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Número 83
Quarta-feira, 9 de Março de 1977
DIÁRIO
da Assembleia da República
SESSÃO DE 8 DE MARÇO
Presidente: Exmo. Sr. Vasco da Gama Fernandes
Secretários: Exmos.. Srs. Alberto Augusto Martins de Silva Andrade.
Amália Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Maria José Paulo Sampaio.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
SUMÁRIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, de requerimentos apresentados por vários Srs. Deputados ao Governo e de um ofício do Sr. Primeiro-Ministro informando que seria substituído pelo Sr. Ministro de Estado Henrique de Barros durante a sua ausência Por motivo da visita a alguns países da CEE.
O Sr. Deputado Carlos Lage, em nome do PS, propôs à Assembleia a aprovação de Uma Moção de pesar pela catástrofe decorrente do sismo verificado na Roménia, a que se associaram os Srs. Deputados Sérvulo Correia (PSD) Nuno Abecassis (CDS), Carlos Brito (PCP) e Acácio Barreiros (UDP) e, em nome da Mesa, o Sr. Presidente.
A Assembleia, de pé, guardou um minuto de silêncio e seguidamente aprovou a moção por aclamação.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) contestou um recente comício no Coliseu de Lisboa, que identificou com a ofensiva reaccionária, alertando para as medidas a tomar que o seu partido sempre tem preconizado, designadamente no campo económico. Respondeu, no fim, a um protesto do Sr. Deputado Amaro da Costa (CDS) e a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Manuel Moura (PS).
Também em declaração política. o Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP) tratou do referido comissão do Coliseu, criticando afirmações aí produzidas, e abordou o problema dos retornados.
O Sr. Deputado Galvão de Melo (CDS), referindo de passagem as invectivas que o Sr. Deputado da UDP acabara de lhe dirigir, focou uma vez mais o caso dos portugueses ainda presos nas ex-colónias e a sua determinação de ver completamente esclarecido o problema. Respondeu. no fim, a explicações dadas pelo Sr. Deputado Jaime Gama (PS) e a um protesto do Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP), o qual respondeu também a um protesto do Sr. Deputado Cunha Simões (CDS).
A Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo (PSD), lembrando a passagem do Dia Internacional da Mulher, teceu considerações sobre a situação da mulher portuguesa.
Sobre o mesmo assunto usaram ainda da palavra as Sr.ªs Deputadas Teresa Ambrósio (PSD) e Ercília Talhadas (PCP) e os Srs. Deputados Rui Pena (CDS) e Acácio Barreiros (UDP).
Ordem do dia.- Prosseguiu o debate sobre a Proposta de lei n.º 47/I (Extensão para duzentas milhas da zona de pesca exclusiva do Estado Português), tendo o Sr. Deputado Lucas Pires respondido a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo (PS) e do Sr. Deputado Rui Machete (PSD) relativos à sua intervenção na sessão anterior. Fizeram intervenções o Sr. Secretário de Estado das Pescas (Pedro Coelho), que respondeu ainda a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Machete (PSD); e os Srs. Deputados Salgado Zenha (PS), que respondeu, no fim , a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Angelo Vieira (CDS), e Acácio Barreiros (UDP), que também respondeu a um pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas.
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.
Eram 15 horas.
Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Arons Braga do Carvalho.
Alberto Augusto. Martins da Silva Andrade.
Alcides Strecht Monteiro.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
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Amadeu da Silva Cruz.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António José Pinheiro Silva.
António José Sanches Esteves.
António Poppe Lopes Cardoso.
António Riço Calado.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Benjamim Nunes Leitão Carvalho.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto, Andrade Neves.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Jorge Ramalho dos Santos Ferreira.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Dieter Dellinger.
Edmundo Pedro.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Abel Simões.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Francisco Alberto. Pereira Ganhitas.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
João Francisco Ludovico da Costa.
João da Silva.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Ferreira Dionísio.
José Luís do Amaral Nunes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
José Maximiniano de Albuquerque de Almeida Leitão.
José dos Santos Francisco Vidal.
Ludovina Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Manuel Cidade Pereira de Moura.
Manuel Augusto de Jesus Lima.
Manuel Barroso Proença.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel João Cristino.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel Lencastre Meneses de Sousa Figueiredo.
Manuel Pereira Dias.
Maria Alzira Costa de Castro Cardoso Lemos.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Margarida Ramos de Carvalho.
Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio.
Mário António da Mota Mesquita.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Sérgio Augusto, Nunes Simões.
Telmo Ferreira Neto.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Victor Manuel Ribeiro Fernandes de Almeida.
Independentes
António Jorge Oliveira Aires Rodrigues.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD)
Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Américo de Sequeira.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Egídio Fernandes Loja.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Moreira Barbosa de Melo.
António José dos Santos Moreira da Silva.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Fernando Adriano Pinto.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Francisco da Costa Lopes Oliveira.
Francisco Manuel Lumbrales de Sã Carneiro
Gabriel Ribeiro da Frada.
João Afonso Gonçalves.
João António Martelo de Oliveira.
João Manuel Ferreira.
João Manuel Medeiros Mateus.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota.
José Alberto Ribeiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Alves da Cunha.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Joaquim Lima Monteiro Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Rui Sousa Fernandes.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Júlio Maria Alves da Silva.
Luís Fernando Cardoso Nandim de Carvalho.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Valente Pereira Vilar.
Maria Élia Brito Câmara.
Maria Helena do Rêgo da Costa Salema Roseta.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Victor Hugo Mendes dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS)
Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões Costa.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
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Carlos Galvão de Melo.
Carlos Martins Robalo.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Farromba Vilela.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
Henrique José Cardoso Meneses Pereira de Morais.
João Carlos Filomeno Malhó de Fonseca.
João Lopes Porto.
José Cunha Simões.
José Duarte de Almeida.
Ribeiro e Castro.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís Esteves Ramires.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Nuno Krus Abecassis.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.
Vítor António Augusto Nunes de Sá Machado.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Luís Mendonça de Freitas Monteiro.
António Marques Matos Zuzarte.
António Marques Pedrosa.
Cândido Matos Gago.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Hahnemann Saavedra de Aboim Inglês.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernanda Peleja Patrício.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Paiva Jara.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Gonçalves.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel Pereira Franco.
Manuel do Rosário Moita.
Nicolau de Ascenção Madeira Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Vital Martins Moreira.
Victor Henrique Louro e Sã.
Victor Manuel Benito da Silva.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
União Democrática Popular (UDP)
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
O Sr. Presidente:- Estão presentes 186 Sr. Deputados.
Declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente:- Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte.
Expediente
Exposições
De Rui Manuel Ferreira Leite, de Lisboa, sobre a situação em que se encontra; reformado, nascido no Lobito, pretende regressar a Angola, reclamando o cumprimento da lei.
De Alfredo Fernandes da Silva, de Laborim, Vila Nova de Gaia, que esteve em Angola vinte e um anos, sendo mais de dezoito ao serviço da Casa da Sorte - Organização Nogueira da Silva, S.A.R.L., que actualmente se encontra desempregado.
De Joaquim da Silva Godinho, de Odivelas, sugerindo que seja concedida uma ampla e indiscriminada amnistia aos militares e civis punidos por delitos políticos, aquando das comemorações do 3.º aniversário do 25 de Abril.
De Eduardo Manuel Rodrigues Alves, de Nova Oeiras, reclamando o direito de construir uma habitação num lote de terreno, comprado no Alto do Lagoal, em Caxias.
Moção
Assinada por trabalhadores da Caixa de Previdência e Abono de Família do Comércio do Distrito de Lisboa, apoiando a justa luta dos trabalhadores dá firma Carlos A. M. Fidalgo e manifestando o seu repúdio pelas manobras da entidade patronal.
Cartas
Do Núcleo do Movimento Democrático de Mulheres de Alenquer, manifestando o seu mais vivo repúdio pela injustiça que está a ser feita nos tribunais no acto do julgamento dos pides.
Das Caves do Solar de S. Domingos - Semedo & Filhos, Lda., de Anadia, comentando a proposta de lei n.º 39/I e as disponibilidades retidas nas ex-colónias, juntando uma lista dos valores de que estão desembolsados, no total de
1 565 420$55.
Do Centro de Cultura Popular do Porto, remetendo uma moção aprovada em reunião de colectividades, comissões de moradores e outros organismos populares de base, repudiando o despejo feito ao Ultramarino Futebol Clube.
De um grupo de alunos do Liceu de Maria Amália Vaz de Carvalho, manifestando as suas preocupações pela expansão da droga e da prostituição, chamando a atenção para algumas circunstâncias que facilitam a mesma expansão e reclamando que sejam tomadas medidas convenientes e eficazes.
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Ofícios
Do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Vestuário do Centro, de Coimbra, transmitindo o texto de uma moção aprovada em reunião realizada em 6 de Fevereiro, repudiando energicamente a tentativa de suspensão e despedimento de dois dirigentes e três delegados sindicais na Santix.
Da Federação Nacional dos Sindicatos dos Metalúrgicos, de Lisboa, remetendo o comunicado intitulado: "Exijamos o cumprimento do contrato colectivo. As empresas são obrigadas a enviar aos Sindicatos o produto das quotizações."
Do Presidente da Assembleia Regional da Madeira, enviando o teor de um voto de protesto sobre presos políticos em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, aprovado pela Assembleia Regional da Madeira na sua sessão plenária de 17 de Fevereiro do ano corrente.
Da Associação de Comerciantes de Materiais de Construção, do Porto, manifestando dúvidas sobre a constitucionalidade do Decreto-Lei n.º 667/76 e solicitando esclarecimentos para poder informar convenientemente os seus associados.
Da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, transmitindo o texto de um comunicado, tirando as ilações devidas da recente consulta feita pela Assembleia da República às organizações de trabalhadores acerca de vários projectos e propostas de lei em matéria de trabalho.
Telegramas
De Trabalhadores da Associação de Estudantes do Instituto Superior Técnico, analisando o significado político dos recentes atentados bombistas e considerando-os como mais uma manobra de chantagem da direita reaccionária para forçar a libertação dos agentes terroristas ainda presos e protestando veementemente contra o atentado bombista de que foram alvo no seu local de trabalho na noite de 25 de Fevereiro.
Da Comissão de Defesa da Constituição, manifestando extrema preocupação pela desenfreada escalada fascista e perante a impotência dos órgãos do poder em face de tal escalada.
Da assembleia de freguesia e da Junta de Freguesia de Marvila, repudiando veementemente os atentados bombistas contra a jovem democracia portuguesa.
De trabalhadores da Empresa Zagalo, do Porto, solicitando providências imediatas no sentido da resolução de problemas angustiantes já do conhecimento dos sectores do Governo ligados à construção civil.
De trabalhadores do Banco Nacional Ultramarino, de Cantanhede, repudiando veementemente aumentos indiscriminados na banca nacionalizada, ignorando o nivelamento e denunciando tentativa de divisionismo quando se discute novo contrato colectivo de trabalho.
Da União dos Sindicatos de Beja, dando apoio ao projecto de lei n.º 24/I sobre direito à greve, elaborado com a participação do movimento sindical.
De António Sardinha, Lda., de Vila Nova de Gaia, transcrevendo cópia de telegrama dirigido ao Sr. Ministro do Trabalho, considerando como inexistentes tanto a comissão de luta como a comissão de trabalhadores.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Foram apresentados os seguintes requerimentos na sessão de 4 do corrente: Ao Governo, formulados, respectivamente pelos Srs. Deputados Fernando Roriz, António Marques Mendes e Sérvulo Correia; ao Ministério da Educação e Investigação Científica, formulados, respectivamente, pelos Srs. Deputados Eduardo Vieira e Armando Correia; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado José Jara; à Secretaria de Estado da Comunicação Social, formulado pelo Sr. Deputado Anatólio Vasconcelos.
Foi também apresentado um ofício de 4 do corrente, de S. Ex.ª o Primeiro-Ministro, comunicando à Assembleia da República que durante a sua ausência do País indicou para o substituir o Sr. Ministro de Estado, Prof. Henrique de Barros.
Na tribuna do Corpo Diplomático tinha entretanto tomado lugar o Sr. Embaixador da Roménia.
O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo português foi sobressaltado com a Partido Socialista.
O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo português foi sobressaltado com a notícia do sismo ocorrido na Roménia e noutros países, que provocou ruínas, destruição de indústrias, milhares de mortos, dezenas de milhares de feridos e uma incalculável tragédia, da qual ainda não foi feito o balanço.
O povo português não pode deixar de manifestar solidariedade, neste momento, perante esses trágicos acontecimentos.
Em face disto, o Partido Socialista propõe ao Plenário da Assembleia uma moção de pesar, da qual está seguro da aprovação da Assembleia, redigida nos seguintes termos:
Moção de pesar
O povo português tem seguido com profunda dor a tragédia que o povo romeno sofreu com o sismo que assolou o seu país, provocando ruínas, mortes e angústia.
O povo português tem acompanhado emocionadamente os esforços abnegados do povo romeno para atenuar a tragédia, sepultar os seus mortos, assistir aos seus feridos e desalojados e restabelecer a normalidade da vida quotidiana.
O povo português está seguro de que o povo romeno vencerá esta fatalidade com a coragem com que tem vencido outras adversidades ao longo da sua história.
A Assembleia da República, interpretando os sentimentos do povo português, manifesta ao povo da Roménia o seu mais profundo pesar e a sua solidariedade face aos trágicos acontecimentos, tendo a certeza de que o povo romeno com o apoio dos povos amigos apagará rapidamente os danos materiais, já que esta tragédia deixará marcas indeléveis na memória do seu povo.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Está aberto o debate sobre esta moção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sérvulo Correia.
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O Sr. Sérvulo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os aplausos que acabam de seus dados desta bancada antecipam-se às palavras que não poderiam deixar de ser de inteira adesão à moção de pesar que acaba de ser proposta.
Uma tragédia com as dimensões daquela que acaba de enlutar a Roménia impressiona e suscita sempre sentimentos de solidariedade e de compaixão por parte de todos aqueles que têm uma formação humanista.
Para além disso, lembramos os fundos laços culturais que nos unem ao povo romeno e a nossa origem cultural comum. Lembramos também as boas relações de amizade que existem entre os dois países. Lembramos o papel positivo que tem tido o Sr. Embaixador da Roménia neste país, no sentido de fomentar relações culturais, relações de amizade, de todos os tipos entre os dois povos.
Assim, nesta hora de luto para o povo romeno, uni povo amigo, o Partido Social-Democrata exprime a sua funda solidariedade para com os seus sofrimentos e exprime a convicção de que o povo romeno encontrará em si a força e a energia que o levará rapidamente a ultrapassar estas dificuldades inesperadas que a força dos elementos acaba de lhe suscitar,
Aplausos do PSD e de alguns Deputados do PS.
O Sr. Presidente:- Tem. a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecassis.
O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Embaixador da Roménia! O Partido do Centro Democrático Social solidariza-se com esta moção de pesar e pensa que talvez poucos povos como o nosso poderão sentir a angústia que hoje cobre a Roménia e outros países vizinhos, atingidos tão fortemente pelo sismo brutal que semeou tanta destruição.
Como país já por várias vezes fomos provados pelas mesmas forças, já por várias vezes vimos as nossas famílias destruídas e sujeitas à mesma angústia.
Em nome do meu partido gostava de juntar a esta moção de pesar a solidariedade muito forte de todas as famílias portuguesas, que certamente estão connosco para acompanhar tanta desdita, tanto infortúnio, tanta infelicidade, principalmente do ponto de vista humano, já que do ponto de vista material ninguém tem dúvidas de que estes cataclismos são sempre reparáveis. Assim, é com muita comoção e muita solidariedade que nos juntamos a esta moção de pesar que em boa hora foi aqui posta na Assembleia.
Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PS e PSD.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para afirmar em nome do grupo parlamentar do Partido Comunista Português que nos associamos com profunda e dolorosa emoção à moção de pesar proposta pelo Partido Socialista.
Muito embora o meu partido tenha já feito chegar às autoridades romenas e ao Partido Comunista Romeno as nossas condolências e a afirmação da nossa solidariedade, aproveito a oportunidade de intervir para apoiar a moção de pesar proposta pelo Partido Socialista e para daqui, da Assembleia da República, em Portugal, dirigir a nossa profunda solidariedade ao povo irmão da Roménia e também para afirmar a nossa funda convicção de que rapidamente a reparação dos prejuízos e das perdas - as reparáveis, visto que as da vida o não são - será conseguida pelo heróico povo romeno, pelas organizações comunistas, pelo Estado romeno.
Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Democrática Popular não tem praticamente nada a acrescentar, quer à moção de pesar, quer ao que os Srs. Deputados dos outros partidos já disseram. Queremos apenas aproveitar a ocasião para nos solidarizarmos inteiramente com o povo romeno, certo de que é nas maiores infelicidades e nos maiores reveses que mais se temperam a força e a luta de um povo.
O povo romeno, que enfrentou corajosamente as invasões, nazis, que lutou ao lado das forças soviéticas comandadas pelo general Estaline e que deu provas de saber encontrar forças para esmagar todas as contrariedades, enfrentará também, por certo, com muita dor mas seguramente muita força, mais esta dura contrariedade.
A UDP solidariza-se, assim, com o povo romeno nesta hora de dor e luta.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados: Todos se anteciparam ao Presidente, e em boa hora assim aconteceu. Era minha intenção chamar a atenção da Assembleia e pedir-lhe um voto de profundo pesar e solidariedade para com o povo romeno, logo na abertura da sessão, mas foi-me comunicado que seria emitida esta moção de pesar e eu esperei pela minha hora.
Trata-se de uma catástrofe tremenda, com gravíssimas consequências materiais e iguais consequências humanas. O povo romeno, com o seu ânimo forte e viril, com o heroísmo civil da sua população, com certeza que terá forças suficientes para colmatar esta situação extremamente grave e desagradável, que comoveu tão profundamente todo o mundo e que chegou bem ao coração dos Portugueses.
Mandei já ontem um telegrama para o Presidente da Assembleia Popular da Roménia, em nome da Assembleia da República e em meu nome pessoal, manifestando exactamente os votos que acabam de ser formulados.
Recebi ontem a visita do Sr. Embaixador - presente na tribuna e a quem endereço as mais comovidas e respeitosas homenagens -, por motivo de ordem social, pois havia sido combinado um jantar na Embaixada, e veio comunicar-me que havia sido sustado esse jantar, decisão que, aliás, me pareceu perfeitamente natural e que já esperava. Tendo-lhe eu chamado a atenção para a circunstância de dentro de pouco tempo uma missão parlamentar desta Assembleia, a convite da Assembleia Popular da Roménia, ir visitar Bucareste e outras cidades da Roménia, e de que talvez não fosse apropriada uma visita desse tipo, que, envolve sempre alegria, satisfação e muitas
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solenidades, apesar de ela poder ser feita em condições diferentes, o Sr. Embaixador disse imediatamente que mais do que nunca a Roménia precisava da visita dos Deputados portugueses neste momento crucial e doloroso da ma existência e que a nossa presença seria uma prova de profunda solidariedade.
Em nome da Mesa, associo-me à moção de pesar tão sincera e comovida desta Assembleia e peço-lhes, Srs. Deputados, que estejamos de pé um momento de meditação e de reflexão.
De pé, a Assembleia guardou uni minuto de. silêncio e depois aprovou a moção por aclamação.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito para uma declaração política.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O passado fim de semana foi marcado por dois acontecimentos que testemunham a despudorada agressividade da ofensiva reaccionária e dão razão àqueles que, como nós, entendem que o perigo do fascismo constitui uma real ameaça.
Refiro-me à reunião do Coliseu de Lisboa, presidida por um Deputado desta Assembleia, e ao boicote a uma sessão de solidariedade com os povos das ex-colónias, ocorrido em Aveiro.
A avaliar pelas reportagens de toda a imprensa, a reunião do Coliseu constituiu não apenas o ataque a uma das mais nobres realizações da Revolução de Abril o fim da guerra colonial e a descolonização -, mas representou, pelo clima de insulto, de calúnia, de ameaça em que decorreu, pelos apelos e incitamentos à, violência lançados por diferentes oradores, pelas concepções defendidas, a mais típica manifestação fascista realizada em Portugal depois do derrubamento da ditadura.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O que foi posto em causa no Coliseu foi a Revolução de Abril e os seus heróicos capitães, o regime democrático e a Constituição da República. Mas mais, a reunião do Coliseu é um desafio a todas as instituições democráticas e um insulto ao povo português.
