O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 821

11 Série Numero 24

Sexta-feira, 19 Janeiro 1974

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1978-1979)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE JANEIRO DE 1979

PRESIDENTE: Exmo. Sr. Alfredo Pinto de Silva
Arcanjo Nunes Luís
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO: - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos e de respostas a requerimentos.
A Assembleia rejeitou o voto de saudação ao povo iraniano pelo afastamento do xá Reza Pahlevi apresentado peio Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP) na última sessão, com declarações de voto, além da do Deputado proponente, dos Srs. Deputados Veiga de Oliveira (PCP) e Magalhães Mota (PSD), que motivou protestos dos Srs. Deputados independentes Lopes Cardoso e Aires Rodrigues.
Foi apresentado pelo Sr. Deputado Aires Rodrigues (Indep) um voto de protesto contra a exoneração arbitrária de que foi alvo Igrejas Caeiro, director de programas da RDP, cuja votação, a requerimento do PSD, ficou adiada para a próxima reunião.
Sobre o mesmo assunto interveio o Sr. Deputado João Gomes (PS), que dirigiu várias perguntas ao Governo.
O Sr. Deputado Brás Pinto (Indep) apresentou um voto de protesto, subscrito também pelos Srs. Deputados independentes Lopes Cardoso e Vital Rodrigues, contra a prisão por forças da PSP do Porto de elementos da UEDS que afixavam cartazes relativos a um comício daquele movimento, transitando igualmente a sua votação para a próxima reunião.
A Mesa informou da apresentação pelo PS dos projectos de lei n.º 187/I - Elevação da vila da Ribeira Grande a cidade e 188/I - Elevação da Vila da Praia da Vitória a cidade.
Em declaração política, a Sr.º Deputada Alda Nogueira (PCP) criticou a actuação do Governo Mota Pinto apontando várias medidas e apelando para a defesa do Portugal de Abril.
Na passagem do 45.º aniversário do 18 de Janeiro de 1934, data dos acontecimentos da Marinha Grande, fizeram intervenções os Srs. Deputados Alda Nogueira (PCP) Edmundo Pedro (PS) e Acácio Barreiros (UDP), guardando a Assembleia, por sugestão da Deputada comunista, alguns momentos de silêncio.
Ordem do dia. - Foi autorizado a depor como testemunha em tribunal o Sr. Deputado Galvão de Melo (Indep.).
Foi concedida prioridade e urgência para a discussão do projecto de lei n.º 171/I - Alteração ao regime jurídico do direito de denúncia do arrendamento, do PS.
O Sr. Deputado Oliveira Dias apresentou, em nome do seu partido, o projecto de lei n.º 137/I -Serviço Nacional de Saúde. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos

Srs. Deputados António Arnaut (PS) que deu um esclarecimento ao Sr. Deputado Amaro da Costa (CDS)-, Antídio Costa (PSD), José Nisa (PS), Zita Seabra (PCP) e Fernando Loureiro (PS).
Procedeu-se à eleição dos representantes da Assembleia na Comissão Nacional das Eleições.
Foi dado conhecimento de um ofício da Comissão de Agricultura e Pescas pedindo cópia de um decreto-lei recentemente aprovado referente às comissões concelhias de arrendamento rural.
A Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio (PS) leu o relatório da Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre o projecto de lei n.º 108/I -Bases Gerais do Ensino Particular e Cooperativo, do PS, tendo o Sr. Deputado Vital Moreira (PCP) - que respondeu depois a um protesto do Sr. Deputado Salgado Zenha (PS) - requerido em nome do PCP a avocação da sua votação na especialidade no Plenário, o que não foi aceite. Registaram-se declarações de voto, além da do Deputado requerente - que motivou uma explicação do Sr. Deputado Salgado Zenha (PS)-, dos Srs. Deputados António Reis (PS) -que respondeu a um protesto do Sr. Deputado Vital Moreira (PCP) e a um esclarecimento da Sr.º Deputada Zita Seabra (PCP)-, Pedro Roseta (PSD) e Oliveira Dias (CDS).
Foi aprovado em votação final global o texto da Comissão relativo a este projecto de lei, emitindo declaração de voto os Srs. Deputados Zita Seabra (PCP). Acácio Barreiros (UDP), Gonçalves Sapinho (PSD), Teresa Ambrósio (PSD) -que motivou um protesto do Sr. Deputado Vital Moreira (PCP), a quem o Sr. Deputado António Reis (PS) deu uma explicação- e Nuno Abecasis (CDS).
Entretanto a Mesa deu conhecimento da apresentação e da baixa às respectivas comissões da ratificação n.º SÓ/I - Relativa ao Decreto-Lei n.º 479/78, de 30 de Dezembro, do PS; da ratificação n.º 51/I -Decreto-Lei n.º 342/78. de 16 de Novembro, do PCP; dos projectos de lei n.º 189/I - Elevação da vila de Mirandela a cidade, do PCP; 190/I - Criação das freguesias do Laranjeira, do Feijó e da Charneca (Almada), do PCP; 191/I- Criação do Instituto de Apoio ao Emigrante, do PS; 192/I - Regime jurídico do direito de autor, do PS; 193/I - Sobre a Resolução n.º 101 79 do Conselho de Ministros, de 15 de Janeiro, do Sr. Deputado independente Aires Rodrigues, e 194/I - Regime de criação e extinção de autarquias locais, sua delimitação e fixação da categoria das povoações, do PCP.

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e 35 minutos.

Página 822

822 I SÉRIE-NÚMERO 24

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada. Eram 15 horas e 15 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Sr. Deputados:

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho Martins do Vale.
Albano Pereira da Cunha Fina.
Alberto Augusto M. da Silva Andrade.
Alfredo Pinto da Silva.
Álvaro Monteiro.
Amadeu da Silva Cruz.
Amónio Alberto Monteiro de Aguiar.
António Barros dos Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António José Pinheiro da Silva.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando F. C. Pereira Bacelar.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Manuel da Costa Moreira.
Carlos Manuel Natividade da Costa Candal.
Delmiro Manuel de Sousa Carreira.
Dieter Dellinger.
Edmundo Pedro.
Eurico Manuel das Neves Henriques Mendes.
Fernando Jaime Pereira de Almeida.
Fernando Reis Luis.
Florêncio Joaquim Quintas Matias.
Florival da Silva Nobre.
Francisco António Marcos Barracosa.
Francisco Cardoso Pereira de Oliveira.
Francisco Igrejas Caeiro.
Jaime José Matos da Gama.
Jerónimo da Silva Pereira.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Cosia.
João Joaquim Gomes.
João da Silva.
Joaquim Manuel Barros de Sousa.
José dos Santos Francisco Vidal.
José Luís do Amaral Nunes.
José Maximiano de Albuquerque de Almeida Leitão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Ludovina das Dores Rosado.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Joaquim Paiva Pereira Finas.
Manuel Lencastre Menezes de Sousa Figueiredo.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo.
Rui Paulo do Vale Valadares.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amantino Marques Pereira de Lemos.
Amélia Cavaleiro Monteiro de Andrade de Azevedo.
Antídio das Neves Gosta.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Coutinho Monteiro de Freitas.
António Egídio Fernandes Loja.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Joaquim Veríssimo.
António José dos Santos Moreira da Silva.
Arcanjo Nunes Luís.
Armando António Correia.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Artur Videira Pinto da Cunha Leal.
Augusto Nunes de Sousa.
Carlos Alberto Coelho de Sousa.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eduardo José Vieira.
Fernando Adriano Pinto.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco Barbosa da Costa.
Francisco da Costa Lopes Oliveira.
João Manuel Ferreira.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mote.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Nunes Furtado Fernandes
José Augusto de Almeida de Oliveira Baptista.
José Gonçalves Sapinho.
José Joaquim Lima Monteiro de Andrade.
José Júlio Carvalho Ribeiro.
José Rui Sousa Fernandes.
José Theodoro de Jesus da Silva.
Luis Fernando Cardoso Nandim de Carvalho.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Cunha Rodrigues.
Manuel Sérgio Vila Lobos Menezes.
Manuel Valentim Pereira Vilar.
Maria Hélia Brito Câmara.
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Olívio da Silva França.
Rúben José de Almeida Martins Raposo.
Victor Hugo Mendes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS)

Álvaro Dias de Sousa Ribeiro.
Ângelo Alberto Ribas da Silva Vieira.
Carlos Martins Robalo.
Henrique José Cardoso Menezes Pereira de Morais.
João Carlos Filomeno Malho da Fonseca.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José Magalhães Ferreira Pulido de Almeida.
Joaquim A. da F. P. de Castelo Branco.
José Cunha Simões.
José Luís Rebocho de Albuquerque Christo.
José Manuel Cabral Fernandes.
José Manuel Macedo Pereira.
José Vicente de Jesus Carvalho Cardoso.
Luís Aníbal de Sá de Azevedo Coutinho.
Luís Esteves Ramires.

Página 823

19 DE JANEIRO DE 1979 823

Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Nuno Krus Abecasis.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.
Rui Fausto Fernandes Marrana.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Walter Francisco Burmester Cudell.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Joaquim Navalha Garcia.
António Marques Juzarte.
António Marques Pedrosa.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Eduardo Sá Matos.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernanda Peleja Patrício.
Francisco Miguel Duarte.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Hermenegilda Rosa Camolas Pacheco Pereira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim da Silva Rocha Felgueiras.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel da Costa Carreira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Duarte Gomes.
Manuel Mendes Nobre de Gusmão.
Manuel do Rosário Moita.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Nicolau de Ascensão Madeira Dias Ferreira.
Raul Luís Rodrigues.
Severiano Pedro Falcão.
Vital Martins Moreira.
Victor Henrique Louro de Sá.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

União Democrática Popular (UDP)

Acácio Manuel de Frias Barreiros.

Independentes

António Jorge de Oliveira Aires Rodrigues.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Galvão de Melo.
José Justiniano Tabuada Brás Pinto.
Reinaldo Jorge Vital Rodrigues.

O Sr. Presidente :- Responderam à chamada 163 Srs. Deputados. Temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foram apresentados na última sessão os seguintes requerimentos: ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado António Rebelo de Sousa; aos Ministérios da Educação e Investigação Científica e da Habitação e Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado Gonçalves Sapinho; aos Ministérios da Comunicação Social e dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho; ao Governo, através de vários Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado Sousa Franco; aos Ministérios da Educação e Investigação Científica, da Habitação e Obras Públicas e dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado Alfredo Pinto da Silva; ao Ministério da Agricultura e Pescas, formulado pelos Srs. Deputados Vítor Louro, Manuel Moita e Custódio Gingão; ao Ministério da Educação e Investigação Científica, formulado pelo Sr. Deputado José Ferreira Dionísio; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado João Lima.
Foram também apresentadas as seguintes respostas a requerimentos: do Ministério da Indústria e Tecnologia, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputadas Sousa Marques, Joaquim Felgueiras e Eduardo Sá Matos na sessão de 19 de Dezembro último; do Comissariado para os Desalojados, ao requerimento apresentado pelos Srs. Deputados Hermenegilda Pereira, António Marques Pedroso e Sousa Marques na sessão de 15 de Junho de 1978.
Srs. Deputados, informo que serão apresentados votos pelos Srs. Deputados independentes Aires Rodrigues, Brás Plinto, Vital Rodrigues e Lopes Cardoso e declarações políticas pelo PCP e pela UDP.
Vamos continuar a discussão do voto de saudação apresentado pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros na última sessão.
Algum Sr. Deputado deseja usar da palavra?

Pausa.

Como ninguém deseja intervir, passaremos à sua votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do CDS, votos a favor da UDP e de três Deputados independentes (Brás Pinto, Lopes Cardoso e Vital Rodrigues as abstenções do PS, PSD, PCP e do Deputado independente Galvão de Melo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para uma declaração de voto.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto de abstenção deve ser entendido como uma clara rejeição deste tipo de moções, isto é, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português considera inadequada a maneira e pouco conforme o conteúdo com as situações que se pretendem visar.
Nós sentimos um enorme júbilo pela vitória da democracia contra a opressão e, no caso concreto que é abordado, congratulamo-nos com os êxitos do povo iraniano na luta pelo derrubamento da ditadura de Reza. Pahlevi e pela instauração de um regime democrático.
Sucede, porém, que a moção em causa, só como pretexto, refere a luta do povo iraniano e visa, de facto, pelo viés fazer uma crítica, cuja justeza não discutimos, a possíveis actuações do Governo Mota Pinto em relação ao qual é conhecida a nossa clara posição.

Página 824

I SÉRIE - NUMERO 24

A proposta de votos de congratulação, protesto, saudação ou pesar, prevista no nosso Regimento, por ter vindo a ser abusada, perdeu quase toda a eficácia e a respeitabilidade - eficácia e respeitabilidade essas que importa restaurar e defender.
Nós, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, somos contrários a tais abusos, a tal banalização e aos desvios que têm vindo a ser praticados por alguns Srs. Deputados.
Quem quiser manifestar aqui a sua oposição à política de relações externas deste Governo ou de qualquer outro pode fazê-lo, deve fazê-lo, mas de frente e utilizando os meios regimentais adequados.
Quem aqui quiser invectivar o Governo sobre quaisquer questões, sejam das as ligações com a NATO, a existência de bases estrangeiras em território nacional ou a simples complacência com práticas de guerra-fria ou quente, pode fazê-lo, deve fazê-lo, mas de frente.
Quem aqui quiser provocar ou avivar contrastes entre esquerda e direita, entre progressistas e reaccionários, pode fazê-lo, deve fazê-lo, mas de frente.
O que para nos é intolerável é que a luta abnegada e cheia de sacrifícios de um ,povo -seja ele do Irão, do Chile ou do Zimbawe possa, a pretexto de solidariedade e júbilo, ser transformada num mero Cavalo de Tróia do Regimento e, por essa via, na degradação dos actos da Assembleia da República, órgão por excelência representativo do povo e da democracia em Portugal.
Tal prática é intolerável e esta Assembleia deve, em nosso entender, tomar com brevidade as medidas que se impõem para salvaguarda da sua acção dentro do espírito e da letra da Constituição da República.

Aplausos da PCP.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, também para uma declaração de voto.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata manifestou a sua abstenção em relação a este voto pelas razões que, sucintamente, passo a expor.
Estaríamos predispostos a saudar as manifestações e as novas possibilidades que se abrem ao povo iraniano, mas não podemos concordar com a forma como este voto foi redigido e também com a forma como nesta Assembleia se vêm apresentando os votos. Por essa mesma razão, e adianto desde já, o Partido Social-Democrata pedirá o adiamento da votação dos votos propostos na sessão de hoje.
Parece-nos, com efeito, que a emissão de votos não poderá ser utilizada para prejudicar o trabalho desta Assembleia, evitando que os trabalhos recaiam sobre as matérias previamente agendadas, pois a Assembleia não poderá ver a sua acção monopolizada pela acção de um ou outro Deputado não integrado sequer em grupos parlamentareis.

Vozes do PSD e do PS: -Muito bem!

O Orador: - Assim sendo, nós pediremos, consequentemente, o adiamento dos dois votos que foram propostos nesta sessão. Em relação ao voto de saudação apresentado pelo Sr. Deputado Acácio Barreiros, sugeriremos que matérias desta natureza sejam objecto, como contempla e propõe o Regimento, ou de intervenções no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... ou de perguntas ao Governo. Posso adiantar que, por proposta do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português aceite por unanimidade por todos os grupos parlamentares, se é esta a prática que se retomará muito brevemente nesta Assembleia.
É no campo das perguntas ao Governo e no campo das intervenções no período de antes da ordem do dia que a maior parte das matérias que são objecto de votos tem o seu assento próprio e regimental. Também por essa razão - que é, aliás, do próprio Regimento - nos abstivemos em relação a este voto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para fazer um protesto muito rápido. Não posso deixar passar em claro algumas das afirmações feitas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, atribuindo aos Deputados, e de uma forma suficientemente clara aos Deputados independentes - quando se referiu a Deputados que não estavam inscritos em nenhum grupo parlamentar - o propósito de, através da apresentação de votos, prejudicarem o normal funcionamento desta Assembleia.

Ë uma afirmação que repudiamos. A apresentação de votos faz-se no período de antes da ordem do dia, é perfeitamente regimental e é um direito que assiste a qualquer Deputado. E eu não me atreveria a dizer que intervenções por vezes, extremamente prolixas, arrastadas, inúteis e repetitivas por parte de alguns Deputados nesta Assembleia tenham como propósito protelar os trabalhos da Câmara. Talvez se perdesse muito menos tempo com os votos se muitos Deputados fossem menos prolixos nas suas intervenções.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não está nem pretendo pôr em causa as intenções, mas sim os factos objectivos.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra também para um protesto acerca das declarações feitas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além das considerações que o Sr. Deputado Magalhães Mota teceu acerca do atraso

Página 825

19 DE JANEIRO DE 1979

que provocariam os votos de protesto disse ainda este Sr. Deputado que os referidos votos não teriam cabimento como tal, referindo-se, nomeadamente, aos dois votes que irão ser hoje apresentados a esta Câmara.
No que respeita ao voto que apresentei, penso que esta Câmara, como sede da soberania nacional, deve pronunciar-se sobre todas as questões que entende como contrárias à democracia e à prática dessa mesma democracia. Pode e deve ser com o carácter de protesto -com um sentido profundamente diferente do debate, das perguntas ao Governo ou das declarações políticas- que esta Assembleia pode intervir contra os atentados à democracia, às liberdades democráticas, aquilo que o 25 de Abril restabeleceu depois de cinquenta anos de fascismo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros para uma declaração de voto.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Invocou-se aqui várias vezes a dignidade desta Assembleia e, com um espírito muito democrático, quer o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, quer o Sr. Deputado Magalhães Mota, recordaram que havia várias maneiras de interpelar e de actuar em relação ao Governo.
Esqueceram-se, com certeza, que, quer um partido, quer outro, retiraram à UDP a possibilidade de intervir em relação ao Governo pelo facto de não sermos grupo parlamentar - e não o somos por decisão de todos os partidos representados nesta Assembleia. Não temos, portanto, a capacidade de actuação que tem um grupo parlamentar e é bom que isso seja lembrado. O mesmo sucede também em relação aos Deputados independentes. É preocupante -e esse é um ponto a que sempre nos opusemos- a tentativa dos grupos parlamentares para esmagarem qualquer capacidade de intervenção e, ainda por cima, com uma falsa boa consciência virem dizer para arranjarmos outra forma de intervir quando eles próprios cortaram, quer aos Deputados independentes, quer à própria UDP, essas formas de intervenção.
Eu sei que a consciência burguesa de alguns Deputados ficaria bastante descansada se só apresentássemos aqui um voto de saudação às vitórias das forças da democracia no Irão, como se Portugal não tivesse antecedentes em relação à situação no Médio Oriente e como se Portugal, numa altura em que no Irão não está consolidado qualquer regime democrático, não pudesse vir a ser utilizado -como já foi em outras ocasiões, particularmente pelo imperialismo norte-americano- para se intervir naquele país. E o voto em causa pretendia, precisamente, defender a dignidade da própria votação e da própria solidariedade.
É que nos parece que estarmos aqui a aprovar votos de saudação à situação no Irão quando sabemos muito bem que o mais certo é que qualquer intervenção norte-americana nesse país venha a ter como consequência que sejam utilizadas bases militares americanas em Portugal é um erro. O que este voto propunha, para não se tornar num voto hipócrita, era uma saudação às vitórias das forças democráticas no Irão e, simultaneamente, a exemplo do que já fez o Governo Espanhol, uma recomendação ao Governo Português para que não permitisse que o território nacional ou qualquer base militar fosse utilizada para uma intervenção desse tipo. Porque, Sr. Presidente e Srs. Deputados, será perfeitamente ridículo que esta Assembleia aprove, hoje, um voto de saudação às vitórias das forças democráticas no Irão e, amanhã, os norte-americanos intervenham nesse país utilizando a Base das Lajes. Mas ainda se há-de ver, e provavelmente teremos de recordar isto nesta Câmara, o que valem os bons sentimentos de virem fazer saudações às forças democráticas iranianas, fechando pudicamente os olhos à existência de bases militares em Portugal e à possibilidade de se intervir militarmente no Irão utilizando o território português e tornando Portugal cúmplice de qualquer agressão no Médio Oriente - o que não seria a primeira vez... Era bom recordar isto a esta Câmara.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Magalhães Mota anunciou já o pedido de adiamento da votação para a próxima sessão também do voto de protesto apresentado pelo Sr. Deputado Aires Rodrigues, naturalmente que, de acordo com a praxe regimental, está concedido. Penso, no entanto que isto será feito sem prejuízo da sua apresentação e discussão, se os Srs. Deputados assim o entenderem.

O Sr. Magalhães Mota (PSD): -Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Aires Rodrigues, para fazer a apresentação de um voto de protesto.

