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REPÚBLICA PORTUGUESA

SECRETARIADO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE

SÁBADO, 3 DE ABRIL DE 1976 * NÚMERO 132

SESSÃO N.º 131, EM 2 DE ABRIL

Presidente: Ex.mº Sr. Henrique Teixeira Queiroz de Barros

António Duarte Arnaut
Secretários: Exmos Srs. Carlos Alberto Coelho de Sousa
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO:- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 9 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Presidente informou ter sido recebida resposta a requerimentos dirigidos ao Ministério da Educação e Investigação Científica pelos Srs. Deputados do PS Artur Cortez e Pires Pereira.
Ordem do dia.- Os três Secretários da Mesa procederam, revezando-se, à leitura integral do articulado da Constituição.
Depois de o Sr. Deputado Pinto da Silva (PS) sugerir que fosse enviado, além de aos Deputados em exercício, um exemplar da Constituição a todos os Deputados que, no decorrer dos trabalhos da Constituinte, tiveram que renunciar ao mandato, a sessão foi suspensa.
Reaberta a sessão às 15 horas e 5 minutos, um Deputado de cada um dos partidos com representação na Constituinte leu a respectiva declaração política, pela seguinte; ordem: MDP/CDE (Levy Baptista), UDP (Afonso Dias), CDS (Freitas do Amaral), PCP (Octávio Pato), PPD (Ferreira Júnior) e PS (Mário Soares).
Tendo procedido à votação global do articulado constitucional, seguiu-se a formulação de declarações de voto a cargo dos Srs. Deputados Mota Pinto (INDEP.), Diamantino Ferreira (Macau), Afonso Dias (UDP), Luís Catarino (MDP/ CDE), Sá Machado (CDS), Vital Moreira (PCP), Barbosa de Melo (PPD) e José Luís Nunes (PS).
Depois de o Sr. Presidente avisar os componentes dos diversos partidos que formariam a depuração da Assembleia para receber o Sr. Presidente da República da hora a que deviam comparecer na entrada principal do Palácio, a - sessão foi novamente suspensa.
Reaberta a sessão às 22 horas e 13 minutos, usou da palavra o Sr. Presidente, que, após ter agradecido a honra da presença de S. Ex.ª o Presidente da República e demais autoridades oficiais, teceu algumas considerações acerca da actividade do Assembleia Constituinte durante o seu mandato, terminando por formular o voto de «que tenhamos sabido ser dignos de nós próprios, dotando a nossa Pátria com uma Constituição que, na sua essência, saiba resistir à prova do tempo».

Lido o decreto que aprova a Constituição, foi este assinado pelo Sr. Presidente e promulgado por S. Ex.ª o Presidente da República, que usou seguidamente da palavra. S. Ex.ª o Presidente da República, depois de agradecer as referências elogiosas que lhe tinham sido dirigidas pelo Sr. Presidente, transmitiu o que julga ser o sentimento da Nação acerca da Constituição agora aprovada e promulgada, que aos olhos dos Portugueses e do Mundo surge como um texto que, apontando finalidades eminentemente progressistas, reconhece a realidade resultante das grandes mudanças operadas na vida nacional, reflecte os anseios de futuro melhor que em todos existe e reconhece o direito de os homens expressarem a sua vontade e as suas razões, terminando por afirmar encontrarmo-nos no momento decisivo de uma nova fase da caminhada em direcção à democracia e ao socialismo, na qual a Constituição que tinha tido a honra de promulgar o instrumento básico para a construção, em liberdade e em paz, da sociedade que ambicionamos para todos nós, em Portugal.
Seguidamente o Sr. Presidente declarou encerrada a sessão, após o que foi tocado e cantado por todos os presentes o Hino Nacional.
Eram 22 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 9 horas e 30 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

CDS

António Francisco de Almeida.
António Pedreira de Castro Norton de Matos.
Augusto Lopes Laranjeira.
Emílio Leitão Paulo.

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Francisco Luís de Sá Malheiro.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
José António Carvalho Fernandes.
Manuel José Gonçalves Soares.
Manuel Raimundo Ferreira dos Santos Pires de Morais.
Maria José Paulo Sampaio.

MDP/CDE

Ilídio Ribeiro Covêlo Sardoeira.
Luís Manuel Alves de Campos Catarino.
Orlando José de Campos Marques Pinto.

PCP

Adriano Lopes da Fonseca.
António Branco Marcos dos Santos.
António Dias Lourenço da Silva.
António Rodrigues Canelas.
Avelino António Pacheco Gonçalves.
Dinis Fernandes Miranda.
Eugénio de Jesus Domingues.
Fernanda Peleja Patrício.
Fernando dos Santos Pais.
Francisco Miguel Duarte.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Hilário Marcelino Teixeira.
Hipólito Fialho dos Santos.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Terroso Neves.
Joaquim Diogo Velez.
José Alves Tavares Magro.
José Manuel da Cota Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Marques Figueiredo.
José Pedro Correia Soares.
Leonel Ramos Ramirez.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Maria Alda Nogueira
Rogério Gomes Lopes Ferreira.

PPD

Abílio de Freitas Lourenço.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Joaquim da Silva Amado Leite de Castro.
António Júlio Correia Teixeira da Silva.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Maria Lopes Ruano.
António Moreira Barbosa de Melo.
António Roleira Marinho.
António dos Santos Pires.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Armando Rodrigues.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Carlos António Silva Branco.
Carlos Francisco Cerejeira Pereira Bacelar.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Custódio Costa de Matos.
Emanuel Nascimento dos Santos Rodrigues.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando Barbosa Gonçalves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
João António Martelo de Oliveira.
João Baptista Machado.
João Bosco Soares Mota Amaral.
João Manuel Ferreira.
Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda.
José António Camacho.
José António Valério do Couto.
José Carlos Rodrigues.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Burnay.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís Eugénio Filipe.
Manuel Coelho Moreira.
Manuel José Veloso Coelho.
Maria Élia Mendes Brito Câmara.
Maria Helena da Costa Salema Roseta.
Nicolau Gregório de Freitas.
Miguel Florentino Guedes de Macedo.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.

INDEPENDENTES

Abel Augusto de Almeida Carneiro.
Alfredo Joaquim da Silva Morgado.
Artur Morgado Ferreira dos Santos Silva.
Carlos Alberto Branco de Seiça Neves.
Emídio Guerreiro.
Joaquim Coelho dos Santos.
José Augusto Baptista Lopes e Seabra.
José Casimiro Crespo dos Santos Cobra.
José Manuel da Costa Bettencourt.
Luís Fernando Argel de Melo e Silva Biscaia.
Maria Augusta da Silva Simões.
Nívea Adelaide Pereira e Cruz.
Victor Manuel Freire Boga.
Adelino Teixeira de Carvalho.
Afonso do Carmo.
Agostinho Martins do Vale.
Alberto Augusto Martins da Silva Andrade.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Álvaro Neto Orfão.
Amarino Peralta Sabino.
Amílcar de Pinho.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.

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António Feliciano dos Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Gomes Teles Grilo.
António José Sanches Esteves.
António José de Sousa Pereira.
António Mário Diogo Teles.
António Riço Calado.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando Assunção Soares. Artur Filomeno de Magalhães Barros.
Artur Cortez Pereira das Santos.
Artur Manuel de Carraca da Costa Pina.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo. Carlos Cardoso Lage.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Casimiro Paulo dos Santos.
Emídio Pedro Aguedo Serrano.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Eurico Telmo de Campos.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Flórido Adolfo da Silva Marques.
Francisco Carlos Ferreira.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Xavier Sampaio Tinoco de Faria.
Gilianes Santos Coelho.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Henrique Teixeira Queiroz de Barros.
Isaías Caetano Nora.
Jerónimo Silva Pereira.
João Francisco de Oliveira Moz Carrapa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Antero Romero Magalhães.
Joaquim da Costa Pinto.
Joaquim Gonçalves da Cruz.
Joaquim Laranjeira Pendrelico.
Joaquim de Oliveira Rodrigues.
José Fernando Silva Lopes.
José Luís de Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Rodrigues Alves.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Pereira dos Reis.
Ladislau Teles Botas.
Laura da Conceição Barraché Cardoso.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Maria Kalidás Costa Barreto.
Luís Patrício Rosado Gonçalves.
Manuel Amadeu Pinto de Araújo Pimenta.
Manuel Ferreira Monteiro.
Manuel Ferreira dos Santos Pato.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel João Vieira.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Pereira Dias.
Manuel de Sousa Ramos.
Maria da Assunção Viegas Vitorino.
Maria da Conceição Rocha dos Santos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Fernanda Salgueiro Seita Paulo.
Maria Helena Carvalho dos Santos Oliveira Lopes.
Maria do Pilar de Jesus Barata.
Maria Rosa Gomes.
Maria Teresa do Vale de Matos Madeira Vidigal.
Maria Virgínia Portela Bento Vieira.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário de Castro Pina Correia.
Mário de Deus Branco.
Mário Nunes da Silva.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.
Pedro do Canto Lagido.
Pedro Manuel Natal da Luz.
Raquel Júdice de Oliveira Howell Franco.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui António Ferreira da Cunha.
Rui Maria Malheiro de Távora de Castro Feijó.
Vasco da Gama Fernandes.
Vítor Manuel Brás. Vitorino Vieira Dias.

O Sr. Presidente: - Tenho mais que confirmação de ser seguro que existe quórum (195 Srs. Deputados).
Portanto, para não perdermos tempo com a segunda chamada, o Sr. Secretário vai anotando os Deputados que compareçam e nós daríamos a sessão por aberta.

Eram 9 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Esta sessão destina-se à leitura do articulado da Constituição que vai ser feita pelos três Secretários da Mesa, de acordo com uma votação entre eles estabelecida.
Antes disso, queria informar que temos na Mesa resposta a requerimentos ao Ministério da Educação e Investigação Científica do Sr. Deputado Artur Cortez Pereira dos Santos e ao mesmo Ministério do Sr. Deputado Domingos do Carmo Pires Pereira.

Pausa.

Vamos começar por dar a palavra ao Sr. Secretário António Arnaut, que vai iniciar a leitura do texto da Constituição. Lamenta-se que não haja ainda exemplares disponíveis para distribuir pelos Srs. Deputados, mas a verdade é que ainda não chegaram. Está um exemplar perfeito, em condições, revisto, que vai servir para leitura, mas exemplares para distribuir ainda não há; devem ir chegando durante a manhã e, à medida que forem chegando, irão sendo distribuídos.
Tem, pois, a palavra o Sr. Secretário António Arnaut para iniciar a leitura do articulado da Constituição.

O Sr. Secretário (António Arnaut):

PREÂMBULO

A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reú-

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nem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.

Princípios fundamentais

ARTIGO 1.º
(República Portuguesa)

Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.

ARTIGO 2.º
(Estado democrático e transição para o socialismo)

A República Portuguesa é um Estado democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo de expressão e organização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras.

ARTIGO 3.º
(Soberania e legalidade)

1. A soberania, una e indivisível, reside no povo, que a exerce segundo as formas previstas na Constituição.
2. O Movimento das Forças Armadas, como garante das conquistas democráticas e do processo revolucionário, participa, em aliança com o povo, no exercício da soberania, nos termos da Constituição.
3. Os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelas princípios da independência nacional e da democracia política.
4. O Estado está submetido à Constituição e funda-se na legalidade democrática.

ARTIGO 4.º
(Cidadania portuguesa)

São cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção internacional.

ARTIGO 5.º
(Território)

1. Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os arquipélagos dos Açores e da Madeira.
2. O Estado não aliena qualquer parte do território português ou das direitos de soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo de rectificação de fronteiras.
3. A lei define a extensão e o limite das águas territoriais e os direitas de Portugal aos fundos marinhos contíguos.
4. O território de Macau, sob administração portuguesa, rege-se por estatuto adequada à sua situação especial.

ARTIGO 6.º
(Estado unitário)

1. O Estado é unitário e respeita na sua organização os princípios da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública.
2. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos próprios.

ARTIGO 7.º
(Relações internacionais)

1. Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do direito dos povos à autodeterminação e á independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos das outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da Humanidade.

2. Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
3. Portugal reconhece o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo, e manterá laças especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa.

ARTIGO 8.º
(Direito internacional)

1. As normas e os princípios de direito internacional geral ou comum fazem parte integrante do direito português.
2. As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram

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na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português.

ARTIGO 9.º
(Tarefas fundamentais do Estado)

São tarefas fundamentais do Estado:

a) Garantir a independência nacional e criar as condições políticas, económicas, sociais e culturais que a promovam;
b) Assegurar a participação organizada da povo na resolução dos problemas nacionais, defender a democracia política e fazer respeitar a legalidade democrática;
c) Socializar os meios de produção e a riqueza, através de formas adequadas às características do presente período histórico, criar as condições que permitam promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo, especialmente das classes trabalhadoras, e abolir a exploração e a opressão do homem pelo homem.

ARTIGO 10.º
(Processo revolucionário)

1. A aliança entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos e organizações democráticos assegura o desenvolvimento pacífico do processo revolucionário.
2. O desenvolvimento do processo revolucionário impõe, no plano económico, a apropriação colectiva dos principais meios de produção.

ARTIGO 11.º
(Símbolos nacionais)

1. A Bandeira Nacional é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.
2. O Hino Nacional é A Portuguesa.

PARTE I
Direitos e deveres fundamentais

TÍTULO I
Princípios gerais

ARTIGO 12.º
(Princípio da universalidade)

1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.

ARTIGO 13.º
(Princípio da igualdade)

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.

ARTIGO 14.º
(Portugueses no estrangeiro)

Os cidadãos portugueses que se encontrem ou residam no estrangeiro gozam da protecção do Estado para o exercício dos direitos e estão sujeitos aos deveres que não sejam incompatíveis, com a ausência do país.

ARTIGO 15.º
(Estrangeiros e apátridas)

1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.
3. Aos cidadãos dos países de língua portuguesa podem ser atribuídos, mediante convenção internacional e em condições de reciprocidade, direitos não conferidas a estrangeiros, salvo o acesso à titularidade dos órgãos de soberania e das regiões autónomas, o serviço nas forças armadas e a carreira diplomática.

ARTIGO 16.º
(Extensão dos direitos)

1. Os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional.
2. Os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

ARTIGO 17.º
(Regime dos direitos, liberdades e garantias)

O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos direitos enunciados no título II, aos direitos fundamentais dos trabalhadores, às demais liberdades e ainda a direitos de natureza análoga, previstos na Constituição e na lei.

ARTIGO 18.º
(Força jurídica)

1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.

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2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na Constituição.
3. As leis restritivas dos direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

ARTIGO 19.º
(Suspensão)

1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declaradas na forma prevista na Constituição.
2. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência deve ser suficientemente fundamentada e conter a especificação aos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso.
3. A declaração do estado de sítio em nenhum caso pode afectar o direito à vida e à integridade pessoal.
4. A declaração do estado de emergência apenas pode determinar a suspensão parcial dos direitos, liberdades e garantias.
5. A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência confere às autoridades competência para tomarem as providências necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade constitucional.

ARTIGO 20.º
(Defesa dos direitos)

1. A todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.
2. Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

ARTIGO 21.º
(Responsabilidade civil do Estado)

1. O Estado e as demais entidades públicas são cívilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
2. Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.

ARTIGO 22.º
(Direito de asilo)

1. É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos em consequência da sua actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana.
2. A lei define o estatuto do refugiado político.

ARTIGO 23.º
(Extradição e expulsão)

1. Não são admitidas a extradição e a expulsão de cidadãos portugueses do território nacional.
2. Não é admitida a extradição por motivos políticos.
3. Não há extradição por crimes a que corresponda pena de morte segundo o direito do Estado requisitante.
4. A extradição e a expulsão só podem ser decididas por autoridade judicial.

ARTIGO 24.º
(Provedor de Justiça)

1. Os cidadãos podem apresentar queixas por acções ou omissões dos poderes públicos ao Provedor de Justiça, que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças.
2. A actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos na Constituição e nas leis.
3. O Provedor de Justiça é designado pela Assembleia da República.

TÍTULO II
Direitos, liberdades e garantias

ARTIGO 25.º
(Direito à vida)

1. A vida humana é inviolável.
2. Em caso algum haverá pena de morte.

ARTIGO 26.º
(Direito à integridade pessoal)

1. A integridade moral e física dos cidadãos é inviolável.
2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos.

ARTIGO 27.º
(Direito à liberdade e à segurança)

1. Todos têm direito à liberdade e â segurança.
2. Ninguém pode ser privado da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:

a) Prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena maior;
b) Prisão ou detenção de pessoa que tenha penetrado irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou expulsão.

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4. Toda a pessoa privada da liberdade deve ser informada, no mais curto prazo, das razões da sua prisão ou detenção.

ARTIGO 28.º
(Prisão preventiva)

1. A prisão sem culpa formada será submetida, no prazo máximo de quarenta e oito horas, a decisão judicial de validação ou manutenção, devendo o juiz conhecer das causas da detenção e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa.
2. A prisão preventiva não se mantém sempre que possa soer substituída por caução ou por medida de liberdade provisória prevista na lei.
3. A decisão judicial que ordene ou mantenha uma medida de privação da liberdade deve ser logo comunicada a parente ou pessoa da confiança do detido.
4. A prisão preventiva, antes e depois da formação da culpa, está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.

ARTIGO 29.º
(Aplicação da lei criminal)

1. Ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou a omissão, nem sofrer medida de segurança privativa da liberdade cujos pressupostos não estejam fixados em lei anterior.
2. O disposto no número anterior não impede a punição, nos limites da lei interna, por acção ou omissão que no momento da sua prática seja considerada criminosa segundo os princípios gerais de direito internacional comummente reconhecidos.
3. Não podem ser aplicadas penas ou medidas de segurança privativas da liberdade que não estejam expressamente cominadas em lei anterior.
4. Ninguém gole sofrer pena ou medida de segurança privativa da liberdade mais grave do que as previstas no momento da conduta, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido.
5. Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.

ARTIGO 30.º
(Limites das penas e das medidas de segurança)

1. Não poderá haver penas ou medidas de segurança privativas da liberdade com carácter perpétuo, nem de duração ilimitada ou indefinida.
2. Em caso de perigosidade baseada - em grave anomalia psíquica e na impossibilidade de terapêutica em meia aberto, poderão as medidas de segurança privativas da liberdade prorrogar-se sucessivamente enquanto tal estado se mantiver, mas - sempre mediante decisão judicial.
3. As penas são insusceptíveis de transmissão.
4. Ninguém pode ser privado, por motivos políticos, da cidadania portuguesa, da capacidade civil ou do nome.

ARTIGO 31.º
(«Habeas corpus»)

1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a interpor perante o tribunal judicial ou militar, consoante os casos.
2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitas políticos.
3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em audiência contraditória.

ARTIGO 32.º
(Garantias de processo criminal)

1. O processo criminal assegurará todas as garantias de defesa.
2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
3. O arguido tem direito à assistência de defensor em todos os actos do processo, especificando a lei os casos e as fases em que ela é obrigatória.
4. Toda a instrução será da competência de um juiz, indicando a lei os casos em que ela deve assumir forma contraditória.
5. O processo criminal terá estrutura acusatória, ficando a audiência de julgamento subordinada ao princípio do contraditório.
6. São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
7. Nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja fixada em lei anterior.

ARTIGO 33.º
(Direito à identidade, ao bom nome e à intimidade)

1. A todos é reconhecido o direito à identidade pessoal, ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a utilização abusiva, ou contrária à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.

ARTIGO 34.º
(Inviolabilidade do domicílio e da correspondência)

1. O domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis.
2. A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei.
3. Ninguém pode entrar durante a noite no domicílio de qualquer pessoa sem o seu consentimento.
4. É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvos os casos previstos na lei em matéria, de processo criminal.

ARTIGO 35.º
(Utilização da informática)

1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar conhecimento do que constar de registos mecanográficos a seu respeito e do fim a que se destinam as informações, podendo exigir a rectificação dos dados e a sua actualização.

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2. A informática não pode ser usada para tratamento de dados referentes a convicções políticas, fé religiosa ou vida privada, salvo quando se trate do processamento de dados não identificáveis para fins estatísticos.
3. É proibida a atribuição de um número nacional único aos cidadãos.

ARTIGO 36.º
(Família, casamento e filiação)

1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
2. A lei regula os requisitos e os efeitos do casamento e da sua dissolução, por morte ou divórcio, independentemente da forma de celebração.
3. Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos.
4. Os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto de qualquer discriminação e a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação.
5. Os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.

ARTIGO 37.º
(Liberdade de expressão e informação)

1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela, palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de se informar, sem impedimentos nem discriminações.
2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura.
3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficarão submetidas ao regime de punição da lei geral, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais.
4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta.

ARTIGO 38.º
(Liberdade de imprensa)

1. É garantida a liberdade de imprensa.
2. A liberdade de imprensa implica a liberdade de expressão e criação dos jornalistas e colaboradores literários, bem como a intervenção dos primeiros na orientação ideológica dos órgãos de informação não pertencentes ao Estado ou a partidos políticas, sem que nenhum outro sector ou grupo de trabalhadores passa censurar ou impedir a sua livre criatividade.
3. A liberdade de imprensa implica o direito de fundação de jornais e de quaisquer outras publicações, independentemente de autorização administrativa, caução ou habilitação prévias.
4. As publicações periódicas e não periódicas podem ser propriedade de quaisquer pessoas colectivas sem fins lucrativos e de empresas jornalísticas e editoriais sob forma societária ou de pessoas singulares de nacionalidade portuguesa.
5. Nenhum regime administrativo ou fiscal, nem política de crédito ou comércio externo, pode afectar directa ou indirectamente a liberdade de imprensa, devendo a lei assegurar os meios necessários à salvaguarda da independência da imprensa perante os poderes político e económico.
6. A televisão não pode ser objecto de propriedade privada.
7. A lei estabelece o regime dos medos de comunicação social, designadamente dos pertencentes ao Estado, mediante um estatuto da informação.

ARTIGO 39.º
(Meios de comunicação social do Estado)

1. Os meios de comunicação social pertencentes ao Estado, ou a entidades directa ou indirectamente sujeitas ao seu controlo económico, serão utilizados de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo e a Administração Pública.
2. Será assegurada a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião nos meios de comunicação social referidos no número anterior.
3. Nos meios de comunicação social previstos neste artigo serão criados conselhos de informação, a integrar, proporcionalmente, por representantes indicados pelos partidos políticos com assento na Assembleia da República.
4. Aos conselhos de informação serão conferidos poderes para assegurar uma orientação geral que respeite o pluralismo ideológico.

ARTIGO 40.º
(Direito de antena)

1. Os partidos políticos e as organizações sindicais e profissionais terão direito a tempos de antena na rádio e na televisão, de acordo com a sua representatividade e segundo critérios a definir no estatuto da informação.
2. Nos períodos eleitorais os partidos políticos concorrentes têm direito a tempos de antena regulares e equitativos.

ARTIGO 41.º
(Liberdade de consciência, religião e culto)

1. A liberdade de consciência, religião e culto é inviolável.
2. Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.
3. As igrejas e comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.
4. É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticado no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades.

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5. É reconhecido o direito à objecção de consciência, ficando os objectores obrigados à prestação de serviço não armado com duração idêntica à do serviço militar obrigatório.

ARTIGO 42.º
(Liberdade de criação cultural)

1. É livre a criação intelectual, artística e científica.
2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.

ARTIGO 43.º
(Liberdade de aprender e ensinar)

1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar.
2. O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas
ou religiosas.
3. O ensino público não será confessional.

ARTIGO 44.º
(Direito de deslocação e de emigração)

1. A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.
2. A todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar.

ARTIGO 45.º
(Direito de reunião e de manifestação)

1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.
2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.

ARTIGO 46.º
(Liberdade de associação)

1. Os cidadãos têm o direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei penal.
2. As associações prosseguem livremente os seus fins sem interferência das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as suas actividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão Judicial.
3. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação nem coagido por qualquer meio a permanecer nela.
4. Não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares fora do Estado ou das Forças Armadas, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista.

ARTIGO 47.º
(Associações e partidos políticos)

1. A liberdade de associação compreende o direito de constituir ou participar em associações e partidos políticos e de através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular e a organização do poder político.
2. Ninguém pode estar inscrito simultaneamente em mais de um partido político nem ser privado do exercício de qualquer direito por estar ou deixar de estar inscrito em algum partido legalmente constituído.
3. Os partidos políticos não podem, sem prejuízo da filosofia ou ideologia inspiradora do seu programa, usar denominação que contenha expressões directamente relacionadas com quaisquer religiões ou igrejas, bem como emblemas confundíveis com símbolos nacionais ou religiosos.

ARTIGO 48.º
(Participação na vida pública)

1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
2. O sufrágio é universal, igual e secreto e reconhecido a todos os cidadãos maiores de 18 anos, ressalvadas as incapacidades da lei geral, e o seu exercício é pessoal e constitui um dever cívico.
3. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.
4. Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, às funções públicas.

ARTIGO 49.º
(Direito de petição e acção popular)

1. Todos os cidadãos podem apresentar, individual ou colectivamente, aos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades petições, representações, reclamações
ou queixas para defesa dos seus direitos, da Constituição e das leis ou do interesse geral.
2. É reconhecido o direito de acção popular, nos casos e nos termos previstos na lei.

TÍTULO III
Direitos e deveres económicos, sociais e culturais

CAPÍTULO I
Principio geral

ARTIGO 50.º
(Garantias e condições de efectivação)

A apropriação colectiva dos principais meios de produção, a planificação do desenvolvimento econó-

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4390 DIÁRI0 DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 132

mico e a democratização das instituições são garantias e condições para a efectivação dos direitos e deveres económicos, sociais e culturais.

O Sr. Secretário (Coelho de Sousa):

CAPÍTULO II
Direitos e deveres económicos

ARTIGO 51.º
(Direito ao trabalho)

1. Todos têm direito ao trabalho.
2. O dever de trabalhar é inseparável do direito ao trabalho, excepto para aqueles que sofram diminuição de capacidade por razões de idade, doença ou invalidez.
3. Todos têm o direito de escolher livremente a profissão ou o género de trabalho, salvas as restrições legais impostas pelo interesse colectivo ou inerentes à sua própria capacidade.

ARTIGO 52.º
(Obrigações do Estado quanto ao direito ao trabalho)

Incumbe ao Estado, através da aplicação de planos de política económica e social, garantir o direito ao trabalho, assegurando:

a) A execução de políticas de pleno emprego e o direito a assistência material dos que involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
b) A segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos;
c) A igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais;
d) A formação cultural, técnica e profissional dos trabalhadores, conjugando o trabalho manual e o trabalho intelectual.

ARTIGO 53.º
(Direitos dos trabalhadores)

Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, nacionalidade, religião ou ideologia, têm direito:

a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
b) À organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal;
c) À prestação do trabalho em condições de higiene e segurança;
d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas.

ARTIGO 54.º
(Obrigações do Estado quanto aos direitos dos trabalhadores)

Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:

a) O estabelecimento e a actualização do salário mínimo nacional, bem como do salário máximo, tendo em conta, entre outros factores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b) A fixação de um horário nacional de trabalho;
c) A especial protecção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem actividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais.

ARTIGO 55.º
(Comissões de trabalhadores)

1. É direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e intervenção democrática na vida da empresa, visando o reforço da unidade das classes trabalhadoras e a sua mobilização para o processo revolucionário de construção do poder democrático dos trabalhadores.
2. As comissões são eleitas em plenários de trabalhadores por voto directo e secreto.
3. O estatuto das comissões deve ser aprovado em plenário de trabalhadores.
4. Os membros das comissões gozam da protecção legal reconhecida aos delegados sindicais.
5. Podem ser criadas comissões coordenadoras para melhor intervenção na reestruturação económica e por forma a garantir os interesses dos trabalhadores.

ARTIGO 56.º
(Direitos das comissões de trabalhadores)

Constituem direitos das comissões de trabalhadores:

a) Receber todas as informações necessárias ao exercício da sua, actividade;
b) Exercer o controlo de gestão nas empresas;
c) Intervir na reorganização das unidades produtivas;
d) Participar na elaboração da legislação do trabalho e dos planos económico-sociais que contemplem o respectivo sector.

ARTIGO 57.º
(Liberdade sindical)

1. É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses.

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2. No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente:

a) A liberdade de constituição de associações sindicais a todos os níveis;
b) A liberdade de inscrição, não podendo nenhum trabalhador ser obrigado a pagar quotizações para sindicato em que não esteja inscrito;
c) A liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais;
d) O direito de exercício de actividade sindical na empresa.

3. As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos dá actividade sindical.
4. As associações sindicais são independentes do patronato, do Estado, das confissões religiosas, dos partidos e outras associações políticas, devendo a lei estabelecer as garantias adequadas dessa independência, fundamento da unidade das classes trabalhadoras.
5. A fim de assegurar a unidade e o diálogo das diversas correntes sindicais eventualmente existentes, é garantido aos trabalhadores o exercício do direito de tendência dentro dos sindicatos, nos casos e nas formas em que tal direito for estatutariamente estabelecido.
6. As associações sindicais têm o direito de estabelecer relações ou filiar-se em organizações sindicais internacionais.

ARTIGO 58.º
(Direitos das associações sindicais e contratação colectiva)

1. Compete às associações sindicais defender e promover a defesa, dos direitos e interesses dos trabalhadores que representem.
2. Constituem direitos das associações sindicais:

a) Participar na elaboração da legislação do trabalho;
b) Participar na gestão das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer os interesses das classes trabalhadoras;
c) Participar no controlo de execução dos planos económico-sociais.

3. Compete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva.
4. A lei estabelece as regras respeitantes à competência para a celebração das convenções colectivas de trabalho, bem como à eficácia das respectivas normas.

ARTIGO 59.º
(Direito à greve)

1. É garantido o direito à greve.
2. Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve, não podendo a lei limitar esse âmbito.

ARTIGO 60.º
(Proibição do «lock-out»)

É proibido o lock-out.

ARTIGO 61.º
(Cooperativas e autogestão)

1. Todos têm o direito de constituir cooperativas, devendo o Estado, de acordo com o Plano, estimular e apoiar as iniciativas nesse sentido.
2. Serão apoiadas pelo Estado as experiências de autogestão.

ARTIGO 62.º
(Direito de propriedade privada)

1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.
2. Fora dos casos previstos na Constituição, a expropriação por utilidade pública só pode ser efectuada mediante pagamento de justa indemnização.

CAPITULO III
Direitos e deveres sociais

ARTIGO 63.º
(Segurança social)

1. Todos têm direito à segurança social.
2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, de acordo e com a participação das associações sindicais e outras organizações das classes trabalhadoras.
3. A organização do sistema de segurança social não prejudicará a existência de instituições privadas de solidariedade social não lucrativas, que serão permitidas, regulamentadas por lei e sujeitas à fiscalização do Estado.
4. O sistema de segurança social protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.

ARTIGO 64.º
(Saúde)

1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito, pela criação de condições económicas, sociais e culturais que garantam a protecção da infância, da juventude e da velhice e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo.

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3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o País;
c) Orientar a sua acção para a socialização da medicina e dos sectores médico-medicamentosos;
d) Disciplinar e controlar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-as com o serviço nacional de saúde;
e) Disciplinar e controlar a produção, a comercialização e o uso dos produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e diagnóstico.

ARTIGO 65.º
(Habitação)

1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:

a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de reordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e fomentar a autoconstrução e a criação de cooperativas de habitação;
c) Estimular a construção privada, com subordinação aos interesses gerais.

3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.

4. O Estado e ais autarquias locais exercerão efectivo controlo do parque imobiliário, procederão à necessária nacionalização ou municipalização dos solos urbanos e definirão o respectivo direito de utilização.

ARTIGO 66.º
(Ambiente e qualidade de vida)

1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
2. Incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e por apelo a iniciativas populares:

a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;
b) Ordenar o espaço territorial de forma a construir paisagens biologicamente equilibradas;
c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica.

3. O cidadão ameaçado ou lesado no direito previsto no n.º 1 pode pedir, nos termos da lei, a cessação das causas de violação e a respectiva indemnização.
4. O Estado deve promover a melhoria progressiva e acelerada da qualidade de vida de todos os portugueses.

ARTIGO 67.º
(Família)

O Estado reconhece a constituição da família e assegura a sua protecção, incumbindo-lhe, designadamente:

a) Promover a independência social e económica dos agregados familiares;
b) Desenvolver uma rede nacional de assistência materno-infantil e realizar uma política de terceira idade;
c) Cooperar com os pais na educação dos filhos;
d) Promover, pelos meios necessários, a divulgação dos métodos de planeamento familiar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma paternidade consciente;
e) Regular os impostos e os benefícios sociais, de harmonia com os encargos familiares.

ARTIGO 68.º
(Maternidade)

1. O Estado reconhece a maternidade como valor social eminente, protegendo a mãe nas exigências específicas da sua insubstituível acção quanto à educação dos filhos e garantindo a sua realização profissional e a sua participação na vida cívica do país.
2. As mulheres trabalhadoras têm direito a um período de dispensa do trabalho, antes e depois do parto, sem perda da retribuição e de quaisquer regalias.

ARTIGO 69.º
(Infância)

1. As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral.
2. As crianças, particularmente os órfãos e os abandonados, têm direito a especial protecção da sociedade e do Estado, contra todas as formas de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo de autoridade na família e nas demais instituições.

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ARTIGO 70.º
(Juventude)

1. Os jovens, sobretudo os jovens trabalhadores, gozam de protecção especial piara efectivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente:

a) Acesso ao ensino, à cultura e ao trabalho;
b) Formação e promoção profissional;
c) Educação física, desporto e aproveitamento dos tempos livres.

2. A política de juventude deverá ter como objectivos prioritários o desenvolvimento da personalidade dos jovens, o gosto pela criação livre e o sentido de serviço à comunidade.

3. O Estado, em colaboração com as escolas, as empresas, as organizações populares de base e as colectividades de cultura e recreio, fomentará e auxiliará as organizações juvenis na prossecução daqueles objectivos, bem como todas as formas de intercâmbio internacional da juventude.

ARTIGO 71.º
(Deficientes)

1. Os cidadãos física ou mentalmente deficientes gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.
2. O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos deficientes, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores.

ARTIGO 72.º
(Terceira idade)

1. O Estado promoverá uma política da terceira idade que garanta a segurança económica dias pessoas idosas.

2. A política da terceira idade deverá ainda proporcionar condições de habitarão e convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento ou marginalização social das pessoas idosas e lhes ofereçam as oportunidades de criarem e desenvolverem formas de realização pessoal através de uma
participação activa na vida da comunidade.

CAPÍTULO IV
Direitos e deveres culturais

ARTIGO 73.º
(Educação e cultura)

1. Todos têm direito à educação e à cultura.
2. O Estado promoverá a democratização da educação e as condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para o desenvolvimento da personalidade e para o progresso da sociedade democrática e socialista.
3. O Estado promoverá a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos, em especial dos trabalhadores, à fruição e criação cultural, através de organizações populares de base, colectividades de cultura e recreio, meios de comunicação social e outros meios adequados.

ARTIGO 74.º
(Ensino)

1. O Estado reconhece e garante a todos os cidadãos o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades na formação escolar.
2. O Estado deve modificar o ensino de modo a superar a sua função conservadora da divisão social do trabalho.
3. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado:

a) Assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito;
b) Criar um sistema público de educação pré-escolar;
c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo;
d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística;
e) Estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino;
f) Estabelecer a ligação do ensino com as actividades produtivas e sociais;
g) Estimular a formação de quadros científicos e técnicos originários das classes trabalhadoras.

ARTIGO 75.º
(Ensino público e particular)

1. O Estado criará uma rede de estabelecimentos oficiais de ensino que cubra as necessidades de toda a população.
2. O Estado fiscaliza o ensino particular supletivo do ensino público.

ARTIGO 76.º
(Acesso à Universidade)

O acesso à Universidade deve ter em conta as necessidades do país em quadros qualificados e estimular e favorecer a entrada dos trabalhadores e dos filhos das classes trabalhadoras.

ARTIGO 77.º
(Criação e investigação cientificas)

1. A criação e a investigação científicas são incentivadas e protegidas pelo Estado.
2. A política científica e tecnológica tem por finalidade o fomento da investigação fundamental e da investigação aplicada, com preferência pelos domí-

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nios que interessem ao desenvolvimento do país, tendo em vista a progressiva libertação de dependências externas, no âmbito da cooperação e do intercâmbio com todos os povos.

ARTIGO 78.º
(Património cultural)

O Estado tem a obrigação de preservar, defender e valorizar o património cultural do povo português.

ARTIGO 79.
(Cultura física e desporto)

O Estado reconhece o direito dos cidadãos à cultura física e ao desporto, como meios de valorização humana, incumbindo-lhe promover, estimular e orientar a sua prática e difusão.

PARTE II
Organização económica

TÍTULO I
Princípios gerais

ARTIGO 80.º
(Fundamento da organização económico-social)

A organização económico-social da República Portuguesa assenta no desenvolvimento das relações de produção socialistas, mediante a apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e o exercício do poder democrático das classes trabalhadoras.

ARTIGO 81.º
(Incumbências prioritárias do Estado)

Incumbe prioritariamente ao Estado:

a) Promover o aumento do bem-estar social e económico do povo, em especial das classes mais desfavorecidas;
b) Estabilizar a conjuntura e assegurar a plena utilização das forças produtivas;
c) Promover a igualdade entre os cidadãos, através da transformação das estruturas económico-sociais;
d) Operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento.
e) Orientar o desenvolvimento económico e social no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões;
f) Desenvolver as relações económicas com todos os povos, salvaguardando sempre a independência nacional e os interesses dos portugueses e da economia do país;
g) Eliminar e impedir a formação de monopólios privados, através de nacionalizações ou de outras formas, bem como reprimir os abusos do poder económico e todas as práticas lesivas do interesse geral;
h) Realizar a reforma agrária;
i) Eliminar progressivamente as diferenças sociais e económicas entre a cidade e o campo;
j) Assegurar a equilibrada concorrência entre as
empresas, fixando a lei a protecção às pequenas e médias empresas económica e
socialmente viáveis;
l) Criar as estruturas jurídicas e técnicas necessárias à instauração de um sistema de planeamento democrático da economia;
m) Proteger o consumidor, designadamente através do apoio à criação de cooperativas e de associações de consumidores;
n) Impulsionar o desenvolvimento das relações de produção socialistas;
o) Estimular a participação das classes trabalhadoras e das suas organizações na definição, controlo e execução de todas as grandes medidas económicas e sociais.

ARTIGO 82.º
(Intervenção, nacionalização e socialização)

1. A lei determinará os meios e as formas de intervenção e de nacionalização e socialização dos meios de produção, bem como os critérios de fixação de indemnizações.
2. A lei pode determinar que as expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou accionistas não dêem lugar a qualquer indemnização.