Utilizo a reportagem do Diário de Notícias para referir algumas afirmações. Disse-se, segundo a reportagem: "Após o 25 de Abril, se alguém fez alguma coisa de patriotismo neste país fomos nós, os refugiados." Como exemplos do "patriotismo" referido falou da ocupação do Banco de Angola e da "desinfecção" da Casa de Angola.
Outra: "Não nos podemos integrar numa sociedade contaminada, numa sociedade estrangeira." Esta sociedade estrangeira é a sociedade portuguesa.
É sinistro e ridículo, mas Hitler e os nazis também fizeram figura de ridículos histriões nos seus primeiros passos
No Coliseu, o Deputado desta Assembleia, presidente da reunião, respondeu àquelas insultuosas afirmações, proclamando: "Vós sois a última geração de um Portugal orgulhoso da sua história e do seu destino ... "
A Assembleia da República, o Governo, todas as instituições democráticas não podem deixar passar em claro esta escandalosa provocação, coe escandaloso desafio. Galvão de Melo deve prestar esclarecimentos à Assembleia da República pela grave operação em que se envolveu. Esperamos que de todas as bancadas deva Câmara liga a coragem de lhos exigir.
O boicote de Aveiro empresta uma significação concreta ao que se passou no Coliseu. É a demonstração de que os discursos não são simples desabafos retóricos, mas representam propósitos de uma conduta bem determinada.
É a esta luz que a provocação do Coliseu e a provocação de Aveiro devem ser julgadas. É o n.º 4 do artigo 46.º da Constituição, que proíbe "organizações que perfilhem a ideologia fascista", que lhes deve ser aplicado. Não são os retornados das ex-colónias que estão em causa, mas os agentes do grande capital e da reacção que, sem escrúpulos, instrumentalizam alguns deles como carne de provocação contra a democracia.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os promotores da reunião provocatória do Coliseu não se atreveriam a tais cometimentos se não se sentissem encorajados por uni clima de condescendência relativamente aos próceres do regime fascista, um clima de campanha anti-comunista, um clima de contestação das transformações operadas na sociedade portuguesa após o 25 de Abril e consagradas na Constituição da República.
Freitas do Amaral, o responsável máximo de uni partido que votou contra a Constituição, também ele se atreveu, em discurso proferido para o American Club of Lisbon, a afirmar:
O CDS está contra a equipa dê Mário Soares quando esta "contemporiza com certas desordens ou violações do direito, quando prossegue uma Reforma Agrária baseada fundamentalmente ainda em leis inspiradas pelo Partido Comunista, ou quando se pretende limitar o papel da iniciativa privada dos diplomas que, de certo modo, consagram aquilo que o PCP considera as grandes conquistas da Revolução e que nós consideramos os grandes erros do gonçalvismo.
As grandes conquistas da Revolução são para o PCP, como se sabe, ao lado das liberdades e da democracia, as nacionalizações, a Reforma Agrária e o controlo operário, todas elas consagradas na Constituição.
Portanto, o CDS continua confessadamente em oposição a aspectos centrais e fundamentais da Constituição da República.
Mas a histeria anticomunista não parte apenas do CDS. É estimulada e promovida por sectores responsáveis, incluindo do próprio Governo e do partido do Governo. Desenvolve-se actualmente em torno da oposição do PCP ao sentido fundamental das medidas económicas e financeiras adoptadas em Conselho de Ministros dos dias 25 e 26 de Fevereiro, à integração de Portugal no Mercado Comum, e desenvolve-se ainda em torno de lutas dos trabalhadores. Acusa-se o PCP de desestabilizar e de não ter uma atitude patriótica por discordar da política do Governo e das forças que o apoiam,
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por considerar que essa política não dá solução aos problemas nacionais, antes favorece e impulsiona a recuperação capitalista, agrária e imperialista.
Farei adiante referência a essas questões e teremos oportunidade de definir ainda mais claramente para a Assembleia as nossas posições aquando do debate a propósito da interpelação apresentada pelo PPD/PSD. Queremos afirmar desde já que a campanha contra o PCP e as lutas laborais, longe de se revestir de qualquer dignidade democrática, aparece como uma forma de constranger opiniões adversas, como uma forma de intimidar os próprios trabalhadores e levá-los a abandonar a luta pelos seus interesses e a defesa das suas reivindicações que fazem no campo da legalidade e no respeito pela Constituição.
Queremos afirmar também que poucas vezes na história terá sido tão claro o ensinamento de que o anticomunismo, visando prioritariamente os comunistas e a classe operária, é uma arma contra todos os democratas, contra a própria democracia. Os que insistem brandindo a arma do anticomunismo e querem, conservar as liberdades e a democracia não devem esquecer o exemplo do aprendiz de feiticeiro.
Os do Coliseu já se consideram, só eles, os únicos patriotas!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nas declarações públicas e comunicados que Fizemos sobre as medidas económicas e financeiras tomadas pelo Governo em 25 e 26 de Fevereiro temos vindo a afirmar que delas não resulta a solução dos problemas financeiros, a radical diminuição do défice da balança comercial e de pagamentos, a reanimação da economia nacional, a defesa dos interesses das classes e camadas laboriosas.
Dessas medidas resultará, sim, o agravamento das condições de vida dos trabalhadores, a entrega dos recursos financeiros, de empresas e de sectores da economia nacional aos capitalistas e às multinacionais, a criação de novas condições para a restauração do capitalismo monopolista.
O PCP há muito que vem alertando para a gravidade da situação económica e financeira, para as dificuldades que era preciso vencer, para as medidas que urgia tornar.
Sempre dissemos a verdade ao povo português...
Risos do CDS.
... sempre afirmámos que o País não podia viver acima das suas posses, que havia que tomar medidas decididas no campo económico e social, e, de entre elas, medidas que corrigissem o défice global da economia portuguesa.
Já no seu VII Congresso Extraordinário, realizado em 20 de Outubro de 1974, o PCP alertava para a gravidade da situação económica e financeira, chamando a atenção para os grandes défices da balança de pagamentos. Aí afirmou o meu camarada Álvaro Cunhal que "estes défices, a não serem prontamente diminuídos porão em perigo a estabilidade económica de Portugal".
E, por isso, é com perfeita coerência que na sua intervenção realizada nesta Assembleia aquando da discussão do Programa do Governo ele podia afirmar: "Cremos ter sido os primeiros a chamar a atenção para o excesso do consumo nacional em relação à produção e a quantificar a diferença nos 50 milhões de contos"
Mas é na desenvolvida análise constante do relatório aprovado pelo Comité Central do PCP para o VIII Congresso do meu partido, realizado de 11 a 14 de Novembro de 1976, bem como na resolução política aí aprovada, que com mais clareza é apontada, como problema central da Revolução, a estabilidade económica e financeira, posta em causa pelo aumento do défice global da economia portuguesa.
Aí se considera o défice da balança de pagamentos como "um ponto nodal" das dificuldades económico-financeiras nacionais. E acrescenta-se: "A carência básica da economia portuguesa - ou seja, o facto de que os consumos ultrapassam num quantitativo que não se afasta de 50 milhões de contos a produção nacional (excluindo o turismo) - é o mais grave problema de fundo que, no domínio económico, Portugal defronta no momento presente."
Mostrámos a urgência com que se deveriam tomar medidas, evidenciámos os perigos resultantes para o País de se insistir em viver acima das nossas posses, em não se adoptar a curto prazo uma política de austeridade.
Na resolução política aprovada no VIII Congresso do PCP afirmámos o seguinte:
Para reanimar e estabilizar a economia e empreender uma política de desenvolvimento podem admitir-se duas dinâmicas fundamentais:
Uma é a dinâmica capitalista, assente na propriedade privada dos meios de produção, no agravamento da exploração dos trabalhadores, no aumento dos lucros e da acumulação, na ligação e subordinação aos interesses do imperialismo estrangeiro.
A outra via é a que assenta numa dinâmica não capitalista, com base nas transformações das estruturas económicas levadas a cabo pela Revolução.
A nosso ver, o conjunto das medidas de carácter económico e financeiro tomadas pelo Conselho de Ministros em 25 e 26 de Fevereiro não constitui a solução para os graves problemas que o País atravessa e representam uma opção pela via da dinâmica capitalista.
Quanto a nós, o sentido fundamental dessas medidas é a diminuição dos consumos através do aumento dos preços, o que desde logo significa o agravamento das condições de vida dos trabalhadores e das classes médias; é a recuperação capitalista apresentada como recuperação económica, o que significa um atropelo às novas leis objectivas da economia, a desorganização da vida económica e uma maior degradação da situação financeira.
Há nesse conjunto de medidas algumas que poderiam ser positivas se enquadradas numa política económica diferente. Mas o sentido de muitas outras medidas não só anula esse eventual efeito positivo, como aponta claramente, a nosso ver, para um conjunto que se traduz numa política de recuperação capitalista.
Pode ser outro o significado da entrega de vultosos recursos financeiros aos grandes capitalistas, através da mobilização de indemnizações provisórias de acções e títulos de empresas nacionalizadas,
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quando estas mesmas empresas necessitavam, sim, desses recursos para investimentos e melhorias tecnológicas? Ou a anunciada reavaliação dos activos das empresas privadas, sem que se admita igual operação para as empresas públicas?
Algumas dessas medidas e referimo-nos particularmente à desvalorização do escudo, aos decretados aumentos de preços, à liberalização do regime de fixação de preços e outras conduzem de imediato a uma vertiginosa e generalizada alta do nível dos preços, que, conjugada com as restrições aos aumentos de salários, se traduz na diminuição dos salários reais e no agravamento das condições de vida dos trabalhadores e das classes médias.
Uma questão merece, entretanto, neste quadro particular, realce.
Referimo-nos à desvalorização do escudo.
A diminuição do valor de câmbio do escudo vai produzir de imediato uma diminuição dos salários reais, um aumento da taxa de lucro e a intensificação da exploração da força de trabalho.
No terreno dos défices da balança comercial e de pagamentos, o facto de 80119 das nossas importações serem de bens essenciais, a deficiente estrutura das nossas exportações, o aumento interno de preços de que vem a resultar a anulação do incremento do turismo e das remessas dos emigrantes e, finalmente, o peso da dívida pública externa conduzem a que, em vez de se concretizar a anunciada diminuição desses défices, o que iremos certamente assistir é ao seu preciso agravamento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP tem afirmado repetidamente: existe uma alternativa para a política de recuperação capitalista. Existe uma alternativa democrática.
Essa alternativa tem de assentar nas transformações operadas nas estruturas económico-sociais da sociedade portuguesa no decurso da Revolução de Abril. Essa alternativa tem de apoiar-se no vasto sector não capitalista da nossa economia, o que não exclui na nossa óptica incentivos apropriados ao sector privado. O que combatemos é que se considere o sector capitalista como o sector a privilegiar, o sector de arranque, e que se procure alargá-lo e submeter aos seus interesses a economia nacional.
Adoptámos, adoptamos e adoptaremos uma posição responsável em relação aos graves problemas com que se debate a economia nacional.
Fomos os primeiros a advertir do perigo do esgotamento das reservas do défice da balança comercial e de pagamentos, da necessidade de reduzir a grande. diferença entre a produção e o consumo. Defendemos uma real política de austeridade e a real reanimação económica. Mas entendemos, sem nenhuma espécie de dúvida, que uma tal política só terá sucesso com os trabalhadores e não contra os trabalhadores, só terá sucesso corri a consolidação das nacionalizações, da Reforma Agrária e do controlo operário.
Estas as posições do PCP que teremos oportunidade de detalhar para a próxima semana.
Terminamos reafirmando a disposição do PCP de procurar infatigavelmente o diálogo e o entendimento entre todos os democratas, nomeadamente entre socialistas e comunistas, para, em conjunto, se encontrar a resposta que garanta a salvaguarda da democracia portuguesa, quando novas ameaças se acastelam no nosso horizonte político.
Aplausos do PCP.
Tinham entretanto tomado lugar na bancada do Governo o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (António Barreto) e o Sr. Secretário de Estado das Pescas (Pedro Coelho).
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amaro da Costa, para formular um protesto.
O Sr. Amaro de Costa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Sr. Deputado Carlos Brito, na sua intervenção, dedicou uma parte da mesma a algo que se pode considerar uma provocação.
A citação que fez do discurso do presidente do CDS não pode deixar de ser considerada senão como urna afirmação inconsequente, irresponsável portanto,
O País sabe, e esta Câmara melhor do que ninguém o sabe, dos esforços que o CDS e em particular o seu presidente têm feito no sentido da obtenção em Portugal de um clima de acalmia política, de serenidade, capaz de conseguir a consolidação da democracia e a recuperação da crise económica, que para a mesma consolidação é indispensável.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não foi o presidente do CDS que afirmou, qual profeta da desgraça, que Portugal nunca entraria no Mercado Comum. Foi, recentemente, segundo relato da imprensa, o Dr. Álvaro Cunhal, que, contrariando dessa forma a vontade expressa dos representantes de 70% do povo português, declarou que Portugal jamais entraria no Mercado Comum.
O Sr. Aboim Inglês (PCP): - É realista!
O Orador: - Isso que é, senão um desafio à democracia? Isso que é, senão um desafio à vontade expressa do povo português e da sua maioria?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Estão por responder nesta Câmara as acusações graves que o comandante da Região Militar do Centro fez acerca das tentativas de manipulação e instrumentalização das forças armadas na respectiva Região.
Não foi o CDS acusado de tal. Talvez tivesse sido útil que o Sr. Deputado Carlos Brito nos esclarecesse.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não foi o CDS nem ninguém com simpatia pelo CDS que afirmou, como o fez recentemente a Intersindical em comunicado oficial, que a lei aprovada por esta Câmara sobre os despedimentos não seria levada à prática.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Constitui isso um desafio à maioria do povo português e um desafio à democracia.
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O Sr. Deputado Carlos Brito infelizmente não nos esclareceu sobre estes pontos e a sua intervenção é uma intervenção que nos permitimos qualificar como desestabilizadora e provocatória.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, para um contraprotesto.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, é para repelir a acusação do Sr. Deputado Amaro da Costa de que a referência que fiz a um discurso do presidente do CDS constituiu um insulto.
Eu devo dizer ao Sr. Deputado Amaro da Costa que tive o cuidado de compulsar diferentes jornais para citar exactamente. E depois a conclusão que tiro também não pode ser contestada, uma vez que é por de mais conhecido que nós, Partido Comunista Português, chamamos grandes conquistas da Revolução às liberdades e à democracia, às nacionalizações, ao controlo operário e à Reforma Agrária.
Risos do PSD e CDS.
Ora, o que o Sr. Presidente do CDS fez foi dizer que isto eram os desvios do gonçalvismo.
Já o Sr. Deputado Amaro da Costa foi menos rigoroso nas citações que fez de afirmações proferidas pelo secretário-geral do meu partido. Assim, o secretário-geral do meu partido não afirmou que Portugal jamais aderiria ao Mercado Comum. O que afirmou é que jamais se faria a integração económica, pela repulsão das duas economias.
O Sr. Deputado Amaro da Costa com certeza que leu afirmações de observadores políticos, tanto nacionais como estrangeiros, que abundam, da mesma opinião: que num espaço de dez ou quinze anos não será possível a integração económica. E nós dizemos que nem depois disso será possível a integração económica.
Protestos do CDS.
Nós não nos opomos à maioria, quer dizer, não rejeitamos a maioria, Agora, naturalmente que nos dispomos nesta, como noutras questões, a discutir com a maioria e em avançar as nossas opiniões, sendo embora diferentes das da maioria.
Mas note que, apesar de tudo, é diferente es ar de acordo com a intenção de aderir ao Merca o Comum e estar frontalmente em desacordo com aspectos centrais da Constituição.
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Isso é falso, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Amaro da Costa não foi também rigoroso na citação que fez de uni documento da Intersindical.
O documento não diz exactamente o que afirma. Mas se o Sr. Deputado quer saber a nossa opinião acerca desta questão, pois dir-lhe-emos que somos da firme opinião de que as leis devem ser cumpridas.
O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Nós também, Sr. Deputado.
O Orador: - Mas entendemos que, apesar disso, uma lei injusta pode ser contestada. Pode dizer-se que a lei é injusta e pode-se procurar criar um movimento de opinião para que a lei seja modificada.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Boicotar a lei!
O Orador: - Por último, o Sr. Deputado Amaro da Costa pede esclarecimentos relativamente à declaração do comandante da Região Militar do Centro.
Nós não damos esses esclarecimentos ao CDS. Mas à Assembleia da República podemos dizer que não há nenhum comunista envolvido em qualquer actividade subversiva nas forças armadas, na Região Militar Centro.
Protestos do CDS.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - Isso não é um partido, é um sindicato!
O Orador: - Estamos prontos a esclarecer esta questão com o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, com o Chefe do Estado-Maior do Exército e com o comandante da Região Militar Centro.
Estamos na disposição de esclarecermos tudo o que é a nossa actividade política e estamos também prontos a esclarecer qualquer acusação precisa que nos apontem
É essa a nossa posição.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moura, para pedidos de esclarecimento.
O Sr. Manuel Moura (PS): - O Sr. Deputado Carlos Brito, de certa maneira, com a intervenção que fez, antecipou-se àquilo que será o debate do conjunto de medidas económicas que o Governo entendeu por bem empreender.
Era sobre dois pontos que o Sr. Deputado Carlos Brito focou que eu queria dirigir os meus pedidos de esclarecimento, concretamente.
Quanto ao fundo da intervenção que fez, eu penso que teremos ocasião de debater aqui se, de facto, se trata ou não de um plano de recuperação capitalista. Desde já devo antecipar que nós discorda-mos dessa afirmação.
O Sr. Deputado frisou ainda, como exemplos dessa recuperação capitalista, que para o Sr. Deputado seriam os pontos fundamentais, dois pontos: o problema das indemnizações e o problema da desvalorização do escudo.
Quanto ao problema das indemnizações, a primeira pergunta que lhe queria fazer era a seguinte: o Sr. Deputado Carlos Brito, enquanto membro do Grupo Parlamentar do Partido Comunista, aceita ou não que, ao abrigo do n.º 1 do artigo 82.º da Constituição da República Portuguesa, se deve proceder à definição dos critérios de fixação das indemnizações?
Eu estou a ler, textualmente aquilo que diz o n.º 1 do artigo 82.º
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Não é isso que está em causa.
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O Orador: - O segundo pedido de esclarecimento que lhe queria dirigir era relacionado com a desvalorização. Queria perguntar se o Sr. Deputado entende ou não que a fixação da paridade de uma moeda, estando o valor da moeda no concerto das moedas mundiais, não depende só da vontade de uni Estado? Isto é, se o Sr. Deputado, concretamente, defende que nós devíamos empreender unia política autárquica em que se iria isolar o escudo, em que nós poderíamos dizer e definir unilateralmente o valor da nossa moeda.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, para responder.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu respondo com todo o gosto às perguntas que me são feitas pelo Sr. Deputado Manuel Moura.
Queria começar por uma explicação. O Sr. Deputado diz que eu antecipei a nossa intervenção no debate sobre as medidas económica. Não foi essa a minha intenção, tanto assim que toquei nos problemas de uma maneira muito geral. Mas quero dizer também que já se tem afirmado que o Partido Comunista definia as suas posições lá fora, mas aqui não o fazia. Nós entendemos corresponder a essa observação, muito embora não o fizéssemos mais cedo porque exactamente pensamos reservar uma intervenção nesta matéria para o debate proporcionado pela interpelação do PSD, mas, na medida em que essa questão foi suscitada, resolvemos antecipar algumas das nossas ideias gerais acerca da matéria.
Em face das suas críticas, Sr. Deputado, então parece que somos presos por ter cão e presos por não ter.
Em relação às perguntas que o Sr. Deputado faz quanto às indemnizações, afirmo-lhe que nós somos pelo cumprimento completo da Constituição. Que estamos de acordo com indemnizações. Mas entendemos que elas são da competência reservada da Assembleia da República. È aqui que deveremos debater e esclarecer essa questão.
Para já, e avançando também a nossa opinião nesse domínio, quero dizer-lhe que nós pensamos, sim, que as indemnizações estão certas, estão na Constituição, vamos fazê-las. Mas há que distinguir entre accionistas e accionistas, entre proprietários com direito a indemnizações e proprietários se direito a indemnização.