O Sr. Aires Rodrigues (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assiste-se no País, de há uns tempos a esta parte, e em particular com a tomada de posse do actual Governo, a uma escalada contra as liberdades democráticas, nomeadamente, e com particular incidência, nos órgãos de informação.
No mesmo momento em que se procedia à discussão do Programa do Governo, o actual Governo fez uma investida contra a RTP e a RDP, com ameaças veladas a outros órgãos de informação.
No mesmo sentido, uma campanha, ,por parte de órgãos de informação afectos às forças políticas que apoiam e são a base do actuai Governo, pressiona, todos os dias, no sentido de se verificar uma substituição dos responsáveis dos principais órgãos de informação no País. Órgãos de informação que, de uma ou de outra maneira, permitem que se saiba o que se passa e que se tenha acesso a uma informação mais ou menos clara sobre os problemas do País.
Neste sentido, a RDP foi, e concentra hoje, o fulcro desses ataques por parte do actual Governo e, em particular, do Ministro da Comunicação Social. A exoneração arbitrária de que foi alvo o responsável dos programas da RDP, Deputado desta Assembleia - e que vinha desde há muito a ser contestado numa campanha pública através dos órgãos que acabei de referir e que apoiam directamente este Governo e os seus métodos - tem um carácter marcadamente político. Isto significa claramente aos olhos dos trabalhadores portugueses que, a partir de agora, com este Governo, nenhum socialista, pelo facto de o ser, poderá ter um lugar de responsabilidade neste país.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O caso de Igrejas Caeiro não é um caso isolado, mas significa clara-

Página 826

I SÉRIE - NÚMERO 24

mente a vontade de este Governo liquidar todas as posições da democracia em favor dos homens do antigo regime.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Muito bem!

O Orador: - É extremamente grave o que se passa na comunicação social.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A saída de Igrejas Caeiro da Radiodifusão Portuguesa foi imediatamente acompanhada da tentativa de aplicação de um estatuto para a RDP, que não é mais do que uma lei de excepção para a RDP, e que ameaça claramente a liberdade de informação neste orgão.

Por todas estas razões e porque hoje se assiste neste país a um ataque deliberado à democracia e aos democratas com o objectivo de restabelecer e pôr no seu lugar homens do antigo regime, entendemos apresentar um voto de protesto. Mas antes de passar a lê-lo queria apenas fazer um apelo aos Deputados do Partido Socialista...

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Você é o povo!

O Orador: - Gostaria de dizer ao Sr. Deputado Cunha Simões que não costumo interrompê-lo quando intervém nesta Assembleia.

Dizia eu que queria fazer um apelo aos Deputados do Partido Socialista para que não permitam que o actual Governo -que passou graças à abstenção do Partido Socialista- liquide todas as posições do 25 de Abril e abra as portas aos homens do antigo regime; que não permitam que se prepare desta maneira as condições para que este Governo -que integra Ministros de Salazar, que integra homens habituados a reprimir, habituados a cinquenta anos de fascismo - possa, nas piores condições e com os lugares-chaves na mão, atacar deliberadamente toda" as conquistas do 25 de Abril e do povo português.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passo a ler o voto de protesto, que é do seguinte teor:
Considerando que desde a sua tomada de posse, o actual Governo iniciou uma escalada contra os principais órgãos de informação, em particular a RDP e a RTP;
Considerando que essa escalada se vem intensificando, ameaçando e pondo em causa, por diversos meios, a liberdade de informação;
Considerando que a RDP concentra agora o fulcro dessa escalada, através da exoneração arbitrária de um seu responsável e da tentativa de aplicação de um estatuto para a RDP com carácter de lei de excepção:
A Assembleia da República protesta contra a decisão de exoneração arbitrária, de cariz marcadamente político, de que foi alvo Igrejas Caeiro, director de programas da RDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o voto de protesto que acaba de ser apresentado.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Gomes.

O Sr. João Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A realidade democrática em Portugal e o

que ela tem de significar em espírito, inspiração e prática quotidiana, a todos os níveis e estruturas da vida nacional, está longe de muitas mentalidades, preocupantemente distante do que devia ser a conduta de responsáveis. De todos aqueles cujas decisões implicam a existência e o futuro de outros homens, seja qual for a sua qualificação e, em particular, do; que foram chamados a exercer funções dirigentes em empresas do sector público.
O sucedido com o meu colega de bancada Francisco Igrejas Caeiro na Radiodifusão Portuguesa e a maneira arbitrária, prepotente e ilegal como foi exonerado do cargo de director de programas daquela estação é de forma a causar as mais sérias apreensões.
Com base num argumento fútil, ridículo mesmo, a Comissão Administrativa da RDP decidiu afastar Igrejas Caeiro do lugar por ele desempenhado há quase dois anos e meio.
Não é o afastamento ou a substituição de Francisco Igrejas Caeiro que estão em causa. Por nós, defendemos que os cargos não devem ser ocupados em função de títulos ou posições políticas, nem mesmo e só considerando o factor antiguidade. Advogamos que o lugar de director de programas da Radiodifusão Portuguesa é um posto suficientemente importante, com repercussão na vida de milhões de homens, para que a pessoa nele investido seja escolhida em funções de critérios de valor e competência profissional, inteireza de carácter, sentido de justiça, firmeza e dignidade.

O Sr. Manuel Alegre (PS):- Muito bem!

O Orador: - Se, passados vinte e oito meses sobre a data em que Igrejas Caeiro tomou posse do cargo, na altura -Outubro de 1976- com palavras de estímulo e incentivo aos trabalhadores da RDP a que dessem a sua "entusiástica adesão à missão altamente espinhosa" que no momento lhe era atribuída, a Comissão Administrativa, não obstante o facto de se encontrar em vésperas de ser remodelada ou substituída, devia ter tido a hombridade de enfrentar a sua mudança, caso houvesse concluído pela sua incapacidade ou menor aptidão para o exercício da difícil e ingrata tarefa. E, com a mesma hombridade que dela seria de esperar, teria a coragem de expor os fundamentos da sua decisão.

Não aconteceu assim, porém. Os responsáveis pelos destinos administrativos da RDP julgaram preferível, em vez disso, recorrer aos métodos do antigamente. E toda a imaginação que conseguiram reunir não deu para mais do que desempenhar o papel de velhas e fidalgas senhoras ofendidas. Só que, em contrapartida, não mostraram sequer a ponta das luvas de renda... Os seus pruridos foram atingidos por uma frase como esta: "Verifica-se também que se torna necessário a RDP dispor de uma administração activa, imaginativa e que possa pôr à disposição dos serviços os meios de que estes necessitam."
Imagine-se que consideraram estas palavras injuriosas!
Confesso que o sucedido com Francisco Igrejas Caeiro me atingiu especialmente na medida em que dois dos elementos que formam a Comissão Administrativa autora de semelhante atitude foram nomeados pelo II Governo Constitucional, de que me

Página 827

19 DE JANEIRO DE 1979 827

honro "fé ter feito parte. (E o outro membro integrava uma comissão administrativa constituída exclusivamente por militares. A referida Comissão arrostou com críticas e acusações, algumas gravíssimas, tendo encontrado sempre a reafirmação de confiança ou determinações no sentido de se proceder aos esclarecimentos que a severidade dos factos imputados reclamava.
A última e mais importante das graves acusações consta de uma série de artigos publicados num vespertino de Lisboa, em Maio do ano passado. Na sequência dos mesmos foi determinada uma sindicância, cujo prazo expirou dias após a exoneração do II Governo Constitucional. Nunca soube do resultado desse inquérito e, caso o mesmo não tenha sido levado a cabo, desconheço também o sucedido aos magistrados encarregados da sua realização e cuja actividade decorria no âmbito da antiga Secretaria de Estado da Comunicação Social.
Se aqui trago estes factos é apenas para acentuar a minha estupefacção pelo procedimento da Comissão Administrativa da RDP. Quero dizer: como é que ela, possuindo tão extensos telhados de vidro e tendo sempre contado da parte das instâncias superiores com a possibilidade de se exprimir e se defender, recorreu a processos tão lamentáveis como repugnantes relativamente a seus colaboradores?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A actuação da referida Comissão Administrativa da RDP justifica, pelo menos, uma série de perguntas essenciais: admitindo a presunção ridícula de haver considerado injuriosas e ofensivas as palavras de Igrejas Caeiro, por que não o ouviu, porque lhe não deu a oportunidade de as explicar, justificar e, se fosse caso disso, de apresentar desculpas?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por que ocorreu a exoneração na véspera da nomeação de nova comissão administrativa? Onde foram os dirigentes da RDP -todos ou alguns- buscar inspiração, directrizes e força para o seu acto? E com que fins? Em troca de que promessas ou garantias?
Por surpreendente e revoltante que seja, certo é que Igrejas Caeiro foi exonerado em circunstâncias semelhantes àquelas em que no passado lhe tiraram a possibilidade de exercer a actividade na então Emissora Nacional e seis anos depois o remeteram ao imobilismo e ao silêncio em qualquer polegada de vida ou de acção dependente da Inspecção dos Espectáculos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E isto é possível quatro anos e meio depois do 25 de Abril, certamente para desgosto e afronta daqueles que o fizeram, para cúmulo por uma entidade de que faziam parte dois militares, um dos quais desempenhando funções de presidente.
Permitam-me que lhes recorde, com efeito, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que em 1948, pretextando conveniência de serviço, Igrejas Caeiro foi, juntamente com outros colegas, entre os quais a minha camarada e Deputada Etelvina Lopes de Almeida, demitido da Emissora Nacional. E em 1954, por haver considerado Nehru o maior estadista da sua geração, foi-lhe interditada pura e simplesmente a actuação em teatros ou outros recintos dependentes da Inspecção dos Espectáculos, bem como retirada ou recusada toda e qualquer licença de que dependia a sua actividade artística. O vergonhoso despacho foi da autoria do Ministro da Presidência João Pinto da Costa Leite Lumbrales.
Que o suportem ou não os responsáveis, os tempos são outros e, mau grado as inflexões ocorridas, não vivemos no tempo da Censura. Não foi logrado - e esperamos que jamais tal se consiga - criar novo aparelho repressivo que impeça a reclamação, o protesto, a denúncia das injustiças.
Por nós, comportar-nos-emos com sentido de democracia e de responsabilidade e saberemos esperar com sangue-frio. Mas não desistiremos nem vacilaremos no pedido de que justiça seja feita.
O acto feio e triste da Comissão Administrativa da Radiodifusão Portuguesa tem de ser esclarecido e pode ser emendado. O Conselho de Informação para a RDP votou ontem a instauração de um inquérito e Igrejas Caeiro recorreu para o Ministro da Comunicação Social. Esperemos que este actue com urgência, repondo a legalidade, fazendo justiça, determinando no sentido de que se lhe preste a merecida e adequada reparação moral.
Mas admitindo -hipótese que honestamente não podemos afastar- que a sua exoneração teve intuitos políticos e visou um controle da informação na RDP, a domesticação desta na perspectiva de certos interesses e orientações, desde já declaramos que, caso Igrejas Caeiro não volte ao exercício das suas funções -circunstância que aceitamos por absurdo-, ficaremos particularmente atentos aos critérios usados na escolha do seu substituto. Talvez ela nos permita compreender as intenções e os objectivos que estiveram por detrás de tão indecorosa operação.
Entretanto, e relativamente ao voto de protesto do Sr. Deputado Aires Rodrigues, o Grupo Parlamentar do PS, como já teve ocasião de afirmar pela boca do seu presidente, pensa que votos de protesto ou de pesar só devem ser usados em circunstâncias excepcionais, de forma a não caírem na banalização.
O caso em apreço, e pelo que atrás tive ocasião de explanar, impõe, porém, uma tomada de posição. Na verdade, as razões aduzidas pela Comissão Administrativa para exonerar Igrejas Caeiro são, só por si, irrelevantes.
O Governo ao substituir a Comissão Administrativa da RDP demonstrou não só as razões de Igrejas Caeiro, mas também a injustiça da sua substituição. Ao Governo importa tirar as consequências e daí a interpelação que, ao abrigo das disposições regimentais, lhe Jazemos.
As perguntas que formulamos são as seguintes:
a) Considera o Governo que o mero exercício do direito de crítica à Comissão Administrativa de uma empresa nacionalizada, no âmbito das suas próprias estruturas, constitui fundamento da exoneração do seu cargo do funcionário autor da crítica?

Página 828

I SÉRIE - NÚMERO 24

b) Considera o Governo ser solidário com a Comissão Administrativa que demitiu Igrejas Caeiro e que o próprio Governo a seguir substituiu?

c) Em caso negativo, por que razão não ordena a readmissão de Igrejas Caeiro?

d) Considera o Governo que a exoneração de Igrejas Caeiro teria sido fundamentada em motivações político-ideológicas?

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Visto não haver mais inscrições, a votação deste voto de protesto terá lugar na próxima sessão, conforme foi requerido.

Srs. Deputados, vai ser lido pelo Sr. Secretário o voto de protesto apresentado pelos Srs. Deputados Brás Pinto, Lopes Cardoso e Vital Rodrigues.

O Sr. Secretário (Alfredo Pinto da Silva):

Voto de protesto

No passado dia 16 um grupo de militantes da União de Esquerda para a Democracia Socialista foi detido por uma brigada da PSP, à paisana, quando afixava cartazes que anunciavam n comício daquele movimento político que, devidamente autorizado, se irá realizar no próximo dia 19, na cidade do Porto.
Este atentado contra a liberdade de expressão vem na sequência de outros que sistematicamente têm sido praticados pela PSP, ao serviço da edilidade -portuense, que, ressuscitando uma postura de antes de 25 de Abril, tem atacado, quase selectivamente, todas as organizações de esquerda que se atrevem a anunciar as suas sessões públicas.
No caso vertente, a PSP chegou ao cúmulo de violar o direito de defesa, impedindo a presença de um advogado dos detidos que compareceu na altura na esquadra.
Não é, aliás, estranho que numa fase em que o Governo se empenha em ataques a direitos fundamentais dos trabalhadores, expressos na Constituição, haja forças que, a coberto de uma postura ilegal, queiram violar expressamente o artigo 37.º da Constituição. Tudo isso se integra numa acção organizada contra a liberdade de expressão e a intervenção dos trabalhadores na vida económica e política deste país.
Considerando que nos actos praticados mais uma vez pela PSP ao serviço da edilidade portuense, prendendo militantes da UEDS que anunciavam um comício, se viola expressamente o artigo 37.º da Constituição;
Considerando que, segundo o n.º l do mesmo artigo, "todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou qualquer outro meio, sem impedimentos nem discriminações";
Considerando que, segundo o n.º 2 desse mesmo artigo, este "direito" não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura;
Considerando que, segundo o n.º 3 ainda referente ao mesmo artigo, "as infracções cometidas no exercício destes direitos ficarão submetidas ao regime de punição da lei geral" e não de qualquer postura de uma qualquer câmara municipal;
Considerando que, ao impedir-se a presença do advogado junto dos detidos na PSP, se violou o direito de defesa garantido na Constituição:
A Assembleia da República protesta pelo desrespeito à liberdade de expressão, informação da defesa que as atitudes da PSP, ao serviço da Câmara Municipal do Porto, demonstraram quando detiveram militantes da UEDS, impedindo o seu advogado de os acompanhar quando no exercício de direitos reconhecidos e garantidos pela Constituição.
Assembleia da República, 18 de Janeiro de 1979. - Os Deputados Independentes: José Justiniano Taborda Brás Pinto - Reinaldo Jorge Vital Rodrigues-António Poppe Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Brás Pinto, para fazer a apresentação deste voto de protesto.

O Sr. Brás Pinto (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos assistido nos últimos tempos a um ataque ardilosamente organizado contra a Constituição e a democracia.
Começou-se por um ataque sistemático contra os partidos, nomeadamente contra aqueles que têm representação nesta Casa e, melhor ou pior, têm intervenção directa na vida política deste país.
Depois chegaram os arautos de uma intervenção mais forte de um Órgão de Soberania unipessoal na vida política portuguesa.
Entretanto, em manifestações arruaceiras e em pasquins experimentava-se a promoção de figuras pilares do anterior sistema repressivo e defendia-se, quase abertamente, a ideologia do anterior regime, que, julgo todos nesta Casa se lembram e concordam, primou pela falta de democracia, centralização do poder numa única pessoa e privação da liberdade de expressão como meio de impedir a contestação crescente.
Leituras distorcidas, por alguns órgãos de Soberania, com finalidade de roubar o conteúdo ideológico à Constituição Portuguesa, animaram a burguesia deste país, em convalescença dos rudes golpes recebidos, a reorganizar-se.
Para finalizar, forças políticas, que em tempos defenderam a Constituição, " "operadores económicos", saídos da sua secular inoperância, aliam-se e em coro entoam cânticos de finados à Constituição, começando já a pensar transformar as próximas eleições em cortejo fúnebre, não sei se do socialismo, se da Constituição, se da própria democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto estes actos se vão passando nos palcos políticos da capital, os pequenos políticos iniciaram pequenas acções de ataque em consonância com aqueles outros.
Neste quadro se alinham as estranhas atitudes da PSP e da Câmara Municipal do Porto, que no passado dia 16 mandou prender militantes da UEDS, impedindo seguidamente a presença do seu advogado.
Aqueles militantes, entre os quais se encontrava um conselheiro nacional do movimento, estavam come-

Página 829

19 DE JANEIRO DE 1979

tendo o crime de anunciar através da afixação de cartazes a realização de um comício, devidamente autorizado pelas autoridades, no dia 19 do corrente, no Pavilhão do Académico.
Temos hoje conhecimento de que, na sequência destes acontecimentos, a eficiente Câmara portuense provocou engarrafamentos no trânsito da cidade quando, com as suas gruas, retirava faixas que os militantes detidos tinham colocado.
Que se esconde atrás de uma caduca e inconstitucional postura camarária que, a pretexto de uma limpeza das paredes portuenses, tenta impedir a divulgação das realizações das forças de esquerda?
Não será estranho que a polícia se tenha rapidamente apercebido que pacíficos cidadãos, membros de um movimento político de esquerda, afixavam cartazes, quando não conseguiu detectar nem evitar que arruaceiros nazis, munidos de armas, atacassem sedes de partidos que por acaso (será por acaso?) também eram de esquerda?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixemo-nos de falsas ingenuidades. A democracia está a ser diariamente atacada. A democracia foi anteontem e ontem atacada quando militantes de um movimento político foram impedidos de divulgar livremente o seu pensamento.
Não pode haver democracia sem liberdade de expressão. Não pode haver liberdade de expressão sem liberdade de reunião. Não pode haver liberdade de reunião sem se permitir a divulgação das reuniões. Não há divulgação das reuniões se, fechadas as portas da informação através da rádio, TV e jornais, se proíbe agora a afixação de cartazes.
Com falsos preconceitos de limpeza, ordem, economia e .respeito cívico, chegou-se, antes do 25 de Abril, à ditadura salarazista que proibia todas as reuniões políticas e até algumas religiosas, chegando-se mesmo a impedir que nalguns casos se pudessem reunir mais de duas pessoas em plena via pública.
Nesta Casa estão representadas diversas correntes políticas que até têm a liberdade de atacar a lei fundamental deste país. No entanto, não podem, com perigo da própria autodestruição, fechar os olhos aos atropelos à liberdade de expressão, que, inclusivamente, lhes permitiu a sua entrada aqui.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto de protesto apresentado tem por fim, mais do que repudiar uma atitude, evitar que se torne habitual a limitação aos direitos de expressão, primeiro passo para a morte da democracia.
Recusar este voto será colaborar com o funeral da Constituição e, em última análise, fazer mais uma cedência perante forças que, servindo-se da democracia, mais não fazem do que atacá-la, tentando ressuscitar o despotismo e a ditadura.
Aplausos do PCP e dos Deputados independentes Vital Rodrigues, Lopes Cardoso e Aires Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais oradores inscritos para a discussão do voto de protesto em causa e conforme foi requerido, a sua votação ficará igualmente para a próxima sessão.