ARTIGO 83.º
(Nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974)

1. Todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras.
2. As pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas, fora dos sectores básicos da economia, poderão, a título excepcional, ser integradas no sector privado, desde que os trabalhadores não optem pelo regime de autogestão ou de cooperativa.

ARTIGO 84.º
(Cooperativismo)

1. O Estado deve fomentar a criação e a actividade de cooperativas, designadamente de produção, de comercialização e de consumo.
2. Sem prejuízo do seu enquadramento no Plano, e desde que observados os princípios cooperativos, não haverá restrições à constituição de cooperativas, as quais podem livremente agrupar-se em uniões, federações e confederações.
3. A constituição e o funcionamento das cooperativas não dependem de qualquer autorização.

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4. A lei definirá os benefícios fiscais e financeiros das cooperativas, bem como condições mais favoráveis à obtenção de crédito e auxílio técnico.

ARTIGO 85.º
(Iniciativa privada)

1. Nos quadros definidos pela Constituição, pela lei e pelo Plano pode exercer-se livremente a iniciativa económica privada enquanto instrumento do progresso colectivo.
2. A lei definirá 05 sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza.
3. O Estado fiscalizará o respeito da Constituição, da lei e do Plano pelas empresas privadas, podendo intervir na sua gestão para assegurar o interesse geral e os direitos dos trabalhadores, em termos a definir pela lei.

ARTIGO 86.º
(Actividade económica e investimentos estrangeiros)

A lei disciplinará a actividade económica e os investimentos por parte de pessoas singulares ou colectivas estrangeiras, a fim de garantir a sua contribuição para o desenvolvimento do país, de acordo com o Plano, e defender a independência nacional e os interesses dos trabalhadores.

ARTIGO 87.º
(Meios de produção em abandono)

1. Os meios de produção em abandono podem ser expropriados em condições a fixar pela lei, que terá em devida conta a situação específica da propriedade dos trabalhadores emigrantes.
2. No caso de abandono injustificado, a expropriação não confere direito a indemnização.

ARTIGO 88.º
(Actividades delituosas contra a economia nacional)

1. As actividades delituosas contra a economia nacional serão definidas por lei e objecto de sanções adequadas à sua gravidade.
2. As sanções poderão incluir, como efeito da pena, a perda dos bens, directa ou indirectamente obtidos com a actividade criminosa, e sem que ao infractor caiba qualquer indemnização.

TÍTULO II
Estruturas da propriedade dos meios de produção

ARTIGO 89 º
(Sectores de propriedade dos meios de produção)

1. Na fase de transição para o socialismo, haverá três sectores de propriedade dos meios de produção, dos solos e dos recursos naturais, definidos em função da sua titularidade e do modo social de gestão.
2. O sector público é constituído pêlos bens e unidades de produção colectivizados sob os seguintes modos sociais de gestão:

a) Bens e unidades de produção geridos pelo Estado e por outras pessoas colectivas públicas;
b) Bens e unidades de produção com posse útil e gestão dos colectivos de trabalhadores;
c) Bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais.

3. O sector cooperativo é constituído pelos bens e unidades de produção possuídos e geridos pelos cooperadores, em obediência aos princípios cooperativos.
4. O sector privado é constituído pêlos bens e unidades de produção não compreendidos nos números anteriores.

ARTIGO 90. º
(Desenvolvimento da propriedade social)

1. Constituem a base do desenvolvimento da propriedade social, que tenderá a ser predominante, os bens e unidades de produção com posse útil e gestão dos colectivos de trabalhadores, os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais e o sector cooperativo.
2. São condições do desenvolvimento da propriedade social as nacionalizações, o plano democrático, o controlo de gestão e o poder democrático dos trabalhadores.
3. As unidades de produção geridas pelo Estado e outras pessoas colectivas públicas devem evoluir, na medida do possível, para formas autogestionárias.

TÍTULO III
Plano

ARTIGO 91.º
(Objectivos do Plano)

1. Para a construção de uma economia socialista, através da transformação das relações de produção e de acumulação capitalistas, a organização económica e social do país deve ser orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano.
2. O Plano deve garantir o desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões, a eficiente utilização das forças produtivas, a justa repartição individual e
regional do produto nacional, a coordenação da política económica com a política social, educacional e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a
defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português.

ARTIGO 92.º
(Força jurídica)

1. O Plano tem carácter imperativo para o sector público estadual e é obrigatório, por força de contratos-programa, para outras actividades de interesse público.
2. O Plano define ainda o enquadramento a que hão-de submeter-se as empresas dos outros sectores.

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4396 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 132

ARTIGO 93.º
(Estrutura)

A estrutura do Plano compreende, nomeadamente:

a) Plano a longo prazo, que define os grandes objectivos da economia portuguesa e os meios para os atingir;
b) Plano a médio prazo, cujo período de vigência deve ser o da legislatura e que contém os programas de acção globais, sectoriais e regionais para esse período;
c) Plano anual, que constitui a base fundamental aã actividade do Governo e deve integrar o orçamento do Estado para esse período.

ARTIGO 94.º
(Elaboração e execução)

1. Compete à Assembleia da República aprovar as grandes opções correspondentes a cada Plano e apreciar os respectivos relatórios de execução.
2. A elaboração do Plano é coordenada por um Conselho Nacional do Plano e nela devem participar as populações, através das autarquias e comunidades locais, as organizações das classes trabalhadoras e entidades representativas de actividades económicas.
3. O implemento do Plano deve ser descentralizado, regional e sectorialmente, sem prejuízo da coordenação central, que compete, em última instância, ao Governo.

ARTIGO 95.º
(Regiões Plano)

1. O país será dividido em regiões Plano com base nas potencialidades e nas características geográficas, naturais, sociais e humanas do território nacional, com vista ao seu equilibrado desenvolvimento e tendo em conta as carências e os interesses das populações.
2. A lei determina as regiões Plano e define o esquema dos órgãos de planificação regional que as integram.

(Nesta altura assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Vasco da Gama Fernandes.)

TÍTULO IV
Reforma agrária

ARTIGO 96.º
(Objectivos da reforma agrária)

A reforma agrária é um dos instrumentos fundamentais para a construção da sociedade socialista e tem como objectivos:

a) Promover a melhoria da situação económica, social e cultural dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores pela transformação das estruturas fundiárias e pela transferência progressiva da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham, como primeiro passo para a criação de novas relações produção na agricultura;
b) Aumentar a produção e a produtividade da agricultura, dotando-a das infra-estruturas e dos meios humanos, técnicos e financeiros adequados, tendentes a assegurar o melhor abastecimento do país, bem como o incremento da exportação;
c) Criar as condições necessárias para atingir a igualdade efectiva dos que trabalham na agricultura com os demais trabalhadores e evitar que o sector agrícola seja desfavorecido nas relações de troca com os outros sectores.

ARTIGO 97.º
(Eliminação dos latifúndios)

1. A transferência da posse útil da terra e dos meios de produção directamente utilizados na sua exploração para aqueles que a trabalham será obtida através da expropriação dos latifúndios e das grandes explorações capitalistas.
2. As propriedades expropriadas serão entregues, para exploração, a pequenos agricultores, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras unidades de exploração colectiva por trabalhadores.
3. As operações previstas neste artigo efectuam-se nos termos que a lei da reforma agrária definir e segundo o esquema de acção do Plano.

ARTIGO 98.º
(Minifúndios)

Sem prejuízo do direito de propriedade, a reforma agrária procurará nas regiões minifundiárias obter um adequado redimensionamento das explorações, mediante recurso preferencial à integração cooperativa das diversas unidades ou ainda, sempre que necessário, ao seu emparcelamento ou arrendamento por mediação do organismo coordenador da reforma agrária.

ARTIGO 99.º
(Pequenos e médios agricultores)

1. A reforma agrária efectua-se com garantia da propriedade da terra dos pequenos e médios agricultores enquanto instrumento ou resultado do seu trabalho e salvaguardando os interesses dos emigrantes e dos que não tenham outro modo de subsistência.
2. A lei determina os critérios de fixação dos limites máximos das unidades de exploração agrícola privada.

ARTIGO 100.º
(Cooperativas e outras formas de exploração colectiva)

A realização dos objectivos da reforma agrária implica a constituição por parte dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores, com o apoio do Estado, de cooperativas de produção, de compra, de venda, de transformação e de serviços e ainda de outras formas de exploração colectiva por trabalhadores.

ARTIGO 101.º
(Formas de exploração de terra alheia)

1. Os regimes de arrendamento e de outras formas de exploração de terra alheia serão regulados por

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lei de modo a garantir a estabilidade e os legítimos interesses do cultivador.
2. Serão extintos os regimes de aforamento e colónia e criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição do regime da parceria agrícola.

ARTIGO 102.º
(Auxílio do Estado)

1. Os pequenos e médios agricultores, individualmente ou agrupados em cooperativas, as cooperativas de trabalhadores agrícolas e as outras formas de exploração colectiva por trabalhadores têm direito ao auxílio do Estado.
2. O auxílio do Estado, segundo os esquemas da reforma agrária e do Plano, compreende, nomeadamente:

a) Concessão de crédito e assistência técnica;
b) Apoio de empresas públicas e de cooperativas de comercialização a montante e a jusante da produção;
c) Socialização dos riscos resultantes dos acidentes climatéricos e fitopatológicos imprevisíveis ou incontroláveis.

ARTIGO 103.º
(Ordenamento, reconversão agrária e preços)

O Estado promoverá uma política de ordenamento e de reconversão agrária, de acordo com os condicionalismos ecológicos e sociais do país, e assegurará o escoamento dos produtos agrícolas no âmbito da orientação definida para as políticas agrícola e alimentar, fixando no início de cada campanha os respectivos preços de garantia.

ARTIGO 104.º
(Participação na reforma agrária)

Na definição e execução da reforma agrária, nomeadamente nos organismos por ela criados, deve ser assegurada a participação dos trabalhadores rurais e dos pequenos e médios agricultores, através das suas organizações próprias, bem como das cooperativas e outras formas de exploração colectiva por trabalhadores.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida):

TÍTULO V
Sistema financeiro e fiscal

ARTIGO 105.º
(Sistema financeiro e monetário)

1. O sistema financeiro será estruturado por lei, de forma a garantir a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação de meios financeiros necessários à expansão das forças produtivas, com vista à progressiva e efectiva socialização da economia.
2. O Banco de Portugal, como banco central, tem o exclusivo da emissão de moeda e, de acordo com o Plano e as directivas do Governo, colabora na execução das políticas monetária e financeira.

ARTIGO 106.º
(Sistema fiscal)

1. O sistema fiscal será estruturado por lei, com vista à repartição igualitária da riqueza e dos rendimentos e à satisfação das necessidades financeiras do Estado.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição e cuja liquidação e cobrança se não façam nas formas prescritas na lei.

ARTIGO 107.º
(Impostos)

1. O imposto sobre o rendimento pessoal visará a diminuição das desigualdades, será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar, e tenderá a limitar os rendimentos a um máximo nacional, definido anualmente pela lei.
2. A tributação das empresas incidirá fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
3. O imposto sobre sucessões e doações será progressivo, de forma a contribuir para a igualdade entre os cidadãos, e tomará em conta a transmissão por herança dos frutos do trabalho.
4. A tributação do consumo visará adaptar a estrutura do consumo às necessidades da socialização da economia, isentando-se dela os bens necessários à subsistência dos mais desfavorecidos e suas famílias e onerando-se os consumos de luxo.

ARTIGO 108.º
(Orçamento)

1. A lei do orçamento, a votar anualmente pela Assembleia da República, conterá:

a) A discriminação das receitas e a das despesas na parte respeitante às dotações globais correspondentes às funções e aos Ministérios e Secretarias de Estado;
b) As linhas fundamentais de organização do orçamento da segurança social.

2. O Orçamento Geral do Estado será elaborado pelo Governo, de harmonia com a lei do orçamento e o Plano e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.
3. O Orçamento será unitário e especificará as despesas, de modo a evitar a existência de dotações ou fundos secretos.
4. O Orçamento deverá prever as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as negras de elaboração e execução e o período de vigência do Orçamento, bem como as condições de recurso ao crédito público.
5. A execução do Orçamento será fiscalizada pelo Tribunal de Contas e pela Assembleia da República, que, precedendo parecer daquele tribunal, apreciará e aprovará a Conta Geral do Estado, incluindo a da segurança social.

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TÍTULO VI
Circuitos comerciais

ARTIGO 109.º
(Preços e circuitos de distribuição)

1. O Estado intervém na formação e no controlo dos preços, incumbindo-lhe racionalizar os circuitos de distribuição e eliminar os desnecessários.
2. É proibida a publicidade dolosa.

ARTIGO 110.º
(Comércio externo)

Para desenvolver e diversificar as relações comerciais externas e salvaguardar a independência nacional, incumbe ao Estado:

a) Promover o controlo das operações de comércio externo, nomeadamente criando empresas públicas ou outros tipos de empresas;
b) Disciplinar e vigiar a qualidade e os preços das mercadorias importadas e exportadas.

PARTE III
Organização do poder político

TÍTULO I
Princípios gerais

ARTIGO 111.º
(Titularidade e exercício do poder)

O poder político pertence ao povo e é exercido nos termos da Constituição.

ARTIGO 112.º
(Participação política dos cidadãos)

A participação directa e activa dos cidadãos na vida política constitui condição e instrumento fundamentais consolidação do sistema democrático.

ARTIGO 113.º
(Órgãos de soberania)

1. São órgãos de soberania o Presidente da República, o Conselho da Revolução, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
2. A formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição.

ARTIGO 114 º
(Separação e interdependência)

1. Os órgãos de soberania devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição.
2. Nenhum órgão de soberania, de região autónoma ou de poder local pode delegar os seus poderes noutros órgãos, a não ser nos casos e nos termos expressamente previstos na Constituição e na lei.

ARTIGO 115.º
(Conformidade dos actos com a Constituição)

A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição.

ARTIGO 116.º
(Princípios gerais de direito eleitoral)

1. O sufrágio directo, secreto e periódico constitui a regra geral de designação dos titulares dos órgãos electivos da soberania, das regiões autónomas e do
poder local.
2. O recenseamento eleitoral é oficioso, obrigatório e único para todas as eleições por sufrágio directo e universal.
3. As campanhas eleitorais regem-se pelos seguintes princípios:

a) Liberdade de propaganda;
b) Igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas;
c) Imparcialidade das entidades públicas perante as candidaturas;
d) Fiscalização das contas eleitorais.

4. Os cidadãos têm o dever de colaborar com a administração eleitoral, nas formas previstas na lei.
5. A conversão dos votos em mandatos far-se-á de harmonia com o princípio da representação proporcional.
6. O julgamento da validade dos actos eleitorais compete aos tribunais.

ARTIGO 117.º
(Partidos políticos e direito de oposição)

1. Os partidos políticos participam nos órgãos baseados no sufrágio universal e directo, de acordo com a sua representatividade democrática.
2. É reconhecido às minorias o direito de oposição democrática, nos termos da Constituição.

ARTIGO 118º
Organizações populares de base)

As organizações populares de base, formadas nos termos da Constituição, têm o direito de participar, segundo as formas previstas na lei, no exercício do poder local.

ARTIGO 119º
(Órgãos colegiais)

1. As reuniões das assembleias que funcionem como órgãos de soberania, das regiões autónomas ou do poder local são públicas, excepto nos casos previstos na lei.
2. Salvo quando a Constituição ou a lei exijam maioria qualificada, as deliberações dos órgãos colegiais são tomadas à pluralidade de votos, estando presente a maioria do número legal dos seus membros.

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ARTIGO 120.º
(Responsabilidade dos titulares de cargos políticos)

1. Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelos actos e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.
2. A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos.

ARTIGO 121.º
(Princípio da renovação)

Ninguém pode exercer a título vitalício qualquer cargo político de âmbito nacional, regional ou local.

ARTIGO 122.º
(Publicidade dos actos)

1. Os actos de eficácia externa dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local carecem de publicidade.
2. São publicados no jornal oficial, Diário da República:

a) As leis constitucionais;
b) As convenções internacionais;
c) Os decretos do Presidente da República;
d) Os decretos e resoluções do Conselho da Revolução;
e) As leis e resoluções da Assembleia da República;
f) Os decretos e regulamentos do Governo;
g) As decisões dos tribunais a que a Constituição ou a lei confiram força obrigatória geral;
h) Os decretos das regiões autónomas.

3. A lei determina as formas de publicidade dos demais actos.
4. A falta de publicidade implica a inexistência jurídica do acto.

(Neste momento assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Magro.)

TÍTULO II
Presidente da República

CAPÍTULO I
Estatuto e eleição

ARTIGO 123.º
(Definição)

O Presidente da República representa a República Portuguesa e desempenha, por inerência, as funções de Presidente do Conselho da Revolução e de Comandante Supremo das Forças Armadas.

ARTIGO 124.º
(Eleição)

1. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos portugueses eleitores, recenseados no território nacional.
2. O direito de voto é exercido presencialmente no território nacional.

ARTIGO 125.º
(Elegibilidade)

São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos.

ARTIGO 126. º
(Reelegibilidade)

1. Não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo.
2. Se o Presidente da República renunciar ao cargo no prazo de trinta dias após eleições para a Assembleia da República, efectuadas em consequência da dissolução desta, não poderá candidatar-se na eleição imediata.

ARTIGO 127.º
(Candidaturas)

1. As candidaturas para Presidente da República são propostas por um mínimo de 7500 e um máximo de 15 000 cidadãos eleitores.
2. As candidaturas devem ser apresentadas até trinta dias antes da data marcada para a eleição, perante o Supremo Tribunal de Justiça.
3. Em caso de morte de qualquer candidato, será reaberto o processo eleitoral, nos termos a definir por lei.

ARTIGO 128.º
(Data da eleição)

1. O Presidente da República será eleito até trinta dias antes do termo do mandato do seu antecessor ou nos sessenta dias posteriores à vagatura do cargo.
2. A eleição não poderá efectuar-se nos sessenta dias anteriores ou posteriores à data das eleições para a Assembleia da República, sendo prolongado o mandato do Presidente cessante pelo período necessário.
3. Durante o prolongamento previsto no número anterior é vedada a dissolução da Assembleia da República, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 198.º

ARTIGO 129. º
(Sistema eleitoral)

1. Será eleito Presidente da República o candidato que obtiver mais de metade dos votos validamente expressos.
2. Se nenhum dos candidatos obtiver esse número de votos, proceder-se-á a segundo sufrágio até ao vigésimo primeiro dia subsequente à primeira votação.
3. A este sufrágio concorrerão apenas os dois candidatos mais votados que não tenham retirado a candidatura.

ARTIGO 130.º
(Posse e juramento)

1. O Presidente eleito toma posse perante a Assembleia da República ou, no caso de esta se encontrar dissolvida, perante o Supremo Tribunal de Justiça.

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2. A posse efectua-se no último dia do mandato do Presidente cessante ou, no caso de eleição por vagatura, no oitavo dia subsequente ao da publicação dos resultados eleitorais.
3. No acto de posse o Presidente da República eleito prestará a seguinte declaração de compromisso:
Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

ARTIGO 131. º
(Mandato)

1. O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos e termina com a posse do novo Presidente eleito.
2. Em caso de vagatura, o Presidente da República a eleger inicia um novo mandato.

ARTIGO 132.º
(Ausência do território nacional)

1. O Presidente da República não pode ausentar-se do território nacional sem autorização do Conselho da Revolução e o assentimento da Assembleia da República, se esta estiver em funcionamento.
2. O assentimento da Assembleia da República é dispensado nos casos de passagem, em trânsito, ou de viagens sem carácter oficial de duração não superior a dez dias.
3. A inobservância do disposto no n.º 1 envolve, de pleno direito, a perda do cargo.

ARTIGO 133.º
(Responsabilidade criminal)

1. Por crimes praticados no exercício das suas funções, o Presidente da República responde perante o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Ao Conselho da Revolução cabe a iniciativa do processo, que, todavia, só seguirá os seus termos obtida deliberação favorável da Assembleia da República, aprovada por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.
3. A condenação implica a destituição do cargo.
4. Por crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República responde depois de findo o mandato.

ARTIGO 134. º
(Renúncia ao mandato)

1. O Presidente da República pode renunciar ao mandato em mensagem dirigida ao Conselho da Revolução e à Assembleia da República.
2. A renúncia torna-se efectiva com a publicação da mensagem no Diário da República

ARTIGO 135.º
(Substituição interina)

1. Durante a ausência ou o impedimento temporário do Presidente da República, bem como durante a vagatura do cargo até tomar posse - o novo Presidente eleito, assumirá as funções o Presidente da Assembleia da República ou, no caso de esta se encontrar dissolvida, o membro do Conselho da Revolução que este designar.
2. Enquanto exercer interinamente as funções de Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República não poderá exercer o seu mandato de Deputado.

CAPÍTULO II
Competência

ARTIGO 136.º
(Competência quanto ao funcionamento de outros órgãos)

Compete ao Presidente da República, relativamente a outros órgãos:

a) Presidir ao Conselho da Revolução;
b) Marcar o dia das eleições dos Deputados, de harmonia com a lei eleitoral;
c) Convocar extraordinariamente a Assembleia da República;
d) Dirigir mensagens à Assembleia da República;
e) Dissolver a Assembleia da República, precedendo parecer favorável do Conselho da Revolução ou, obrigatoriamente, nos casos previstos no n.º 3 do artigo 198.º;
f) Nomear e exonerar o Primeiro-Ministro, nos termos do artigo 190.º;
g) Nomear e exonerar os membros do Governo, sob proposta do Primeiro-Ministro;
h) Presidir ao Conselho de Ministros, quando o Primeiro-Ministro lho solicitar;
i) Dissolver ou suspender os órgãos das regiões autónomas, ouvido o Conselho da Revolução;
j) Nomear um dos membros da Comissão Constitucional e o presidente da comissão consultiva para os assuntos das regiões autónomas;
k) Nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o presidente do Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da República e os representantes do Estado nas regiões autónomas.

ARTIGO 137. º
(Competência para a prática de actos próprios)

1. Compete ao Presidente da República, na prática de actos próprios:

a) Exerceu o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas;
b) Promulgar e mandar publicar as leis da Assembleia da República e os decretos leis e decretos regulamentares do Conselho da Revolução e do Governo, bem como assinar os restantes decretos;
c) Declarar o estado de sítio ou o estado de emergência, mediante autorização do Conselho da Revolução, em todo ou em parte do território nacional, nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem democrática ou de calamidade pública;

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d) Pronunciar-se sobre todas as emergências graves para a vida da República, ouvido o Conselho da Revolução;
e) Indultar e comutar penas.

2. A falta de promulgação ou de assinatura determina a inexistência jurídica do acto.
3. O estado de sítio ou o estado de emergência não podem prolongar-se para além de trinta dias sem rectificação pela Assembleia da República.

ARTIGO 138.º
(Competência nas relações internacionais)

Compete ao Presidente da República, nas relações internacionais:

a) Nomear os embaixadores e os enviados extraordinários, sob proposta do Governo, e acreditar os representantes diplomáticos estrangeiros;
b) Rectificar os tratados internacionais, depois de devidamente aprovados;
c) Declarar a guerra em caso de agressão efectiva ou iminente e fazer a paz, mediante autorização do Conselho da Revolução.

ARTIGO 139. º
(Promulgação e veto)

1. No prazo de quinze dias, contados da data da recepção de qualquer decreto da Assembleia da República para promulgação como lei ou do termo do prazo previsto no artigo 277.º, se o Conselho da Revolução não se pronunciar pela inconstitucionalidade, pode o Presidente da República, ouvido o Conselho da Revolução e em mensagem fundamentada, exercer o direito de veto, solicitando nova apreciação do diploma.
2. Se a Assembleia da República confirmar o voto pela maioria absoluta do número de Deputados em efectividade de funções, a promulgação não poderá ser recusada.
3. Será, porém, exigida maioria qualificada de dois terços dos Deputados presentes para a confirmação dos decretos que respeitem às seguintes matérias:
a) Limites entre os sectores da propriedade pública, cooperativa e privada;
b) Relações externas;
c) Organização da defesa nacional e definição dos deveres dela decorrentes;
d) Regulamentação dos actos eleitorais previstos na Constituição.

4. O Presidente da República exerce ainda o direito de veto nos termos dos artigos 277.º e 278.º

ARTIGO 140. º
(Actos do Presidente interino)

O Presidente da República interino não pode praticar qualquer dos actos previstos nas alíneas b), c), f) e i) do artigo 13.6.º, a) do n,º 1 do artigo 137.º e a) do artigo 138.º sem deliberação favorável do Conselho da Revolução.

ARTIGO 141.º
(Referenda ministerial)

1. Carecem de referenda do Governo os actos do Presidente da República praticados ao abrigo das alíneas g), i) e l) do artigo 136.º, b), c) e e) do n.º 1 do artigo 137.º e a), b) e c) do artigo 138.º
2. A promulgação dos actos do Conselho da Revolução previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 137.º só carece de referenda quando envolvam aumento de despesa ou diminuição de receita.
3. A falta de referenda determina a inexistência jurídica do acto.

TÍTULO III
Conselho da Revolução

CAPÍTULO I
Função e estrutura

ARTIGO 142.º
(Definição)

O Conselho da Revolução tem funções de Conselho do Presidente da República e de garante do regular funcionamento das instituições democráticas, de garante do cumprimento da Constituição e da fidelidade ao espírito da Revolução Portuguesa de 25 de Abril de 1974 e de órgão político e legislativo em matéria militar.

ARTIGO 143.º
(Composição)

1. Compõem o Conselho da Revolução:

a) O Presidente da República;
b) O Chefe do Estado Maior-General das Forças Armadas e o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, quando exista;
c) Os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas;
d) O Primeiro-Ministro, quando seja militar;
e) Catorze oficiais, sendo oito do Exército, três da Força Aérea e três da Armada, designados pelos respectivos ramos das Forças Armadas.

2. Em caso de morte, renúncia ou impedimento permanente, verificado pelo próprio Conselho, de algum dos membros referidas na alínea e) do número anterior, será a vaga preenchida por designação do respectivo ramo das Forças Armadas.

ARTIGO 144.º
(Organização e funcionamento)

1. Compete ao Conselho da Revolução regular a sua organização e o seu funcionamento e elaborar o regimento interno.
2. O Conselho da Revolução funciona em regime de permanência.
3. A competência do Conselho da Revolução não pode ser objecto de delegação total nem irrevogável em qualquer dos seus membros.

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CAPÍTULO II
Competência

ARTIGO 145.º
(Competência como Conselho do Presidente da República e como garante do regular funcionamento das Instituições democráticas)

Na qualidade de Conselho do Presidente da República e de garante do regular funcionamento das instituições democráticas, compete ao Conselho da Revolução:

a) Aconselhar o Presidente da República no exercício das suas funções;
b) Autorizar o Presidente da República a declarar a guerra e a fazer a paz;
c) Autorizar o Presidente da República a declarar o estado de sítio ou o estado de emergência em todo ou em parte do território nacional;
d) Autorizar o Presidente da República a ausentar-se do território nacional;
e) Declarar a impossibilidade física permanente do Presidente da República e verificar os impedimentos temporários do exercício das suas funções.

ARTIGO 146.º
(Competência como garante do cumprimento da Constituição)

Na qualidade de garante do cumprimento da Constituição, compete ao Conselho da Revolução:

a) Pronunciar-se, por iniciativa própria ou a solicitação do Presidente da República, sobre a constitucionalidade de quaisquer diplomas, antes de serem promulgados ou assinados;
b) Velar pela emissão das medidas necessárias ao cumprimento das normas constitucionais, podendo para o efeito formular recomendações;
c) Apreciar a constitucionalidade de quaisquer diplomas publicados e declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos do artigo 281.º

ARTIGO 147.º
(Competência como garante da fidelidade ao espírito da Revolução Portuguesa)

Na qualidade de garante da fidelidade ao espírito da Revolução Portuguesa de 25 de Abril de 1974, compete ao Conselho da Revolução:

a) Pronunciar-se junto do Presidente da República sobre a nomeação e a exoneração do Primeiro-Ministro;
b) Pronunciar-se junto do Presidente da República sobre o exercício do direito de veto suspensivo nos termos do disposto no artigo 139.º

ARTIGO 148.º
(Competência em matéria militar)

1. Na qualidade de órgão político e legislativo em matéria militar, compete ao Conselho da Revolução:

a) Fazer leis e regulamentos sobre a organização, o funcionamento e a disciplina das Forças Armadas;
b) Aprovar os tratados ou acordos internacionais que respeitem a assuntos militares.

2. A competência a que se refere a alínea a) do número anterior é exclusiva do Conselho da Revolução.

ARTIGO 149.º
(Forma e valor dos actos)

1. Revestem a forma de decreto-lei ou de decreto regulamentar, respectivamente, os actos legislativos ou regulamentares do Conselho da Revolução previstos nos artigos 144.º, 148.º e 285.º
2. Revestem a forma de resolução e são publicados, independentemente de promulgação pelo Presidente da República, os demais actos do Conselho da Revolução.
3. Os decretos-lei do Conselho da Revolução têm valor idêntico ao das leis da Assembleia da República ou decretos-lei do Governo e os decretos regulamentares têm valor idêntico aos decretos regulamentares do Governo.

O Sr. Secretário (António Arnaut):

TÍTULO IV
Assembleia da República

CAPÍTULO I
Estatuto e eleição

ARTIGO 150.º
(Definição)

A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses.

ARTIGO 151.º
(Composição)

A Assembleia da República tem o mínimo de duzentos e quarenta e a máximo de duzentos e cinquenta Deputados, nos termos da lei eleitoral.

ARTIGO 152.º
(Círculos eleitorais)

1. Os Deputados são eleitos pelos círculos eleitorais fixados na lei.
2. O número de Deputados por cada círculo do território nacional é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.
3. Os Deputados representam todo o país e não os círculos por que são eleitos.

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ARTIGO 153.º
(Condições de elegibilidade)

São elegíveis os cidadãos portugueses eleitores, salvas as restrições que a lei eleitoral estabelecer por virtude de incompatibilidades locais ou de exercício de certos cargos.

ARTIGO 154.º
(Candidaturas)

1. As candidaturas são apresentadas, nos termos da lei, pelos partidos políticos, isoladamente ou em coligação, podendo as listas integrar cidadãos não inscritos nos respectivos partidos.
2. Ninguém pode ser candidato por mais de um círculo eleitoral ou figurar em mais de uma lista.

ARTIGO 155.º
(Sistema eleitoral)

1. Os Deputados são eleitos segundo o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt.
2. A lei não pode estabelecer limites à conversão dos votos em mandatos por exigência de uma percentagem de votos nacional mínima.

ARTIGO 156.º
(Vagas e substituição dos Deputados)

O preenchimento das vagas que ocorrerem na Assembleia, bem como a substituição temporária de Deputados por motivo relevante, são regulados pela lei eleitoral.

ARTIGO 157.º
(Incompatibilidades)

1. Os Deputados que sejam funcionários do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas não podem exercer as respectivas funções durante o período de funcionamento efectivo da Assembleia.
2. Os Deputados que forem nomeados membros do Governo não podem exercer o mandato até à cessação destas funções, sendo substituídos nos termos do artigo anterior.

ARTIGO 158.º
(Exercício da função de Deputado)

1. Os Deputados não podem ser prejudicados na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego permanente por virtude do desempenho do mandato.
2. A lei regula as condições em que a falta dos Deputados, por causa de reuniões ou missões da Assembleia, a actos ou diligências oficiais a ela estranhos constitui motivo justificado de adiamento destes.

ARTIGO 159.º
(Poderes dos Deputados)

Constituem poderes dos Deputados, além dos que forem consignados no Regimento:

a) Apresentar projectos de lei ou de resolução e propostas de deliberação;
b) Fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública;
c) Requerer ao Governo ou aos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato.

ARTIGO 160.º
(Imunidades)

1. Os Deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções.
2. Nenhum Deputado pode ser detido ou preso sem autorização da Assembleia, salvo por crime punível com pena maior e em flagrante delito.
3. Movido procedimento criminal contra algum Deputado e indiciado este por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo.

ARTIGO 161.º
(Direitos e regalias)

1. Os Deputados não podem ser jurados, peritos ou testemunhas sem autorização da Assembleia, durante o período de funcionamento efectivo desta.
2. Os Deputados gozam dos seguintes direitos e regalias:

a) Adiamento do serviço militar, do serviço cívico ou da mobilização civil;
b) Livre trânsito e direito a passaporte especial nas suas deslocações oficiais ao estrangeiro;
c) Cartão especial de identificação;
d) Subsídios que a lei prescrever.

ARTIGO 162.º
(Deveres)

Constituem deveres dos Deputados:

a) Comparecer às reuniões do plenário e às das comissões a que pertençam;
b) Desempenhar os cargos na Assembleia e as funções para que sejam designados, sob proposta dos respectivos grupos parlamentares;
c) Participar nas votações.

ARTIGO 163.º
(Perda e renúncia do mandato)

1. Perdem o mandato os Deputados que:

a) Venham a ser feridos por alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na lei;
b) Não tomem assento na Assembleia ou excedam o número de faltas estabelecido no Regimento;
c) Se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio;
d) Sejam judicialmente condenados por participação em organizações de ideologia fascista.

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4404 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 132

2. Os Deputados podem renunciar ao mandato, mediante declaração escrita.

CAPÍTULO II
Competência

ARTIGO 164.º
(Competência política e legislativa)

Compete à Assembleia da República:

a) Aprovar alterações à Constituição, nos termos dos artigos 286.º a 291.º;
b) Aprovar os estatutos político-administrativos das regiões autónomas;
c) Aprovar o estatuto do território de Macau;
d) Fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Conselho da Revolução ou ao Governo;
e) Conferir ao Governo autorizações legislativas;
f) Conceder amnistias;
g) Aprovar as leis do Plano e do orçamento;
h) Autorizar o Governo a realizar empréstimos e outras operações de crédito, que não sejam de dívida flutuante, estabelecendo as respectivas condições gerais;
i) Definir os limites das águas territoriais e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos;
j) Aprovar os tratados que versem matéria da sua competência legislativa exclusiva, os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa e de rectificação de fronteiras e ainda quaisquer outros que o Governo entenda submeter-lhe;
k) Desempenhar as demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei.

ARTIGO 165.º
(Competência de fiscalização)

Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização:

a) Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração;
b) Rectificar a declaração do estado de sítio ou de emergência que exceda trinta dias, sob pena de caducidade no termo deste prazo;
c) Rectificar os decretos-leis do Governo, salvo os que sejam feitos no exercício da sua competência legislativa exclusiva;
d) Tomar as contas do Estado e das demais entidades públicas que a lei determinar, as quais serão apresentadas até 31 de Dezembro do ano subsequente, com o relatório do Tribunal de Contas, se estiver elaborado, e os demais elementos necessários à sua apreciação;
e) Apreciar os relatórios de execução, anuais e final, do Plano, sendo aqueles apresentados conjuntamente com as contas públicas.

ARTIGO 166.º
(Competência em relação a outros órgãos)

Compete à Assembleia da República, em relação a outros órgãos:

a) Apreciar o programa do Governo;
b) Votar moções de confiança e de censura ao Governo;
c) Pronunciar-se sobre a dissolução ou a suspensão dos órgãos das regiões autónomas;
d) Designar o Provedor de Justiça, um dos membros da Comissão Constitucional e dois dos membros da comissão consultiva para os assuntos das regiões autónomas.

ARTIGO 167.º
(Reserva de competência legislativa)

É da exclusiva competência da Assembleia dia República legislar sobre as seguintes matérias:

a) Aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa;
b) Estado e capacidade dias pessoas;
c) Direitos, liberdades e garantias;
d) Regimes do estado de sítio e do estado de emergência;
e) Definição dos crimes, penas e medidas de segurança e processo criminal, salvo o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 148.º;
f) Eleições dos titulares dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local;
g) Associações e partidos políticos;
h) Organização das autarquias locais;
i) Participação das organizações populares de base no exercício do poder local;
j) Organização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos respectivos magistrados, salvo quanto aos tribunais militares, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 218.º;
l) Organização da defesa nacional e definição dos deveres desta decorrentes;
m) Regime e âmbito da função pública e responsabilidade civil da Administração;
n) Bases do sistema de ensino;
o) Criação de impostos e sistema fiscal;
p) Definição dos sectores de propriedade dos meios de produção, incluindo a dos sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza;
q) Meios e formas de intervenção e de nacionalização, e socialização dos meios de produção, bem como critérios de fixação de indemnizações;
r) Bases da reforma agrária, incluindo os critérios de fixação dos limites máximos das unidades de exploração agrícola privada;
s) Sistema monetário e padrão de pesos e medidas;
t) Sistema de planeamento, composição do Conselho Nacional do Plano, determinação das regiões-plano e definição do esquema dos órgãos de planificação regional;

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u) Remuneração do Presidente da República, dos Deputados, dos membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores.

ARTIGO 168.º
(Autorizações legislativas)

1. A Assembleia da República pode autorizar o Governo a fazer decretos-leis sobre matérias da sua exclusiva competência, devendo definir o objecto e a extensão da autorização, bem como a sua duração, que poderá ser prorrogada.
2. As autorizações legislativas não podem ser utilizadas mais de uma vez, sem prejuízo da sua execução parcelada.
3. As autorizações caducam com a exoneração do Governo a que foram concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República.

ARTIGO 169.º
(Forma dos actos)

1. Revestem a forma de lei constitucional os actos previstos na alínea a) do artigo 164.º
2. Revestem a forma de lei os actos previstos nas alíneas b) a j) do artigo 164.º e na alínea b) do artigo 165.º
3. Revestem a forma de moção os actos previstos nas alíneas a) e b) do artigo 166.º
4. Revestem a forma de resolução os demais actos da Assembleia da República.
5. As resoluções, salvo as de aprovação de tratados internacionais, são publicadas independentemente de promulgação.

ARTIGO 170.º
(Iniciativa legislativa)

1. A iniciativa da lei compete aos Deputados e ao Governo, bem como, no respeitante às regiões autónomas, às respectivas assembleias regionais.
2. Os Deputados não podem apresentar projectos de lei ou propostas de alteração que envolvam aumento das despesas ou diminuição das receitas do Estado previstas na Lei do orçamento.
3. Os projectos e as propostas de lei definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República.
4. Os projectos e as propostas de lei não votados na sessão legislativa em que foram apresentados não carecem de ser renovados nas sessões legislativas seguintes, salvo termo de legislatura, dissolução da Assembleia e, quanto às proposta de lei, exoneração do Governo.