Também não somos da opinião de que, enfim, sigamos uma política de isolamento. Pelo contrário, o que defendemos é a diversificação das nossas reacções externas. É isso que nós defendemos: a intensificação das relações de amizade com os países capitalistas, com os Estados Unidos inclusive...
Risos.
Defendemos a intensificação das relações com os países da Europa mas defendemos também a intensificação das nossas relações com os países socialistas e com os países a que, por comodidade, chamamos países do Terceiro Mundo.
Portanto, é essa a nossa posição clara que temos repetidamente afirmado.
Ora bem. Então, dentro deste quadro largo que acabo de referir, a que interesses externos devemos nós obedecer para tomarmos uma medida de tanta gravidade interna como a desvalorização do escudo?
A nossa posição é a de que não vemos do lado externo nada que nos obrigasse a tomar esta medida agora. Aliás, como o Sr Deputado sabe - nós já temos tido ocasião de o dizer, esta questão da desvalorização do escudo foi objecto de debate no nosso VIII Congresso. Nessa altura, o Governo não tinha desvalorizado, nessa altura o Governo afirmava que não ia desvalorizar. Ainda assim, como de vários quadrantes se defendia essa medida como, digamos, salvadora, ou como uma medida que poderia ajudar à recuperação económica, nós debatemos essa questão no Congresso. Estávamos a fazer oposição ao Governo, não estávamos a contestar nenhum partido em particular, visto que nenhum tinha assumido frontalmente a posição de defender a desvalorização do escudo.
Nós apreciámos e chegámos à conclusão de que não tinha vantagens para AL nossa economia, que não constituía urna ajuda. Somos coerentes com a posição adoptada no nosso Congresso e não vimos ainda produzidos argumentos que nos convencessem, do contrário.
Por isso esta é a nossa posição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros, para uma declaração política.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com a consciência perfeita das graves intenções que forças fascistas e reaccionárias em Portugal preparam, numa altura em que se aproxima mais um aniversário sobre o golpe fascista de 11 de Março e numa altura em que as autoridades e as mais diversas forças políticas antifascistas se preparam para celebrar o 25 de Abril...
Temos, como dizia, consciência e tem-se vindo a tornar clara a todos, em campanha de pasquins fascistas do género O Retornado, O Templário e outros, a tentativa de certas forças fascistas para pôr em causa essas comemorações, para pôr em causa o 25 de Abril e para lançar os seus intentos sanguinários sobre as liberdades e sobre o povo trabalhador de Portugal.
Em Janeiro, assim como que inocentemente, assim como que por acaso, o Sr. Deputado Galvão de Melo pareceu interessar-se por supostos prisioneiros portugueses que se encontrariam nas ex-colónias portuguesas. Pareceu interessar-se e alguns, talvez inocentemente, pensaram que o Deputado Galvão de Melo estava em alguma coisa interessado em resolver esses ou outros problemas dos portugueses retornados das ex-colónias.
Mas em Fevereiro, já apoiado na ampla campanha que entretanto pasquins fascistas, do género O Retornado, O Templário e outros, lançavam por aí fora, sujando as ruas deste país, o Sr. Deputado Galvão de Melo já pareceu menos preocupado quer com os problemas de retornados quer com os problemas desses portugueses, para começar a pedir a cabeça de antifascistas portugueses, de militares destacados no derrube da ditadura fascista, para começar a pedir também, a exemplo do que a campanha fascista fazia, a cabeça do próprio 25 de Abril.
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Na sequência dessa campanha, reuniu-se no Coliseu dos Recreios um comício fascista. Eu quero dirigir-me, em especial, aos portugueses retornados,
àqueles, que têm de facto dificuldades, e não àqueles poucos que de retornados têm apenas o nome, mas que a seu tempo trouxeram milhões e milhões de
contos que depositaram nos bancos suíços ou que ficaram cá para financiar jornais como O Retornado, O Templário e outros. Quero dirigir-me, em especial, aos retornados a fazer lhes notar que nem um só problema concreto dos retornados pobres, daqueles que de facto vivem em dificuldades, foi abordado, que nem uma só solução realista foi apresentada, antes se fez o aproveitamento, como tem vindo a suceder, das dificuldades com que muitos portugueses retornados vivem e do seu justo descontentamento para os tentar usar como tropa de choque
ao serviço de interesses que seguramente não são os seus, antes são os interesses da camarilha fascista, dos monopolistas e daqueles que afogaram em sangue, durante anos e anos, quer os povos irmãos das colónias quer o povo português, nas torturas do Tarrafal, Caxias ou Peniche.
Quero ainda fazer notar que o que se esteve a fazer no Coliseu não foi abordar esses problemas mas sim atacar as forças armadas, atacar o 25 de Risos.
Abril, atacar as instituições democráticas. Aliás não foi por acaso que o Sr. Deputado Galvão de Melo em Fevereiro já não apareceu com o mesmo estilo de cordeiro com que se apresentara aqui neste hemiciclo em Janeiro e até se apoiou num grupo de provocadores que nesta Assembleia, a que ele chamava teatro, tentaram desprestigiá-la, entrando em provocações. O que valeu foi a atitude enérgica do Sr. Presidente da Assembleia da República. Mas se nós condenamos esse bando de provocadores que veio a esta Assembleia para entrar em provocações e tentar desprestigiá-la, condenamos seguramente muito mais um Deputado que, tendo sido para ela eleito pelo povo português, a pensar que poderia resolver os
seus problemas, vem para aqui incitar, abrir as portas a esse grupo de provocadores que actuou nessa Assembleia. Atitude enérgica não é só pôr os provocadores das bancadas para fora. E também, com maioria de razão, pôr fora dela os provocadores que estão dentro da Assembleia.
Uma voz do CDS: - Não apoiado!
O Orador: - Talvez esta atitude ainda um dia venha a ser tomada, assim o esperamos. Mais ainda: é sabido que muitos retornados pobres, que são a
esmagadora maioria, têm como principal problema o desemprego e que não querem viver de esmolas, querem viver do seu trabalho, como cidadãos portugueses que efectivamente são. Mas naquele comício ao que se incitou os retornados não foi a procurar emprego. Pelo contrário, foi lhes afirmado que não podem procurar emprego nas fábricas portuguesas, porque aí estão os «guedelhudos», etc... Isto foi um para continuarem na situação em que se encontram, a servir de tropa de choque às forças fascistas em Portugal. Esse insulto aos trabalhadores
portugueses, àqueles que trabalham, mostra claramente as intenções, em particular, do Sr. Deputado Galvão de Melo ao atacar a democracia e as instituições democráticas naquele comício. O Sr. Deputado Galvão de Melo seguramente apreciaria mais aquele tipo de emprego de meia dúzia de indivíduos que não querem trabalhar e que querem apenas andar a limpar as esquinas do Rossio.
A União Democrática Popular alerta os trabalhadores portugueses, e ao falar em portugueses abrange, evidentemente, os retornados, porque não somos nós, mas sim a Mesa fascista que se reuniu no Coliseu que tenta dizer que os retornados não são portugueses. Nós afirmamos que esses são cidadãos portugueses, e como tal dirigimo-nos a todos os portugueses, incluindo os retornados. Queremos dizer-lhes que o que se está a pretender fazer é utilizá-los como tropa de choque contra a democracia e contra as liberdades em Portugal, mas que estamos seguros de que o povo trabalhador e os retornados pobres saberão dar a resposta exacta e precisa às provocações fascistas e aos fascistas que tiveram assento naquela Mesa.
O Sr. Presidente: - Vamos iniciar as intervenções.
Tem a palavra o Sr. Deputado Galvão de Melo.
O Sr. Galvão de Melo (CDS): - Eu estou a tremer tanto que nem sei se sou capaz de falar.
Se o Sr. Presidente me permite, antes de entrar na leitura da intervenção marcada para hoje, eu gostaria de responder muito resumidamente, aos dois ataques que me foram feitos agora pelo nosso distinto colega da UDP e pelo nosso colega do PCP.
Quanto ao que o Sr. Deputado da UDP acaba de dizer, é evidente que nem vale a pena responder, porque o Sr. Deputado mente com tanta facilidade, com tanta naturalidade, e até, devo dizer-lhe, às vezes com uma certa simpatia...
Risos do CDS.
... que bom é não o travar. A Assembleia ou uma grande parte desta Assembleia, estão cheias das mesmas pessoas que no sábado estiveram nesse tal comício dito fascista. Elas podem julgar directamente se os problemas que ali foram debatidos lhes interessavam ou não. Não vale a pena eu estar aqui a tentar pôr no lugar o que o Sr. Deputado apenas deturpou. Em todo o caso, permita-me um conselho: consulte um psiquiatra.
Risos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Não podemos enveredar por esse caminho. Faço-lhe a justiça de pensar que certamente deve estar arrependido de ter proferido essa frase. Não podemos entrar de maneira nenhuma nesse campo. Como tenho dito várias vezes, não tenho poderes para evitar que as palavras sejam proferidas.
O Orador: - Quanto...
O Sr. Presidente:- Sr. Deputado: Tenha a bondade de me ouvir, porque eu também o ouvi e ouço sempre com muita atenção qualquer Deputado, pois uma das poucas qualidades que ainda me restam é saber ouvir. O Sr. Deputado há-de reconhecer que,
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a despeito da intervenção indiscutivelmente violenta do Sr. Deputado Acácio Barreiros, V. Ex.ª não se pode dirigir a um Deputado da forma como o fez, mandando-o consultar um psiquiatra. Aliás, isso é um acto voluntário, a única pessoa que poderia decidir isso era o próprio Sr. Deputado.
Risos.
Acho que mais ninguém tem o direito de estar a sugerir consultas a médicos. Suponho que o Sr. Deputado Acácio Barreiros não precisa de consultar psiquiatra nenhum, eu pelo menos posso testemunhar que o considero em seu perfeito juízo e integridade mental.
Risos.
Srs. Deputados: Vamos acabar de uma vez para sempre com esse sistema que obriga o Presidente a ter intervenções que também lhe desagradara e que no fundo são desajustadas à sua maneira de ser. Espero que o Sr. Deputado reconsidere e que os outros Srs. Deputados, em circunstâncias iguais, também reconsiderem.
Tenha a bondade de continuar no uso da palavra.
O Orador: - Sr. Presidente: Agradeço-lhe muito particularmente a intenção da sua intervenção e prometo não repetir aquela palavra. Em todo o caso, gostava de fazer uma pequena observação: é que eu apenas fiz uma sugestão. No entanto o meu colega de Assembleia fez algumas declarações dirigidas directamente à minha pessoa, em que me chamava, por exemplo, fascista. Não é que eu me importe muito...
Risos.
... mas parece que está fora da terminologia desta Assembleia. Portanto, gostaria que, no seu jeito conciliador, e digo-o com toda a sinceridade, V. Ex.ª chamasse a atenção não só quando eu falo no tal nome que não posso repetir...
Risos.
... mas também quando se fala naquele que o próprio Regimento baniu desta Assembleia, que é o fascista.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª razão, Sr. Deputado, mas, na verdade, eu não ouvi o Sr. Deputado Acácio Barreiros chamar-lhe directamente fascista. O que eu ouvi foi que a assembleia do Coliseu dos Recreios é uma assembleia de fascistas. Quando algum Sr Deputado se dirigir directamente a outro chamando-lhe fascista, pode V. Ex.ª ter a certeza de que o chamarei à ordem.
Pode V. Ex.ª continuar a sua intervenção.
O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito: Se não me leva a mal, dado o tempo que já se perdeu, eu não responderia à sua observação, que, de remo, era diferente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A salvaguarda dos direitos do homem tem sido timbre e preocupação desta Assembleia da República.
Depois de meio século de forçado silêncio, m que os ânimos mais generosos, particularmente da juventude, foram obrigados a sofrear impulsos, a calar ideias novas que criam indispensáveis à libertação e ao bem-estar dos portugueses - de todos os portugueses -, dentro de certo e elevado conceito de dignidade humana, natural é que, hoje, muitos desejem, forte e exuberantemente, expressar essa liberdade tão desejada e, finalmente, conseguida. É bem natural, bem humano que aqueles que desde o berço permaneciam calados, tristes, em revolta, agora aproveitem para gritarem bem alto suas alegrias e boas vontades. Inexperientes mas cheios de boa fé, os portugueses crêem-se campeões das liberdades que ainda é preciso implantar em muita parte do Mundo. Cheios da força longo tempo concentrada, os portugueses, românticos por natureza e tradição, têm-se arvorado era denunciadores e defensores dessas liberdades onde quer quo as pressintam ameaçadas.
Assim, esta Câmara, reflectindo aquele estado de espírito, fazendo alarde de um sentimento de equidade a sobrepor-se às próprias convicções políticas partidárias, mau grado a sua ainda curta existência, já algumas vezes concebeu, redigiu, aprovou e teve. a coragem de enviar, aos respectivos governos de outros Estados e povos, moções condenando veementemente actos aqui julgados atentatórios das liberdades fundamentais do homem. E foi o que aconteceu cora as mensagens por esta Assembleia enviadas aos Governos do Chile, da Espanha, da Checoslováquia e do Brasil.
Nem o conceito admitido internacionalmente de «não ingerência nos assuntos internos de outros Estados», nem o formalismo limitativo das relações diplomáticas, fizeram recuar esta Assembleia.
Fronteiras, leis, hábitos diferentes, tudo foi ultrapassado perante a realidade absoluta: o homem!
E mais: perante exemplos em que os visados rejeitaram ser chamados aos seus deveres, devolvendo a mensagem acusadora, alguém nesta Assembleia afirmou: «Apesar de tudo, vale a pena continuar, insistir, porque alguma coisa de bom há-de ficar.»
Zelo mais constante, atitude mais corajosa, generosidade de maior elevação não se hão-de encontrar, com frequência, em outras câmaras de outros povos.
É, sem dúvida motivo de admiração e louvor que um povo: o povo português, uma assembleia: a Assembleia da República Portuguesa, em meio de suas dramáticas aflições, mantenha ânimo que, devendo ser bastante na resolução dos problemas próprios, ainda sobre para, a outros povos, indicar o bom procedimento que a esses povos convém.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi perante esta mesma Assembleia e em nome daquele mesmo povo que, a 25 de Janeiro e a 15 de Fevereiro, pronunciei exposições cuja preocupação dominante era - exactamente - a salvaguarda dos direitos do homem em locais e circunstâncias em que esses direitos foram esquecidos, e continuam esquecidos. Neste caso, direitos de homens portugueses. Os direitos esquecidos de portugueses abandonados nas prisões da Guiné, Angola, Moçambique e, provavelmente, Timor.
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É direito desses portugueses a liberdade de saírem da terra onde, agora, são estranhos. É direito desses portugueses voltarem a Portugal e à protecção das suas leis. É direito desses portugueses que suas famílias e amigos sejam informados sobre a sua situação. É direito desses portugueses, os que forem militares, que as forças armadas saibam da sua situação crítica e alguma coisa façam por eles.
E ainda que por seus crimes - se provados - a alguns desses portugueses não possa ser, de imediato, concedida a liberdade física, a liberdade de viverem onde e como quiserem, é ainda seu direito, inalienável, que lhes seja garantida a dignidade de portugueses, ou seja, a liberdade de continuarem detidos, sim, mas em território português, mas em prisão portuguesa, até que um tribunal, português, definitivamente os condene ou absolva.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - É simples, é claro, é humano, o que desde há mais de um mês venho perguntando ou requerendo. É, sobretudo, consentâneo aos deveres e tradição desta Assembleia (como ainda há pouco demonstrei).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contudo, e apesar de tudo, perante prisioneiros portugueses a Câmara vem a revelar preocupações diferentes daquelas que sempre manifestou nos casos em que para não portugueses foram esquecidos os direitos do homem.
O Governo perguntado, que não é Governo de outro povo senão que Governo de portugueses não respondeu. Fica-se por um silêncio que desde logo o compromete mesmo sem provas. No entanto, este Governo, não era Governo ao tempo das prisões e das independências! ...
Quanto a outras entidades políticas, também requeridas ou apenas citadas, apressa-se esta Câmara, ao fim de três semanas a justificar os seus silêncios com «formalismos regimentais» que, afirmaram alguns, não foram cumpridos.
Formalismos sobre os quais nem todos estamos de acordo. Formalismos que, em todo o caso, não podem dar vida a mortos, porque alguns dos que ficaram presos já foram mortos. Formalismos que não logram arrancar das prisões aqueles que aí não deviam permanecer nem mais um dia, Formalismos que, certamente, a Nação ofendida não aceita como resposta.
Para além do mais, este formalismo exagerado às últimas instâncias só pode interessar a quem a sua consciência não tiver tranquila; a quem, por má ventura, tenha sido ou esteja a ser participante na prisão e no cativeiro de tantos portugueses, brancos, mestiços e pretos, cujo crime, único, foi amarem até ao desespero a terra onde nasceram, a terra que durante gerações ou largos anos fecundaram pelo trabalho duro, regaram com suor escaldante e, vezes sem conta, chorando lágrimas amargas. Quem, de entre nós, se atreve condenar esta gente?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado desculpará, irias eu condescendi - acho que procedi bem, salvo opinião contrária - em conceder-lhe alguns minutos mais atendendo a que respondeu aos Srs. Deputados Carlos Brito e Acácio Barreiros. Devia tê-lo feito no seu direito de uso da palavra para uni protesto, mas eu não contei esse tempo. Quero avisá-lo agora de que o tempo da sua intervenção está a terminar.
O Orador: - Desde o início da minha intervenção gastei mesmo dez minutos?
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado.
O Orador: - Se o Sr. Presidente me permite, usarei da palavra só por mais dois minutos.
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.
O Orador: - Eu tinha perguntado: Quem de entre nós se atreve a condenar esta gente?
Se o formalismo regimental ou a sua interpretação, impedem que a Nação Portuguesa saiba com que é seu direito saber, só há um caminho a seguir: corrigir o Regimento, substituir os interpretadores. Porque uns e outros não cumprem a finalidade para que foram concebidos e criados: servir a verdade, servir a Democracia Portuguesa, servir os portugueses.
Com estes «formalismos» bem mais à vontade estão os Governos da Guiné, Angola e Moçambique do que os Governos do Chile, Espanha, Checoslováquia e Brasil, porque àqueles ninguém, até ao presente, enviou moções de censura. Nem a eles, Governos estrangeiros, nem aos que, sendo portugueses, àqueles estrangeiros entregara, juntamente com os territórios, bens de portugueses, homens e mulheres portugueses.
Tal como aconteceu com os responsáveis pela direcção de outros povos, aos quais esta Assembleia manifestou a sua reprovação por actos que não respeitam os direitos do homem, também os responsáveis pela direcção dos portugueses recusam agora assumir atitudes positivas perante actos de flagrante desrespeito pelos direitos do homem ... português!
Mas não desesperemos, nós vamos continuar, porque, tal como aqui afirmou um Deputado da bancada socialista, vale a pena continuar, insistir, pois insistindo alguma coisa de bom há-de ficar. Eu vou continuar. Eu vou insistir. E se ninguém responder às dúvidas, que não são minhas mas de todos os portugueses, eu responderei.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente: Eu pedi a palavra para dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Galvão de Melo e à Câmara, se V. Ex.ª me autorizar.
O Sr. Presidente: - Mas alguém lhe pediu o esclarecimento?
Risos.
Ou quer dar uma explicação?
O Sr. Jaime Gama (PS): - Exacto, é para uma explicação.
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O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado quer pedir a palavra para dar uma explicação, tenha a bondade.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. General Galvão de Melo, ao longo da sua carreira e perante vários sectores de opinião, tem sido considerado, entre muitas outras coisas, um democrata. Fez críticas ao regime anterior, que lhe valeram uma referência no ensaio do Dr. Álvaro Cunhal Rumo à Vitória.
É também considerado um anticolonialista, em virtude de várias atitudes tomadas em Angola - assim o entende muita gente. Participou no 25 de Abril, não ignorando que o objectivo das forças armadas, ao realizar o 25 de Abril, era pôr termo à guerra e penso que foi ainda durante a sua presença na Junta de Salvação Nacional que foi aprovada a lei da descolonização elaborada pelo Sr. General Spínola, posteriormente ratificada pelo Conselho de Estado.
