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I Série - Número 18

Quinta-feira, 14 de Dezembro de 1978

DIÁRIO Da Assembleia da República

I LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1978-1979)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE DEZEMBRO DE 1978

( Comemoração do 30.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem)

Presidente: Exmo. Sr. Teófilo Carvalho dos Santos
Secretários: Exmos. Srs. Alfredo Pinto da Silva
José Gonçalves Sapinho
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.
Em comemoração do 30.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, usaram da palavra o Sr. Presidente e os Srs. Deputados Acácio Barreiros (UDP), Vital Moreira (PCP), Lucas Pires (CDS) - que depois respondeu a um protesto e a um esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) -, Cunha Leal (PSD) e Sottomayor Cardia (PS); a Assembleia aplaudiu, de pé, a efeméride comemorada.
Em seguida foi aprovado o orçamento da Assembleia para 1979, tendo feito declaração de voto o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Augusto M. da Silva Andrade.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
António Barros dos Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António Jorge Moreira Portugal.
António José Pinheiro da Silva.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Carlos Manuel Natividade da C. Candal.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Eurico Manuel das Neves H. Mendes.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luís.
Fernando Tavares Loureiro.
Florêncio Quintas Matias.
Florival da Silva Nobre.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco de Assis de M. Lino Neto.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rodrigues Pires.
Jerónimo da Silva Pereira.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Cândido Rodrigues Pimenta.

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José dos Santos Francisco Vidal.

José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Ludovina das Dores Rosado.
Luis Abílio da Conceição Cacito.
Luís José Godinho Cid.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Pires.
Manuel Pereira Dias.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Pedro Amadeu de A. dos Santos Coelho.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Telmo Ferreira Neto.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vítor Fernandes de Almeida.

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo.
Américo de Sequeira.
Anatólio Manuel dos Santos Vasconcelos.
Antídio das Neves Costa.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Egídio Fernandes Loja.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Veríssimo.
António Júlio Simões de Aguiar.
António Manuel Barata Portugal.
Armando António Correia.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Augusto Nunes de Sousa.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Fernando Adriano Pinto.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Gabriel Ribeiro da Frada.
João António Martelo de Oliveira.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Lucílio Caceia Leitão.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Nunes Furtado Fernandes.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro de Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Manuel M. Sampaio Pimentel.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Maria Élia Brito Câmara.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rúben José de Almeida Raposo.
Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Alexandre Correia Carvalho Reigoto.
Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Álvaro Manuel Brandão Estêvão.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões Costa.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Carlos Martins Robalo.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
João Carlos F. Malho da Fonseca.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. F. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim A. da F. P. de Castelo Branco.
José Luís R. de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Manuel Macedo Pereira.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Luís Esteves Ramires.
Manuel A. de A. de Azevedo Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Nuno Kruz Abecassis.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Walter Francisco Burmester Cudell.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Zuzarte.
Cândido de Matos Gago.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Diamantino José Dias.
Eduardo Sá Matos.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Francisco Miguel Duarte.
Hermenegilda Rosa C. Pacheco Pereira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim da Silva Rocha Felgueiras.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
José Cavalheira Antunes.
José Manuel da Costa Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel do Rosário Moita.

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Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascenção M. Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Vital Martins Moreira.
Victor Henrique Louro de Sá.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Independentes

António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Galvão de Melo.
José Justiniano Tabuada Brás Pinto.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 183 Srs. Deputados. Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Há trinta anos, em 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Não se tratava então de fazer obra eminentemente criativa ou teoricamente inovadora. Os direitos do homem, ainda que em forma mais simplificada, faziam já parte do património moral da Humanidade. A sua história era já longa e os seus primeiros reconhecimentos formais remontavam à independência dos Estados Unidos da América e à Revolução Francesa. Desde então, os direitos do homem estiveram presentes, como ideal, mesmo quando inominados, em todas as grandes lutas culturais, sociais e políticas dos homens.
Mas foi no rescaldo da 2.ª Guerra Mundial, quando era já nítida a consciência da exacta dimensão do maior e mais sangrento conflito armado que o Mundo conheceu, que se tornou imperioso dar forma a esse conjunto de valores civilizacionais e, se possível, vincular os Estados à sua observância. Tê-lo conseguido - e num clima de franco consenso - é valor a creditar às Nações Unidas e justifica, por si só, a escolha da data de 10 de Dezembro para as evocações comemorativas dos direitos do homem.
A nós, Portugueses de hoje, o terna é-nos caro. Vivemos tão longamente privados dos direitos do homem comummente aceites pela comunidade internacional que agora tudo nos impele para que nos coloquemos na vanguarda da sua defesa e para que impunhamos ao nosso Estado democrático uma conduta modelar nesse domínio.
Só quem conheceu a ditadura poderá compreender este sentimento. Mas o povo português compreende-o. Quarenta e oito foram os anos em que estivemos submetidos a um Estado que não só violava os direitos do homem, como fazia assentar o seu domínio no carácter sistemático e institucional dessa violação. Um Estado que assentava na miséria e no analfabetismo; no degredo e na prisão para os inconformistas que ousavam exprimir-se livremente; no extermínio organizado do Tarrafal; no assassinato político premeditado de Humberto Delgado, Dias Coelho e tantos outros; na censura à comunicação social; na desconfiança perante a educação e o ensino; no sindicalismo fantoche e colaboracionista do corporativismo; na repressão político-administrativa sistemática.
Foi a vivência desse Estado ou do dia-a-dia por ele imposto que gerou neste país o caldo de cultura propício a uma vontade colectiva, tão clara como irresistível, que armou a revolução libertadora.
Srs. Deputados: O 25 de Abril depôs em nossas mãos a possibilidade de recuperarmos para este país os direitos do homem. A Constituição de 1976, ao consagrá-los com largueza e até alguma audácia, revela bem que não desperdiçámos a oportunidade de o fazer. À letra morta e compreensivelmente envergonhada do artigo 8.º da Constituição de 1933, sucede-se agora uma exaustiva enumeração de direitos e justas defesas do cidadão contra as prepotências do Estado e contra as injustiças que os sistemas políticos, quando as não forjam, não conseguem abolir radicalmente.
Em menos de cinco anos, demos ao Mundo a justa imagem de um país que transitou da ditadura para uma posição cimeira na luta pelos direitos do homem. Merecemos essa posição, mas é necessário que continuemos a merecê-la. Os direitos do homem consubstanciam em si o próprio fundamento moral e político da democracia. A defesa daqueles não pode ser separada da defesa desta. Mais: se alguma vez fez sentido na história traçar uma linha de fronteira entre a civilização e a barbárie, essa linha passa hoje pela defesa, em todas as frentes, dos direitos do homem. O povo português tem demasiado presente a memória colectiva da barbárie, para que possa não ser o mais cioso defensor dos valores da civilização redescoberta.
Srs. Deputados: O respeito integral, absoluto e permanente dos direitos do homem terá de ir a par com a edificação de uma nova sociedade, pois só numa sociedade absolutamente livre e absolutamente justa podem os homens ter-se por absolutamente defendidos das arbitrariedades do Poder e das injustiças instituídas.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Temos, por isso - nós e todos os povos do Mundo - um longo caminho a percorrer. A luta pelos direitos do homem não está ganha pelo facto do seu reconhecimento nas leis e, na corrida colectiva para a meta comum, cumpre-nos hoje - a nós, Portugueses - sermos uma vez mais pioneiros.
Srs. Deputados: Representais aqui, por vontade livremente expressa do povo português, as principais correntes de pensamento que esse povo acolhe e reconhece. Tendes diversas concepções da vida, do homem e da organização da sociedade. Partis de filosofias diferentes, prosseguis estratégias diferentes. A democracia é assim, é isso mesmo. Não surpreenderá, portanto, que faleis de modo diferente dos direitos do homem, de como os vedes historicamente e de como projectais a sua defesa futura. Mas seria uma esmagadora prova de superioridade moral da democracia que, ao falardes aqui hoje perante o povo que vos elegeu, demonstrásseis, na diversidade