ARTIGO 171.º
(Discussão e votação)

1. A discussão dos projectos e propostas de lei compreende um debate na generalidade e outro na especialidade.
2. Se a Assembleia assim o deliberar, os textos aprovados na generalidade serão votados na especialidade pelas comissões, sem prejuízo do poder de evocação pela Assembleia e do voto final desta para aprovação global.
3. São obrigatoriamente votadas na especialidade as leis sobre as matérias abrangidas nas alíneas a), d), g), h) e i) do artigo 167.º

ARTIGO 172.º
(Rectificação de decretos-leis)

1. No caso de decretos-leis publicados pelo Governo durante o funcionamento da Assembleia da República, considerar-se-á concedida a rectificação se, nas primeiras quinze reuniões posteriores à publicação do diploma, cinco Deputados, pelo menos, não requererem a sua sujeição a rectificação.
2. No caso de decretos-leis publicados pelo Governo fora do funcionamento da Assembleia da República ou no uso de autorizações legislativas, considerar-se-á concedida a rectificação se, nas primeiras cinco reuniões posteriores à publicação do diploma, vinte Deputados, pelo menos, não requererem a sua sujeição a rectificação.
3. A rectificação pode ser concedida com emendas e, neste caso, o decreto-lei ficará alterado nos termos da lei que a Assembleia votar.
4. Se a ratificação for recusada, o decreto-lei deixará de vigorar desde o dia em que a resolução for publicada no Diário da República.

ARTIGO 173. º
(Processo de urgência)

A Assembleia da República pode, por iniciativa de qualquer Deputado ou do Governo, declarar a urgência do processamento de qualquer projecto ou proposta de lei ou de resolução, bem como da apreciação de decreto-lei cujo exame lhe seja recomendado pela Comissão Permanente.

CAPÍTULO III
Organização e funcionamento

ARTIGO 174.º
(Legislatura)

1. A legislatura tem a duração de quatro anos.
2. No caso de dissolução, a Assembleia então eleita não iniciará nova legislatura.
3. Verificando-se a eleição, por virtude de dissolução, durante o tempo da última sessão legislativa, cabe à Assembleia eleita completar a legislatura em curso e perfazer a seguinte.

ARTIGO 175.º
(Dissolução)

1. O decreto de dissolução da Assembleia da República terá de marcar a data de novas eleições, que se realizarão no prazo de noventa dias, de harmonia com a lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução.
2. A Assembleia da República não pode ser dissolvida durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência.
3. A inobservância do disposto neste artigo determina a inexistência jurídica do decreto de dissolução.

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4406 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 132

ARTIGO 176.º
(Reunião após as eleições)

1. A Assembleia de República reúne, por direito próprio, no décimo dia posterior ao apuramento dos resultados definitivos das eleições.
2. Recaindo aquela data fora da sessão legislativa, a Assembleia reunir-se-á para efeito do disposto no artigo 178.º

ARTIGO 177.º
(Sessão legislativa e convocação da Assembleia)

1. A sessão legislativa decorre de 15 de Outubro a 15 de Junho, sem prejuízo das suspensões que a Assembleia estabelecer.
2. Fora do período indicado no número anterior, a Assembleia reunir-se-á por iniciativa da Comissão Permanente ou, na impossibilidade desta e em caso de grave emergência, por iniciativa própria.
3. A Assembleia pode ainda ser convocada extraordinariamente pelo Presidente da República para se ocupar de assuntos específicos.

ARTIGO 178.º
(Competência interna da Assembleia)

Compete à Assembleia da República elaborar e aprovar o seu regimento, nos termos da Constituição, eleger o seu Presidente e os demais membros da Mesa e constituir e eleger a Comissão Permanente e as restantes comissões.

ARTIGO 179.º
(Ordem do dia das reuniões plenárias)

1. A ordem do dia é fixada pelo Presidente da Assembleia da República, segundo a prioridade de matérias definida no regimento.
2. O Governo pode solicitar prioridade para assuntos de interesse nacional de resolução urgente.
3. Todos os grupos parlamentares têm direito à determinação da ordem do dia de um certo número de reuniões, segundo critério a estabelecer no regimento, ressalvando-se sempre a posição dos partidos minoritários ou não representados no Governo.

ARTIGO 180.º
(Participação dos membros do Governo nas reuniões plenárias)

1. Os membros do Governo têm direito de comparecer às reuniões plenárias da Assembleia, podendo usar da palavra, nos termos do regimento.
2. Podem ser marcadas, de acordo com o Governo, reuniões em que os seus membros estarão presentes para responder a perguntas e pedidos de esclarecimento dos Deputados, formulados oralmente ou por escrito.

ARTIGO 181.º
(Comissões)

1. A Assembleia da República tem as comissões previstas no regimento e pode constituir omissões eventuais de inquérito ou para qualquer outro fim determinado.
2. As comissões podem solicitar a participação de membros do Governo nos seus trabalhos.
3. As petições dirigidas à Assembleia são apreciadas pelas comissões, que podem solicitar o depoimento de quaisquer cidadãos.

ARTIGO 182.º
(Comissão Permanente)

1. Nos intervalos ou suspensões das sessões legislativas funcionará a Comissão Permanente da Assembleia da República.
2. Compete à Comissão Permanente:

a) Acompanhar a actividade do Governo e da Administração;
b) Exercer os poderes da Assembleia relativamente ao mandato dos Deputados;
c) Promover a convocação da Assembleia sempre que tal seja necessário;
d) Preparar a abertura da sessão legislativa;
e) Recomendar o exame de decretos-leis publicados pelo Governo fora do funcionamento efectivo da Assembleia.

ARTIGO 183.º
(Grupos parlamentares)

1. Os Deputados eleitos por cada partido ou coligação de partidos podem constituir-se em grupo parlamentar.
2. Constituem direitos de cada grupo parlamentar:

a) Participar nas comissões da Assembleia em função do número dos seus membros, indicando os seus representantes nelas;
b) Ser ouvido na fixação da ordem do dia;
c) Provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral;
d) Solicitar à Comissão Permanente que promova a convocação da Assembleia;
e)Requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito.

3. Cada grupo parlamentar tem direito a dispor de locais de trabalho na sede da Assembleia, bem como de pessoal técnico e administrativo da sua confiança, nos termos que a lei determinar.

ARTIGO 184.º
(Funcionários e especialistas ao serviço da Assembleia)

Os trabalhos da Assembleia e os das suas comissões serão coadjuvados por um corpo permanente de funcionários técnicos e administrativos e por especialistas requisitados ou temporariamente contratados, no número que o Presidente considerar necessário.

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TÍTULO V
Governo

CAPÍTULO I
Função e estrutura

ARTIGO 185 º
(Definição)

1. O Governo é o órgão de condução da política geral do país e o órgão superior da administração pública.
2. O Governo define e executa a sua política com respeito pela Constituição, por forma a corresponder aos objectivos da democracia e da construção do socialismo.

ARTIGO 186.º
(Composição)

1. O Governo é constituído pelo Primeiro-Ministro, pêlos Ministros e pelos Secretários e Subsecretários de Estado.
2. O Governo pode incluir um ou mais Vice-Primeiros-Ministros.
3. O número, a designação e as atribuições dos Ministérios e Secretarias de Estado, bem como as formas de coordenação entre eles, serão determinados, consoante os casos, pêlos decretos de nomeação dos respectivos titulares ou por decreto-lei.

ARTIGO 187.º
(Conselho de Ministros)

1. O Conselho de Ministros é constituído pelo Primeiro-Ministro, pelos Vice-Primeiros-Ministros, se os houver, e pelos Ministros.
2. A lei pode criar Conselhos de Ministros especializados em razão da matéria.
3. Podem ser convocados para participar nas reuniões do Conselho de Ministros os Secretários e Subsecretários de Estado.

ARTIGO 188.º
(Substituição de membros do Governo)

1. Não havendo Vice-Primeiro-Ministro, o Primeiro--Ministro será substituído na sua ausência ou impedimento pelo Ministro que indicar ao Presidente da República ou, na falta de tal indicação, pelo Ministro que for designado pelo Presidente da República, ouvido o Conselho da Revolução.
2. Cada Ministro será substituído na sua ausência ou impedimento pelo Secretário de Estado que indicar ao Primeiro-Ministro ou, na falta de tal indicação, pelo membro do Governo que o Primeiro-Ministro designar.

ARTIGO 189.º
(Cessação de funções)

1. As funções do Primeiro-Ministro cessam com a sua exoneração pelo Presidente da República.
2. As funções de todos os membros do Governo cessam com a exoneração do Primeiro-Ministro.
3. As funções dos Secretários e Subsecretários de Estado cessam com a exoneração do respectivo Ministro.
4. Em caso de demissão, os membros do Governo cessante permanecerão em funções até à posse do novo Governo.

CAPÍTULO II
Formação e responsabilidade

ARTIGO 190.º
(Formação)

1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos o Conselho da Revolução e os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.
2. Os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro.

ARTIGO 191.º
(Programa do Governo)

Do programa do Governo constarão as principais medidas políticas e legislativas a adoptar ou a propor ao Presidente da República ou à Assembleia da República para execução da Constituição.

ARTIGO 192.º
(Solidariedade governamental)

Os membros do Governo estão vinculados ao programa do Governo e às deliberações tomadas em Conselho de Ministros.

ARTIGO 193.º
(Responsabilidade política do Governo)

O Governo é politicamente responsável perante o Presidente da República e a Assembleia da República.

ARTIGO 194º
(Responsabilidade política dos membros do Governo)

1. O Primeiro-Ministro é responsável politicamente perante o Presidente da República e, no âmbito da responsabilidade governamental, perante a Assembleia da República.
2. Os Vice-Primeiros-Ministros e os Ministros são responsáveis politicamente perante o Primeiro-Ministro e, no âmbito da responsabilidade governamental, perante a Assembleia da República.
3. Os Secretários e Subsecretários de Estado são responsáveis politicamente perante o Primeiro-Ministro e o respectivo Ministro.

ARTIGO 195.º
(Apreciação do programa do Governo pela Assembleia da República)

1. O programa do Governo será apresentado à apreciação da Assembleia da República no prazo máximo de dez dias a seguir à nomeação do Primeiro-Ministro.

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4408 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 132

2. Se a Assembleia da República não se encontrar em funcionamento efectivo, será obrigatoriamente convocada para o efeito pelo seu presidente.
3. O debate não poderá exceder cinco dias, e até ao seu encerramento qualquer grupo parlamentar poderá propor a rejeição do programa do Governo.
4. A rejeição do programa do Governo exige maioria absoluta dos Deputados em efectividade de fundões.

ARTIGO 196.º
(Solicitação de voto de confiança)

O Governo pode solicitar à Assembleia da República a aprovação de um voto de confiança sobre uma declaração de política geral ou sobre qualquer assunto
relevante de interesse nacional.

ARTIGO 197.º
(Moções de censura)

1. A Assembleia da República pode votar moções de censura ao Governo sobre a execução do seu programa ou assunto relevante de interesse nacional, por
iniciativa de um quarto dos Deputados em efectividade de funções ou de qualquer grupo parlamentar.
2. As moções de censura só podem ser apreciadas quarenta e oito horas após a sua apresentação, em debate de duração não superior a três dias.
3. Se a moção de censura não for aprovada, os seus signatários não podem apresentar outra durante a mesma sessão legislativa.

ARTIGO 198.º
(Efeitos)

1. Implicam a demissão do Governo:

a) A rejeição do programa do Governo;
b) A não aprovação de uma moção de confiança;
c) A aprovação de duas moções de censura com, pelo menos, trinta dias de intervalo, por maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.

2. O Presidente dia República não pode dissolver a Assembleia por efeito de rejeição do programa do Governo, salvo no caso de três rejeições consecutivas.
3. O Presidente da República dissolverá obrigatoriamente a Assembleia da República quando esta haja recusado a confiança ou votado a censura ao Governo, determinando por qualquer destes motivos a terceira substituição do Governo.

ARTIGO 199.º
(Responsabilidade civil e criminal dos membros do Governo)

1. Os membros do Governo são civil e criminalmente responsáveis pêlos actos que praticarem ou legalizarem.
2. Movido procedimento judicial contra um membro do Governo pela prática de qualquer crime e indiciado por despacho de pronúncia ou equivalente, o processo só seguirá os seus termos, no caso de ao facto corresponder pena maior, se o membro do Governo for suspenso do exercício das suas funções.

CAPÍTULO III
Competência

ARTIGO 200.º
(Competência política)

Compete ao Governo, no exercício de funções políticas:

a) Referendar os actos do Presidente da República, nos termos do artigo 141.º;
b) Negociar e ajustar convenções internacionais;
c) Aprovar os acordos internacionais, bem como os tratados cuja aprovação não seja da competência do Conselho da Revolução ou da Assembleia da República ou que a esta não tenham sido submetidos;
d) Praticar os demais actos que lhe sejam cometidos pela Constituição ou pela lei.

ARTIGO 201.º
(Competência legislativa)

1. Compete ao Governo, no exercício de funções legislativas:

a) Fazer decretos-leis em matérias não reservadas ao Conselho da Revolução ou à Assembleia da República;
b) Fazer decretos-leis em matérias reservadas à Assembleia da República, mediante autorização desta;
c) Fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam.

2. É da exclusiva competência legislativa do Governo a matéria respeitante à sua própria organização e funcionamento.
3. Os decretos-leis não submetidos a Conselho de Ministros devem ser assinados pelo Primeiro-Ministro e pelos Ministros competentes.

ARTIGO 202.º
(Competência administrativa)

Compete ao Governo, no exercício de funções administrativas:

a) Elaborar o Plano, com base na respectiva lei, e fazê-lo executar;
b) Elaborar o Orçamento Geral do Estado, com base na respectiva lei, e fazê-lo executar;
c) Fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis;
d) Dirigir os serviços e a actividade da administração directa e indirecta do Estado e superintender na administração autónoma;
e) Praticar todos os actos exigidos pela lei respeitantes aos funcionários e agentes do Estado e de outras pessoas colectivas públicas;
f) Defender a legalidade democrática;
g) Praticar todos os actos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades colectivas.

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ARTIGO 203.º
(Competência do Conselho de Ministros)

1. Compete ao Conselho de Ministros:

a) Definir as linhas gerais da política governamental, bem como as da sua execução;
b) Deliberar sobre o pedido de confiança à Assembleia da República;
c) Aprovar as propostas de lei e de resolução;
d) Aprovar os decretos-leis que se traduzam em execução directa do programa do Governo;
e) Aprovar o Plano e o Orçamento;
f) Aprovar os actos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das receitas ou despesas públicas;
g) Deliberar sobre outros assuntos da competência, do Governo que lhe sejam atribuídos por lei ou apresentados pelo Primeiro-Ministro ou por qualquer Ministro.

2. Os Conselhos de Ministros especializados exercem a competência que lhes for atribuída por lei ou delegada pelo Conselho de Ministros.

ARTIGO 204.º
(Competência dos membros do Governo)

1. Compete ao Primeiro-Ministro:

a) Dirigir a política geral do Governo, coordenando e orientando a acção de todos os Ministros;
b) Dirigir o funcionamento do Governo e estabelecer as relações de carácter geral entre ele e os outros órgãos do Estado;
c) Exercer as demais funções que lhe sejam atribuídas pela Constituição e pela lei.

2. Compete aos Ministros:

a) Executar a política definida para os seus Ministérios;
b) Estabelecer as relações de carácter geral entre o Governo e os demais órgãos do Estado no âmbito dos respectivos Ministérios.

TÍTULO VI
Tribunais

CAPÍTULO I
Princípios gerais

ARTIGO 205.º
(Definição)

Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

ARTIGO 206.º
(Função jurisdicional)

Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática c dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

ARTIGO 207.º
(Apreciação da inconstitucionalidade)

Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas inconstitucionais, competindo-lhes, para o efeito, e sem prejuízo do disposto no artigo 282.º, apreciar a existência da inconstitucionalidade.

ARTIGO 208 º
(Independência)

Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei.

O Sr. Secretário (Coelho de Sousa):

ARTIGO 209.º
(Coadjuvação de outras autoridades)

No exercício das suas funções os tribunais têm direito à coadjuvação das outras autoridades.

ARTIGO 210.º
(Execução das decisões)

1. As decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades.
2. A lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela
sua inexecução.

ARTIGO 211.º
(Audiências dos tribunais)

As audiências dos tribunais são públicas, salvo quando o próprio tribunal decidir o contrário, em despacho fundamentado, para salvaguarda da dignidade das pessoas e da moral pública ou para garantir o seu normal funcionamento.

CAPÍTULO II
Organização dos tribunais

ARTIGO 212.º
(Categorias de tribunais)

1. Haverá tribunais judiciais de primeira instância, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça.
2. Haverá tribunais militares e um Tribunal de Contas.
3. Poderá haver tribunais administrativos e fiscais.

ARTIGO 213º
(Especialização)

1. Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.
2. Os tribunais da Relação e o Supremo Tribunal de Justiça podem funcionar em secções especializadas.
3. É proibida a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes.

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4410 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 132

ARTIGO 214.º
(Instancias)

1. Os tribunais de primeira instância, são, em regra, os tribunais de comarca, aos quais se equiparam os referidos no n.º 1 do artigo anterior.
2. Os tribunais de segunda instância são, em regra, os tribunais da Relação.
3. O Supremo Tribunal de Justiça funcionará como tribunal de instância nos casos que a lei determinar.

ARTIGO 215.º
(Supremo Tribunal de Justiça)

O Supremo Tribunal de Justiça é o órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais.

ARTIGO 216.º
(Júri)

1. O júri é composto pelos juizes do tribunal colectivo e por jurados.
2. O júri intervém no julgamento dos crimes graves e funciona quando a acusação ou a defesa o requeiram.

ARTIGO 217.º
(Participação popular e assessoria técnica)

1. A lei poderá criar juizes populares e estabelecer outras formas de participação popular na administração da justiça.
2. A lei poderá estabelecer a participação de assessores tecnicamente qualificados para o julgamento de determinadas matérias.

ARTIGO 218.º
(Competência dos tribunais militares)

1. Os tribunais militares têm competência para o julgamento, em matéria criminal, dos crimes essencialmente militares.
2. A lei, por motivo relevante, poderá incluir na jurisdição dos tribunais militares crimes dolosos paráveis aos previstos no n.º 1.

ARTIGO 219.º
(Competência do Tribunal de Contas)

Compete ao Tribunal de Contas dar parecer sobre a Conta Geral do Estado, fiscalizar a legalidade das despesas públicas e julgar as contas que a lei mandar submeter-lhe.

CAPÍTULO III
Magistratura dos tribunais judiciais

ARTIGO 220.º
(Unidade da magistratura)

Os juizes dos tribunais judiciais formam um corpo único e regem-se por um só estatuto.

ARTIGO 221.º
(Garantias)

1. Os juizes são inamovíveis, não podendo ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.
2. Os juizes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei.

ARTIGO 222.º
(Incompatibilidades)

1. Os juizes em exercício não podem desempenhar qualquer outra função pública ou privada remunerada.
2. Os juizes em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço estranhas à actividade judicial sem autorização do Conselho Superior da Magistratura.

ARTIGO 223.º
(Conselho Superior da Magistratura)

1. A lei determina as regras de composição do Conselho Superior da Magistratura, o qual deverá incluir membros de entre si eleitos pêlos juizes.
2. A nomeação, colocação, transferência e promoção dos juizes e o exercício da acção disciplinar competem ao Conselho Superior da Magistratura.

CAPITULO IV
Ministério Público

ARTIGO 224.º
(Funções e estatuto)

1. Ao Ministério Público compete representar o Estado, exercer a acção penal, defender a legalidade democrática e os interesses que a lei determinar.
2. O Ministério Público goza de estatuto próprio.

ARTIGO 225.º
(Agentes do Ministério Público)

1. Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.
2. A nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República

ARTIGO 226.º
(Procuradoria-Geral da República)

1. A Procuradoria-Geral da República é o órgão superior do Ministério Público e é presidida pelo Procurador-Geral da República.
2. A lei determina as regras de organização e composição da Procuradoria-Geral da República.

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TÍTULO VII
Regiões autónomas

ARTIGO 227.º
(Regime político-administrativo dos Açores e da Madeira)

1. O regime político-administrativo próprio dos arquipélagos dos Açores e da Madeira fundamenta-se nos condicionalismos geográficos, económicos e sociais e nas históricas aspirações autonomistas das populações insulares.
2. A autonomia das regiões visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.
3. A autonomia político-administrativa regional não afecta a integridade da soberania do Estado e exerce-se no quadro da Constituição.

ARTIGO 228.º
(Estatutos)

1. Os projectos de estatutos político-administrativos das regiões autónomas serão elaborados pelas assembleias regionais e enviados para discussão e aprovação à Assembleia da República.
2. Se a Assembleia da República rejeitar o projecto ou lhe introduzir alterações, remetê-lo-á à respectiva assembleia regional para apreciação e emissão de parecer.
3. Elaborado o parecer, a Assembleia da República tomará a decisão final.

ARTIGO 229.º
(Poderes das regiões autónomas)

1. As regiões autónomas são pessoas colectivas de direito público e têm as seguintes atribuições, a definir nos respectivos estatutos:

a) Legislar, com respeito da Constituição e das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania:
b) Regulamentar a legislação regional e as leis gerais emanadas dos órgãos de soberania que não reservem para estes o respectivo poder regulamentar;
c) Exercer iniciativa legislativa, mediante a apresentação de propostas de lei à Assembleia da República;
d) Exercer poder executivo próprio;
e) Administrar e dispor do seu património e celebrar os actos e contratos em que tenham interesse;
f) Dispor das receitas fiscais nelas cobradas e de outras que lhes sejam atribuídas e afectá-las às suas despesas;
g) Exercer poder de orientação e de tutela sobre as autarquias locais;
h) Superintender nos serviços, institutos públicos e empresas nacionalizadas que exerçam a sua actividade exclusivamente na região e noutros casos em que o interesse regional o justifique;
f) Elaborar o plano económico regional e participar na elaboração do Plano;
g) Participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controlo regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social;
h) Participar nas negociações de tratados e acordos internacionais que indirectamente lhes digam respeito, bem como nos benefícios deles decorrentes.

2. As assembleias regionais podem solicitar ao Conselho da Revolução a declaração da inconstitucionalidade de normas jurídicas emanadas dos órgãos de
soberania, por violação dos direitos das regiões consagrados na Constituição.

ARTIGO 230.º
(Limites dos poderes)

É vedado às regiões autónomas:

a) Restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores;
b) Estabelecer restrições ao trânsito de pessoas e bens entre elas e o restante território nacional;
c) Reservar o exercício de qualquer profissão ou acesso a qualquer cargo público aos naturais ou residentes na região.

ARTIGO 231.º
(Cooperação dos órgãos de soberania e dos órgãos regionais)

1. Os órgãos de soberania asseguram, em cooperação com os órgãos de governo regional, o desenvolvimento económico e social das regiões autónomas, visando, em especial, a correcção das desigualdades derivadas da insularidade.
2. Os órgãos de soberania ouvirão sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes as regiões autónomas, os órgãos de governo
regional.

ARTIGO 232.º
(Representação da soberania da República)

1. A soberania da República é especialmente representada, em cada uma das regiões autónomas, por um Ministro da República, nomeado pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro, ouvido o Conselho da Revolução.
2. Compete ao Ministro da República a coordenação da actividade dos serviços centrais do Estado no tocante aos interesses da região, dispondo para

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isso de competência ministerial e tendo assento em Conselho de Ministros nas reuniões que tratem de assuntos de interesse para a respectiva região.
3. O Ministro da República superintende nas funções administrativas exercidas pelo Estado na região e coordena-as com as exercidas pela própria região.
4. Nas suas ausências e impedimentos, o Ministro da República é substituído na região pelo presidente da assembleia regional.

ARTIGO 233.º
(Órgãos de governo próprio das regiões)

1. São órgãos de governo próprio de cada região a assembleia regional e o governo regional.
2. A assembleia regional é eleita por sufrágio universal, directo e secreto, de harmonia com o principio da representação proporcional.
3. É da exclusiva competência da assembleia regional o exercício das atribuições referidas na alínea a), na segunda parte da alínea b) e na alínea c) do artigo 229.º, bem como a aprovação do ornamento e do plano económico regional.
4. O governo regional é politicamente responsável perante a assembleia regional e o seu presidente é nomeado pelo Ministro da República, tendo em conta
os resultados eleitorais.
5. O Ministro da República nomeia e exonera os restantes membros do governo regional, sob proposta do respectivo presidente.

ARTIGO 234.º
(Dissolução e suspensão dos órgãos regionais)

1. Os órgãos das regiões autónomas podem ser dissolvidos ou suspensos pelo Presidente da República, por prática de actos contrários à Constituição, ouvidos o Conselho da Revolução e a Assembleia da República.
2. A dissolução dos órgãos regionais obriga a realização de novas eleições no prazo máximo de noventa dias, pela lei eleitoral vigente ao tempo da dissolução, sob pena de nulidade do respectivo decreto.
3. A suspensão dos órgãos regionais deve ser feita por prazo fixo, que não exceda quinze dias, não se podendo verificar mais de duas suspensões durante
cada legislatura da assembleia regional.
4. Em caso de dissolução ou suspensão dos órgãos regionais, o governo da região será assegurado pelo Ministro da República.

ARTIGO 235.º
(Decretos regionais)

1. Os decretos regionais, bem como os regulamentos das leis gerais da República, são enviados ao Ministro da República para serem assinados e publicados.
2. No prazo de quinze dias, contados da recepção de qualquer dos diplomas previstos no número anterior, o Ministro da República pode, em mensagem fundamentada, exercer o direito de veto, solicitando nova apreciação do diploma.
3. Se a assembleia regional confirmar o voto por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções, a assinatura não poderá ser recusada.
4. Se, porém, entender que o diploma é inconstitucional, o Ministro da República poderá suscitar a questão da inconstitucionalidade perante o Conselho da Revolução, nos termos e para os efeitos dos artigos 277.º e 278.º, com as devidas adaptações.

ARTIGO 236.º
(Comissão consultiva para as regiões autónomas)

1. Junto do Presidente da República funcionará uma comissão consultiva para os assuntos das regiões autónomas, com a seguinte competência:

a) Emitir parecer, a solicitação do Ministro da República, acerca da legalidade dos diplomas emanados dos órgãos regionais;
b) Emitir parecer, a solicitação dos presidentes das assembleias regionais, acerca da conformidade das leis, dos regulamentos e de outros actos dos órgãos de soberania com os direitos das regiões, consagrados nos estatutos;
c) Emitir parecer sobre as demais questões cuja apreciação lhe seja solicitada pelo Presidente da República ou lhe seja atribuída pelos estatutos ou pelas leis gerais da República.

2. Compõem a comissão:

a) Um cidadão de reconhecido mérito, que presidirá, designado pelo Presidente da República;
b) Quatro cidadãos de reconhecido mérito e comprovada competência em. matéria jurídica, sendo designados dois pela Assembleia da República e um par cada assembleia regional.

3. O julgamento das questões previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 compete ao tribunal de última instância designado por lei da República.

(Neste momento assumiu a presidência o Sr. Presidente Henrique de Barros.)

TÍTULO VIII
Poder local

CAPÍTULO I
Princípios gerais

ARTIGO 237.º
(Autarquias locais)

1. A organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais.
2. As autarquias locais são pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas.

ARTIGO 238.º
(Categorias de autarquias locais e divisão administrativa)

1. No continente as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas.

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2. As regiões autónomas dos Açores e da Madeira compreendem freguesias e municípios.
3. Nas grandes áreas metropolitanas a lei poderá estabelecer, de acordo com as suas condições específicas, outras formas de organização territorial autárquica.
4. A divisão administrativa do território será estabelecida por lei.

ARTIGO 239.º
(Atribuições e organização das autarquias locais)

As atribuições e a organização das autarquias locais, bem como a competência dos seus órgãos, serão reguladas por lei, de harmonia com o princípio da descentralização administrativa.

ARTIGO 240.º
(Património e finanças locais)

1. As autarquias locais têm património e finanças próprios.
2. O regime das finanças locais será estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau.
3. As receitas próprias das autarquias locais incluem obrigatoriamente as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços.

ARTIGO 241.º
(Órgãos deliberativos e executivos)

1. A organização das autarquias locais compreende uma assembleia eleita dotada de poderes deliberativos e um órgão colegial executivo perante ela responsável.
2. A assembleia será eleita por sufrágio universal, directo e secreto dos cidadãos residentes, segundo o sistema da representação proporcional.

ARTIGO 242.º
(Poder regulamentar)

A assembleia das autarquias locais terá competência regulamentar própria nos limites da Constituição, das leis e dos regulamentos emanados das autarquias de grau superior ou das autoridades com poder tutelar.

ARTIGO 243.º
(Tutela administrativa)

1. A tutela sobre as autarquias locais será exercida segundo as formas e nos casos previstos na lei, competindo no continente ao Governo e nos Açores e na
Madeira aos respectivos órgãos regionais.
2. As medidas tutelares especialmente restritivas da autonomia local serão precedidas de parecer de um órgão autárquico a definir por lei.
3. A dissolução da assembleia será acompanhada da marcação de novas eleições, a realizar no prazo de sessenta dias, não podendo haver nova dissolução
antes de decorrido um ano.

ARTIGO 244.º
(Quadro geral de funcionários)

1. A fim de coadjuvar as autarquias locais e garantir a eficiência da sua acção, será organizado, na dependência do ministério competente, um quadro geral de funcionários, incluindo técnicos das especialidades de interesse para a administração local.
2. A nomeação dos funcionários administrativos integrados no quadro geral para os lugares das autarquias locais dependerá da audiência destas

CAPÍTULO II
Freguesia

ARTIGO 245.º
(Órgãos da freguesia)

Os órgãos representativos da freguesia são a assembleia de freguesia e a junta de freguesia.

ARTIGO 246.º
(Assembleia de freguesia)

1. A assembleia de freguesia é eleita pelos cidadãos eleitores residentes na área da freguesia.
2. Podem apresentar candidaturas para as eleições dos órgãos das freguesias, além dos partidos políticos, outros grupos de cidadãos eleitores, nos termos
estabelecidos por lei.
3. A lei pode determinar que nas freguesias de população diminuta a assembleia de freguesia seja substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores.

ARTIGO 247.º
(Junta de freguesia)

1. A junta de freguesia é o órgão executivo da freguesia, sendo eleita por escrutínio secreto pela assembleia de entre os seus membros.
2. O presidente da junta é o cidadão que encabeça a lista mais votada na eleição da assembleia ou, não existindo esta, o cidadão que para esse cargo for eleito pelo plenário.

ARTIGO 248.º
(Delegação de tarefas)

A assembleia de freguesia pode delegar nas organizações populares de base territorial tarefas administrativas que não envolvam o exercício de poderes de autoridade.

CAPÍTULO III
Município

ARTIGO 249.º
(Concelhos e municípios)

Os concelhos existentes são os municípios previstos na Constituição, podendo a lei criar outros ou extinguir os que forem manifestamente inviáveis.

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ARTIGO 250.º
(Órgãos do município)

Os órgãos representativos do município são a assembleia municipal, a câmara municipal e o conselho municipal.

ARTIGO 251.º
(Assembleia municipal)

A assembleia municipal é constituída pelos presidentes das juntas de freguesia e por membros, em número não inferior ao daqueles, eleitos pelo colégio eleitoral do município.

ARTIGO 252.º
(Câmara municipal)

A câmara municipal é o órgão executivo colegial do município, eleito pêlos cidadãos eleitores residentes na sua área, tendo por presidente o primeiro candidato da lista mais votada.

ARTIGO 253.º
(Conselho municipal)

O conselho municipal é o órgão consultivo do (município, sendo a sua composição definida por lei, de modo a garantir adequada representação às organizações económicas, sociais, culturais e profissionais existentes na respectiva área.

ARTIGO 254.º
(Associação e federação)

1. Os municípios podem constituir associações e federações para a administração de interesses comuns.
2. A lei poderá estabelecer a obrigatoriedade da federação.

ARTIGO 255.º
(Participação nas receitas dos Impostos directos)

Os municípios participam, por direito próprio é nos termos definidos pela lei, nas receitas provenientes dos impostos directos.

CAPÍTULO IV
Região administrativa

ARTIGO 256.º
(Instituição das regiões)

1. As regiões serão instituídas simultaneamente, podendo o estatuto regional estabelecer diferenciações quanto ao regime aplicável a cada uma.
2. A área das regiões deverá corresponder às regiões-plano.
3. A instituição concreta de cada região dependerá do voto favorável da maioria das assembleias municipais que representem a maior parte da população da área regional.

ARTIGO 257.º
(Atribuições)

Além de participação na elaboração e execução do plano regional, serão conferidas às regiões, designadamente, tarefas de coordenação e apoio à acção dos municípios, bem como de direcção de serviços públicos.

ARTIGO 258.º
(Órgãos da região)

Os órgãos representativos da região são a assembleia regional, a junta regional e o conselho regional.

ARTIGO 259.º
(Assembleia regional)

A assembleia regional compreenderá, além dos representantes eleitos directamente pêlos cidadãos, membros eleitos pelas assembleias municipais, em número inferior ao daqueles.

ARTIGO 260.º
(Junta regional)

A junta regional é o órgão colegial executivo da região e será eleita, por escrutínio secreto, pela assembleia regional de entre os seus membros.

ARTIGO 261.º
(Conselho regional)

O conselho regional é o órgão consultivo da região e a sua composição será definida pela lei, de modo a garantir a adequada representação às organizações
culturais, sociais, económicas e profissionais existentes na respectiva área.

ARTIGO 262.º
(Representante do Governo)

Junto da região haverá um representante do Governo, nomeado em Conselho de Ministros, cuja competência se exerce igualmente junto das autarquias
existentes na área respectiva.

ARTIGO 263.º
(Distritos)

1. Enquanto as regiões não estiverem instituídas, subsistirá a divisão distrital.
2. Haverá em cada distrito, em termos a definir por lei, uma assembleia deliberativa, composta por representantes dos municípios e presidida pelo governador civil.
3. Compete ao governador civil, assistido por um conselho, representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito.

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CAPÍTULO V
Organizações populares de base territorial

ARTIGO 264.º
(Constituição e área)

1. A fim de intensificar a participação das populações na vida administrativa local podem ser constituídas organizações populares de base territorial
correspondentes a áreas inferiores à da freguesia.
2. A assembleia de freguesia, por sua iniciativa, ou a requerimento de comissões de moradores ou de um número significativo de moradores, demarcará as áreas territoriais das organizações referidas no número anterior, solucionando os eventuais conflitos daí resultantes.

ARTIGO 265.º
(Estrutura)

1. A estrutura das organizações populares de base territorial será a fixada na lei e compreende a assembleia de moradores e a comissão de moradores.
2. A assembleia dos moradores é composta pelos residentes inscritos no recenseamento da freguesia e pelos não inscritos maiores de 16 anos que comprovem, documentalmente, a sua qualidade de residentes.
3. A assembleia reúne quando convocada publicamente, com a devida antecedência, pelo menos, por vinte dos seus membros ou pela comissão de moradores.
4. A comissão de moradores é eleita, por escrutínio secreto, pela assembleia dos moradores e por ela livremente destituída.

ARTIGO 266.º
(Funções)

1. As organizações populares de base territorial têm direito:

a) De petição perante as autarquias locais relativamente a assuntos administrativos de interesse dos moradores;
b) De participação, sem voto, através de representantes seus, na assembleia de freguesia.

2. Às organizações populares de base territorial compete realizar as tarefas que a lei lhes confiar ou os órgãos de freguesia nelas delegarem.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida):

TÍTULO IX
Administração Pública

ARTIGO 267.º
(Princípios fundamentais)

1. A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pêlos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
2. Os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar com justiça e imparcialidade no exercício das suas funções.

ARTIGO 268.º
(Estrutura da Administração)

1. A Administração Pública será estruturada de modo a aproximar os serviços das populações, a assegurar a participação dos interessados na sua gestão efectiva, designadamente por intermédio das organizações populares de base ou de outras formas de representação democrática, e a evitar a burocratização.
2. Para efeito do disposto no número anterior, a lei estabelecerá adequadas formas de descentralização e desconcentração administrativa, sem prejuízo da necessária eficácia e unidade de acção e dos poderes de direcção e superintendência do Governo.
3. O processamento da actividade administrativa será objecto de lei especial, que assegurará a racionalização dos meios a utilizar pelos serviços e a participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito.

ARTIGO 269.º
(Direitos e garantias dos administrados)

1. Os cidadãos têm o direito de ser informados pela Administração, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos processos em que sejam directamente interessados, bem como o de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2. É garantido aos interessados recurso contencioso, com fundamento em ilegalidade, contra quaisquer actos administrativos definitivos e executórios.

ARTIGO 270.º
(Regime da função pública)

1. Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas estão exclusivamente ao serviço do interesse público, tal como é definido, nos termos da lei, pelos órgãos competentes da Administração.
2. Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas não podem ser prejudicados ou beneficiados em virtude do exercício de quaisquer direitos políticos previstos na Constituição, nomeadamente por opção partidária.
3. Em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa.
4. Não é permitida a acumulação de empregos ou cargos públicos, salvo nos casos expressamente admitidos por lei.
5. A lei determina as incompatibilidades entre exercício de empregos ou cargos públicos e o de outras actividades.

ARTIGO 271.º
(Responsabilidades dos funcionários e agentes)

1. Os funcionários e agentes do Estado e das demais entidades públicas são responsáveis civil, criminal e disciplinarmente pelas suas acções e omissões de que resulte violação dos direitos ou dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos, não dependendo a acção ou procedimento, em qualquer fase, de autorização hierárquica.

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2. É excluída a responsabilidade do funcionário ou agente que actue no cumprimento de ordens ou instruções emanadas de legítimo superior hierárquico e em matéria de serviço, se previamente delas tiver reclamado ou tiver exigido a sua transmissão ou confirmação por escrito.
3. Cessa o dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções implique a prática de qualquer crime.
4. A lei regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes.

ARTIGO 272.º
(Polícia)

1. A Polícia tem por função defender a legalidade democrática e os direitos dos cidadãos.
2. As medidas de polícia são as previstas na lei não devendo ser utilizadas para além do estritamente necessário.
3. A prevenção dos crimes, incluindo a dos crimes contra a segurança do Estado, só pode fazer-se com observância das regras gerais sobre polícia e com respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

TÍTULO X
Forças Armadas

ARTIGO 273.º
(Funções)

1. As Forças Armadas Portuguesas garantem a independência nacional, a unidade do Estado e a integridade do território.
2. As Forças Armadas Portuguesas são parte do povo e, identificadas com o espírito do Programa do Movimento das Forças Armadas, asseguram o prosseguimento da Revolução de 25 de Abril de 1974.
3. As Forças Armadas Portuguesas garantem o regular funcionamento das instituições democráticas e o cumprimento da Constituição.
4. As Forças Armadas Portuguesas têm a missão histórica de garantir as condições que permitam a transição pacífica e pluralista da sociedade portuguesa para a democracia e o socialismo.
5. As Forças Armadas Portuguesas colaboram nas tarefas de reconstrução nacional.

ARTIGO 274.º
(Estrutura)

1. As Forças Armadas Portuguesas constituem uma instituição nacional e a sua organização, bem como a das forças militarizadas, é única para todo o território.
2. As Forças Armadas Portuguesas são compostas exclusivamente por cidadãos portugueses.
3. As Forças Armadas Portuguesas obedecem aos órgãos de soberania competentes, nos termos da Constituição.