É também o Sr. General Galvão de Melo considerado um patriota, e a propósito disto queria lembrar a sua presença em vários comícios organizados pelo CDS nos Açores, onde. perante uma assistência em que se encontravam vários partidários da independência, o Sr. General defendeu a unidade nacional num momento particularmente difícil.
Tem o Sr. General manifestado, recentemente, um interesse crescente em relação aos presos que se encontram nas ex-colónias. Falo nesta matéria com perfeito à vontade, porque muito antes do Sr. General apresentei na Assembleia Constituinte um requerimento, dirigido ao Ministro dos Negócios Estrangeiros, acerca da situação dos prisioneiros portugueses em Moçambique. Fui, penso, o primeiro Deputado a tratar esta matéria. E também fui quem levantou, através de um requerimento, dirigido igualmente ao então Ministro dos Negócios Estrangeiros e que ficou igualmente sem resposta, a questão da ponto aérea entre Cuba e Angola, via Santa Maria, nos Açores.
Penso que tem sido realizada uma acção em relação a estes problemas, quer pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros quer pela própria Comissão dos Negócios Estrangeiros da Assembleia da República - foi constituída uma subcomissão que está a analisar neste momento uma petição dirigida à Assembleia e referente ao desaparecimento de um avião em Cabora Bassa -, quer também pelo meu próprio Partido, que nos contactos que tem estabelecido não tem deixado em claro a situação dos prisioneiros portugueses nas ex-colónias.
Estabeleci um contacto com o Ministério dos Negócios Estrangeiros e foi-me esclarecido que vai ser dada resposta ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado de forma detalhada e plenamente actualizada, que essa resposta está na iminência de chegar à Assembleia da República e que só as exigências do detalhe e da actualização da resposta impediram que, da chegasse hoje a A Assembleia. Recordo que ainda a semana passada cerca de cinquenta portugueses foram libertados em Moçambique e regressaram, como noticiou largamente a imprensa, o que prova que o Governo tem exercido nesta matéria uma acção constante, discreta e com êxito.
Dar publicidade de forma exagerada a um assunto desta natureza só pode prejudicar a solução de casos futuros e agravar a situação, que desejamos ver resolvida, dos portugueses que se encontram nessa difícil circunstância. A situação é a que é. É o resultado de uma descolonização feita com décadas do atraso e sob a pressão interna, que ninguém ignora, de grupos políticos e militares interessados em fomentar o alargamento em África dos interesses de uma das superpotências.
Vozes do PS, PSD e CDS:- Muito bem!
O Orador: - Não se trata, numa perspectiva política, de recriminar o passado recente, que felizmente vencemos, trata-se de lançar as pontes para o futuro que queremos construir. E nesse sentido parece-nos que as relações entre Portugal e as ex-colónias beneficiarão a economia nacional, os interesses do País, os portugueses que ainda lá se encontram, e só elas permitirão o regresso dos que o quiserem fazer, uma vez atingida a situação de estabilidade e segurança que os próprios considerem mínimas para aí poderem organizar a sua vida.
A intensificação das relações entre o Portugal democrático e as ex-colónias, apesar das dificuldades existentes, são, por outro lado chamo a atenção do Sr. Deputado para este ponto - do interesse dos países ocidentais. E veja-se, nesta matéria, a política da Alemanha Federal, da França ou dos Estados Unidos e a maneira como se têm comportado esses países em relação aos países de expressão portuguesa em África, Portugal tem um papel fundamental a desempenhar no quadro das relações entre a Europa e a África. E tem de perspectivar essas relações dentro de um enquadramento diplomático amplo que tenha em linha de conta o papel que Portugal pode vir a desempenhar nesses países e o papel que a influência portuguesa pode vir a ter na difícil, e conturbada situação existente na África Austral.
Só a União Soviética pode estar interessada em arredar por completo a cooperação entre o Portugal democrático e os novos países.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - E penso que atitudes como as que o Sr. Deputado Galvão de Melo vem tomando perturbam essas relações, prejudicam os interesses da Europa e dos países ocidentais em África e objectivamente só podem contribuir para consolidar ou reforçar a influência soviética nesses países, com as consequências daí resultantes para o futuro da África Austral.
O Sr. General, ao assumir esta causa da defesa dos presos portugueses nesses países, causa da qual, ninguém pode discordar, recorre a processos que contrariam frontalmente os fins que tem em vista.
Com este esclarecimento, apelo para a sua sensibilidade, não de lutador mas de homem político, para que no futuro reveja as suas posições em ordem a contribuir para a reconciliação e não para a divisão nacional.
E finalmente também lhe queria pedir que, de uma vez por todas, fosse banido da vida política nacional o recurso às convocatórias para as presenças maciças no hemiciclo de S. Bento.
O Sr. Francisco Vidal (PS): - Muito bem!
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O Orador: - Nós vivemos durante o período da Constituinte essa situação com particular melindre e não me parece curial que o Sr. General Galvão de Melo, que nessa situação assumiu posições de grande dignidade, venha agora recorrer a processos que, soube então criticar com toda a energia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Terminou já o nosso período de antes da ordem do dia, mas encontram-se na Mesa dois requerimentos - um do PS e outro do PSD - a pedir a prorrogação e ambos estão em conformidade com o Regimento.
Há alguma oposição?
Pausa.
A prorrogação está concedida e, como tal, cada Partido pode fazer uma intervenção de cinco minutos.
O Sr. Deputado Jaime Gama desculpar-me-á, mas eu considero a sua intervenção como um protesto, pois no fundo foi um protesto. Nessas condições, dou a palavra ao Sr. Deputado Galvão de Melo para um contraprotesto.
O Sr. Galvão de Melo (CDS): - Sr. Presidente: Eu, sinceramente, não queria chamar contraprotesto à minha intervenção, até porque pessoalmente não vi nas palavras do meu colega de Assembleia - já não falando, até, das que me dirigiu directamente, extremamente amáveis -, senão um apoio ao problema que aqui foi levantado nesta Assembleia, embora de um ponto de vista diferente.
Devo confessar muito naturalmente que durante a sua exposição estive quase sempre de acordo. Não vou agora entrar em pormenores, uma vez que me prometeu e já se fez porta-voz da resposta que o Governo vai dar aos meus requerimentos. E julgo que esse será o momento excelente. para me voltar a ser concedida a palavra para responder ao Governo e ao Sr. Deputado.
Em todo o caso, devo dizer-lhe que mantenho tudo o que na vida já alguma vez condenei veementemente. Não fiz nem entusiasmei quaisquer convocatórias. Se alguns retornados estão presentes, é porque quiseram estar presentes. A maneira como o fizeram, é perfeitamente estranha à minha pessoa. Mas que me agradou a sua presença, sem dúvida.
Aplausos do CDS e risos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreendemos as dificuldades em. que se encontra o Sn Deputado Galvão de Melo.
Risos.
Mas agora que o Governo prometeu dar uma resposta aos seus requerimentos, qual será o outro motivo que irá procurar para prosseguir os sinistros desígnios que vem tentando?
Vozes do CDS: - Não consentimos isto, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Peço-lhe desculpa, mas acho que a língua portuguesa é muito rica - é talvez das mais ricas do mundo -, e, portanto, vamos acabar com asses termos de «sinistros», de «fascistas» e outras coisas parecida.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas o Sr. Deputado Acácio Barreiros não sabe falar de outra coisa.
O Sr. Presidente: - Peço-lhe que modero um pouco, sem limitar de maneira nenhuma a veemência das suas alegações, esses ímpetos e essas expressões, contra as quais eu terei de reagir até às últimas consequências, se for caso disso.
Pode continuar no uso da palavra.
O Orador: - Sr. Presidente: Como antifascista e como político a minha obrigação é pôr o dedo na ferida, e se na bancada do CDS dói, queixem-se.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - Não dói nada!
O Orador: - Mas, Sr. Presidente, quando falo em sinistros desígnios, baseio-me, por exemplo, na reportagem do Diário de Notícias sobre o referido comício, no qual se faz apelo à violência.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - O Sr. sabe ler?
O Orador: - Aí se diz aos retornados que não se devem integrar na sociedade portuguesa, porque é uma sociedade estrangeira e a sua obrigação é combatê-la. Aí se diz, recordando o exemplo do sionismo israelita, que eles são quatro milhões e dominam oitenta milhões; nós também somos menos, mas no nosso sangue corre o sangue judeu, ou soja, o apelo para que os retornados sirvam, de facto, de tropa de choque para que uma minoria domine pela violência como faz o sionismo israelita - a maioria do povo trabalhador.
Isso não serão desígnios sinistros?
Para quê tantos protestos, para quê tanta hipocrisia?
Protestos do CDS.
O Orador: - Mais: Dirigi-se um ultimato em nome desses portugueses, dos verdadeiros, dessa minoria de retornados, ao Sr. Presidente, da República. Mas ao enviá-lo ao Sr. Presidente da República o Sr. Deputado Galvão de Melo diz assim: «Ao Presidente da maioria dos portugueses», depois de defender a minoria, a pura, que são os retornados.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - Isso é urna intervenção ou um protesto?
O ST. Presidente: - Eu esclareço: Trata-se de uma intervenção de cinco minutos. É assim que a estou a considerar.
O Orador: - É um protesto, Sr. Presidente.
Começaram a dizer que isto de eu ter dito «sinistros desígnios» era um crime...
Risos.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Desculpe-me, mas, efectivamente, ouvi rir tanto que tenho muita pena de não ter ouvido, naturalmente para me rir
também, embora discretamente.
Risos.
Mas o Sr. Deputado deseja efectivamente fazer um protesto ou um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Galvão de Melo?
O Orador: - Estou a protestar, Sr. Presidente. Aliás, inscrevi-me, antes do período do prolongamento de antes da ordem do dia, para fazer um protesto.
O Sr. Presidente: - Então, faça favor.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas um protesto para quê?
O Orador: - Mais: Até de uma bancada que tanto defende o Poder Judicial, que dizer desta frase de um tal Paulo de Castro que, referindo-se a Rosa Coutinho e Melo Antunes, diz: «Chegou a hora de nós os julgarmos em praça pública?»
E é baseando-me nestes apelos à violência e ataques às instituições que eu digo que aquele comício era um comício fascista. Não o era pelas pessoas que lá participaram essas manobras não passam de tentar dizer que eu estou a atacar muitas das pessoas que aqui estão presentes e estariam nesse comício -, mas porque, conforme disse, seguramente muitas das pessoas aqui presentes foram a esse comício à espera de uma solução concreta para um problema que de
facto é dramático e que exige uma solução que seja realista e possível, e acabaram por encontrar estes apelos.
O Sr. Cunha Simões (CDS):- O General Otelo mandou-as para o Campo Pequeno!
O Orador: - Sr. Deputado: Não me interrompa, até porque, se me permite, no seu caso eu estou convencido de que até na sua própria bancada já haverá
quem esteja arrependido de, na outra vez não ter-mos votado a sua suspensão para ir a tribunal.
Risos.
Finalmente devo dizer que são estes apelos à violência fascista e ao serviço de desígnios colonialistas e fascistas que eu designei por comício de fascistas.
Mantenho essa afirmação e mantenho essa acusação em relação à mesa do comício.
O Sr. Presidente: - Há algum pedido de esclarecimento?
Pausa.
Visto não haver, tem a palavra o Sr. Deputado Galvão de Melo, naturalmente para um protesto ou para um contraprotesto, como entender.
O Sr. Galvão de Melo (CDS): - Sr. Presidente: Eu vejo que, afinal, o que se está aqui a discutir não é o resultado da exposição que há pouco acabei de fazer, mas sim de qualquer coisa que se passou no sábado no Coliseu dos Recreios, e que, afinal de contas, parece ter tido até mais projecção do que a que nós, modestamente, julgávamos.
Mas se o Sr. Deputado da UDP acha que defende melhor os interesses dos retornados, sejam eles operários ou outros, porque não lhes propõe uma sessão de esclarecimento para ver quantos lá lhe aparecem?
Risos e manifestações na tribuna do corpo diplomático.
O Sr. Presidente: - Um momento só, Sr. Deputado.
Um Sr. guarda ponha imediatamente fora da sala o segundo senhor que está ali na primeira fila da tribuna.
Além disso, chamo a atenção dos serviços da Assembleia para que fiscalizem imediatamente se todos aqueles senhores que se encontram na galeria destinada à diplomacia são diplomatas acreditados em Portugal. Essa tribuna é reservada simplesmente aos diplomatas acreditados em Portugal. Poderei condescender num ou noutro caso com jornalista, porque, às vezes, poderão ter dificuldades e necessidade, de ali estarem para os seus serviços. Mas outras pessoas, que não sejam diplomatas ou jornalistas, fazem favor de sair.
Pausa para evacuação de várias pessoas que se encontravam indevidamente na referida tribuna.
O Sr. Presidente: - Como se vê, Srs. Deputados, há mais embaixadas e delegações em Portugal do que nós supúnhamos.
Vamos continuar os nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Simões para um protesto.
Vozes do CDS: - Prescinde.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - Não, Sr. Presidente, não prescindo do protesto, porque todas as vezes que vejo levantar ali o Sr. Deputado da UDP, que eu considero um bando e não um partido...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: Não pode dirigir-se dessa forma a nenhum partido constitucional que se encontre representado nesta Assembleia. Não se trata de nenhum bando, trata-se de um partido. E, se o Sr. Deputado continua a usar dessas expressões, creia que é com muito pesar que me verei obrigado a cortar-lhe a palavra.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem, Sr. Presidente.
O Orador: - Então, Sr. Presidente, direi somente que quando olho para o Sr. Deputado da UDP vejo-lhe uma cabeça tão grande, tão grande, tão grande que lá dentro caberia um regimento de cavalaria a trote, sem tropeçar com uma única ideia.
Risos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Estou a começar a aborrecer-me - o que, aliás, é muito difícil em mim - e torno a fazer-lhes o apelo para que não
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usem expressões, e até expressões equestres, como a que acaba de ser usada pelo Sr. Deputado Cunha Simões.
Nós não podemos dirigir desta forma aos nossos colegas da Assembleia. Todos eles estão aqui a representar os seus partidos na legitimidade do resultado das eleições. São todos eles pessoas respeitáveis e sem distinção tenho por eles igual respeito; e espero que os Srs. Deputados me acompanhem e me ajudem, e que não queiram abusar - desculpem-me que lhes diga da incapacidade de um homem só como eu, por ter efectivamente de fazer frente a uma assembleia tumultuária, embora o não seja na sua generalidade.
Vamos continuar com calma, pois nós precisamos dos nervos para outras coisas más importantes da vida nacional. Vamos guardá-los, reservá-los, preservá-los e vamos ver se conseguimos dar a esta Assembleia, não digo dignidade, pois não creio que se trate de um problema de dignidade, mas aquela calma e aquele equilíbrio que só nos prestigia perante nós próprios, perante o público que assiste e perante o País, que também está atento ao que aqui estamos a fazer.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros para formular um protesto.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Quero protestar contra os insultos que me foram dirigidos pelo Sr. Deputado Cunha Simões, embora sempre tenhamos dito que há certos insultos que, para nós, até são elogios, porque o mau, o que nos preocupa, é quando os inimigos nos não atacam. O que nos regozija é quando os inimigos se enervam e perdem a cabeça.
E já que falo de cabeças, de facto há cabeças tão estúpidas que nem para fascistas dão.
Risos.
O Sr. Cunha Simões (CDS): - É um antifascista primário!
O Sr. Presidente: - Continuamos com a mesma gramática?!
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo e vamos ver, minha senhora, se lança um pouco de frieza e de elegância no meio de todos estes tumultos.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considero muito importantes estes problemas de retornados, mas não deixo também de considerar muito importantes os problemas relativos às mulheres que neste país ainda constituem uma maioria.
Por isso mesmo, porque hoje se comemora o dia 8 de Março, o Dia Internacional da Mulher, peço a palavra.
Uma voz: - Muito bem!
A Oradora: - Cabe salientar aqui o papel importantíssimo que as mulheres portuguesas vêm desenvolvendo no sentido da sua emancipação e promoção social de modo a serem suprimidas todas as discriminações, injustiças e preconceitos atávicos que sobre elas pesam.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Para nós, mulheres sociais-democratas, o que está em causa é a preservação da dignidade da mulher como ser humano. Mas para alcançar essa dignidade a mulher não precisa de se negar a si própria, recusando e combatendo aquilo que constitui a sua natureza específica.
A mulher portuguesa pode esperar confiadamente uma era nova no caminho da sua completa emancipação. É que a revolução de 25 de Abril abriu perspectivas alentadoras a toda esta longa e difícil caminhada.
A Constituição de 1976 representa um marco histórico a assinalar a plena igualdade do homem e da mulher, na família, no trabalho e na sociedade.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Tal tratamento deriva das novas concepções sociais, políticas e ideológicas que estão subjacentes ao momento histórico por todos nós vivido após o 25 de Abril.
As leis da família, do trabalho, da segurança social hão-de decorrer dos princípios constitucionais como corolários lógicos daquele afirmado princípio de igualdade.
Mas igualdade que não se há-de traduzir apenas em aspectos jurídicos, mas há-de promover uma verdadeira e autêntica promoção social e económica da mulher.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Há que assinalar o relevante papel histórico que o legislador de 1911 desempenhou na conquista da igualdade nas relações pessoais entre os cônjuges, na abolição da discriminação da legislação penal em caso de adultério, etc. Essa legislação é tanto mais notável quanto é certo que ela traduz um avanço no seu tempo relativamente à legislação de outros países. Não podem, pois, as mulheres de Portugal de hoje deixar de prestar homenagem aos homens da República, tão imbuídos de idealismo e sensibilidade perante as gritantes injustiças que as mulheres suportaram durante milénios.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Pena foi que muitas dessas conquistas se perdessem no Código de 1966, que, sob certos aspectos, nomeadamente no que respeita ao poder marital, constitui um verdadeiro retrocesso relativamente à legislação então vigente.
Agora que a Constituição de 1976 foi promulgada, urge prosseguir na reforma das leis de família, por necessidade imperiosa de coadunar esses preceitos com os princípios proclamados. É que se há matérias que não levantam grandes dificuldades na aplicação prática daqueles preceitos, o certo é que há outras que pela sua extrema complexidade e delicadeza exigem.
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estudos aprofundados e urgente reforma. Sabemos que o Ministério da Justiça constitui comissões especializadas para esse estudo e sabemos também que a Comissão da Condição Feminina tem desenvolvido imensos e aturados esforços para a actualização e profunda revisão dessa ancilosada legislação, não só nesse domínio da família, como no do trabalho e segurança social.
Congratulamo-nos especialmente com a concessão de 90 dias de licença por parto, o que traduz o reconhecimento oficial da função social da maternidade. Não podemos, porém, deixar de salientar a enorme discriminação de que a mulher sofre ainda hoje nas fábricas, no campo, nos escritórios, quando realizando trabalho igual ao do homem aufere vencimentos inferiores e sofre desvantagens rico acesso a cargos de chefia ou direcção.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Neste, como noutros campos da actividade económica, há que ter esperanças no futuro da nossa vida nacional, na elevação cultural das mulheres a graus de ensino superior na superação de toda urna mentalidade discriminatória que a aliena e atrofia. Só assim se passará da igualdade abstracta à igualdade efectiva, pela participação das mulheres no poder político e em todas as formas e manifestações da vida humana em sociedade. Só assim se superará a mulher como mulher-objecto, considerada como tal pelo homem e até por ela própria, quando, confundindo liberdade com libertinagem, se prostitui, se degrada e reduz a uma nova forma de escravatura.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - As mulheres de hoje querem, acima de tudo, ser sujeitos da história do seu povo, de braço dado com o homem para a construção do Portugal mais justo e mais livre.
Aplausos gerais
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Vou dirigir-me agora aos Srs. Jornalistas para lhes dar urna explicação.
Na verdade, quando mandei, proceder à evacuação da galeria reservada aos diplomatas ressalvei que se porventura lá estivessem presentes alguns jornalistas em serviço, esses jornalistas não eram abrangidos por essa minha ordem.
Houve uma má interpretação e apresso-me, portanto, a prestar-lhes as minhas desculpas.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio.
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Coerente com os princípios que há pouco aqui defendi nesta Assembleia sobre um dos grandes problemas nacionais que, aliás, acaba de ser referenciado pela minha colega da bancada do PSD, que é o da defesa e promoção da dignidade das mulheres neste país, não posso deixar passar, também eu, a data de hoje, o Dia Internacional da Mulher, sem um pequeno apontamento.