Deram entrada na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 187/1, de iniciativa do Sr. Deputado Jaime Gama e outros, sobre a elevação da vila da Ribeira Grande a cidade; n.º 188/1, apresentado pelo Sr. Deputado Francisco Cardoso Pereira de Oliveira e outros, sobre a elevação da Vila da Praia da Vitória a cidade.
Para uma declaração política, em nome do PCP, tem a palavra a Sr.ª Deputada Alda Nogueira.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois meses de actuação do Governo Mota Pinto não atenuaram uma só das nossas apreensões e preocupações quanto à sua prática política, antes aumentaram e agravaram tais preocupações.
O Governo com a sua actuação está a criar uma situação que de facto desrespeita o quadro constitucional do regime democrático português, conforme conclui o Comité Central do Partido Comunista Português na sua reunião de 15 deste mês.
Com efeito, trata-se de uma prática política que para atingir os seus objectivos de apressar a recuperação capitalista e com ela a restauração do poder económico e político dos monopólios vem intensificando a ofensiva ilegal e arbitrária contra os trabalhadores e as classes laboriosas, contra as transformações democráticas alcançadas após o 25 de Abril e consagradas na Constituição.
O agravamento de forma insuportável do nível de vida das classes trabalhadoras, da situação dos jovens, das mulheres, das dificuldades das classes médias são algumas consequências da, política governativa, ao mesmo tempo que se regista o aumento dos lucros do grande patronato.
Trata-se de uma política que não resolve um só dos gravíssimos problemas nacionais, mas antes os agrava, e que mostra cada vez mais ser uma política ao serviço das classes exploradoras, do grande patronato, com o apoio cada vez mais evidente dos grandes monopólios internacionais e do imperialismo.
Intensificando a violenta, ilegal e arbitrária ofensiva contra as UCPs e Cooperativas, estrangulando-as económica e financeiramente, ao mesmo tempo que dá facilidades, apoios e indemnizações aos grandes agrários, continuando a atribuir reservas de forma ilegal e, nalguns casos, até fraudulenta, o Governo Mota Pinto procura manifestamente destruir a Reforma Agrária e restaurar os latifúndios e o regime de exploração latifundiária.
O Governo intensifica também o ataque às nacionalizações por processos cada vez mais diversificados ao mesmo tempo que, sem consultar os trabalhadores, restitui empresas intervencionadas ao patronato sabotador ou as vende ao desbarato a grupos financeiros internacionais.
A integração de Portugal no Mercado Comum revela afinal ser uma grande operação política, conforme de há muito o PCP afirmou, pois na base de tal integração nessa mini-Europa dos monopólios aí estão agora na ordem do dia as "alterações" que se dizem ser necessárias nas estruturas sócio-económicas portuguesas, o que significa nada mais nada menos do que a restauração do capitalismo monopolista de Estado em Portugal.
E não se vai até ao ponto de afirmar (como se fez na recente conferência CAP/CIP/CCP com a presença de membros do Governo) a necessidade de revisão da Constituição para entrar no Mercado Comum?
Como justamente concluiu o Comité Central do PCP, o Governo está abrindo caminho à reconsti-

Página 830

I SÉRIE - NUMERO 24

tuição dos latifúndios e monopólios (o que a Constituição proíbe expressamente).

E ante a natural resposta dos trabalhadores, do movimento operário e popular a toda esta sua política, o Governo, para a impor, vem recorrendo a toda uma série de medidas administrativas e repressivas.
Donde a violação dos direitos e liberdades dos trabalhadores, com a limitação destes, como sucedeu, por exemplo, na recusa do direito de actividade legítima das comissões de trabalhadores da função pública.
Donde a ofensiva com violação do pluralismo, das liberdades de expressão e de informação contra os meios de comunicação social, de que a direita pretende apoderar-se .para cobrir com a desinformação e propaganda reaccionária a sua ofensiva, visando a destruição do regime democrático. Tudo isto feito a coberto de uma cortina de fumo de um anticomunismo primário e descabelado, com ataques e calúnias ao POP, dando neste caso o próprio Ministro um triste exemplo de violação dos preceitos legais e constitucionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qual a resposta a esta situação cheia de perigos e ameaças para o regime democrático?
O PCP não só afirma que há forças democráticas e patrióticas, populares bastantes, que o povo português tem força bastante para cortar o passo às forças reaccionárias e aos seus sinistros planos.
O POP não só chama a atenção para a necessidade e urgência de sustar estas ofensivas em curso contra o regime democrático.
O PCP não só afirma que a força real da reacção é muito menor do que ela pretende fazer crer.
O PCP reafirma que o PCP actuou e actuará vigorosamente no quadro das instituições democráticas.
O PCP apresenta um conjunto de pontos -objectivos essenciais na defesa da democracia e da independência nacional- que corresponde aos interesses do povo e da Nação e que pode constituir ponto de partida para uma plataforma, que pode conglomerar todas as forças sociais e políticas interessadas em impedir o regresso a uma ditadura e na consolidação e prosseguimento do Portugal de Abril.

Esses pontos são:
Respeito pela Constituição, pelas instituições e pela legalidade democrática, começando essa obrigação pelos próprios Órgãos de Soberania, designadamente pelo Governo. Garantia efectiva do exercício das liberdades e dos direitos dos cidadãos em todo o território nacional. Termo de perseguições, discriminações profissionais e depurações por motivo de diferença de opinião. Combate ao terrorismo.
Defesa da unidade nacional e da integridade territorial. Combate ao separatismo declarado ou encapotado. Garantia da autonomia regional reconhecida na Constituição.
Defesa e melhoria do nível de vida dos trabalhadores e das classes e camadas médias contendo os preços, actualizando salários, subsídios, abonos, pensões e reformas. Proibição dos despedimentos sem justa causa, apoio financeiro e técnico aos pequenos e médios agricultores e rendeiros. Aplicação imediata das
leis dos baldios e de extinção da colónia na Madeira. Políticas de saúde, habitação, ensino e cultura ao serviço dos interesses do povo e do País. Solução dos problemas mais instantes dos jovens, mulheres e intelectuais.
Respeito pelas grandes transformações democráticas e progressistas realizadas após o 25 de Abril e consagradas na Constituição. Irreversibilidade efectiva das nacionalizações e da Reforma Agrária.
Termo, interdição e anulação das decisões e actuações inconstitucionais, ilegais, arbitrárias e violentas do Governo. Exercício do controle de gestão. Garantia da posse da terra às UCPs e cooperativas e entrega aos trabalhadores e pequenos e médios agricultores dos 700 000 ha de terras expropriáveis ainda nas mãos dos agrários. Revisão imediata da "Lei Barreto". Revogação da lei da cortiça e da Portaria n.º 3/79 que a agrava. Concessão de crédito agrícola de emergência e apoio técnico.
Política económica e financeira para a recuperação económica e o desenvolvimento democrático da economia nacional para o bem do povo português e garantia da independência nacional. Aumento da produção através da mobilização dos recursos e energia internas. Política de crédito, de investimentos e de preços visando a expansão e a riqueza do País. diminuição da taxa de juro. Suspensão das escandalosas indemnizações a capitalistas e agrários. Apoio às diversas formações económicas (sector nacionalizado, UCPs e cooperativas, sector privado, empresas em autogestão, pequena produção mercantil), com respeito pela dinâmica própria de cada um destes sectores.

Política externa de independência nacional e brio patriótico, não admitindo pressões e ingerências externas, recusando o enfeudamento a qualquer país ou bloco político e militar, diversificando as relações externas sem prejuízo do desenvolvimento das relações tradicionais, firmando acordos com o Mercado Comum adequados à nossa situação económica, . social e política, limitando a participação da NATO a aspectos estritamente militares e aproveitando as grandes potencialidades de cooperação com países socialistas, os novos Estados africanos e países do Terceiro Mundo.
Realização de eleições (para as autarquias e assembleias das regiões autónomas, Assembleia da República e Presidência da República) segundo os princípios democráticos consagrados na Constituição. Liberdades asseguradas. Igualdade dos partidos na utilização dos meios de comunicação social. Respeito absoluto pelo princípio da proporcionalidade.
Rigorosa observância dos termos limites e processos indicados na própria Constituição para a revisão constitucional. Observância obrigatória dos limites do artigo 290.º da Constituição.
Estes são, em resumo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os pontos apresentados pelo Comité Central do PCP, susceptíveis de unir em várias acções gran-

Página 831

19 DE JANEIRO DE 1979 831

dês massas patrióticas e democráticas do nosso povo na luta pela defesa, consolidação e prosseguimento do Portugal de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que esta Assembleia da República pode e deve ela mesmo contrariar uma acção contrária aos interesses do povo e do País. Pode e deve impedir o prosseguimento da actuação do Governo de Mota Pinto nos termos em que se vem processando. Para isso é essencial o entendimento entre os comunistas, socialistas e todos os restantes democratas para travar uma política que representa sérios perigos para a democracia portuguesa.

A Sr.ª Hermenegilda Pereira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, a própria existência do Governo Mota Pinto tem que suscitar sérias interrogações, pois trata-se de um Governo que não dispõe de uma maioria parlamentar e nele não participam Ministros autorizados pelos respectivos partidos, não correspondendo, portanto, à segunda alternativa apresentada pelo Presidente da República. Desta forma, não se concretizando a curto prazo acordo interpartidário maioritário, deverá ter lugar a terceira alternativa, ou seja a dissolução da Assembleia da República e a realização de eleições gerais intercalares nos prazos constitucionais - solução esta que o Comité Central do PCP continua a entender que na situação existente seria a mais adequada para a crise do Governo que subsiste.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: nas vésperas do 5.º aniversário do 25 de Abril, o PCP saúda os trabalhadores da cidade, do campo e do mar, os pequenos e médios agricultores e rendeiros, os jovens, as mulheres, os intelectuais, os pequenos e médios industriais e comerciantes pelas suas lutas corajosas e persistentes.
No 5.º ano do Portugal libertado do fascismo, ante os perigos que se avolumam para a democracia, o Comité Central do PCP faz um apelo a todos os democratas e patriotas, a todos os que estão dispostos a lutar para que Portugal não volte ao passado de terror da ditadura fascista, para que se aproximem, para que debatam os problemas, para que se entendam, para que decidam em comum, junto com os comunistas, os objectivos e formas de luta e intervenção em defesa do Portugal de Abril.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permitir, gostaria ainda de fazer uma pequena intervenção.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: comemora-se hoje o 45.º aniversário do 18 de Janeiro de 1934, data &m que teve lugar o levantamento armado dos trabalhadores da Marinha Grande contra o fascismo. A sua derrota e a violenta repressão fascista que se lhe seguiu e que se deveram em larga medida às influências anarquizantes e esquerdistas no movimento operário de então que o orientaram para uma greve insurreccional, sem estarem criadas para ela as condições necessárias, nada disto impede que o 18 de Janeiro permaneça na memória de todos os antifascistas como um grande marco na luta contra o fascismo.
É esta data que nós desejaríamos relembrar aqui, convidando todos os Deputados desta Assembleia a prestarem uma sentida e justa homenagem em memória dos que, com a sua generosa participação no dia 18 de Janeiro de 1934, embora vítimas da repressão que se lhe seguiu, abriram novos caminhos à luta do povo português pela liberdade, contra o fascismo.
Neste sentido, propomos uns momentos de recolhimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Presidente da Mesa subscreve a proposta da Sr.ª Deputada Alda Nogueira para um momento de recolhimento e pede a VV. Ex.ªs que assim se faça.
O Plenário aguardou alguns momento de silêncio.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Edmundo Pedro.

O Sr. Edmundo Pedro (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faz hoje precisamente quarenta e cinco anos que, obedecendo às directivas dos sindicatos livres que estavam a ser encerrados pela polícia política às ordens do Governo de Salazar, bem como das organizações políticas ligadas à classe trabalhadora, ou seja, do Partido Comunista Português, das organizações anarquistas, da Intersindical e da CGT, os trabalhadores fizeram paralizações de protesto e os militantes do movimento operário -anarquistas, comunistas, socialistas e mesmo os chamados republicanos, ou seja, os democratas liberais- desenvolveram várias acções tendentes a tornar efectiva a palavra de ordem de greve geral, que pretendia assumir, caso as condições fossem favoráveis, ou seja, se a adesão fosse generalizada, o carácter revolucionário, susceptível, porventura, de conduzir ao derrubamento do regime.
De facto, dada a debilidade das organizações, dada a circunstância de se estar num ambiente de refluxo do movimento operário, a verdade é que, a despeito do sentimento geral de repulsa por mais aquela medida tendente a calcar os direitos dos trabalhadores e a sujeitá-los, sem qualquer defesa, aos desígnios de acumulação desenfreada dos grandes grupos económicos que estavam por detrás do poder político, a verdade é que, como dizia, esse protesto acabou por se limitar a acções localizadas, algumas das quais com expressão armada, como na Marinha Grande e em Lisboa, na zona de Xabregas, bem como a várias sabotagens a vias férreas e a centrais eléctricas, que não chegaram, em todo o caso, para paralisar o País.
O regime não recuou perante este protesto. Pelo contrário, abateu-se sobre a classe trabalhadora, em especial sobre os seus militantes mais destacados, a maior vaga de repressão desde que o regime fora implantado. Muitos foram presos. Muitos outros fugiram, alguns para o estrangeiro. As prisões encheram-se. Eu próprio fui metido no dia seguinte, com cerca de quarenta presos, num calabouço do Governo Civil, cuja lotação normal não ultrapassava as cinco pessoas. Dormíamos

Página 832

832 I SÉRIE-NÚMERO

de pé, encostados uns aos outros, e os parasitas eram aos montes. Os espancamentos recrudesceram de intensidade e um dos presos, pelo menos, foi assassinado ou suicidou-se, evidenciando em todo o caso o seu corpo sinais das mais terríveis sevícias, designadamente as unhas arrancadas. Segundo a versão da PVDE teria sido encontrado morto no segredo do Aljube.
Em seguida, um ano e tal depois, foi inaugurado o Campo de Concentração do Tarrafal e para lá foram remetidos todos os activistas do 18 de Janeiro que estavam presos, como os dirigentes anarquistas Mário Castelhano e Arnaldo Simões Januário, ambos ali mortos prematuramente, bem como Bento Gonçalves, Ernesto José Ribeiro e outros que, como estes ali caíram para sempre.
Ao assinalar a passagem do quadragésimo quinto ano sobre aquela data, cheia de significado para o sindicalismo português, e ao evocar o tributo de sangue e sacrifícios sem nome por que passaram, ao curvar-nos, comovidos, perante a memória daqueles que deram o máximo que tinham - as suas vidas - pela dignificação dos trabalhadores, pelos seus mais elementares direitos, ,designadamente o de serem ouvidos nas decisões que lhes dizem directamente respeito e ao protestar, simultaneamente, contra os crimes contra a Humanidade cometidos pelo regime anterior, contra cuja recidiva devemos todos estar em guarda, não posso deixar de salientar que os nobres objectivos por que lutaram os trabalhadores em 18 de Janeiro de 1934 estão ainda hoje muito longe, a despeito do 25 de Abril, de concretização.
Com efeito, os que lutaram e morreram em consequência do 18 de Janeiro de 1934 pela liberdade sindical, pela autonomia sindical, pelo direito de os trabalhadores se organizarem como entendessem nessa área, comunistas, anarquistas, socialistas e democratas liberais, na base das suas organizações, na altura constituídas essencialmente pelos sindicatos afectos à OGT e à Intersindical, sentir-se-iam hoje traídos no seu sacrifício, sentiriam que a sua total generosidade tinha sido em vão se pudessem reviver e constatar que o seu sonho de liberdade sindical, de respeito pelas várias correntes existentes no seu seio - e que os tinham levado a unirem-se numa larga frente de combate, superando as divergências de orientação, em defesa do direito de continuarem a existir livremente, cada um à sua maneira -, sentir-se-iam traídos ao tomarem conhecimento do que se passou após o 25 de Abril.
Na verdade, foi o sonho de democracia sindical que alimentou o seu combate, que só podia assumir a forma, depois da destruição do aparelho corporativo, ou da constituição de uma central sindical única, se fosse esse o desejo dos trabalhadores, funcionando democraticamente, no respeito pelas diferentes correntes de opinião existentes no seu seio e pela consagração do direito inalienável de se assumirem livre e organizadamente no mesmo quadro geral - ou de organizações independentes, como existiam antes do 18 de Janeiro, no âmbito do OGT e da Intersindical, se entendessem ser esse o melhor caminho para fraternal e solidariamente se juntarem em tudo o que fosse de essencial, como acontecera a 18 de Janeiro de 1934.
Esse é o verdadeiro espírito do 18 de Janeiro.
Em vez disso, porém, o que é que se passou na área sindical após o derrube do fascismo? Em que medida se respeitou o espírito do 18 de Janeiro? Em que medida se proeurou cumprir a sua mensagem de unidade na diversidade, de unidade no respeito pelas convicções de cada um, até que ponto, em resumo, se caminhou para a democracia sindical, uma das componentes essenciais para a democratização geral do País, aspecto essencial para se poder liquidar, de vez, os restos da mentalidade corporativa e, portanto, fascista?
O que se passou, infelizmente, foi a negação do espírito que animara os trabalhadores revolucionários em 18 de Janeiro de 1934. Em vez da liberdade e da democracia, da pluralidade ideológica, do respeito pelas várias tendências, assistimos em 1975, à promulgação de uma lei, cuja semelhança com o Decreto-Lei n.º 23 050, publicado por Salazar em 1933, que provocou o 18 de Janeiro, é flagrante.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Do mesmo modo que então, proíbe-se a constituição de sindicatos fora da estrutura da central "oficial", que passaria a ser então ainda Intersindical, apoiada, do mesmo modo que os sindicatos corporativos, pelo poder constituído.
Por isso, ao relembrar a data que hoje justificadamente assinalamos, ao prestar justa homenagem a quantos, comunistas, anarquistas, socialistas e sem partido, se prontificaram a morrer pela verdadeira liberdade sindical, não posso eu próprio, como homem do 18 de Janeiro, deixar de protestar contra os objectivos hegemónicos e partidários que alguns prosseguem em completa contradição, em frontal oposição ao espírito do 18 de Janeiro e no desrespeito pelo sacrifício dos que caíram por um objectivo bem diferente.
De qualquer modo, como democrata, não desejo terminar sem chamar a atenção para a circunstância de se encontrar nesta sala um outro homem do 18 de Janeiro, Francisco Miguel, meu companheiro de deportação e meu companheiro nalgumas acções que precederam aquele acontecimento, concretamente nalguns comícios-relâmpago onde ambos estivemos presentes.
As divergências que nos separam não invalidam que tenhamos estado juntos no mesmo combate ao sindicalismo fascista e a circunstância, não menos relevante, de termos partilhado as dificuldades e perigos do campo de concentração do Tarrafal, o que, para além dessas divergências, não pode deixar de manter vivo o elo dos "concentracionários", o elo dos perigos mortais suportados em comum, elo cujo valor só eles conhecem.
Por outro lado, Francisco Miguel foi um amigo de meu pai, também ele um combatente e fundamental activista do 18 de Janeiro, que devotou toda a sua vida à1 causa dos trabalhadores, à causa dos explorados e oprimidos, o mártir n.º 1 do Tarrafal, o combatente infatigável que morreu pouco antes do 25 de Abril, sem ter a felicidade de assistir ao derrube do fascismo, e perante cuja honrada memória me curvo neste momento, comovidamente.
É esse espírito do 18 de Janeiro que é mister ressuscitar, o espírito da unidade na diversidade, o espírito do respeito mútuo, o espírito de fraternidade entre os trabalhadores, a nova mentalidade sindical que deve emergir das ruínas do sindicalismo fascista

Página 833

19 DE JANEIRO DE 1879 833

contra o qual lutámos em 18 de Janeiro de 1934, enterrando para sempre o sectarismo, a instrumentalização partidária, os processos antidemocráticos, todos os defeitos, enfim, herdados de uma época que desejamos ultrapassar definitivamente.
Honremos, assim, os heróicos combatentes do 18 de Janeiro, a memória do seu sacrifício, que não pertence a qualquer partido ou organização sindical em particular, mas a todos os trabalhadores.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma declaração política o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A União Democrática Popular quer usar hoje, dia 18 de Janeiro, do seu direito de fazer uma declaração política nesta Assembleia para, também em curtas palavras, pois não são necessárias mais, prestar a sua homenagem aos heróis da Marinha Grande, aos heróis do 18 de Janeiro de 1934.
Homenagem que é, evidentemente, dirigida aos comunistas, aos socialistas, aos anarquistas, aos republicanos, a todos os democratas, mas muito em particular, muito especialmente, à heróica classe operária da Marinha Grande, que deu um exemplo elevado de coragem e determinação com o seu levantamento armado que foi esmagado com a mais dura repressão. Mas o que a ditadura jamais conseguiu esmagar foi o próprio exemplo e coragem de um dos pontos mais altos da resistência antifascista.
Numa altura em que se fala tanto da promoção dos valores nacionais é preciso reafirmar que para a classe operária portuguesa e para os democratas um dos seus valores maiores é esse acto heróico do 18 de Janeiro de 1934; num momento em que a situação é extremamente difícil para os trabalhadores é bom ter presente, sobretudo na juventude trabalhadora, os altos exemplos da classe operária da Marinha Grande, e em particular o 18 de Janeiro - porque todos sabemos que ali reside um dos principais bastiões da democracia e do socialismo, uma das principais forças do progresso da liberdade em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quarenta e cinco anos, no dia 18 de; Janeiro, os operários vidreiros da Marinha Grande levantaram-se em luta contra o fascismo. Há muito que os operários viam sucederem-se os ataques ao seu sindicato, criado em 1931 - desde o encerramento, por diversas vezes decretado pelas autoridades fascistas, até à prisão pela GNR e PSP dos elementos da sua direcção. Estas acções do Governo fascista inseriam-se numa grande ofensiva contra os sindicatos operários, pela criação de "sindicatos" fascistas, destinados a controlar os trabalhadores, impedindo-os de lutar pelos seus direitos.
Dando um exemplo histórico de firmeza e de unidade, a classe operária da Marinha Grande não hesitou em levantar-se em uníssono com os trabalhadores do País inteiro na defesa das liberdades. Pondo-se à cabeça de todo o movimento, os trabalhadores da Marinha Grande neutralizaram as forças repressivas, tomando o posto local da GNR, reabrindo o seu sindicato e estabelecendo o contrôle da vila.
A insurreição da Marinha Grande foi esmagada pela acção brutal das forças repressivas, e o fascismo não caiu. No entanto, esta data histórica manteve-se
sempre, ao longo de quarenta anos da ditadura fascista, no coração dos trabalhadores portugueses, como um exemplo inesquecível de unidade e firmeza. Esse exemplo guiou as grandes movimentações de massas contra a ditadura - como as grandes greves de fome de 1942 a 1945 e a grande movimentação popular quando da campanha do general Humberto Delgado.
Hoje assistimos de novo a uma ofensiva das forças da direita contra as conquistas dos trabalhadores, contra as suas organizações de classe, contra as liberdades democráticas; por todo o País o povo vê o seu nível de vida piorar de dia para dia; no Alentejo os trabalhadores, com a aplicação da reaccionária "Lei Barreto", já vão voltando a conhecer o desemprego e a miséria; sucedem-se os ataques ao movimento sindical, com as manobras divisionistas da criação da UGT, e às comissões de trabalhadores - e as forças repressivas actuam impunemente com redobrada ferocidade.
Mas hoje, como há quarenta anos, o povo português não hesita em erguer-se na defesa dos seus direitos e das liberdades ameaçadas e inspirados nesse exemplo histórico a jornada de luta de apoio à Reforma Agrária que se prepara para o dia 24 é mais uma prova elevada da sua determinação na luta.
Saudamos, pois, o 18 de Janeiro e o heróico povo da Marinha Grande, sabendo que nesta saudação está presente todo o povo português, em luta hoje também pela defesa das conquistas de Abril.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.
Está na Mesa um pedido de autorização, do 9.º Juízo Correccional de Lisboa, para que o Sr. Deputado Galvão de Melo deponha como testemunha naquele tribunal, no próximo dia 28 de Março, pelas 9 horas e 15 minutos.
O referido Sr. Deputado já tomou conhecimento.
A Assembleia tem alguma coisa a opor?