ARTIGO 275.º
(Isenção partidária)

1. As Forças Armadas Portuguesas estão ao serviço do povo português, e não de qualquer partido ou organização, sendo rigorosamente apartidárias.
2. Os elementos das Forças Armadas Portuguesas têm de observar os objectivos do povo português consignados na Constituição e não podem aproveitar-se da sua arma, posto ou função para impor, influenciar ou impedir a escolha de uma determinada via política democrática.

ARTIGO 276.º
(Defesa da Pátria e serviço militar)

1. A defesa da Pátria é dever fundamental de todos os portugueses.
2. O serviço militar é obrigatório, nos termos e pelo período que a lei prescrever.
3. Os que forem considerados inaptos para o serviço militar armado e os objectores de consciência prestarão serviço militar não armado ou serviço cívico adequado à sua situação.
4. O serviço cívico pode ser estabelecido em substituição ou complemento do serviço militar e tornado obrigatório por lei para os cidadãos não sujeitos a
deveres militares.
5. Nenhum cidadão poderá conservar nem obter emprego do Estado ou de outra entidade pública se deixar de cumprir os seus deveres militares ou de serviço cívico, quando obrigatório.
6. Nenhum cidadão pode ser .prejudicado na sua colocação, nos seus benefícios sociais ou no seu emprego permanente por virtude do cumprimento do serviço militar ou do serviço cívico obrigatório.

PARTE IV
Garantia e revisão da Constituição

TÍTULO I
Garantia da Constituição

CAPITULO I
Fiscalização da constitucionalidade

ARTIGO 277.º
(Fiscalização preventiva da constitucionalidade)

1. Todos os decretos remetidos ao Presidente da República para serem promulgados como lei ou decreto-lei ou que consistam na aprovação de tratados ou acordos internacionais serão simultaneamente enviados ao Conselho da Revolução, não podendo ser promulgados antes de passarem cinco dias sobre a sua recepção no Conselho.
2 No caso de o Presidente da República reconhecer urgência na promulgação, deverá dar conhecimento ao Conselho da Revolução do propósito de promulgação imediata.
3. Se o Conselho da Revolução tiver dúvidas sobre a constitucionalidade de um decreto e deliberar

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apreciá-lo, comunicará o facto, no prazo referido no n.º 1, ao Presidente da República para que não efectue a promulgação.
4. Deliberada pelo Conselho ou requerida pelo Presidente da República a apreciação da constitucionalidade de um diploma, o Conselho da Revolução terá de se pronunciar no prazo de vinte dias, que poderá ser encurtado pelo Presidente da República, no caso de urgência.

ARTIGO 278 º
(Efeitos da decisão)

1. Se o Conselho da Revolução se pronunciar pela inconstitucionalidade de qualquer diploma, o Presidente da República deverá exercer o direito de veto, não o promulgando ou não o assinando.
2. Tratando-se de decreto da Assembleia da República, não poderá ser promulgado sem que a Assembleia de novo o aprove por maioria de dois terços dos Deputados presentes.
3. Tratando-se de decreto do Governo, não poderá ser promulgado ou assinado.

ARTIGO 279 º
(Inconstitucionalidade por omissão)

Quando a Constituição não estiver a ser cumprida por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais, o Conselho da Revolução poderá recomendar aos órgãos legislativos competentes que as emitam em tempo razoável.

ARTIGO 280.º
(Inconstitucionalidade por acção)

1. São inconstitucionais as normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.
2. As normas inconstitucionais não podem ser aplicadas pêlos tribunais, competindo ao Conselho da Revolução declarar a sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral, nos termos dos artigos seguintes.
3. A inconstitucionalidade orgânica ou formal de convenções internacionais não impede a aplicação das suas normas na ordem interna portuguesa, salvo se a impedir na ordem interna da outra ou das outras partes.

ARTIGO 281.º
(Declaração da inconstitucionalidade)

1. O Conselho da Revolução aprecia c declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de quaisquer normas, precedendo solicitação do Presidente da República, do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, do Provedor de Justiça, do Procurador-Geral da República ou, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 229.º, das assembleias das regiões autónomas.
2. O Conselho da Revolução poderá declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de uma norma se a Comissão Constitucional a tiver julgado inconstitucional em três casos concretos, ou num só, se se tratar de inconstitucionalidade orgânica ou formal, sem ofensa dos casos julgados.

ARTIGO 282.º
(Fiscalização Judicial da constitucionalidade)

1. Sempre que os tribunais se recusem a aplicar uma norma constante de lei, decreto-lei, decreto regulamentar, decreto regional ou diploma equiparável, com fundamento em inconstitucionalidade, e uma vez esgotados os recursos ordinários que caibam, haverá recurso gratuito, obrigatório quanto ao Ministério Público, e restrito à questão da inconstitucionalidade, pêra Julgamento definitivo do caso concreto para Comissão constitucional.
2. Haverá também recurso gratuito para a Comissão Constitucional, obrigatório quanto ao Ministério Público, das decisões que apliquem uma norma anteriormente julgada inconstitucional por aquela Comissão.
3. Tratando-se de norma constante de diploma não previsto no n.º 1, os tribunais julgam definitivamente acerca da inconstitucionalidade.

CAPÍTULO II
Comissão Constitucional

ARTIGO 283.º
(Comissão Constitucional)

1. Junto do Conselho da Revolução funciona a Comissão Constitucional.
2. Compõem a Comissão Constitucional:

a) Um membro do Conselho da Revolução, por ele designado, como presidente e com voto de qualidade;
b) Quatro juizes, um designado pelo Supremo Tribunal de Justiça e os restantes pelo Conselho Superior da Magistratura, um dos quais juiz dos tribunais da Relação e dois dos tribunais de primeira instância;
c) Um cidadão de reconhecido mérito designado pelo Presidente da República;
d) Um cidadão de reconhecido mérito designado pela Assembleia da República;
e) Dois cidadãos de reconhecido mérito designados pelo Conselho da Revolução, sendo um deles jurista de comprovada competência.

3. Os membros da Comissão Constitucional exercem o cargo por quatro anos, são independentes e inamovíveis e, quando no exercício de funções jurisdicionais, gozam de garantias de imparcialidade e da garantia de irresponsabilidade própria dos juizes.

ARTIGO 284 º
(Competência)

Compete à Comissão Constitucional:

a) Dar obrigatoriamente parecer sobre a constitucionalidade dos diplomas que hajam de ser apreciados pelo Conselho da Revolução, nos termos do artigo 277.º e n.º 1 do artigo 281.º;
b) Dar obrigatoriamente parecer sobre a existência de violação das normas constitucionais por omissão, nos termos e para os efeitos do artigo 279.º;

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c) Julgar as questões de inconstitucionalidade que lhe sejam submetidas, nos termos do artigo 282.º.

ARTIGO 285.º
(Organização, funcionamento e processo)

1. A organização, o funcionamento e o processo da Comissão Constitucional são regulados pelo Conselho da Revolução.
2. As normas de processo podem ser alteradas pela Assembleia da República,

TÍTULO II
Revisão constitucional

ARTIGO 286.º
(Primeira revisão)

1. Na II Legislatura, a Assembleia da República tem poderes de revisão constitucional, que se esgotam com a aprovação da lei de revisão.
2 As alterações da Constituição terão de ser aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, e o Presidente da República não poderá recusar a promulgação da lei de revisão.

ARTIGO 287.º
(Revisões subsequentes)

1. A Assembleia da República pode rever a Constituição decorridos cinco anos sobre a data da publicação de qualquer lei de revisão.
2. A Assembleia da República pode, contudo, assumir em qualquer momento, após a revisão prevista no artigo anterior, poderes de revisão constitucional por maioria de quatro quintos dos Deputados em efectividade de funções.
3. As alterações da Constituição previstas neste artigo terão de ser aprovadas por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções.

ARTIGO 288.º
(Processo de revisão)

1. A iniciativa da revisão compete aos Deputados.
2. Apresentado um projecto de revisão constitucional, quaisquer outros terão de ser apresentados no prazo de trinta dias.
3. As alterações da Constituição que forem aprovadas serão reunidas numa única lei de revisão.

ARTIGO 289.º
(Novo texto da Constituição)

1. As alterações da Constituição serão inseridas no lugar próprio, mediante as substituições, as supressões e os aditamentos necessários.
2. A Constituição, no seu novo texto, será publicada conjuntamente com a lei de revisão.

ARTIGO 290.º
(Limites materiais da revisão)

As leis de revisão constitucional terão de respeitar:

a) A independência nacional e a unidade do Estado;
b) A forma republicana de governo;
c) A separação das Igrejas do Estado;
d) Os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos;
e) Os direitos dos trabalhadores, das comissões de trabalhadores e das associações sindicais;
f) O princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos, bem como dos recursos naturais, e a eliminação dos monopólios e dos latifúndios;
g) A planificação democrática da economia;
h) O sufrágio universal, directo, secreto e periódico na designação dos titulares electivos dos órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local, bem como o sistema de representação proporcional;
i) O pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos políticos, e o direito de oposição democrática;
j) A participação das organizações populares de base no exercício do poder local;
l) A separação e a interdependência dos órgãos de soberania;
m) A fiscalização da constitucionalidade por acção ou por omissão de normas jurídicas;
n) A independência dos tribunais;
o) A autonomia das autarquias locais;
p) A autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.

ARTIGO 291.º
(Limites circunstanciais da revisão)

Não pode ser praticado nenhum acto de revisão constitucional na vigência de estado de sítio ou de estado de emergência.

Disposições finais e transitórias

ARTIGO 292.º
(Direito constitucional anterior)

1. As disposições da Constituição de 1933, revogada pela Revolução de 25 de Abril de 1974, que foram ressalvadas pela Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, caducam com a entrada em vigor da Constituição.
2. As leis constitucionais posteriores a 25 de Abril de 1974 não referidas no artigo 294.º, nem ressalvadas neste capítulo, passam a ser consideradas leis ordinárias, sem prejuízo do disposto no artigo 293.º

ARTIGO 293.º
(Direito ordinário anterior)

1. O direito anterior à entrada em vigor da Constituição mantém-se, desde que não seja contrário à Constituição ou aos princípios nela consignados.

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2. São expressamente ressalvados o Código de Justiça Militar e legislação complementar, os quais devem ser harmonizados com a Constituição, sob pena de caducidade, no prazo de um ano, a contar da publicação desta.
3. A adaptação das normas anteriores atinentes ao exercício dos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição estará concluída até ao fim da primeira sessão legislativa.

ARTIGO 294.º
(Entrada em funcionamento do sistema dos órgãos de soberania)

1. O sistema dos órgãos de soberania previsto na Constituição entra em funcionamento com a posse do Presidente da República eleito nos termos da Constituição.
2. Continuarão em vigor até à data referida no número anterior as leis constitucionais vigentes sobre a organização, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania posteriores a 25 de Abril de 1974.

ARTIGO 295.º
(Eleição do Presidente da República)

1. A eleição do primeiro Presidente da República nos termos da Constituição efectuar-se-á, observado o disposto no n.º 2 do artigo 128.º, até ao septuagésimo dia posterior ao da eleição da Assembleia da República.
2. Compete ao Presidente da República em exercício, ouvido o Conselho da Revolução, marcar a data da eleição.
3. Por decreto-lei sancionado pelo Conselho da Revolução o Governo Provisório definirá, observados os preceitos aplicáveis da Constituição, a lei eleitoral para a eleição do Presidente da República, a qual vigorará até que a Assembleia da República legisle sobre a matéria.
4. O Presidente da República toma posse, nos termos do artigo 130.º, no oitavo dia posterior ao apuramento dos resultados eleitorais.

ARTIGO 296.º
(Primeiro mandato do Presidente da República)

1. O primeiro mandato do Presidente da República cessará três meses após o termo da primeira legislatura.
2. Se houver vagatura do cargo, o Presidente da República então eleito completará o mandato.

ARTIGO 297.º
(Poderes constituintes do Conselho da Revolução)

Os poderes constituintes atribuídos ao Conselho da Revolução pelas leis constitucionais posteriores a 25 de Abril de 1974, cessam com a votação do decreto da Assembleia Constituinte que aprova a Constituição.

ARTIGO 298.º
(Eleição da Assembleia da República)

1. A eleição dos Deputados à primeira Assembleia da República realizar-se-á até ao trigésimo dia posterior à data do decreto de aprovação da Constituição, em dia marcado pelo Presidente da República, ouvido o Conselho da Revolução.
2. O número de Deputados à primeira Assembleia da República será o que resultar da aplicação da respectiva lei eleitoral elaborada pelo Governo Provisório.

ARTIGO 299.º
(Primeira legislatura)

1. A primeira legislatura termina em 14 de Outubro de 1980, iniciando-se a primeira sessão legislativa no dia fixado no artigo 176.º.
2. O disposto no n.º 3 do artigo 174.º não se aplica à primeira legislatura.
3. Enquanto não aprovar o seu regimento, a primeira Assembleia da República reger-se-á pelas disposições aplicáveis do regimento da Assembleia Constituinte, sendo a Mesa formada por um Presidente e dois Secretários, aquele designado pelo partido maioritário e estes pelos dois partidos a seguir na ordem dos resultados eleitorais.

ARTIGO 300.º
(Governo Provisório)

O Governo Provisório em funções na data da posse do Presidente da República manter-se-á em exercício, para a resolução dos assuntos correntes, até à posse do primeiro Governo nomeado nos termos da Constituição.

ARTIGO 301.º
(Tribunais)

1. A revisão da legislação vigente sobre a organização dos tribunais e o estatuto dos juízes estará concluída até ao fim da primeira sessão legislativa.
2. Até 31 de Dezembro de 1976 estarão publicadas as leis previstas no n.º 1 do artigo 223.º e no n.º 2 do artigo 226.º.
3. Nas comarcas onde não houver juízos de instrução criminal, e enquanto estes não forem criados, em cumprimento do n. 4 do artigo 32.º, a instrução
criminal incumbirá ao Ministério Público, sob a direcção de um juiz.

ARTIGO 302.º
(Regiões autónomas)

1. As primeiras eleições para as assembleias das regiões autónomas realizar-se-ão até 30 de Junho de 1976, em data a marcar pelo Presidente da República em exercício, nos termos da lei eleitoral aplicável.
2. Até 30 de Abril de 1976, o Governo, mediante proposta das juntas regionais, elaborará por decreto-

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-lei, sancionado pelo Conselho da Revolução, estatutos provisórios para as regiões autónomas, bem como a lei eleitoral para as primeiras assembleias regionais.
3. Os estatutos provisórios das regiões autónomas estarão em vigor até serem promulgados os estatutos definitivos, a elaborar nos termos da Constituição.

ARTIGO 303.º
(Primeiras eleições locais)

1. Ás primeiras eleições dos órgãos das autarquias locais realizar-se-ão até 15 de Dezembro de 1976, no mesmo dia em todo o território nacional em data a marcar pelo Governo.
2. Com vista à realização das eleições, o Governo fará legislação provisória para harmonizar a estrutura, a competência e o funcionamento dos órgãos do município e da freguesia com o disposto na Constituição, bem como para estabelecer o regime, eleitoral respectivo.
3. A legislação referida no número anterior será sancionada pelo Conselho da Revolução, podendo a Assembleia da República sujeitá-la, nos termos gerais, a ratificação, se a publicação for posterior à data de posse do Presidente da República.

ARTIGO 304.º
(Comissão Constitucional)

1. Ate 30 de Junho de 1976, o Conselho da Revolução elaborará a legislação prevista no artigo 285.º
2. Até 31 de Agosto de 1976 serão nomeados os membros da Comissão Constitucional cuja designação compete ao Presidente da República, à Assembleia da República, ao Conselho da Revolução e ao Supremo Tribunal de Justiça.
3. A Comissão Constitucional inicia as suas funções após a tomada de posse dos membros referidos no número anterior, podendo deliberar com a presença de cinco membros.
4. Os membros da Comissão a designar pelo Conselho Superior da Magistratura serão nomeados imediatamente após a sua constituição.

ARTIGO 305.º
(Fiscalização da constitucionalidade)

O sistema de fiscalização da constitucionalidade previsto na Constituição funcionará, na parte aplicável, sem a intervenção da Comissão Constitucional até que esta seja constituída.

ARTIGO 306.º
(Estatuto de Macau)

1. O estatuto do território de Macau, constante da Lei n.º 1/76, de 17 de Fevereiro, continua em vigor.
2. Mediante proposta da Assembleia Legislativa de Macau, e precedendo parecer do Conselho da Revolução, a Assembleia da República pode aprovar alterações ao estatuto ou a sua substituição.
3. No caso de a proposta ser aprovada com modificações, o Presidente da República não promulgará o decreto da Assembleia da República sem a Assembleia Legislativa de Macau se pronunciar favoravelmente.

ARTIGO 307.º
(Independência de Timor)

1. Portugal continua vinculado às responsabilidades que lhe incumbem, de harmonia com o direito internacional, de promover e garantir o direito à independência de Timor Leste.
2. Compete ao Presidente da República, assistido pelo Conselho da Revolução, e ao Governo praticar todos o actos necessários à realização dos objectivos expressos no número anterior.

ARTIGO 308.º
(Incapacidades cívicas)

1. As incapacidades eleitorais previstas no Decreto-Lei n.º 621-B/74, de 15 de Novembro, aplicam-se às eleições para os órgãos de soberania, das regiões autónomas e do poder local que devam iniciar funções durante o período da primeira legislatura.
2. A reabilitação judicial prevista no diploma referido no número anterior terá de obedecer aos princípios da publicidade e do contraditório, com ressalva dos casos julgados.
3. Não podem ser nomeados para os órgãos de soberania ou para o desempenho de quaisquer cargos políticos durante o período da primeira legislatura, os cidadãos que se encontrem abrangidos pelais incapacidades eleitorais passivas referidas no n.º 1 deste artigo.
4. São igualmente inelegíveis para os órgãos das autarquias locais os cidadãos que nos cinco anos anteriores a 25 de Abril de 1974 tenham sido presidentes de quaisquer órgãos das autarquias locais.
5. É aplicável às incapacidades previstas nos n.ºs 3 e 4 deste artigo o disposto no n.º 2, bem como o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 621-B/74, de 15 de Novembro.

ARTIGO 309.º
(Incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE/DGS)

1. Mantém-se em vigor a Lei n.º 8/75, de 25 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 16/75, de 23 de Dezembro, e pela Lei n.º 18/75, de 26 de Dezembro.
2. A lei poderá precisar as tipificações criminais constantes do n.º 2 do artigo 2.º, do artigo 3.º, da alínea b) do artigo 4.º e do artigo 5.º do diploma referido no número anterior.
3. A lei poderá regular especialmente a atenuação extraordinária prevista no artigo 7.º do mesmo diploma.

ARTIGO 310.º
(Saneamento da função pública)

1. A legislação respeitante ao saneamento da função pública mantém-se em vigor até 31 de Dezembro de 1976, nos termos dos números seguintes.
2. Não é permitida a abertura de novos processos de saneamento e reclassificação depois da posse do

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Presidente da República eleito nos termos da Constituição.
3. Os processos de saneamento ou reclassificação pendentes na data prevista no número anterior terão de ser decididos, sob pena de caducidade, até 31 de Dezembro de 1976, sem prejuízo de recurso.
4. Todos os interessados que não tenham oportunamente interposto recurso de medidas de saneamento ou reclassificação poderão fazê-lo até trinta dias depois da publicação da Constituição

ARTIGO 311.º
(Regras especiais sobre partidos)

1. O disposto no n.º 3 do artigo 47.º aplica-se aos partidos já constituídos, cabendo à lei regular a matéria.
2. Não podem constituir-se partidos que, pela sua designação ou pêlos seus objectivos programáticos, tenham índole ou âmbito regional.

ARTIGO 312.º
(Promulgação, publicação, data e entrada em vigor da Constituição)

1. O decreto de aprovação da Constituição será assinado pelo Presidente da Assembleia Constituinte, promulgado pelo Presidente da República e publicado até 10 de Abril de 1976.
2. A Constituição da República Portuguesa terá a data da sua aprovação pela Assembleia Constituinte.
3. A Constituição da República Portuguesa entra em vigor no dia 25 de Abril de 1976.

(Aplausos vibrantes e prolongados de pé )

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Queria chamar a vossa atenção, antes de levantarmos a sessão, para a indispensabilidade de começarmos os trabalhos às 15 horas.
Teremos que ter a sala livre às 19 horas, o máximo 19 horas e 30 minutos, a fim de ela ser arranjada para a sessão da noite, e temos uma ordem de trabalhos bastante carregada.
Era indispensável, em primeiro lugar, começar a sessão às 15 horas, e a Mesa, às 15 horas, reabrirá a sessão. Em segundo lugar, todos os oradores que vão usar da palavra para declarações de princípios ou declarações de voto não poderão, efectivamente, exceder os 15 minutos, e até apelaria para um esforço no sentido de os não atingirem. De qualquer maneira, a Mesa terá de ser rigorosa e não consentirá que se vá além dos 15 minutos, sem o que corremos o risco de ultrapassar o tempo máximo que nos pode ser atribuído.

Pausa.

Creio que os Srs. Secretários merecem uma palavra de apreço e de elogio pelo grande esforço que fizeram esta manhã.

Aplausos prolongados.

Alguém pediu a palavra?

Pausa.

Bem, como sabem, nós temos agora um regulamento que é muito rigoroso e não dá oportunidade para intervenções que não sejam inscritas nesse regulamento.
O Sr. Deputado pediu a palavra, não sei qual seja a finalidade, mas faz favor de se explicar.

O Sr. Pinto da Silva (PS):- Sr. Presidente, era só para lembrar à Mesa o seguinte: creio que será distribuído a cada um de nós um exemplar da Constituição, que acabámos de elaborar e de ouvir.
Assim sendo, propunha que fosse reservado e, se possível, enviado um exemplar para todos os nossos colegas que, como Deputados, tiveram assento nesta Assembleia e que, por motivos vários, tiveram necessidade de renunciar ao mandato e não lhes é possível estar connosco neste momento.

Aplausos.

O Sr. Presidente:- Da minha parte, acho uma ideia excelente. Entretanto, informo que a edição não pode ser distribuída, como pensávamos, esta manhã, porque atrasou na Imprensa Nacional. Creio que começaram a chegar agora os exemplares, é uma edição provisória, é uma edição improvisada, até. Far-se-á o mais brevemente possível, suponho eu, uma edição definitiva, e acho muito justo que seja enviada aos nossos antigas colegas.
A sessão está levantada e, insisto, às 15 horas, em ponto, Srs. Deputados, reabriremos a sessão.

Eram 12 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: A sessão está reaberta.

Eram 15 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente:- O Sr. Secretário vai fazer o favor de recordar a ordem de trabalhos, que está neste momento fazendo funções de norma regimental, tal como foi aprovado por esta Assembleia.

O Sr. Secretário (António Arnaut):- 15 horas - Declarações políticas dos partidos - duração máxima de cada uma, quinze minutos, pela seguinte ordem: UDP, MDP/CDE, CDS, PCP, PPD e PS.
- Votação global do articulado da Constituição, por levantados.
- Declarações de voto - duração máxima de cada uma, quinze minutos, pela seguinte ordem: um Deputado não inscrito em partido ou associação política; o Deputado da ADIM; o Deputado da UDP; um Deputado do MDP/CDE; um Deputado do CDS; um Deputado do PCP; um Deputado do PPD; um Deputado do PS.
- Às 22 horas, como sabem, sessão de encerramento.
Esclarece-se que não há lugar para declarações de voto individual; entretanto, essas declarações podem ser entregues na Mesa, que serão publicadas em suplemento ao nosso Diário.

O Sr. Presidente:- O primeiro ponto da nossa ordem do dia seriam declarações feitas pêlos partidos, a que chamámos, à falta de melhor, declarações políticas, pela ordem indicada pelo Sr. Secretário.

O Sr. Deputado representante da UDP não está?

Pausa.

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O Sr. Deputado representante do MDP/CDE.

Pausa.

Esclareço que teremos que ser - isto não é - alusão especial ao Sr. Deputado que vem agora à tribuna, é uma observação geral-, mas teremos que ser, rigorosos no cumprimento do tempo fixado, quinze minutos, a fim de podermos terminar em devido tempo.
A observação, é claro, não é relativa ao Sr. Deputado em especial.

O Sr. Levy Baptista (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição que esta Assembleia vai hoje aprovar representa, no entender do MDP/CDE, um grande e decisivo passo na consolidação e defesa de um regime democrático, fiel à situação histórica concreta do nosso país, às aspirações mãos profundas do povo português e que, por isso mesmo, se orienta, com toda a legitimidade, em direcção à construção do socialismo, da sociedade liberta da exploração do homem pelo homem, onde a liberdade ganhará toda a dimensão e riqueza e onde a fraternidade, a solidariedade, a alegria de viver, a confiança no futuro serão certeza ao alcance de todos os portugueses.
Consolidar o regime democrático &ó pode significar, no quadro dos problemas actuais do País, fortalecer as bases essenciais da renovação e da transformação das condições de vida dos portugueses, promover o desenvolvimento, o progresso social e a independência da Pátria. Consolidar o regime democrático só pode ser activar o recurso audacioso e confiante ao ímpeto criador e à participação activa das massas populares que querem, justamente, não apenas assistir ao que se passa, mas intervir, trabalhar, decidir sobre o presente e o futuro de Portugal. Consolidar o regime democrático só podo significar uma activa vigilância sobre os perigos do regresso não fascismo, num firme combate a todos quantos manobram para o ressuscitar, ressuscitando o poder dos monopólios, dos grandes agrários e a dependência humilhante do imperialismo.
Seria, contudo, a nosso ver, uma perigosa ilusão supor que, só por si, a promulgação da Constituição progressista, que, no essencial, exprime com fidelidade os grandes objectivos democráticos, patrióticos e revolucionários pêlos quais milhares e milhares de portugueses se bateram contra o fascismo e se ergueram contra a reacção nestes dois anos de revolução, bastará para defender a uberdade, a democracia e paira manter aberta a perspectiva do socialismo.
A raiva dos que perderam privilégios, o ódio dos que deixaram de poder explorar e oprimir impunemente, a intolerância dos que não admitem ver um povo ganhar consciência e afirmar a sua vontade e a sua força não se deterão perante & Constituição Democrática, calcá-la-ão a pés juntos, se para tanto lhes derem oportunidade, se para tanto se lhes oferecerem cumplicidades e apoios.
Transformando o País, impedindo a recuperação de posições e influência pela força da exploração se defendera a Constituição. Defendendo a Constituição defenderemos simultaneamente as conquistas históricas e heróicas obtidas pela luta do povo e pela acção do Movimento das Forças Armadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No conjunto da sua vasta actividade e da sua permanente dedicação aos interesses da revolução portuguesa, o MDP/CDE considera com justo relevo o contributo sério, responsável e progressista que pensa ter dado à elaboração da Constituição Democrática de Portugal, que julga ter correspondido à sua firme orientação de ligar a sua presença na Assembleia Constituinte às aspirações e aos problemas mais vivos das massas populares.
Como resultado da sua decisão, o MDP/CDE não estará representado na próxima Assembleia da República como grupo parlamentar. Se o tivesse querido, não teria o MDP/CDE dificuldades em continuar na próxima Assembleia da República com algumas vozes que exprimissem a sua perspectiva sobre os problemas nacionais, que traduzissem nessa Assembleia o empenho antifascista, a tradição e a experiência de unidade que são timbre do MDP/CDE. Mas justamente porque entendeu, em toda a extensão, a importância e as consequências dias próximas eleições, e quanto da liberdade e do futuro da democracia nelas se joga; mas justamente porque o MDP/CDE não é um grupo fechado sobre a vida, sobre a realidade, sobre os interesses maiores e mais vastos do processo democrático, é que o MDP/CDE assumiu a decisão de não concorrer as próximas eleições.
Fê-lo, e deseja solenemente afirmá-lo aqui, na perspectiva de que importa não dispersar votos, não dispersar contributos, de que importa concentrar na esquerda uma forte e significativa votação, que corte o caminho à conquista do poder pela direita e pela reacção e assegure o feliz prosseguimento da revolução do 25 de Abril.

Aplausos.

Confirmamos a nossa profunda confiança em que os votos dos militantes, simpatizantes e amigos do MDP/CDE e de milhares e milhares de portugueses que, não tendo opção partidária, definida, desejam manter Portugal como um pais democrático, voltado para o socialismo, exprimindo nas próximas eleições a sua viva consciência da necessidade de uma forte unidade antifascista, darão mais força às forças que melhor garantirem uma política de unidade de esquerda, para constituir um Governo de esquerda e realizar uma política de esquerda, a única susceptível de defender as liberdades e garantir uma vida melhor para os Portugueses, enfrentar os problemas nacionais e salvaguardar a independência nacional.

Aplausos.

Em nossa opinião, esta é a tarefa central que hoje se coloca a todas as forças verdadeiramente democráticas e a todos os patriotas, homens, mulheres e jovens deste país: vencer a dura batalha que se aproxima, derrotando a reacção e os seus partidos, derrotando os que são hoje já responsáveis por graves golpes em muitas esperanças do 25 de Abril, derrotando os que combatem a Reforma Agrária, promovem o regresso dos monopolistas, atacam as organizações de trabalhadores, pretendem manter o sistema de opressão sobre os pequenos e médios comerciantes, industriais e agricultores, submetem a informação apenas ao pluralismo das suas conveniências, saneiam democratas e

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revolucionários, agravam as condições de vida do povo trabalhador, ressuscitam atitudes neo-colonialistas, querem amarrar o País ao imperialismo e liquidar os interesses mais profundos do povo português.

Aplausos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante os perigos que ameaçam a revolução portuguesa toma-se imperioso dar passos rápidos para uma clara unidade democrática e de esquerda, que, sem ambiguidades nem hesitações, possa ser a alternativa que é preciso opor aos planos da reacção. O povo trabalhador e as massas populares desejam vê-la realizada porque conservam vivos os ideais da resistência ao fascismo, a consciência de que sem uma sólida união de forças o fascismo ganhará, a dia, maior arrogância e mais audácia.
Nenhuma reserva que venha do passado, nenhuma divergência sobre o futuro deverá impedir que, a bem dos interesses populares, se unam todos os homens e todas as forças civis e militares, que estão do lado da Revolução, e que ao seu lado querem continuar a lutar.
Nenhum sectarismo, nenhuma ideia de supremacia, nenhuma ambição estreita, nenhuma discriminação contra as forças de esquerda está de acordo com as necessidades actuais e futuras de defender a revolução de 25 de Abril. E por isso, também aqui o MDP/CDE declara, como seu testemunho enraizado na vida concreta do povo português, que considera, sempre considerou e continua a considerar, que o concurso dos militares do 25 de Abril é indispensável à obra de renovação democrática do País e que a intervenção do MFA, de todos os militares, animados por sentimentos democráticos e patrióticos, na vida nacional, foi e continua a ser, com a acção do movimento popular, uma das mais sólidas garantias de que o fascismo não voltará e de que o povo português poderá percorrer com segurança o difícil mas exaltante caminho para a sociedade fraterna, justa e próspera que é o horizonte por que se bate e sempre se baterá.
Por tais objectivos, também o MDP/CDE continuará a bater-se, hoje e amanhã, sem hesitações.
Viva o Portugal democrático!
Viva o povo português!

Vozes: - Viva!

Aplausos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado da UDP.

O Sr. Deputado está informado de que dispõe de quinze minutos, não é verdade?

O Sr. Afonso Dias (UDP):- A Constituição da República Portuguesa vai ser promulgada num momento de grande crise económica e política e de grandes tensões sociais.
A bancarrota está à vista! Acentua-se a dependência de Portugal face ao imperialismo, enquanto que as condições de vida do povo continuam a deteriorar-se a olhos vistos. O VI Governo, reaccionário, incapaz de suster a crise, tudo faz para que sejam os trabalhadores a pagá-la.
Continua a desenvolver-se a grande ofensiva fascista, iniciada com o golpe de direita do 25 de Novembro.
Os fascistas atacam à bomba, estimulam a criminalidade, fomentam, o terror! Tentam usar as dificuldades dos desempregados, dos pequenos camponeses e dos retornados pobres para os virar contra as conquistas do restante povo.
Atacam a reforma agrária, as nacionalizações, o controle operário e o direito à habitação. Renegam a descolonização! Atentam contra as liberdades conquistadas.
Nas forças armadas, os postos chaves têm sido sistematicamente ocupados por elementos conservadores e fascistas, depois de saneados ou presos os militares do 25 de Abril Saneiam-se os soldados, sargentos e oficiais progressistas, ao mesmo tempo que já se iniciou a criação de um exército mercenário.
A pretexto de combatei a criminalidade, arma-se a GNR e a PSP até aos dentes, apetrechando-as com material bélico suficiente para uma guerra clássica.
Será que a PSP vai utilizar os bastões eléctricos e os escudos de vidro contra os traficantes de droga?
Será que a GNR vai atacar os violadores com auto metralhadoras lança-granadas?
Todo este arsenal se destina, sim, a reprimir a luta dos trabalhadores!
Os atentados contra a independência e a unidade nacional sucedem-se, sem que os seus responsáveis sejam reprimidos.
Os fascistas e os pides são soltos. Permite-se o regresso de conspiradores, como Sanches Osório e Spínola.
Os fascistas e a reacção atacam em todas as frentes. Quanto mais alcançam, mais querem. As forças negras da opressão preparam um golpe.
Todavia, o povo não se tem limitado a ser o espectador passivo desta escalada.
Às tentativas de fazer que sejam os trabalhadores a pagar a crise económica, congelando os salários, fazendo despedimentos e elevando o custo de vida, a resposta tem sido a greve, o protesto, a luta reivindicativa.
Às acções repressivas respondem as acções populares pela liberdade. Ergue-se por toda a parte o movimento contra os avanços fascistas. Amplia-se o protesto contra as prisões de democratas e contra a libertação dos verdugos do povo português.
A situação actual caracteriza-se da seguinte forma;
De um lado encontram-se as forças fascistas e reaccionárias; os monopolistas e latifundiários apoiados pelo imperialismo; os bombistas do ELP/MDLP; os reaccionários e fascistas do PPD, CDS, PDC; os separatistas.
Do outro lado, todo o povo português, que anseia pela liberdade e o fim da exploração; as organizações populares: sectores antifascistas da intelectualidade; os partidos e organizações revolucionárias, que procuram unir o povo na luta intransigente contra os seus inimigos; a UDP, que luta pela República Democrática Popular.
Entre estes dois campos, situam-se os conciliadores, os vacilantes e os traidores da luta do povo. Aqueles que se ajoelham diante do fascismo para impedir essa luta Aqueles que avalizam a repressão sobre o povo.
Aqueles que dividem o povo falando em unidade.
Aqueles que tentam afastar o povo do caminho da luta, impingindo-lhe promessas que o imobilizem e o desarmem frente à ameaça fascista.

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A União Democrática Popular empenha os seus esforços para unir as forças populares antifascistas e virá-las contra es inimigos que mais seriamente ameaçam o nosso povo: o fascismo e o imperialismo. A UDP bate-se para que sejam isolados e escorraçados os conciliadores e os traidores que dentro do movimento lutam contra a sua unidade. A UDP bate-se por uma via de luta, independente da tutela dos partidos burgueses de Soares e Cunhal, pela única via que permitirá ao nosso povo aniquilar os fascistas, consolidar as liberdades e conquistas alcançadas e expulsar os imperialistas da pátria portuguesa.
A UDP defende aquilo que mais nenhum dos partidos burgueses pode defender a luta de massas, a luta independente, sem conciliações e sem barreiras, contra o fascismo, a miséria e o imperialismo.
A UDP aponta ao povo que a luta pela defesa das liberdades e contra os ataques reaccionários e fascistas se processa em múltiplas frentes:
É a luta pela prisão e pelo julgamento severo dos pides e fascistas, que em liberdade constituem uma ameaça permanente e o stock de reserva para a criação de uma nova polícia política;
É a luta contra a existência legal dos partidos fascistas, contra as organizações terroristas e pela dissolução das associações reaccionárias;
É a luta contra o regresso de Spínola e de todos os fascistas;
É a luta pela proibição da imprensa fascista e a punição dos seus responsáveis;
É a luta pela dissolução da GNR e PSP e pela criação de órgãos de segurança pública ligados aos órgãos de vontade popular;
É a luta pela liberdade e reintegração dos militares antifascistas ainda presos, para os quais se preparam penas da ordem dos doze anos;
É a luta pela expulsão dos reaccionários dos comandos das forças armadas;
É a luta contra a militarização do trabalho e pela revogação das leis que a permitem;
É a luta pelo fim dos saneamentos de antifascistas dos órgãos de informação e pela reintegração dos saneados;
É a luta, meus senhores, e não a conciliação!
A UDP aponta ao povo que a luta contra a exploração e a crise é a luta por uma vida decente para quem trabalha.
É a luta dos desempregados pelo pleno emprego; pela exigência de reconversões que criem postos de trabalho, sem endividar o País aos imperialistas; pela proibição de novos despedimentos; pela imediata criação de subsídios de desemprego que afastem o fantasma da miséria.
O povo trabalhador quer melhores salários que permitam fazer face à escandalosa subida de preços; quer melhores condições de vida; quer o direito aos subsídios de férias e de Natal; quer a redução dos leques salariais; quer ver acabadas as diferenças salariais que existem para trabalho igual, sobretudo vendo abolidas as injustiças em relação às mulheres trabalhadoras.
Quer ver tudo isto aplicado, não só nos papéis oficiais.
Quer ver reprimidos os especuladores e o mercado negro, os intermediários que enriquecem à custa dos pequenos agricultores e dos pescadores; quer ver protegidos os pequenos comerciantes da sanha dos monopólios comerciais; quer ver estabelecidos os tabelamentos dos preços dos produtos de primeira necessidade.
E isto pela luta, meus senhores, e não pela conciliação!
A luta pelo direito à saúde e à previdência, na realidade e não só nos papéis oficiais. A luta pelo direito à habitação, contra os que querem devolver os ocupantes de casas aos bairros de lata.
Pela luta, meus senhores!
É isto a revolução!
Que sejam os monopolistas a pagar a crise que provocaram, e não o povo.
Não queremos o regresso dos monopolistas expropriados, como aventou Mário Soares ao mostrar-se satisfeito com a ideia do regresso de Champalimaud, que não consta seja para tomar lugar na Comissão de Trabalhadores da Siderurgia.
Nos campos, a situação toma-se cada vez mais desesperada. Os agricultores pobres e remediados vêem-se em grandes dificuldades para vender os seus produtos a preços compensadores, e dificilmente conseguem comprar produtos indispensáveis à lavoura. Nas quase 600 cooperativas de trabalhadores rurais que já existem, a situação é pouco melhor. Os problemas são idênticos. Os assalariados agrícolas não viram ainda arredado o flagelo do desemprego e do subemprego.
Entretanto, os fascistas, que ao longo de todos estes anos têm vivido para explorar e roubar o povo, aproveitam-se do justo descontentamento dos pequenos agricultores, que nada ganharam ainda com o 25 de Abril, para tentar voltá-los contra o povo das cidades e os assalariados do Alentejo. Hoje em dia, esta divisão do País em dois é a base de toda a política dos fascistas.
São para isso as acções do CDS e do PPD, que não se cansam de manobrar uma Confederação dos Agricultores de Portugal, que tem à sua frente, na grande maioria, gente que nunca soube o que foram dificuldades, entre os quais muitos grandes agrários.
Mas tornam-se já frequentes as lutas camponesas, que, fugindo ao controle dos fascistas e dos falsos amigos do povo, apontam com clareza os culpados da situação de miséria que existe nos campos: o Estado burguês, os intermediários parasitas e os senhorios exploradores.
Este movimento camponês, independente das jogatanas dos partidos burgueses, tende a crescer e a tomar-se uma força poderosa e decisiva. O povo português não vai permitir que o País seja dividido ao meio. O País é só um, o povo é só um, do Minho ao Algarve, no continente e nas ilhas. E se nas cidades, nas fábricas, nas aldeias e nos campos, o povo tem problemas concretos diferentes, ele tem também objectivos comuns: acabar com o fascismo, com a miséria, com a exploração e as más condições de vida.
Os sucessivos Governos foram encarecendo os adubos e rações, dificultando empréstimos, permitindo a acção especuladora desenfreada dos intermediários.
Enquanto isto acontece, milhões de contos vão sendo gastos a indemnizar os sabotadores económicos, os grandes tubarões do capital financeiro, os banqueiros corruptos que foram donos de Portugal durante 48 anos, que fizeram mão baixa na nossa economia durante todo esse tempo. Para isto há dinheiro, mas para resolver importantes problemas das populações ele nunca existe.