Este breve apontamento é, Sr. Presidente, Srs. Deputados, para assegurar às mulheres portuguesas, especialmente a todas aquelas largas camadas de mulheres trabalhadoras que no meu Partido votaram, que nos esforçaremos para aqui tornar presentes e lutar por elas e por uma correcta defesa dos seus problemas e dos seus interesses.
E é também para que nos associemos ao consenso internacional, de que uma sociedade mais justa, mais sã, mais rica e mais humana só será possível se por todo o lado, e também aqui neste hemiciclo, associemos esforços para que cada indivíduo, homem e mulher, seja senhor das suas liberdade dos fundamentais na criação de uma nova cultura, de novas estruturas económicas e sociais e de uma nova qualidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou hoje aqui enumerar de novo os grandes e numerosos escolhos que se deparam à grande maioria das mulheres portuguesas para que beneficiem dos largos caminhos de promoção que a Constituição deste país lhes oferece, nem vou explicitar as dificuldades inerentes à transformação dos tecidos culturais e sociais que obviamente condicionam o ritmo do percurso.
Que sejam elas, sobretudo, as promotoras da sua condição, assim o esperamos, porque não há grupo, movimento ou partido que em seu nome possa dispensar o esforço de consciência crítica e de dignificação pessoal indispensável à libertação de qualquer ser humano.
Uma voz do PS: - Muito bem!
A Oradora: - Neste momento de crise e de esperança no nosso país, confio na energia moral, na capacidade de trabalhar para o futuro, na capacidade criativa e transformadora de todas as mulheres, transformadora das relações económicas e sociais.
Confio, sobretudo, na resistência dessas mulheres às perturbações que através delas se possam querer lançar neste momento da vida nacional.
Confio na capacidade de luta por uma nova sociedade portuguesa, que só o será se cada mulher estiver bem presente em cada fase da sua transformação, em cada sector da vida nacional, em cada posto de trabalho.
Permitam-me, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que em nome dos Deputados desta Assembleia saúde todas as mulheres portuguesas, na esperança de que saberão, com lucidez, enfrentar as medidas necessárias à recuperação da nossa economia, à consolidação da democracia e à construção do socialismo.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem também a palavra para uma intervenção a Sr.ª Deputada Ercília Talhadas.
A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo, hoje, desta Câmara saudar todas as mulheres do nosso país, e em especial todas as mulheres trabalhadoras! Esta saudação é uma homenagem que desejo prestar à mulher portuguesa.
Historicamente, o dia 8 de Março apresenta, antes de mais, uma grande luta vitoriosa e de repercussão internacional das mulheres trabalhadoras, concretamente das operárias da indústria têxtil de Nova Iorque contra a exploração capitalista, que, entre outros factores de opressão, se traduzia num horário de de-
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zasseis horas de trabalho. Assim, no dia sete de Março de 1857, operárias têxteis americanas fizeram greve, e no dia oito, uma manifestação de rua que foi fortemente reprimida. Algumas operárias refugiaram-se dentro da fábrica, a qual foi incendiada pelos patrões cora a ajuda das forças repressivas do estado norte-americano, motivo pelo qual algumas operárias morreram queimadas.
O dia oito de Março veio a assumir o valor de um símbolo na história do movimento feminino internacional, quando foi proposto, em 1910, por Clara Zetkin, como o Dia Internacional da Mulher.
Em Portugal, os movimentos e associações democráticas têm longos anos de existência. Assim, em 1909 foi fundada a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas, presidida por Ana de Castro Osório. A acção da Liga foi importante no trabalho de propaganda dos ideais republicanos.
Em 1914 foi criado o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, que, entre outros objectivos de luta das mulher, defendia o do salário igual a trabalho igual, o direito ao voto, etc.
De realçar que só mais de sessenta anos depois é que a mulher portuguesa viria a conquistar plenamente esse legítimo direito, que é o voto, em igualdade com os homens.
À data do encerramento do conselho pelo governo fascista, em 1947, era sua presidente essa grande figura de mulher - e democrata que se chama Maria Lamas. Entre outros motivos invocados pelo governo fascista - para o encerramento do Conselho, alegou-se que as mulheres portuguesas não precisavam de organização alguma que se ocupasse dos seus problemas porque o governo fascista já os tinha em conta!
Mas as mulheres democratas não desistiram de se unir para lutar pelos seus direitos e pelo futuro dos seus filhos, e, nos anos do pós-guerra desenvolveram grande actividade na Associação Feminina Portuguesa para a Paz, sensibilizando milhares de mulheres para a luta pela paz, contra a guerra, a opressão e o terrorismo fascista.
Em 1969, ainda sob a ditadura Marcelista, nasceu e tomou projecção nacional, o Movimento Democrático das Mulheres Portuguesas (MDM), que teve várias iniciativas para dar expressão aos profundos sentimentos contra as guerras coloniais das mães e, esposas dos soldados portugueses. O MDM participou activamente no Congresso da Oposição Democrática, em 1973, destacou-se na denúncia do fascismo e da guerra colonial, bem como na luta pelo reconhecimento dos direitos da mulher. Não é numa curta intervenção que se pode fazer toda a história da luta que as mulheres portuguesas travaram ao longo dos anos de ditadura salazarista para se libertarem das amarras do obscurantismo e da discriminação a que o fascismo as sujeitou!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O dia 8 de Março tem tradições em Portugal. Durante o regime fascista o Dia Internacional da Mulher foi uma jornada de luta muitas vezes violentamente reprimida pelas forças do terror fascista a alcançou, por vezes, apesar disso, uma grande expressão de massas, como na manifestação de 8 de Março de 1969, no Porto, em que participaram mais de 20 000 pessoas.
Hoje, depois do 25 de Abril, é possível à mulher portuguesa fazer deste dia uma jornada de amizade e solidariedade com as mulheres de toldo o Mundo na luta contra o fascismo, o imperialismo, o colonialismo, pelos direitos da mulher por um futuro melhor, mais são e mais feliz para os nossos filhos.
Em nome das mulheres comunistas, desejo, hoje, desta tribuna, saudar todos os povos oprimidos, em especial todas as mulheres mais oprimidas, do Chile, Uruguai, Paraguai, Guatemala e Argentina, denunciando, do mesmo modo, a opressão racial que ainda existe na Namíbia, Zimbabwé e África do Sul e a agressão isrealita contra os países árabes e o povo palestiniano.
As mulheres angolanas, moçambicanas e as da Guiné-Bissau, bem como as do Vietname, Laos e Camboja, merecem-nos particular saudação, pelo heroísmo demonstrado, ontem, na luta contra o colonialismo e o imperialismo e que hoje poderão dedicar as suas energias ao trabalho pacífico de construir uma vida progressiva, livre e independente. A nossa lembrança fraterna dirige-se também para as Mulheres espanholas, que com todo o povo espanhol lutam para assegurar uma vida livre e democrática que ponha fim definitivo ao passado franquista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Felizmente, o 25 de Abril veio alterar toda a vida do povo português e, em especial, das classes trabalhadoras. Continuam, contudo, as mulheres portuguesas a sofrer discriminações, e são elas, sem dúvida, quem mais sofre com o crescente aumento do custo de vida que se vem verificando.
Ainda hoje, no Portugal democrático, na análise da situação da mulher portuguesa, achamos que se podem distinguir dois tipos de problemas, que estão naturalmente relacionados entre si. Os seus problemas enquanto problemas que atingem todos os trabalhadores e os problemas mais especificamente da sua condição de mulher e que derivam da discriminação social, económica, política e cultural a que está sujeita, e mais particularmente da assistência materno-infantil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem-se afirmado que o povo português tem hoje a Constituição mais progressista da Europa capitalista. Mas não basta consignar na Constituição «igualdade de oportunidades», que «a trabalho igual corresponde salário igual». É necessário um aturado esforço e atenção constante, especialmente por parte do Governo do novo Portugal democrático, para levar à prática os princípios consignados na Constituição.
Nos últimos meses, com o agravamento da situação económica e do desemprego, a mulher portuguesa é a primeira vítima. Assim, milhares de mulheres têm sido despedidas das mais variadas empresas, com especial destaque para as -multinacionais: Timex, Siemens Signetics, AEG, Kallem, Agfa, Oliva, Facel, Cotsi, Applied, Standard, ITT, Plessey, Grundig, etc. Milhares de mulheres têm sido impunentes despedidas perante a passividade das autoridades, inclusive com desrespeito total pela Constituição da República Portuguesa e o mais elementar dos direitos dos trabalhadores: o direito ao trabalho, a que todo o cidadão, sem discriminações, tem direito.
Mais de 850 mil mulheres portuguesas trabalham por conta de outrem e são elas as primeiras a serem atingidas. Mas também essas, como milhões de outras donas de casa, são diariamente afligidas pela subida
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incomportável do custo de vida, pelo «cabaz de compras» agora «oferecido», após grandes aumentos dos preços, pelo prático congelamento de salários, que vai diminuir o salário real das famílias trabalhadoras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discriminação de que a mulher ainda é vítima na nossa sociedade é bem humilhante a todos os níveis, atingindo todas as mulheres de todas as condições sociais.
As discriminações no nosso inundo de trabalho são bem gritantes a todos os níveis, faço questão de frisar bem gritantes a todos os níveis. Desde a mulher operária, trabalhando numa máquina ao lado do homem, exactamente com as mesmas funções, e que só por ser mulher é «ajudante», até à mulher que trabalha nos serviços, técnica ou doutorada, onde o acesso a postos superiores de trabalho é pura e simplesmente discriminatório, pois não lhes são dadas, na prática, as mesmas possibilidades que ao homem.
Os níveis de qualificação profissional ou o acesso a centros de decisão dependem em larga medida do acesso à cultura, a unia formação profissional, que logo desde a base dificulta, se não impede, à mulher unia qualificação profissional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que a transição de uma sociedade para o socialismo não se faz sem a presença activa e efectiva da mulher a todos os níveis, em todos os campos e com todas as mulheres de todas as condições sociais.
Nenhum povo pode alcançar a sua plena libertação sem conquistar a libertação completa da mulher. Neste 8 de Março de 1977 deixo aqui um apelo às mulheres do meu país para que se unam e lutem, ao lado de todos os homens progressistas, pela sua crescente emancipação e dignificação, para que possam dar a sua contribuição, indispensável à construção de um Portugal melhor, democrático e independente, rumo ao socialismo!
Aplausos do PCP e de alguns Deputados do PS e PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.
O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bom é até para demonstrar a não discriminação do sexo reconhecida constitucionalmente, que um homem, em seu nome pessoal, em nome dos homens e naturalmente em nome do CDS, eleve a sua voz para se associar à homenagem feita dos diversos quadrantes pela voz de ilustres parlamentares, que aqui se fez ouvir em favor da mulher portuguesa, da esposa e da mãe, das viúvas, das mães solteiras, de toda a mulher que, apesar das conquistas constitucionais, ainda no nosso país se sente desprotegida, se sente num estado de inferioridade.
Nós queremos manifestar aqui toda a nossa solidariedade e toda a nossa admiração à mulher portuguesa- Nós queremos, nesta hora, chamar a atenção e pedir às mulheres portuguesas que ajudem com todo o seu esforço à estabilização da democracia. E mais que ajudem com todo o seu esforço à reconstrução económica do nosso país, que não se deixem manipular por forças que neste momento se servem delas e que desejam a desestabilização para tentar voltar a impor uni regime de que elas e os seus filhos, os nossos filhos, seriam as principais vítimas.
Quero, em nome do CDS garantir às mulheres portuguesas que tudo faremos uma vez reconhecidos os seus direitos, para que os mesmos sejam respeitados nos precisos termos da Constituição.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros para uma intervenção de cinco minutos.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de alguns colegas já se terem referido ao Dia Internacional da Mulher não tenho praticamente mais nada a acrescentar. Apenas queria dizer que a UDP se associa com todo o fervor revolucionário a esta data e dizer também às mulheres portuguesas que a União Democrática Popular está absolutamente convicta como a prática o tem vindo a demonstrar- de que as mulheres portuguesas saberão tomar o seu lugar, assumir as suas responsabilidades, ombro a ombro com os homens, na luta que é de todo o povo português para a construção de um Portugal próspero, independente e feliz.
Aplausos de alguns Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - A sessão está suspensa até às 18 horas e 15 minutos,
Eram 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 25 minutos.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vamos entrar no período da ordem do dia: Continuação da discussão na generalidade da proposta de lei n.º 47/I.
Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Lucas Pires, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo, que tinha ficado inscrita da última sessão para tal efeito.
A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, da intervenção que fez na anterior sessão fiquei um pouco com a ideia de que teria feito, de algum modo, uma leitura apressada do texto em discussão.
Falou, por exemplo, de que haveria unia ausência de referência às ilhas flutuantes e quero dizer-lhe que isso não é correcto, porque isso está contemplado no artigo 7.º, alínea c), da proposta de lei, Não percebo, portanto, como é que o Sr. Deputado pode dizer que existe essa omissão e assim gostaria que se referisse a isso um pouco mais.
Disse, por outro lado, que havia algumas limitações neste texto e que ele seria até uni pouco conservador. Parece-me que este texto está dentro daquilo que é normal neste tipo de legislação a nível internacional, e se é verdade que alguns países, como o Brasil e outros, chegaram a declarar como mar territorialmente as 200 milhas, e com certeza que o Sr. Deputado considera isso como uma posição que mais cedo ou mais tarde será revista, não tem para nós algum interesse estar a tomar atitudes espectaculares, mas atitudes correctas que venham a ter continuidade
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no futuro. O Sr Deputado também sabe, com certeza, que há outros países, como por exemplo a União Soviética, que fez a sua lei a título provisório.
Por outro lado, o Sr. Deputado referiu-se ao artigo 12.º dizendo que ele seria o quebrar da existência de qualquer limite para o Governo nesta legislação. Ora, também aqui se esqueceu de que esse artigo fala num prazo não superior a doze meses e, como deve compreender, isso é absolutamente necessário, dado que há negociações de carácter bilateral por vários países vivem exercendo o seu direito de pesca em mares que até agora estavam perfeitamente livres. Existindo países que vêm pescando nesses mares é lógico que lida um período durante o qual soa possível estabelecer acordos provisórios, e aí está explicitamente dito que tal período não pode ser superior a doze meses. Portanto não percebo a razão por que disse que haveria possibilidades sem limites - neste momento não tenho presentes as palavras do Sr. Deputado -, não percebo como é que pretende que isto seja o abrir de uma porta sem limites para o Governo.
De tudo isto parece-me que talvez a sua leitura não tenha sido feita muito na especialidade. Estou, pois, convencida de que aquando da discussão nessa forma, a sua leitura será em linhas mais horizontais, pois parece-me que a de agora foi bastante em diagonal.
O Sr. Presidente: - Poderá responder Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Em primeiro lugar, a Sr.ª Deputada compreenderá que as culpas de uma leitura apressada não me podem ser primeiramente imputadas. Isso deve-se ao facto por mim citado, que foi o atropelamento da iniciativa do Partido Socialista pela iniciativa do Governo socialista.
Em segundo lugar, no que diz respeito à não referência do problema das ilhas dos Açores e da Madeira, agradecia à Sr.ª Deputada que me votasse a citar o artigo que agora invocou.
A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Desculpe, Sr. Deputado, mas eu falei em linhas flutuantes e não considero como tais os Açores e a Madeira.
O Orador: - Eu interpretei essa designação como respeitante aos Açores e à Madeira. É evidente que as ilhas flutuantes são mais invisíveis do que estas e foi talvez por isso que eu as passei em claro.
A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado.
O Orador: - Faz favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Maria Emília de Meio (PS): - Sr. Deputado: Eu não fiz referência aos Açores e à Madeira, pás para mim são território nacional. Logo tal facto está contemplado, de uma forma geral, na lei.
O Orador: - Quanto ao problema de eu considerar este texto algo conservador, direi o seguinte: não perdi nunca, na perspectiva das minhas palavras, a ideia de que o mar irá ser campo de batalha decisiva, nomeadamente durante o final deste século, quer devido ao expansionismo marítimo soviético quer à possibilidade de a NATO intervir ou pressionar num ponto quente como é este. Foi talvez devido a isso que me pareceu que, sendo nós apenas uma infantaria em termos militares, a ideia de ocupação imediata desse mar teria algum sentido do ponto de vista estratégico-militar. No entanto, como não sou muito forte em questões de estratégia, não insisto muito neste ponto.
Em segundo lugar, a Sr.ª Deputada compreenderá que o papel da oposição é pedir, e que esta não está, como o Governo, comprometida nas tricas diplomáticas, não sabendo, portanto, até onde pode in além disso, eu fui provavelmente influenciado por uma Constituição que logo nos primeiros artigos se mostra possuída de grande poder sobre todas as regiões do Mundo e de vários intuitos prosélicos, sendo talvez esse megalomanismo constitucional que me transportou nas suas asas, sob este aspecto. No entanto, quero salientar o seguinte: não quero, de modo algum, prejudicar com a minha posição - e de resto não conseguiria tal as negociações em curso. Provavelmente o óptimo, de que eu me quis fazer expressão, é inimigo do bom e, se assim é, o que eu fiz foi simplesmente suscitar uma explicação por parte do Governo.
Queria, além, disso, dizer o seguinte: ao referir-se ao meu ponto de vista, quando disse que eu tinha alegado que a posição do Governo era neste aspecto conservadora, parece-me que há, no ponto de vista da proposta de lei do Governo, unia precoce integração nos pontos de vista da CEE, quando nós não somos ainda inteiramente da CEE! É evidente que a CEE tem uma zona económica exclusiva conjunta para todos os seus países, justamente para obviar ao tal problema do expansionismo marítimo soviético, porque os pescadores soviéticos colhiam nesse mar unia média de 600 000 t de peixe por ano. Ora eu estou inteiramente de acordo com essa integração. Pareceu-me assim que, não estando ainda nada integrados nessa comunidade, teria algum sentido tomar uma posição diferente. É evidente que a decisão aqui tornada é unilateral e provisória e logo que estejamos integrados na CEE essas normas passam a valer inteiramente, estando eu implicitamente de acordo com elas. Quis simplesmente tomar uma posição que, não sendo de força, fosse de exigência.
Era tudo o que tinha a dizer.
O Sr. Presidente: - Ainda para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Lucas Pires, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Infelizmente a intervenção do Sr. Deputado Lucas Pires já se fez há uns dias, de modo que já não é possível ter, antes de ver o Diário, claramente presentes todas as observações que teve ocasião ele fazer, mas há urna sobre a qual gostaria de ser esclarecido e diz respeito às águas territoriais dos Açores e da Madeira.
É óbvio, e não é esse o problema que está em discussão, que quando se fala na definição do território nacional ele engloba os Açores e a Madeira. É evidente também que o órgão competente para o fazer é a Assembleia da República. O problema que se põe é outro: o de saber se a natureza geográfica peculiar dos Açores e da Madeira, arquipéla-
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gos, não justificaria, na definição do seu mar territorial. e das suas águas interiores, o seguir-se uma orientação diferente daquela que resulta de cumular as águas territoriais e as interiores de cada uma das ilhas que os constituem. Como é sabido do Direito Internacional Marítimo, tem sido largamente discutido o problema de saber se os arquipélagos distanciados da costa devem ter, na definição do seu mar territorial e dos seus mares interiores, um regime distinto do de cada uma das suas ilhas consideradas isoladamente. Ora não percebi, na rápida referência que foi feita na intervenção do Sr. Deputado Lucas Pires, se efectivamente preconizava o estabelecimento de um regime especial, que só se encontra previsto no projecto submetido pela 2.ª Comissão à 3.ª Conferência do Direito Marítimo para os Estados arquipélagos, onde se preconizava um regime idêntico ao desses Estados arquipélagos, sem prejuízo da sua natureza de simples regiões autónomas, ou se, pelo contrário, a sua referência tinha um significado diferente. Como, efectivamente, a proposta de lei do Governo é lacunosa nesta matéria e se trata de matéria extremamente importante, gostava de poder obter uma precisão do pensamento do Sr. Deputado Lucas Pires sobre este assunto.
O Sr. Presidente: - Poderá responder, Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Evidentemente, eu coloquei-me na perspectiva da oposição, da pessoa que nota uma omissão e que não está em condições de definir uma política legislativa a este propósito. Tenho a impressão de que a pergunta do Sr. Deputado Rui Machete, e digo imo sem qualquer intuito polémico, seria mais correctamente dirigida ao Governo do que a mim. Suponho, aliás, que é isso que pretende em última análise.