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das vossas concepções e até das vossas linguagens, que o respeito, a promoção e a defesa dos direitos do homem constituem afinal um ideal comum que a todos vos congrega. Eis os meus votos sinceros.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante da UDP.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Convidados, Srs. Deputados: Há trinta anos, a 10 de Dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cuja comemoração hoje aqui se assinala.
Acabados de sair do horror do fascismo e do nazismo, os povos do mundo sentiram a necessidade de se proteger contra a barbárie. Como escreveu René Cassin, que presidiu à elaboração da Declaração, «a descoberta dos campos de extermínio hitlerianos [...] suscitou um tal horror que, sob pressão da opinião pública, os governantes tinham, independentemente do castigo dos autores de crimes de guerra e de crimes contra a Humanidade, de prometer aos povos a redacção de um bill of right».
E se a declaração è um texto de compromisso, num ponto os seus autores foram, pressionados pela história, sem dúvida unânimes: na condenação do fascismo e na intenção de sempre lhe cortar as suas cabeças de medusa.
Mas a Declaração Universal é fundamentalmente uma conquista dos povos. Efectivamente, o seu preâmbulo reconhece que «o desconhecimento e o menosprezo dos direitos do homem conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo onde os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do temor e da miséria, foi proclamado como a mais alta aspiração do homem».
Porém, não basta catalogar os direitos, liberdades e garantias clássicas reconhecidos pelo liberalismo. A sua efectivação não é possível se não forem reconhecidos os meios que os concretizem. Daí a importância do reconhecimento, debaixo das influências dos países socialistas, dos direitos económicos e sociais dos artigos 22.º e 27.º, que em 1966 viriam a ser desenvolvidamente consagrados no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais.
Qual o balanço internacional de trinta anos de vigência da Declaração Universal dos Direitos do Homem?
Os Estados Unidos conduziram no Vietname a mais criminosa guerra dos tempos modernos, praticando atrocidades indiscutíveis denunciadas pelo I Tribunal Russel, que nada ficam a dever aos crimes julgados em Nuremberga. Apoiadas por este imperialismo, ditaduras fascistas reinam na América Latina, como na Nicarágua, na Bolívia, no Chile, na Argentina, no Brasil, impondo o seu terror e bestialidade. Pela mão dos Estados Unidos da América a Indonésia tenta pelo massacre quebrar a heróica resistência do povo de Timor Leste e apoia noutras partes do mundo os regimes mais reaccionários como no Irão e na África do Sul.
Enquanto isto, ainda que Cárter se tenha lançado numa gigantesca manobra de diversão em defesa dos direito do homem, nos próprios Estados Unidos tais direitos são negados às minorias étnicas e políticas. Recorde-se aqui, por exemplo, que qualquer cidadão português que queira visitar os Estados Unidos tem de fazer primeiro uma declaração de anticomunismo.
Na Alemanha Federal uma lei de 1972, o «decreto contra os extremistas», aplicada com a conivência do Tribunal Constitucional, permite que seja proibida a entrada e permanência na função pública e em serviços públicos dos «inimigos da Constituição». Até agora mais de 800 000 inquéritos, 7500 interrogatórios foram realizados e 4000 sanções foram aplicadas, dos quais resultaram mais de 2000 despedimentos.
A outra superpotência, a União Soviética, não deixa de denunciar estas violações. Mas tal não lhe impediu que invadisse a Checoslováquia em 1968 e que o abandono do socialismo a faça tratar como «casos clínicos» aqueles que se opõem ao seu regime.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A comemoração do 30.º aniversário da Proclamação da Declaração Universal dos Direitos do Homem tem para nós, Portugueses, um significado especial.
É que, após cinquenta anos de fascismo e colonialismo, podemos, dizer hoje que a nossa Constituição da República, ainda que aceite, no seu artigo 16.º, ser interpretada e integrada de harmonia com a Declaração Universal, reconhece ela própria todos os direitos civis, políticos, económicos e sociais consagrados na Declaração.
Mas mais: a Constituição da República Portuguesa contém em si os gérmenes sem os quais tais direitos não podem ser efectivados. A Constituição define, efectivamente, um tipo de sociedade socialista e comporta as transformações políticas, económicas e sociais para a atingir.
Como se afirma no preâmbulo do texto constitucional: «Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa».

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - «A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do País.» E mais adiante: «A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a democracia nacional, garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito do povo português, tendo em vista a construção de um pais mais livre, mais justo e mais fraterno.»

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Este preâmbulo recorda-nos facilmente o da Declaração Universal no que têm em comum de desejo de transformar num sentido pró-

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gressista a sociedade, sem o que os direitos fundamentais do homem não passarão de letra morta.
E seria mesmo de perguntar: não corresponderá a Constituição da República Portuguesa à intenção dos redactores do artigo 28.º da Declaração, que escreveram que «toda a pessoa tem direito a que - no plano social e no plano internacional - se estabeleça uma ordem capaz de tornar efectivos os direitos e liberdades enunciados na presente Declaração»?
Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não tenhamos dúvidas que só em socialismo, só quando deixarem de existir condições para a exploração do homem pelo homem, o homem e a Humanidade serão livres.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Como dizia Lenine, em 1919, relativamente a um dos direitos fundamentais clássicos: «[...] os operários sabem bastante bem que a 'liberdade de reunião', mesmo na república burguesa mais democrática, é uma farsa vazia de sentido, pois os ricos possuem os edifícios públicos e privados e têm a disponibilidade necessária para se reunir sob a protecção do seu aparelho de Estado burguês».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É certo que textos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem funcionam como fronteiras, como travões, entre a liberdade dos cidadãos e o poder e actuação do Estado.
Mas não deve resultar daí que sessões como esta se tornem rituais da divinização de normas com as quais mal pareceria aos olhos da opinião pública romper ou mesmo contestar.
Há sim que fazer o balanço de se sim ou não a Declaração Universal dos Direitos do Homem está a ser cumprida, aqui e agora em Portugal, ou seja, se a Constituição da República Portuguesa, nomeadamente a sua parte i, respeitante aos direitos e deveres fundamentais, está a ser aplicada.
E é forçoso reconhecer que, em grande parte, não está. Que a Constituição e, portanto, a Declaração Universal são diária e grosseiramente violadas.
Se todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e todos são iguais perante a lei, como dizem os artigos l.º e 7.º da Declaração, como explicar que trabalhadores encontrados na posse de uma única arma de guerra sejam condenados e que um dirigente político encontrado na posse de dúzias delas se veja absolvido?

O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!

O Sr. Herculano Pires (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Como explicar que metam na prisão oficiais antifascistas e ponham em liberdade Spinola e outros fascistas que conspiraram publicamente contra a democracia?
Como se explica que a GNR carregue sobre os trabalhadores alentejanos, mas a PSP deixe bandos fascistas durante horas no Porto atacar e destruir instalações de partidos políticos?
Se «ninguém será submetido a torturas nem a penas ou tratos cruéis», com que bases se maltratam diariamente nas esquadras da PSP dezenas de cidadãos, como na já tristemente célebre esquadra das Mercês?
Se «todo o indivíduo tem direito à vida», como entender que a polícia e militares atirem a matar sobre a população indefesa e causem numerosas vítimas: Luís Caracol, José Jorge Morais, Vítor Bernardes, Manuel Palminha, Joaquim Leal, João Manuel Lopes.
Se «toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião», com que fundamento são proibidas manifestações de antifascistas e se deixam vir impunemente os fascistas à rua quando e como querem, quando, aprendendo a lição da história, a Constituição da República proíbe os fascistas de se manifestarem publicamente.
É isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não pode deixar de ser dito nesta data, porque a Declaração Universal dos Direitos do Homem não foi uma concessão, não foi uma outorga das classes dominantes. Ela foi uma conquista na longa caminhada das classes exploradas contra os seus exploradores, porque quem morreu em Auschwitz, na resistência ao fascismo e ao nazismo, não foram os senhores do mundo, foi o povo, os trabalhadores, os democratas, os antifascistas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do Partido Comunista Português.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Representantes dos países que a nós se quiseram juntar nesta comemoração, Srs. Deputados: Há trinta anos, certamente poucos daqueles que elaboraram a Declaração Universal dos Direitos do Homem poderiam prever o enorme sucesso histórico dessa Declaração.
Afirmação de princípios, sem natureza jurídica, o triunfo da Declaração Universal está em ter-se feito superar e desenvolver através de princípios de direito internacional geral e de múltiplas convenções internacionais de âmbito universal ou regional. Entre as primeiras merecem relevo os dois pactos aprovados no âmbito da ONU em 1966 (respectivamente sobre os direitos civis e políticos e sobre os direitos económicos, sociais e culturais); entre as segundas, a Convenção Europeia de 1950. Nascida da vitória sobre a barbárie nazi-fascista e no âmbito da ONU, criada três anos antes, a Declaração Universal testemunhou nos seus princípios lapidares as aspirações históricas da Humanidade contra a guerra, contra a miséria e a opressão, enfim, contra tudo aquilo que nega, amesquinha ou limita o homem e o desenvolvimento da sua personalidade individual e colectiva.
Já não se tratava apenas de reafirmar os clássicos direitos de liberdade que as revoluções liberais haviam feito entrar no património histórico da Humanidade. Tratava-se agora de compreender e de afirmar ao mesmo título, em pé de igualdade, o direito do homem à libertação da fome, da miséria, da insegurança, da doença e da ignorância, isto è, de ajuntar à libertação civil e política a libertação económica, social e cultural, sem as quais aquela é sempre limitada e precária.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Tratava-se, enfim, de compreender e de afirmar a indissolúvel conexão entre os direitos do homem e a paz, ou seja, o direito geral dos povos à paz, o direito dos povos e dos Estados a viverem pacificamente, com iguais direitos, libertos da opressão por outros povos ou por outros Estados.
Os trinta anos da Declaração Universal elaborada pelas Nações Unidas assistiram a profundas transformações do Universo: o movimento de libertação dos povos pôs fim, quase integralmente, à dominação colonial, fazendo multiplicar o número de membros da comunidade internacional; o campo socialista alargou-se; o fascismo foi varrido da Europa; o movimento operário e popular ganhou novas conquistas económicas e sociais na generalidade dos países.
O movimento de emancipação e libertação dos homens e dos povos é cada vez maior; as forças da liberdade, da democracia, da paz e do progresso são hoje mais fortes; as oligarquias opressoras que continuam a manchar a face do Universo são objecto da condenação e da oposição de todos os povos.