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Enquanto há ministros que mandam o povo apertar o cinto para pagar a crise feita pêlos grandes capita listas, aumentando o custo de vida para permitir pagar as indemnizações e manter os capitalistas satisfeitos, outros, ou até os mesmos, fazem leis contra a pequena lavoura, como por exemplo a que determinava o exorbitante juro do crédito agrícola de emergência, ou, mais recentemente ainda, a portaria de Magalhães Mota que possibilitou que os intermediários especuladores privados importassem batata de semente. Esses ministros e técnicos são também os mesmos que deixam as aldeias sem luz, sem água, sem esgotos, sem escolas e hospitais, provocando a fuga em massa das populações para o estrangeiro. O que é preciso para resolver esta situação é destinar uma maior parte do Orçamento para resolver os problemas e deficiências das aldeias. Mais dinheiro para cuidar do povo e menos para engordar os milionários.
Hoje, desencadeiam-se por todas as formas furiosos ataques à Reforma Agrária. A campanha de calúnias cada vez maior nos órgãos de informação e a recuperação que o Governo (através da coligação dos partidos) quer fazer da Reforma Agrária criam condições favoráveis aos ataques fascistas, que no Alentejo já são feitos abertamente. A prova de que as forças antipopulares se preparam para reprimir o povo alentejano, impondo-lhe de novo os seus mais odiosos inimigos, os grandes agrários, é a cobertura que o Governo, as forças armadas e as forças policiais têm dado às manobras reaccionárias no Alentejo, protegendo os comícios do CDS, cedendo às chantagens e exigências descaradas da CAP, que, em ligação com o ELP e o MDLP, lança o terror bombista por todo o País, atacado mesmo a tiro os trabalhadores rurais.
O Governo auxilia a manobra, levantando toda a espécie de dificuldades às cooperativas agrícolas.
O partido do Dr. Cunhal está no Governo, sabe perfeitamente o que se passa e, no entanto, continua demagogicamente a lançar ilusões aos trabalhadores, como se não tivesse havido o 25 de Novembro.
Mais não tem feito que servir-se da mobilização e energia revolucionária dos trabalhadores para os seus fins. Os cunhalistas querem aproveitar-se da Reforma Agrária para aparecerem aos olhos do nosso povo como revolucionários, mas o que tem feito é desviar a luta dos assalariados rurais, criando divisão entre eles, empurrando os pequenos e médios agricultores para os braços dos latifundiários. Têm, além disso, apostado na divisão entre o Norte e o Sul, como maneira de reforçar o seu controle sobre a Reforma Agrária, combatendo assim a aliança que é necessário fazer entre os trabalhadores do Norte e do Sul, para barrar o passo ao fascismo.
A UDP lutará pela Reforma Agrária, lutará, como sempre o fez, para que a terra, o gado e as máquinas sejam de quem as trabalha, e desenvolverá todos os esforços para forjar uma sólida aliança operário-camponesa, base fundamental da unidade do povo na luta vitoriosa contra a miséria e o fascismo.
O avanço fascista, a miséria que se abate sobre o povo, estão intimamente ligados à acção desenvolvida pelos imperialistas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Advirto-o de que dispõe de mais dois minutos.

O Orador: - Os imperialistas são um atentado permanente à nossa independência nacional. A ingerência nos nossos assuntos internos tornou-se uma actividade frequente, sob o beneplácito do Governo e dos partidos fascistas, reaccionários e burgueses". As nossas reservas de ouro são empenhoradas, em troca de empréstimos de usurário. Portugal, que o Governo fascista começara a leiloar internacionalmente, continua a ser vendido ao desbarato. São os empréstimos de países "amigos", são as ofertas "desinteressadas" de material militar, são os contratos desvantajosos. É por fim o escancarar as portas ao capital internacional, o ajoelhar perante a ganância das multinacionais, com grandes responsabilidades na crise do desemprego. Enquanto o Governo recebe de braços abertos representantes do imperialismo norte-americano e europeu e do social-imperialismo, as relações com as ex-colónias deterioram-se a olhos vistos, as tímidas aproximações com o Terceiro Mundo são quase abandonarias, e as relações com os países socialistas de vanguarda, como a China e a Albânia, continuam inexistentes.
Vender Portugal a quem pagar melhor é o princípio que tem norteado a política externa dos Governos provisórios. Os imperialistas norte-americanos e europeus, o bloco da NATO, pela posição que já ocupavam antes do 25 de Abril e que procuram constantemente reforçar, constituem a mais séria ameaça imperialista ao povo português. Os sociais-imperialistas russos e os satélites do Pacto de Varsóvia, que vêm tentando criar formas de dependência da economia portuguesa, não desistem dos seus desígnios expansionistas, sob a capa hipócrita da ajuda desinteressada.
A presença de tropas e instalações militares estrangeiras em território português constitui um perigo permanente e um sério atentado à independência nacional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado está terminado o seu período.

O Orador:- Sr. Presidente: Eu demorarei mais dois ou três minutos.

O Sr. Presidente: - Temos que ser rigorosos nos quinze minutos.

O Sr. Deputado Afonso Dias não leu, mas entregou na Mesa o texto que se segue:
A presença de Portugal na NATO e a continuação do Pacto Ibérico mantêm a nossa pátria sob a ameaça constante da intervenção militar estrangeira, e são um argumento de peso nas pressões desenvolvidas pelo imperialismo com o fim de assegurar o predomínio das suas posições.
A UDP preconiza uma política externa de não alinhamento.
Como disse o representante da República Popular da Albânia nas Nações Unidas:

Para os povos e países mediterrânicos, a única alternativa segura consiste em opor-se corajosamente à política de opressão e hegemonia das duas superpotências, em pedir o afastamento das suas frotas agressivas, em suprimir as suas bases militares nos seus próprios territórios e em não aceitar de nenhuma maneira que os Estados Unidos e a União Soviética encontrem nos seus portos pontos de apoio para a concretização dos seus

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planos. Os interesses dos povos mediterrânicos exigem que cada país desta região tome medidas concretas tendo em vista não se submeter à influência das duas superpotências, não cair nas suas complexas armadilhas e complots.

A UDP não preconiza uma política de isolamento. O que pretendemos é que as relações económicas com todos os países do mundo se subordinam aos princípios das vantagens reciprocas e da não ingerência nos assuntos interinos dos países intervenientes.
À sombra da ajuda económica e do auxílio externo os americanos e alemães lançam activamente as sementes para um golpe fascista em Portugal. Os americanos puseram já em movimento a sua máquina de fazer golpes de Estado: endividaram o nosso país,: têm na mão a concessão de importantes quantias a serem enviadas como "auxílio desinteressado", preparam o início da actividade da sinistra AID, Agência para o Desenvolvimento Internacional, que à sombra de actividades inofensivas em sectores como habitação, saúde e educação, foi a principal responsável, juntamente com a CIA, em alguns golpes fascistas na América Latina, como, por exemplo, na Bolívia e no Chile. A sua actuação tem sido sobejamente denunciada internacionalmente.

O Orador:- A CIA está há longo tempo em actividade em Portugal e tem vindo a desenvolvei nos últimos dois anos. A presença esporádica ou permanente ás um cada vez maior número de pretensos homens de negócios americanos é um indício disso.

O Sr Presidente: - Sr Deputado, terminou a sua intervenção.
(A parte final do discurso do Sr. Deputado Afonso Dias, que a seguir se transcreve, foi entregue na Mesa:
O chefe da CIA em Portugal, Frank Carlucci, e o primeiro-secretário de embaixada americana vêm aumentando significativamente as suas actividades e andanças pelo nosso território ao serviço do golpe fascista. O caixeiro viajante de guerras e golpes de estado, Kissinger, anuncia a sua visita a Portugal. É com este pano de fundo que se desenvolvem as acções bombistas do ELP e MDLP, que aumenta a vaga de criminalidade impulsionada pelos fascistas, como vários factos recentes confirmam. O PDC, CDS e PPD, como capas legais dos terroristas, tiram frutos da sua actividade.
É na acção dos fascistas e dos reaccionários, nas mentiras e no ódio espalhados nos comícios do CDS e PPD que se devem ir procurar as causas de uma desestabilização que o Governo procura atribuir às lutas do povo pelos seus direitos. Se os governos tivessem oprimido os fascistas e não o povo, nada disto aconteceria; Se hoje estamos de novo sob a ameaça de um golpe fascista, a culpa é de quem deu o fascismo por morto e enterrado no 25 de Abril.
O golpe fascista está em preparação e a sua marcha é acelerada, porque os fascistas e reaccionários têm pressa de voltar ao passado.
Mas os fascistas não são muitos nem invencíveis, como procuram apresentar-se. A força deles só nasce quando há inércia, divisão, indecisão e confusão: no seio do povo. Lutando pela unidade popular, lutando taco a taco sem conciliação nem tréguas contra os fascistas e os exploradores, o povo português isolá-los-á e há-de reduzi-los à sua base social, que é ínfima.
Então será fácil derrotá-los e impor um governo antifascista e patriótico, que já hoje é uma exigência do povo português.
É por esse governo antifascista e patriótico, como ainda não tivemos nenhum, que a UDP desenvolve os seus esforços.

Uma voz: - Continuas amanhã...

Manifestações nas galerias.

Burburinho.

O Sr. Freitas do Amaral (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chega hoje ao termo dos seus trabalhos a Assembleia Constituinte. No momento em que o primeiro órgão de soberania eleito dá por finda a missão de que foi incumbido, o CDS deseja prestar solene e pública homenagem ao princípio democrático que lhe serviu de fundamento, ao povo português, que, mediante o sufrágio, me designou os membros, e à instituição em si, que, através de tantas vicissitudes, soube resistir às ameaças que a rodearam, impor-se ao respeito de todos e levar a cabo uma tarefa difícil e melindrosa. Não está em causa, neste momento, fazer o balanço da actividade propriamente constituinte da Assembleia: está sim em causa a forma exemplar como superou as crises em que se viu envolvida, como se firmou no terreno movediço de uma Revolução que de início a não amava e como soube ser o espelho em que os Portugueses viram em cada crise retratadas as suas preocupações, os seus protestos e as suas esperanças.
A Assembleia Constituinte foi bem, durante este ano que passou, a prefiguração das instituições parlamentares plenas que em breve irão ser designadas pelo voto livre do eleitorado. Mau grado os esforços em contrário feitos por quem então lançava aos quatro ventos a afirmação triunfalista de que em Portugal não haveria uma democracia parlamentar, o certo é que ela não só ficou consagrada na Constituição aqui aprovada, como foi sendo gerada e preparada no seio desta Assembleia através dos métodos de trabalho adoptados pelos vários grupos parlamentares, da utilização do período de antes da ardem do dia, em boa hora instituído, e do estabelecimento de contactos bilaterais com os parlamentos de numerosas democracias europeias.
À Assembleia Constituinte - até agora símbolo único da soberania popular, tribuna privilegiada da representação nacional e embrião vivo de um parlamento democrático em gestação - deseja o CDS dirigir, neste momento, as suas saudações e as suas homenagens.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Durante o ano que passou, o partido a que pertenço afirmou-se, neste hemiciclo e fora dele, como partido democrático, como partido centrista, como partido de oposição.
Em primeiro lugar, um partido democrático. O CDS sempre respeitou os princípios próprios da democracia. O CDS não violou uma única regra do comportamento democrático. E no momento em que regressam à legalidade política tantas figuras que, na sedição interna ou na clandestinidade exterior, se deixaram convencer por um ou por outro projecto de orientação golpista o CDS tem orgulho em poder apresentar-se como partido que não conspira, que não se deixa aliciar e que só aceita, tanto para os outros como para si próprio, o jogo da democracia.

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Ao que parece, ainda haverá por aí quem se sinta atraído pela tentação do golpe; ainda haverá quem sonhe com o regresso ao passado, na forma patente de um governo autoritário de direita ou na forma oculta de uma ditadura pluralista de esquerda. A uns e a outros o CDS tem a dizer muito claramente: se é essa a vossa intenção, não contem connosco!
Em segundo lugar, o CDS tem sido sempre, em todas as suas atitudes, um verdadeiro partido centrista. Um partido ponderado, calmo, tolerante. Um partido de cujos dirigentes nunca saiu um insulto, de cujos textos nacionais não consta um ataque, pessoal, de cujos Deputados não se ouviu calúnia nem injúria.
Sabem os membros desta Assembleia que não utilizámos nunca o tom provocatório, que não foi por nossa iniciativa nem com o nosso aplauso que se viveram aqui no hemiciclo momentos de conturbada exaltação e que sempre nos esforçámos por manter o sangue-frio, quando outros à nossa volta o iam perdendo.
Mas o centrismo não é apenas, no plano dos comportamentos, uma maneira de ser que pretende colocar a serenidade da razão acima do nervosismo das emoções. O centrismo é também, no plano das ideias, uma maneira de pensar que preconiza a abertura do espírito, a síntese das contribuições válidas donde quer que venham, e uma ânsia de progresso e de justiça tão acentuada que se torna incompatível, tanto com a indiferença do conservantismo social, como com a sofreguidão do radicalismo político.
Alguns teimam, contra toda a evidência, em querer colocar-nos à direita, talvez por terem a sua vista confinada às bancadas de S. Bento. Mas, se a direita, depois das próximas eleições, penetrar na Sala das Sessões, logo verão a diferença. O CDS, até hoje, tem sido centrista por atitude e por convicção: talvez que em breve venha também a ser centrista por contraste.
Em terceiro e último lugar, o CDS vem sendo, desde o 11 de Março, um partido de oposição. Fomos, de entre os muitos partidos que em Portugal discordaram dos sucessivos Governos Provisórios, o único que teve a coragem e deu o exemplo de se considerar da oposição: coragem, porque entre o 11 de Março e o 25 de Novembro não foi fácil para nós arrostar com a fúria devastadora de quem não via em nós adversários, mas inimigos, e exemplo, porque era necessário iniciar os Portugueses na aprendizagem da democracia, e esta não existe onde não houver oposição.
Assumindo-se como partido de oposição, o CDS não se limitou a habituar os seus simpatizantes, bem como os outros partidos, à existência de uma instituição essencialmente democrática; prestou ainda um outro serviço à causa da democracia, na medida em que ajudou a canalizar o descontentamento popular para um partido democrático, criando a imagem de uma alternativa dentro do regime e anulando assim eventual adesão a uma alternativa contra o regime.
O 25 de Abril fez-se para substituir a ditadura pela democracia A democracia pressupõe a existência de uma oposição. Parece, pois, legítimo concluir que, assumindo a natureza e desempenhando a função de partido da oposição, o CDS foi, durante este ano, não apenas o testemunho vivo de que em Portugal se caminhava para a democracia, mas também, de algum modo, a encarnação do espírito democrático que presidiu ao 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As próximas eleições vão constituir, assim o esperamos, um marco fundamental na história política do nosso país. Todos os partidos democráticos têm razões para estar de parabéns por terem conseguido que elas se fizessem e se fizessem agora. Com todos os partidos democráticos - e em especial com aqueles que aqui ajudaram a defender a Assembleia Constituinte e, com ela, a democracia nascente o CDS partilha a satisfação, o entusiasmo e a alegria do novo período eleitoral que se avizinha.
Esperamos sinceramente que a campanha eleitoral decorra, da melhor forma, isto é, em paz, na liberdade e com civismo: que o eleitorado saia dela esclarecido e não confundido; que todos os partidos vejam assegurados, pelo Governo e pelas forças armadas, os seus direitos democráticos em todas as regiões do País.
É preciso que a democracia e os partidos que a representam se não desautorizem nesta campanha, antes reforcem nela o seu prestígio aos olhos do povo português.
E seja-me permitido terminar com uma nota pessoal. Nenhuma democracia é possível se os Deputados dos diferentes partidos não conseguirem estabelecer, por cima das fronteiras ideológicas que os dividem, sólidos laços de relação pessoal.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem;

O Orador: - O CDS, ao despedir-se hoje de todos, não esquece que em muitos deixa bons amigos. A luta política pode trazer-nos aqui partidariamente mais distantes; espero, no entanto, que isso nos não impeça de regressarmos humanamente mais próximos.

Tenho dito.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado do Partido Comunista Português.

O Sr. Octávio Pato (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição que hoje ficou concluída e que o Sr. Presidente da República, general Costa Gomes, irá solenemente promulgar é um acontecimento histórico de grande transcendência e de um grande significado político.
Depois de quase meio século de privação de liberdades e direitos humanos, depois de meio século de opressões e misérias, depois de treze anos de guerras coloniais, o nosso povo conseguiu libertar-se da odiosa ditadura fascista, pôs fim às guerras coloniais e ao colonialismo opressor, e vai finalmente usufruir de uma lei fundamental democrática, vai ter uma Constituição democrática.
A Constituição hoje concluída atirará para o lixo da história as leis iníquas que durante várias décadas serviram de instrumentos de opressão e obscurantismo.
Portugal passará a reger-se por uma Constituição que foi discutida e elaborada democraticamente. Uma Constituição que consagra amplas liberdades democráticas, que ressalva a independência e unidade nacionais, que põe fim à era colonialista. Uma Constituição que consagra direitos fundamentais dos trabalhadores (direito ao trabalho, liberdade sindical, direito de greve), que estabelece como "conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras" as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974. Uma Constituição

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que consagra a Reforma Agrária, assim como o controle operário e as organizações populares de base, e que aponta ao País o "caminho para uma sociedade socialista".
A Constituição que hoje se concluiu não foi elaborada em gabinetes hermeticamente fechados ou isolados das massas populares. Terá cabimento relembrar hoje algumas das afirmações que aqui fizemos em nome do PCP, quando pela primeira vez falámos no início dos trabalhos desta Assembleia. Dissemos então: "A Constituição não será o produto exclusivo do nosso trabalho aqui. Essa nova Constituição terá de reflectir o resultado da acção revolucionária que se desenvolve por todo o País. Onde se luta contra o desemprego, contra a sabotagem económica e por melhores condições de vida, onde se trava a batalha da produção, onde se luta contra as manobras e conspirações contra-revolucionárias, onde se luta pela liquidação dos monopólios e dos latifúndios, por uma efectiva Reforma
Agrária, onde se luta por um Portugal democrático a caminho do socialismo, em todos esses recantos do País também se está a contribuir para que seja elaborada uma Constituição que corresponda aos interesses do País e da revolução em marcha."
Os acontecimentos confirmaram a justeza das apreciações que então fizemos. Foi em conjugação com a evolução do processo revolucionário que a Constituição foi elaborada, e, por isso mesmo, ela reflecte a dinâmica desse mesmo processo, os seus avanços, recuos ou pausas.
A Constituição foi aqui elaborada, mas ela é, fundamentalmente, o resultado da luta dos trabalhadores e da acção das massas populares, é o resultado da aliança Povo-MFA. Sem essa luta, sem essa aliança, sem essa conjugação, não teria sido possível incluir na Constituição os factores positivos essenciais da nossa revolução.
O PCP e o seu Grupo de Deputados estão conscientes do importante contributo que deram, aqui e lá fora, para a elaboração e especificidade da nossa Constituição.
No momento em que estamos a chegar ao termo dos trabalhos da Constituinte, saudamos daqui todos os homens, mulheres e jovens que lutaram pelo derrubamento da ditadura fascista e por cujo objectivo muitos portugueses e portuguesas deram as suas vidas. Daqui saudamos os capitães e todos os outros militares do MFA que fizeram o 25 de Abril e que contribuíram decisivamente para a conquista e restabelecimento das liberdades democráticas hoje existentes. Daqui saudamos ainda todos os que através das suas lutas e do seu trabalho contribuíram, directa ou indirectamente, para tornar possível a Constituição que será hoje promulgada.
A Constituição e a sua promulgação representam uma importante e histórica vitória do nosso povo.
Com a promulgação da Constituição iniciasse um novo ciclo da história do nosso país. A partir de hoje o povo português passará a ter na Constituição um valioso instrumento, que deve tomar nas suas mãos, para o defender e utilizar na luta pela consolidação da democracia e das conquistas fundamentais da Revolução.
A defesa da Constituição que será hoje promulgada é uma tarefa que se põe já hoje a todos os portugueses que amam a democracia e querem libertar Portugal dos monopólios e da tutela imperialista, a todos os que anseiam pelo progresso social e cultural, a todos os que aspiram encaminhar o País na via da independência nacional e do socialismo.
Não se deve esquecer que não foram poucas as vozes que aqui mesmo se ouviram a tentar despojar a Constituição de tudo que fosse a consagração das conquistas revolucionárias do nosso povo. São vozes identificadas com o passado, que não aceitam a presente democracia e se opõem a um futuro socialista. São vozes coincidentes com as forças da reacção, que trabalham e conspiram para porem em causa as conquistas fundamentais da nossa revolução e as próprias liberdades democráticas.
Na defesa da Constituição não se pode esquecer que há forças que recorrem ao terrorismo, aos ataques bombistas e ao banditismo para abolirem as liberdades democráticas nos Açores, na Madeira e em várias outras regiões do País, e que nem sequer hesitam em erguer a infame bandeira do separatismo e da desintegração da unidade nacional.
Na defesa da Constituição não se pode esquecer que houver forças que se esforçaram por retardar ou até impedir a conclusão e promulgação da Constituição.
Lembremo-nos de que ainda nos últimos dias se ouviram estranhas vozes de alguns Deputados e de políticos destacados, com o suspeito apoio de jornais estatizados, a fazerem campanha para a revisão da Constituição na próxima Assembleia da República. E o mais estranho ainda é que fizeram essa campanha já depois de ter sido aprovado na Assembleia Constituinte que a revisão só poderá fazer-se quatro anos depois da sua promulgação.
A Constituição contém lacunas, insuficiências e disposições de que discordamos, e sobre elas o meu camarada Vital Moreira, um dos principais obreiros da Constituição, irá precisar o pensamento do PCP.

Uma voz:- Isso é verdade.

Aplausos.

O Orador: - A Constituição reflecte as inevitáveis consequências das maiorias oscilantes muitas vezes aqui verificadas, e originadas pelas hesitações, compromissos ou incoerências políticas e contradições de classe existentes no seio mesmo de partidos representados nesta Assembleia.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- No entanto, e muito embora discordemos de alguns aspectos da Constituição agora concluída e que a seguir vai ser promulgada pelo Sr. Presidente da República, general Costa Gomes, certamente com a concordância e apoio do Conselho da Revolução, desejamos declarar muito claramente que o PCP está na firme disposição de respeitar integralmente a Constituição como lei fundamental do País.

Aplausos.

Mais ainda: lutaremos para que, juntamente com os comunistas, todos os portugueses respeitem, cumpram e realizem o que na Constituição está consagrado e legislado.

Vozes:- Muito bem!

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O Orador: - Pensamos ser isso uma condição fundamental para democratizar e institucionalizar a vida do País, criando-se assim um clima de paz e de trabalho criador que possibilite, assegurar ao nosso povo uma vida melhor e democrática, livre de opressões e de misérias.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador; - Acabamos de assumir, em nome do PCP, o compromisso claro e inequívoco de respeitar e cumprir a Constituição.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Gostaríamos que idêntico compromisso fosse assumido de forma clara e inequívoca por todos os partidos políticos existentes no nosso país.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Sr Presidente e Srs. Deputados. Todos sabemos que no decorrer dos trabalhos da Constituinte se manifestaram dificuldades resultantes das discrepâncias e choques que reflectiam divergências e antagonismos políticos e de classe. As diferentes concepções e os desencontros havidos sobre o carácter da Constituinte e a forma de cumprir as suas funções fizeram retardar a sua conclusão.
Mas deve também dizer-se que à medida que iam crescendo as ameaças e os perigos de a reacção colocar de novo o País sob a alçada e o domínio duma ditadura reaccionária e fascista, igualmente iam diminuindo os choques e as divisões entre os que defendem efectivamente a jovem democracia portuguesa. Uma crescente identidade de preocupações contribuiu para atenuar divergências, para aproximar posições de Deputados de vários partidos identificados com os principiou democráticos e para demarcar ou mesmo isolar os que se opõem à consolidação da democracia e de outras conquistas da nossa revolução.

Aplausos.

O Presidente da Assembleia Constituinte, Prof. Henrique de Barros, afirmou há poucos dias que juntava a sua voz "àqueles que têm alertado o povo português para os perigos da implantação de um regime conservador e mesmo do fascismo". Nós, comunistas, estamos na firme disposição de nos associarmos a todas as vozes que clamem neste sentido. Estamos na disposição de juntar a nossa voz às vozes de todos os que procuram esquecer ressentimentos e atritos, e que estão decididos a construir um Portugal democrático, livre e independente.

Vozes:- Muito bem!

Aplausos

O Orador: - A Assembleia Constituinte tinha uma composição de maioria democrática e de esquerda, mas uma maioria que nem sempre existiu e que muitas vezes até se confrontou. Uma maioria de esquerda na futura Assembleia da República é absolutamente indispensável para salvaguardar os superiores interesses do povo português e da democracia, e para salvaguardar a nossa própria Constituição, a Constituição que o povo português forjou e criou através da sua própria luta.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - O conteúdo democrático e progressista da nossa Constituição é bem evidente. É por isso que julgamos poder afirmar que a Constituição é o fruto do labor revolucionário da classe operária, dos trabalhadores, dos militares, de todo o povo laborioso do nosso Portugal. É também por isso que a Constituição é um valioso instrumento nas mãos do povo e um muito grande obstáculo para as negras forças da reacção.
A nossa Constituição, a defesa dos seus princípios democráticos e progressistas, a luta pelo seu cumprimento e realização, são já hoje parte integrante da luta geral do povo português pela consolidação das liberdades democráticas e pela salvaguarda das conquistas revolucionárias consagradas na própria Constituição.
Viva Portugal democrático, livre e independente a caminho do socialismo!

Aplausos.

O Sr Presidente: - Vai usar da palavra um representante do PPD.

O Sr. Afonso do Carmo (PS) - Não é o Roseta? ..

O Sr. Ferreira Júnior (PPD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegámos ao fim do mandato para que democraticamente fomos eleitos pelo povo português em Abril de 1975; em nome do Partido Popular Democrático quero fazer uma breve apreciação do que julgamos ter representado a Assembleia Constituinte no contexto da revolução portuguesa, para além da sua missão patriótica de elaborar a Constituição da República.
É assim que relembro o Programa do Movimento das Forças Armadas, no seu alto espírito e sentido democráticos, o qual se propunha fundamentalmente criar condições para que ao povo português fosse restituída a sua soberania mediante a instauração de um regime democrático pluripartidário.
Nele se estabelecia expressamente que os Portugueses elegeriam representantes seus, os Deputados incumbidos de fazer uma Constituição, a lei fundamental pela qual passaria a reger-se toda a vida política, económica e social do nosso país Essa cláusula do Programa do MFA foi rigorosamente cumprida. O Partido Popular Democrático não tem dúvida que a tal se ficou a dever em grande parte a salvaguarda das possibilidades de vermos em breve, finalmente, institucionalizar-se a democracia portuguesa, apesar das muitas dificuldades e atropelos surgidos ao longo destes dois anos.
Mas a generalidade dos portugueses sabe bem quanto a ideia das eleições para a Assembleia Constituinte era temida e repelida por aquela minoria de políticos e militares que, a partir de dada altura, passou a controlar e dominar fortemente todo o processo revolucionário. Eles sabiam que a consulta popular feita através de eleições livres seria a clara demonstração de que o povo sancionaria a democracia para que o Programa do MFA apontava (e por isso a ele tinha aderido com entusiasmo) e nunca aceitaria qualquer nova forma de ditadura, tivesse ela a roupagem vanguardista pseudo-iluminada.
Por isso, assistimos, por parte desses sectores minoritários, a uma tenaz campanha e montagem de planos para liquidar a possibilidade de realização de eleições.

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Quando, porém, aqueles sectores checaram ao convencimento de que não teriam, apesar de tudo, força suficiente para impor abertamente a sua vontade, utilizaram o expediente de propor um pacto entre o MFA e os partidos políticos, assinado nos dias pesados e sombrios que se seguiram ao golpe de 11 de Março, que ainda hoje se espera ver esclarecido.
Pensaram os líderes dessas facções minoritárias Ter assegurado assim um meio para limitar ou neutralizar os efeitos democratizantes que das eleições de Abril viessem a resultar. Desse modo poderiam prosseguir, não na revolução que o povo português queria, mas sim na sua própria e dogmática concepção da revolução de inspiração marxista-estalinista.
Realizadas as eleições, esta Assembleia de Deputados passou a constituir um tremendo obstáculo às aspirações totalitárias das forças não democráticas controladoras do Poder.
Na verdade, a Assembleia Constituinte, para além do seu eminente trabalho de elaboração da Constituição, pastou, ao longo dos meses da sua existência, a ser a presença contestante da opinião e da vontade do povo de Portugal inteiro junto dos órgãos e das pessoas detentoras do Poder e do mando, nesta cidade de Lisboa.

Uma voz: - Muito bem!

O Orador: - Foi a tribuna donde frontalmente se foram fazendo críticas e denúncias, donde se levantaram protestos e se fizeram acusações incómodas as mais variadas medidas e actuações da prepotente governação gonçalvista, através das vozes daqueles que o povo livremente elegera como seus legítimos representantes.
E tudo isto não obstante o esforço da maioria dos órgãos de informação, principalmente dos estatizados, concertados em desconhecer, minimizar ou ridicularizar os trabalhos e as intervenções feitas nesta Câmara.
Era manifesto um partidarismo sectário coincidente e obediente à minoria governante.
Muito mais se fez ou tentou fazer para desprestigiar e até dissolver dita Assembleia soberana, democraticamente eleita pelo povo português.
Durante meses seguidos não se pagou aos Deputados nem a trabalhadores desta Assembleia.
Das galerias deito Câmara reservadas ao público choveram, nos primeiros tempos, insultos e provocações sobre a maioria dos Deputados, gerando tumultos que algumas vezes obrigaram à suspensão dos nossos trabalhos.
Por fim, e para cúmulo, o sequestro a que fomos submetidos durante vinte e quatro horas, com a indiferença ou a complacência de certos chefes militares, identificados com os objectivos dos sitiantes, privados todos de receber alimentos, com a excepção de um pequeno sector dos nossos pares ...
Muito, pois, se fez e procurou fazer para diminuir ou destruir o grande obstáculo que para o gonçalvismo e os gonçalvistas foi esta Assembleia do povo português. Ela era um dos firmes travões na corrida desenfreada dessa minoria, que entendia, e continua a entender, que a Revolução se havia de fazer de acordo com as suas ideologias, ainda que tivesse que ser contra a vontade da generalidade do povo trabalhador.
Há que realçar, agora num plano diferente, as contribuições positivas que esta Constituinte prestou aos Portugueses.
Deste modo puderam identificar as coincidências e as divergências que existem entre os partidos de inspiração marxista-leninista, o partido de inspiração teórica marxista, o partido defensor de um socialismo personalista e humanista e o partido que não rejeita o capitalismo.
Terá sido igualmente positiva a possibilidade de apreciação pelo público das capacidades demonstradas por cada partido, através da qualidade e variedade das intervenções, aquando das discussões dos vários temas propostos à Constituinte, bem como da dignidade e serenidade reveladas ao longo de todos os trabalhos, salientando o aprumo moral daqueles que souberam evitar os ataques pessoais.
Quando, finalmente, fazemos uma avaliação do que foi, ao longo destes dez meses, a actuação deste primeiro órgão de soberania, democraticamente eleito pelo povo português, teremos de concluir que o balanço é francamente positivo e foram dadas os passos decisivos para implantação da democracia em Portugal.
Na verdade, para além do papel relevante que esta Assembleia teve na resistência às investidas antidemocráticas, paralela e complementar da que directamente ofereceu o admirável povo pelo nosso país fora, para além de ter elaborado uma Constituição que o Partido Popular Democrático considera no seu conjunto muito satisfatória e propícia à governação por qualquer partido ou partidos democráticos, e mais facilmente por um social-democrata, para além de tudo isto, ela fica ainda como um exemplo e um estímulo para o nosso povo.
O exemplo de que, mesmo divergindo, nalguns casos profundamente, mesmo atacando-se vivamente e azedamente nos momentos de debates, todos os Deputados, todos esses cidadãos portugueses, puderam chegar ao fim estabelecendo e mantendo relações pessoais correctas, sem inimizades, patentes nas conversas e trocas de impressões e nos trabalhos das comissões.
Este é, pois, um facto que nem sempre se espelhou nos plenários, mas que deve ser levado à consciência e ao conhecimento do povo português como exemplo de convivência cívica possível e necessária para lá das divergências ideológicas partidárias.
E agora que chegámos ao termo dos nossos trabalhos, vai o País ser dotado do diploma fundamental que há-de estruturar, organizar e orientar toda a sua vida política, económica e social.
A Constituição surge numas circunstâncias ainda particularmente difíceis, resultado das distorções e posições anarquizantes de que foi vítima a evolução revolucionária, que teve a sua motivação forte fecunda no Programa do Movimento das Forcas Armadas.
Com uma economia fortemente degradada, com uma intranquilidade social e política que deteriorou as aspirações de um povo em marcha na busca de soluções para os seus problemas mais instantes, que andou à beira do desespero, a Constituição aparece como baliza necessária à estabilização e sedimentação do processo democrático, que constitui, neste momento, razão de todas as nossas preocupações

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Por ela e com ela vamos caminhar para o futuro com segura esperança de que caminharemos para um Portugal mais livre, mais justo, mais igualitário.
Por ela e com ela haveremos de construir um Portugal novo, traduzido na transformação radical de estruturas envelhecidas, que, pelo peso da sua expressão totalitária, haviam retirado ao povo português o sentido exacto da sua cidadania.
Com ela e por ela haveremos de encontrar a emancipação desejada na consciência dos direitos e dos deveres de cada qual, no contributo sério que todos haveremos de dar na construção do nosso Portugal, inserido no contexto histórico que o tem marcado como um dos países mais velho do Mundo, com experiências e vivências que lhe garantem idoneidade bastante para merecer no contexto das nações o lugar a que tem direito no mundo dos povos civilizados.
Lançados na perspectiva do futuro, estamos confiantes na execução do espírito que domina e informa a Constituição. Confiantes nos cidadãos, confiantes nos outros partidos também verdadeiramente democráticos, confiantes no povo português, que irão sentir necessidade e desejo de realizar democracia.
Por isso, nesta hora, manifestamos a nossa profissão de fé na construção em Portugal de uma democracia política, económica, social e cultural, cuja institucionalização teve nesta elaboração da Constituição um primeiro marco essencial.
Para tanto, o Partido Popular Democrático entende que é necessária uma participação colaborante de todas as forças políticas democráticas, que pela sua prática futura contribuam paira irradiar definitivamente do nosso país os riscos de quaisquer ditaduras.
Este o sincero voto do Partido Popular Democrático.

Aplausos.

Vozes:-Muito bem!

O Sr. Presidente: - Seguisse no uso da palavra um Deputado representante do Partido Socialista.

O Sr Mário Soares (PS):- Sr Presidente e Srs. Deputados: Ao encerrar os nossos trabalhos, desejo, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, fazer algumas brevíssimas considerações, e começar naturalmente por saudar a pessoa do Presidente desta Assembleia e a Mesa que dirigiu os trabalhos desta Assembleia, cujo equilíbrio, serenidade e objectividade contribuíram profundamente para fazer com que os nossos trabalhos chegassem ao fim e fossem coroados de êxito

Aplausos vibrantes de pé.

Desejo ainda saudar, em nome do Grupo Socialista, os heróicos militares do 25 de Abril.

Aplausos prolongados

Sem eles não seria possível o derrubamento do fascismo, sem eles, sem a sua persistência, sem a sua fé nos destinos da democracia, não seria possível também chegarmos ao fim desta Constituição.
Na verdade, o facto de termos chegado ao fim dos nossos trabalhos, e de termos dotado o País de uma Constituição, é um passo decisivo no caminho da nossa jovem democracia, que visa ao socialismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não há em nenhum país do Mundo constituições perfeitas e é natural que a nossa actual Constituição não seja perfeita. O Grupo Parlamentar Socialista, muitas vezes fez restrições a este ou àquele artigo aprovado, e muitas vezes até, como é próprio de um partido democrático, em condições difíceis e perante problemas técnicos, nem todos os Deputados do Grupo Parlamentar Socialista tiveram a mesma opinião acerca deste ou daquele problema. Para nós isso é natural, e assumimos essa adversidade como sendo prova de sermos um partido essencialmente pluralista e democrático.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas, se a Constituição não é perfeita, efectivamente uma Constituição avançada, uma Constituição que dignifica Portugal e que consagra direitos essenciais para os trabalhadores portugueses. A nossa Constituição instituiu em Portugal um Estado de Direito. Desenha um ordenamento equilibrado dos órgãos de soberania e dos poderes do Estado.
Define uma democracia avançada a caminho do socialismo e foi essa, quero recordá-lo, a grande opção do povo português em 25 de Abril de 1975.

Aplausos.

Vozes:-Muito bem!

O Orador:- Consagra as liberdades e os direitos do homem. Defende ainda os direitos económicos e sociais e as conquistas que a Revolução Portuguesa trouxe já inegavelmente aos trabalhadores do nosso país.
Uma Constituição vale, naturalmente, por si. Mas uma Constituição vale sobretudo - é a nossa experiência constitucional que o ensina - pela prática constitucional.
O Grupo Parlamentar Socialista faz votos de que a prática constitucional das próximas legislaturas consagre o entendimento democrático da actual Constituição.