Para situar o meu pensamento, acrescento que disse na minha intervenção - e para lembrar o facto que o Sr. Deputado diz não saber precisar muito bem - mais ou menos o seguinte: a Convenção sobre o Direito do Mar estabeleceu que só tinham direito ao mar territorial autónomo as ilhas independentes, Pelo menos foi o que pude apurar pelos meios de investigação a que tive acesso. Ora isso pareceu-me inteiramente injusto para os Açores - e sei também que há o problema a que fez referência, de que o modo de definir o mar territorial de uma constelação de ilhas deve ser diferente do modo de definir um mar territorial de um país com uma costa uniforme -, mas é evidente que não me propus resolver esse problema. Lamentei apenas a omissão da sua resolução e eu estava aqui colocado numa perspectiva de crítica às posições do Governo e não propriamente na posição de um contralegislador que aqui nem propôs uma legislação alternativa. Foi, portanto, com este espírito que fiz a minha observação.
Aproveitava ainda a oportunidade para responder a uma dúvida, a que há pouco não respondi, da Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo a propósito do artigo 12.ª. É evidente que o artigo faz uma ressalva falando de doze meses, mas nessas circunstâncias seria preferível tal artigo dizer o seguinte: esta lei entra em vigor daqui a doze meses no que diz respeito a estrangeiros. Praticamente é o que ele diz de uma forma algo mais velada e hipócrita, permita-se-me a expressão.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado das Pescas.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas (Pedro Coelho):- Sr. Presidente: Antes de iniciar a minha intervenção, queria expressar toda a emoção que sinto de pela primeira vez ter oportunidade de me dirigir a esta Assembleia, na qual, embora para ela tenha sido eleito, nunca tive a honra de participar devido às funções que me têm sido cometidas. É para mim, de facto, uma grande honra poder dirigir-me aqui aos representantes do povo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No momento em que é apresentada a esta Assembleia a proposta de lei que alterará profundamente a jurisdição portuguesa sobre as águas marítimas adjacentes ao território nacional, permito-me fazer algumas considerações sobre as consequências administrativas, económicas e sociais que poderá ter para o sector das pescas e para o País esta medida, que considero indispensável e extremamente oportuna no contexto internacional.
As profundas alterações que a nova ordem jurídica internacional já sofreu pelas sucessivas declarações de zonas económicas exclusivas, ou zonas de pescas exclusivas, por parte da grande maioria das potências marítimas mundiais e as suas consequências na economia marítima portuguesa, na sua geopolítica e no seu sector produtivo das pescas, necessitam de uma resposta adequada, com meios de acção prontos e eficazes que nos permitam manter e desenvolver a nossa posição como país empenhado no aproveitamento do mar como meio de actividade económica e de ligação entre os povos.
O sector económico das pescas enfrenta sérias dificuldades no momento actual. Para além da crise mundial do sector, relacionada com uma diminuição e restrições do acesso aos recursos e o aumento dos custos de exploração e dos meios de produção, consequência, nomeadamente, dos preços da construção e reparação navais e dos combustíveis, as pescas portuguesas sofrem w sequelas de unia política sem planificação, olhando o imediato e olvidando o futuro, limitada a algumas espécies tradicionais, e assente numa estrutura complexa e dispersa, pouco clara sob o ponto de vista institucional, em que capitais públicos e privados se interpenetravam, segundo uma concepção corporativa muito própria dos responsáveis das pescas do passado, encorajando o parasitismo, marginalizando os empresários empreendedores e maltratando os trabalhadores,
A herança das pescas industriais apresenta uma série de empresas tecnicamente falidas, com meios de produção inadequados ou insuficientes, constituídas, à partida, com capitais próprios irrisórios em relação aos investimentos que realizavam, endividadas a monte e a vale.
Um sistema de lota descontrolada permitia, em alguns casos, uma situação financeira aparentemente sã, já que os preços de primeira venda acompanhavam a inflação. É curioso citar que nos últimos sete anos, a uma diminuição média de 7% da captura nacional, exceptuando o ano de 1973, correspondeu
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um aumento médio de 1196 em valor de peixe transaccionado na lota.
Mas as situações financeiras que resultam exclusivamente de um aumento sistemático de preços de venda mascaram muitas vezes a realidade económica da actividade. E essa, no sector das pescas, depende prioritariamente do volume das capturas e da produtividade.
É, pois, numa política de aumento de produção, de máximo aproveitamento dos recursos e de minimização dos custos de exploração que se deverão desenvolver os esforços dos empresários do sector, públicos ou privados, contando para isso com o apoio do Governo e da administração pública, através de legislação adequada, do crédito, da investigação, do enquadramento técnico e das excelentes condições actuais do nosso país no campo da cooperação internacional.
Sabemos que os meios necessários ao investimento são avultados e que esquemas de protecção são habituais em países fortemente, industrializados no sector, mas num país como o nosso, em que cada tostão, cada divisa, têm que ser aproveitados ao máximo, a contrapartida terá de ser um grande dinamismo e uma rentabilização óptima.
A resposta portuguesa ao desafio mundial no campo das pescas terá de ser a de um aproveitamento inteligente do conhecimento do mar acumulado durante séculos e gerações e a sua aplicação numa actividade industrializada, reformando mentalidades e métodos.
Para isso, contamos cora os pescadores portugueses, com o seu trabalho esforçado nas empresas de pesca, com a sua organização económica em cooperativas de produção, e eximimos aos gestores, públicos ou privados, o papel dirigente que lhes cabe na organização e desenvolvimento das empresas onde trabalham.
Dos empresários esperamos que desempenem o papel que lhes cabe no investimento no sector, na criação de postos de trabalho e na iniciativa de novos empreendimentos.
A aprovação da presente proposta de lei terá com sequências imediatas na programação de actividades do departamento de Estado de tutela e até na sua estruturação interna.
Necessitamos de uma administração sólida e bem estruturada que sintetize a austeridade necessária à função pública e as necessidades de enquadramento de um sector que está na fase de arranque, enfrenta tarefas imensas e não assenta numa estrutura já minimamente organizada e funcional. A próxima aprovação da Lei Orgânica do Ministério da Agricultura e Pescas irá permitir finalmente essa estrutura e a organização estável dos quadros dos funcionários que participarão nessas tarefas.
Através de uma investigação científica aplicada e de uma colheita metódica e dirigida de dados, estatísticos, é necessária a identificação e avaliação das populações existentes e disponíveis à exploração económica racional, o que implica uma orientação prioritária da nossa investigação das pescas para a futura zona económica exclusiva.
Só esse trabalho de investigação exigirá a aplicação de meios dispendiosos, a formação e contratação de pessoal especializado e muitas horas de trabalho dedicado, organizado numa perspectiva científica e prática.
Neste sentido já tem a Secretaria de Estado das Pescas envidado alguns esforços e feito alguns planeamentos. Permito-me agora referir aqui, a título de exemplo, o que foi apresentado à FAO para o projecto de apoio do PNUD, para o sector das pescas, no relatório de vinte e quatro de Janeiro deste ano.
Como justificação dizíamos nesse relatório:
Tendo em conta o valor da pesca para a alimentação do povo português, a força de trabalho nele envolvida, o seu efeito multiplicador em actividades afins (construção naval) ou associadas (conservas) susceptíveis de serem uma fonte de divisas externas, decidiu o Governo português atribuir prioridade a este sector.
Mais à frente, através dessa prioridade, dizíamos:
Sobretudo através de um melhor conhecimento dos recursos e da sua gestão e uso racional, em particular, (sublinho) nas águas que no futuro ficarão sob jurisdição nacional, isto é, na futura zona económica exclusiva, e que poderão contribuir para atenuar o efeito negativo de dificuldades encontradas pela pesca longínqua.
Como objectivos deste projecto dizíamos nas primeiras linhas:
A racionalização da pesca numa futura zona económica exclusiva portuguesa deverá, fundamentalmente, partir das bases que oferece a pesca costeira tradicional.
Finalmente, sobre as entidades executoras nacionais, dizíamos:
A entidade executora nacional será a Secretaria de Estado das Pescas, em consulta e estreita colaboração com os órgãos competentes dos Governos Regionais dos Açores e da Madeira.
Isto, tendo em conta a importância estratégica e económica, para aqueles arquipélagos, do sector das pescas.
Neste momento podemos já considerar como adquirida a entrada em actividade no princípio de 1979 de uni navio de pesquisas, oferecido pela Noruega a Portugal, especificam ente preparado para a investigação oceanográfica da zona económica exclusiva portuguesa no campo da biologia, tecnologia da captura e do rastreio de cardumes, que nos permitirá não só a colheita de dados científicos como a formação e experiência de técnicos portugueses nas diversas componentes funcionais das pescas.
No período de tempo que decorrerá até ao início da actividade desse navio, tentar-se-á obter o acordo daquele país amigo para realizar um novo cruzeiro de investigação, na sequência do que realizou em Novembro de 1975 com um seu navio de pesquisas e no quadro do acordo de cooperação assinado entre os dois países.
Simultaneamente, existe um plano de utilização de um pequeno navio costeiro de pesquisa, o Mestre Costeiro, que será iniciado logo que o navio esteja
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operacional, bem como o embarque de técnicos de investigação em navios normais de pesca por períodos variáveis.
Neste campo, aliás, é ainda de referir a colaboração valiosa das forças armadas portuguesas, quer através de acções conjuntas com navios da armada portuguesa quer com o aproveitamento dos laboratórios e equipamento do polígono acústico dos Açores, ao serviço da investigação marítima.
O capítulo do fomento das pescas nas referidas áreas é a segunda componente interna dos benefícios que poderão resultar da aprovação desta proposta de lei.
Na situação actual, como disse, a frota portuguesa não se encontra habilitada, de imediato, para a conquista económica deste mare nostrum, quer pelo tipo de navios que a compõem quer pelas técnicas de pesca que aplica. Um esforço. de reconversão e reequipamento é necessário, segundo a política já definida de aproveitamento máximo dos recursos.
Também aqui algumas acções estão em curso, que sumariamente se poderão referir. Um novo conceito de arrastão costeiro está a ser desenvolvido e projectado, de modo que possibilite a esses navios uma actividade de arrasto demersal ou de fundo em águas costeiras e simultaneamente o arrasto pelágico em águas mais profundas e distantes, com capacidade e tipos de porão convenientes, autonomia para mais de uma semana de mar, incluindo a produção de gelo e condições de habitabilidade condignas.
Na série de navios de arrasto do alto em estudo de igual modo está previna a sua capacidade de operar em quaisquer águas.
Uma experiência de seis meses será efectuada a partir do último trimestre do corrente ano por um moderno navio de pesca à linha, corri a participação de técnicos e pescadores portugueses, de modo a permitir uma análise de resultados económicos de um tal navio e conseguir a melhoria tecnológica das unidades portuguesas que já se dedicam àquela actividade.
Finalmente, estão neste momento a ser estimuladas iniciativas de armadores no sentido de investirem no aumento de captura de espécies pelágicas, como a sardinha e similares, e na pesca e congelamento do atum, admitindo-se até a possibilidade de compra imediata de algumas unidades modernas já existentes e operacionais, atendendo à urgência de aumento desta capacidade de captura, nomeadamente para o abastecimento da indústria, e às condições favoráveis do mercado internacional de venda de unidades de pesca. Fomento, aliás, que se torna essencial para a recuperação do sector das conservas de peixe, cuja reestruturação se está a realizar segundo uma política de dimensionamento racional das empresas, modernização do equipamento fabril, manutenção do número total dos postos de trabalho, melhoria das condições sociais do trabalho e maior força concorrencial nos mercados estrangeiros, para os quais são canalizados cerca de 85% da produção nacional. Política esta apoiada numa linha de crédito interno que permite o acesso aos meios financeiros necessários para o investimento no reequipamento industrial e no financiamento à exportação.
Cabe aqui uma palavra, no que se refere à importância para as regiões autónomas da aprovação desta proposta de lei. O fomento das pescas nessas regiões é uma necessidade vital e quase uma evidência olhando para a sua situação de ilhas no Atlântico. A exploração racional e económica da zona exclusiva conduzirá a um aumento da actividade piscatória industrial naquelas regiões, quer no domínio dos investimentos a realizar no equipamento de captura, quer no de portos de armamento de infra-estruturas de apoio, nomeadamente descarga e frio, quer até como agentes de desenvolvimento industrial no campo da transformação do pescado.
Algumas das iniciativas referidas atrás destinam-se justamente a ser dinamizadas nas regiões autónomas e contam com o apoio dos respectivos Governos.
Uma terceira componente interna resultante da aprovação desta proposta de lei é a da fiscalização e protecção das imensas áreas marítimas abrangidas pela zona económica exclusiva. Cabendo às nossas forças armadas, nomeadamente à Armada e à Força Aérea, a responsabilidade dessa fiscalização e protecção, importa que estas tenham meios técnicos e humanos que lhes permitam uma acção eficaz.
Haverá talvez quem receie pelos custos que implicam estas actividades. Tais receios são, todavia, infundados.
Com efeito, a fiscalização e protecção das águas resulta de uni conjunto de medidas e não exclusivamente de uma acção repressiva. Desse conjunto faz igualmente parte a promulgação de uma legislação preparada pelo Governo que permita a aplicação de duras penas aos infractores, indo até à aplicação de penalidades com valores equivalentes ao das suas embarcações e carregamento com o seu arrasto preventivo, bem como uma linha de inflexibilidade na aplicação dessas penas, que desencoraje a actividade ilícita. Por outro lado, a maior actividade dos navios pescadores portugueses na zona será ela própria um factor de informação relativamente à existência de intrusos não devidamente autorizados.
Para finalizar esta análise, referiremos um ponto que será consequência lógica da aprovação da proposta de lei e que se relaciona com a participação estrangeira na exploração dos recursos excedentários.
Essa participação implicará negociações bilaterais com os diversos Estados concorrentes a esses recursos, razão pela qual nos parece correcto e necessário definir um período transitório, não superior a um ano, durante o qual poderão ser passadas licenças provisórias dentro, regime do regime que foi estabelecido para o acesso a esses recursos. Prática, aliás, que foi seguida em todos os países que têm declaradas zonas económicas ou zonas de pescas exclusivas.
Caberá ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a condução destas negociações, com a participação do Ministério da Agricultura e Pescas, e, tratando-se de matéria de jurisdição e negociação internacional, caberá ao Governo Central, nos termos constitucionais, a capacidade de decisão sobre tais matérias em todo o território nacional.
Tal como tem sido habitual em outros países com estrutura federalista ou que integram regiões autónomas, em que os respectivos Governos federais ou centrais são os interlocutores exclusivos em matéria de acordos internacionais, bilaterais ou multilaterais, no domínio das pescas.
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Isto não impede, evidentemente, que representantes dos Governos das regiões autónomas sejam chamados a formas de participação e consultas naqueles problemas cuja especificidade o aconselhe e de forma a acautelar-lhes os seus interesses.
O Governo preparará legislação quanto à regulamentação desse acesso, prevendo os termos e condições em que as frotas estrangeiras poderão pescar na zona económica exclusiva nacional, como, por exemplo: contrapartidas de carácter económico, obrigatoriedade de embarque de tripulantes nacionais e de desembarque de pescado em portos nacionais, cooperação técnica e científica, formação profissional.
Igualmente legislará sobre a constituição de sociedades mistas de pesca com maioria de capital nacional. Algumas das negociações poderão ser celebradas com base na reciprocidade de direitos e benefícios, tendo sempre em conta os interesses das pescas portuguesas.
Passarei agora, muito sucintamente, a referir alguns pontos levantados nas intervenções que me antecederam, particularmente no que se refere ao actual statu quo em direito internacional marítimo e apenas no âmbito da discussão na generalidade.
Como se sabe, a actual III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito Internacional Marítimo ainda não terminou e tenta fazer evoluir esse direito.
Estamos, pois, numa conjuntura dinâmica da jurisdição dos Estados sobre o mar.
Até agora só se chegou a um consenso muito geral em matéria de pescas, que se reflecte, conforme foi expresso na intervenção do Ministro António Barreto, no chamado texto único de negociações.
As mais poderosas nações, nas mais diversas posições em relação às matérias em discussão nessa Conferência, não têm legislado fora dos conceitos do referido texto.
Actuar de maneira contrária seria exactamente dar um passo na balcanização do mar. Deve, no entanto, chamar-se à atenção para o artigo 7.º da presente proposta de lei. Aí se contemplam todas as outras jurisdições, para além de matérias de pesca, onde possa vir a haver consenso.
Deve, também, salientar-se que, no que refere à exploração do fundo do mar, as leis portuguesas actualmente em vigor reflectem. os termos da Convenção de 1958 sobre a Plataforma Continental, de que Portugal é parte, e pela qual a jurisdição do País ribeirinho sobre essa exploração vai, em muitos casos, para além das 200 milhas.
Da mesma forma, no que refere a poluição as leis em vigor integram, em direito interno, diversas convenções sobre a matéria, ao passo que a actual III Conferência pouco ou nada conseguiu de evolução aceite geralmente.
Da mesma maneira se deve esclarecer que a zona económica exclusiva considerada no referido texto único tem estatuto jurídico especial e algo ambíguo, pois se lhe deseja chamar mar alto porque permite a livre navegação e não apenas à passagem inofensiva e permite o sobrevoo, mas não é mar alto, pois nela o Estado ribeirinho exerce soberania para determinados fins, no caso vertente desta lei não só no que diz respeito à exploração dos recursos vivos mas também na possibilidade de regulamentar outros direitos.
Outras questões que foram levantadas cabem no âmbito da especialidade, e guardaremos os nossos esclarecimentos para a altura adequada.
Agradeço, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a atenção que me dispensaram.
Aplausos do PS
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete, para um pedido de esclarecimento.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente: Eu queria aproveitar a oportunidade da exposição feita pão Sr Se«etário de Estado para lhe pedir dois esclarecimentos.
Ouvi com extrema atenção e aprovação as referências e o relevo atribuídos, nesta matéria, às regiões autónomas, mas, repetindo uma pergunta que há pouco fiz, sem que a minha curiosidade tenha sido satisfeita, gostaria de inquirir se o carácter lacunoso da regulamentação do mar territorial nesta proposta de lei, designadamente no que se refere concretamente aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, não deveria ser, no pensamento do Governo, revisto. Justamente porque os problemas da pesca nos Açores e na Madeira e as outras possibilidades de aproveitamento desse mar são extremamente importantes, põe-se-me a questão de saber se não se deveria encarar uma regulamentação específica, aliás na senda do que tem sido discutido na reunião internacional que está a analisar os problemas de direito marítimo, consignando precisamente uma delimitação do mar territorial dos arquipélagos dos Açores e da Madeira em termos diferentes e mais latos do que aqueles em que actualmente se encontra consignada. Isso permitiria um direito de soberania muito mais intenso sobre essas águas, que passariam a ser águas interiores, o que naturalmente viria reforçar os interesses portugueses nessas regiões autónomas.
O segundo ponto diz respeito a um aspecto que não ficou inteiramente claro no meu espírito. Nós reconhecemos a oportunidade da iniciativa do Governo ao apresentar esta proposta de lei. Por outro lado, importa não esquecer, e aliás o Governo implicitamente parece tê-lo reconhecido, que se trata de unia matéria, não só da competência exclusiva da Assembleia da República mas em que esta dispõe de urna competência indisponível. Significa isto que a Assembleia da República não poderá, nesta matéria, conceder uma autorização legislativa ao Governo, de onde a sua competência nesta matéria será estritamente regulamentar. Por isso mesmo parece-me que seria útil evitar o carácter lacunoso das disposições desta lei quando ela desenvolvesse realmente disposições que não viessem a revestir natureza regulamentar Ora eu não percebi exactamente a referência que foi feita a propósito da elaboração da legislação por parte do Governo. Se o Governo vai elaborar unia legislação por decretos-leis, com características complementares a esta que é aqui apresentada, mas que não envolvem qualquer delimitação de definição do regime principal quer do mar territorial quer de outros aspectos a ele correlativos, nós compreendemos. Se se trata de considerar que nesta matéria o Governo dispõe de uma competência legislativa igual àquela de que usufruíra noutras ma-
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térias, efectivamente essa interpretação, da Constituição não é, a nosso ver, a correcta. Daí que nos parecesse oportuno, pelo menos a propósito da discussão na especialidade aproveitar a ocasião para integrar quaisquer eventuais lacunas que o, Governo entendesse, naturalmente dentro de una propósito de cooperação entre a Assembleia da República e o Governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para responder aos pedidos de esclarecimento formulados pelo Sr. Deputado Rui Machete.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas: - Em relação à primeira questão, o entendimento do Governo é que, de facto, esta lei abrange todo o território nacional e ao ser determinada a base do mar territorial em 12 milhas de largura e a zona económica exclusiva em 200 milhas, também de largura, automaticamente as regiões autónomas estão envolvidas nesse âmbito. Aliás os mapas que têm aparecido em alguns órgãos da Imprensa de certo modo expressam justamente aquilo que é o entendimento do Governo no que diz respeito às consequências desta lei para todo o território nacional.