Pausa.

Está concedida autorização.

Vamos apreciar o pedido de prioridade e urgência solicitado pelo PS para a discussão do projecto de lei n.º 171/I - Alteração ao regime jurídico do direito de denúncia do arrendamento.
Está em discussão.

Pausa.

Como ninguém quer intervir, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias para, em nome do CDS, fazer a apresentação do projecto de lei n.º 173/I - Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Oliveira Duas (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quiseram os meus colegas do Grupo Parlamentar do CDS confiar-me o honroso encargo

Página 834

834 I SÉRIE-NÚMERO 24

de apresentar em plenário o projecto de lei n.º 173/I, sobre o Serviço Nacional de Saúde.
A importância de tudo quanto está em causa -a garantia do acesso aos cuidados de saúde necessários a todos os portugueses, nos termos do artigo 64.º da Constituição - faz com que, no meio de desencontradas vozes que em redor desta matéria se têm ouvido no País, quando me é dado abordar o problema nesta Assembleia, sinta um misto de satisfação, certa perplexidade e apreensões que julgo fundamentadas e, evidentemente também, a esperança de que, através de tudo, possamos fazer qualquer coisa de útil.
Alguma coisa de útil, que, para o ser, terá de tornar possível uma alteração qualitativa muito importante - e em vastas zonas do País também quantitativa - no sistema de cuidados de saúde hoje acessível em Portugal, aos Portugueses.
Neste sector e no nosso país, com efeito e desde há muito, a situação contrasta de maneira chocante com a garantia do direito à saúde que já a Declaração Universal dos Direitos do Homem consagrava e que a Constituição da República acolheu; contrasta com os recursos que o progresso da ciência e das técnicas oferecem e que podem e devem contribuir para padrões cada vez mais elevados dos serviços que, em ordem a essa garantia, devem funcionar; contrasta mesmo com os volumes dos encargos pagos pelos Portugueses em ordem a tornar possível a organização e funcionamento desses serviços e que têm sido utilizados de tal maneira que Portugal continua com índices sanitários dos mais baixos da Europa que publica estatísticas e com os indicadores a revelarem que a situação tende a degradar-se ainda mais.
E não há palavras ditas ou escritas que possam aliviar o sofrimento e a morte injustos que, pelo País adiante, continuam a traduzir, no .perfil implacável de cada caso, os frutos da actuação do poder político no sector da saúde. São precisos factos, quer dizer, esta Assembleia tem de produzir leis e influenciar a actuação do Executivo em ordem a uma eficiência de que a população possa sentir consequências positivas a curto prazo e todos os intervenientes se integrem num sistema dinâmico e progressivo para o médio prazo.
Desde a sua declaração de princípios ao seu programa, passando pela participação dos seus Deputados no debate e nas deliberações da Assembleia Constituinte, a atitude do CDS tem sido sempre muito claramente ordenada à prossecução desses objectivos. No mesmo sentido se insere o nosso projecto sobre o Serviço Nacional de Saúde e é nesse sentido e quanto a esses objectivos que desejaria fossem entendidas as minhas afirmações.
O problema do desenvolvimento legal e da criação de dispositivos adequados ao cumprimento objectivo e substancial do artigo 64.º da Constituição deve, obrigatoriamente, partir das realidades que o sector da saúde -nos seus aspectos organizacionais, técnicos e administrativos- apresenta hoje, em Portugal, perante a população portuguesa, tal como ela é, no ambiente em que vivemos e nas condições políticas, sociais e económicas que caracterizam o regime e a conjuntura. Acredito na capacidade de decisão da Assembleia da República e nas virtualidades do seu poder de fiscalização sobre o Executivo. Daí a satisfação com que abordo o tema nesta Casa, na medida em que desde há muitos anos me encontro sensibilizado para ele e tenho testemunhado e sentido a escassez de meios e a desorganização de recursos acessíveis aos Portugueses para a promoção da sua saúde o diagnóstico e tratamento da doença e a reabilitação e reintegração social dos doentes.
Os Portugueses têm directo ao possível - e o possível é muito diferente daquilo que hoje está ao seu alcance e que, muitas vezes, abunda sobretudo em tempos de espera e em papéis.
Tem direito aos meios que a técnica e a ciência têm desenvolvido e que podem servir a melhoria da sua saúde.
Muitas vezes e para além do mérito dos esforços, por vezes imensos, para superar algumas dificuldades, têm-se-lhes oferecido relatórios e estatísticas, queixumes ou afirmações sem consequências práticas. Mas não é assim que os seus problemas se resolvem.

O Sr. Azevedo Coutinho (CDS): - Muito bem!

O Orador: - A verdade, porém, é que assim temos vivido -os que sobrevivemos- antes do 25 de Abril e depois do 25 de Abril.
E a verdade é que os problemas se arrastam, se agravam, mas têm solução, através de medidas concretas, ordenadas, pragmáticas e competentes.
No entanto, apesar da preocupação manifestada pelo problema por quase todos os partidos, apesar das referências que lhe têm feito todos os governos, diria que o balanço dos resultados se mostra, nos últimos anos, ligeiramente positivo aqui e além, negativo em muitos serviços, mais ou menos na mesma em outros.
E é este estado de coisas que, em vez de nos acabrunhar, temos de considerar estimulante, é este estado de coisas que urge superar e vencer.
Mas será desta vez?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Além da satisfação que tenho por me ser dada oportunidade de dizer alguma coisa sobre este problema, revelava, a princípio, certa perplexidade e alguma preocupação com que encaro esta discussão. Não desejaria que as minhas palavras fossem entendidas com significado diferente daquilo que pretendem exprimir. A minha perplexidade vem da verificação de que parece ter-se estabelecido entre alguns de nós -pelo menos é o que parece depreender-se dos órgãos de informação - e também entre algumas forças sociais e profissionais, uma espécie de competição verbal sobre esta matéria. Não será assim que conseguiremos fazer o que nos exige o interesse nacional.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É o próprio respeito que devemos todos ao órgão de soberania em que temos lugar e ao povo que para aqui nos elegeu que me levam a pedir a vossa atenção para o perigo de nos deixarmos arrastar, a este respeito, por essa competição falsificada nos dados e por objectivos imediatistas. Todos pretenderemos soluções novas e que abram as melhores perspectivas para o problema que

Página 835

19 DE JANEIRO DE 1979 835

nos ocupa. Para isso, necessitamos de informação, de serenidade e de rigor nas decisões e, para já, nas discussões.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Permitam-me os Srs. Deputados do Partido Socialista que cite um passo do preâmbulo do vosso projecto de lei n.º 157/I, sobre as bases do Serviço Nacional de Saúde. Lê-se, na sua p. 2, o seguinte: "O presente projecto" -o 157/I, bem entendido - "é, com ligeiras alterações e adaptações, o que foi elaborado pelo Ministério dos Assuntos Sociais no II Governo de Mário Soares e então submetido a discussão pública. Esse debate, que interessou largas camadas da população, autarquias, partidos políticos, organizações de trabalhadores e da juventude, permitiu a recolha de sugestões e propostas, que muito contribuíram para o enriquecimento do texto inicial, confirmando que se trata de um projecto verdadeiramente nacional que urge levar à prática para que a saúde deixe de ser um privilégio de alguns, mas um direito inalienável de todos. Uma velha esperança dos Portugueses, para quem a doença representa o espectro do infortúnio, toma finalmente corpo e começa, com a participação interessada de todos, a transformar-se em realidade."
Porque entendemos que a saúde precisa e merece, como se diz, "um projecto verdadeiramente nacional", e perante as contradições, bem expressas neste mesmo passo, do referido texto e dos seus propagandistas, julgamos convenientes alguns comentários. É que temos as maiores dúvidas de que, apesar de todo o esforço despendido a falar do texto inicial, nomeadamente pelo então Ministro dos Assuntos Sociais, afinal tenha acabado por ser mesmo lido o texto, em vez de ouvidos os depoimentos inflamados acerca de alguns dos seus aspectos ou das suas intenções.
Os autores afirmam que, com a participação de várias entidades que "muito contribuíram para o enriquecimento do texto inicial", as alterações e adaptações que acabou por acolher esse texto inicial foram "ligeiras".
Seria bom que a Assembleia tivesse acesso a essa documentação, através da comissão especializada competente, para rever até que ponto e com que significado isso se confirma.
Por mim, devo dizer que concordo inteiramente com muitas das disposições previstas no projecto do PS, nas quais se encontra a marca indiscutível da competência e do conhecimento profundo dos problemas.
Mas pergunta-se se, pelo facto de o Ministério ter divulgado o texto e de muito se ter falado nele em comícios e em jornais, será que todas as pessoas e as organizações interessadas foram efectivamente ouvidas?
Será que todas as vozes foram consideradas ou ter-se-á confundido o apoio popular com palmas e telegramas que se sintonizavam com o entusiasmo dos propagandistas. Diz-se, por exemplo, que foram consultados partidos políticos; mas o CDS, que nessa altura tinha um acordo com incidência governamental com o PS, mostrou-se interessado, reclamou ser ouvido e não foi. O único recurso que teve para mostrar que a proposta do Governo não era a sua foi publicar um texto alternativo - que também, com ligeiras modificações, é o que foi submetido a esta Assembleia e transformado no projecto de lei n.º 173/I.
Mas não foi só o CDS, nem foram só partidos políticos que mostraram a sua discordância com o texto difundido pelo Ministério dos Assuntos Sociais. Quem não reparou que pelo menos uma organização profissional - a Ordem dos Médicos - exprimiu e fundamentou reservas ao texto socialista, que, porventura, terão dado lugar a alguma das "ligeiras" alterações que o mesmo acolheu? Não me consta que, perante o texto apresentado à Assembleia, com razão ou sem ela, esteja satisfeita.
E como se atrevem então os subscritores a afirmar que agora o seu é um texto verdadeiramente nacional, quando falaram mas não ouviram, nem sequer terão consultado organizações profissionais e outras associações directamente interessadas?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Basta reparar que no Conselho Nacional de Saúde do projecto do PS, além de um representante da Ordem dos Médicos há apenas mais dois representantes de profissionais de saúde. Se se pensar quantas categorias e ramos diferentes de profissionais há no sector -enfermeiros, farmacêuticos, engenheiros, administradores de saúde e administradores hospitalares, técnicos das várias especialidades, químicos, electrotécnicos, etc. -, fácil será concluir que nem todos lá terão lugar, embora tenham problemas e posições específicas e diferenciadas. Terão sido, de facto, ouvidos todos?
Mas há outras entidades que deveriam ter sido ouvidas e não se sabe como teriam podido aceitar esse documento. Terão sido consultadas, por exemplo, as Misericórdias, que durante cinco séculos tiveram importância indiscutível! nos cuidados da saúde em Portugal e que tantas virtualidades oferecem ainda, embora tenham visto nacionalizados os seus hospitais, por despacho ministerial de há quatro anos, sem qualquer satisfação ou contrapartida?
Terão sido consultadas as associações ou instituições privadas que se ocupam com actividades indissociáveis da saúde, a que prestam relevantes serviços e em zonas bem definidas, às quais não se sabe se e quando o Estado poderá ocupar-se?
Penso, por exemplo, nas associações de deficientes ou nas de alguma maneira voltadas para as suas necessidades.
E as empresas que trabalham para o sector -e de quem o Estado é devedor crónico e recidivante - terão sido ouvidas? E estarão satisfeitas?
Não. Certamente o projecto do PS não ouviu tantos como, pelos vistos, se convenceu que tinha ouvido, depois de tanto se falar nele. Como pode então afirmar-se que seja um projecto nacional?
Nestas circunstâncias, que parecem evidentes, como pode ter-se afirmado aqui nesta Câmara que o Partido Socialista não está disposto a alterar nem uma vírgula daquilo que não é o texto da Constituição, mas o seu projecto de desenvolvimento do mesmo, relativamente às disposições da mesma.

Página 836

836 I SÉRIE-NÚMERO 24

Aí está o projecto do CDS para lhe demonstrar, e à Assembleia e ao País, que o projecto do PS não é o único, nem indiscutível nem intocável. Aliás, outros se conhecem e porventura outros ainda aparecerão.
O projecto do CDS - desejamos afirmá-lo com toda a sinceridade - é um projecto definido, mas sem pretensões de perfeição nem de intangibilidade, e que, pelo contrário, está aberto a todas as alterações compatíveis com os seus princípios e com as disposições constitucionais.
Mas nós não vamos bater-nos por vírgulas, nem consideramos que se esgote na versão actuai do nosso próprio texto aquilo que há de importante para definir nesta matéria. Porém, queremos declarar que ouvimos muitas vezes que nos mostraram a sua concordância com os princípios que apresentamos. O texto, aliás, vai ser publicado e veremos - entendemos que a Assembleia, pela sua comissão especializada, deve ouvir o que as organizações e as pessoas tenham a dizer a seu respeito -, deixando, evidentemente, a última palavra aos partidos aqui representados.
Com a convicção de que a saúde não pode ser bandeira de nenhum partido político, todos temos de demonstrar que é mesmo pela saúde nacional que nos batemos, e não por quaisquer proveitos eleitorais que alguém possa tirar do facto de muito falar dela.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E mais: temos de demonstrar que pretendemos introduzir reformas no sector da saúde que se produzam nas condições e nos moldes adequados à sua implementação e desenvolvimento progressivos. Não pretendemos nós, ninguém deve pretender, que com um pseudotriunfo se consiga que mudem uns rótulos e uns carimbos e que tudo continue na mesma. Pior, que se desprestigie o próprio conceito do Serviço Nacional de Saúde.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Por nós, continuamos a trabalhar no nosso projecto, aliás modesto e aberto.
Manifestamente o que foi apresentado pelo Partido Socialista reflecte o facto de ter sido elaborado no Ministério dos Assuntos Sociais, ao tempo em que do mesmo era titular um Ministro que é socialista activo e hoje voltou a estar entre nós nesta Assembleia.
Daí lhe resultaram vantagens - informações e colaborações que não estavam ao alcance de toda a gente -, mas resultou também um defeito maior, para o qual desejaria chamar a atenção da Câmara. Cerca de dois terços do projecto do PS correspondem à descrição de um organograma que propõe para serviços do Ministério. Ora o Governo tem competência para organizar e estruturar os seus serviços, e é pelo menos discutível o critério segundo o qual a Assembleia publicaria a organização dos serviços dos Ministérios, como neste caso se projecta.

O Orador: - Aliás, outros exprimiram já a sua opinião, que nos parece vir neste sentido, facto com que não podemos deixar de nos congratular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Disse, ao começar esta intervenção, que, apesar da perplexidade e das apreensões com que encaro a maneira como se tem procedido em matéria de tamanha importância e delicadeza, de tanta urgência e exigência, tenho esperança de que se possam reunir condições que, de facto, abram perspectivas novas à saúde pública em Portugal.
Creio que sobre alguns pontos fundamentais não teremos dificuldade em chegar a acordo: o primeiro é a decisão política de criar o Serviço Nacional de Saúde; o segundo é a caracterização do sistema nacional de saúde como um sistema misto, como decorre da Constituição e da lei e é imposto pelas próprias condições político-económicas em que Portugal vive. Não se tratando de sector vedado à iniciativa privada - apesar da disposição para-revolucionária, descentivadora e desnecessária do artigo 53.º, n.º 2, do projecto do PS-, é evidente que este sector não lhe está vedado, e não se entende por que não haveria a mesma de desenvolver actividades no seu âmbito, desde que ofereça as garantias indispensáveis de ordem ética e de natureza técnica.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, num país em que cerca de 30% da economia, incluindo as companhias de seguros, está nacionalizada, é evidente que não poderá imaginar-se um sistema de medicina puramente liberal, se é que ele existe em qualquer parte. Resta saber em que momentos e em que fases da luta contra a doença pode e quer a iniciativa privada competir com os serviços públicos.

O Sr. Cabral Fernandes (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Algumas zonas não lhe serão decerto acessíveis, e esse é um argumento pragmático também em favor do modelo misto.
Ora, tratando-se de um sistema misto, evidentemente que nele terá de haver - apesar das dificuldades inerentes ao ritmo da inflação no País- dispositivos adequados ao estabelecimento de convenções entre o Estado e os serviços públicos, por um lado, e os estabelecimentos e actividades privadas, por outro. Tal como há o cuidado indispensável de ouvir os trabalhadores nas outras convenções, acordos ou contratos de trabalho, não se pretenderá discriminar aqui. Ter-se-ão que prever os dispositivos adequados e não se pretenderá, neste sector, definir ou aprovar tabelas de preços por simples despacho ministerial.
Parece-me que também haverá acordo quanto às características de universalidade e integração funcional do Serviço Nacional de Saúde. Haverá que discutir o seu funcionamento, permitindo-me, desde já, esclarecer que consideramos muito importante a informação completa desta Assembleia sobre a situação financeira da saúde e da segurança social no País, a análise dos custos e benefícios, designadamente no sector da saúde, e as possibilidades do Orçamento Geral do Estado a este respeito.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Muito bem!

Página 837

19 DE JANEIRO DE 1979 837

O Orador: - Parece-me ainda que, quanto aos capítulos ou planos de intervenção no sector da saúde, desde a educação à promoção, aos cuidados primários e, diferenciados, à reabilitação e reintegração social, não haverá dificuldade de maior em que o acordo de alcance e as prioridades se definam, deixando ao Governo o encargo de concretizar as medidas adequadas em prazos a fixar.
Finalmente, não creio que seja impossível definirmos, de acordo, nesta matéria, os direitos dos cidadãos e os deveres do Estado, os direitos e obrigações do pessoal dos serviços de saúde, tudo em ordem a um sistema em que cada doente tenha acesso aos cuidados de que necessita, em que cada português seja uma pessoa tratada como carece, gosta e merece ser tratada, no respeito pela sua personalidade e na resolução da situação em que se encontra.
Parece-me, pessoalmente, que isso será bastante para que se abram perspectivas diferentes relativamente àquelas em que, infelizmente, temos vivido e para que o Executivo actue nas zonas por que é responsável. É que, ao contrário do que pensa o Partido Socialista - mistérios do socialismo português e ignorância das realidades que a epidemiologia ensina! -, a saúde em Portugal 'não é privilégio de ninguém. É uma carência de todos.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois

dê uma discussão periférica agitada e estéril, penso que podemos chegar ao âmago da questão e trazer à Assembleia os elementos necessários para raciocinar e decidir responsavelmente sobre um problema em que as faltas não perdoam - nem às pessoas, nem às instituições, nem, noutro plano, a qualquer de nós ou à própria Assembleia.
Os meus votos são de que vamos, pois, ao trabalho por condições legais que ocasionem a diferença qualitativa na saúde dos Portugueses a que eles têm direito e que, até hoje, lhes tem sido negada - e que todos nós desejaremos ver alcançada. Se o projecto do CDS e a actividade do meu grupo parlamentar forem de alguma utilidade nesse sentido, tanto nos basta - terão assim cumprido o seu papel, apenas o seu dever.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut para pedir esclarecimento.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-se que faça duas breves considerações, no sentido de expor algumas dúvidas que resultaram da intervenção do Sr. Deputado Oliveira Dias.
Começo por dizer que apreciei o esforço que produziu na sua intervenção em defesa do vosso projecto de lei, sobretudo quando ele não tem defesa possível.