O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Se este è o «século dos direitos do homem», como alguém já afirmou, não é porque eles se tenham tornado pretexto para uma duvidosa «diplomacia dos direitos humanos», é precisamente porque os direitos do homem deixaram de ser uma questão de uma classe para passarem a ser a questão de todos os homens e de todos os povos. É uma questão vital para os milhões de homens que passam fome, que mergulham na ignorância, que definham na doença, que sofrem a tortura ou o genocídio, que amargam a discriminação racial, enfim de todos os oprimidos e condenados da Terra.
Pela primeira vez em Portugal, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é possível celebrar aqui, numa assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, um dos grandes aniversários da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Há cinco anos, em 1973, por ocasião do 25.º aniversário, ainda se podia afirmar com justeza, numa publicação comemorativa, editada em Portugal, que ela bem poderia levar o título de «regulem português pela Declaração Universal dos Direitos do Homem». Nessa altura nenhum dos direitos reconhecidos pela Declaração encontrava em Portugal reconhecimento e muito menos garantia. Desde o direito à vida e à liberdade física, até aos direitos à educação ou à segurança social, passando pelas liberdades civis e políticas, nenhum desses direitos fundamentais era observado, respeitado ou cumprido. O fascismo era, ele mesmo, a própria negação qualificada dos direitos do homem.
Foi a Revolução libertadora do 25 de Abril que restaurou as liberdades civis e políticas e abriu caminho - através de profundas transformações económicas, que destroçaram o capitalismo monopolista-à luta pelos direitos económicos, sociais e culturais.
A Constituição da República veio dar guarida a esta conquista da Revolução, enunciando e garantindo, como nenhuma outra, uma extensa carta de direitos fundamentais, quer quanto às liberdades pessoais, civis e políticas, quer quanto aos direitos económicos, sociais e culturais. Por isso, quando fomos chamados a ratificar os Pactos das Nações Unidas de 1966 e a Convenção Europeia de 1950, pudemos constatar, com satisfação, como qualquer desses instrumentos internacionais faz figura modesta frente à Constituição da República, e ficam aquém desta, quer na enumeração, quer na precisão, quer na garantia dos direitos fundamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eis o que torna evidente uma conclusão: em Portugal celebrar a Declaração Universal dos Direitos do Homem é celebrar o 25 de Abril e a Constituição da República. Defender e promover os direitos do homem em Portugal é inseparável da defesa e da promoção dos ideais do 25 de Abril e da sua expressão na Constituição da República.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não basta declarar e reconhecer os direitos do homem. Torna-se necessário realizá-los e promovê-los na realidade social e na vida do Estado. Os direitos fundamentais nunca estão integralmente realizados: a sua realização efectiva está sempre aquém do exigível e do possível. A própria transformação social vai exigindo novas garantias, criando novos direitos, alargando o espaço de realização dos direitos fundamentais.
Por isso, não basta reclamarmo-nos da Constituição da República e das conquistas alcançadas no domínio dos direitos fundamentais em Portugal. Importa sobretudo realizá-los efectivamente, respeitar e observar os direitos de liberdade, promover e realizar os direitos económicos, sociais e culturais.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ora, não pode deixar de ter-se por preocupante o deficit de realização e garantia efectiva dos direitos fundamentais em Portugal. Isto é particularmente evidente no campo dos direitos económicos, sociais e culturais: o direito ao trabalho é para milhares e milhares de desempregados apenas o direito de o procurar; o direito à saúde, apenas um privilégio de alguns; o direito ao ensino, uma precária realidade para muitos; o direito a habitação, uma dramática carência para tantos.
Mesmo no campo dos direitos de liberdade permanecem situações de privação de direitos, multiplicam-se as tentativas de limitação das liberdades políticas e sindicais, ressurgem discriminações políticas e ideológicas no acesso a cargos públicos e privados, negam-se totalmente direitos sindicais a certos sectores de trabalhadores, intentam-se limitações à liberdade de expressão. Em certas zonas do País a liberdade política é ainda fruste. Cidadãos acusados de delitos da mesma natureza são tratados discriminatoriamente: uns como se não tivessem praticado nenhum, outros condenados e penalizados sem julgamento.
É facto que quanto menos se satisfazem os direitos económicos, sociais e culturais mais perigo correm as liberdades civis e políticas. Quanto mais se põe

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em causa as grandes transformações económicas e sociais do 25 de Abril e da Revolução, mais se estreita o campo das liberdades democráticas.
É pois forçosa uma conclusão: defender e promover os direitos do homem traduz-se no cumprimento e realização da Constituição e do projecto político, económico e social que ela encerra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está vulgarizada a distinção, dentro do Universo, dos direitos do homem entre dois campos de natureza diversa: por um lado, os clássicos direitos negativos, ou seja, os direitos de liberdade perante o Estado; do outro lado, os direitos positivos de natureza económica, social e cultural, ou seja, os direitos que se traduzem em exigências de actuações ou prestações do Estado. Alguns partem mesmo desta distinção para privilegiar uns em prejuízo dos outros e para afirmar uma radical diferença de natureza, se não mesmo uma incompatibilidade de fundo entre eles.
Ora se há algo que a actual problemática dos direitos do homem postula é a unidade essencial dos direitos fundamentais. Uma visão unilateral ou uma leitura por metade dos direitos do homem é o caminho mais fácil para a sua amputação e a propensão para aniquilar uns a pretexto de se defender e de realizar os outros. Um direito à vida que não inclua o direito de não morrer de fome; uma liberdade de expressão que não abranja o direito de todos se exprimirem; uma liberdade de trabalho que não encerre o direito ao trabalho - eis alguns exemplos claros de como uma concepção reducionista dos direitos do homem pode redundar apenas na restrição dos direitos do homem para uma minoria. O problema dos direitos do homem não é o de eles existirem ou não existirem, é o de saber se todos existem para todos.
E se havemos de evitar que a realização dos direitos económicos, sociais e culturais justifique a limitação dos direitos de liberdade, haveremos igualmente de evitar que a defesa dos direitos de liberdade sirva de pretexto para a não realização dos direitos económicos, sociais e culturais.
Eis por que os direitos do homem não podem ser alheios à natureza, à estrutura das sociedades e aos projectos políticos que as enformam. A história mostra quão vagos, frustes e incompletos podem ser os direitos do homem numa sociedade alienada. É por isso que a realização dos direitos do homem vai de par com a libertação social, com a eliminação da opressão, com o fim da exploração do homem pelo homem.
A luta dos povos ilustra que as sociedades assentes em relações de domínio e de exploração suportam mal os direitos do homem, mesmo aqueles poucos de que se reclamam campeãs, e que acabam sempre dispostas a sacrificá-los à manutenção dessas relações. Não é na fome, na miséria, na ignorância ou na exploração que podem florescer os direitos do homem.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, os direitos do homem não se limitam hoje aos direitos individuais. Abrangem igualmente os direitos colectivos dos grupos sociais, das organizações sociais, particularmente dos trabalhadores. E abrangem ainda o direito dos povos à independência, à autodeterminação, à auto-definição do seu destino, à disposição dos seus recursos, enfim, e por último, o direito à insurreição contra todas as formas de colonialismo e imperialismo, para utilizar os termos da Constituição da República. A liberdade dos povos è componente essencial da liberdade dos homens. Não pode ser livre o homem cujo povo não é.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Um observador desatento da realidade portuguesa não poderia deixar de se surpreender com o actual estado da discussão dos direitos do homem em Portugal. Os que ontem beneficiaram da sua eliminação ou nela foram co-autores aparecem hoje como seus campeões; os que ontem por eles deram a vida e a liberdade aparecem hoje acusados de os malquererem.
Há mistificações que não podem perdurar e há verdades que têm de ser ditas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os direitos do homem são uma conquista das lutas populares dos últimos dois séculos contra todas as oligarquias, todos os impérios senhoriais, contra a exploração, a opressão e a miséria. A herança histórica dos direitos do homem cabe por inteiro aos revolucionários de 1789, 1848, 1871, de 1917, aos resistentes ao nazi-fascismo, àqueles que nas lutas sociais dos dois últimos séculos deram a vida e a liberdade pessoal pela emancipação social contra todos os poderes instituídos.

Aplausos do PCP.

O Orador: - É preciso que se diga que a luta pelos direitos do homem podem reivindicá-la em Portugal os herdeiros e seguidores de 1820, de 1836, de 1891, de 1910, da resistência ao fascismo, do 25 de Abril, e não os herdeiros e continuadores do antigo regime, do miguelismo caceteiro, dos talassas ou do 28 de Maio, e de todos aqueles que estão sempre dispostos a dispensar as liberdades quando elas ponham em causa o sistema de dominação em que assentam os seus privilégios.

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado António Arnaut (PS).

O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Faltou o 11 de Março.

O Orador: - Quando hoje em Portugal vemos erigirem-se em mais ciosos amantes dos direitos do homem aqueles que só os descobriram em 26 de Abril e que durante o fascismo se mantiveram no mais conivente silêncio ou na mais actuante colaboração; quando os fascistas de ontem se permitem hoje em certa imprensa e na praça pública pretender amarrar ao pelourinho dos direitos humanos ou desferir golpes venenosos contra todos aqueles que por eles lutaram quando eles não existiam; há que dizer alto e bom som: a conquista das liberdades demo-

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cráticas e a garantia dos direitos fundamentais deve-se aos antifascistas e às forças democráticas, àqueles que lutaram pelo 25 de Abril e àqueles que estavam com o 25 de Abril no 25 de Abril.

Aplausos do PCP, PS e dos Srs. Deputados independentes Lopes Cardoso, Brás Pinto e Vital Rodrigues.

O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falar dos direitos do homem em Portugal è, hoje, falar do direito à esperança que Abril abriu e de lutar pela realização dessas esperanças.