Parece-nos que estar aqui a criar um articulado especial para as regiões autónomas, ao contrário de reforçar esse conceito, poderia até enfraquecê-lo e levantar uma polémica internacional, que era considerar que os arquipélagos, por serem ilhas, podiam estar fora deste conceito de alargamento da zona económica exclusiva.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Dá-me licença?
O Sr. Secretário de Estado das Pescas: - Faça favor.
O Sr. Rui Machete (PSD): - Efectivamente essa discussão internacional já existe neste momento. Como sabe, é uma questão que se discute, já anteriormente à Convenção de 58. Mas, depois desta, e mais precisamente nesta 3.a Conferência, discute-se com particular acuidade o problema de saber se a delimitação do mar territorial e das águas interiores dos arquipélagos e mares contíguos aos territórios continentais deve ser uma delimitação de tipo diferente.
Não ponho em dúvida que a disposição da proposta de lei abrange os Açores e a Madeira. O que está em questão é saber se, para além desta disposição de carácter geral, não haveria vantagem em usar o meio de pressão que é o acto legislativo interno para definir com maior rigor o mar territorial. Portanto, repito, não se trata de duvidar que a disposição da proposta de lei abrange os Açores e a Madeira, mas sim de aproveitar uma corrente internacionalista que procura caracterizar os arquipélagos de uma maneira especial não considerando que o seu mar territorial e as suas águas interiores resultem apenas do somatório das ilhas que os constituem para definir uni regime mais favorável.
O Sr. Secretário de Estado das Pescas: - Eu creio que, de certo modo, me vou repetir um pouco.
A forma como está feita a proposta de lei permite que estejamos precavidos contra o que acaba de dizer. De qualquer maneira, referi na minha exposição que se trata de uma conjuntura dinâmica de busca de nova jurisdição. Diria que contribuímos para definir claramente que, embora se trate de arquipélagos, nós consideramos que esses arquipélagos devem ter igual tratamento ao do continente.
Quanto ao outro aspecto - e não sei se o entendi bem - segundo me parece disse que se trataria de conseguir uma zona de mar interno, como lhe chamou, creio. Ora não me parece que isso seja muito pacífico e possível, na medida em que existem faixas entre os diversos componentes do território nacional que ficam fora da área das 200 milhas. De qualquer modo, parecia-me que poderia ser assunto para uma discussão na especialidade, visto que quando se diz território nacional se abrange tudo.
A consequência da sua proposta seria classificar o território nacional em qualquer coisa como, por exemplo, continente e regiões autónomas. Isso seria, pois, assunto para ser discutido e aprofundado.
Quanto à segunda questão que pôs creio que não há qualquer divergência entre, aquilo que referiu e a intenção do Governo quando propõe este articulado. De facto a legislação a que se refere não é de modo nenhum qualquer tipo de legislação que possa alterar a qualidade definida do mar territorial ou da zona económica exclusiva. Trata-se, sim, de legislar no sentido do acesso dos excedentes aos cursos excedentários, porque há um consenso Internacional a que não podemos nem devemos fugir, na medida em que também somos parceiros de outros pesqueiros. Assim, aquilo que a capacidade de captura nacional não tem possibilidades de fazer é lógico que seja feito em determinadas condições, dado o acesso aos outros países. Teremos, pois, de definir como vamos dar acesso, em condições, se vamos ou não, e de que modo, autorizar a constituição de sociedades mistas para essa exploração e também definir aspectos que dizem respeito a penalidades e à forma de aplicar essas mesmas penalidades.
Consequentemente, não há qualquer divergência em relação àquilo que o Governo propõe e às questões que o Sr. Deputado Rui Machete pôs no segundo ponto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.
O Sr. Salgado Zenha (PS): - Antes de iniciar a minha intervenção, queria pôr à Mesa um ponto de ordem.
O Grupo Parlamentar Socialista apresentou um projecto de lei que depois retirou, mas, não obstante isso, foram feitas intervenções por vários Deputados a respeito desse projecto retirado.
Se ele não tivesse sido retirado; teria direito a trinta minutos, Como foi retirado, tenho direito a duas intervenções, uma de vinte e outra de dez minutos. De maneira que peço à Mesa, se os outros Partidos não se opuserem, que autorize que a minha intervenção tenha como limite meia hora. Se porventura essa autorização não me for concedida, desde já digo que utilizarei os dois períodos de que disponho, primeiro o de vinte e depois o de dez minutos. Se me for concedida a autorização de meia hora, renunciarei então ao segundo período.
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O Sr. Presidente: - Se nenhum dos Srs. Deputados se manifesta contra, a Mesa concede o limite de meia hora para a sua intervenção.
Pausa.
Tenha a bondade.
O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dos sectores básicos da economia portuguesa que a ditadura fascista, ao longo de quarenta e oito anos, mais arruinou e degradou foi o das pescas. Henrique Tenreiro, mais conhecido pelo «Almirante do Bacalhau», guindado por Salazar a gauleiter das pescas, instaurou neste domínio um reino de inépcia e corrupção, que ficará na história como exemplar no seu género.
A actividade da pesca é uma indústria básica para o nosso país, essencial ao nosso abastecimento, decisiva no equilíbrio da nossa balança de pagamentos (pelo que se pode deixar de importar e pelo que se pode exportar, fundamental para a nossa independência económica.
Ora, tudo nas pescas está mal: estão mal as estruturas públicas administrativas; está mal a frota pesqueira; estão mal os circuitos comerciais; está mal o sistema legal disciplinador; estão mal os esquemas de incentivo; está mal a pesquisa e investigação; está mal o ensino das pescas, etc, etc, etc.
Em Portugal cada vez se pesca menos e pior. Trata-se de uma actividade em decadência.
O sector das pescas não precisa de, remendos. Precisa de ser totalmente repensado de ponta a ponta com visão larga, totalmente reorganizado com energia, totalmente renovado com vontade inquebrantável, totalmente refeito sem perda de tempo.
Pôr as pescas em ordem é um desafio com que povo português está confrontado e tem de vencer, custe o que custar.
É inarrável a quantidade de erros e disparates, de incúrias e incompetências, de delapidações e roubalheiras que se acumularam no sector das pescas ao longo da ditadura fascista e tenreirista. Muitas dessas roubalheiras constavam de um processo de inquérito à actividade de Henrique Tenreiro, acerca do qual, aliás, nunca foi feito qualquer comunicado público.
O resultado, porém, é evidente: a estagnação e ate o efectivo retrocesso da actividade pesqueira a diminuição das capturas e o aumento das importações de pescado; o envelhecimento da frota e o desinteresse pela construção de novas unidades; a decadência da indústria conserveira; o encarecimento do pescado, etc.
Uma verdadeira vergonha nacional.
É triste e forçoso, todavia, constatar que vão decorridos mais de dois anos e meio sobre o 25 de Abril e ainda não se inverteu o sentido da corrente decadentista.
Alguns passos foram dados recentemente e de sentido positivo, nomeadamente em matéria de frio e portos, devidos à actuação esclarecida do actual Secretário de Estado das Pescas, Pedro Coelho, e à cooperação amiga do Governo da Noruega, mas está só muito longe ainda daquele plano de desenvolvimento global e arrojado, sem o qual não se alcançará o suficiente para reconverter o quase zero no necessário.
Portugal tem condições naturais favoráveis para se tornar num grande produtor de peixe.
É preciso aproveitar, ao máximo, essas potencialidades.
Tal aproveitamento exige a mobilização de enormes recursos humanos e financeiros; exige uma capacidade organizativa excepcional para os nossos hábitos; exige um dinamismo de actuação a que não estamos afeitos; exige um entusiasmo e mobilização de vontades que não é fácil de conseguir.
Um diagnóstico, mesmo que rápido, da situação mostra-nos que o nosso atraso é de carácter proeminentemente científico e técnico. Só através da investigação ou pesquisa científica poderemos expandir a nossa pesca e produção de peixe. A pesquisa é fundamental em qualquer plano de reanimação das actividades pesqueiras, visando o futuro. Sem a orientação que a pesquisa fornece andar-se-á sempre às apalpadelas, à toa, sem. rumo definido. Por mais plenários e assembleias que se efectuem, por mais democráticos que sejam os processos deliberativos, sem a investigação, sem o estudo, sem a humildade científica, não passaremos da vacuidade palavrosa.
Quando se fala aqui em pesquisa ou investigação científica tem-se em vista uma actividade de ordem iminentemente prática, orientada toda ela com a finalidade de proporcionar o aumento das capturas, melhorar as condições do exercício da pesca e rentabilizar mais o pescado. Não é admissível que um pescador norueguês pesque seis vezes mais do que um português, o que se deve no fundamental a razões de natureza tecnológica.
As actividades de pesquisa desdobrar-se-ão, assim, numa grande variedade de actividades, entre as quais avultam a localização das áreas de pesca e avaliação das suas potencialidades; a detecção, captura e transporte do pescado; e o estudo das embarcações, sistemas e aparelhos de pesca.
A pesquisa científica, no que respeita à localização das áreas de pesca e avaliação das suas potencialidades, é tarefa urgente dentro da perspectiva da área marítima económica exclusiva das 200 milhas, de que dentro em breve disporemos, se assim for o voto desta Assembleia, como se espera.
Pensamos que se deve estabelecer um plano nacional de pesquisas pesqueiras, eventualmente desdobrado em planos regionais, e mobilizar os recursos técnicos e financeiros para o executar.
A urgência é, além do mais, ditada pelas restrições que vêm sendo postas à actuação dos nossos pescadores em zonas estrangeiras tradicionais.
A investigação científica, no que respeita à tecnologia das pescas, deve resolver rapidamente e a sério que barcos deveremos usar para cada tipo de pesca (artesanal, sardinheira, arrasto, etc.), adoptar os respectivos projectos, padronizar as embarcações, aparelhos, etc.
Mas isto em prazos definidos, com a imposição de apresentação de resultados concretos.
É um assunto que tem de ser resolvido, este de dispormos de elementos concretos sobre os barcos e aparelhos que devemos usar e saber fazê-los ou saber onde adequiri-los.
Precisamos sair das ideias vagas ideias vagas há muitas em Portugal - e alguém tem de assumir
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a responsabilidade de concretizar o que se impõe, em prazo certo.
Quero exprimir também a minha discordância pelo facto de não existir em Portugal um Ministério da Ciência e Investigação Científica, encarregado de impulsionar e coordenar a investigação cientifica, a nível nacional. Enquanto a verba orçamental destinada à investigação científica continuar a ser o que é próxima da indigência, e enquanto entre nós os doutores predominarem sobre os investigadores, mais preocupados com a batalha de Ourique do que com a sardinha ou a pecuária, não sairemos da cepa torta.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A palavra sem a ciência é vazia; a prática sem a ciência é cega.
A pesca artesanal (local e costeira) tem um significado muito importante no conjunto das nossas actividades pesqueiras, quer em termos de ocupação de pescadores quer em termos de abastecimento de peixe da mais alta qualidade.
Esse tipo de pesca deve merecer da parte das autoridades uma atenção e carinho muito especiais, dado que é geralmente exercida de conta própria pelos próprios pescadores, isoladamente ou agrupados em pequenas campanhas.
A pesca artesanal é uma faixa da actividade pesqueira em que a intervenção é difícil, dada a sua extrema dispersão e número de trabalhadores que nela se ocupam, cerca de 15 000.
Mas também é aquele em que, com menores investimentos, se conseguirão resultados mais imediatos.
O esforço de fomento neve sector deve centrar-se imediatamente nestes dois pontos: 1) fazer projectos de barcos para a pesca artesanal adaptados aos locais e tipos de pesca respectivos, de modo a padronizar as embarcações, motores, aparelhos e aprestos; 2) construir tais barcos em série, com os respectivos aparelhos de pesca, dotando os de maior porte com instalações de frio.
A ideia, e deve dizer-se isto claramente, é entregar os barcos aos pescadores, prontos a pescar, em condições financeiras extremamente benignas, próximas da dádiva.
Para isso são necessárias linhas de crédito a longo prazo, só exequíveis através da criação ele estabelecimentos de crédito especializados no sector primário, para o que será necessário, primeiro vencer a burocratice reinante nos serviços oficiais e a rotina dos nossos sectores financeiros, mesmo depois de nacionalizados. Temos muitos funcionários públicos e quando julgamos encontrar um técnico, logo verificamos que o título não condiz com a realidade estamos na presença de mais uni funcionário público. Isto é também infelizmente exacto nos serviços do Ministério da Agricultura e Pescas, onde se encontram muito poucos pescadores mas onde abunda a doutorice e a burocracia. São males que vêm do tempo do Tenreiro. Assim como a Reforma Agrária não aumentará a produção se se passar apenas do fascismo ao anarco-populismo e ao social-papelismo, assim também as 200 milhas marítimas nada adiantarão se sobre elas continuar a pairar o espectro de Henrique Tenreiro e seus discípulos.
Uma rápida vista de olhos sobre dois ramos da nova pesca demonstrarão melhor a decadência a que chegámos.
A nossa pesca de atum encontra-se num estado lamentável.
Possuímos uma posição geográfica excelente para termos um país grande pescador de atum.
A nossa indústria conserveira consome já apreciáveis quantidades de atum (e espécies similares) como matéria-prima na fabricação de conservas destinadas à exportação e ao mercado interno.
Temos mercados, externo e interno, de conservas de atum em franca expansão.
Temos a possibilidade de expandir o consumo interno de atum em fresco, evitando a importação de outras espécies.
Mas, neste momento, não pescamos, praticamente, nenhum atum, salvo nos Açores e Madeira, por processos, aliás, artesanais e antiquados.
Daí o recurso à importação, cada vez mais, de atum congelado, que no ano passado deve ter excedido as 10 000 t, com valor que ronda os 300 000 contos e tendência para aumentar fortemente.
Estas resumidas considerações impõem que se encare como missão muito urgente e de primeira prioridade o lançamento de uma frota atuneira moderna, capaz de resolver, com pesca nacional, o problema do abastecimento de atum e similares.
O atum é pesca de grande futuro para Portugal, já o sendo para outros países, como o Japão e os EUA.
O que se propõe é possível e é necessário. Alas é preciso saber o querer fazê-lo e ser capaz de realizar as acções necessárias à consecução dos objectivos fixados.
Sem exagero de maior, pode dizer-se que em dois anos gastámos em importações de atum quase as quantias necessárias à construção de uma frota corri a capacidade para abastecer o País.
Ora, o investimento numa frota própria, além da poupança de divisas, estimularia a construção naval, criaria postos de trabalho, etc.
Hoje em dia uma frota atuneira digna desse nome tem de ser constituída por navios oceânicos cercadores, com congelação a bordo.
A pesca costeira com armações fixas, como se praticava no Algarve desde o tempo dos árabes, moveu e não é possível ressuscitá-la. O que se passou no Algarve são deixa de ser pitoresco. Durante séculos, o atum, nas suas migrações de ida e volta para o Mediterrâneo, era suficientemente estúpido para palmilhar sempre as mesmas rotas. Daí as armadilhas de armação que o caçavam nos mesmos sítios. De há uns anos para cá, o atum mudou de rota. E nós deixámos de o pescar, porque não sabemos nem qual a rota que ele segue presentemente, nem somos capazes de o pescar por métodos adaptados às novas circunstâncias. Alguns pretendem que essa mudança de hábitos do atum se deve ao facto de algumas praias do Algarve, à semelhança do que já acontece na linha de Cascais desde há muito, se converterem na Primavera e no Verão em imensas latrinas, perante a indiferença das autoridades e o escândalo dos algarvios e dos turistas. Mesmo que não tenha sido essa razão, o facto é que, em tecnologia, continuamos no tempo dos árabes. Os espanhóis pescam a gamba nas nossas águas e depois vendem-no-la. Nós
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não somos capazes de pescar a gamba de profundidade e continuamos a apanhar o camarão de superfície com técnicas infantis. A continuarmos assim, será caso para dizer: Deus salve Portugal!
Nos Açores e Madeira o atum continua a ser pescado com o bíblico anzol, o que é pitoresco mas de baixa, muito baixa, produtividade. Pensamos que, este sistema poderá ser mantido, mas deverá ser melhorado. Há que construir também atuneiros oceânicos, pois a técnica de cerco tem de ser incluída na nossa frota. Já que se falou hoje nas ex-colónias portuguesas, é de espantar que Moçambique tenha passado a possuir atuneiros oceânicos de cerco, já depois da descolonização, e nós continuemos no famigerado faz que anda mas não anda, e só conseguimos ver esses atuneiros nas revistas da especialidade.
Idas o ramo da pesca onde a decadência atinge a cota mais alarmante é seguramente o da sardinha.
A pesca da sardinha e similares (cavala, carapau e biqueirão) contribui com cerca de um terço para o volume global do pescado descarregado.
É, pois, evidente. que a sua contribuição é fundamental na nossa economia pesqueira, não só no que respeita ao consumo público como ainda ao fornecimento da indústria conserveira e da de farinha e óleo de peixe.
Não obstante, a pesca da sardinha e similares é uma actividade em plena decadência, que se agravará se não se lhe deitar mão rapidamente e em força.
Sinais seguros desta decadência são a tendência geral para a diminuição progressiva, quer das capturas totais quer das capturas por traineira quer do número de traineiras quer do número dos pescadores. Tudo baixa. Para se avaliar a extensão do mal bastará dizer que em 1968 dispúnhamos de umas 400 traineiras, actualmente reduzidas a cerca de 200.
E isto é tanto mais lamentável quanto é certo que não há no mundo sardinha melhor que a das nossas costas; que a indústria conserveira podia produzir muito mais se tivesse matéria-prima; e que a decadência da pesca sardinheira induz a decadência da indústria conserveira, da indústria de farinhas e óleos de peixe, da indústria da latoaria, refinação de azeite e óleos, extracção de sal, etc.
Portugal, que, sempre foi o mais afamado pescador de sardinha, vê-se agora constrangido a comprar aos outros a sardinha que ele própria podia e devia pescar. Neste momento, ou seja hoje e a esta hora, está mais um navio soviético a descarregar na doca de Xabregas uma quantidade superior a um milhar de toneladas de sardinha, de qualidade inferior à nossa, destinada à indústria conserveira portuguesa. A que ponto nós chegámos!
A decadência da nossa pesca sardinheira deve-se, sobretudo à rarefacção da espécie junto à orla marítima, que era o poiso tradicional da sua apanha. Como as traineiras existentes não se afastam mais do que 8 a 10 milhas da linha da costa, elas são inadequadas para capturar os cardumes localizados mais longe.
Deste resumo, forçoso é concluir que os problemas de base são de natureza tecnológica.
Há que construir uma nova frota sardinheira moderna, eficiente, que possa ir pescar mais longe.
Por outro lado, há que melhorar as traineiras existentes.
Mas que tipo de barco novo construir, adaptado a uma pesca sardinheira mais longínqua do que a tradicional?
Pensamos que o barco adequado às nossas necessidades e capacidades económicas seria um barco cercador, com autonomia para dez a doze dias de mar, com porão frigorífico para congelados e refrigerados, modernamente equipado.
Mas seja esta ou outra a solução, há que decidir esse problema tecnológico de base e não nos consta que tenha já tenha sucedido.
O sistema artesanal de descarga com os cestos de vime cheios de sardinha atirados à força de braço do barco para o cais tem também de ser suprimido e substituído por processos mecânicos de descarga. Já não estamos na Idade Média!