Aplausos.

Vozes:- Muito bem!

O Orador:- Evidentemente que a nossa Constituição foi e é um produto da história recente e reflecte, como não podia deixar de ser, as vicissitudes e as contradições do nosso processo revolucionário.
A Assembleia Constituinte reuniu-se sob o signo do 11 de Março ou do pós-11 de Março e todos nós sabemos o que foram as dificuldades dos primeiros tempos da nossa Constituição. A Assembleia Constituinte termina sob o signo do pós-25 de Novembro. E essas duas datas reflectem as vicissitudes vividas nesta Sala por todos os Deputados e que deram como produto, com aquilo que é bom e aquilo que é menos bom, a nossa actual Constituição.

Aplausos.

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A Constituição reflecte também as tensões sociais e as contradições profundas que existem na sociedade portuguesa. Essas tensões profundas, essas contradições, já existiam antes do 25 de Abril, simplesmente o 25 de Abril, dando voz ao povo português, conferindo uma dignidade essencial aos trabalhadores portugueses, revelou, pôs a nu as contradições e as tensões que existem na sociedade portuguesa.
De resto, a nossa sociedade, todos o sabemos - temos vindo e estamos a viver uma revolução -, a nossa sociedade está a sofrer uma profunda transformação!
Liquidámos um passado de cinco séculos de dominação colonial. Liquidámos também um capitalismo retrógrado parasitário, um capitalismo monopolista que repousava em nove ou dez grandes grupos económicos. Fizemos um movimento intenso de nacionalizações que o meu partido considera irreversíveis.

Aplausos prolongados.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Estamos a dar passos essenciais no caminho da Reforma Agrária, e, se é certo que a Reforma Agraria deu azo e pretexto a abusos que têm de ser corrigidos e que estão a ser corrigidos, o princípio mesmo da Reforma Agrária é um princípio justo, um princípio que dignifica Portugal e os trabalhadores portugueses.

Aplausos de pé.

Vozes:-Muito bem!

O Orador:- Descentralizámos a vida administrativa de Portugal e conferimos às ilhas atlânticas dos Açores e da Madeira um estatuto de uma larga autonomia. Há quem não esteja satisfeito com essa larga autonomia, mas aqueles que o não estão não querem autonomia, querem é independência, e nós somos pela unidade nacional.

Aplausos prolongados de pé.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Perante todas estas profundas transformações que a nossa sociedade tem vivido, é evidente que na sociedade portuguesa, uma sociedade democrática e livre, haveria de gerar-se tensões e conflitos imensos. Não podia deixar de ser assim. Mas o problema que se põe a Portugal, o problema que se põe aos Portugueses, é saber se nós queremos diminuir essas tensões e esses conflitos por via democrática e respeitando a vontade popular ou se, pelo contrário, queremos dirimir esses conflitos por via da violência e através do exercício de minorias activistas.

Aplausos.

Uma voz:- Muito bem!

O Orador:- A esse respeito, nós, socialistas, fizemos de há muito a nossa escolha. Nós somos pela democracia, somos pelo respeito da vontade popular.
E por isso nós pensamos que a violência é um mau começo, nós pensamos que a violência e a intolerância não levam a parte nenhuma, e podemos afirmar que, se a violência levar a alguma ditadura, essa ditadura não será com certeza da esquerda, será uma nova ditadura da extrema direita.

Aplausos.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Porque somos democratas e acreditamos na democracia, nós honraremos em todas as ocasiões o compromisso que representa para o Partido Socialista o assinar e votar a actual Constituição e, nesse sentido,...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado dispõe de dois minutos.

O Orador: -... nesse sentido, nós pensamos que as próximas eleições legislativas, presidenciais, para as autarquias locais e para as regiões são essenciais para acabar o processo da democratização do nosso país.
A democracia é difícil. Não é fácil a um país que viveu o que nós vivemos, que passou cinquenta anos sob uma férrea ditadura, aprender a liberdade, praticar a tolerância e acreditar na democracia. É difícil, mas é a única luta por que vale a pena lutar. E por isso o Partido Socialista é fiel à actual Constituição.

(O orador não reviu.)

Vozes: - Muito bem!

Aplausos prolongados de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: De acordo com a nossa norma regimental, com a nossa ordem de trabalhos, vamos proceder à votação global do articulado constitucional, que foi lido esta manhã, longamente, através de um grande esforço dos Srs. Secretários.

A votação far-se-á sistematicamente por levantados.
Os Srs. Deputados que votam contra, fazem favor de se levantar.

(Levantam-se os Deputados do CDS.)

Uma voz:- Reaccionários!

O Sr. Presidente:- Pede-se a atenção da Assembleia.

É um momento suficientemente emocionante para não justificar certas intervenções.

Pausa.

Muito obrigado.

Os Srs. Deputados que desejam abster-se, fazem favor de se levantar.

Pausa.

Os Srs. Deputados que votem a favor, fazem o favor de se levantar.

(Levantam-se todos os Deputados, excepto os do CDS)

Aplausos vibrantes e prolongados de pé.

Vivas à Constituição.

É entoado o Hino Nacional por toda a Assembleia.

Uma voz: - Viva Portugal!

Vozes: - Viva!

Aplausos prolongados.

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O Sr. Presidente: - Vai anunciar-se o resultado da votação.

O Sr. Secretário (António Arnaut): - Srs. Deputados: Votaram contra o articulado da Constituição quinze Deputados do CDS. Não houve abstenções. Todos os restantes Deputados, incluindo os Deputados independentes e o Deputado de Macau, votaram a favor do articulado da Constituição da República Portuguesa.

O Sr. Presidente:- Teremos agora oportunidade para formular declarações de voto.
Começarei por dar a palavra, a um Sr. Deputado não inscrito em partido ou associação política.
É o Sr. Deputado Mota Pinto.

Aplausos de pé.

Têm todos presentes que a duração máxima é igualmente de quinze minutos.

O Sr. Mota Pinto (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deputado independente, fiel à defesa de uma via social-democrata, de reformas progressivas e em liberdade para o socialismo, transmito-vos o sentido do meu voto e, por delegação e em confiança, o dos Deputados que numa opção idêntica à minha permaneceram nesta Assembleia, desvinculados de qualquer inserção partidária, ao serviço das ideias que apresentaram ao eleitorado. Fazemo-lo dias depois de a Assembleia Constituinte ter confirmado e consagrado, por esmagadora maioria, a justeza e a oportunidade da nossa posição de princípio perante o mandato de Deputados. Fazemo-lo em posição privilegiada para aferir do valor da Constituição à luz do interesse nacional, sem objectivos eleitorais, sem partidarismos, na mera fidelidade a ideias e opções de fundo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição que aprovámos foi a razão de ser da Assembleia Constituinte e a consequência fundamental do seu labor eficiente. Mas a Assembleia teve outras consequências que a história porá justamente em realce. Teve outras consequências igualmente importantes para a realização das ideias democráticas e progressistas, isto é, de carácter socialista, em Portugal. Nos dez meses da sua nunca remansosa e quantas vezes agitada ou mesmo dramática existência, a Assembleia Constituinte foi um bastião de soberania e da vontade populares a transporem-se para o quotidiano político e para as perspectivas do curto prazo. Foi-o pelo próprio facto de existir e foi-o pelo uso legítimo do período da hora prévia.
A Assembleia constituiu - os vindouros o registarão - um luzeiro de democracia e de vontade sensata e realista de progresso e de justiça e constituiu-o por vontade largamente maioritária, sobretudo nos momentos longos em que o processo político português navegou entre Cila e Caríbides, entre o anarco-popularismo e o risco da ditadura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de votar uma Constituição pelo povo português e para o povo português. Votámos uma Constituição em nome de um povo e para um povo que, querendo respeitar e inspirar-se no que há de nobre e generoso no seu passado, sem se prostrar perante os painéis da historia, tem direito a construir, sobre os escombros de uma longa ditadura reaccionária, demolida pelo MFA, uma sociedade democrática que, em paz e liberdade, abra o caminho a profundas transformações no sentido do socialismo.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Votámos a favor da Constituição porque o seu balanço é francamente positivo. Os tempos que tivemos e os que se avizinham afiguram-se, dentro do claro sentido da história, tempos de mudança no mundo em geral e na zona europeia e mediterrânica que habitamos, local de encontro do Norte e do Sul, do desenvolvimento e da miséria. Mudança para formas de vida política, económica e social que satisfaçam as Justas aspirações dos povos ao governo democrático, à melhoria do nível e da qualidade da vida, ao fim da exploração na organização económica e no destino do rendimento do trabalho, isto é, da produção.
Para nós, o padrão para aferir o valor positivo da Constituição consiste nas virtualidades que ela ofereça para garantir a independência e a unidade nacional, a efectivação do princípio da soberania popular, o livre desenvolvimento da personalidade de todos os cidadãos, a mudança para uma sociedade de verdadeira justiça social, ou seja, o trânsito pacífico e democrático para o socialismo.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Por isso julgamos favoravelmente o merecimento geral desta Constituição que hoje aprovamos. Nela encontram guarida opções, princípios de organização social, juízos de valor, sínteses e compromissos de interesses conflituantes que poderão dar à República Portuguesa uma face democrática e humanista e um itinerário seguro, inserido no seu tempo, para uma sociedade mais justa e mais perfeita. Nela se acolhem, designadamente:

a) Logo no pórtico preambular, a ideia do Estado de Direito Democrático;
b) Uma disciplina dos direitos do homem correspondente a um acatamento pleno da respectiva declaração universal;
c) Princípios de organização e direitos económicos e sociais, susceptíveis de orientar uma acção governativa e parlamentar eficaz e inspirados pelo interesse de uma verdadeira reforma agrária das classes trabalhadoras e das camadas sociais mais desfavorecidas;
d) Um esquema de órgãos de soberana de vincada tendência e natureza democráticas;
e) Uma solução, simultaneamente avançada e equilibrada de autonomia político-administrativa para os Açores e a Madeira dentro da unidade nacional.

Vozes:- Muito bem!

O Orador: - Nos seus dispositivos latejam, se nem sempre na mesma disposição pelo menos ao longo do texto, a visão democrática e humanista, a visão socialista (uma que outra vez dogmática, mas mais no plano vocabular do que no plano substancial), a visão realista de problemas deste espaço e deste tempo.

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Estão consagrados mecanismos de adequada expressão e actuação da soberania popular. O povo, no seu uso, saberá escolher em seu saber empírico os programas e as soluções mais progressivas e justas, as que apontam os caminhos pacíficos e realistas para uma sociedade de socialismo e liberdade - assim os que lhos apontem mereçam credibilidade, façam uma política de verdade e, dentro do seu idealismo, saibam ser programáticos e competentes. Eis uma aspiração que formulamos, sem quebra, é evidente, do respeito da vontade popular, garantido na Constituição.
Como era forçoso, a Constituição, resultado de compromissos e consequências conjunturalmente datados, tem desequilíbrios e, até, defeitos.
Mas estes, tenhamos disso consciência, estão a ser empolados artificialmente em alguns meios. O empolamento, quando não (resulta de deturpação ou de superficial etiqueta ideológica, reveste a forma de uma interpretação rígida e maximalista de um ou outro artigo, contrário, a nosso ver, à natureza das coisas.
Assim se quer inculcar a ideia, desfigurando os preceitos, de uma imprestabilidade de certos artigos que lhe dá um efeito desestabilizador e possibilitar um retrocesso.

Vozes: - Muito bem!

O Orador:- Há que contrariar estas tendências. Correctamente interpretada em seu sentido e alcance, a Constituição pode fornecer um quadro adequado à afirmação da independência nacional, à democracia e à estabilidade, à recuperação económica e à transição para uma sociedade mais justa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto de aprovação da Constituição é duplamente um voto.
É um voto de aprovação, de aceitação do seu conteúdo e das potencialidades que ela encerra na edificação da democracia e do socialismo.E é também um voto, um desejo, de que com a sua entrada em vigor um espírito e uma vontade de democracia, de convivência pacífica, de realização de uma avançada justiça social inspirem os órgãos de soberania - e em particular venham habitar nesta Casa, que será a da Assembleia da República.
Tenho dito.

(O orador não reviu )

Aplausos de pé.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado de Macau.

O Sr. Diamantino Ferreira (Macau): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao conceder o seu singelo voto da aprovação ao articulado da Constituição Política da República Portuguesa, o Deputado de Macau vivamente aplaude as generalidades das disposições do texto constitucional, com especial relevância para as que respeitam aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e aos direitos e deveres de expressão económica, social e cultural, as quais corporizam notáveis aquisições do povo português.
Manifesta a sua fundada esperança na institucionalização, por via da lei fundamental, da democracia e da liberdade em Portugal.
Recorda, com emoção, o longo e acidentado caminho percorrido pelos constituintes da liberdade e os dias terrivelmente difíceis que se viveram nesta Casa.
Exprime o seu apreço por todos os Srs. Deputados, seus colegas, pelo árduo trabalho a que se entregaram neste longos meses, manifestando igualmente o seu agradecimento pela compreensão que a sua especial posição mereceu neste hemiciclo e fora dele.
Finalmente, o Deputado de Macau transmite à Assembleia Constituinte o regozijo da população de Macau por ver constitucionalmente satisfeitas as suas justas aspirações: a permanência da administração portuguesa e o estatuto de autonomia.

Tenho dito.

(O orador não reviu.)

Aplausos.

O Sr. Presidente:- Para declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado da UDP.

O Sr. Afonso Dias:- A Constituição que acaba aqui de ser aprovada não é uma Constituição popular, não é a Constituição que estes dois anos de luta do nosso povo justificavam e exigiam. Para que ela fosse verdadeiramente popular e revolucionária, para que ela fosse um instrumento seguro nas mãos do povo, era necessário consagrar toda uma série de conquistas e aspirações populares. Era necessário que fosse garantido o desmantelamento dos pitares fundamentais sobre os quais assentou a ditadura de Salazar e Caetano, contra os quais se contavam a PSP e a GNR fascistas, a hierarquia da administração pública e a estrutura militarista das forças armadas, estruturas que apenas foram arranhadas à superfície. Era necessário que contivessem disposições eficazes de repressão aos fascistas e a todos os inimigos do povo que esta Assembleia sempre se recusou a incluir. Era fundamental que libertasse amplamente a iniciativa popular e que consagrasse a intervenção às organizações populares no exercício do poder político. Eram necessárias medidas económicas que constituíssem machadadas verdadeiramente irreversíveis no poder do grande capital e do imperialismo e melhorassem a situação das massas trabalhadoras, muito em particular dos camponeses. Impunha-se a denúncia dos tratados imperialistas e vexatórios para o nosso país.
O único projecto de Constituição que consagrava estes princípios revolucionários era o projecto da UDP, naturalmente rejeitado em bloco e por unanimidade por esta Assembleia.
Mas, apesar de tudo isto, a UDP pensa que é justo votar hoje a favor da promulgação desta Constituição. A razão por que o fazemos tem em conta as condições políticas em que se desenvolve actualmente a luta do povo pelos seus grandes objectivos.
A Constituição, no essencial, não impede o desenvolvimento da luta popular contra o fascismo, a miséria e o imperialismo, ao mesmo tempo que contém uma série de pontos que constituem um empecilho legal aos manejos da direita reaccionária e fascista.
Se isto acontece é porque esta Constituição foi elaborada num período muito particular da luta de classes no nosso país. De facto, só uma situação em que o movimento popular de massas fez sentir a sua grande

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força, em que milhares de pequenas e grandes lutas dos trabalhadores não deram descanso aos seus inimigos, só uma situação dessas explica que esta Assembleia tenha sido obrigada a reconhecer na texto da Constituição algumas importantes conquistas que o povo tinha já alcançado na prática. Apenas um exemplo que ilustra este facto: na Constituição reconhece-se o direito à greve e à manifestação e proibe-se o lock-out, depois de os trabalhadores terem feito em mil pedaços as leis reaccionárias dos governos provisórios que procuravam impedir ou limitar ao máximo o exercício desses direitos.
Por estas razões afirmam agora os reaccionários que esta Constituição foi, em muitos pontos, feita sob coacção. Sim; se consideram coacção a grande luta do nosso povo não há dúvida de que houve coacção. Foi a luta do povo que os obrigou a aceitarem pontos que lhes são desfavoráveis e que nunca tiveram intenção de cumprir.
No entanto, se esta Constituição não impede a luta das massas populares, da não é também a garantia que os conciliadores apregoam. Todos eles tentam convencer o povo de que esta é uma Constituição socialista ou, que, pelo menos, abre o caminho ao socialismo. Isto não passa de demagogia. O poder político não passou para as mãos dos trabalhadores e isso está bem à vista ao longo do texto constitucional. Para além disso, passados dois anos sobre o 25 de Abril, esta Constituição mantém o mito da aliança povo-MFA como garantia da transição pacífica para o socialismo. Esta originalidade cunhalista já mostrou sobejamente a sua falência no nosso país, para não falar nos resultados trágicos que demagogias semelhantes tiveram para outros povos, como no Chile.
A UDP, ao contrário dos partidos conciliadores, não aumenta ilusões sobre esta Constituição. Ao lado dos seus aspectos positivos encontram-se disposições ou já concretização, a não ser travada pela luta popular, pode virar-se seriamente contra esta. Estão neste caso toda uma série de disposições importantes nas quais, em vez de se consagrar em definitivo as conquistas populares, é deixado campo aberto a futuros legisladores para as poderem concretizar num sentido reaccionário. Por isso, só uma luta sem tréguas contra as tentativas de espezinhar ou deturpar por via da regulamentação o conteúdo das disposições progressistas poderá impedir que tal aconteça. Estão ainda neste caso várias outras disposições, como a que visa afastar os trabalhadores manuais da participação na orientação ideológica dos jornais, a omissão que deixa campo a um regulamento especial paira a função pública sem salvaguardar os direitos laborais e sindicais desses trabalhadores; como a que inclui referências a Timor Leste sem reconhecer que é já um Estado independente. O caso mais flagrante, porém, é o que permite a supressão legal dos direitos e liberdades mediante a declaração do estado de sítio. Através deste artigo os detentores do Poder reservam-se a possibilidade de, face ao ascenso do movimento popular, recorrerem a todos os meios, mesmo os mais violentos, para conservarem os seus privilégios; e a isto o povo não poderá deixar de responder pêlos mesmos meios.
Como dizia o grande dirigente revolucionário Lenine, em todas as Constituições burguesas há sempre um artigo que permite suprimir todos os outros.
Tirando todos estes casos, há ainda que lutar decididamente contra a violação dos preceitos aqui aprovados por aqueles mesmos que os aprovaram. Veja-se a questão do PDC que vai às eleições com a sua designação inconstitucional, ou o actual projecto de lei da greve, que, em nome dos direitos e liberdades dos fura-greves, destrói o sentido do artigo aqui aprovado.
Apesar de tudo isto nós pensamos que os aspectos da Constituição que são desfavoráveis aos trabalhadores são secundários num momento em que os fascistas se preparam activamente para espezinhar as liberdades e pôr em pratica uma política económica ferozmente antipopular. Hoje a alternativa a esta Constituição é uma outra reaccionária e fascizante que eles procuram impor, inclusivamente pela força das armas.
Por isso, nós denunciamos firmemente as manobras reaccionárias que visam rever esta Constituição.
Ao concluirmos a nossa participação na Assembleia Constituinte estamos firmemente convictos de que defendemos as aspirações e os interesses fundamentais do povo português. A Assembleia Constituinte foi para a UDP uma frente de luta subordinada à verdadeira e decisiva luta que o povo trava diariamente na rua, no local de trabalho e habitação contra os seus opressores e exploradores, pela sociedade justa a que tem direito. Fomos porta-vozes das reivindicações populares, procurámos sempre aproveitar este local para as divulgar e apoiar. Denunciámos as manobras fascistas e de conciliação com o fascismo que aqui tiveram lugar.
O nosso projecto de Constituição foi rejeitado. Mas nem por isso deixámos de lutar para que a Constituição aqui aprovada fosse o mais possível favorável aos trabalhadores. Votamos sempre todas as propostas que pudessem servir a luta do povo, independentemente de quem as apresentasse. Propusemos alterações no sentido de melhorar o conteúdo de muitos artigos e opusémo-nos a todas as propostas ou alterações antipopulares. Embora as nossas propostas aprovadas se possam contar pêlos dedos de uma só mão, temos a certeza de que a nossa presença aqui teve influência na consagração de certas conquistas populares. A nossa presença deixou pouco à vontade os partidos burgueses, dificultando as suas manobras e tentativas de, nas costas do povo, introduzirem disposições reaccionárias.
Estamos convencidos de que esta Constituição pode ser utilizada peto povo pana dificultar as manobras reaccionárias e fascistas e desmascarar a demagogia dos conciliadores. Reafirmamos, porém, que é a luta do povo e só ela que é decisiva. É nessa luta que da UDP vai continuar a empenhar-se a fundo. Enquanto os conciliadores vão querer atrelar o povo a esta Constituição e aos actos do Governo, nós vamos assumir a posição contrária, apoiando e desenvolvendo ao máximo a iniciativa popular, certos de que essa é a única barreira ao fascismo. Os aspectos que nesta Constituição pretendem entravar essa iniciativa não atingirão os seus objectivos. A luta popular contra o fascismo e a miséria irá mais longe e alcançará novas e maiores vitórias.
O golpe fascista está em preparação e a sua marcha é acelerada porque os fascistas e reaccionários têm pressa de voltar ao passado.
Mas os fascistas não são muitos nem invencíveis como procuram apresentar-se. A força deles só nasce

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quando há inércia, divisão, indecisão e confusão no saio do povo. Lutando pela unidade popular, lutando taco a taco sem conciliação nem tréguas contra os fascistas e os exploradores, o povo português isolá-los-á e há-de reduzi-los à sua base social que é ínfima.
Então seira fácil derrotá-los e impor um governo antifascista e patriótico, que já hoje é uma exigência do povo português.
É por esse governo antifascista e patriótico, como ainda não tivemos nenhum, que a UDP desenvolve os seus esforços.

E é por isso que eu grito desta tribuna:
Morte ao fascismo, liberdade para o povo.

Manifestações nas galerias

O Sr Presidente: - As galenas não podem manifestar-se. A autoridade intervém, faz favor.
Não se podem manifestar.

Pausa.

Vou dar a palavra ao Deputado do grupo MDP/CDE.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente.
Srs. Deputados: Mais que a razão de um voto, a declaração do MDP/CDE tem o jeito de uma reflexão.
A reflexão de quem, apaixonadamente, viveu a nossa revolução e também se esforçou pela sua assumpção consciente. A reflexão de quem, honestamente, esperou aqui e além com ingenuidade que esta Assembleia igualmente a assumisse; e também de quem entendeu que esta Assembleia não poderia assumi-la plenamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa foi ganha pelos trabalhadores e explorados portugueses e, por isso, devemos, agora, entregar-lha. É uma arma do seu combate. Uma trincheira de defesa dos seus direitos e das conquistas da sua história.
A Constituição da República Portuguesa atinge pontos avançados na definição do quadro político-ideológico da sociedade futura e abre mecanismos que ajudarão os trabalhadores portugueses no avanço a caminho de uma sociedade libertadora.
Por isso, não há outro destino legítimo da Constituição que não seja entregá-la aos trabalhadores e explorados portugueses. Outro destino quero frizá-lo Srs. Deputados será um destino ilegítimo.
O povo português ganhemos todos essa certeza saberá, com o seu esforço criador e patriótico, integrado consequentemente e em aliança com o MFA, assegurar o desenvolvimento do processo revolucionário, saberá empenhar-se no exercício do poder político e lançar-se na tarefa de criar uma sociedade sem classes, onde seja banida a desigualdade e a exploração entre os homens. O povo português saberá de seguro ganhar o país livre que a Constituição lhe desenha.
E será forte para guardar os caminhos que levam a esse país do futuro. Será forte para defender e consolidar o direito de se exprimir e reclamar livremente, o direito de se manifestar e reunir, de ser igual entre si, sem qualquer condição, o direito de ser livre na religião e na cultura; será forte paira defender e consolidar o próprio "direito à liberdade".
Na lembrança da sua dor, o povo português conheci bem o seu passado. Conhece a exploração económica e a opressão do fascismo.
E, hoje, sabe que, desaparelhado o mecanismo da opressão social, para fortalecer e consolidar da sua batalha contra a exploração e ganhar a nova sociedade, cabe-lhe tomar nas mãos a riqueza do País.
Sabe, como lhe diz a Constituição, que só a apropriação colectiva dos principiais meios de produção e a (planificação económica, são a condução e a garantia para o exercício dos direitos que lhe pertencem.
As nacionalizações já efectuadas e a efectuar, a Reforma Agraria em curso, como condição essencial do equilíbrio social, económico e cultural da sociedade portuguesa, a organização sindical dos trabalhadores e a sua intervenção directa no reordenamento do trabalho e da economia do País, o controle de gestão empresarial como componente decisiva do processo revolucionário, o direito à greve, a proibição do lock-out, uma política firme de eliminação de todas as formas de exploração monopolista e latifundiária e a abolição das formas feudais de exploração, tudo é a aparelhagem que a Constituição reconhece aos trabalhadores portugueses para garantia do exercício daqueles direitos.
Por isso, dizemos que a Constituição pertence ao povo português aos trabalhadores e explorados portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE, na incidência da revolução, adoptou uma tarefa e responsabilizou-se por uma proposta política.
Elas decorriam no nosso passado e, em nosso entender, respondiam aos grandes problemas políticos do povo português na luta pela sua libertação do fascismo.
Todo o nosso empenhamento se centrou, na linha das nossas antigas lutas, no combate implacável às formas de exploração económica e de opressão do fascismo, no envolvimento convergente de todas as classe sociais exploradas e oprimidas, contra os monopólios, na libertação da riqueza da movimentação
popular, em aliança com o Movimento das Forças Armadas, enfim, na perspectivação de uma sociedade plena, de liberdade criadora, a caminho do socialismo.
Este foi o guião do nosso trabalho e será ainda o rumo dos nossos passos futuros.
O Grupo de deputados do MDP/CDE nesta Assembleia nunca traiu o compromisso político do seu partido, e sempre mais bem menos bem levantou uma voz na defesa dos interesses que o legitimaram nesta Constituinte.
Por isso também denunciou e denuncia agora aqueles momentos em que a Assembleia não soube ou não pôde dar-lhes resposta clara e segura.
O empolamento "luxuoso" da fórmula dos direitos e liberdades individuais, sem prevenção contra os eventuais agressores dos direitos e das liberdades, estimulando a revelia do cidadão ao empenhamento cívico na construção de uma sociedade nova, o menosprezo pela debilidade do Estado, que, por definição política e contraditoriamente, teria de ser um Estado planificado e interventor, a sufocação do movimento popular de massas, castrado pela administrativação do seu estatuto, são traços errados no desenho da sociedade, a caminho do socialismo, programada pela Constituição.
De um lado, o princípio da eliminação dos monopólios e dos latifúndios; do outro, a possibilidade futura

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de indemnização aos monopolistas e latifundiários; num ponto, a necessidade de criar a coesão da classe trabalhadora para assumir ela o exercício do poder político; noutro ponto, o risco da fractura sindical da mesma classe; numa perspectiva, as nacionalizações como condição da luta antimonopolista; noutro ângulo, a insegurança do critério para, a eventual reversão de empresas à gestão privada; por vezes, a recusa da norma de intenção ou de empenhamento programático, em nome da economia lógica do contexto; por outras, a degradação do articulado ao nível do casuísmo regulamentar, tal como na matéria da imprensa e da comunicação social; de um lado, a tarefa histórica da luta contra o fascismo; do outro, a recusa de mecanismos eficazes na luta antifascista.
Estas são as contradições do programa e dos meios fixados na Constituição.
Estas são as contradições desta Constituinte.
Mas as classes trabalhadoras e exploradas, conscientes do papel histórico que hão-de desempenhar no curso revolucionário, hão de conseguir, na sua prática diária da luta para uma sociedade nova, encontrar meios e reunir forças para dominar tais contradições.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mau grado as hesitações e as dúvidas, as insuficiências e as contradições, a Constituição da República Portuguesa é, neste momento, uma conquista do povo português oprimido e explorado, e que, nós, Deputados, devemos reconhecer como tal.
O povo português vai tomando conta de que ela é essencial para o seu futuro livre. E é bom que nós, Deputados, realizemos o seu significado na defesa imediata dos direitos e liberdades e na via que ela pode ser para o socialismo.
Nós queremos, e julgamos mesmo dever salientar mais um facto:
Os grandes marcos da Constituição, aqueles que lhe definem o rumo da libertação dos oprimidos e dos explorados e lhe dão a grandeza histórica de definir a sociedade nova, e justa, foram implantados, todos eles, sempre, na esquerda desta Assembleia.
Muitas vezes, contra a direita desta Assembleia.
O MDP/CDE não compreende doutra forma a luta conjunta das forças verdadeiramente democráticas e patriotas.
Para o nosso partido, a unidade na luta por uma sociedade democrática a caminho do socialismo só pode ser a unidade das forças de esquerda. Nunca a unidade com as forças de direita, porque, neste caso, perderemos sempre. Mais hoje, mais amanhã.
E, agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de certo modo podem entender-se algumas das dificuldades políticas vividas nesta Câmara, as contradições políticas da Constituição e muitas das preocupações honestas do meu partido.
A jovem democracia portuguesa e a esperança empolgante de uma sociedade socialista só poderão viver da energia que a unidade das forças de esquerda possa oferecer-lhe.
A lição clara que tirámos desta Assembleia faça, ao menos, entender, definitivamente, que os interesses das desses trabalhadoras e exploradas e o futuro livre da Pátria nada têm a ver com as forças políticas da direita reaccionária e do fascismo, ou antes, terão tudo a ver no seu constante empenhamento na liquidação final das forças do obscurantismo, da opressão e da exploração.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se VV. Ex.ªs me permitem, apenas uma pequena nota minha. Como Deputado do MDP/CDE, acabo de fazer a declaração de grupo. Será talvez a última vez que eu falo nesta Assembleia. E eu guardei desta: Assembleia uma experiência rica. A experiência de entender que se podia ser militante, sem deixar passar a vida política e a vida desta Constituição, ao lado de um partido pequeno, minoritário. E sei que essa militância ou, pelo menos, esse empenhamento, essa preocupação nossa tem o seu preço. É um preço às vezes duro, às vezes um preço incompreendido. Mas sei que vale a pena pagar esse preço. E sei que muitos dos Deputados que aqui estão sabem também, e têm a certeza para si também, que vale a pena pagar o preço da militância e da coerência política. Como disse, será a última vez que falo nesta Assembleia, porque o meu barco será diferente, e talvez a rota também seja diferente. E se me permitem dirigir-me para aqueles Deputados que são capazes de entender as minhas palavras - porque outros, implacavelmente serão impotentes para isso -, para esses Deputados que são capazes de me entender, pois que os encontre na vida sempre com o mesmo empenhamento, sempre com a mesma energia, sempre com a mesma abnegação e com a mesma lucidez, com que muitos, intrepidamente, lutaram pela liberdade do homem e pela instauração de uma sociedade socialista em Portugal.

(O orador não reviu)

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra um Sr. Deputado representante do Grupo do CDS.

Pausa.

O Sr. Sá Machado (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou contra o articulado global da Constituição e fê-lo com perfeita consciência da gravidade de tal atitude no momento histórico em que os representantes legítimos do povo apresentam ao País a Constituição que elaboraram no cumprimento do mandato que dele receberam nas primeiras eleições livres depois de 1926.
Fê-lo o CDS na convicção de que, ao assumir essa responsabilidade, exercita um dos direitos que vivem no próprio coração da democracia: porque só em democracia é possível dizer não, só em democracia é possível assumir, em liberdade, a coerência, sustentar o pluralismo, recusar a unanimidade.
Das mãos do povo português recebemos nós, os Deputados à Assembleia Constituinte, o encargo exaltante de, em seu nome, elaborar a lei fundamental que consagrasse os direitos e as liberdades que aos Portugueses foram devolvidos pela revolução democrática de Abril, que erradicasse da terra portuguesa as sombras e os males da ditadura que, durante meio século, suprimiu as liberdades públicas, alienou gerações inteiras, votou à injustiça, ao desvalimento social e à

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pobreza largas camadas do nosso povo. Uma lei que restituísse aos Portugueses a sua dignidade de homens livres, a responsabilidade de cidadãos participantes, o direito de, por si, criarem as suas instituições, escolherem o regime em que pretendem viver, os homens que hão-de governá-los, a proposta política que melhor corresponda às suas aspirações, e de o fazerem sem compromissos nem hipotecas. Um lei enfim, para enraizar, estruturar e defender a democracia.
A Constituição que elaborámos responde a muitos dos nobres ideais que a inspiraram à partida. Nessa medida, cumpre o mandato outorgado à Constituinte pêlos Portugueses.
Cumpre-o no reconhecimento do valor e da dignidade essencial da pessoa humana e dos direitos fundamentais em que esta se exprime; na reivindicação generosa e rendentora dos direitos dos trabalhadores e dos grupos sociais mais desfavorecidos ou mais frágeis. Cumpre-o na afirmação de que o Estado se não encontra subordinado a um poder único e se estrutura, ainda, com respeito dos princípios da participação e da descentralização. Cumpre-o, finalmente, quando repudia de modo frontal a formação autocrática do poder e as legitimações carismáticas; quando repudia, em suma, o carácter unidimensional, porque autocrático ou ditatorial, da sociedade política.
O CDS orgulha-se de ter contribuído para que a Constituição da República integre e confira realidade normativa a estes princípios que alteram o curso da nossa história, rompem definitivamente com um passado de opressão e abrem para os Portugueses os espaços da justiça e da solidariedade.
Não se iludam, portanto, aqueles que com ma fé pretendam interpretar o voto do CDS. O nosso voto é na essência do 25 de Abril, no reconhecimento efectivo da sua grandeza histórica, um voto revolucionário!

Risos.

O nosso voto exprime o inconformismo e a frustração pela oportunidade que, na lei fundamental, se perdeu de mais democracia e de mais autêntico pluralismo.

Risos.

Porque bem mais do que é, a Constituição haveria de ser norma da identidade colectiva de todos os portugueses entre si, e de todos eles no mesmo Estado e no mesmo futuro.
Por outras palavras: seria necessário que a Constituição não fosse, sobretudo, um instrumento de forças temporalmente maioritárias, mas que se traduzisse, isso sim, numa base flexível, de sólidas e bem delimitadas fronteiras democráticas, para o exercício pleno, criador, eficaz e progressivo da vontade popular.
Vamos não ter medo das palavras Sr. Presidente e Srs. Deputados: a nossa Constituição é paternalista.
Será o paternalismo de uma geração conjuntural aquela que, justamente em Abril de 1975, elegeu a Assembleia Constituinte. Por isso mesmo, será o paternalismo não genuinamente revolucionário defuma geração conjuntural sobre outras gerações conjunturais, de um eleitorado temporalmente marcado sobre outros eleitorados historicamente definidos. E a verdade é que o povo, ao ficar juridicamente prisioneiro de um dado momento da sua história, corre o risco de se ver parcialmente alienado da sua própria soberania sobre o futuro e sobre o futuro da sua própria história.
O nosso voto tem, assim, o valor de uma recusa ao conservadorismo do texto constitucional. A nossa proposta personalista de inspiração cristã foi, uma e outra vez, logicamente afastada pela maioria da Assembleia. A abertura criadora que o personalismo leva consigo, na sua dupla valorização da pessoa, como ser individual e como ser comunitário, perdeu-se na acentuação socialista e transpersonalista dada Constituição.
A amarra socialista, ao pretender fechar as portas à contribuição personalista, não melhora a qualidade da nossa democracia.
Ao pretender, aliás ilusoriamente, reproduzir a criatividade popular na selecção do Poder, a Constituição comporta-se, pois, não como um limite valorizado da própria democracia, mas como um instrumento da conservação dos dados de um determinado momento histórico.
O CDS não é socialista, mas rejeita, do mesmo passo, a atitude conservadora que consiste na estratificação da norma, no espartilho das soluções, na defesa integrista das estruturas sociais.
O nosso voto é um voto de liberdade. Porque não quereríamos ver o Estado necessariamente hipotecado à criação maximalista de relações de produção socialista; à apropriação dogmática pela colectividade de meios de produção, dos solos e recursos naturais; à concepção antidemocrática de exercício do poder democrático apenas pelas classes trabalhadoras; ao convite contraditório em democracia, de vinculação das Forças Armadas e Governo a. um projecto político restrito; a um ensino particular reduzido às precárias características de supletividade do ensino público; à impossibilidade de se legislar sobre o âmbito de um justamente inalienável direito à greve; à absurda mitificação do plano como instrumento privilegiado de progresso económico; à aparente recusa de promover o acesso dos trabalhadores à propriedade; às graves limitações acerca do direito de propriedade de pequenos e médios agricultores; à definição limitativa e não criadora do sector privado da economia a um papel remanescente e soberante no quadro geral da actividade económica, à não aceitação positiva da família como fundamento natural da sociedade: às restrições, inexplicáveis e desconfiadas, à legítima autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira no quadro da unidade nacional; e, enfim, ao não reconhecimento, na força histórica do seu puro significado, da ideia de Estado de Direito no articulado constitucional.
Mas se não quereríamos ver o Estado necessariamente amarrado a todos estes liames que consubstanciam, afinal, a visão específica do projecto socialista tradicional, menos nos encoraja a amarração que se pretendeu fazer do próprio povo ao texto constitucional.
O povo está acima, e sempre, da Constituição. Não é a Constituição, que está acima do povo. Que não tenha sido expressamente reconhecido ao povo o direito de, através dos seus representantes legitimamente eleitos, proceder à revisão constitucional na próxima legislatura da Assembleia da República, é facto grave que desvaloriza a soberania popular.
Por isso, também, o nosso voto não poderia ser favorável ao conjunto do texto constitucional, mesmo que, como acontece, tenhamos aprovado, com verdadeira fé democrática, com autêntico empenhamento

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em favor da democracia política, social e económica, numerosos artigos do texto constitucional.
De forma solene e inequívoca queremos, todavia, afirmar, sem ambiguidades e com toda a força moral e política, que respeitaremos sempre a Constituição da República Portuguesa. Queremos afirmar que, apesar das nossas discordâncias políticas, seremos perfeitamente capazes de exercer o Governo com esta Constituição, se a tal formos chamados pelo voto popular.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Queremos afirmar a nossa recusa de ver a Constituição transformada num pomo de discórdia ou de novas divisões entre os Portugueses. Queremos afirmar que estaremos, sempre, do lado daqueles que, como nós, apostam na defesa intransigente e firme da legalidade democrática contra todas as tentativas ditatoriais ou autoritárias de tomada ou exercício do Poder.
O nosso voto de discordância deseja, outros sim, representar um acto de respeito e permitir uma afirmação de esperança. Respeito pela maioria que, afinal, definiu os mais importantes contornos da Constituição. Respeito pêlos adversários políticos que, no direito subjectivo que lhes assistia, e na força dos votos que receberam, defenderam com vigor, energia e inteligência os seus pontos de vista. Mas é também afirmação de esperança.
A esperança de que Portugal e os Portugueses não mais se afastarão da democracia, apesar de todas as dificuldades que tenham de defrontar. A esperança de que os Portugueses saibam, com lucidez, na paz e na fraternidade, assumir o ideal cristão de uma sociedade humana, aberta e justa. Sociedade que o CDS revê, em oito séculos de história vivida, e projecta na Europa unida que queremos ajudar a construir.