Aplausos do PCP, do PS e dos Srs. Deputados Independentes Lopes Cardoso, Brás Pinto e Vital Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado representante do CDS.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi o CDS que propôs a introdução na Constituição Política de 1976 de uma remissão para a Declaração Universal dos Direitos do Homem. É por isso que o CDS se congratula, particularmente, com esta celebração que está a decorrer na Assembleia da República.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem mostra bem que o homem é a medida do Mundo, que a dignidade do homem é, para a mais alta instância internacional, o grande critério de dignidade da própria política ao nível mundial. Essa Declaração traduz uma espécie de fé laica da Humanidade ou a que Rousseau chamaria uma religião laica, uma religião civil de toda a Humanidade. É, portanto, a expressão de um humanismo integral que tem subjacente a ideia de que cada homem é o próprio Direito, cada homem é já potencialmente o próprio Direito. O Direito não é transcendente, não está acima nem além; cada um de nós o transporta e é o primeiro juiz. O que é Direito é, em primeiro lugar, a própria acção, o próprio pensamento e o próprio ser de cada homem: o Homem é já por si o princípio do Direito, o Direito - dir-se-ia - é uma inerência humana.
Mais: para já disto o Direito é apenas uma necessidade e um desenvolvimento, para lá disto o Direito é apenas uma excepção. Onde se esmaga o Homem, é o Direito que é esmagado e tudo aquilo que ele representa. E muitas vezes, aparentemente, a lei é ela própria um processo de esmagamento do Homem porque começa por desconhecer esta realidade: os homens que não acreditam no Homem não acreditam no Direito; os homens que propõem a política pura como critério, esses estão a destruir o Direito e estão a destruir o Homem. É por isso que nós acreditamos que não há apenas libertação da Humanidade, pois para haver libertação da Humanidade tem de haver também libertação de cada homem individual.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E aqueles que querem libertar os povos oprimindo homens concretos, aqueles que querem invocar o 25 de Abril para fazer o 11 de Março, esses não estão do nosso lado, esses não querem realmente a libertação nem a liberdade.

Aplausos do CDS e do PSD.

É por isso que nós consideramos que a Declaração Universal dos Direitos do Homem corresponde, afinal, a um movimento libertador de duplo sentido: a um movimento libertador que visa sem dúvida a libertação da Humanidade, mas que visa também a libertação de cada homem em concreto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que este movimento se alarga: alarga-se desde as Nações Unidas até à mais ínfima célula da vida social, até aos próprios mecanismos sociais mais próximos de nós, porque este movimento quer, não apenas nem sobretudo, proteger o homem abstracto ou humanidade, quer sobretudo proteger o homem concreto ou individual. Se há um homem frágil é o homem individual, não é o homem abstracto das classes nem o homem abstracto da Humanidade, mas sim o homem individual; se há humilhados e ofendidos, esses são os homens individuais, esses não são os homens abstractos das classes.
É por isso que o CDS se coloca numa perspectiva que é a da valorização da libertação individual, da libertação interior, da libertação e da emancipação de cada homem como realidade por si mesma digna, e não da libertação de aglomerados, amorfos e inorgânicos, que vêm nos livros, que são construídos por intelectuais, mas que não têm qualquer realidade nem vivência concreta.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que a internacionalização dos direitos fundamentais è extremamente importante, mas também na perspectiva da privatização dos direitos fundamentais e da protecção dos direitos fundamentais privados.
É por isso que a Declaração Universal dos Direitos do Homem tem, sobretudo, relevo como espelho para a própria libertação individual, para a própria libertação de cada pequena sociedade concreta, porque esta libertação do homem não é apenas uma libertação macro-histórica, é também uma libertação micro-histórica - e talvez aqui neste aspecto, pelo menos, a esquerda e a direita se completem. Enquanto a esquerda valoriza um pouco a ideia de uma libertação global, de uma libertação macro--histórica, a direita - pelo menos a direita liberal e democrática - valoriza talvez mais a ideia de uma libertação individual, de uma libertação de cada homem.
É por isso que de certo modo a Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU representa um enorme progresso na história da Humanidade e na própria concepção do direito. É uma espécie de projecto de Revolução Francesa ao nível do Mundo; não é um manifesto comunista ao nível do Mundo, pois ainda lá não chegámos nem chegaremos. O caminho do Mundo é a liberalização, não a comunização, não a socialização; não é essa a lógica do caminho do Mundo.

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É por isso que foi possível levar o projecto da Revolução Francesa às Nações Unidas, mas não será nunca possível levar lá o projecto de Karl Marx.
É por isso que a contribuição ocidental para a Carta das Nações Unidas é a declaração dos direitos humanos e fundamentais, quando talvez a contribuição soviética seja o direito de veto nas Nações Unidas - pelo menos a acreditar na frequência com que a União Soviética usa tal sistema de obstrução ou funcionamento do sistema de libertação mundial dos povos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que nós acreditamos que a Declaração Universal dos Direitos do Homem é o instrumento de uma sociedade internacional mais aberta - infelizmente aquilo que é desejável não é ainda aquilo que se pode. E é por isso que continuam a existir muros como o muro de Berlim. E quem alguma vez visitou Berlim teve uma visão concreta de como o próprio homem está dividido ao meio, e enquanto o próprio homem estiver dividido ao meio serão tartufos todos aqueles que em nome dessa divisão nos vêm falar da protecção dos direitos do homem e do cidadão.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Em Berlim é claro que não é apenas uma cidade que está dividida ao meio, são todos esses homens de um lado e de outro que estão divididos ao meio, são todos esses homens que são meios homens e enquanto houver meios homens não há libertação, não há direitos fundamentais.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que nós interpretamos ainda esta Declaração Universal dos Direitos do Homem como a tentativa de transformar todos os súbditos em cidadãos, todos os súbditos concretos em autores do seu próprio destino, porque o homem é a sua própria causa, o homem é a sua única causa. É, pois, isso que nós queremos realizar, é para esse projecto que nós queremos contribuir, seja contra o Estado administrador, seja contra o Estado socialista, seja contra o homem-massa, seja contra a sociedade técnica. O problema fundamental dos tempos que correm é, pois, a emancipação do homem concreto. Hoje a entidade frágil é o homem individual, não é o homem-massa, não é o homem da sociedade técnica nem é o grande administrador ou o super-dirigente de partido, mas sim o homem anónimo e perdido nas convulsões do mundo moderno.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que nós consideramos - ainda numa última perspectiva - que a Declaração Universal dos Direitos do Homem é a via para a transformação da própria noção de Direito ao nível mundial, porque isso significa que os países mais atrasados do Mundo são levados a considerar que o Direito está acima do Poder, que o Direito é mais importante que o Poder e que a simples entrada na esfera das Nações Unidas é a assunção da ideia de que o Direito vale mais do que o Poder. É, pois, isto que no fundo deveria ser aceite por todos. É evidente que essa Declaração Universal dos Direitos do Homem não tem ainda os resultados que se pretenderiam. No entanto tem já alguns resultados fundamentais que eu me permitiria aqui assinalar. Em primeiro lugar, tem servido de justificação e fundamento às várias acções da Humanidade levadas a cabo pelas Nações Unidas. Em segundo lugar, inspirou um número considerável de pactos e convenções, dentro e fora das Nações Unidas, nomeadamente de pactos e convenções como o Estatuto dos Refugiados, o Estatuto dos Direitos Políticos da Mulher e certas convenções contra a discriminação racial em várias zonas do Mundo. Em terceiro lugar, influenciou várias constituições, legislações nacionais e decisões judiciais, como é o caso, por exemplo, da Constituição Política de 1976. Em quarto lugar, tem servido de código de conduta de muitas instituições, é texto de muitos instrumentos de direito internacional e é o padrão de medida de standards morais da vida internacional.
Além disso, e ao contrário do que pode parecer, esta Declaração Universal dos Direitos do Homem tem mais garantias de aplicação do que parece. Em primeiro lugar, constituem uma garantia dessa sua aplicação as análises teóricas e os estudos promovidos pela própria Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Em segundo lugar, existem serviços técnicos nas Nações Unidas que estão à disposição dos Estados membros em matéria de direitos fundamentais. Em terceiro lugar, é obrigatório o fornecimento de certas informações periódicas sobre a protecção dos direitos fundamentais em cada Estado pelos Estados à Secretária-Geral das Nações Unidas. Em quarto lugar, a informações das organizações não governamentais com estatuto consultivo e petições de decisões individuais - aspecto que, aliás, ganhou particular relevância na luta contra o colonialismo. Em quinto lugar, há um protocolo facultativo referente ao Pacto de Direitos Civis e Políticos que permite receber e examinar comunicações individuais sobre a violação dos direitos fundamentais.
Há ainda, porém, muitas insuficiências, em que o caso de Berlim é uma delas. Por outro lado, os massacres da Etiópia, do Camboja e do Uganda, sobre os quais o campo socialista não reagiu minimamente, são também outras tantas violações dos direitos fundamentais, às quais grande parte dos países civilizados assistiu de maneira inerte. A violação persistente dos direitos humanos na União Soviética e nos seus satélites é uma das mais reiteradas e persistentes violações dos direitos fundamentais em todo o Mundo, de resto contra as deliberações da Acta Final de Helsínquia, e é evidente que tudo isto é motivo de impotência e desamparo de todos aqueles que querem promover uma maior liberalização e uma maior democratização das relações mundiais.
Tudo isto põe, portanto, muitos problemas, mas nós pensamos que nas relações entre democracia e liberdade talvez seja hoje a altura de valorizar até mais a liberdade: a liberdade contra um certo democratismo, contra a ideia de que a liberdade é a incapacidade de autoridade. A liberdade não só não é a incapacidade de autoridade, como encontra na autoridade o seu melhor aliado. A liberdade só é