Verifica-se que há duas concepções políticas de base. Uma é a do abandono e do desleixo, é a de Henrique Tenreiro, ou seja a de que nós não somos capazes de vir a aproveitar, por nós próprios, as nossas potencialidades e, portanto, mais valerá deixar isso a outros. A outra é a concepção revolucionária de que Portugal, o povo português e os técnicos portugueses serão capazes de enfrentar e de vencer as tarefas do momento e de dominar o mar hoje, como o dominámos nos séculos passados.
Posto isto, será que a extensão da zona económica marítima para as 200 milhas irá modificar de per si só a decadência arrepiante em que nos encontramos. É evidente que não. Pelo contrário, se esse facto servir apenas para discursos de juridismo catedrático sobre o direito internacional ou para perorações patrioteiras no estilo do chauvinismo caduco dos mapas cor-de-rosa continuaremos inconscientemente a imitar a grandiloquência farrapilha de Salazar numa atitude de completa irresponsabilidade perante uma economia pesqueira agonizante. O projecto de lei apresentado pelo Grupo Parlamentar Socialista coincide, no fundamental, com a proposta de lei governamental.
Como não tínhamos meios de consultar as forças armadas não pudemos desenvolver certos pontos, o que o Governo fez porque tinha essa possibilidade. Mas não interessará agora discutir as vírgulas, interessando antes, sim, salientar que a zona económica das 200 milhas não será a descoberta do caminho marítimo para a índia, mas tão-só uma riqueza potencial perante um país que continuará inexoravelmente pobre, se não tiver a coragem e a capacidade de a aproveitar.
Contrariamente ao que se possa supor, e, segundo me pareceu, teria sido afirmado por alguns Deputados, o aumento mundial das capturas de peixe marítimo nos últimos anos não foi obra dos países industrializados em geral, mas apenas de quatro países: o Peru, Japão, União Soviética e China Popular. O pescado marítimo no mundo passou de 20 milhões de toneladas em 1948 a 70 milhões de toneladas em 1970.
O aumento da produção foi principalmente devido à actuação desses quatro países, cuja produção aumentou na vertical: 300 % o Japão, 400 % a União Soviética e 300 % a China Popular.
No Peru a pesca aumentou imenso desde 1958 até 1970, cerca de 900%, mas de 1973 em diante
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tem decaído muito, não possuindo eu os números exactos. Sei apenas que a pesca de anchoveta desceu brutalmente em 1973, sofrendo uma quebra de 80%, o que provocou uni enorme aumento do preço da farinha de peixe e do seu substituto na alimentação de gado, a farinha de soja, o que foi na ordem cronológica- o primeiro dos sinais premonitores da grande crise económica mundial iniciada em 1973 e o começo de um aumento generalizado do preço dos produtos alimentares, que tanto nos tem vindo a prejudicar.
A análise fria dos acontecimentos mostra-nos que é impossível manter a actual capitação mundial de consumo de peixe ao nível actual recorrendo apenas à pesca marítima. Tendo em conta o aumento da população, para se manter o nível de consumo de 1970 em que se pescaram no mar 70 milhões de toneladas, será preciso no ano 2000 pescar no mar mais de 100 milhões de toneladas, o que não é possível quando os pesqueiros começam a mostrar já em muitos lugares sintomas de exaustão.
Por isso, é urgente e necessário começar imediatamente a criar peixes em viveiros. Países há, como a Áustria e a Hungria, que obtêm por meio de viveiros quase todo o peixe que consomem. Outros países, não obstante serem grandes pescadores, como o Japão, já se lançaram à aquicultura, obtendo óptimos resultados. E a experiência tem demonstrado que a aquicultura, como meio de obtenção de proteínas animais, é mais rendível do que a pecuária. Também entre nós a piscicultura é uma lástima. Que eu saiba, apenas existem ao norte do Douro alguns viveiros de trutas destinados ao abastecimento, pertencentes a empreendedores privados. E daí que hoje a truta de viveiro seja um dos peixes mais baratos em Lisboa, perante o aumento apocalíptico do preço do peixe do mar. Estranho é que a truta seja mais barata em Lisboa do que nas cidades do Norte, vizinhas dos viveiros, anomalia essa que não poderá continuar. O Estado possui alguns viveiros de peixe, mas destinados apenas ao repovoamento dos rios e albufeiras. Por que motivo não tomam os serviços oficiais a iniciativa de instalarem viveiros de peixe destinados ao abastecimento público? Será porque se mantém o pensamento reaccionário de Salazar e Tenreiro de que só cumpre ao Estado fazer o que a iniciativa privada rejeita? Será porque os serviços oficiais só sabem nacionalizar as iniciativas alheias e são incapazes de empreender o que o interesse público reclama? Ou será ainda porque a técnica dos actuais viveiros privados foi haurida nos serviços oficiais e há forças ou pessoas interessadas em que o Estado não faça o que tem a obrigação de fazer?
Portugal tem condições esplêndidas para a aquicultura, quer de água doce quer da água salgada; quer no Norte, como está demonstrado com a truta, quer no Sul onde a carpa tem óptimas condições. Certas espécies indígenas, como a truta assalmonada da serra da Estrela, poderão constituir um grande êxito de viveiro. O que não é admissível é que, ao que dizem, durante os vários governos provisórios, se tenham rejeitado ofertas de cooperação técnica no domínio da aquicultura de outros países, como a Hungria e a França, sob o pretexto de que não estamos habituados ao peixe de viveiro. Como não é admissível que no Algarve se continue a não pescar o apara-lápis, matéria-prima do fabrico da farinha de peixe, em consequência de confusas peguilhices dignas da guerra do Alecrim e Mangerona, quando é certo que 25 % das capturas de peixe no mundo se destinam ao fabrico de farinha para a criação de gado, a qual também entre nós se encontra nas ruas da amargura, conforme é sabido.
É por isso que o Grupo Socialista vota a lei das 200 milhas, mas na esperança de que ela não seja mais um sonífero de chauvinismo decadente, mas um estímulo para a vida e para a acção.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Vieira, para um pedido de esclarecimento.
O Sr. Ângelo Vieira (CDS): - Sr. Deputado Salgado Zenha: A posição do meu Partido é, em muitos pontos, semelhante àquela que V. Ex.ª acaba de referir. Simplesmente parece-me necessária a montagem da rede de frio em terra, sem a qual os barcos frigoríficos não resolvam o problema, salvo se também forem fábricas. Anualmente, muitas toneladas de peixe são deitadas ao mar, precisamente porque não há essa rede, com prejuízo para os armadores, para os pescadores e para os consumidores.
A pergunta que faço a V. Ex.ª é esta: entende viáveis as soluções apresentadas se efectivamente não existir em terra essa rede de frio e, em caso afirmativo, como?
O Sr. Presidente: - Pode responder, Sr. Deputado Salgado Zenha, se assim o entender.
O Sr. Salgado Zenha (PS): - O problema da rede de frio, se me permite esta resposta, é também uni problema bastante cómico, e apenas poderei apresentar o meu depoimento relativamente ao período em que fui Ministro em quatro Governos Provisórios, se não estou em erro, porque, depois disso, só o Sr. Secretário de Estado das Pescas poderá dar uma resposta acerca do que se passa.
Desde o dia 15 de Maio de 1974, em que eu figurei no elenco do 1 Governo Provisório como Ministro da Justiça, ouvi constantes discussões e conversas acerca da rede de frio. Ouvi dizer que tudo estava em estudo, que tudo estava em preparação, que. tudo estava a ser estudado com o afinco necessário. Naturalmente que com a saída do IV Governo Provisório os Ministros socialistas deixaram de ter qualquer intervenção em matéria económica e não sei o que se, passou depois nem aquilo que deixou de se passar. Simplesmente no VI Governo Provisório, de que eu fiz parte numa pasta económica, interessei-me por saber em que pé estava a rede de frio. Disseram-me que a rede de frio era da competência exclusiva de um determinado Ministério, pertencente a um outro Ministro, por coincidência não pertencente ao mesmo partido a que eu pertenço. Naturalmente, dada a delicadeza do caso, não fiz mais nenhuma investigação, mas, porque fui encarregado de deslocar-me à Noruega, a uma das sessões da Conferência Luso-Norueguesa para a Cooperação Económica, no âmbito das Finanças, nós pensámos que seria de boa política estudar a possibilidade de obtermos a cooperação da Noruega, quer para a instalação da rede de frio quer para o seu financiamento.
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Esse problema foi posto aos outros Ministérios e houve um delegado desse tal Ministério que foi connosco. O Problema foi depois posto aos noruegueses. A resposta foi favorável, embora estes assuntos económicos e técnicos não possam. ser resolvidos sobre o joelho, e eu, portanto, regressei a Portugal convencido de que a rede de frio teria avançado. Com grande surpresa minha, muito mais tarde, já depois de ter saído do Governo, fiz indagações e cheguei à conclusão de que a rede de frio estava no mesmo ponto zero porque eram tantos os estudos - e há uma lei psicológica que é a de que o perfeccionismo é tanto maior quanto maior é a incompetência ou a incapacidade para resolver os problemas - que nada se fez.
Creio que recentemente, e será com certeza o Sr. Secretário de Estado ou o Sr. Ministro aqui presentes que o dirão, se têm dado passos no sentido de se criar uma rede de frio, e creio mesmo que já alguns passos foram dados no sentido de se estabelecerem pontos de frio de apoio à pesca.
Passando propriamente à resposta da sua pergunta, creio que o problema da pesca é complexo. Para certos casos, como é, evidentemente, a pesca em grandes quantidades destinadas à indústria, uma rede de frio capaz é absolutamente necessária; para outros, como na pesca artesanal, creio que é possível dar um impulso sem também estar à espera de uma rede de frio tão perfeita, tão perfeita que - e citando um economista célebre que não é marxista, mas que pode ser aceite por todos, não propriamente, digamos, a sua doutrina, mas o seu pensamento - todos ficaremos mortos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas.
O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (António Barreto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Era apenas para referir um facto. Há inúmeras questões levantadas pelos Deputados desta Assembleia e relativas à discussão sobre as 200 milhas, para além de muitas matérias colaterais sobre as quais eu próprio gostaria de prestar detalhadamente um certo número de esclarecimentos. No entanto, para não os incomodar, para não ter de intervir repetidamente, tenho vindo a guardar para o fim das diferentes intervenções dos Srs. Deputados uma resposta conjunta às múltiplas questões postas, seja em matéria de pescas, seja em matéria jurídica relacionada com as 200 milhas.
Se o Sr. Presidente e os Srs. Deputados não vêem inconveniente, reservar-me-ia para o fim da discussão para prestar os devidos esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Continua a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado: Queria começar por congratular-me com a proposta de lei vinda do Governo e é, sinceramente, com muita satisfação que finalmente a UDP tem a oportunidade de aplaudir uma proposta de lei do Governo.
Se bem que não estejamos de acordo com vários aspectos dessa proposta de lei, aplaudimo-la por ser uma proposta de lei progressista que abre novas perspectivas à luta do povo português.
Queria, muito rapidamente, dizer que o principal motivo da nossa discordância é que entendemos que era justo e correcto alargar o mar territorial português para 200 milhas, o que era perfeitamente possível. Estamos, pois, convencidos de que tal medida será adoptada no futuro.
Entendemos ainda, como já foi frisado por vários Srs. Deputados e pelo próprio Governo, que a lei que daqui sair nada significa se não se ganhar o povo português, e antes de mais os pescadores, para passarem a considerar essas 200 milhas como terra sua, passarem a considerá-las como parte integrante do seu País, defendendo-a como tal. Há algum tempo todos nós aplaudimos, nesta Assembleia, a intervenção de um Sr. Deputado do Partido Socialista sobre os problemas dos pescadores. Gostaria, porém, de dizer que o que mais me impressionou foi a oportunidade que tive de contactar com os pescadores em Câmara de Lobos e no Caniçal, na ilha da Madeira, onde alguns deles, com revolta e até corri lágrimas nos olhos, falavam da sua impotência, dos seus pequenos barcos, que eles próprios me mostravam, enquanto no alto mar viam passar gigantescos arrastões, sobretudo russos e espanhóis, que levavam tudo. 0 mesmo acontece com aquele trabalhador que com a foice na mão está a ceifar urna seara e a vê desaparecer de um momento para outro, levada por modernas maquinas imperialistas.
Risos.
Devo dizer que isso me impressionou vivamente e espero que o Governo tome as medidas necessárias no campo da defesa militar, como já foi aqui frisado, para que de facto se exerça a soberania portuguesa, para que de facto os pescadores possam dispor dessas águas territoriais, além de toda a evolução técnica, para o que muito contribuíram, com certeza, as brilhantes intervenções de alguns Srs Deputados.
Queria dizer ainda que a luta para defesa dessa riqueza nacional não é uma luta fácil, mas ela tem de fundamentar-se sobretudo na luta do povo português. Nesta altura, penso que é justo prestar uma homenagem ao povo da Islândia, pelo forma como impôs as 200 milhas. Tem-se dito que temos poucos aviões, falta de barcos e outras coisas. Também a Islândia não tem, corri certeza, poderio militar para responder à grande potência que é a Inglaterra. No entanto, como todos sabem, começaram grandes manifestações de pescadores e de operários na Islândia exigindo que as águas territoriais fossem alargadas para 200 milhas e que terminasse a pirataria que russos e ingleses, sobretudo estes, praticavam na costa da Islândia. Nessas manifestações o Governo, a princípio hesitante, viu seguir-se um conflito grave, quando os ingleses ameaçaram afundar um barco Islandês. Então o povo da Islândia cercou urna base aérea americana na Islândia, cercou uma estação de radar, cercou uni centro de comunicações americano e, perante a ameaça de ver destruir tudo isso, os imperialistas norte-americanos e os ingleses acabaram por recuar. O Governo, perante a pressão do povo, acabou por cortar relações diplomáticas com a Inglaterra. E, caso curioso, quando finalmente se decidiu a alargar a zona de pescas da Islândia
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para 200 milhas, um dos protesto que chegou foi o da Embaixada da União Soviética. Isso para nós não constitui surpresa, mas pode ser que o seja ainda para algum.
Risos.
Finalmente, queremos dizer que é possível que não tenhamos oportunidade de assistir à discussão na especialidade, o que sinceramente lamentamos. Dado que, segundo pensamos, esta proposta de lei baixará à respectiva comissão, iremos apresentar uma proposta ele alargamento do mar territorial português para 200 milhas marítimas.
Já agora, tem outro problema que me parece extremamente interessante, que foi levantado, segundo me apercebi, na discussão entre o Sr. Deputado Rui Machete e o Sr. Secretário de Estado, o da possibilidade (te ser facto unia área contínua a área que afasta a nossa costa e as ilhas dos Açores e da Madeira.
Termino aqui. Penso que do ponto de vista técnico não poderei dar grandes contributos à discussão já aqui havida. Congratulo-me com as excelentes intervenções que aqui ouvi, de várias bancadas, que seguramente serão tidas em conta pelo Governo e não serão esquecidas nos arquivos desta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Emília de Melo, para pedir esclarecimentos.
A Sr. Emília de Melo (PS): - Curiosamente, um Deputado do CDS considerava esta proposta conservadora, o Sr. Deputado da UDP considera-a progressista. Óptimo. Queria só perguntar ao Sr Deputado se acha que a reserva da zona económica exclusiva das 200 milhas deve ser feita em termos de preservar toda urna área que tem efectivamente de ser preservada, se não quisermos ver as suas riquezas delapidadas, ou se, pelo contrário, pensa, e pelos vistos a sua proposta irá nesse sentido, que ao reservar as 200 milhas como mar territorial vai reservar território deste planeta chamado Terra, em que, se todos os países ribeirinhos o fizessem, havia uma diminuição de 35 % desse território, e se, nas suas preocupações que sempre tem vindo a afirmar a favor dos países menos favorecidos, acha que eles são coerentes, atendendo a que há muitos países que não têm limites com o mar e, portanto, veriam as suas possibilidades de navegação reduzida, nesse território, de 35 96. Pergunto se acha que efectivamente isso tem a ver com o tal anti-imperialismo ele que o Sr. Deputado tanto fala.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.
O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Em relação às perguntas que a Sr.ª Deputada formulou, uma primeira questão é esta: se esse mar ficar integrado como território nacional, do ponto de vista do povo português, entendo que é muito mais fácil lutar pela sua defesa, porque é de facto território português, do que utilizar a expressão vaga de zona de intervenção económica. Além disso, penso que quem pode ser prejudicado são as grandes potências imperialistas que têm andado aí em grande pirataria a assaltar as costas, como qualquer pescador o pode dizer. De resto, nós não seremos em nada prejudicados nisso portanto, é unia atitude anti-imperialista que defendemos. Finalmente, quanto às relações internacionais que, conto a Sr.ª Deputada sabe, defendemos numa base de igualdade, e não de subserviência, nós entendemos que, de facto, sendo esse mar território nacional, podemos estabelecer com outros países acordos comerciais, da mesma forma que a UDP entende que não é necessário, nem sequer razoável, fechar completamente o território português a investimentos estrangeiros. Portanto, a exploração das riquezas do território português podia vir a ser estudada em acordos com outros países. Isso é um problema comercial, mas poderíamos estudá-lo, evidentemente, caso por caso e mediante propostas concretas.
Portanto, o que eu quero afirmar é que é diferente dizer que aquele mar é nosso, aquele mar é parte integrante do território nacional e penso que assim conquistaremos o povo para essa luta. Esse é uni direito que de facto possuímos. Como já foi aqui apontado que zona económica exclusiva também exige uma definição mais precisa, penso que é de inteira justiça, exigida pelos interesses do povo português, a definição desse mar como parte integrante do nosso território.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuaremos este debate quinta-feira. às 15 horas, e iniciaremos também a discussão do projecto de lei n.º 16/I, sobre extinção do Serviço Cívico Estudantil, e do projecto de lei n.º 19/I, sobre a revogação do Decreto-Lei n.º 657/76.
Amanhã teremos a nossa reunião, às 10 horas da manhã, para organização dos nossos trabalhos e para mais alguma coisa que eventualmente venha a ser sugerida.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS)
António Barros dos Santos.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António Jorge Moreira Portugal.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Fernando Luís de Almeida Torres Marinho.
Florival da Silva Nobre.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Herculano Rodrigues Pires.
Herlânder dos Santos Estreia.
Jaime José Matos da Gama.
João Joaquim Gomes.
José Alberto Menano Cardoso do Amaral.
José Borges Nunes.
José Justino Taboada Brás Pinto.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luís José Godinho Cid.
Nuno Maria Monteiro.
Godinho de Matos.
Victor Manuel Ribeiro Fernandes de Almeida.
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Partido Social-Democrata (PSD/PPD)
Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Álvaro, Barros Marques de Figueiredo.
Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos.
Antídio, dás Neves Costa.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Fernando José da Costa.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Lucílio Cacela Leitão.
José Augusto Almeida de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Gonçalves Sapinho
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
Manuel Sérgio Garcia Vilalobos Menezes.
Nicolau Gregório de Freitas.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Centro Democrático Social (CDS)
José Luís Rebocho de Albuquerque Christo.
José Vicente de Jesus de Carvalho Cardoso.
Rui Eduardo Ferreira.
Rodrigues Pena.
Partido Comunista Português (PCP)
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando, de Almeida, Sousa Marques.
José Pedro Correia Soares.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Deputados que faltaram à sessão:
Partido Socialista (PS)
António Cândido Miranda Macedo.
António Fernando, da Fonseca.
António Magalhães da Silva.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco do Patrocínio Martins.
Francisco Soares Mesquita Machado.
Jerónimo Silva Pereira.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
José Gomes Fernandes.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Teófilo Carvalho doa Santa.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD)
Américo Natalino Pereira de Viveiros.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Fernando José Sequeira Roriz.
Henrique Manuel de Pontes Leça.
Jorge Ferreira de Castro.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Joaquim Moreira Montinho.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano, Vasco da Fonseca Rodrigues.
Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Emílio Leitão Paulo
Eugénio Maria Nunes Anacoreta, Correia.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José Magalhães Ferreira Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes.
José Manuel Cabral Fernandes.
Luís Aníbal de Sã de Azevedo Coutinho.
Ruy Garcia de Oliveira.
Walter Francisco Burmester Cudell.
Partido Comunista Português (PCP)
Maria Alda Barbosa Nogueira.
O CHEFE DOS SERVIÇOS DE REDACÇÃO, Januário Pinto.
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IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA