. Nós pensamos - e quando eu digo nós pensamos, neste caso, são os operários da Avicriz e também eu - que, na verdade, nunca teria havido cartas, mas, por outro lado, também admitimos que esse senhor militar tivesse tentado ocupar um lugar de destaque na política nacional.
Por outro lado, não penso que, realmente - e respondendo concretamente à sua pergunta -, não penso que tenha havido uma viragem à direita com este facto, de não ter sido feito o congelamento.
É um soluço, é um soluço ... E posso garantir-lhe, posso adiantar que, neste momento, o Sindicato dos Bancários, o Sindicato dos Metalúrgicos, o Sindicato da Construção Civil, o Sindicato da Indústria Hoteleira, o Ministério. do Trabalho e o Ministério da Agricultura dão o seu inteiro apoio ao caso da Avicriz. Evidentemente, e isso também não me permite, a mim, não me compete a mim dizer aqui, mas penso que esse caso irá ser solucionado muito brevemente. Talvez neste momento já esteja solucionado.
Será esse e serão todos os outros casos, se os operários se convencerem - operários, trabalhadores rurais ou fabris, e ainda os seus aliados -, se convencerem de que só com o poder na mão conseguem fazer avançar o processo socialista.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Irá proceder-se à leitura do documento, que se encontra na Mesa, sobre o nosso novo colega Rogério Paulo, suponho eu. Tenha a bondade de ler.

O Sr. Rui Cunha (PS):

Comissão de Verificação de Poderes

Relatório e parecer

1 - Tendo sido solicitada a substituição do Deputado José Pinheiro Lopes de Almeida (por razões pessoais e da sua vida profissional) por Rogério Gomes Lopes Ferreira, também conhecido por Rogério Paulo, reuniu a Comissão de Verificação de Poderes

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da Assembleia Constituinte, aos 19 de Dezembro de 1975, para se pronunciar sobre tal pretensão.
2 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é real e actualmente o primeiro candidato não eleito ainda não solicitado na ordem de precedência da lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo Partido Comunista (PCP) no círculo eleitoral de Lisboa - por onde havia sido eleito o Deputado cuja substituição se aprecia.
3 - Todas as considerações e declarações formais de voto que já constam do relatório exarado a fl. 104 do Diário da Assembleia Constituinte - e que vêm sendo invocadas nas demais reuniões da Comissão foram ora repostas e expressamente pressupostas.
4 - Foram tidas adequadamente em conta as escusas dos candidatos Mariana Rafael, Júlio da Conceição Silva Martins, Zita Maria de Seabra Roseiro, Francisco dos Santos Sérgio, Maria Luísa Rodrigues Amorim Garcia da Rosa, Natércia Amaro Rito e Joaquim dos Santos Ramos.
5-Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, já que se encontram verificados os requisitos legais.

Artur Videira Pinto da Cunha Leal (PPD) - Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo (PS)- Rui António Ferreira da Cunha (PS) - Manuel João Vieira (PS) - Fernando Monteiro do Amaral (PPD)- Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia (PPD) - Vital Martins Moreira (PCP) - Manuel Mendes Nobre de Gusmão. (PCP) - Maria José Paulo Sampaio (CDS) - Levy Casimiro Baptista (MDP/CDE) - Amarino Peralta Sabino (PS) (relator).

O Sr. Presidente - Dá-se a coincidência de se tratar de duas pessoas que eu estimo, admiro desde longos anos. Saúdo o grande artista Rogério Paulo, que bem fez teatro da vida que é uma Assembleia Constituinte e também com pesar vejo partir o meu colega e amigo Lopes de Almeida.
Vamos entrar, meus senhores e colegas, na ordem dos nossos trabalhos. O Sr. Secretário fará o favor de ler o artigo de que estamos a tratar, de o anunciar e de fazer o ponto da situação.

O Sr. Secretário (Nunes de Almeida): - Inicia-se a discussão do capítulo 3.º « Do Ministério Público, artigo 19.º «Autonomia do Ministério Público».

ARTIGO 19. º

(Autonomia do Ministério Público)

O Ministério Público é um órgão autónomo, que funciona junto dos tribunais.

Existe uma proposta de substituição do Grupo parlamentar do Partido Socialista, com o seguinte texto:

Proposta de substituição ao artigo 19.º:

O Ministério Público goza de estatuto próprio.

O Sr. Presidente: - Entendido? Em discussão.
Ninguém pede a palavra, vamos votar. Vamos votar a proposta, com certeza.

Pausa.

O Sr. Deputado Jorge Miranda, tenha a bondade.

O Sr. Jorge Miranda (PPD): - Peço a palavra apenas para pedir aos autores da proposta de substituição que dêem uma explicação quanto ao sentido que pretendem que venha a ter a norma constitucional que vamos votar.

O Sr. Presidente: - Se assim o entenderem, como espero, é claro.

O Sr. Sousa Pereira (PS): - Os proponentes desta substituição entenderam que a fórmula do projecto inicial, ao falar em órgão autónomo, poderia como que constituir já, para a futura Assembleia de Deputados, uma indicação. Preferiram, por isso, adoptar a expressão «o Ministério Público usa de estatuto próprio» para significar que, na verdade, o Ministério Público teria um estatuto próprio. Mas a Assembleia de Deputados ficava absolutamente livre para fixar esse estatuto, definir o estatuto dos respectivos magistrados do Ministério Público, sem que pudesse ter a pesar sobre ela a expressão « ou órgão autónomo», que, em certa medida, podia implicar a ideia já de uma certa definição.

(O orador não reviu.)

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente: Era para fazer um pedido à Mesa. Não costumo ser muito rigoroso nas quantificações que faço, mas tenho receio que a Assembleia esteja, neste momento, a funcionar sem o quórum necessário, segundo o Regimento. De modo que eu pedia à Mesa que fizesse essa contagem.

O Sr. Presidente: - Evidentemente. Vamos verificar. Um momento só.

Feita a contagem, verificou-se a presença de 127 Deputados.

O Sr. Presidente:- Temos quórum. Continua em discussão.

O Sr. Deputado José Luís Nunes, tem a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós propusemos esta alteração, a de que o Ministério Público goza de estatuto próprio, para além das considerações do meu colega e camarada Sousa Pereira, por uma outra questão. É que o Ministério Público não é propriamente um órgão autónomo. Quer dizer: a concepção de que o Ministério Público é um órgão autónomo é uma concepção muito perigosa, e da qual, pelo menos da sua formulação rígida, de forma alguma eu partilho.
Eu entendo que nós devemos ter consciência de que o tribunal não é só o juiz. O tribunal é formado pelo juiz, pelo Ministério Público e pelos advogados, que também fazem parte do tribunal. São estas as

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3226 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 99

pessoas que, na orgânica do tribunal, têm funções jurisdicionais próprias. Portanto, dizer-se que o Ministério Público é um órgão autónomo afigura-se-me, a mim, uma concepção que eu não partilho, ou que me parece, neste momento, perigosa.
É evidente ...

O Sr. Presidente: -Peço aos Srs. Deputados o favor de não estarem a circular pelos corredores. Daqui a pouco serei obrigado a encerrar a sessão por falta de quórum. Mas ainda não está no limite, não é?
Faça o favor de desculpar. Pode continuar.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente. É evidente que esta afirmação de que o Ministério Público faz parte do tribunal não impõe ou não retira a ideia de que o Ministério Público é um órgão diferente do juiz. Enquanto que o juiz é uma magistratura hierarquizada, os juízes são magistraturas independentes. Simplesmente, entendo, e julgo que é de se entender, que esta formulação de autonomia do Ministério Público é uma formulação imprecisa, incorrecta. se a tomarmos, inclusive, como ponto de relação em relação aos tribunais. Depois, o Ministério Público não funciona junto dos tribunais exclusivamente. Mesmo que adoptássemos a ideia de que o Ministério Público era um órgão autónomo, a afirmação de que funciona junto dos tribunais é, a meu ver, errada, porque o Ministério Público tem outras funções, nomeadamente a de emitir pareceres que sejam requeridos à Procuradoria-Geral da República por certos órgãos do Estado.
Nesta base, e para além de tudo que aqui fica dito e pressuposto, e que foi dito pelo meu camarada Dr. Sousa Pereira, parece-me que a nossa formulação é mais correcta e é aquela que permitirá resolver, deixando para a futura Assembleia estas importantíssimas questões de teoria de direito.

(O orador não reviu.)

O Sr.. Presidente: - Continuamos sem quórum. Agora começamos outra vez a não ter quórum. Fazem favor de dizer aos Srs. Deputados que estão fora que venham para a Sala.
Se não está mais ninguém nos corredores, vou ser obrigado a encerrar a sessão, por uma diferença tão pequenina.
Um momento só.
Pausa.

Eu estou a tentar trabalhar, não é? Sabem perfeitamente que estamos no limite do quórum e começam a sair e a entrar ...
Vamos fazer a contagem outra vez e pela última vez.
Pausa.

Os Srs. Deputados que se encontram no corredor, é favor regressarem aos vossos lugares, se não vejo-me obrigado a encerrar a sessão.
Feita a contagem, verificou-se não existir quórum.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Não suporto isto ...

O Sr. Presidente: - Temos presentes 122 Srs. Deputados. Desejo-lhes umas boas-festas e um ano muito feliz para V. Ex.ªs e para todas as vossas famílias.
Até ao próximo dia 6 de Janeiro de 1976, às 15 horas.
Eram 17 horas e 5 minutos.

Rectificações ao Diário da Assembleia Constituinte enviadas para a Mesa durante a sessão:

Ao n.º 92:

Página Coluna Linha Onde se lê Deve ler-se
2981 2.ª 28 julgar; julgar,
29 atitudes, eu atitudes. Eu
2982 1.ª 24 acolhe! acolhe?
2986 1.ª 13 no congresso em congresso
36 esperem devem esperar
41 qualificado purificado
47 autoqualifica, autopurifica, fortalece fortalece-se
Lisboa, 14 de Dezembro de 1975. - Alfredo de Sousa (PPD).

Ao n.º 93:

Página Coluna Linha Onde se lê Deve ler-se
3017 1. 22 bipluralismo bipolarismo
48 única grande
2.ª 3 ou:- as frases certas
18 o envolvi - o seu envolvi
41 militares de militares
48 de política da política
3018 LB 10 teríamos teremos
13 propósitos, propósitos e
3019 2.R 36 ideológicas, mas ideológicas. Mas
42 com que como
47/48 social-democra- Internacional
3020 1.ª 24 da Socialista.
quando quanto
31 mal, mas mal. Mas
35 o facto ao facto
2.ª 1 possível impossível
3 sociais-demo- sociais e políticráticas cas
13 Boa Vista, nem Boa Vista do
do Porto Porto
23 Eu não sei Eu sei que
29 não considera- não o consideramos
35 ele ela
45 Não é por soli- Não é para hidariedadelariedades
... eu estou-lhe Se eu lhe estou
a negar ... a chamar ...
3021 1.º 15 nova real
19 regularmente regulamentar
20 de Mota Pinto do Mota Pinto
32 e que pode e que a pode
Lisboa, 14 de Dezembro de 1975. -Alfredo de Sousa (PPD).

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20 DE DEZEMBRO DE 1975 3227

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

CDS

Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.

MDP/CDE

Levy Casimiro Baptista.
Orlando José de Campos Marques Pinto.

PCP

Avelino António Pacheco Gonçalves.
Hipólito Fialho dos Santos.
José Alves Tavares Magro.

PPD

Abílio de Freitas Lourenço.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Júlio Simões de Aguiar.
Armando Rodrigues.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Fernando Adriano Pinto.
Germano da Silva Domingos.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José António Valério do Couto.
José Augusto de Almeida Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Burnay.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Manuel José Veloso Coelho.
Maria Helena da Costa Salema Roseta.
Mário Campos Pinto.
Pedro Manuel Cruz Roseta.

INDEPENDENTES

Antídio das Neves Costa.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Emídio Guerreiro.
José Casimiro Crespo dos Santos Cobra.
José Gonçalves Sapinho.
José Manuel Afonso Gomes de Almeida.
Maria Augusta da Silva Simões.
Nuno Guimarães Taveira da Gama.
Victor Manuel Freire Boga.

PS

Adelino Augusto Miranda de Andrade.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Sanches Esteves.
António Mário Diogo Teles.
Aquilino Ribeiro Machado.
Artur Cortez Pereira dos Santos.
Carlos Cardoso Lage.
Emídio Pedro Águedo Serrano.
Francisco Xavier Sampaio Tinoco de Faria.
Gilianes Santos Coelho.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Jaime José Matos da Gama.
João Joaquim Gomes.
José Luís de Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Maria da Assunção Viegas Vitorino.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Virgínia Portela Bento Vieira.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário de Castro Pina Correia.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pedro do Canto Lagido.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria Antunes Pereira Rainho.
Sophia de Melo Breyner Andresen de

Srs. Deputados que faltaram à sessão:

ADIM - MACAU

Diamantino de Oliveira Ferreira.

CDS

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
António Francisco de Almeida.
Carlos Galvão de Melo.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Domingos José Barreto Cerqueira.
Manuel Januário Soares Ferreira-Rosa.
Vítor António Augusto Nunes Sá Machado.

MDP/CDE

Luís Manuel Alves de Campos Catarino.

PCP

António Dias Lourenço da Silva.
António Malaquias Abalada.
Carlos Alfredo de Brito.
Dinis Fernandes Miranda.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Diogo Velez.
José Pedro Correia Soares.
José Pinheiro Lopes de Almeida.
Maria Alda Nogueira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

PPD

Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António Maria Lopes Ruano.
Emanuel Nascimento dos Santos Rodrigues.
João Bosco Soares Mota Amaral.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.
Olívio da Silva França.

Sousa Tavares.

INDEPENDENTES

Abel Augusto de Almeida Carneiro.
Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva.

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3228 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 99

Joaquim Coelho dos Santos.
José Manuel da Costa Bettencourt.

PS

Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Álvaro Neto órfão.
Amílcar de Pinho.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Henrique Teixeira Queiroz de Barros.
João Pedro Miller de Lemos Guerra.
João do Rosário Sarrento Henriques.
Manuel do Carmo Mendes.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Mário António da Mota Mesquita.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui Maria Malheiro de Távora de Castro Feijó.
Vitorino Vieira Dias.

Os REDACTORES: José Alberto Pires - Maria José da Silva Santos.

PREÇO DESTE NUMERO 14$00

IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA

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