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possível no contexto da ordem e do direito, pois não há liberdade sem ordem e sem direito. De resto, a liberdade é não apenas inimiga de um certo democratismo algo em moda, como é também inimiga de um certo libertismo algo em moda: um libertismo que no fundo quer libertar os homens sem que os homens queiram ser libertados, e a verdade é que ninguém salva o homem se não for ele próprio a salvar-se a si próprio. Não há salvação contra a vontade dos próprios salvados, pois é a cada homem, sobretudo e principalmente, que, em primeiro lugar, compete salvar-se, e nomeadamente através do instrumento do voto.
É por isso que se recusa também um certo libertismo profissional que se transforma em agência profissional de libertação mesmo de quem não tem avença para ser libertado.
Os direitos fundamentais, por outro lado - consideramos nós -, têm uma relação fundamental com a própria organização política das sociedades. Nós, por exemplo, consideramos que não há direitos fundamentais sem pluralismo económico, sem pluralismo social, sem concorrência, em suma, sem economia de mercado.
Na nossa Constituição - diz-se - há muitos direitos fundamentais. Mas onde é que estão as estruturas económicas que garantam a persistência destes direitos fundamentais? Não serão estes mesmos direitos, muitas vezes, puro espectáculo, pura liberdade do vazio - como diria Kant? Onde é que está o conteúdo económico desta liberdade e destes direitos fundamentais?
Nós consideramos que os direitos fundamentais são constituintes da própria realidade económica. Não são, portanto, objecto nem função dessa realidade económica, não são instrumento de projectos económicos e políticos. São eles próprios autores e constituintes dos projectos económicos e políticos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É por isso que, para nós, no princípio está a liberdade e não o poder, está, inclusive, a liberdade económica e a liberdade política, porque a liberdade é um valor indissociável que nem se distingue nem se separa inteiramente em liberdades como sejam a liberdade económica, política e outras liberdades.
A liberdade é ela própria um todo, porque a liberdade é o princípio, e o princípio é sempre, de algum modo, um todo e uma globalidade.
Não podemos deixar de sofrer também particularmente - e talvez seja oportuno relembrá-lo neste momento - a particular sensibilidade a acontecimentos que nos ferem ou que nos regozijam e ocorrem neste momento preciso. Fere-nos, por exemplo, o saber que hoje mesmo estão a ser condenados à pena capital em Angola dezasseis homens.
Isto põe-nos o problema de saber se o homem poderá julgar a própria vida, se o homem poderá julgar aquilo que de mais radical há na ideia de liberdade em relação aos outros homens; põe-nos o problema de saber se não será um direito fundamental o direito a «morrer a própria morte» - para empregar uma expressão de Miguel Torga.
Mas regozija-nos também uma coisa que hoje se está a passar, que é a forma de solidariedade activa - e não apenas de humanismo passivo, não apenas a forma de direitos fundamentais e do seu reconhecimento -, a forma de humanitarismo e não apenas de humanidade que é o trabalho da Cruz Vermelha Portuguesa e a sua iniciativa «Pirâmide», que pode ser uma tentativa para ajudar a solidarizar e a coser laços descosidos da sociedade portuguesa, apesar de, com boas intenções, se ter querido fazer ainda mais sociedade com o socialismo.
É por isso que nós consideramos que a existência de um homem emancipado e não apenas a luta contra os medos e contra o poder mas também, à sua maneira, a luta contra as ilusões, e é, portanto, também uma libertação cultural, e não apenas uma libertação política e uma libertação económica. É justamente em nome da luta contra as ilusões que nós próprios nos temos batido muitas vezes contra certas ilusões socialistas em Portugal.
Para concluir, queria apenas dizer que acho que este tema é um tema do qual se deve falar com humildade. Foi por isso que não vim aqui falar dele com arrogância, foi por isso que não vim aqui como uma estátua da Liberdade acusar e fazer acusações - ninguém pode acusar em nome da liberdade.
É por isso que acho que a liberdade é um processo de libertação; a liberdade não é de ninguém, mas sim de todos; a liberdade não é apenas política, mas é também uma liberdade religiosa, de consciência, interior; a liberdade caminha em todos os campos, e não apenas na política nem através da política. Em Portugal, aliás, politicamente temos muito que aprender ainda em termos de liberdade, pois basta pensar que tivemos de fazer nove reservas à Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
É por isso que um dos objectivos fundamentais da próxima revisão constitucional será extinguir estas nove reservas a essa Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que são um ferrete que nós carregamos e que devemos à solicitude daqueles que ainda agora aqui, antes de mim, tanto falaram em nome da liberdade. Contudo, a liberdade deles talvez não seja a nossa, talvez haja aqui dois conceitos de liberdade que é preciso esclarecer.
É por isso que nós consideramos que há ainda muito que fazer pela libertação de Portugal, e muitas vezes faz mais pela libertação de Portugal aquele homem humilde que aceita a própria história e o próprio regime político em que vive, que trabalha, que se liberta, e que assim liberta a comunidade ela própria e no seu conjunto, do que aqueles que no fundo libertam para depois oprimir, aqueles que libertam para conquistar o Poder e para abrir o campo ao seu próprio poder e mais nada, ao contrário daqueles que libertam com um sentido generoso.
É por isso que acho que para muitos ainda há que transformar o 25 de Abril num acto de generosidade, pois para muitos o 25 de Abril não é um acto de generosidade e libertação, mas sim um acto de vingança política e um acto de vingança do poder. É, pois, esta transformação que talvez seja preciso pedir ao Partido Comunista Português, e nessa altura suponho que todos nos entenderemos melhor, em clima de Declaração Universal dos Direitos do Homem.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Que tartufo!

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O Orador: - Talvez nós aqui, entre os partidos, possamos ter nessa altura um espírito de maior abertura à libertação universal dos direitos do homem.
Não me queria esquecer de uma outra palavra em relação à própria Declaração Universal dos Direitos do Homem e ao significado dessa libertação em Portugal. Acho que é devida também uma palavra ao próprio fundamento cristão dos direitos fundamentais; acho que a própria Igreja tem muito a dizer em matéria de libertação do homem, e em Portugal creio que essa inspiração cristã dos direitos fundamentais é uma inspiração fundamental. No fundo, só Deus é uma alternativa total ao Poder e só Deus è, portanto, um esteio seguro, decisivo, global e fundamental da própria libertação de cada homem.
É por isso que suponho que neste processo da libertação, que nunca termina, a ajuda da própria inspiração cristã será uma ajuda fundamental no caminho da libertação.
Pela minha parte termino, regozijando-me mais uma vez, em nome do CDS, pela celebração deste aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito, suponho que para formular um protesto.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lucas Pires não veio aqui para comemorar a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Aproveitou, com notória deslealdade parlamentar, dada a natureza da comemoração, para invectivar direitos fundamentais do homem.
A Assembleia terá notado o carácter sectário da sua declaração. O Sr. Deputado lá sabe porque lhe ocorreu a palavra «tartufo».

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sinceramente que não vejo muito nítida a necessidade de fazer um protesto. Em todo o caso, talvez seja útil dizer o seguinte:

Muitas vezes os Deputados do Partido Comunista manifestam-se com particular agressividade, que neste caso - aliás invocando as palavras do Deputado Carlos Brito - parecia desnecessária, porque o meu sectarismo teria sido tão extensivo que dispensaria o seu protesto. Mas, pelos vistos, se não dispensou o seu protesto, é porque não era tão extensivo e eu permito-me chamar a atenção para o tartufismo lógico desse protesto.
Queria também dizer que muitas vezes os Deputados do Partido Comunista dão aqui provas de uma particular agressividade, pelo que não vejo razão de chamar a atenção para a agressividade das outras pessoas.
Eu temo que, mais uma vez, essa agressividade que o Sr. Deputado Carlos Brito acaba de exprimir seja, não propriamente uma agressão a nós próprios, antes exprima o facto de que, considerando-se ou sentindo-se, digamos, psiquiatricamente enjaulados, tentam constantemente romper essas próprias jaulas e essas próprias grades.

Vozes do CDS: - Muito bem! Protestos do PCP.

O Orador: - Eu chamo-lhe a atenção para isso: talvez quando falam da falta de liberdade dos outros - e eu sempre fui um homem livre, inteiramente livre, nunca fui guarda-costas de nenhum sistema de Poder...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Lá isso é que foi!

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - O senhor estava livre enquanto os outros estavam por detrás das grades.

O Orador: - ... -, eu queria lembrar ao Sr. Deputado Carlos Brito, para o ter presente, que o Partido Comunista é muitas vezes mais vítima de si próprio do que da falta de liberdade exterior. Isto porque eu não percebo que protestem tanto, que gritem tanto num pais que é tão livre como o nosso. Eu suponho que podiam falar mais e gritar menos e todos nós nos poderiamos entender bastante melhor.
É por isso que eu considero que há ai talvez um fenómeno psiquiátrico, que, aliás, tem a ver com o facto de ser o Partido Comunista o partido que mais evoca o passado, que mais voltado está para trás, que mais situacionista é, que se comporta mais em termos de contra-revolução no momento actual, que menos libertador é no sentido de uma disponibilidade infinita perante os acontecimentos e os factos, que mais quer proteger formas de poder adquiridas, contra a movimentação e a liberdade da sociedade portuguesa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Eu chamo a atenção do Sr. Deputado para o facto, com a esperança de que o mesmo contribua para alguma coisa, com a esperança de ajudar a dissipar fantasmas que porventura andem no vosso inconsciente.

Aplausos do CDS.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Onde chega a hipocrisia!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para um muito breve esclarecimento, aliás de natureza pessoal.

Vozes do CDS: - Mas que é isto?!

O Sr. Presidente: - Faça favor.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Se a referência do Sr. Deputado Lucas Pires ao complexo de «enjaulado» é uma referência ao facto de eu e muitos outros meus camaradas desta bancada, e muitos outros Deputados de outras bancadas, termos passado pelas prisões - pelas jaulas, provavelmente, na expressão do Sr. Deputado -, eu quero dizer-lhe que efectivamente estive nas cadeias salazaristas oito anos e alguns meses, exactamente por lutar pelos direitos do homem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nessa altura o Sr. Deputado estava do lado daqueles que me enjaulavam - para usar a sua expressão -, estava do lado dos carcereiros, dos opressores do povo português.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito Sr. Deputado?