Tenho dito.

Aplausos

O Sr Presidente: - Um Deputado do PCP.

Pausa.

Aplausos prolongados de pé.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo de Deputados do Partido Comunista Português congratula-se pelo facto de ler aprovado a Constituição da República Portuguesa Estamos conscientes de que tudo fizemos para que ela fosse autenticamente democrática e progressista. Estamos conscientes de que contribuímos em muito para que isso acontecesse. Sempre considerámos uma tarefa importante aquela que éramos chamados a desempenhar na Assembleia Constituinte, tal como importante considerámos a missão desta Câmara.
A Assembleia Constituinte foi sempre por nós considerada um terreno de luta da maior importância contra os desígnios e as manobras da reacção, contra as tentativas de inconstitucionalizar ou paralisar a Revolução, um terreno de Juta da maior importância no combate pela consolidação da Revolução e pela consagração das bases legais do seu avanço.
A nossa luta na Assembleia Constituinte, a nossa luta por uma Constituição democrática e progressista, sempre a considerámos como parte integrante da luta mais geral do nosso povo pela liberdade, pela democracia, pela independência nacional, pelo progresso social e pelo socialismo.
Esta atitude caracterizava já o nosso projecto de Constituição e a sua apresentação nesta Assembleia.
Exprimimos nessa altura a determinação que nos animava, e sempre nos animou, de lutar pêlos grandes objectivos que nele estão consagrados.
Lutámos por uma Constituição democrática que visasse a garantia das liberdades e direitos fundamentais, a eliminação das sequelas do fascismo e a consolidação de um regime democrático. Lutámos por uma Constituição que consagrasse a eliminação dos monopólios e latifúndios-condição para a eliminação da base social e política do fascismo, das raízes maiores da miséria e da opressão do povo, e passo fundamental da luta mais vasta e mais profunda pelo socialismo.
Lutámos por uma Constituição que defendesse a independência e a unidade nacionais e que abrisse o caminho para um futuro de liberdade e de progresso social.
Lutámos, enfim, por uma Constituição que garantisse os interesses da classe operária, dos camponeses, dos pequenos e médios proprietários, industriais e comerciantes, de todo o povo trabalhador, e pudesse representar uma plataforma de aliança de todas as classes, camadas e forças sociais interessadas na revolução portuguesa iniciada em 25 de Abril de 1974.
Nessa luta tivemos de enfrentar os ataques caluniosos dos partidos da direita, a demagogia irresponsável daqueles que, sob capa de esquerda, acabam a servir os interesses da direita.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Mas ganhámos também o apoio de outras forças no sentido de adequar a Constituição as conquistas populares.

Aplausos

A Constituição não e sempre consequente; a concretização dos grandes princípios nela expressos é por vezes débil, pouco operativa, muitas vezes insuficiente; algumas são as omissões que se repercutem no valor do que e consignado; nem sempre é plena e inequívoca a consagração das conquistas da Revolução. Mas o acervo positivo não e pequeno.
Saudamos a expressão do objectivo socialista assente na apropriação colectiva dos principais meios de produção e no exercício democrático do poder das classes trabalhadoras.
Saudamos a ampla estatuição dos direitos e liberdades, designadamente das garantias pessoais e das liberdades políticas, o fim da distinção entre os filhos, a igualdade entre marido e mulher; os direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente das classes trabalhadoras: o direito ao trabalho, tal como o dever de trabalhar, a consagração do papel da educação na edificação da sociedade democrática e socialista e o objectivo de eliminar a sua função conservadora da divisão social do trabalho, a previsão de discriminações positivas a favor dos filhos dos trabalhadores no acesso à Universidade, a proeminência do ensino público sobre o ensino privado.
Saudamos a firme e ampla consagração do direito à greve, a proibição do lock-out, a liberdade sindical,

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a participação dos trabalhadores na reestruturação do aparelho produtivo, o âmbito de poderes das comissões de trabalhadores, o controle operário.
Saudamos a defesa das nacionalizações e da Reforma Agrária, a extinção dos foros, da parceria e da colónia, o respeito pela posse da terra dos pequenos e médios agricultores, a admissão da não indemnização dos grandes capitalistas expropriados, a planificação democrática da economia.
Saudamos ainda o reconhecimento da participação do MFA na organização do poder político, o papel do Conselho da Revolução como garante do cumprimento da Constituição, a missão das forças armadas de, garantir as condições de passagem para uma sociedade democrática e socialista, a intervenção das organizações populares no exercício do poder local, a autonomia local e regional, a defesa da liberdade eleitoral e da acção política dos partidos, o controle da constitucionalidade dos actos do Estado.
Mas não podemos deixar de lamentar a definição pouco clara da base social, económica e política do Estado e das suas várias funções, a ausência de uma perspectiva lúcida e firme de combate à actividades dos reaccionários, fascistas e separatistas, o não se assegurar o devido grau de participação de jornalistas e outros trabalhadores nos órgãos de informação, nem a libertação da informação do controle monopolista e do grande capital.

Lamentamos a não consagração da via escolar única, o desaparecimento dos critérios de indemnização, das nacionalizações, a ausência do objectivo de firme combate ao grande capital, a limitação excessiva do carácter imperativo do Plano, o bloqueio à dinâmica própria das organizações populares de base (como é o caso flagrante em relação às comissões de moradores), o recuo na matéria do julgamento dos responsáveis da PIDE/DGS, etc. Fomos vencidos nesses pontos e ficámos muitas vezes sozinhos na defesa dos interesses das massas populares. A nossa luta não foi vã, contudo. O apoio que recebemos e a unidade que em muitos outros pontos conseguimos estabelecer com outros partidos foram decisivos para fazer da Constituição aquilo que ela tem de positivo.
Por mais equívocas que sejam algumas das formulações da Constituição, ela é no fundamental incompatível com os interesses reaccionários do grande capital e da direita. A Constituição não é favorável à direita, a Constituição não é favorável à reacção. A direita, a reacção, sabem-no bem e já disso deram provas públicas. Conhecendo nós, no entanto, a sua actividade de constante mistificação ideológica e política, não será de surpreender que aqueles mesmos que ainda ontem denunciavam o carácter "dogmático, marxista" e "totalitário" da Constituição venham hoje a reivindicá-la para os seus interesses partidários e identificá-la com o seu programa, no exacto momento em que desde já mistificam o seu conteúdo.

Vozes: - Muito bem!
Aplausos.

O Orador: - Pelo nosso lado, o PCP não reivindica a Constituição como propriedade sua, nem a lê por metade. Não afirma que ela corresponde integralmente ao seu programa. Mas o PCP está em condições de se reclamar de uma intensa participação na sua elaboração e de um grande contributo para o triunfo dos seus aspectos mais progressistas. O PCP afirma que se trata de uma Constituição democrática e progressista e como tal se decide a respeitá-la e a defendê-la.

Aplausos.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que as forças, da direita tentarão recuperar a Constituição para os seus interesses. Sabemos que tentarão reduzi-la a um mero papel a ser rasgado e violado, porventura emoldurado, mas não aplicado como instrumento de transformação da sociedade. Sabemos que a Constituição não é só por si a garantia efectiva da consolidação da democracia e das demais conquistas da revolução. Mas nós sabemos também que as forças conservadoras e reaccionárias a sentem como um obstáculo aos seus desígnios de restaurar a brutal exploração do nosso povo. Por isso será parte da nossa luta, e tudo faremos para que seja parte da luta do povo português, o combate pela sua defesa e pela sua aplicação afectiva, firme e intransigente.
Esta Constituição será uma importante arma de luta pela liberdade e pêlos objectivos fundamentais da revolução, se a classe operaria, o povo trabalhador em geral, as massas populares, a tomarem nas suas mãos e colocarem nos órgãos do poder as forças capazes de a aplicarem.
Se o nosso povo a tomar nas suas mãos, esta Constituição será uma bandeira de luta, uma barreira erguida contra a recuperação capitalista, contra o regresso do fascismo. Nas mãos do nosso povo, ela será um instrumento de consolidação da democracia e do seu aprofundamento rumo ao socialismo. Ou como diz no seu próprio preâmbulo um instrumento de construção de um Portugal mais livre, mais justo, mais fraterno.
Disse.

Aplausos prolongados e de pé.

O Sr. Presidente: - Ouviremos agora a declaração de voto do Deputado do PPD.

Aplausos

O Sr. Barbosa de Melo (PPD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao usar da palavra pela última vez perante o Plenário da Assembleia Constituinte, saúdo V. Ex.ª e os demais membros da Mesa pela maneira eficiente, imparcial e cuidadosa como conduziram os nossos trabalhos, nem sempre fáceis.
Paira todos os constituintes aqui presentes pelo voto livre do povo português vai nesta hora a minha gratidão pessoal pela experiência humana e única que  me ajudaram a viver durante estes longos meses de encontros numa caminhada comum.
A todos os colaboradores dos serviços da Assembleia Constituinte expresso a minha homenagem pela dedicação e zelo que souberam pôr na sua tarefa de facilitar a consecução do nosso trabalho comum e do trabalho do Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático.

Aplausos.

A todos vós aí dessa nossa bancada, meus companheiros de tantas horas melhores e piores, aqui deixo

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o testemunho da minha muita amizade e da grande pena que levo de não vos ter retribuído o muito que soubestes e quisestes dar-me.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem, apressadamente, olhar para o conjunto da Constituição não deixará de experimentar algumas estranhezas. A linguagem e cargas ideológicas nela recorrentes impuseram-lhe um certo ar alheio à nossa sensibilidade e cultura. As proclamações sucessivas de igualdade e bem-estar para todos os portugueses, em preceitos às vezes miudamente regulamentados, ultrapassam ais prudências do realismo e bom senso. A permanente respectiva afirmação dos valores democráticos e dos ideais socialistas pareçam obsessivos, como se estivéssemos e estamos num universo político de traumatizados pela repressão, pela injustiça e pela miséria.
Há certas disposições que parecem um manifesto de circunstância, ou mesmo um protesto contra o próprio poder político. A complexidade do seu mecanismo, cheio de voltas e contravoltas, faz lembrar um puzzle inventado para recreio do espírito a jogar ao "esconde-esconde" com o poder político, com a consequência estranha de, ao defender a pessoa humana contra os seus abusos, acabar por manietar também o seu próprio uso, o próprio poder.
O nosso socialismo personalista encontrou eco em considerável parcela do povo português. Do êxito do nosso programa paira uma democracia política, cultural, social e económica falam os resultados das eleições de 1975, resultados obtidos num período em que a nossa organização e capacidade para a acção, longe de espectaculares, eram pouco mais que rudimentares.
São as ideias e não os factos que motivam as pessoas e fazem a história. E o nosso programa era uma ideia que sensibilizou milhão e meio de portugueses, nas primeiras grandes eleições livres que houve em Portugal.
Dizer sim à Constituição não significa que, se fôssemos nós a elaborá-la, sozinhos, a faríamos com esta aparência. Na linha do programa do partido, e dentro do espartilho da primeira Plataforma de Acordo Constitucional, apresentámos à Assembleia Constituinte um projecto de Constituição. Esse era o nosso projecto constitucional então possível. Mesmo assim, na sua parte doutrinal, deixa bem clara e nítida a nossa opção política, centrada na ideia de que o Estado, como instrumento da realização de pessoa humana, deve estar permanentemente ao seu serviço para remover progressivamente as condições objectivas que oprimem, exploram e alienam a dignidade humana.
Para a nossa maneira de ver, esta imensa tarefa histórica não pode ser levada a cabo de um só jacto.
Tem de ser dividida nas partes .realizáveis em cada momento ou período e, de tal modo, que nunca o essencial da liberdade de cada um possa ser posto em causa. Sem este realismo do possível, cai-se inevitavelmente no vanguardismo ou paternalismo, que tudo isso é o mesmo. Quer a ditadura da burguesia, quer a ditadura do proletariado, uma por não fazer nada pelo homem concreto em cada momento, outra por querer fazer-lhe tudo ao mesmo tempo, são soluções muito más, simplesmente por serem ditaduras.
A sociedade ideal, onde os homens sejam plenamente livres, justos e fraternos, vai-se construindo sem sofreguidões nem impaciências, com a vontade política firme de tomar a vida de todos hoje melhor que ontem, amanhã melhor que hoje.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Não abraçar esta Constituição equivaleria para nós a um pecado capital contra o universo ético-político em que, indefectivelmente, nos movemos. Um dos axiomas mais caros ao nosso ideário reside na crença inabalável na democracia política.
Isto para nós significa que a verdade possível em política se há-de alcançar, e só pode alcançar-se, pela permanente conjugação das pequeninas verdades de cada, um. Será sempre intolerável que uma parte do povo queira ser todo o povo. Para nós uma pessoa, um partido, uma classe social, um aglomerado territorial, jamais poderão legitimamente evocar o direito de apreciar e julgar a história, ou de fazer a política de um povo inteiro.
No momento em que alguém ou algum grupo disser: "o povo é meu, a história é minha, o Estado sou eu", como um predestinado ou eleito que tivesse comido sozinho o fruto da árvore proibida, nesse momento a democracia morrerá.

Aplausos.

Estamos de alma e coração com todos aqueles que, ao longo da história da libertação humana, souberam ir expulsando os deuses do horizonte dia cidade e lançar, pouco a pouco, as bases para o advento, como diria Viço, da idade dos homens.
E se esta é a nossa crença inabalável, então como poderíamos recusar a aprovação de uma Constituição elaborada pêlos representantes do povo, livremente eleitos no maior acto cívico que regista a nossa história política dos últimos 50 anos-as eleições de 1975.
Em 25 de Abril o povo inteiro, à medida das suas luzes e através dos seus resultados eleitorais, disse até onde queria garantir a cada partido ou formação ideológica a sua influência na elaboração da nova Constituição da República. Se outros tivessem sido os resultados, decerto outra seria a Constituição. Quem formou a roda foi o povo e aí é que os partidos tiveram de dançar.
Mas acresce que a Constituição, descontado um ou outro ponto, também é obra nossa, incorporando as raízes características do pensamento político que norteia o Partido Popular Democrático. Não fugimos aos trabalhos da Comissão e às discussões do Plenário, combatendo sempre, muitas vezes com êxito, pêlos
ideais socialistas do nosso programa social-democrata, de raiz humanista e personalista. E podemos aparecer de cara levantada perante os nossos militantes e eleitores, pois muito do que fica a servir de leitura e frontispício à vida do povo português tem a nossa marca.
Assim, e para uma breve amostragem, pode referir-se a expressão do humanismo inspirador do nosso programa na própria concepção da sociedade e do Estado que na Constituição se adopta. A dignidade da pessoa humana surge logo no artigo 1.º como um dos fundamentos da República, enquanto no artigo 2.º se afirma que o respeito e a garantia dos direitos e

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liberdades fundamentais representam a base do próprio Estado. A pessoa humana, na sua dimensão individual e comunitária, entra como um ingrediente fundamental em toda a traça desta Constituição.
A tarefa do Estádio de promover uma justiça social cada vez maior, obtida mediante profundas reformas económicas, sociais e culturais, tendentes a pôr a organização social ao serviço da liberdade e da promoção humana, é uma ideia que se exprime, um pouco por toda a parte, desde o capítulo "Princípios fundamentais" até à "Parte II - Organização económica".

A preocupação permanente pela garantia aos direitos fundamentais do homem atinge uma expressão cuidada nos capítulos dos direitos fundamentais de liberdade, em cuja elaboração participámos relevantemente.
A enunciação clara do princípio de soberania popular, dos direitos políticos do cidadão e da organização pluralista dia vida. política e o do princípio da alternância do poder democrático são outra da nossa marca mesta Constituição.
E seria grave injustiça do PPD se não lembrasse a propósito deste ponto - e podia fazê-lo a respeito de qualquer outro a competência, o labor e talento, que aqui se arquivam, de Jorge Miranda.

Vozes: - Muito bem!
Aplausos prolongados de pé.

O Orador: - A ideia de que a democracia política passa pela ampla autonomia das colectividades territoriais, com a devolução dos amplos poderes públicos aos seus órgãos democraticamente representativos, de acordo com o princípio de descentralização administrativa; a criação das razões autónomas dos Açores e da Madeira, inspirada, na preocupação de satisfazer a profunda aspiração histórica de açorianos e madeirenses de disporem de mecanismos próprios de poder, para, dentro do quadro da unidade nacional, gerirem interesses tradicionalmente administrados em Lisboa; o estabelecimento de um calendário eleitoral que permitisse a rápida entrada em funcionamento dos órgãos representativos quer no plano nacional, quer no plano regional ou local; o princípio de jurisdição da actividade dos poderes públicos, como meio mais seguro de defesa contra os abusos, os arbítrios, as prepotências e as omissões dos detentores do poder qualquer observador atento ou historiador dos trabalhos desta Assembleia verá que, nestes princípios e em muitos mais, o Partido Popular Democrático deixou traços visíveis da sua passagem.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ao longo da celebração da Constituição o Partido Popular Democrático foi vencido várias vezes, mas nem sempre ficou convencido do acerto da maioria. Ao encarar ho)e a Constituição no seu conjunto notamos faltas que, corajosamente, procurámos colmatar. Também gostaríamos de deixar aqui enunciadas as mais significativas. Procurámos, a tempo, evitar que a linguagem e a conceptulogia de raiz marxista enxameasse o texto constitucional, tornando-o inapropriado à sensibilidade e à cultura portuguesa. Em nosso entender, a integração dos Portugueses na nova Constituição também dependia da integração da sua fala e dos seus conceitos. Dissemo-lo logo que a 1.ª Comissão terminou os seus trabalhos, mas um certo sectarismo verbalista, apegado ao calão marxista ou marxizante, impôs o recurso a palavras e a maneiras de dizer que eram desnecessárias para verter, com rigor, no texto as mesmas soluções.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - E o certo é que, recorrendo-se preferentemente às mesmas palavras ou clichés imprecisos, a parte programática, de tanto querer dizer, de tanto repetir, adquiriu uma feição marcadamente tautológica. Às vezes são fórmulas vazias de conteúdo normativo ou ideológico, abertas à aventura de qualquer interpretação ocasional e, por isso, insusceptíveis de constitucionalizar a realidade a que se dirigem.
Embora algo tenha sido recuperado na redacção final, não nos satisfaz a concepção que a Constituição recolhe sobre o princípio da liberdade de ensino.
Os constituintes não conseguiram passar, nesta matéria, de uma visão estatista, historicamente procedente, aliás, de várias matrizes culturais. A maioria não viu, ou não quis ver, que o ensino privado pode ser estruturado de outra maneira, sendo livre sem ser expressão de gula capitalista. A maioria não viu que a liberdade de aprender e de ensinar que, honra lhe seja, deixou consignar na Constituição só pode ser operativa e eficaz se for acompanhada da liberdade de iniciativa dos pais, dos professores, das associações laicas, das igrejas, para constituir escolas a todos os níveis, e da garantia da igualdade de tratamento por parte do Estado entre os alunos das escolas públicas e das escolas privadas.

O Sr. Pedro Roseta (PPD): - Muito bem!

O Orador: - A maioria não viu que a liberdade de ensino assim concebida é o próprio cerne do pluralismo cultural e ideológico e, por isso, o alimento seguro da experiência democrática.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Também não ganhámos uma dura luta travada em torno dos direitos dos trabalhadores, o reconhecimento expresso do seu direito, por nós impostergável, de participarem na gestão da sua empresa. Preferiu-se ficar, na palavra expressa, por um mero controle de gestão, aliás indefinido nos seus contornos, se não mesmo deliberadamente confundido.

Na parte da organização do poder público...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Quero adverti-lo de que dispõe de dois minutos.

O Orador: - ... não vimos acolhidas as nossas teses quanto à aprovação do programa de governo. Ficou, pois, aberta a possibilidade para a formação de governos minoritários, o que é uma clara inconsequência constitucional.
Teremos um Presidente da República que só pode ser eleito por maioria absoluta dos cidadãos eleitores e um Governo que pode ter apenas por ele uma mino-

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ria do Parlamento. Não foram pois esconjurados os riscos do presidencialismo e do cesarismo.
Aponto ainda a falta de um mecanismo, devidamente regulamentado, para a revisão da Constituição durante o período de transição. A necessidade de definição desse processo é tanto maior quanto é certo que a entrada em funcionamento de um edifício da grandeza deste pode facilmente revelar desajustamentos que urja corrigir em nome, quanto mais não seja, do princípio salus populi suprema lex est.
A defesa da Constituição devia ser sempre para nós assegurada, até onde fosse possível, por meios directamente previstos e regulamentados nela própria - a maioria, também aqui, não acolheu a proposta que fizemos.
Finalmente, gostaríamos que a hora de reconciliação nacional que hoje vivemos, tivesse tido melhor expressão no texto constitucional. Esta. Constituição devia ter sido, e não foi inteiramente, o sinal e o símbolo do espírito de concórdia entre todos os Portugueses um dos pressupostos da nossa primordial tarefa histórica de construir e garantir a democracia e de respeitar e assegurar os direitos da pessoa humana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos em globo a Constituição porque se o Povo, os partidos políticos, as forças armadas o quiserem ela não será, em nosso juízo, inviável.
Votámos a Constituição porque ela foi o produto honrado do jogo democrático. Votámos a Constituição porque, no essencial, ela também recolhe o fundamental do nosso programa.

O Sr. Américo Viveiros (PPD): - Muito bem!

O Orador: - Mas votámos a Constituição sem qualquer crença fixista sobre a história. Votámo-la com a consciência clara de que este Povo de mais de oito séculos vai retomar, serena e firme, a sua longa aventura da liberdade.

Tenho dito.

(O orador não reviu )

Vozes:- Muito bem!
Aplausos prolongados.

O Sr. Presidente:-Vai agora usar da palavra um Deputado do Partido Socialista.

Aplausos de pé.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realização de eleições para a Assembleia Constituinte foi em si uma grande vitória das forças democráticas. O &eu resultado, marcado pela vitória do PS, representou uma derrota grave para as forças antidemocráticas, as quais, na sequência do 11 de Março, pretenderam pôr em causa o regime democrático, instaurar uma ditadura contrária aos interesses e à vontade do povo português.
Não obstante, a vitória do PS em 25 de Abril de 1975 não impediu que a conspiração totalitária abatesse bandearás, abandonasse propósitos ou renegasse a sua expressa vontade de contrariar a vontade livremente expressa pelos Portugueses.
A Assembleia Constituinte, como órgão soberano e representativo do querer dos Portugueses, teve de desempenhar uma dupla missão: ser expressão das lutas, dos desejos e do anseio do povo de Portugal e elaborar uma Constituição que correspondesse à real vontade do Pais.
O Partido Socialista, ao impor no regimento da Assembleia Constituinte a existência de períodos de antes da ordem do dia, procurou utilizar a tribuna constitucional para denunciar os erros e os desmandos praticados durante o período gonçalvista e também das forças que, na direita ou na extrema esquerda, faziam o seu jogo, realizando uma política contrária aos interesses nacionais, através do incitamento à desordem e à destruição.
O Diário da Assembleia Constituinte mostra claramente a forma como o Grupo Parlamentar do PS soube não pactuar quando a capitulação se afigurava o caminho mais fácil e mais cómodo. Socialistas, denunciámos os abusos que foram feitos em matéria de nacionalizações. Adeptos de uma reforma agraria, denunciámos o escândalo das ocupações ilegais. Democratas convictos, denunciámos os erros de certos saneamentos. Socialistas que não renunciam à democracia e democratas que não renunciam ao socialismo denunciámos o projecto político que visava instaurar em Portugal uma estrutura liberticida e totalitária.
Muitos entenderam dever esta Assembleia Constituinte estar alheia a essa corajosa tarefa de denúncia.
Houve quem condenasse a existência de períodos de antes da ordem do dia, para, depois, pressurosamente, deles se usar.
Houve quem afirmasse a necessidade de nos dedicarmos prioritariamente à tarefa da Constituição, esquecendo que a tarefa ás denúncia empreendida se encontra plasmada e concretizada em muitas das páginas da Constituição.
No combate às ditaduras, foi a Assembleia Constituinte mais do que uma estrutura de luta, um agente histórico.
Isto é motivo de orgulho para todos nós Deputados do PS, que, sem indecisões ou tibiezas, nos colocámos no nosso lugar: na primeira linha na defesa da Constituinte, como principal órgão da soberania nacional.
A Constituição política hoje aprovada é resultante de um consenso nacional legitimado pelo voto, e a que uma luta tenaz pela Liberdade deu o seu verdadeiro último sentido.
Ao actuar como actuou na Constituinte, o PS demostrou não com palavras, mas sobretudo com actos, acreditar na democracia e na liberdade como valores inseparáveis do socialismo. Demonstrou estar disposto a lutar coerentemente, alheio às paixões desencadeadas, contra a paixões partidárias, contra a demagogia, contra a expressão cega da luta de classes.
A Constituição da II República representa, pois, o ponto de convergência de várias ideias e de várias vontades.
Como instrumento que foi da defesa da democracia, não podia a Assembleia Constituinte deixar de aprovar normas Jurídicas que defendessem a democracia.
Consagramos as liberdades individuais e, dentro destas; demos especial relevo às garantias do direito a vida e integridade pessoal. Consagrámos o direito de reunião, de associação e de lavre expressão do pensamento. E, para que esses direitos fossem exercidos por todos os portugueses, definimos condicionalismos legais, susceptíveis de garantir o efectivo pluralismo de ideias e de opiniões.

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Humanistas internacionalistas, estendemos a protecção do Estado Português a todos aqueles que, com respeito pela nossa vida política, entre nós procurem refúgio em consequência de, nas suas terrais, terem lutado contra a opressão e em defesa da liberdade.
Consagrámos igualmente os mais largos direitos dos trabalhadores, coerentemente defendemos o direito à greve e a proibição do lock-out. Definimos a estrutura e a competência das comissões dos trabalhadores, impusemos a sua eleição por volto secreto, de forma a impedir a desvirtuação da vontade dos mesmos trabalhadores. Reconheçamos os consequentes direitos de associação sindical, libertos da tutela estatal, ou das pressões políticas partidárias. Enunciámos os princípios que, na base do reconhecimento dos direitos à reforma, à protecção da velhice, à protecção dos tempos livres, à igualdade da mulher, à protecção da maternidade e à infância, hão-de abrir caminho à instauração em Portugal de 'uma efectiva sociedade igualitária e justo.
Tais objectivos impuseram aos constituintes o dever de definir igualmente uma estrutura económica que os sustentasse.
Neste sentido defendemos as normas jurídicas susceptíveis de orientar uma autentica reforma agrária que reconheça, com clareza e sem subterfúgios, o direito à propriedade dali suas terras dos agricultores não latifundiários e que Despeite também os direitos dos trabalhadores rurais. Da mesma forma defendemos a irreversibilidade das nacionalizações dos grandes monopólios e latifúndios, sublinhando instantemente a necessidade de fazer participar os operários e trabalhadores rurais na sua gestão, sem o que apenas cairíamos numa forma de capitalismo de Estado.

Aplausos.

Reconhecemos claramente o direito à iniciativa privada, sublinhando o seu importante papel na estabilização económica do País. Defendemos o princípio do controle de gestão que reconhecemos aos trabalhadores e que lei especial deverá regulamentar.
Este todo, aqui esquematicamente esboçado, teria, para ganhar coesão e sentido, de ser enquadrado numa economia planificada. Definiram-se assim as directrizes gerais do Plano e as formas contratuais de associação do sistema empresarial privado à economia planificada.
A estruturação dos Órgãos de Soberania estava ab initio condicionada paio pacto celebrado entre o MFA e os partidos políticos que, na esteira dos acontecimentos de 11 de Março, subscrevemos, certos de que esse acto foi um acto político essencial e que permitiu salvaguardar o princípio mesmo da realização das eleições. No entanto, quando após o 25 de Novembro surgiu com clareza a necessidade de revisão do Pacto, propusemos e conseguimos a assinatura de um novo texto susceptível de garantir uma harmoniosa integração das forças armadas no processo democrático português. Neste sentido, defendemos a eleição directa do Presidente da República, a redefinição das funções do Conselho da Revolução, o aumento de poderes da Assembleia da República, o carácter vinculado; do Governo à Assembleia, sublinhando a necessidade de se conseguir uma autêntica estabilização que permita governar e sem a qual a democracia não poderá funcionar.
No que respeita aos tribunais, defendemos o princípio da intervenção do júri e, recusando as formas demagógicas da chamada "justiça popular", admitimos que a Assembleia da República possa, no seguimento da tradução portuguesa, vir a criar juízos populares.
Estruturamos, enfim, os princípios atinentes a garantir a independência dos tribunais e a inamovibilidade e irresponsabilidade dos magistrados, nomeadamente dos juizes.
Às forças armadas foi atribuída a missão de defender o País contra qualquer inimigo externo, de garantir a independência nacional, de garantir a Constituição e de assegurar a escolha livre que os Portugueses entendiam fazer nas estruturas de um Portugal democrático. Grande parte das normas aprovadas nesta matéria tiveram como fonte a lei da reorganização das forças armadas, aprovada e publicada a seguir ao 25 de Novembro. Consagrou-se ainda o princípio do serviço militar obrigatório, reconhecendo a excepção da incapacidade e a objecção de consciência.
A administração interna mereceu igualmente a atenção da Assembleia. Prevaleceu o princípio da descentralização administrativa sem prejuízo da competência soberana dos órgãos nacionais. Reconheceram-se ais comissões de moradores, definindo-se de modo estrito a sua competência, de forma a evitar que se desviem do seu fim a defesa dos interesses "mediatos dos moradores junto da Administração e se transformem em instrumentos da subversão do 'Estado ao serviço de interesses partidários. Os órgãos do poder local viram enfim fortalecida a sua competência e organizada a sua base representativa. Regressamos assim a uma tradição municipalista de raiz bem portuguesa.
Impôs-se à consideração da Assembleia a necessidade de uma nova estrutura organizativa paira ais nossas ilhas atlânticas. Os arquipélagos da Madeira e dos Açores foram dotados de uma ampla autonomia que, estamos centos, corresponderá aos mais instantes anseios das populações. Neste campo, tomou-se necessário combater, não só as intenções independentistas que, na sua maioria, são recusadas por Madeirenses e Açorianos, mas também as concepções federalistas que, no espirito de alguns, seriam a gazua capaz de abrir a porta à independência.

Aplausos.

A estrutura definida permitirá consagrar uma justa aspiração à autonomia com a unidade e a integridade do território nacional que, em todos os momentos, deve ser defendida. O Grupo Parlamentar do PS expressou na Assembleia Constituinte esta posição de equilíbrio. As suas propostas acabaram, em larga medida, por ser acolhidas.
Tivemos, enfim, um especial cuidado numa formulação precisa do direito transitório. Neste campo avultam os normativos referentes a Macau e a Timor.
Da mesma forma definimos os princípios e as normais tendentes a defender a democracia contra os agentes do regime fascista, sublinhando sempre o carácter transitório e o sincero desejo de que, muito em breve, se possa realizar uma autêntica e efectiva pacificação da família portuguesa no âmbito da democracia e no respeito pela Constituição.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: É com júbilo que olhamos o trabalho realizado. Combatentes antifas-

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cistas, constituintes da II República, instrumentos da vontade do povo, temos a consciência de ter cumprido o compromisso de honra assumido paira com o povo português no dia 25 de Abril de 1975.
Como disse o nosso camarada Mário Soares, não há constituições perfeitas e a Constituição que elaboramos e que reflecte as vicissitudes ...

O Sr. Presidente; - O Sr. Deputado dispõe de dois minutos.

O Orador: -... e as contradições e debilidades do processo revolucionário, não escapará, seguramente, à regra geral. Contudo, estamos certos de que a Constituição representa um instrumento incomparável de instauração em Portugal de um Fitado de direito e de uma democracia avançada.
Estamos certos de que será aperfeiçoado e melhorado e temos esperanças de que as sucessivas legislaturas consigam obter esse desiderato. Estamos certos de que o seu tratado essencial poderá igualmente permanecer.
Ao votarmos a Constituição da República recordamos com emoção as sucessivas gerações de combatentes da liberdade que, pela sua luta indomada e indomável, tomaram possível esta Constituição e este dia.

Aplausos.

Prestamos também homenagem aos heróicos capitães de Abril, que, em consonância com as aspirações populares, puseram fim a um regime ilegítimo e antidemocrático e abriram a Portugal os caminhos da liberdade e do progresso.
Com a sua acção ensinaram-nos que o amor à pátria não se consubstancia no puro amor platónico à terra natal, mas no ódio eterno à tirania e à opressão.

Vozes: - Muito bem!

O Orador: - Ensinaram-nos também, como de resto já tínhamos aprendido com Alberto Camus, que o espírito pouco pode contra a espada, mas que o espírito unido à espada é sempre o eterno vencedor da espada desembainhada por si só.
Em 25 de Abril de 1974 tomámos conhecimento e pusemos à prova esta verdade; em 25 de Novembro de 1975, quando a espada se desembainhou por si só, também o povo português pôde pôr à prova esta verdade!
Ao cessar o nosso mandato, podemos olhar de frente o povo português e depor nas suas mãos a Constituição da República e incitá-lo a que a defenda por todos os maios ao seu alcance. Nós assim o faremos, certos que estamos de que a luta pela liberdade e pela democracia em Portugal não cessará.
Viva a II República Portuguesa!

Vozes: - Viva!

O Orador: - Viva Portugal!

Vozes: - Viva!

(O orador não reviu.)

Aplausos de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Queria felicitar-me e felicitar-vos a todos pela maneara disciplinada e rigorosa como cumprimos o nosso Regimento para estas duas sessões. Creio que sinceramente tudo correu com dignidade e dentro de uma disciplina autoconsentida.
Queria chamar a atenção para o facto de que a Mesa recebe declarações de voto individuais, as quais serão publicadas no Diário correspondente a esta sessão ou, se não for possível, em suplemento.
Queria pedir aos componentes dos diversos partidos que vão formar a deputação desta Assembleia que receberá S. Ex.ª o Presidente da República o obséquio de comparecer à entrada principal do Palácio de S. Bento um pouco antes dias 10 horas, digamos às 9 e 50.
A sessão de encerramento será, aliás, a continuação desta, terá início cerca das 22 horas e 10 minutos.

Está suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Às 22 horas e 10 minutos deu entrada na sala das sessões S. Ex.ª o General Francisco da Costa Gomes, Presidente da República Portuguesa, que ocupou o seu lugar na presidência, tendo à sua direita o vice-almirante José Baptista Pinheiro de Azevedo, Primeiro-Ministro, e o almirante Augusto Souto da Silva Cruz, representante do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, e à esquerda o engenheiro Henrique Teixeira Queiroz de Barros, Presidente da Assembleia Constituinte, e o juiz conselheiro José Joaquim de Almeida Borges, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Estavam presentes o Conselho da Revolução, o Governo, o corpo diplomático e altas autoridades civis e militares.
Foi em seguida executado o Hino Nacional pela banda da GNR, que foi ouvido pela assistência de pé e em silêncio.

O Sr. Presidente: - Com autorização do Sr. Presidente dia República, declaro reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 13 minutos.

O Sr. Presidente; - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Ministros, ilustres convidados, prezados colegas Deputados de todos os partidos.
Em nome da Assembleia Constituinte, e em meu nome próprio, quero começar por agradecer a honrosa presença de VV. Ex.ªs, Sr. Presidente da República e de mais autoridades oficiais, nesta Casa que hoje ainda é a nossa Casa, a Casa dos constituintes, e em breve será sede do poder legislativo da República Portuguesa.
Permita-me V. Ex.ª, Sr. Presidente, que, neste momento solene, reitere, sem lhes retirar uma vírgula, as palavras com que me referi, a 2 de Junho de 1975, à vossa figura ilustre de patriota e de militar.
Assim como, naquele dia, que tão longínquo já nos parece, afirmei nunca ter sentido dúvidas de que as eleições de 1975 se realizariam, para tal me bastando a garantia sempre dada por V. Ex.ª e os seus camaradas do MFA, assim também direi agora que, mau grado todas as vicissitudes que atravessámos, algumas

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bem penosas, a presença do general Costa Gomes na Magistratura Suprema e à testa de um Conselho da Revolução que soube manter-se fiel ao ideal democrático significou, constantemente, para mim a convicção de que não seríamos abusivamente impedidos de levar ao fim o nosso trabalho.
Srs. Presidente, Srs. Deputados: Terminámos a nossa tarefa. Cumprimos a missão que o povo português nos quis confiar, através de eleições que foram amplamente participadas, claramente livres, inegavelmente genuínas.
Haverá, porventura quem pergunte se o fizemos sem dificuldades, sem problemas, sem hesitações, sem incómodos e até angústias, linearmente, exemplarmente?

Perguntas a que, como nós Deputados bem sabemos, melhor até que ninguém, só se poderá honestamente responder pela negativa mais formal, já que as dificuldades nunca escassearam, os problemas surgiram da todos os lados (esperados uns, outros inesperados), as hesitações foram numerosas, os incómodos quotidianos, a angústia frequente, no caminho percorrido muitos foram os trechos sinuosos, os exemplos que demos nem sempre teriam sido os mais edificantes.
Se, porém, como é nosso direito, nos quisermos lembrar dos vaticínios (que de toda a parte apareciam) de que a Assembleia Constituinte não chegaria ao seu termo natural, que se desagregaria prematuramente, que seria dissolvida peia força, que agonizava, que era já um corpo moribundo - se nos quisermos lembrar, por uns momentos, e sem acrimónia, de tudo isso e do muito mais que impudicamente se escreveu, disse e fez a nosso respeito, verificaremos sem demora, pela simples invocação da evidência dos factos, até que ponto a verdade se afastou daquelas sombrias previsões, desses funestos presságios, até que ponto soubemos dar provas, todos nós, de vitalidade, resistência, autodomínio, serenidade e perseverança, até que ponto nos recusámos a desertar.
A seu tempo será elaborado o relatório completo, e circunstanciado da actividade da Constituinte de 2 de Junho de 1975 até 2 de Abril de 1976.
Neste momento, a sua apresentação seria descabida.
Afigura-se-me, no entanto, que o não serão algumas breves informações sobre tal actividade.
Efectuaram-se 132 sessões plenárias, ocupando quase 500 horas, e 327 sessões das 13 comissões especiais que se constituiram, ocupando um total aproximado de 1000 horas.
Das sessões plenárias, 108 foram dedicadas ao trabalho propriamente constituinte, discutindo e votando o articulado que as comissões iam sucessivamente elaborando e propondo.
As restantes 23 sessões foram ocupadas do modo seguinte:
1 sessão solene inaugural;
2 sessões para verificação de poderes;
1 sessão para eleger a Mesa e nomear uma comissão incumbida de elaborar uma proposta de Regimento interno;
7 sessões para discussão e aprovação deste Regimento;
1 sessão paira designar uma comissão incumbida de preparar uma proposta de sistematização da Constituição;
1 sessão para apresentação do "parecer" daquela comissão;
9 sessões paia discussão simultânea do referido "parecer" e dos projectos de Constituição elaborados e propostos por cada um dos seis Partidos representados na Assembleia, a última das quais aprovou a proposta de sistematização e designou as comissões especiais;
1 sessão de encerramento, cuja parte final está agora a decorrer.
Das 500 horas ocupadas pelas sessões plenárias, destinaram-se 90 às 23 sessões acima ditadas, 280 à discussão e votação da Constituição e consagram-se as restantes ao chamados "períodos antes da ordem do dia", durante os quais se procedia à leitura de uma correspondência, que foi sempre copiosa e por vezes interessante, os Deputados formulavam "requerimentos", dirigidos aos diversos departamentos ministeriais, e procediam, não raro acaloradamente, em especial quando solicitados por outros a prestar esclarecimentos, à exposição das mais variadas questões de política geral relacionadas com as conjunturas que sucessivamente iam sendo atravessadas e tantas vezes foram complexas, difíceis, confusas, emocionantes e até ameaçadoras.
Ao passo que as sessões plenárias, como determinava o Regimento, decorreram sempre à luz crua do dia, bem à vista de todos quantos as quisessem observar, com toda a desejável publicidade oral e escrita, as reuniões das comissões, cada qual formada por 11 e 12 Deputados, realizaram-se, como é normal, à porta fechada.
Foi assim assegurado ao público toda a oportunidade para ver a Assembleia a funcionar, em plenário, com as suas virtudes e os seus defeitos, os seus acertos e os seus erros, os seus êxitos e os seus insucessos, e consequentemente ficou tal público habilitado, sempre que tiver sido esse o seu desejo, a formular o seu juízo e ditar a sua sentença.
Mas não pôde, esse mesmo público, observar e trabalho demorado, tranquilo e paciente das 13 comissões que, afincadamente, durante cerca de 1000 horas, funcionaram num ambiente que se caracterizou sempre pela lealdade e a franqueza, num clima de relações humanas de mútuo respeito e recíproca cordialidade.
Foram, afinal, é necessário que se diga, as comissões especiais, e em particular a Comissão de Redacção, as verdadeiras redactoras do articulado constitucional, em reuniões de trabalho que muitas vezes se prolongaram pela noite dentro.
Julgo de meu dever deixar aqui consignada uma palavra de profundo reconhecimento e vivo apreço dirigida a todos os membros das comissões, em particular aos seus presidentes, relatores e secretários.
Para os Srs. Vice-Presidentes da Assembleia, que tanto me auxiliaram, substituindo-me na direcção das sessões plenárias, vai também a minha amigável gratidão, e em especial paia o meu camarada Vasco da Gama Fernandes, que presidiu a nada menos de 21 sessões completas.
Dos três Secretários da Mesa, e também dos seus muito eventuais substitutos, os dois Vice-Secretários, só posso dizer que não imagino sequer como teria sido possível conduzir as sessões sem a sua activa, prestante, competente e sempre leal colaboração.
E já que de reconhecimento se trata agora, não quero nem devo esquecer os serviços do Palácio de

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S. Bento que, mau grado a notória insuficiência dos seus quadros, tão diligentemente e com tanta correcção cumpriram as missões que lhes competiam: Secretaria-Geral, Gabinete Técnico, Expediente Geral e Apoio às Comissões, Relações Públicas e Informação, Contabilidade, Almoxarifado. Em todos eles, desde os chefes aos mais obscuros executores, deixo nesta Casa bons amigos.
A Assembleia Constituinte começou a funcionar com a totalidade dos 250 Deputados eleitos a 25 de Abril de 1975, dia que ficará memorável nos anais da democracia.
Destes, houve 62 que, por motivos variados, mas principalmente devido a incompatibilidades com as funções publicas para que foram sendo nomeados, renunciaram aos seus mandatos: verificou-se outros sim o falecimento imprevisto do Deputado do PCP Herculano de Carvalho. O total de vagas abertas atingiu, portanto, 63. Destas foram preenchidas 60, pelo que o número actual é de 247.
O desaparecimento do jovem Herculano de Carvalho, em condições tão súbitas como trágicas, causou entre nós mágoa generalizada, que neste momento quero voltar a exprimir.
E agora, Sr. Presidente, senhoras e senhores, para terminar esta alocução que se desejou e será breve, algumas referências à Constituição que elaborámos.
Encontra-se ela já votada por esta Assembleia, bem como o decreto que a aprova, decreto este que, depois de lido, vou assinar e cuja promulgação me permito solicitar a V. Ex.ª.
Poderá acaso essa Constituição considerar-se perfeita, essa Constituição que pretende e ambiciona associar um cunho socialmente muito avançado à preocupação constante de garantir a defesa efectiva e concreta das liberdades públicas, bem como de assegurar aos Portugueses o exercício dos direitos cívicos e, através dele, o governo democrático da Nação?
Não serei eu quem me proponha responder pela afirmativa à pergunta que formulei.
Inexperientes como todos éramos na prática da democracia representativa, competentes no campo jurídico apenas alguns de nós, ansiosos todos por descobrir soluções progressistas adaptáveis à ideologia de cada qual, ingénuos talvez, qual de nós ousará sustentar que não cometemos erros e que fomos sempre capazes de encontrar as formulações mais realistas, mais susceptíveis de trazer ao domínio da realidade viva os ideais diversos que nos motivavam? Qual de nós ousará?
Teremos nós, os constituintes de 1975-1976, conseguido gisar essa Constituição de que nos falou o general Costa Gomes, desta mesma cadeira onde hoje volta a sentar-se? "Uma Constituição revolucionária", disse-nos ele faz hoje dez meses, "tão avançada que não seja ultrapassada, tão adequada que não seja flanqueada, tão inspirada que seja redentora, tão justa que seja digna dos trabalhadores de Portugal."
Tê-lo-emos, prezados colegas, tê-lo-emos conseguido?
Se, porventura, o tivermos sido, como pessoalmente desejo e espero com veemência, terá sido dada a prova de que a Constituição Portuguesa de 1976 pertence àquelas constituições que, como já disse a 2 de Junho de 1975, "valem na medida em que não forem efémeras, em que servirem de quadro à vida política nacional durante um período de tempo suficientemente longo, em que demonstrarem capacidade para suportar o embate, sempre rude, da experiência, da realidade vivida".
E é exactamente por desejar que a Constituição, por mais discutida, interpretada e contestada que venha a ser, revele possuir tais características que peço licença para renovar hoje o voto que formulei na sessão inaugural, alterando apenas, como se impõe, o tempo do verbo, e sem tomar partido na querela em torno das condições da revisão constitucional: "Que tenhamos sabido ser dignos de nós próprios, dotando a nossa pátria com uma Constituição que, na sua essência, saiba resistir à prova do tempo!"

Aplausos prolongados de pé.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Secretário António Arnaut vai ler o decreto que aprova a Constituição.

O Sr. Secretário (António Arnaut):

A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa.

(O Sr. Presidente da República assina o decreto de promulgação da Constituição.)

Aplausos vibrantes e prolongados, de pé.

O Sr. Presidente: - Vai dar-nos a honra de usar da palavra S. Ex.ª o Presidente da República.

O Sr. Presidente da República: - Permitam-me VV. Ex.ªs que, antes de vos dirigir algumas palavras, eu agradeça ao Sr. Presidente da Assembleia Constituinte, Prof. Henrique de Barros, as referências elogiosas que me dirigiu, a mim e aos meus camaradas do MFA, referências essas que calaram profundamente no nosso espírito. Por virem de V. Ex.ª, ínclito e digníssimo cidadão que todo o País conhece, venera e muito estima, muito obrigado.

Pausa.

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4448 DIÁRIO DA ASSEMBLEIA CONSTITUINTE N.º 132

Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Conselheiros da Revolução, Sr. Presidente da Assembleia Constituinte, Srs. Deputados, Portugueses: Com a aprovação do texto final da Constituição Política, esta Assembleia encerrou os seus trabalhos e, nos termos do artigo 3.º da Lei n.º 3/74, de 14 de Maio, dissolver-se-á automaticamente.

Não posso, porém, deixar passar esta ocasião, que considero marco fundamental da história iniciada em 25 de Abril de 1974, sem que, em breves palavras, vos transmita aquilo que julgo ser o sentimento geral da Nação.
Foi esta a primeira vez que, mesmo considerando a efémera e generosa Constituição republicana de 1911, o povo português teve o direito e a possibilidade de, realmente, através dos seus legítimos representantes, participar na elaboração da lei fundamental do Estado.

Todos sabemos que, até 25 de Abril de 1974, os textos constitucionais que nos regeram procuraram, antes de mais, dar cobertura jurídica a interesses ou ideários que estavam longe de coincidir com a realidade político-social.
Contudo, só poderá haver uma Constituição autêntica quando, pela voz do povo, em liberdade, se definiam os valores e princípios fundamentais que hão-de dominar a organização do Estado e a repartição dos seus poderes, com vista à correcta prossecução dos seus fins legítimos.
Será errado, se não mesmo perigoso, conceber-se uma Constituição que, em obediência seja a princípios caducos, seja a sistemas importados de outros quadrantes, se imponha ao povo, como se este fosse uma massa docilmente manipulável.

O povo, como comunidade política, é uma realidade consciente e dinâmica.

Uma constituição tem, pois, de ser muito mais daquilo a que já se chamou uma simples folha de papel destinada a legitimar o sistema de forças em que se exprime.

Tem de ser uma Constituição viva, tão viva como o povo que se destina a servir, cujos valores culturais e materiais, superando mesmo arranjos políticos de momento e outros factores conjunturais, tracem no mapa político o rumo certo e real da comunidade.
Mas esta tarefa correrá o risco de não ser válida, de não passar da teoria ou de uma experiência política despida de autenticidade, se não for essa mesma comunidade, em liberdade, com fé e respeito mútuo, a levá-la a cabo.
Vem dos primórdios do direito constitucional a proclamação de que o "poder constituinte" pertence ao povo e só a este.
No entanto, ainda não há muito tempo, praticava-se entre nós a regra inversa, Durante longos anos, desde 11 de Abril de 1933, vigorou em Portugal uma lei constitucional que, por maior que tivesse sido a sua perfeição técnica, mais não foi do que cobertura jurídica a uma doutrina política estranha às nossas gentes, ao seu sentir e aos seus anseios.
Essa lei, de índole essencialmente pragmática, traçada em obediência ao figurino político que então servia de modelo na Europa Central, nunca chegou a ser uma constituição real, autêntica e viva.
Mas já o mesmo não se poderá dizer da que esta Assembleia acabou de redigir.
Porque vós fostes os autênticos representantes do povo, desse povo que vos elegeu há um ano e que vos conferiu o mandato de construir a lei fundamental que o havia de reger.
E o vosso mérito, Srs. Deputados, será tanto maior quanto é certo que o clima de instabilidade política que dominou a vida nacional durante o ano que passou não foi o mais conforme à serenidade e à reflexão que um trabalho deste género exigia.
A história reconhecerá e louvará a vossa dedicação.
A realização deste acto, por si só, condenou já todos os que, prosseguindo insondáveis desígnios, dificultaram a actividade desta Assembleia e contestaram a sua representatividade, chegando mesmo a negara sua própria necessidade.
Poderá haver quem, pessoalmente, não concorde com um ou outro ponto acolhido na Constituição.
Mas, no seu todo, ela tem de se considerar uma obra muito válida e actual, podendo mesmo apontar-se como politicamente adiantada a outros textos congéneres.
Nela se consignam, como objectivos fundamentais do Estado, a promoção da independência nacional, em termos tanto políticos como económicos, sociais e culturais; a democratização da vida pública, garantindo-se o respeito e a defesa intransigente da democracia e da liberdade; e ainda a adequação da riqueza ao seu fim social, criando-se as condições que permitam promover o bem-estar e melhorar a qualidade de vida do nosso povo.
Aos olhos dos Portugueses e do mundo surge como um texto que, apontando finalidades eminentemente progressistas, reconhece a realidade resultante das grandes mudanças operadas na vida nacional, reflecte os anseios de futuro melhor que em nós existe e reconhece o direito dos homens expressarem livremente a sua vontade e as suas razões.
Definindo ainda que, nas relações internacionais, Portugal respeitará o direito dos povos à autodeterminação e independência, a Constituição consagra o objectivo "descolonização" inerente à Revolução de Abril, objectivo que, aliás, foi alcançado em circunstâncias particularmente difíceis, num ambiente de permanente instabilidade interna e de influências externas, limitador da nossa liberdade de acção.
A Constituição política que temos perante nós será a lei fundamental do povo português, pela qual teremos de pautar a nossa conduta.
Respeitá-la, observando as regras da democracia, em toda a sua autenticidade e pureza, deve ser honroso acto voluntário de todos os portugueses e dever indeclinável dos responsáveis pela vida nacional, designadamente os partidos políticos.
As forças armadas, por seu turno, vinculadas como já estão .por outras normas constitucionais, nomeadamente a Lei n.º 17/75, de 26 de Dezembro, agirão com escrupuloso respeito pela Constituição, acatando as decisões dos órgãos do Poder que, nos seus termos, forem legitimamente investidos e serão o garante último da sua defesa.
Integrando, ainda, nos órgãos de Soberania o Conselho da Revolução, a Constituição política empenhou decisivamente as forças armadas e comprometeu inteiramente todos os militares na defesa intransigente da democracia.

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Eis-nos, pois, no momento decisivo de uma nova fase da caminhada em direcção à democracia e ao socialismo, na qual a Constituição que tenho a honra de promulgar é instrumento básico para a construção, em liberdade e em paz, da sociedade que ambicionamos para todos nós, em Portugal.
Aplausos prolongados de pé.

Uma voz: - Viva a Assembleia da República!

Vozes: - Viva!

O Sr. Presidente: - Em nome do Chefe do Estado, declaro a sessão encerrada.

Nesta altura foi de novo executado o Hino Nacional pela banda da GNR, que foi cantado em coro por toda a assistência.

Uma voz: - Viva a II República!

Vozes: - Viva!

Aplausos prolongados de pé.

Eram 22 horas e 50 minutos.


Declaração de voto

Votámos a favor do texto da Constituição em globo com a convicção de que - com todos os seus erros ou defeitos - corresponde a um marco histórico fundamental na institucionalização da democracia e no avanço reformista para o socialismo humanista no nosso pais.
Algumas das partes fundamentais da Constituição representam um pecúlio essencial para a salvaguarda da democracia política em Portugal.
Assim a regulamentação dos direitos, liberdades e garantiras fundamentais.
Assim várias das disposições dos princípios fundamentais do texto constitucional. Assim a maioria dos preceitos referentes à organização do poder político do Estado.
Conforme o Diário da Assembleia Constituinte revela, nestas matérias foi por vezes decisivamente relevante o contributo de Deputados do PPD.
Também parte substancial do articulado referente aos direitos e deveres económicos, sociais e culturais e à organização económica do Estado contém princípios que se quadram aos objectivos de uma opção social-democrática em Portugal - opção que passa necessariamente pela defesa dos legítimos direitos dos trabalhadores.
Dos pontos negativos realçaremos a não consagração expressa do princípio do Estado de direito, da inviolabilidade da pessoa humana, da liberdade do ensino privado e sua equiparação ao ensino do Estado, de direito de co-gestão, bem como a aprovação de preceitos sobre a organização do poder político do Estado que podem dificultar o funcionamento eficaz e democrático do sistema de Governo. Igualmente consideramos errado não se ter aberto expressamente a hipótese de exercício da faculdade de revisão constitucional durante a I Legislatura da Assembleia da República, dentro de condições restritivas que assegurassem um amplo consenso parlamentar e não pusessem em causa os grandes princípios da Constituição.
Finalmente, em alguns pontos, se desceu ao pormenor excessivo, em contraponto a disposições programáticas com um sabor utopista, designadamente em matéria económica.
No seu todo, em coerência com a opção social-democrática que esteve subjacente à nossa candidatura à Assembleia Constituinte pelo Partido Popular Democrático, votamos favoravelmente o texto da Constituição, crentes de que o seu saldo é francamente positivo e esperançados de que todos os verdadeiros democratas (e por maioria de razão os que apontam para uma sociedade socialista humanista e democrática) tudo farão para que a democracia triunfe irreversivelmente em Portugal.
A Constituição agora votada é apenas um primeiro passo na institucionalização da democracia. Que os outros se não percam por incúria grave dos democratas e dos partidos democráticos portugueses.
Os Deputados do PPD: Marcelo Rebelo de Sousa - Carlos Alberto Coelho de Sousa - Mário Pinto.

Declaração de voto

Ninguém pode pôr datas nas revoluções e nos acontecimentos históricos. Uns e outros têm a sua origem e explicação em fenómenos que lhe foram necessariamente anteriores; e neste desenvolver de ideias poderá ser dito que esta Constituição começou a ser gerada a partir de 28 de Maio de 1926.
Naquele dia iniciara-se uma grande tragédia nacional, da qual fui testemunho vivo e comparticipante forçado pela minha condição de português.
Esse mundo errado o contestei pela pena, pela palavra e por uma acção decidida que havia de durar cerca de cinco décadas.
E nesses anos ensombrados, nem sequer sonhara que neste velho palácio teria a suprema ventura de intervir na segunda Assembleia Constituinte da República Portuguesa.
Esta Constituição que plasmamos através do trabalho ingente que a definiu foi fustigada por grandes tempestades que a puseram em sério risco de ser destruída. Mas mais forte que esses vendavais foi a determinação das vontades que o não consentiram.
Hoje contamos com um estatuto supremo da República onde o ímpeto criador de uma democracia autêntica foi a sua principal força motora.
Não só as forças democratas bateram a tirania como ainda construíram uma estrutura moral e jurídica capaz de impedir o seu retorno.
Mais longe do que eu imaginava foi o meu caminhar na vida, e isso me permitiu o grande espectáculo de ver não só o sol da liberdade como ainda o despontar de um socialismo humano verificado dentro da expressão de um Estado de direito.
Valeu a pena viver esta hora maravilhosa.
O Deputado Olívio França (PPD).

Declaração de voto

Deputado eleito pêlos trabalhadores portugueses espalhados pelo mundo, ao votar o texto da Constituição da II República Portuguesa, faço-o convicto de
que ela abrirá o caminho do povo português para uma sociedade onde a justiça e o humanismo inspirem todo o seu comportamento.

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Numa sociedade angustiada é preciso termos esperança no espírito fraterno dos homens. Deixar os gritos de ódio e os anátemas e empenharmo-nos na grande tarefa de boa vontade que transformará a nossa sociedade e dignificará os valores humanos.
Quero neste momento solene prestar homenagem aos emigrantes portugueses, parcela deste povo tão sacrificado, que, sofrendo a injustiça social, tiveram a coragem de deixar a sua terra em busca de melhores condições de vida para os seus familiares.
Emigrantes que, pelas suas qualidades de trabalho, de honestidade e patriotismo, honram Portugal nos mais diversos pontos da terra.
Voto esta Constituição na esperança de que ela trará a Portugal um futuro onde não haverá necessidade de emigrar, porque os portugueses terão a paz, a justiça, o pão e a liberdade que desejamos e queremos e a que temos direito como homens livres e dignos.
O Deputado, José Teodoro de Jesus da Silva (PPD).

Declaração de voto

Votei esta Constituição: porque, desde o início, ela é o resultado do multipartidário circunscrito pelo diâmetro de grupos políticos que traduzem a resultante da vontade do povo.

Votei esta Constituição: como democrata, pois ela contém parcelas da vontade e da renúncia de todos os partidos.
Votei esta Constituição: como personalista, pois ela contém parcelas do personalismo de todos os Deputados, de todos os partidos.
Votei esta Constituição: como humanista, pois como tudo que é feito pêlos homens.
É concreto no presente, será imutável no futuro.
Votei esta Constituição: porque ela não contém a vontade absoluta. Não contém a auto-suficiência.

De nenhum partido em exclusivo.

Fundamentalmente votei esta Constituição: porque não é o resultado da vontade totalitária e iluminada de nenhum homem; e inversamente: o resultado do conjugar de esforços de homens separados por seus ideais políticos, unidos pelo ideal de servir.
Monteiro de Freitas, Deputado do PPD.

Declaração de voto

Eleito pelo povo do círculo eleitoral de Setúbal, onde defendi, durante a campanha eleitoral, uma Constituição democrática que apontasse claramente para o socialismo;
Convicto de que cumpri inteiramente com o que expressei aio eleitorado e que por tal me bati ao longo do período constituinte:
Declaro que votei favoravelmente na aprovação da Constituição Portuguesa, consciente de que ela corresponde aos anseios do povo português e que nela estão consagradas as conquistas das massas trabalhadoras.
O Deputado, Artur Cortez Pereira dos Santos (PS).

Declaração de voto

No momento em que a Constituinte aprova a Constituição, cumprindo assim a responsabilidade que o povo lhe outorgou em 25 de Abril de 1975, não quero deixar passar a oportunidade de exarar o sentido que dei ao meu voto, como Deputado socialista.
Votei, na convicção de que todas as conquistas revolucionárias e democráticas até agora alcançadas se tornaram legalmente irreversíveis; votei, na convicção de que a Constituição agora aprovada, será, nas mãos do povo trabalhador, uma arma para aprofundar aquelas conquistas e alcançar outras; votei, na convicção de que a nossa Constituição será a muralha intransponível, contra a qual se esbaterão os esforços dos saudosistas do passadio, daqueles que, falando já em democracia, mais não querem que mergulhar novamente Portugal na noite fascista de que emergimos e à qual não queremos nem podemos voltar.
Por mim, afirmo a inabalável vontade que me anima de defender contra tudo e contra todos a nossa Constituição.

Álvaro Órfão (PS): - Esta minha declaração de voto é subscrita também pelos meus camaradas Vitorino Vieira Dias e Pedro do Canto Lagido.

Declaração de voto

Votei, emocionado, a favor do articulado da Constituição, porque ela abre caminho para a construção do socialismo democrático, no respeito pela dignidade do homem, pela liberdade e pêlos valores essenciais do povo e da Pátria.
Tenho a consciência de que não traí o meu mandato, os ideais que me guiam desde sempre e creio que honrei o meu partido, que hoje, como ontem, encarna a esperança dos explorados e oprimidos.

Viva a República socialista!

António Duarte Arnaut. Deputado do PS.

Declaração de voto

Declaro ter votado a favor, consciente que esta Constituição, a despeito de algumas insuficiências, resulta do esforço que o meu Partido fez para corresponder aos anseios do povo que nos elegeu.
Certo que não traí os interesses dos meus irmãos de classe, dos oprimidos e explorados deste país, atento à hora que passa, estou seguro que esta Constituição será um marco importantíssimo na história dos portugueses e um garante das conquistas dos trabalhadores, abrindo amplas perspectivas ao caminho para o socialismo pela prática da liberdade e da democracia.
Luís Kalidás Barreto. PS.

Declaração de voto

Neste momento solene e inesquecível, quando se concluem os trabalhos da Assembleia Constituinte - em que pus todo o meu entusiasmo e dedicação, seja-me permitido formular uma declaração de voto individual para reafirmar a minha consciente, sincera e profunda adesão à Constituição aprovada e decretada pêlos legítimos representantes do povo.
Faço-a em perfeita coerência com todas as anteriores declarações de voto que, a respeito de tantas matérias, umas vezes na generalidade, outras na especialidade, umas vezes a título pessoal, outras vezes em nome do Grupo Parlamentar do Partido Popular Democrático, tive ocasião de formular.

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Faço-a ainda em total comunhão de espírito com a declaração de voto do meu partido lida por António Barbosa de Melo, a quem presto a minha homenagem.
Por isso, quero dizer, de novo, aqui e agora, que considero a Constituição de 2 de Abril de 1976 uma importante conquista da democracia e do povo português, um marco na nossa história multissecular e, porventura, também um exemplo para outros povos que, em circunstâncias semelhantes, procuram uma via de liberdade para uma sociedade de justiça.
Sim, a Constituição é uma grande conquista. Porque resulta do labor de uma Assembleia Constituinte livremente eleita apesar do entorse à democracia proveniente da Plataforma de Acordo Constitucional celebrada pelo Conselho da Revolução e pêlos partidos políticas. Porque, fundando a República na dignidade da pessoa humana, consagra os direitos fundamentais dos cidadãos enquanto tais e como trabalhadores (pois o meu projecto de sociedade é o de uma sociedade baseada no trabalho). Porque, definindo um quadro institucional de pluralismo ideológico, primado de vontade popular e limitação do Poder, cria uma verdadeira democracia política não obstante algumas deficiências graves.
Especificando um pouco, salientarei como principais notas positivas da Constituição: o apelo à fraternidade, que consta do preâmbulo; o rigor na enumeração, no tratamento e na protecção dos direitos, liberdades e garantias; o generoso programa de direitos económicos, sociais e culturais de cuja realização depende a efectiva concretização da solidariedade entre todos os portugueses; a abolição dos monopólios e dos latifúndios, a tensão entre propriedade social e iniciativa privada numa economia dualista em transição, o cooperativismo, a planificação democrática; a institucionalização dos partidos políticos e o estatuto de oposição; a eleição por sufrágio universal, directo e secreto do Presidente da República, o relevo do parlamento, assembleia representativa, com o primado do poder legislativo, e perante a qual o Governo é politicamente responsável: a independência dos tribunais e a sua competência de apreciação da inconstitucionalidade (ao lado, porém, da competência reconhecida ao Conselho da Revolução); a autonomia político-administrativa dos Açores e da Madeira; o poder local e o reconhecimento das organizações populares de base; enfim, o apuramento técnico dos preceitos que a Comissão de Redacção pode obter.
Não ignoro alguns aspectos menos satisfatórios, entre os quais indiciarei: a referência ao Estado de direito com todos os imensos valores que encerra apenas no preâmbulo; a formulação ideológica, de cariz marxista, de muitos dos preceitos; a deficiente garantia da liberdade de ensino como corolário de liberdade religiosa e de convicções e da liberdade de criação cultural; a não consagração constitucional do direito dos trabalhadores à participação na gestão das empresas; a tímida afirmação da unidade dos tribunais; a relativa confusão acerca das missões das forças armadas; o sistema de relações entre
Governo e Parlamento (já que o Governo não carece do apoio da maioria do Parlamento, ao passo que o Presidente da República é eleito por maioria absoluta dos cidadãos - o que pode conduzir ao presidencialismo e, eventualmente, ao cesarismo).
A Constituição é uma Constituição feita sobre o acontecimento e uma Constituição de compromisso.
Reflecte o traumatismo de quarenta e oito anos de ditadura e alienação e de treze anos de guerra. Reflecte o inebriante ambiente de dois anos de revolução. Produto dó concurso de diversos partidos, acumula materiais aparentemente contraditórios, cuja síntese há-de encontrar-se através do esforço de políticos e juristas, e, sobretudo, através da vivência democrática dos cidadãos. Mas não é a democracia compromisso e não foi já, de per si, a Assembleia Constituinte um grande factor de integração democrática?
Portugal tem de vencer a crise económica, reforçar todo o ensino, fazer justiça a tantos que antes e, infelizmente, mesmo depois do 25 de Abril, foram vítimas de perseguição, opressão, exploração e sectarismo. Acima de tudo, porém, Portugal carece de viver em democracia e em paz, na base de um consenso de que esta Constituição deve ser a pedra angular; e carece de redefinir o seu papel na Europa e no mundo-e só há independência nacional quando é o próprio povo que escolhe os destinos do seu país.
Apesar de não concordar com tudo quanto a Constituição estipula, aceito todas as suas disposições, incluindo aquelas de que divirjo porque acredito na democracia. O povo quis esta Constituição, por meio dos seus representantes livremente eleitos.
O povo lhe dará cumprimento com a interpretação e o ritmo que preferir, nas próximas e nas sucessivas eleições. O povo, em futura revisão constitucional democrática, alterará a Constituição se assim julgar necessário ou conveniente.
E porque acredito no direito, nos seus valores e na sua força em que se consubstancia, no fundo, a Constituição acredito em que, sob o seu império, os Portugueses saberão viver e progredir.
A terminar, saúdo todos os meus companheiros do PPD, com os quais tive a honra de lutar por um socialismo democrático e humanista-por um socialismo que, para mim, tem de equivaler a democracia em plenitude e libertação integral do homem todo e de todos os homens, em liberdade, igualdade e fraternidade.
Saúdo os cidadãos do círculo eleitoral de Braga, cuja confiança me permitiu estar presente na Assembleia Constituinte.
Saúdo todos os Deputados de todos os partidos e grupos, com quem pude conviver a criar laços de amizade, com quem pude concordar e de quem pude divergir.
Saúdo todo o povo português a que me orgulho de pertencer. Tenho profunda fé nele e na sua vontade de não mais perder a liberdade alcançada.
O Deputado do Partido Popular Democrático, Jorge Miranda.

Requerimento enviado para a Mesa no decorrer da sessão:

Considerando que o grau de autonomia conseguido para as ilhas dos Açores tem de estar baseado numa estabilidade económica real-daí a necessidade premente de um orçamento e de um plano económico para a região;

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Considerando que o actual Orçamento Geral do Estado apresenta uma capitação de investimentos públicos que, para os Açores, é cerca de metade da média nacional, o que leva a Junta Regional a propor ao Ministério das Finanças um novo orçamento para a região;
Considerando a necessidade urgente de criar empregos, fora do sector primário, visando-se a progressiva eliminação dos níveis actuais do subemprego, desemprego e emigração, agravados ainda mais com a vinda dos retornados;
Considerando que o actual orçamento apresentado, visa obter efeitos expansionistas propulsivos da actividade económica insular, assente no postulado que um verdadeiro desenvolvimento económico-social depende da criação de infra-estruturas físicas e sociais daí a necessidade urgente de se lançar um programa de investimentos públicos (basta citar que 40% da despesa extraordinária orçamentada pertencem à rubrica "Administração local - Equipamento social - Ambiente - Subsídios e comparticipações às câmaras, juntas de freguesia e juntas gerais, bem como comparticipações para obras sociais, a cargo de entidades não públicas"):
Requeiro, ao abrigo das disposições regimentais, as seguintes informações:

a) Se o orçamento proposto pela Região já começou ou não a ser apreciado pelas entidades competentes;
b) Qual a data prevista que o departamento governamental aponta para dar uma resposta afirmativa ou negativa?

Sala das Sessões, 31 de Março de 1976. - Rúben Raposo, deputado do PPD.

Expediente
Telegramas recebidos:

Em representação de trabalhadores a comissão única de trabalhadores da Mompor congratulai-se legislação aprovada sobre comissões de trabalhadores e confirmação de principais conquistas populares apelam aplicação efectiva na prática.
Trabalhadores Fisipe manifestam profundo regozijo aprovação Constituição República Portuguesa saúdam pessoa Vossa Excelência homem integral combatente antifascista cidadão exemplar todos aqueles Deputados usaram mandato conferido povo português defender liberdade conquistada 25 Abril democracia rumo socialismo viva unidade trabalhadores viva Portugal Comissão de Trabalhadores Fisipe.

Acta das reuniões da 3.ª Comissão

1. A 3.ª Comissão, constituída por deliberação da Assembleia Constituinte de 24 de Julho de 1975 para elaborar um projecto de articulado respeitante ao título in da parte i-Direitos e deveres fundamentais Direitos e deveres económicos, sociais e culturais, e formada pêlos Deputados Alfredo Fernando de Carvalho (PS), Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto (PS), José Manuel Niza Antunes Mendes (PS), Manuel Joaquim de Paiva Pereira Pires (PS), João António Martelo de Oliveira (PPD), José António Nunes Furtado Fernandes (PPD), Mário Campos Pinto (PPD), Hilário Manuel Marcelino Teixeira (PCP), Jerónimo Carvalho de Sousa (PCP), Vítor António Augusto Nunes Sá Machado (CDS) e Manuel Domingos de Sousa Pereira (MDP/CDE), realizou 32 reuniões nos dias 6, 8, 12, 13, 14, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 28 e 29 de Agosto, l, 2, 3, 4 (3), 5 (3), 8 (2), 24 e 30 de Setembro e l, 2, 3, 8 e 9 de Outubro de 1975, numa das salas do Palácio de S. Bento.
2. No decurso dos trabalhos registaram-se as seguintes alterações na composição da Comissão: o Deputado Jerónimo Carvalho de Sousa (PCP) foi substituído a título definitivo pelo Deputado Avelino António Pacheco Gonçalves (PCP) a partir de l de Setembro, inclusive; o Deputado Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto (PS) foi substituído pelo Deputado Amarino Peralta Sabino (PS) a partir de 3 de Outubro inclusive.
3. No decorrer dos trabalhos da 3.ª Comissão ocorreram as seguintes substituições eventuais: o Deputado Mário Campos Pinto (PPD) foi substituído pelo Deputado Abílio de Freitas Lourenço (PPD) na 5.ª reunião, pelo Deputado António Júlio Simões Aguiar (PPD) nas 6.ª e 7.ª reuniões, pelo Deputado Amândio Aires de Azevedo (PPD) na 31.ª reunião, e pelo Deputado José Bento Gonçalves (PPD) na 32.* reunião; o Deputado Manuel Pires (PS) foi substituído pelo Deputado Amarino Peralta Sabino (PS) nas 27.ª e 28.ª reuniões; o Deputado Furtado Fernandes (PPD) foi substituído pelo Deputado José Bento Gonçalves (PPD) nas 27.ª e 28.ª reuniões e pelo Deputado Cristóvão Guerreiro Nobre na 32. ª reunião; finalmente, o Deputado Sousa Pereira (MDP/CDE) foi substituído nas 29.ª e 30.ª reuniões pelo Deputado Luís Manuel Alves de Campos Catarino (MDP/CDE).
4. Na primeira reunião foram eleitos presidente, secretário e relator respectivamente os Deputados Marcelo Curto (PS), Hilário Teixeira (PCP) e Mário Pinto (PPD); posteriormente, deixando o Deputado Marcelo Curto (PS) de integrar a Comissão, foi substituído nas funções de presidente pelo Deputado
José Niza (PS).
5. Na realização do seu trabalho a 3.ª Comissão teve em conta as aportações trazidas à matéria pelos projectos de constituição de cada um dos partidos representados na Assembleia Constituinte, para o que os diversos articulados foram apresentados em paralelo, conforme as matérias.
A 3.ª Comissão levou ainda em conta o articulado já aprovado pelo Plenário da Assembleia Constituinte, nomeadamente em sede de "Princípios fundamentais".
As matérias foram sendo abordadas pela sua mútua atinência, resultando o articulado aprovado da integração de soluções propostas nos projectos partidários ou de votação sobre textos apresentados pelos membros da Comissão.
Depois de aprovado o texto, por maioria, foram os artigos ordenados por consenso dos Deputados participantes dos trabalhos.
Embora assinalando que a Assembleia não se pronunciara ainda sobre a inclusão ou não de epígrafes dos artigos no texto da Constituição, a Comissão en-

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tendeu útil divergentes, as soluções propostas, foram as seguintes as matérias que mereceram mais aturado debate da Comissão: base económica e política para a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais (artigo 1.º); comissões de trabalha dores, nomeadamente no que respeita ao direito de exercer o controle da gestão e à forma da sua eleição (artigo 7.º); direito à greve (artigo 9.º); liberdade sindical e, muito particularmente, o seu conteúdo concreto (artigo 11.º); iniciativa privada e direito de propriedade (artigos 13.º e 14.º): cultura e ensino (artigos 27º a 29.º).
À luz da discussão e das propostas apresentadas e em cumprimento de decisão por esta tomada, a Comissão procedeu à reanálise dos n.ºs 6 e 9 do artigo 7.º, do artigo 8.º, do n.º 6 do artigo 11.º, do n.º 3 do artigo 14.º e do artigo 23 º do texto original, tendo elaborado e feito presentes ao Plenário novas
propostas.

Rectificações ao "Diário da Assembleia Constituinte":

Peço se dignem alterar a incorrecção no Diário da Assembleia Constituinte, n.º 129, referente à sessão n.º 128, em 30 de Março, p. 4317, col. 2.ª Onde se lê: "Amílcar de Pinho Álvaro, Deputado do Partido Socialista", deve ler-se: "Amílcar de Pinho e Álvaro órfão, Deputados do Partido Socialista".
Amílcar de Pinho, Deputado do Partido Socialista.

Na p. 4198 do Diário da Assembleia Constituinte, n.º 126, de 26 de Março de 1976. onde por diversas vezes se lê: "O Sr. Álvaro Monteiro (MDP/CDE), deve ler-se: "O Sr. Álvaro Monteiro (PS)"

Srs. Deputados que entraram durante a sessão:

ADIM - MACAU
Diamantino de Oliveira Ferreira.

CDS

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Manuel Januário Soares Ferreira Rosa.
Vítor António Augusto Nunes Sá Machado

MDP/CDE

Álvaro Ribeiro Monteiro.
Levy Casimiro Baptista.

PCP

Carlos Alfredo de Brito.
Jaime dos Santos Serra.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.

PPD

Antídio das Neves Costa.
Eduardo José Vieira.
Germano da Silva Domingos.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto de Almeida Oliveira Baptista.
José Gonçalves Sapinho.
Manuel Joaquim Moreira Moutinho.
Marcelo Nuno Duarte Rebelo de Sousa.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Nuno Guimarães Taveira da Gama.

INDEPENDENTES

Carlos Alberto da Mota Pinto.
José Manuel Afonso Gomes de Almeida.
Orlandino de Abreu Teixeira Varejão.

PS

Adelino Augusto Miranda de Andrade.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Domingos do Carmo Pires Pereira.
Dorilo Jaime de Figueiredo Seruca Inácio.
Florival da Silva Nobre.
Jaime José Matos da Gama.
João do Rosário Barrento Henriques.
José Alfredo Pimenta Sousa Monteiro.
José Augusto Rosa Courinha.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel do Carmo Mendes.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Rosa Maria Antunes Pereira Rainho.
Sophia de Mello Breyner Andresen de Sousa Tavares.

UDP

Afonso Manuel dos Reis Domingos Dias.

Srs. Deputados que faltaram à sessão.

CDS

Carlos Galvão de Melo.

PPD

Alfredo António de Sousa.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Eugênio Augusto Marques da Mota.

INDEPENDENTES

José Francisco Lopes.

PS

António Alberto Monteiro de Aguiar.
João Pedro Miller de Lemos Guerra.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
Mário Manuel Cal Brandão.

O REDACTOR, José Alberto Pires.

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