O Sr. Lucas Pires (CDS): - É para dar um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Eu quero prestar uma homenagem pessoal ao Sr. Deputado Carlos Brito por aquilo que sofreu em nome dos seus próprios ideais, embora esse ideal não fosse o ideal dos direitos fundamentais, mas o ideal de um projecto de poder, o que é uma coisa inteiramente diferente.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sabe lá o Sr. Deputado o que é!

O Orador: - Eu não me quis referir a esse tipo de jaula, como o Sr. Deputado bem deve saber, e o Sr. Deputado quis apenas comover-nos, mas eu não sou comovível.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Já o sabíamos!

O Sr. Lino Lima (PCP): - Isso é vergonhoso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Cunha Leal, quero afirmar-lhe que muito nos congratulamos por o ver de novo no meio de nós depois da grave doença que o atingiu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha Leal.

Aplausos gerais.

O Sr. Cunha Leal (PSD): - Sr. Presidente, antes de entrar propriamente no assunto que me fez subir a esta tribuna, quero testemunhar a V. Ex.ª o apreço e a gratidão pelas palavras que acaba de proferir e, porque de todas as bancadas sem excepção recebi, no decurso da grave crise por que passei, o testemunho de uma solidariedade que me é profundamente grata, a todos quero agradecer.
Começando por V. Ex.ª, a todos quero dizer que, efectivamente, esse testemunho prova que há possibilidade entre nós de, embora sendo portadores de ideais antagónicos, nos podermos comportar sempre como adversários, e nunca como inimigos. Muito obrigado a todos.

Aplausos gerais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Embaixadores, Srs. Membros do Corpo Diplomático:

Toda a história da Humanidade tem sido, desde os seus primórdios, uma luta constante com vista ao predomínio, quer a nível individual quer de comunidades, dos mais fortes sobre os mais fracos. De início, foi esse predomínio determinado por razões de exclusiva sujeição pessoal; depois, através dos tempos, foi ele levado a cabo sob os mais variados pretextos, tais como designadamente os do engrandecimento das pátrias, da submissão de rivais, da propagação da fé, da conquista de «espaços vitais» e de motivações de natureza ideológica.
Qualquer que seja o prisma por que se encarem, dessas lutas ficou na história da Humanidade, como substrato palpável, um caudal infinito de sofrimento e dor - milhões e milhões de pobres criaturas de Deus foram e continuam a ser levados à escravidão, à tortura e à morte. Não obstante, as atrocidades cometidas jamais conseguiram abafar o grito irreprimível da razão, daquela razão esclarecida que um dia um homem proclamou algures, numa praça pública de Atenas, ser apanágio dos homens.
E é precisamente com os olhos postos numa visão dantesca de novas crueldades iminentes que essa razão esclarecida vem procurando, cada vez com maior consistência e persistência, pôr em realce a dignidade da condição humana, para, através disso, procurar evidenciar que o inegável respeito que o mesmo merece tem, necessariamente, de conduzir a um estado de coisas em que a barbárie venha a ser, para todo o sempre, erradicada do mundo em que vivemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, para nós, sociais-democratas, de acordo com os princípios do personalismo humanista a que prestamos sentido culto, o respeito pela eminente dignidade da pessoa humana é condição básica de todo o nosso comportamento. Segundo defendemos, toda a sociedade organizada, no complexo das respectivas actividades políticas, económicas, sociais e culturais, tem sempre de ter o homem como seu centro e futuro. Nisto nos distinguimos, por forma radical, das doutrinas marxistas para as quais as suas dores e os seus pequenos ou grandes problemas pessoais são praticamente indiferentes.
Daí que, em nosso modo de ver, os direitos do homem, sob pena de, no irónico entendimento de Franz Grillprazer, não passarem do direito «à fome, ao gozo e ao sofrimento», careçam imperiosamente de uma consagração oficial, mediante uma limitação dos poderes do Estado.
Sr. Presidente, toda a teoria da defesa da dignidade do homem não surge de sopetão na história da Humanidade. Ela é antes o produto laboriosamente

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parturejado no transcurso de muitos séculos de cruentas lutas, já que a prática nos ensina que dificilmente alguém de bom grado renuncie a situações de privilégio do que seja usufrutuário. Nesta metamorfose e de harmonia com Bobbio, podem distinguir-se três fases: a primeira, a do direito natural, de natureza essencialmente especulativa; a segunda, a do positivismo jurídico, na qual se pretende consagrar em termos legais certos direitos jusnaturalistas, circunscritos, contudo, ao âmbito restrito de cada Estado; e, por fim, a terceira, a da protecção dos direitos humanos pela sociedade internacional. Esta derradeira etapa surgiu em consequência de se haver chegado à conclusão de que, após dolorosas experiências, não há mínima viabilidade de uma coexistência pacifica entre os Estados se eles não souberem ou não quiserem respeitar os direitos fundamentais do homem, o que tanto monta dizer das liberdades públicas em que os mesmos se haverão de consubstanciar. É que, hoje em dia, a solidariedade internacional tem forçosamente de se plasmar ao nível humano.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ora, é com rigor nesta precisa fase do processas evolutivo da defesa da eminente dignidade da pessoa humana que se implanta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, cujo aniversário estamos, neste momento, celebrando.
Como é do conhecimento geral, o contexto desta Declaração define, por forma exemplar, os direitos da pessoa humana na sua dignidade individual e comunitária. Aprovada em S. Francisco, em 10 de Dezembro de 1948, ela assenta nos princípios expressos no preâmbulo da Carta das Nações Unidas, de 26 de Junho de 1945, inserindo-se na sequência lógica da própria Carta do Atlântico, de 14 de Agosto de 1941, que já proclamava, no tocante ao homem, a «libertação do medo e da pobreza». Mais remotamente, ela tem, como progenitora directa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que, aliás, se inspirou em parte na Declaração da Independência dos Estados Unidos da América do Norte, de 4 de Julho de 1776.
Como caraterística comum, importa realçar que tanto a Declaração da Independência como as Declarações da Revolução Francesa e a da ONU surgiram, o que é deveras sintomático, corto reacções naturais contra situações de opção, ou seja, respectivamente, contra o domínio colonialista inglês, o absolutismo do Ancien Regime e o totalitarismo fascista derrubado. Tal evidencia sobremaneira que se proeurou através delas evitar eventualidade futura de novas tiranias.
Convém ainda, para uma completa compreensão da natureza específica de cada uma das duas mais importantes Declarações - a de 1789 e a de 1948 -, assinalar que a primeira era de natureza exclusivamente individualista e foi obra da burguesia francesa. Esta soube, de facto, chamar à sua própria revolução a das desprotegidas e miserandas massas populares, sem embargo, como acentua Elias Diaz, tal não haver retirado à Revolução Francesa o carácter de um dos mais progressivos movimentos da Humanidade. Aliás, já o próprio Marx, no seu
Manifesto Comunista, assinalou que «a burguesia desempenhou na história um papel eminentemente revolucionário».
Em contrapartida, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, se bem que ainda de algum modo individualista, assenta contudo em bases de natureza inequivocamente eclética mercê do reconhecimento dominante de um ideal comum. É que, muito em especial, em consequência dos desoladores efeitos da 2.ª Grande Guerra, se chegara à conclusão que só através do entendimento dos vários Estados os direitos humanos poderiam deixar de ser, no contexto mundial, uma mera e romântica afirmação teórica, esvaziada de qualquer conteúdo significativo. Ela é, assim, dentro da mecânica da ONU, a concretização institucionalizada dos direitos do homem concreto na sua verdadeira expressão universal, direitos que, de resto, já se encontram, de certo modo, acautelados na Carta daquele organismo internacional, a qual é, para as nações membros deste, um verdadeiro tratado colectivo.
Todavia, é necessário dizê-lo, a Declaração Universal não é mais do que um repositório de boas intenções, tão certo é que os seus preceitos não passam de simples recomendações para os Estados que integram a ONU.
A Declaração em causa resume-se, deste modo, a um complexo de princípios e não de normas vinculatórias, carentes de qualquer tutela jurisdicional. Com efeito, só em 1966 se logrou, sob determinados aspectos, imprimir-lhe uma certa força executiva, mercê da celebração de dois pactos internacionais, um sobre direitos económicos, sociais e culturais e outro sobre direitos civis e políticos.

O Sr. Nandim de Carvalho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em relação a eles, os Estados seus signatários ficam, efectivamente, através dos mecanismos adrede criados, sujeitos às obrigações a que nesses instrumentos se vincularam, o que, diga-se em abono da verdade, está longe de ser satisfatório.
Quão melhor não é, Srs. Deputados, a prática seguida no Conselho da Europa, que, esse sim, garante a defesa eficaz dos direitos consignados na sua Convenção Europeia dos Direitos do Homem por intermédio de dois órgãos - a Comissão Europeia dos Direitos do Homem e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, sendo um dos seus juizes mais ilustres o Sr. Conselheiro Pinheiro Farinha, aqui presente, a quem me apraz apresentar nesta altura os protestos da minha estima e consideração.

Aplausos gerais.

Mas esta é matéria que escapa ao âmbito do aniversário que hoje aqui comemoramos e de que, portanto, até por escassez de tempo, não me poderei agora ocupar.
Face ao que acabo de dizer, cumpre perguntar se, efectivamente, terá a Declaração Universal dos Direitos do Homem valor e significado que justifiquem o encontrarmo-nos hoje aqui reunidos por causa dela.
Pois, a respeito de todas as suas insuficiências e limitações, responderei afoitamente que sim. É que ela vale como uma denúncia inexorável dos perigos

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que corre a condição humana; vale como um veemente apelo moral ao respeito pelo homem; vale como um estridente do que a rebate à consciência dos povos contra eventuais intuitos totalitaristas dos Estados; vale como um edificante acto inspirador de iniciativas similares, verbi gratia, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o Acto Final de Helsínquia, numa das suas postulações; vale como uma clara expressão da consciência jurídica da Humanidade representada pela ONU; vale como um vibrante incitamento para que cada Estado se empenhe em fazer avançar no seu seio a legalidade até à justiça; vale, finalmente, como um comovedor convite à paz e ao fraterno convívio entre as gentes.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por tudo isto se justifica, pois, que aqui nos encontremos reunidos para celebrarmos a efeméride, nós os representantes do povo e elementos dos partidos políticos. E acentuo com particular ênfase esta nossa última qualidade, dado que ela deriva em linha recta de um dos mais importantes e transcendentais normativos - o artigo 20.º - da Declaração Universal em apreciação, no qual se consagra o inalienável direito à liberdade de reunião e associação, direito sem o qual os partidos políticos não poderiam constituir-se e existir.
Ora é, precisamente, isto mesmo que nos leva a nós, Deputados sociais-democratas, a defender o pluralismo partidário. E, intencionalmente, não digo democracia pluralista uma vez que, de acordo com o nosso ponto de vista, onde quer que não possa existir mais do que um só partido não pode, outrossim, existir democracia ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... por mais que os patrocinadores dessas ideologias institucionalizadas as proclamem como democráticas.

Aplausos do PSD e dos Srs. Deputados do CDS Carvalho Cardoso e João Pulido.

É esta, de facto, a nossa opinião, opinião que se mantém inalterável quaisquer que possam ser as motivações que se invoquem para a defesa de mono-partidarismos.
Na realidade, tanto importa para nós que elas se estribem no pretexto de que, por razões várias, o partido único seria o verdadeiro e exclusivo intérprete da opinião ou dos interesses das massas populares, ou que se possam basear, por exemplo, no conceito que Rousseau e que os teóricos radicais do liberalismo, em tempos recuados, invocaram para, pura e simplesmente, os proibir. Eram eles os de os partidos políticos serem a imagem negregada das camarilhas do absolutismo e os viabilizadores de paixões sectárias que poderiam pôr em causa o consenso democrático. Para nós, o problema é bem mais profundo, é uma questão de princípios.
É que não podemos conceber que, exactamente pelo respeito que nutrimos pela eminente dignidade do homem, a vontade individual de cada um se não possa, ou melhor, se não deva exprimir sem qualquer espécie de peias ou limitações. Tal significa que, seja por compadrio, conveniência, medo ou qualquer outro motivo, ela se não revelou livremente mas sim pressionada, o que nessas condições evidencia ter-se verificado uma violentação das consciências. Ora estas têm de poder actuar com inteira liberdade, liberdade de consciência esta que é, aliás, um outro direito de particular relevância que a Declaração Universal dos Direitos do Homem consignou no seu artigo 18.º
Sem ela jamais conseguiríamos prosseguir na espinhosa, mas nobilitante, demanda daquela razão esclarecida que levou Sócrates ao transe doloroso do copo da cicuta.
Eis, portanto, Srs. Deputados, mais um motivo por que devemos emprestar a esta comemoração um significado muito especial, o de uma verdadeira consagração da transcendência histórica deste admirável decreto da ONU.
Estes, Sr. Presidente, os meus votos pessoais e os do Partido - o PSD - a que me orgulho de pertencer.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Embaixadores e demais representantes do Corpo Diplomático, Sr. Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Srs. Deputados: As comemorações de grandes acontecimentos históricos costumam ocasionar palavras encomiásticas que por vezes comprometem a imagem do evento comemorado.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada há trinta anos pela Assembleia Geral das Nações Unidas, merece ser comemorada no Parlamento sem grande eloquência nem ênfase retórica.
O documento nasceu do horror experimentado pela Humanidade quando se conheceram os campos de extermínio hitlerianos. Mas não creio excessivo afirmar que o texto da ONU, na sequência de diversas declarações nacionais de idêntica índole, resume o essencial da luta da Humanidade pelos ideais da liberdade e da justiça, o mesmo é dizer: simboliza o sacrifício de milhões de heróis ao longo de séculos e séculos, na sua esmagadora maioria desconhecidos ou esquecidos. E, se assim é, nada mais se torna necessário acrescentar sobre o relevo histórico da efeméride.
Em passado recente mas prolongado, os Portugueses conheceram a opressão, o arbítrio do Poder, a supressão das liberdades. Há nesta Assembleia muitos Deputados, a começar por V. Ex.ª, Sr. Presidente, que foram presos, torturados, deportados ou exilados e se recordam dos seus companheiros mortos nas prisões políticas. Mas caiu já no esquecimento o nome da grande maioria dos republicanos, dos anarquistas, dos socialistas, dos comunistas e dos católicos que o salazarismo gravemente perseguiu.

Aplausos de PS, do PSD e do PCP.

E, contudo, sem a luta de tantos deles, não estaríamos hoje aqui.
Não foi por acaso que a proclamação da ONU teve escassíssimo eco na imprensa portuguesa censurada da época. Como informa Barbosa de Maga-

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lhães, que ao assunto consagrou um livro, «a notícia foi dada em três linhas e não mereceu, ao que parece, grande atenção». Como poderia ter sido de outra maneira?
A Declaração Universal dos Direitos do Homem circulou, contudo, em opúsculo editado pela Liga Portuguesa dos Direitos do Homem, fundada em 1922 por Sebastião Magalhães Lima. Aqueles de nós que participaram em movimentos públicos ou clandestinos de oposição ao salazarismo e ao caetanismo recordam-se certamente da ajuda que a Declaração nos prestou nesses tempos difíceis. E não é só a Declaração, mas os textos que a desenvolveram, com destaque para os Pactos Internacionais Relativos aos Direitos Civis e Políticos e aos Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e prestigiosas instituições internacionais especializadas na protecção desses direitos. Cito, a título de exemplo, o manifesto dos candidatos a Deputados da Oposição Democrática em 1965, subscrito, entre outros - permita-se esta nota -, pelos actuais Deputados Álvaro Monteiro, António Macedo, Armando Bacelar, Joaquim Catanho de Meneses, José Ferreira Júnior, Francisco Salgado Zenha, Mário Soares, Nuno Rodrigues dos Santos, Olívio França, Raul Rego, Vasco da Gama Fernandes, eu próprio e pelos antigos Deputados Artur Santos Silva e José Medeiros Ferreira. Nesse manifesto reivindicávamos nós a adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a nossa entrada no Conselho da Europa. Vários dos signatários não viram o 25 de Abril, outros tiveram o privilégio de, como representantes do povo português, entrar em 1975 neste hemiciclo, a que simbolicamente tinham concorrido no tempo das eleições falsificadas.
Essa intervenção eleitoral da Oposição Democrática em 1965 foi muito breve por absoluta falta de condições de actuação. Mas constituiu um acontecimento importante: pela primeira vez a Oposição Democrática pôde dizer ao País que defendia, em relação às guerras coloniais, «uma solução política com base no princípio da autodeterminação». Se a nossa proposta tivesse sido aceite, ter-se-ia evitado, entre outras coisas, que a descolonização se processasse nos termos em que ocorreu.

Aplausos do PS.

Os legítimos interesses dos Portugueses teriam podido ser acautelados. Não teria, é certo, havido uma revolução como a de 25 de Abril. Mas talvez o salazarismo pudesse, liberto do colonialismo, evoluir de modo semelhante ao franquismo e a via democrática portuguesa fizesse a economia de uma revolução que, embora admirável em tantos aspectos essenciais, produziu efeitos negativos que são inerentes a toda e qualquer revolução. Felizes as gerações que não precisam de uma revolução para viver em liberdade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Quem força um povo a pagar com uma revolução o preço da liberdade comete um crime histórico. Foi esse o maior crime praticado pelo regime deposto em 25 de Abril - o crime de ter espezinhado os direitos civis e políticos, o que fez para melhor se opor à promoção dos direitos económicos, sociais e culturais e para defender a dominação de uma pequena oligarquia quase exclusivamente parasitária.
Durante décadas os trabalhadores portugueses foram sujeitos a salários de miséria. Isso foi obviamente um atentado à dignidade humana. Mas o destino dado à enorme acumulação de capital assim obtida, o seu desperdício numa guerra sem perspectivas e a recusa de o investir em realizações de desenvolvimento económico, social e cultural representam um atentado, se possível, ainda maior.
Atingida pela guerra, pela crise internacional, pela descolonização tal como o fascismo impôs que ela se processasse e pelo romantismo populista e colectivista de 1975, a sociedade portuguesa não poderia, nos últimos três anos, nem poderá infelizmente durante muitos mais, realizar os projectos de justiça social e desenvolvimento material que teriam sido economicamente viáveis num passado afinal próximo.
A Revolução de Abril e as diversas ideologias formuladas em termos bacteriologicamente puros na alvorada da democracia portuguesa criaram uma expectativa de perfeição das relações sociais que não pode ser satisfeita nas condições presentes. Péssimo serviço prestam à democracia aqueles que nos diversos domínios sociais prometem realizar a curto prazo os mais legítimos anseios das camadas desfavorecidas do povo português, ou aqueles que exclamativamente censuram os governos por não conseguirem simultaneamente aumentar os salários, baixar os preços, elevar as exportações, diminuir as importações, defender a moeda, promover o crescimento económico, construir habitações para todos, pôr termo ao desemprego, estender os benefícios da segurança social, garantir universal e eficazmente o direito à saúde e à educação e outras excelentes coisas. Não há perigo de que a liberdade destrua a liberdade; mas a demagogia, essa, sim, pode matar ou enfraquecer a liberdade.

Vozes do PS, PSD e CDS: - Muito bem!

O Orador: - É triste a situação portuguesa em matéria de realização de direitos económicos, sociais e culturais, mas os políticos influentes têm a estrita obrigação de não se constituírem em instigadores da revolta quando sabem que não há condições para satisfazer os ideais que inspiram essa revolta. À ilusão de que pela demagogia se faz concorrência aos adversários deveria sobrepor-se o reconhecimento de que desse modo se avoluma um descontentamento cuja raiz ninguém pode combater e de que ninguém pode controlar os efeitos.
A lucidez política favorece a realização dos direitos do homem. A manipulação de sentimentos populares compromete a luta pela justiça. A plena realização dos ideais de Abril não passa pela demagogia mas pelo rigor.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No plano dos direitos civis e políticos a nossa situação é felizmente muito diversa. O desvio totalitário de uma revolução foi prontamente corrigido. Mas o agravamento das tensões sociais, em grande parte artificialmente provocado por demagogias e extremismos no essencial coincidentes,

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mesmo quando de sinal contrário, convida-nos a uma reflexão sobre o papel da autodisciplina do espírito no exercício da liberdade política.
O excesso e a imponderação das palavras comprometem o prestígio da liberdade de expressão do pensamento. O abuso da mentira e da deformação dos factos nos meios de comunicação social desacredita a liberdade de imprensa.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - A falta de lisura no debate político entre os intervenientes e a obstinação de criar factos políticos perturbadores da normalidade institucional debilitam a liberdade de associação. O fácil recurso à greve põe em perigo o direito à greve. A benevolência dos juízes para com terroristas e bombistas afecta o prestigio das garantias processuais e desautoriza e inibe as forças de segurança. A infundamentada contestação da autoridade democrática põe em perigo a liberdade, que não dispensa autoridade democrática que garanta as condições sociais do exercício da liberdade. A aprendizagem da democracia é difícil, mas é possível, quando os democratas tomam consciência de que, salvo nos casos em que seja lesiva do interesse nacional, a efectiva moralidade individual dos cidadãos é obrigatória em política.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem não tem natureza racial nem nacional nem classista. Também não se identifica com qualquer concreta e histórica ideologia ou fenómeno partidário. Tal não exclui, porém, que em certas circunstâncias da vida de certas nações uma classe ou um partido tenham de facto, embora não de direito, sido as forças determinantes da luta pela instauração ou defesa dos direitos humanos.
Em Portugal, por exemplo, é transparente, e frequentemente reconhecido mesmo por adversários, que o PS é a única força partidária que, antes e depois do 25 de Abril, sempre e em todas as circunstâncias se bateu pela liberdade dos cidadãos.

Vozes do PCP: - É falso!

O Orador: - E esse é o motivo pelo qual o Partido Socialista só pode congratular-se com uma homenagem como esta e com o consenso que através de linguagens diferentes se fez nesta Câmara sobre o valor dos direitos do homem.
Não vai na afirmação que anteriormente proferi qualquer sectarismo, arrogância ou pretensão de que outros nos sejam gratos. Em liberdade, e precisamente porque há liberdade, todos têm o direito de combater quem os poupou à adversa ditadura. Mas a memória nacional não é tão frágil como por vezes se supõe. No interesse da sua própria imagem cívica, melhor procederiam certas figuras políticas se evitassem caluniar a acção que, na oposição e no governo, o PS desenvolveu em prol da democracia. Em crise, é fácil explorar descontentamentos contra quem até recentemente foi governo, mas não o será igualmente manter afirmações maximalistas na oportunidade em que o acusador seja ele próprio chamado a responder pelos destinos do País. Ê isso explica que muita gente se queira de facto eximir agora a governar de modo frontal, preferindo, disfarçadamente, reforçar apoios estratégicos na alavanca do Poder.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Carneiro.

O Sr. Sá Carneiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, reunimo-nos hoje aqui para celebrar o aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Creio que mal seria que daqui transparecesse a menor divisão nesta Assembleia acerca de um assunto tão magno e tão transcendente como são os direitos do homem.
Em Portugal os direitos do homem devem unir todos aqueles que, independentemente de divisões partidárias, por eles lutaram seja de que maneira for. Todos somos portugueses, todos prezamos os direitos do homem em Portugal e no Mundo, desde os comunistas aos socialistas, aos sociais-democratas, aos democratas-cristãos.
Já aqui disse o Sr. Deputado Lucas Pires que os direitos do homem eram uma espécie de religião laica. Creio que ele aceitará, apesar da sua ideologia cristã, creio que todos aceitaremos, que a única coisa de sagrado que há sobre a Terra é o homem, e creio, por isso, que, apesar das divergências que aqui transpareceram, apesar de uma certa visão partidária, todos nos podemos unir, como portugueses e democratas, num aplauso geral à Declaração Universal dos Direitos do Homem.
É esta a proposta que queria, sob esta forma, fazer: pondo de lado todas as nossas divergências partidárias, levantemo-nos e aplaudamos em uníssono o aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Aplausos gerais, de pé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há que nos congratularmos pela forma como decorreu esta reunião, especialmente por vermos que, apesar da diversidade das concepções ideológicas dos partidos aqui representados, o ideal dos direitos do homem a todos nos congregou, circunstância que representa a superioridade da democracia, em nome da qual e dos seus princípios fomos eleitos.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - A fim de evitar mais uma reunião, os trabalhos vão prosseguir com a votação, a seguir ao intervalo, do orçamento desta Assembleia para 1979.
Está suspensa a sessão por quinze minutos.

Eram 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 163/I - criação da freguesia de Santa Joana, no concelho de Aveiro -, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Candal, que foi admitido e baixou à 11.ª Comissão;

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projecto de lei n.º 164/I - altera os artigos 1098.º e 1099.º do Código Civil -, subscrito pelos Srs. Deputados independentes Lopes Cardoso, Brás Pinto e Vital Rodrigues, que foi admitido e baixou à 2.ª Comissão. Para este projecto de lei foi pedido o processo de urgência.
Encontra-se na Mesa o orçamento da Assembleia da República para 1979. Tem os respectivos pareceres. Todos os partidos receberam fotocópias dos documentos que o constituem.
Está em discussão.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado, com a abstenção do Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria declarar que me abstive porque não conheço o orçamento. Nunca me foi mostrado, nem sei do que consta. Não posso votar uma coisa que não conheço.

O Sr. Presidente: - A ordem do dia para a sessão da próxima terça-feira, dia 19 de Dezembro, será a seguinte: na primeira parte, apreciação do pedido de inquérito requerido pelo Partido Socialista; apresentação conjunta, pelo Partido Comunista Português, dos projectos de lei n.ºs 144/I, 145/I, 146/I e 147/I; apresentação, pelo Partido Socialista, do projecto de lei n.º 157/I, e apreciação dos pedidos de urgência pendentes; na segunda parte, discussão conjunta dos seguintes diplomas: ratificação n.º 37/1 - Regime de recrutamento e funções dos juízes sociais; projecto de lei n.º 142/1 - Intervenção dos juizes sociais nos tribunais do trabalho; ratificação n.º 41/1 - Normas urgentes relativas à situação do pessoal da carreira inspectiva do Ministério da Educação e Cultura; ratificação n.º 42/I - Obrigações em moeda estrangeira; projecto de lei n.º 45/I - Ensino superior no Algarve; projecto de lei n.º 108/I - Bases gerais do ensino particular e cooperativo, e projecto de lei n.º 138/I - Eleva Torres Vedras a cidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão será no dia 19, às 15 horas. Está encerrada a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo Fernando de Carvalho.
Amadeu da Silva Cruz.
António Fernando Marques Ribeiro Reis.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Jaime José Matos da Gama.
Joaquim Manuel Barros de Sousa.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
José M. de Albuquerque de A. Leitão.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Branco Ferreira Lima.
Manuel Francisco Costa.
Manuel Lencastre M. de Sousa Figueiredo.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Sérgio Augusto Nunes Simões.

Partido Social-Democrata (PSD)

António Augusto Gonçalves.

António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
Arcanjo Nunes Luís.
Francisco da Costa Lopes Oliveira.
Francisco M. L. de Sá Carneiro.
João José dos Santos Rocha.
João Manuel Ferreira.
José Adriano Gago Vitorino.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel Cunha Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
Francisco António Lucas Pires.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Victor António Nunes de Sá Machado.

Partido Comunista Português (PCP)

Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Jaime dos Santos Serra.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.

Independentes

António Jorge de O. Aires Rodrigues.
Carmelinda Maria dos Santos Pereira.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques Antunes.
António Alberto Monteiro de Aguiar.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Dieter Dellinger.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.
Francisco Igrejas Caeiro.
João da Silva.
José Ferreira Dionísio.
José Luís do Amaral Nunes.
Maria Teresa Vieira Bastos R. Ambrósio.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.

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Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José dos Santos M. da Silva.
Francisco José da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
José Augusto de A. de Oliveira Baptista.
José Bento Gonçalves.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
José Rui Sousa Fernandes.
Maria Helena do Rego da Costa S. Roseta.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Rui Manuel Parente C. de Machete.

Partido Democrático Social (CDS)

Alcino Cardoso.
Eugénio Maria N. Anacoreta Correia.
Henrique José C. M. P. de Morais.
José Cunha Simões.
José Duarte de A. Ribeiro de Castro.

Partido Comunista Português (PCP)

António Marques Pedrosa.
Carlos H. S. Aboim Inglês.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

O CHEFE DOS SERVIÇOS DE REDACÇÃO, José Pinto.

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