Risos do CDS.

V. Ex.ª usou, como é habitual e é seu estilo, uma linguagem comedida e. conciliadora que muito apreciei. O apelo que V. Ex.ª fez encontrou em mim alguma receptividade. De facto, como já aqui dissemos, o Partido Socialista não abdica de uma vírgula no que diz respeito ao essencial, mas quanto ao secundário podemos conversar.
É que, Srs. Deputados, o projecto de lei apresentado pelo CDS sobre o Serviço Nacional de Saúde melhor seria considerado como "um antiprojecto de Serviço Nacional de Saúde. Não leve a mal, Sr. Deputado, esta expressão, pois é a forma que tenho de dizer o que penso. É que não é um projecto de Serviço Nacional de Saúde, é sim o projecto de um Sistema de Saúde, o que é corripletamente diferente.
Como os Srs. Deputados sabem, um Serviço Nacional de Saúde pressupõe a unificação e a integração no mesmo organismo do Estado de todos os serviços prestadores de cuidados de saúde. Isto não significa a proibição da medicina privada, pois ela actua à margem e fora das unidades pertencentes a um serviço nacional e de forma complementar; um sistema de saúde pressupõe a existência de serviços públicos e de serviços privados no próprio organismo ou organização, com os quais o Estado faz um contrato de prestação de cuidados de saúde.
Ora o que a Constituição preconiza aos representantes do povo e ao Governo é a criação de um Serviço Nacional de Saúde com as características que constam do artigo 64.º da Constituição, e não a criação de um sistema de saúde. Aliás, Srs. Deputados, e esta é uma das dúvidas que gostaria que o Sr. Deputado Oliveira Dias esclarecesse, o projecto de lei apresentado pelo CDS é, ipsis verbis, o que foi apresentado pelo mesmo partido durante a vigência do II Governo Constitucional, mas com uma diferença: é que no projecto de lei então apresentado chamavam-se as coisas pelo seu verdadeiro nome, e lá vinha ((Sistema Nacional de Saúde"; neste projecto de lei tirou-se a palavra "sistema" e pôs-se a palavra "serviço".
Por exemplo, na base m do projecto de lei que apresentaram durante o II Governo Constitucional, e que tenho aqui - tive, aliás, o gosto de o receber das mãos do Sr. Deputado Amaro da Costa- diz-se assim: "É criado o Sistema Nacional de Saúde, adiante designado por SNS [vejam a confusão equívoca da sigla], com vista à orientação e articulação das acções a desenvolver pelos sectores público e privado, na prossecução dos objectivos referidos nas bases anteriores." Agora, neste texto que apresentaram à Assembleia da República, o antiprojecto de Serviço Nacional de Saúde ou projecto de Sistema Nacional de Saúde, já se diz na base m: "É criado o Serviço Nacional de Saúde, adiante designado por SNS, com vista à orientação e articulação das acções a desenvolver pelos sectores público e privado, ,na prossecução dos objectivos referidos nas bases anteriores."
Mas, Srs. Deputados, isto parece gato escondido com o rabo à mostra, porque em duas disposições, pelo menos, esqueceram-se de tirar a palavra "sistema". São exemplo disso o disposto na base LXV, onde se diz: "Enquanto não for possível a gratuitidade integral do Sistema Nacional de Saúde ...", e ainda pelo menos na base LII, onde também se fala no Sistema Nacional de Saúde.
Na verdade, Srs. Deputados, para o CDS trata-se de um sistema e não de um serviço, pior do que isso é o facto de ser algo -como expressamente vem declarado no preâmbulo- que se destina a "estimular a iniciativa privada, levando-a a competir validamente com as instituições do sector público", e que prevê até, Srs. Deputados, a concessão de

Página 838

838 I SÉRIE-NÚMERO 24

subsídios às entidades privadas, para certamente melhor poderem concorrer com o sector público.

Risos do PS.

Isto está expresso na base XLIII: "As entidades prestadoras de cuidados de saúde do sector privado integradas no SNS podem solicitar ao Instituto de Gestão Financeira, referido na base LVI, à concessão de subsídios que assegurem o seu funcionamento em ordem a cumprir o contrato estabelecido." Assim, para além das convenções, isto é, da subsistência da medicina privada, agora paga pelo Estado, ainda se prevê a concessão de subsídios à iniciativa privada.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sim, senhor!

O Sr. Amaro da Costa (CDS): -Com certeza!

O Orador: - E prevêem-se ainda coisas espantosas, como preçários diferentes, conforme a categoria dos doentes e dos hospitais, sendo estes considerados empresas públicas geridas por conselhos de administração que teriam várias tabelas de preços e categorias, como os hotéis de duas, três ou quatro estrelas, etc. Mas esta não é altura própria para me ater a esses pormenores.
Srs. Deputados, é evidente que assim sendo é muito difícil que o Partido Socialista possa conciliar o inconciliável. De resto, não e por acaso que este projecto é aqui apresentado no dia seguinte ao da entrega do projecto da Ordem dos Médicos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é assim!

O Orador: - Embora esta organização não tenha iniciativa legislativa, pode, é certo, apresentar aqui documentos, como outras organizações, o que até é bom que se faça, mas não é por acaso que isso acontece.

Protestos do CDS.

Srs. Deputados, o problema é muito simples e é preciso dizer claramente que se os senhores pensam que vão esvaziar a Constituição do seu conteúdo progressista e expurgar dela aquilo que constitui uma conquista irreversível do povo português, não o vão conseguir!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se pensam que vão esvaziar o projecto do Serviço Nacional de Saúde naquilo que ele tem de essencial e fundamental, de harmonia com a Constituição, pois digo-lhes que não vão conseguir nada disso!

Aplausos do PS, do PCP e da UDP.

Protestos do CDS.

Relativamente à discussão do projecto de lei do Partido Socialista e às observações de que não foi suficientemente debatido e de que não teriam sido ouvidas cerras entidades, como as Misericórdias, tenho a dizer-lhes o seguinte: as Misericórdias são instituições que muito prezo e até sou provedor de uma modesta Misericórdia, coisa que peço desculpa de referir aqui, e um dos meus últimos actos no II Governo foi, justamente, publicar um despacho no sentido de indemnizar as Misericórdias de algumas espoliações que Inês foram feitas ...

O Sr Amaro da Costa (CDS): - Foram subsídios, não, Sr. Deputado?!

O Orador: - Subsídios, Sr. Deputado?... Concedi muitos subsídios, mas por acaso não os concedi à Misericórdia de que sou provedor ...

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Não é sua!

O Orador: - .. porque nunca faria isso. Risos do CDS.
No entanto, concedi muitos a outras Misericórdias.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Ó Sr. Deputado, isso era pô-la de lado, e isso é feio!...

O Orador: - Pois, Srs. Deputados, a discussão é muito séria ...

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Não parece!...

O Orador: -... embora se permita um pouco de bom humor, que também faz parte da discussão dos problemas sérios.
Quanto à observação de que o projecto de lei do PS não foi suficientemente debatido, não é correcta, pois isso aconteceu e publicamente, durante dois meses, e não se tornava necessário consultar esta ou aquela instituição em particular, nem mesmo a Ordem dos Médicos. É preciso que fique bem claro que o problema do Serviço Nacional de Saúde não diz respeito só à Ordem dos Médicas, é, antes, um problema que respeita ao povo português.

Vozes do PS e do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Feita esta explanação, e não me vou alongar muito mais, porque outros camaradas meus também farão perguntas, acrescentarei que a minha passagem pelo Ministério dos Assuntos Sociais naqueles curtos seis meses, a vivência do submundo dos subterrâneos, dos hospitais, das caixas e das mitras - que são a negra herança da negra noite fascista...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... provocou em mim um traumatismo dificilmente superável.

Risos do CDS.

Uma voz do CDS: - Um traumatizado não pode fazer nada.

O Orador: - Fiquei, assim, muito sensibilizado para esses problemas, e quando tiver oportunidade direi aqui certas coisas de que tenho conhecimento. Como exemplo, lembro apenas que quando um Secretário de Estado da Saúde pretendeu criar laboratórios radiológicos do Estado, a fim de responder às necessidades

Página 839

19 DE JANEIRO DE 1979 839

e às carências da população e evitar o esbanjamento de milhares de contos, e deu ordens para se comprar a aparelhagem necessária, verificou que a casa que as devia vender se recusou a fazê-lo. Isto porque, entretanto, alguém >lá tinha ido e lhes perguntou quanto e que ganhavam na venda ao Estado daquela aparelhagem. E perante a resposta de que ganhavam 4000 contos, foi-lhes oferecida a quantia de 5000 contos para não fazerem tal venda.
Há casos extremamente graves, como este, que a seu tempo terão de ser revelados. Pela minha parte, Srs. Deputados, nunca serei conivente nem encobridor de traficâncias!

Aplausos do PS, do PCP, da UDP e do Deputado independente Aires Rodrigues.

Sou um homem descomprometido, apenas comprometido comigo mesmo.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado. Tenho muito gosto em ouvi-lo.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Suponho que a Câmara estará interessada em saber o que é que o Sr. Deputado fez nesse caso, como Ministro.

Vozes tio CDS: - Muito bem!

O Orador: - Essa informação chegou-me depois de já ter sido Ministro ...

Vozes do CDS: -Ah!...

O Orador: -... e foi-me dada directamente pelo Secretário de Estado que viveu esse problema.
Srs. Deputados, não me perguntem o que fiz. Perguntem-me, sim, o que gostaria de ter feito.

Risos do CDS.

E, se me dessem mais algum tempo, veriam o que se teria feito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vê-se!

O Sr. Florival Nobre (PS): - Ainda pode vir a fazer!

O Orador: - ía a dizer, Srs. Deputados, que estes assuntos têm de ser encarados com serenidade e bom senso. Isto porque temos de ter sempre em conta o interesse do povo português e pôr de lado as divergências partidárias e não transformar, como tenho dito várias vezes, o projecto do Serviço Nacional de Saúde num projecto partidário, sectarizado ou numa bandeira política. Se fizermos isso, não estamos a ser honestos para com o nosso povo.
Sou um homem inteiramente livre, obedeço apenas à minha consciência. E a minha consciência leva-me a dizer que o objectivo essencial é conseguir para o povo português a resolução dos problemas de saúde; por isso estou pessoalmente aberto a todas as sugestões. Mas o projecto não será esvaziado e não faremos aqui um projecto de fancaria, pois temos de dar ao povo o que ele merece. Nisso, nós, socialistas, seremos intransigentes.

Aplausos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só nisso?!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Oliveira Dias, há ainda muitos Deputados inscritos para pedidos de esclarecimento. O Sr. Deputado deseja responder já ou no fim?

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Se o Sr. Presidente permitir, e dado que a intervenção do Sr. Deputado António Arnaut foi bastante extensa, respondia já.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Oliveira Dias, não tenho dúvidas em conceder-lhe a palavra, porém, gostaria de lembrar que o Regimento estabelece meia hora para se fazerem pedidos de esclarecimento. É evidente que o meu critério não é rígido, mas já se expenderam quinze minutos e, como disse, há ainda vários Srs. Deputados inscritos.
A minha intenção é apenas a de informar os Srs. Deputados quanto a este ponto.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, não sei se o tempo que utilizarei conta para os trinta minutos. Mas, de qualquer maneira, procurarei ser bastante breve.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Deputado António Arnaut começou por - para além de palavras pessoalmente amáveis que muito lhe agradeço e, aliás, retribuo os mesmos sentimentos- falar do projecto de lei do CDS, qualificando-o de antiprojecto, verificando-se depois que o fundamento de tal qualificação residia no facto de, segundo o Sr. Deputado, se apontar para uma sistema nacional de saúde e não para um Serviço Nacional de Saúde.
Queria dizer ao Sr. Deputado - penso, aliás, que foram as suas palavras- que seriam antagónicos um do outro o Sistema e o Serviço. Tenho aqui na mão o número de Novembro de 1978 da Crónica da Organização Mundial de Saúde, que aborda, logo de entrada, uma mensagem do Sr. Leonid Breznev, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, dirigida à Conferência de Alma-Ata, sobre cuidados primários, organizada pela Organização Mundial de Saúde nessa localidade.
O Sr. Leonid Breznev diz que, na União Soviética, o direito dos cidadãos aos cuidados médicos livres de preço, isto é gratuitos, é assegurado por um sistema estatal de serviços de saúde pública. Portanto, penso que o Sr. Deputado António Arnaut considerará também o Sr. Leonid Breznev como um retrógrado.

Risos do CDS.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Grande argumento!

O Sr. António Arnaut (PS): - O Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

Página 840

840 I SÉRIE-NÚMERO 24

O Sr. António Arnaut (PS): - O Sr. Deputado desculpe, mas devo dizer-lhe que não me abono, sobretudo em problemas de saúde, nas opiniões do Sr. Leonid Breznev. Contudo, poderia abonar-me numa opinião insuspeita que é a do Sr. Prof. Gonçalves Ferreira, que diz aqui neste trabalho, que V. Ex.ª bem conhece, por exemplo o seguinte: "as bases do CDS, apresentadas na sequência do anteprojecto do MAS, são um sistema de seguro de doença e não um Serviço Nacional de Saúde, etc.".
É que V. Ex.ª fala em sistema com um certo significado, e eu faio em sistema -eu que não sou técnico- em sentido técnico, e em serviço em sentido técnico.

Risos do PS.

O Orador: - Se o Sr. Deputado fala em sentido técnico e recorre a argumentos de autoridade, queria dizer-lhe que o Instituto Internacional de Análises de Sistemas Aplicados à Saúde inclui a Academia das Ciências da União Soviética, o Comité Canadiano para o...

O Sr. António Arnaut (PS): -Oh Sr. Deputado, deixe isso para responder às perguntas dos Srs. Deputados do PCP.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Esteja calado e oiça.

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Deputado. É que o Sr. Deputado veio com o argumento da autoridade do Sr. Prof. Gonçalves Ferreira, dizendo que era de ordem técnica.
Autoridade por autoridade, refiro-lhe a Academia das Ciências da União Soviética, o Comité Canadiano para um Instituto Internacional de Análises de Sistemas da Saúde, a Comissão Checoslovaca, o Sistema Francês, a Academia das Ciências da República Democrática Alemã, Japonesa, etc.

Risos do PCP.

De modo que, sendo assim, argumento de autoridade por argumento de autoridade, podemos discutir muito ...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado escandalizou-se pelo facto de o meu partido prever no seu projecto subsídios a entidades privadas. E disse até, com requinte de escrúpulo -que evidentemente ninguém lhe levará a mal-, que, na sua qualidade de provedor de uma Misericórdia, nunca concedeu qualquer subsídio à mesma, enquanto foi Ministro.
Ora, Sr. Deputado, há aí um conflito de consciência que será seu e não meu. Eu entendo que, se a Misericórdia de que é provedor presta serviços de saúde que contribuam efectivamente para a melhoria das condições de saúde ou de quaisquer outras condições de carácter social na respectiva zona, o Sr. Deputado não deveria ter qualquer escrúpulo em lhe conceder um subsídio proporcional. Penso também que o Estado não deverá ter escrúpulos nem complexos uma vez averiguadas as coisas, em subsidiar ou deixar de subsidiar instituições privadas consoante prestem ou não serviços nesta área de saúde, como em qualquer outra.
Aliás, referi na minha intervenção casos muito concretos, como, por exemplo, o das associações de deficientes. O Sr. Deputado sabe que são situações a que os serviços de saúde extensos e o Estado com muita dificuldade poderão chegar. Sabe também que, quer no domínio dos deficientes motores, quer no dos deficientes mentais, quer no dos deficientes por perturbações neurológicas ou sensoriais, há numerosas instituições privadas que prestam serviços relevantes num campo, dir-se-á, menor no contexto da problemática geral da saúde do País, mas a que justamente essas pessoas, os próprios deficientes ou os seus familiares e amigos, são naturalmente sensíveis, organizando-se e actuando em termos que, se não são da maior utilidade neste momento, neste caso como em outros, podem e merecem ser, a meu ver, apoiadas e incentivadas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado António Arnaut permitiu-se insinuar - peço desculpa por esclarecer este ponto em termos bastante claros- que o facto de apresentarmos hoje este projecto de lei tinha alguma coisa a ver .com a audiência que a Comissão Parlamentar de Segurança Social e Saúde concedeu ontem à Ordem dos Médicos para entrega de um texto relativo a esta matéria.
Quero dizer ao Sr. Deputado que, efectivamente, isso não corresponde à verdade. De resto, não faço parte da Comissão, nem vi sequer esse texto e só agora tive conhecimento de que isso tinha acontecido mas, de qualquer maneira, o que acontece é que hoje é o dia limite que o Regimento prevê para a apresentação do projecto da lei do meu partido, em função da data em que o mesmo foi entregue à Mesa. É a única razão porque usei da palavra hoje. E permita-me que diga que, da maneira como falou, a sua ilação foi, além de infundamentada, ligeiramente agressiva - quando não deveria ser.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado disse que a saúde não é um problema da Ordem dos Médicos. Concordo inteiramente consigo. Evidentemente que não é um problema da Ordem dos Médicos, e mal andará a Assembleia da República e mal andarão os governantes quando quiserem criar acerca do problema da saúde uma espécie de luta de classes na saúde em Portugal, entre os doentes, por um lado, e os médicos, por outro.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. António Arnaut (PS): -Mas há, Sr. Deputado. Mas há ...

O Orador: - O Sr. Deputado António Arnaut tem o entusiasmo do neófito que durante seis meses contactou com problemas de saúde!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Mas faço-lhe notar que há vinte e cinco anos entrei pela porta estreita que era o concurso para o internato geral dos Hospitais Civis de

Página 841

19 DE JANEIRO DE 1979 841

Lisboa; que há vinte e cinco anos estou sensibilizado para este problema; que o contacto diário e permanente com problemas de saúde não diminui a sensibilidade das pessoas para ele, antes a apura.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Além disso -peço desculpa ao Sr. Deputado António Arnaut de ter de o dizer - o Sr. Deputado não deve, por palavras, enfim trocadas, deixar aberta a interpretação de que os médicos são inimigos da saúde em Portugal.

Aplausos do CDS.

O Sr. António Arnaut (PS): -O Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. António Arnaut (PS): - Para não ficar nenhuma dúvida a esse respeito, devo esclarecer que nunca disse que os médicos são inimigos da saúde. Sei que alguns o são por interesses de classe e corporativos. Mas relativamente a esse facto que o Sr. Deputado referiu, posso dizer que ontem recebi aqui um médico que me trouxe uma exposição, assinada por algumas dezenas de médicos de Lisboa, de apoio ao Serviço Nacional de Saúde. De modo que eu nunca poderia dizer que os médicos são inimigos da saúde nem do Serviço Nacional de Saúde, previsto na Constituição.

O Orador: - Sr. Deputado, não é preciso que um médico lhe venha entregar um papel com assinaturas que apoiem o seu projecto para que o Sr. Deputado possa dizer que os médicos não são inimigos da saúde.
No caso concreto em que algum médico, pelos actos que pratique, for inimigo da saúde, o Sr. Deputado tem a obrigação de o mandar prender.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: - Tem essa obrigação porque esse médico estará a atentar contra obrigações elementares do código deontológico e está sujeito a combinações penais, como muito bem sabe.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado António Arnaut falou do que gostaria de ter feito como ministro. Pois evidentemente que eu admito perfeitamente que tenha ficado aquém das suas possibilidades. Com certeza que ficou. Mas apesar de todo o seu entusiasmo - que, aliás, compreendo- ao falar desta matéria, mesmo quando chama de fancaria ao trabalho de outros Deputados, penso que, entre o que o Sr. Deputado gostaria de ter feito e aquilo que é necessário para desenvolver em Portugal um sistema nacional de saúde integrado, eficiente e funcional, há, certamente, coincidência de pontos de vista entre nós.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Antídio Costa.

O Sr. Antídio Cosia (PSD):- Sr. Deputado Oliveira Dias, estive, com a atenção e o respeito que me merece um assunto desta natureza, a ouvir a sua exposição. Também li atentamente o projecto de Serviço Nacional de Saúde apresentado pelo CDS, o que me leva a formular algumas perguntas.
Entende V. Ex.ª que um serviço nacional de saúde de tipo pró-liberal, ou seja, baseado numa medicina pró-liberal, poderá, porventura, resolver os problemas do povo português, no campo da saúde?
Pensa também o Sr. Deputado Oliveira Dias, como eu, isto é, que a distribuição dos médicos pelo País é um problema essencial neste momento? A medicina que preconiza poderá responder a esta questão?
Eram estas as perguntas que queria fazer para já. Reservarei as outras para a discussão em comissão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Nisa.

O Sr. José Nisa (PS): - Sr. Deputado Oliveira Dias, quando tive conhecimento de que era V. Ex.ª a apresentar o projecto do seu partido, fiquei com bastante expectativa porque o admiro muito e tenho muita consideração por aquilo que tem assumido em relação à saúde. Acontece, no entanto, que me sinto frustrado com a sua exposição, exactamente porque ela pouco adiantou ao próprio projecto. Fez uma análise sobre a situação passada e actual da saúde no nosso pais, fez críticas ao projecto de Serviço Nacional de Saúde do Partido Socialista mas, em concreto e em relação ao projecto que se propunha apresentar, esta Câmara e a opinião pública, penso, terão ficado muito pouco informadas acerca do seu conteúdo. Por mim tenho conhecimento dele, na medida em que o recebi na Comissão da Segurança Social e Saúde. Mas a verdade é que o Sr. Deputado não clarificou aqui os seus aspectos fundamentais.
Penso que a discussão de fundo será travada em comissão e desejaria que, de acordo com o que o Sr. Deputado disse, fosse feita no mesmo clima que existiu aquando da elaboração da Constituição. Recordo, porque participei nela, que a discussão decorreu num tom muito agradável, muito construtivo e não polémico e não partidário, até porque o problema da saúde, como penso que todos aceitamos, deverá ser discutido de uma maneira muito calma, ...

O Sr. Carlos Rebato (CDS): - Muito bem!

O Orador: -... com bastante competência técnica e não partidarizada. Não há necessidade de se partidarizar o problema da saúde.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Não se nota muito!

O Orador: - De acordo com os resultados da votação da Assembleia Constituinte - e o Sr. Deputado sabe quais são - em relação à votação do artigo 64.º da Constituição, verificou-se uma unanimidade em relação ao seu todo. E aqui levanta-se o problema de fundo, sobre que incide a minha pergunta: é que o projecto do CDS é um projecto que defende as posições da medicina liberal; o projecto do PS, evidentemente, defende outro tipo de posições. Mas penso que a discussão bera de ser feita fundamentalmente em face daquilo que nos une nessa discussão - a Constituição, que é clara ao apontar um determinado

Página 842

842 I SÉRIE-NÚMERO 24

tipo de objectivos, designadamente na alínea c) do artigo 64.º, que visa a socialização da medicina, o que é, aliás, assunto de há muitos anos. A pergunta é esta: em que termos, quantitativos e qualitativos, é que o projecto do CDS vai fazer essa articulação, tendo como fundo o texto constitucional, entre o projecto do CDS e a Constituição, ela própria?
O Sr. Deputado disse que o projecto do PS não é indiscutível, nem único, nem intocável. É verdade. Mas a verdade é que já o mesmo se não passa em relação à Constituição. Efectivamente, até que a Constituição seja revista, é única, é intocável e é indiscutível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Assim, aquilo que eu gostaria que fosse o resultado de todo um trabalho desta Assembleia era exactamente o mesmo que aconteceu na Assembleia Constituinte.
Penso que num problema com a importância do da saúde não podemos, pedagogicamente, em relação ao povo português, mostrar que há uma maioria simples- terá de haver unanimidade. Isso é que seria desejável e penso ser isso que está no espírito dos Deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado, gostaria de fazer algumas perguntas concretas depois das perguntas mais gerais que já lhe foram colocadas.
No entanto, não posso deixar de tecer uma pequena consideração: creio que nem é propriamente um sistema de saúde o que o projecto do CDS visa criar; tenho a ideia de que acima de tudo o que o projecto do CDS visa criar é um sistema para os médicos, sem nenhuma preocupação pelas gravíssimas carências que o nosso povo tem neste campo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E, nesse sentido, o projecto do CDS parece-me útil porque torna perfeitamente claro como é que, por detrás das palavras, na prática, se defendem os interesses do povo ou como é que esses interesses são atacados em nome dos interesses de meia dúzia de privilegiados.
Este projecto não é mais, em nosso entender, do que uma cópia - e mal feita - do sistema de saúde da Suíça que, como é óbvio, não tem nenhuma comparação com o que se passa no nosso país, nem do ponto de vista de carências do povo, em matéria de serviços de saúde, nem do ponto de vista da situação económica do País.

este modo, iria pôr algumas questões concretas até porque me parece também -como já disse o Sr. Deputado José Nisa- que o Sr. Deputado não apresentou propriamente o projecto e pouco falou dos termos em que o mesmo se equaciona. E para que fique mais claro o seu conteúdo, sem entrar em debate na especialidade.
Afirma-se no preâmbulo do projecto que o CDS pretende que os utentes sejam proprietários do serviço de saúde. Eu perguntava-lhe: e onde é que isso está no
projecto? Onde é que se referem os utentes? Onde está a participação dos utentes a todos os níveis num serviço nacional de saúde ou a qualquer dos níveis? Os utentes do Serviço Nacional de Saúde não serão, no fundo, os médicos? Os proprietários do Serviço Nacional de Saúde não serão os médicos, no projecto do CDS?

O Sr. Alcino Cardoso (CDS): - Não.

A Oradora: - Onde estão, afinal, os princípios constitucionais?
E, Sr. Deputado, a Constituição é muito clara nesta matéria: começa por falar num serviço nacional de saúde geral, universal e gratuito. Onde é que o projecto do Serviço Nacional de Saúde, ou do Sistema Nacional de Saúde do CDS, garante a gratuitidade aos utentes?
Começaria logo por nos obrigar - se fosse aprovado, e para fatalidade do nosso povo- a descontar para um seguro. E aqui, uma vez que também não se tornou claro na sua intervenção, perguntaria: que seguro, Sr. Deputado? As companhias de seguros actualmente existentes ou companhias privadas? Isto porque são tratadas indefinidamente no projecto por seguradoras.
Bom, e alem de descontarmos para a segurança social, como já descontamos hoje -e o preâmbulo até é incorrecto nesse aspecto -, passaríamos a descontar para o seguro; o que iria criar, imediatamente, um sistema profundamente injusto porque, como se sabe, quando se baseia um sistema num seguro, tem mais benefícios quem desconta mais. Basta ver o que se passa com os seguros de automóveis: se desconta mais, o seguro reembolsa-lhe mais se tiver um desastre de automóvel.
Ora, isto iria criar uma profunda injustiça, tanto mais que no projecto do CDS só se prevê a cobertura pelo Orçamento Geral do Estado, e que, portanto, são gratuitos, dos serviços para os economicamente débeis, ou seja, numa pequena parcela, até porque são muito poucos pelo que se vê no último artigo do projecto do CDS. E teriam que passar a ir novamente à junta de freguesia pedir um atestado de pobreza, sendo extremamente poucos os cidadãos abrangidos por essa norma. São só, e eu cito, "os que tem um agregado familiar que tenha um salário inferior a duas vezes o salário mínimo". E depois não são todos: "São só as crianças até à idade escolar, os utentes em período de gravidez, os utentes que hajam completado 65 anos, deficientes, desempregados e titulares de pensões sociais." Ou seja, um agregado familiar, por exemplo, onde coabita um titular de pensão social que tenha mais do que o dobro do salário mínimo já não tem direito a assistência gratuita. Acha o Sr. Deputado que isto é condizente com o princípio constitucional e com as carências que o nosso povo tem nesta matéria?
O Sr. Deputado referiu há pouco os resultados da conferência de Alma-Ata e tenho pena que só tenha lido o discurso do secretário-geral do PCUS, embora considere positiva a sua leitura, penso que também deveria ter lido o resto, sobretudo as conclusões da conferência em matéria de cuidados primários de saúde. Até porque o projecto do CDS nem em relação aos cuidados primários de saúde prevê que sejam gratuitos.

Página 843

19 DE JANEIRO DE 1989 843

O projecto do CDS prevê, além do desconto para o tal seguro que todos teremos de passar a fazer - certamente os rurais e outros sectores desfavorecido:- ; da população dificilmente o poderão fazer-, a criação de um sistema de reembolso generalizado a todo o País. E aqui surgem outras graves injustiças inerentes a um projecto como o apresentado pelo CDS, nomeadamente quando se prevê que o utente tenha de pagar o seu acto médico, mesmo que depois seja reembolsado uma semana, um, dois ou três meses depois - e nós sabemos até como a ADSE se atrasa nesse campo (e isto para todo o País seria certamente muito mais grave). Pergunto, então como é que a larga maioria dos cidadãos poderia desembolsar durante esse período, por exemplo, 1000S por uma radiografia? Bom, iria prescindir certamente da radiografia ...
Mas o projecto do CDS prevê para esses casos uma alternativa, ou seja, para a larga maioria do povo português, para os trabalhadores, para todos 03 sectores que não têm possibilidades económicas de pagar imediatamente o acto médico, segundo a tabela a acordar: essas pessoas terão de ir não só para as bichas das caixas neste momento e na altura dos consultórios médicos terão de ir para as bichas do instituto pedir uma credencial para depois poderem ir ao médico e então, depois, poderem usufruir de qualquer coisa de que necessitem neste campo. Penso que assim morrem primeiro e depois Já conseguirão ser atendidas pelo médico!
Uma outra pergunta que me parece importante: neste projecto fala-se no sistema de reembolso, nesta generalização a todo o País da ADSE, e nós sabemos como a ADSE custa caro ao Estado. Sendo assim, quanto é que pensa que custará a aplicação deste projecto? Pode dar-nos alguma medida comparativa com o outro projecto pendente nesta Assembleia?

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Quanto é que custou o seu projecto, minha senhora?

A Oradora: - Haveria muitas outras questões que gostaríamos de colocar, há muitas dúvidas que resultam da leitura do projecto, mas fá-lo-emos na discussão na especialidade.
No entanto, não posso deixar de salientar já este facto tão estranho de se criar uma procuradoria-geral da saúde, com um juiz na chefia, juiz esse competente por exemplo, para avaliar global e sectorialmente o funcionamento do Serviço Nacional de Saúde, propondo às entidades competentes as medidas correctivas indispensáveis. Sr. Deputado, o que é que um juiz perceberá disso?

Risos do PCP.

O Sr. Alcino Cardoso (CDS): - Poderá ser um médico.

A Oradora: - Não nos bastará já termos um ministro que também não é médico e que não está relacionado com este sector? Iremos ter ainda mais uma procuradoria-geral da saúde para avaliar do cumprimento deste Serviço Nacional de Saúde, constituído desta forma tão estranha?
Depois, isto de criar uma procuradoria-geral para que os cidadãos possam apresentar queixas em relação ao Serviço Nacional de Saúde ou em relação a qualquer irregularidade que tenha sido cometida, tem que se lhe diga ... Não haverá, Sr. Deputado, uma orientação da Organização Mundial de Saúde, e que já data de há muitos anos, em que se aponta que, contrariamente a isso, o que deve ser preconizado é a participação dos próprios utentes a todos os níveis do Serviço Nacional de Saúde, tanto na gestão como na própria planificação?
De resto, o projecto tem desde erros de ortografia até coisas perfeitamente incoerentes: criam um instituto com o nome de um instituto que já existe e que normalmente existe em todos os países. É, creio, um projecto que está à altura de um partido como o CDS ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do CDS: - Muito obrigado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Loureiro para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Fernando Loureiro (PS): - Sr. Deputado Oliveira Dias, como já aqui se disse, a sua intervenção foi mais dirigida a criticar o projecto do Partido Socialista do que a tentar explicar-nos a concepção a que preside a elaboração do mesmo. Portanto, a minha perplexidade, as minhas dividas e as minhas incertezas aumentaram, mas compreendo a dificuldade do Sr. Deputado Oliveira Dias, visto que o projecto de lei que nos apresenta, naquilo que podemos apreciar, é perfeitamente inconciliável com os preceitos constitucionais e, por outro lado, com a concepção universalmente aceite do que é um serviço nacional de saúde, embora V. Ex.ª tenha tentado rebater este aspecto.
Eu estaria à espera que nos fosse explicado o conteúdo do projecto de lei, ou que, pelo menos, nos fosse explicado que esse projecto era conciliável com essa concepção de serviço nacional de saúde e com os preceitos constitucionais que nos apresenta um projecto em que habilmente pretenderiam salvaguardar -o que era lógico- os vossos princípios políticos, que, no caso, se aplicariam na defesa de uma medicina liberal com a máscara de medicina convencionada. Mas foi-se mais longe -é preciso sermos claros-, o vosso projecto de lei pressupõe uma marcha atrás naquilo que existe no nosso país. É a defesa pura e simples da medicina liberal com mm acento nalguns campos de certos princípios da medicina convencionada.
Portanto, perdoe-me a expressão, penso que nos estão aqui a tentar vender gato por febre, o que creio que é extremamente grave. Não se trata, portanto, como disse aqui o nosso camarada António Arnaut, de "gato escondido com o rabo de fora", é mais grave, pois tentam-nos vender gato por lebre. E porquê? O Sr. Deputado Oliveira Dias sabe muito bem - tão bem como eu - que um serviço nacional de saúde pressupõe critérios extremamente precisos quanto à sua concepção. Um deles é uma planificação central! ou planeamento, se assim se quiser chamar, com, evidentemente, a indispensável dês-

Página 844

844 I SÉRIE-NÚMERO 24

centralização ao nível regional e local. Mas nada no projecto de lei do CDS prevê esse conceito de planificação ou de planeamento, onde aparecem como órgãos do Serviço Nacional de Saúde apenas dois: a Procuradoria-Geral da Saúde e o Conselho Nacional de Saúde O Conselho Nacional de Saúde figura na base ix, dizendo-se na base seguinte que a sua composição e funcionamento fica para diploma posterior. Quanto à Procuradoria, dedicam-se-lhe quatro bases e em nenhuma delas se nota a preocupação de planificar a saúde.
O Sr. Deputado sabe muito bem que só planificando é possível, por um lado, instituir um verdadeiro Serviço Nacional de Saúde e, por outro, respeitar o preceito constitucional que diz que é necessário garantir uma eficiente e racional cobertura médica e hospitalar do País. Teríamos então isso, .talvez, no INASA. Enfim, não são os foguetões americanos que estão em causa, é a saúde portuguesa, mas, enfim, designado por INASA - passe aqui a piada - e talvez tivéssemos aí a tal planificação. Ora, não sabemos como o INASA aparece, visto que são considerados anteriormente que só são órgãos do SNS a Procuradoria-Geral da Saúde e o Conselho Nacional. E o que é que vamos encontrar no INASA? Poderíamos encontrar a planificação ao nível do que chamam a Direcção Nacional dos Cuidados de Saúde (DNCS), mas mesmo aí não vemos nenhuma referência a planificação. Seria no Gabinete Nacional de Estudos, Planeamento e Avaliação que também integra o Instituto? Também apenas se referindo a definição de normas para bom funcionamento dos serviços públicos e nada mais. Há portanto, uma grave lacuna e não podemos chamar a isto Serviço Nacional de Saúde ou sistema nacional de saúde. Podemos considerar que em certos países existe um sistema nacional baseado na medicina convencionada, mas mão temos um Serviço Nacional de Saúde nem sequer um sistema nacional, dado que não há a mínima preocupação de planificação.
Como piada ao Partido Socialista, diz-se no preâmbulo que o povo será proprietário do SNS e não destinatário. Ora, os utentes não têm uma palavra a dizer em nenhum órgão, mesmo no Conselho Nacional de Saúde, onde apenas estão representantes de entidades públicas e privadas e outras entidades com responsabilidades na saúde que não sabemos quais são. Portanto, a nenhum nível há a participação dos utentes no funcionamento deste serviço ou sistema.
Já se falou do financiamento, mas gostaria também que me explicasse esse problema. Até aqui há uma marcha atrás, e vê-se neste ponto que as verbas do Orçamento Geral do Estado se destinam a cobrir os encargos das famílias de rendimento débil. Quanto às outras receitas -e nós sabemos que um Serviço Nacional de Saúde tem de ter financiamento público através do Orçamento Geral do Estado -, provêm das contribuições dos beneficiários, e, portanto, suponho que acabam as contribuições das entidades patronais e é apenas o beneficiário quem pagará os gastos da saúde em Portugal. Em suma, estes três critérios, planificação central, financiamento público e participação dos utentes, são, pura e simplesmente, esquecidos.
E ao passo que isto é esquecido, dá-se relevo extraordinário ao sector convencionado e nós vemos isso perfeitamente explicado e esmiuçado em nove bases, da base XXXVVIII à base XLVII, salvo erro. Dedicam-se nove bases ao funcionamento do sector convencionado, o que denota preocupação com este sector, e depois mais quatro bases ao sector privado. Pergunto, pois, ao Sr. Deputado Oliveira Dias como consegue conciliar este peso extraordinário que dá ao sector convencionado - em contradição com a ausência de planificação - com a concepção universalmente aceite de Serviço Nacional de Saúde e com os preceitos constitucionais?
Por outro lado, e isto é apenas uma questão de pormenor, não direi que o projecto é omisso, mas não delineia o futuro estatuto dos profissionais de saúde, o que se deixa para diploma posterior, mas é evidente que segundo a concepção geral do vosso projecto e os princípios do vosso partido, mão seria com certeza o estatuto de funcionário público ou semelhante. No entanto, a certa altura dá-se, suponho que quanto ao sector convencionado, que qualquer agente de saúde trabalhando em regime convencionado passará a ter as regalias sociais e penso que também as regalias fiscais dos funcionários públicos. Portanto, terão os direitos dos funcionários públicos, mas nada de ter os seus deveres ... Gostaria, pois, de perguntar se seria esta a ideia do CDS.
Em relação aos órgãos locais não se faz a sua definição. Não se sabe se correspondem ao concelho ou a qualquer outra divisão territorial. No entanto, aí é-se extremamente ambicioso, diria mesmo utópico, visto que se prevê, a par de centros de saúde comunitários - e muito bem, estou inteiramente de acordo-, hospitais gerais especializados.
Ora, o Sr. Deputado Oliveira Dias sabe .tão bem como eu que a nível local não é possível ter hospitais gerais e especializados e é por isso que digo que este ponto é perfeitamente utópico e surpreende-me quando se pretende que o artigo 64.º da Constituição tem de ser visto, como se disse, à luz das realidades sanitárias em Portugal. Penso que desta forma se está muito longe de se atender às realidades portuguesas ...

O Sr. Alcino Cardoso (CDS): - Basta, basta!

O Orador: -... e que a visão que o CDS tem da saúde em Portugal é apenas uma maneira de tentar fugir aos preceitos constitucionais e, portanto, de violar nitidamente o preceituado no artigo 64.º Penso que teria sido mais lógico e mais coerente da parte do CDS ter, pura e simplesmente, votado contra o projecto do PS se não estava de acordo - e está no s"u pleno direito- do que apresentar aqui um projecto que, quanto a mim, é nitidamente inconstitucional e nem seria merecedor de discussão.
Concluo dizendo que espero que as respostas do Sr. Deputado Oliveira Dias me possam esclarecer se estamos realmente em presença de um gato ou de uma lebre ...

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Gato outra vez?!

O Orador: -... É que é muito mais provável estarmos em presença de um belo gato mascarado, pura e simplesmente, de lebre.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias, para responder.

Página 845

19 DE JANEIRO DE 1979 845

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para ser breve, vou procurar referir-me em comum a algumas dúvidas que vários Srs. Deputados apontaram.
Uma das tónicas que se repetiu foi a da preocupação ou frustração -como dizia o Sr. Deputado José Nisa - pelo facto de quando apresentei o projecto do CDS não ter feito uma descrição pormenorizaria do que lá está escrito. Evidentemente que penso que não tinha que a fazer, pois os Srs. Deputados têm o projecto, ele está/publicado, e as minhas palavras não pretenderam reproduzir o que todos conhecem, mas, de alguma maneira, ajudar ao seu entendimento e ao entendimento da posição aberta e pragmática do meu partido a este respeito.

O Sr. Amaro da Costa (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Antídio Costa perguntou-me se um Serviço Nacional de Saúde pró-liberal é a solução. Penso que respondi a isso na minha intervenção, e, aliás, já outro dia falei aqui sobre essa matéria. Estou convencido e é sabido que as condições sócio-económicas do País ou de região a que se dirige um Serviço Nacional de Saúde, da mesma maneira que o ambiente, que as características da população, são condicionantes do tipo de serviço de saúde que é possível desenvolver. Creio que também disse -não sei se terá reparado - que, estando nacionalizados cerca de 30 % ou 40 % da economia do País, não é possível criar um Serviço Nacional de Saúde que funcione em termos pró-liberais.
Quanto à distribuição dos módicos pelo País, ela é fundamental e estou perfeitamente de acordo, só resta saber como é que se motivam os médicos para se espalharem pelo País, e médicos devidamente qualificados.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Exacto!

O Orador: - Estou plenamente de acordo com as observações do Sr. Deputado José Nisa sobre a necessidade de em comissão se trocarem impressões abertas e serenas sobre esta matéria tal como ocorreu na Assembleia Constituinte. Perguntava, em todo o caso, o Sr. Deputado em que termos eu previa a articulação entre o projecto do CDS e a Constituição e permita-me dar por reproduzidas as observações que fiz relativamente à pergunta do Sr. Deputado Antídio Costa de um sistema pró-liberal Creio que a situação político-económica e social do País não é compatível com um projecto de plena e completo socialização dos serviços de saúde. Penso que os factos têm muita força e, a não ser que se modifiquem, o Sistema Nacional de Saúde tem de se conformar com o sistema político-económico do País.
Quanto à referência da Sr.ª Deputada Zita Seabra ao sistema de saúde suíço, pois não é nada parecido com o sistema de saúde previsto mo CDS. Basta a Sr.ª Deputada saber que na Suíça há medicina privada, há medicina de Estado, ou melhor, dos Cantões - como sabe, a administração Suíça é muito descentralizada, muito regionalizada, e é proibido aos médicos que trabalhem nos serviços cantonais, o exercício da medicina privada, e vice-versa. Por outro lado, o sistema suíço quanto à reabilitação é bastante diferente também daquele que preconizamos.
Volta a Sr.ª Deputada Zita Seabra a fazer graça perguntando se os médicos são ou não utentes. Os médicos às vezes são utentes dos serviços de saúde. A Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que os médicos também adoecem e morrem ...

Risos do CDS.

Agora o que peço desculpa de repetir, mas me parece pernicioso -e não digo com animosidade nenhuma -, é que se reincida na criação de um clima de interesses antagónicos, de que a Sr.ª Deputada tem acusado o meu partido.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não disse nada disso!

O Orador: - Pelo contrário, o meu partido pretende que isso não aconteça. Não deve haver interesses antagónicos, de facto, entre as pessoas que trabalham na, saúde e entre os médicos e os doentes.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Eu não disse isso!

O Orador: - Disse, disse, porque a Sr.ª Deputada disse isso a propósito de serem os médicos os beneficiários deste projecto e não os doentes. Não deve haver interesses antagónicos, deve haver justiça e ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença que o interrompa Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Eu não falei em interesses antagónicos, só lhe perguntei quem eram os proprietários, porque no preâmbulo diz-se que são os utentes e depois em todo o texto nunca se referem os utentes. Foi só isso.

O Orador: - Bem, Sr.ª Deputada, então se o problema é esse devo dizer-lhe que a participação dos utentes é, evidentemente, prevista por nós a nível periférico e não a nível de Administração Central. No que diz respeito à Administração Central, a participação ou a fiscalização dos utentes sobre o Sistema Nacional de Saúde é exercida através de mecanismos políticos, nomeadamente através desta Assembleia.
Quanto ao seus conceitos de seguro, por mim não percebo nada de seguros, mas dá-me a Meia de que a sua comparação entre o seguro de doença - que aliás vigora em Portugal mal ou bem, mas vai vigorando (suponho que mal)- com o seguro do automóvel não é muito feliz. Talvez a Sr.ª Deputada esteja mais habituada ao seguro de automóvel, mas se uma pessoa tiver um seguro de acidentes pessoais e partir uma perna, a única coisa que tem de fazer é consertar a perna, se partir as duas pernas conserta as duas pernas. Isso não tem nada a ver com aquilo que se desconta para o seguro.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Isso depende!

O Orador: - Não depende, não. Pode ter uma cobertura parcial, mas se tiver um seguro de acidentes pessoais, a cobertura do seguro incide sobre os resultados do acidente e não tem que ver propriamente com aquilo que a Sr.ª Deputada paga. Nos automóveis é que pode haver talvez qualquer coisa de parecido.

Página 846

846 I SÉRIE-NÚMERO 24

Quanto às demoras de três meses, a Sr.ª Deputada sabe perfeitamente que presentemente há demoras de três meses em duas zonas: há demoras de três meses nos serviços públicos e há gente que, efectivamente, morre enquanto está à espera. Por outro lado, há demoras de três meses em alguns consultórios. Mas acontece que há demoras de três meses em alguns consultórios, porque com algum reforço -e não tanto como se desejaria - do poder aquisitivo e dos salários que se seguiu ao 25 de Abril há muito mais pessoas que anteriormente não tinham condições para recorrer à medicina privada e que hoje, dadas as insuficiências do serviço público -que entendo que devem ser sanadas -, 'vão procurar os médicos privados, criando aí mais estrangulamentos e mais problemas.

O Orador: - Quanto à gratuitidade é uma maneira de falar ...

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Ah!

O Orador: - Evidentemente que suponho que um Serviço Nacional de Saúde, nos termos em que o Sr. Deputado Jorge Leite, por exemplo, está a imaginar, pode custar 40 ou 50 milhões de contos por ano. Não é gratuito - alguém o há-de pagar!

Risos do PCP.

Srs. Deputados, não se riam porque estas coisas não são efectivamente gratuitas, e, como digo, alguém o há-de pagar.

Risos do PCP.

O Sr.

Moreira (PCP): - Que ridículo!

O Orador: - A diferença está em saber como é que esse pagamento se processa, se é através das contribuições e da distribuição daquilo que o Estado recebe, se é por impostos de afectação a este sector.
Seja como for, não pode haver um serviço gratuito que cubra as necessidades da população portuguesa, e não há nenhum serviço público que seja gratuito, como não é gratuito o funcionamento desta Assembleia nem o funcionamento dos tribunais, etc.
Ao Sr. Deputado Fernando Loureiro queria dizer que o planeamento é assegurado no nosso projecto através do Gabinete Nacional de Estudos de Planeamento e Avaliação. Não tivemos a preocupação - ao contrário do que aconteceu com o partido do Sr. Deputado - de regulamentar num projecto de lei e, mesmo assim, até talvez tenhamos chegado longe de mais, mas são essas atribuições que lhe são atribuídas com a participação dos outros órgãos superiores previstos.
Parte do financiamento será feita pelo Orçamento Geral do Estado, mas, em todo o caso, prevê-se um mecanismo em que uma parte deste financiamento se faça transitoriamente através da segurança social, que faz um seguro de doença, ainda que insuficiente.
Para sermos realistas, há efectivamente que admitir que existe um problema financeiro. Eu desejaria poder propor que todos os serviços financeiros da segurança social, designadamente os serviços de cobrança de taxas e de pagamento de prestações, passassem para o Ministério das Finanças e que o Ministério dos Assuntos Sociais se transformasse puramente num Ministério de serviço. Agora, o Sr. Deputado Fernando Loureiro há-de concordar que dado o volume de pessoas, a meu ver excessivo, que presentemente trabalham no Ministério dos Assuntos Sociais nesta matéria, quanto mais não seja por isso, há que prever um tempo para resolver este problema, porque, de facto, não se pode, de um dia para o outro, fechar e mandar para o quadro de adidos todo esse pessoal e, ,por outro lado, sobrecarregar o Ministério das Finanças com essas outras atribuições que, a meu ver, devia ter.
Quanto ao Estatuto dos Agentes de Saúde, penso que o Sr. Deputado tem razão, que é necessário pormenorizar aí mais qualquer coisa, nomeadamente cri relação aos seus direitos e aos seus deveres.
Quanto aos hospitais e à sua existência na periferia, não somos fantasistas ao ponto de sonharmos com hospitais polivalentes e com toda a intensidade de cuidados desejável em todas as localidades. O que defendemos, Sr. Deputado, é que deve existir - aquilo a que, de resto, o Sr. Deputado António Arnaut, no outro dia não me quis responder- entre nós um sistema de cuidados progressivos, o que quer dizer que cada doente, onde quer que se encontre, desde o momento em que entre em contacto com o Serviço Nacional de Saúde ou que de alguma maneira chegue ao Serviço Nacional de Saúde notícia da sua situação, deve ter acesso automático fácil a cuidados, tendo-se em conta a diferenciação e intensidade de cuidados que a sua situação requeira e que, evidentemente, se modificará com a evolução da própria doença. Isso pode assegurar-se, nomeadamente para além de os terminais serem minimamente qualificados para avaliarem das situações e das indicações com os hospitais devidamente colocados e equipados e com um sistema de transportes e de intercomunicação conveniente entre os serviços.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos atrasados em relação à agenda de trabalhos. A Mesa tinha tido a ideia de fazer já a chamada para a votação, mas não há consenso dos grupos parlamentares. Vamos fazer u intervalo. Entretanto, sugeria que o intervalo fosse até às 18 horas e 30 minutos.
Está suspensa a sessão até às 18 horas e 30 minutos.

Eram IS horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Vai fazer-se a chamada para a eleição dos representantes da Assembleia da República na Comissão Nacional de Eleições.

Procedeu-se à chamada.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se ao escrutínio. Para escrutinadores, convido os Srs. Deputados Eurico Mendes (PS) e Francisco Oliveira (PSD).
Procedeu-se ao escrutínio.

O Sr. Presidente: - Vou anunciar o resultado da votação:

Eleitos: Dr. Olindo Casimiro de Figueiredo, do Partido Socialista, com 125 votos a favor, 6 votos

Página 847

19 DE JANEIRO DE 1979 847

contra, 12 abstenções e 3 votos brancos; Dr. Manuel Pereira, do Partido Social-Democrata, com 90 votos a favor, 19 votos contra, 33 abstenções e 4 votos brancos; Dr. João Augusto d'Korth Brandão, do Centro Democrático Social, com 90 votos a favor, 29 votos contra, 23 abstenções e 4 votos brancos; Dr. Luis Manuel da Silva Viana de Sá, do Partido Comunista Português, com 99 votos a favor, 26 votos contra, 17 abstenções e 4 votos brancos, e Dr. Saul Fernandes Rodrigues Nunes, da União Democrática Popular, com 84 votos a favor, 38 votos contra, 19 abstenções e 4 votos brancos.
O número total de votos foi de 147, tendo havido um voto nulo.
O Sr. Secretário Pinto da Silva vai ler um ofício da Comissão de Agricultura e Pescas dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Secretário (Pinto da Silva):

Na reunião da Comissão de Agricultura e Pescas realizada em 17 de Janeiro próximo passado .participou o Sr. Secretário de Estado da Estruturação Agrária, a pedido da Comissão, pronunciando-se sobre a opinião do Ministério da Agricultura e Pescas em matéria das iniciativas legislativas sobre arrendamento rural em curso nesta Assembleia.
Instado a pronunciar-se sobre o projecto de lei n.º 156/I, sobre instalação e funcionamento das comissões concelhias de arrendamento rural (apresentado pelo Partido Comunista Português), o Sr. Secretário de Estado informou que o Conselho de Ministros aprovou na semana passada um decreto-lei sobre essa matéria.
O projecto de lei n.º 156/I, apresentado em 23 de Novembro, foi submetido à discussão dos pequenos e médios agricultores e trabalhadores rurais em cumprimento do artigo 104.º da Constituição.
É notório que o Governo não pode deixar de conhecer uma iniciativa legislativa, devidamente publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 12, de 24 de Novembro de 1978, e integrada também na respectiva separata n º 17.
Assim, a Comissão unanimemente considera intolerável e injustificável a atitude do Governo, pelo que lavra firme protesto.
Independentemente da actuação posterior que os Deputados ou os grupos parlamentares entendam tomar, desde já a Comissão, ao abrigo dos artigos 47.º, alínea d), e 1/14.º, alínea a), do Regimento, solicita que o Governo lhe envie urgentemente o texto do referido decreto-lei.
Solicito a V. Ex.ª que transmita ao Governo cópia deste ofício e dele dê conhecimento ao Plenário da Assembleia da República.
Sobre este ofício recaiu o seguinte despacho do Sr. Presidente:

a) Para ser lido no Plenário;
b) Forneçam-se fotocópias aos grupos parlamentares, UDP e Srs. Deputados independentes;
c) Comunique-se ao Governo;
d) Publique-se.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio, para fazer a leitura do relatório da Comissão de Educação, Ciência e Cultura sobre o projecto de lei n.º 108/I - Bases gerais do Ensino Particular e Cooperativo-, apresentado pelo PS.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS):

Aprovado na generalidade no Plenário da Assembleia em 1 de Junho de 1978, com os votos a favor dos partidos PS, CDS e PCP e do Deputado independente Aires Rodrigues e o voto contra do PSD, o projecto de lei n.º 108/I baixou à Comissão de Educação, Ciência e Cultura para discussão na especialidade. Esta Comissão indicou para o efeito uma subcomissão constituída pelos Deputados Teresa Ambrósio (PS), Gonçalves Sapinho (PSD), Oliveira Dias (CDS) e Jorge Lemos (PCP), a qual reuniu cinco vezes. Esta subcomissão recolheu as propostas e pareceres dos vários partidos sobre os diversos artigos elaborando uma versão de bases de nova discussão e votação no plenário da Comissão.
Realizaram-se duas sessões plenárias nos dias 30 de Novembro e 5 de Dezembro de 1978, tendo, depois de apreciadas as novas propostas de alteração e aditamento, votado por maioria o projecto que agora se anexa.
Em anexo constam ainda as propostas de alteração e aditamento que vieram a ser objecto de votação, bem como o resultado destas.
Este relatório foi lido e apreciado, tendo sido aprovado. Os partidos reservaram a sua posição, quanto à votação e declaração de voto, para o Plenário.
Seguem-se nove páginas de anexos, "nas penso que a Câmara prescinde da sua leitura.

O Sr. Presidente: - Há alguma oposição?

Pausa.

Considera-se dispensada a sua leitura.

O PCP apresentou um requerimento de avocação ao Plenário da votação na especialidade deste projecto de lei.

O Sr. Vital Moreira (PCP): -Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vital Moreira (PCP): -Sr. Presidente, os requerimentos obviamente não têm discussão, mas podem ter apresentações.
Requeiro ao Sr. Presidente que me seja autorizado fundamentar o requerimento de que somos subscritores.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vital Moreira (PCP): -Sr. Presidente, começaria por ler o requerimento para efeito de conhecimento por parte de todos os Srs. Deputados:
Considerando que a votação na especialidade do projecto de lei n.º 108/I, aprovado na generalidade pelo PS, pelo PCP e pelo CDS foi

Página 848

848 I SÉRIE-NÚMERO 24

deferido à Comissão de Educação, onde foi efectivamente votado;
Considerando as circunstâncias estranhas em que essa votação teve lugar, que incluiu votações durante dias de reuniões do Plenário da AR, até altas horas da madrugada, tendo a maioria dos artigos sido votados apenas com dois Deputados do PS e, .portanto, com o PPD e o CDS em maioria;
Considerando que a votação na especialidade introduziu .profundas alterações no texto votado na generalidade, provocando uma alteração radical quanto ao sentido da lei votada, incluindo, designadamente, várias soluções do projecto do PPD, que havia sido rejeitado pela Assembleia da República;
Considerando que o texto votado em comissão traduz um privilegiamento das escolas particulares e das camadas sociais que nelas estão fundamentalmente interessadas;
Considerando a necessidade de que, nesta matéria de particular relevância nacional, todos os Deputados sejam chamados a decidirem cada uma das soluções:
Os Deputados do PCP abaixo assinados requerem, ao abrigo das competentes disposições do Regimento da Assembleia da República, que a votação na especialidade do projecto de lei n.º 108/I, sobre o ensino particular e cooperativo, seja avocado pelo Plenário da AR.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos para nós que a avocação da votação na especialidade de um decreto votado na Comissão se justifica quando entre o projecto de lei votado na especialidade e o projecto de decreto apresentado à Assembleia se verifique haver uma substancial diferença quer quanto ao teor quer quanto aos resultados do projecto votado.
Na realidade, tendo a Assembleia da República votado na generalidade um determinado projecto de lei, rião sendo substancialmente idêntico ao projecto de decreto que é apresentado à Assembleia para votação final global, entendemos que se justifica que tem lugar pertinentemente a questão da avocação da votação na especialidade, para que a Assembleia da República, isto é, cada um dos Srs. Deputados, inclusivamente aqueles que à face do Regimento não tiveram direito a participar na votação na especialidade, tenha agora oportunidade de o fazer.
Para provar que este projecto de decreto não é o mesmo projecto que foi aprovado pela Assembleia da República, basta aduzir desde já a seguinte circunstância: o PCP, que votou o projecto de lei, não pode agora votar o projecto de decreto; o PSD, que havia votado contra o projecto de lei, prepara-se, segundo tudo indica, para o votar favoravelmente. Obviamente que não foi o PCP nem o PSD que mudaram em relação a esta matéria, o que mudou aqui foi o projecto de decreto. Isto é, existe uma diferença substancial entre o projecto de lei votado na Assembleia da República e o projecto de decreto votado pela comissão parlamentar competente.
Na realidade, o projecto de decreto que agora está à consideração do Plenário da Assembleia da República é jurídico-legislativamente mau e politicamente pode ser, a nosso ver, desastroso.
O projecto não foi corrigido em muitas das suas deficiências originárias. Se se pode tolerar que um projecto de lei não seja um primor de rigor jurídico-legislativo, é difícil de perceber que a Assembleia da República produza uma lei que a todas as luzes não pode deixar de ter-se por, pelo menos, medíocre.
Em segundo lugar, o projecto não foi corrigido em algumas das suas deficientes soluções originárias que, a nosso ver, já eram muitas, como na declaração de voto nessa altura dissemos. Basta referir que, com os votos contra do PSD e do CDS e com as abstenções do PS, foi recusada a imposição da liberdade de ensino nas escolas particulares, ao mesmo tempo que foi derrotada, pela mesma maioria, a exigência das mesmas habilitações para os professores das escolas particulares em relação às escolas do ensino público. Isto é, as escolas particulares passam a ter as mesmas funções oficiais das escolas públicas, passam a ser subsidiadas pelo Estado, mas não estão sujeitas aos mesmos deveres públicos das escolas públicas.
Em terceiro lugar, o projecto foi essencialmente alterado em alguns pontos, designadamente no que respeita ao financiamento das escolas privadas. Aquilo que era no projecto de lei uma mera possibilidade ou faculdade governamental, é agora, segundo o projecto de decreto, uma obrigação do Estado. Assim, a principal exigência da direita parlamentar e dos proprietários das escolas privadas encontrou acolhimento no projecto de decreto, ao contrário do que acontecia no projecto de lei.
Um país em que se argumenta com carências financeiras para estender o ensino público a todas as regiões carecidas - e essa é uma obrigação constitucional - z, para melhorar o funcionamento das escolas públicas, poderá ter de vir a gastar volumosas verbas em subsídios a escolas privadas, muitas vezes frequentadas apenas por minorias privilegiadas.

Uma voz do PSD: - É verdade!

O Orador: - Um Estado que, constitucionalmente, não pode programar ideologicamente ou confessionalmente e o ensino poderá vir a ter de subsidiar escolas ideológica ou confessionalmente programadas.
Cidadãos que, por razões de princípio, enviam os seus filhos para as escolas públicas poderão vir a ter de contribuir financeiramente para escolas destinadas àqueles que querem um ensino ideológica ou confessionalmente comprometido. Não está em causa o direito de existência destas escolas, o que está em causa é a obrigação de os cidadãos, que com elas não concordam, terem de as financiar.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É falso!

O Orador: - Finalmente e em quarto lugar, a lei é fundamentalmente uma lei quadro, que deixa para o Governo o fundamental da sua regulamentação. Mas isto, que poderia ser originariamente uma vantagem, é, na verdade, hoje, um aspecto grandemente negativo. Efectivamente, a situação alterou-se fundamentalmente entre o momento da aprovação do projecto de lei e o presente momento. Na verdade, não é indiferente que esta lei seja regulamentada por um Governo do PS, como aconteceria na altura, ou ser

Página 849

19 DE JANEIRO DE 1979 849

regulamentada pelo Governo PPD do Sr. Mota Pinto, como irá provavelmente acontecer.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Não é esta, sem dúvida, a menor das razões que leva o PSD, que achou o projecto de lei péssimo, por ser vago, tenha agora por bom o projecto de decreto, que não é menos vago. Na verdade, o projecto de decreto deixa uma tal margem de discricionariedade ao Governo que a lei se poderá transformar mim meio de intolerável privilegiamento das escolas particulares face ao ensino público.
Salvaguardadas as respectivas proporções, este projecto de decreto, a ser transformado em lei, poderá vir a converter-se numa espécie de Lei Barreto de contra-reforma do ensino. Com uma agravante, é que a Lei Barreto não era suficientemente inequívoca para a direita reaccionária de modo a satisfazer o CDS, enquanto esta já tem à partida o apoio do CDS.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - Isso é uma garantia!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo ter demonstrado que, não só pelas alterações que lhe foram introduzidas, como pela alteração de circunstâncias ligadas à sua regulamentação, este projecto de decreto é substancialmente diferente do projecto de lei que lhe deu origem e pode conduzir a resultados totalmente contraditórios com os que era lícito esperar do projecto de lei.
Estamos em crer que a maioria dos Deputados que aprovaram o projecto de lei não podem estar de acordo com este resultado. Estamos em crer que a maioria democrática e progressista desta Assembleia, fiel aos princípios democrático-republicanos nesta matéria, não poderá deixar de recusar o seu aval a uma lei que abre caminho à desvalorização da escola pública, ao privilegiamento da escola particular confessional ou ideologicamente comprometida, ao favorecimento de situações de discriminação social através de reproduções de situações de privilégio social de minorias à custa da maioria esmagadora do povo português.
Eis por que se torna necessário que todos e cada um dos Deputados se pronunciem e tomem posição sobre cada uma das soluções no projecto de decreto e assumam as responsabilidades individuais por cada uma dessas soluções.
Eis por que se justifica plenamente a avocação pelo Plenário da votação na especialidade do projecto de decreto ora presente ao Plenário da Assembleia da República de modo a permitir a introdução das alterações que, a nosso ver, se impõem.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha, para um protesto.

O Sr. Salgado Zenha (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, temos muita admiração pelo talento do Sr. Deputado Vital Moreira, mas às vezes espanta-nos o desembaraço com que o mesmo ST. Deputado que é um dos mais ardorosos defensores do regimentalismo esta Assembleia, viola o Regimento.
O Regimento da Assembleia da República é perfeitamente claro no seu artigo 95.º, n.º 2, dizendo que os requerimentos não podem ser precedidos de uma apresentação.
No caso concreto, e dada a utilização que o Sr. Deputado Vital Moreira fez dessa pseudofaculdade, fez-se uma discussão de toda a matéria de fundo implicada no diploma legislativo em causa e não uma apresentação.
Compreendemos que o Sr. Deputado Vital Moreira e o PCP tenham dificuldades em compreender esta lei, dado o seu princípio de defender a unicidade ideológica como defendem a unicidade noutros domínios, visto que ela considera efectivamente o pluralismo como um valor inerente à própria democracia e, portanto, tem-no na devida consideração.
Compreendemos também que o PCP esteja embaraçado em justificar a sua atitude, visto que o presente diploma legislativo é substancialmente idêntico àquele que aqui foi aprovado na generalidade com o voto do próprio PCP.
Não nos admira, portanto, que se tenha socorrido de argumentos até talvez um pouco infantis, como o de qual o Governo que agora está a governar, por exemplo.
Trata-se de uma lei quadro, efectivamente, e conforme no seu texto se diz o seu desenvolvimento tem de fazer-se por decretos-leis que estão sujeitos à ratificação do Parlamento. Todos esses argumentos são, portanto, inconsistentes. Nós não teríamos até dificuldades em aceitar a avocação ao Plenário se ela se não fizesse com argumentos que, além de inverídicos, se destinam, manifestamente, a cobrir a retirada do próprio PCP, que tomou uma atitude em determinada altura e que inventa argumentos, para não empregar termos muito rotundos, destituídos de veracidade, para poder justificar a mudança da sua posição.
O problema não nos diz respeito. O problema de fundo será discutido no momento oportuno, mas realmente houve uma violação flagrante do Regimento e daí o facto de lavrar o meu 'protesto. A lei não pode ser hoje uma e amanhã outra, consoante as conveniências do PCP ou do Sr. Deputado Vital Moreira. Daí a razão do nosso protesto.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Tanta palavra, para dizer o que disse!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira, para formular um contraprotesto.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, é efectivamente para um curto contraprotesto que não vou utilizar, como o Sr. Deputado Salgado Zenha - hábil nestas coisas-, para contra-argumentar em relação àquilo que o Sr. Deputado disse.
Na realidade, o poder de justificação de requerimentos é reconhecido tão evidentemente que na única vez em que foi posto em causa, como a Assembleia se lembrará, deu lugar a uma polémica infeliz entre eu mesmo e o Presidente de então, Vasco da Gama Fernandes. A Assembleia reconheceu na altura que o poder de apresentação de requerimentos era indiscutível. Não está, portanto, isto em causa, pois sempre se têm apresentado os requerimentos e não cometi, assim, qualquer violação.
Procedo assim, ao contrário do Sr. Deputado Salgado Zenha, que aproveitou um protesto para fazer

Página 850

850 I SÉRIE-NÚMERO 24

aquilo que o Regimento não permite, que é discutir os requerimentos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Salgado Zenha (PS):- Dá-me licença, Sr. Presidente? É para dar uma explicação.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - O requerimento está justificado, de maneira que não podia ser apresentado para desenvolver essa justificação. De modo que a argumentação que usou não tem a mínima razão de ser.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de votarmos este requerimento do PCP e visto que já são 20 horas, tenho a comunicar-lhes a existência de um requerimento na Mesa, subscrito peto PS, PSD e CDS, para que a sessão seja prolongada até à votação final global e respectivas declarações de voto deste diploma.
Há alguma objecção?

Pausa.

Como não há vamos continuar os nossos trabalhos. Vamos passar à votação do requerimento apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e do Deputado independente Galvão de Melo e votos a favor do PCP, da UDP e do Deputado independente Aires Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis, para uma declaração de voto.

O Sr. António Méis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou contra este requerimento do Grupo Parlamentar do PCP não porque receasse a discussão aqui em Plenário, artigo por artigo, do diploma que vai ser objecto da sua votação final global -até teríamos bastante prazer nisso-, ...

Risos do PCP.

... mas porque o requerimento do Grupo Parlamentar do PCP apresenta considerandos absolutamente inadmissíveis, além de inverídicos, e igualmente porque este requerimento se apresenta na sequência de todo um conjunto de atitudes dilatórias por parte dos Deputados comunistas, que item procurado por todos os meios adiar a votação deste diploma, cuja importância é, sem dúvida, fundamental.

Vozes do CDS: - Ora aí é que está!

O Orador: - Manobras dilatórias estas que, aliás, vêm de há muito tempo, porque, apesar de os Deputados comunistas se terem comprometido a que este diploma fosse objecto de votação final global até ao final do ano passado ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - ... e apesar de terem concordado com a criação de uma subcomissão para avançar na discussão na especialidade do diploma para que, com a máxima eficiência e rapidez, ele pudesse vir a ser objecto de votação final, o certo é que não deram praticamente qualquer tipo de colaboração à subcomissão encarregue desse processo. Foram reservando constantemente as suas posições definitivas para um plenário da Comissão, onde, aliás, essas posições nem sempre coincidiam com as parcas manifestações que tinham os Srs. Deputados na subcomissão. Por outro lado, tentaram igualmente por todos os meios protelar as reuniões do plenário da Comissão para a votação final deste diploma no seio da Comissão, invocando as mais diversas razões sem qualquer fundamento visível.
Para além disto, 10 Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode aceitar as insinuações gravíssimas constantes do segundo considerando do requerimento apresentado, segundo o qual se teria desenrolado em circunstâncias estranhas a votação final da Comissão, referindo-se a certa altura que a maioria dos artigos foram votados apenas com dois Deputados do PS e, portanto, com o PPD e o CDS em maioria. Este considerando revela da parte do Grupo Parlamentar do PCP uma atitude, para nós, inqualificável e inadmissível de ingerência nos assuntos internos do Partido Socialista.

Risos do PCP.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Este considerando pretende insinuar claramente que, afinal de contas, se os Deputados socialistas tivessem comparecido na globalidade na votação final deste texto na Comissão o sentido global do voto poderia ter sido outro ...

O Sr. Lino Lima (PCP): - Fazemos-lhe essa justiça!

O Orador:- ..., quando o que aconteceria, Srs. Deputados do PCP, é que se tivessem estado presentes os reatantes Deputados do Partido Socialista na votação final a derrota do Partido Comunista na Comissão teria sido ainda mais esmagadora.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Que grande derrota!

O Orador: - Não podemos admitir este tipo de insinuações e não podemos admitir que o Partido Comunista meta o nariz onde não e chamado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um facto!

O Orador: - É por isso que o Partido Socialista decidiu votar contra este requerimento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A gente acredita!

O Orador: - Além disso, como aqui já foi referido, no entender do Partido Socialista não há qualquer diferença substancial entre o texto do projecto de lei que aqui apresentámos e o texto final que aqui vai ser votado depois das aliterações introduzidas.

Página 851

19 DE JANEIRO DE 1979 851

Terá, sim, havido, possivelmente, na votação inicial do projecto de lei qualquer espécie de reserva mental da parte do Partido Comunista que, certamente, terá pensado poder fazer introduzir alterações substanciais nesse texto, no trabalho da Comissão, procurando arrastar para o efeito os Deputados do Partido Socialista. O certo é que o PCP mais uma vez se enganou redondamente em relação ao PS e todas as suas tentativas no sentido de aliciar os Deputados socialistas para um projecto de lei que feriria globalmente os princípios democráticos e pluralistas em que o PS sempre alicerçou a sua acção na vida política portuguesa, todas das, ficaram, obviamente, goradas porque o PS continua a ser coerente com os princípios de uma democracia pluralista em favor de uma sociedade aberta e participativa de que este projecto de leu pode vir a ser um instrumento importante.

Aplausos do PS e do CDS.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira, para um protesto.

O Sr. Vital Moreira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção e justificação do Sr. Deputado António Reis, se não fosse grave e lamentável, era ridícula.

Risos do PCP.

Limitar-me-ei ao seguinte ponto: o Sr. Deputado António Reis acusou-nos de manobras dilatórias para a não aprovação do decreto e invocou, inclusivamente, que nos teríamos comprometido a aprová-lo até determinada data. Ë falso que nos tivéssemos comprometido a alguma coisa e a prova mais provada de que não utilizámos ilegítimos expedientes dilatórios está em que nos dispusemos, nós Deputados do PCP, a estar reunidos em comissão durante horas do Plenário, quando o Regimento nos dá o direito de lá não estarmos, a estarmos em reunião até às 5 horas da manhã a votar o decreto e estarmos lá todos, quando dos cinco Deputados do PS apenas estavam dois.

Aplausos do PCP.

É fácil ver que tal facto é indiscutível porque é um facto e é a prova mais provada de que os arroubos do Sr. Deputado António Reis não têm qualquer valimento.
Se eu entrasse pelo processo de insinuações do Sr. Deputado António Reis, diria qualquer coisa como isto: mas que estranha intenção era a do PS, PPD e CDS em fazer votar até às férias do Natal este decreto!

Alguém disse, por piada, que, porventura, era para dar prenda a alguém ...

Risos do PCP.

Não sou tão acintoso que chegue a esta conclusão. Em todo o caso, já que se foi pelo processo de intenções, é conveniente que se deixe ao menos uma tentativa de explicação do motivo por que durante semanas e semanas não se fez qualquer esforço sério para avançar nos programas normais da Comissão e, depois, de supetão, sem sequer ao mesmo tempo se preocuparem com a respectiva representação, não direi pela totalidade, mas por uma simples maioria, na Comissão, se faz aprovar, numa longa noitada, o tal decreto de magna importância para a democracia portuguesa!

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Se calhar era mesmo prenda!

O Orador: - Pouco mais tenho a acrescentar, pois creio que as coisas estão claras. Apenas quero sublinhar que é óbvio que resulta da minha própria declaração, da discussão aqui feita, que não está em causa de modo algum -e isso não toleramos que se nos diga- a existência ou não de escolas particulares confessional ou religiosamente comprometidas. Isso não está em causa, ninguém o põe em causa e não toleramos que nos venham atirar à cara que isso está em causa pela nossa parte. O que está em causa precisamente é que um Estado, que constitucionalmente não deve programar ideológica ou confessionalmente o ensino, se comprometa e aos seus cidadãos a financiar escolas onde não há esse tal pluralismo, isto é, escolas onde esse pluralismo não existe.

Aplausos do PCP.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No seu protesto, o Sr. Deputado Vital Moreira ignorou, deliberadamente, toda uma sequência anterior de factos, dos quais a reunião em que se procedeu à votação finar deste projecto de lei no plenário da Comissão de Educação, Ciência e Cultura foi o último. Também convém lembrar aos Srs. Deputados comunistas que interromperam essa reunião, por volta da meia-noite, para fazer consultas sobre o sentido do seu voto, e que se a reunião se arrastou até às 5 horas da madrugada foi por sua culpa, pois empregaram mais um processo dilatório para ver se conseguiam adiar uma vez mais a reunião em que a votação decisiva seria feita.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Que baixeza!

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Isso é baixo!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Vital Moreira, tenha cuidado com a filosofia com que o Partido Comunista se apresenta a justificar a sua posição relativamente a este projecto de lei. De facto, não é preciso pôr em causa, abstractamente, o direito ao ensino particular para poder matá-lo. Por essa linha de raciocínio, por essa mesma lógica de raciocínio que o Sr. Deputado expendido no final do seu protesto eu poderia dizer que, como Secretário de Estado da Cultura, poderia ter dado uma "machadada" em todos os grupos de teatro independentes porque cada um veicula, precisamente, a sua ideologia própria. E embora eu pudesse respeitar em abstracto ...

Protestos do PCP.

Página 852

852 I SÉRIE-NÚMERO 24

... o direito de todos eles existirem, no entanto, podia dizer que o Estado não tinha obrigação de subsidiar grupos de teatro comunistas, socialistas, liberais ou democratas-cristãos! E são todos particulares, são todos independentes!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - O que e que tem a ver uma coisa com a outra? ...

O Orador: - Essa é a mesma linha de raciocínio que levaria também a dizer que o Estado deixa existir e deixa funcionar as escolas particulares com as suas ideologias próprias, mas não tem obrigação de is financiar. Claro que, mais dia menos dia, poderiam todas acabar ...
Veja, portanto, a que é que pode conduzir a sua linha de raciocínio. Pode conduzir também à total desaparição de inúmeras formas de cultura que é necessário que o Estado também apoie e financie, porque a cultura, tal como o ensino, não se podem comparar a empresas que vendem sabões.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É o que são.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar um breve esclarecimento à Câmara.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a toda uma série de insinuações que aqui foi produzida pelo Sr. Deputado António Reis, em relação ao tratamento dado na Comissão e na subcomissão a este (projecto de lei tenho a dizer que é uma realidade que aquando da votação só se encontravam presentes dois Deputados socialistas, e creio que não podemos considerar esse facto uma ingerência nos assuntos internos do Partido Socialista. E que os votos desses dois Deputados socialistas, que se achavam presentes, somados aos votos dos Deputados comunistas, formavam uma minoria em relação aos votos dos Deputados do PSD e do CDS presentes e que se os Deputados socialistas quisessem, juntamente com os Deputados comunistas, a reunião tinha sido interrompida, pois bastava saírem para não haver quórum, também é uma realidade. No entanto, houve a vontade deliberada e o consentimento expresso - até porque o Partido Comunista propôs, devido a esse facto, que a reunião fosse interrompida - em permitir que esta lei fosse votada com o PSD e o CDS em maioria. Creio que isto é um facto e a partir daqui não se pode fazer qualquer espécie de processo de intenções ao Grupo Parlamentar do PCP ...
Quanto ao direito de pedirmos uma interrupção para fazer consultas, creio que ninguém o pode pôr em causa, Sr. Deputado - é um direito consagrado no Regimento. Penso que não foi por causa do nosso pedido de interrupção da reunião, por meia hora, que se atrasou ía aprovação do projecto de lei. O que é estranho é que ele tivesse sido votado com a composição que referi e que a comissão tivesse sido convocada durante a discussão do (Programa do Governo. Não foi devido ía qualquer interferência do Partido Comunista que ela não foi agendada mais cedo na ordem do dia, pois temos a nossa declaração de voto pronta há cerca de um mês. Não foi, portanto, por nossa culpa que o processo se atrasou. Mas o que achamos estranho, e creio que é útil tornar público, é que a votação na Comissão tenha decorrido entre as 23 e as 5 heras da manhã, pois, se se tivesse procedido à votação uma semana depois, não teria havido qualquer atraso na lei porque só hoje é que a vamos votar no Plenário. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por último, foram feitas viárias espécies de insinuações em relação a uma questão que creio que deve ficar clara. O Sr. Deputado António Reis disse "isto torna evidente quem defende uma sociedade pluralista" - não recordo bem as suas palavras, mas creio que foi mais ou menos isto. Quero dizer-lhe que o Partido Comunista propôs, em relação a este projecto de lei, conforme proposta que consta do relatório que foi apresentado, que fosse garantido o pluralismo ideológico nas escolas particulares financiadas pelo Estado, mas a nossa proposta foi derrotada pelos votos do PS, do PSD e ido CDS. Por aqui se verifica quem é pelo pluralismo e quem e contra o pluralismo.

Aplausos do PCP.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar uma explicação.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como a Sr.ª Deputada Zita Seabra teve a amabilidade de me dar um esclarecimento, gostaria também de lhe dar outro.
Não convém sofismar a questão do considerando n.º 2 do requerimento do Partido Comunista. Quando ali se afirma que a maioria dos artigos deste projecto de lei foram votados apenas .com dois Deputados do PS presentes, portanto com o PSD e o CDS em maioria, depreende-se daqui, como a Sr.ª Deputada acabou de reconhecer, que, se estivessem presentes 05 restantes Deputados socialistas, teria sido possível obter na Comissão uma maioria PS-PCP. É evidente, Sr.ª Deputada, que essa maioria teria sido possível do ponto de vista aritmético, mas não para utilizar uma expressão de conceituados teóricos soviéticos ...

Risos do PCP

... do ponto de vista político. Teria sido meramente numérica e não política, porque não pense que, pelo facto de lá comparecerem os restantes Deputados socialistas, teria sido possível inverter o sentido final da votação

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Nem era preciso, bastava lá estar o PSD e o CDS.

O Orador: - Haverá sempre, nessa votação, uma maioria PS-PSD-CDS.

O Gr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputada Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata votou contra o requerimento por diversos motivos que pás-

Página 853

19 DE JANEIRO DE 1979 853

sare! a explicitar, deixando para outra ocasião os já conhecidos abusos praticados pelo Sr. Deputado Vital

Moreira, ...

O Sr. Vital Moreira (PCP):- Oh!... Oh!...

O Orador: -... que agora levou a cabo outro, de querer discutir matéria de fundo a propósito de um requerimento, fazendo considerações absolutamente subjectivas - por vezes até em nome do povo, talvez de 14 % - sobre as soluções aprovadas por esta Assembleia.
Em primeiro lugar, votámos contra porque, ao contrário do que se insinua nesse requerimento, o funcionamento da Comissão não coincidiu com o funcionamento do Plenário. Logo, parte de um considerando falso.
Em segundo lugar, votámos contra porque no dia aprazado -que era o dia 30 de Novembro, em que houve uma reunião da Comissão, apesar de a Assembleia ter os seus trabalhos interrompidos por virtude de uma reunião internacional que aqui teve lugar- os Deputados sociais-democratas, democratas cristãos e socialistas compareceram na Assembleia, tendo um Deputado comunista, o único presente no plenário da Comissão, pedido o adiamento do início da votação para o dia 5 de Dezembro.

O Sr. Carlos Brito(PCP): - O PCP nunca pediu o adiamento!

O Orador: - Foi daqui que tudo surgiu. Portanto, foi por se ter perdido uma tarde inteira que as reuniões dos dias 5 e 6 tiveram de ser mais exclusivas.

Protestos do PCP.

Em terceiro lugar, importa muito frisar isto, porque ao contrário do que consta no relatório, talvez por lapso, houve três, e não duas, reuniões da Comissão. No dia 5 de Dezembro, como consta do livro de actas, havia quórum e houve uma reunião, na qual se começou a votação. No dia 6 a votação teve início de manhã e prolongou-se à noite. Portanto, houve diversas reuniões da Comissão e nada pode ser invocado para tentar inquinar o processo seguido como irregularidades, a não ser que aqueles que começaram por fazer o mal, isto é, por pedir os adiamentos, também queiram fazer a caramunha.
Por último, quanto à famigerada reunião da noite do dia 6 de Dezembro, quero dizer que o conceito de alta madrugada é muito relativo, porque esta reunião terminou não eram ainda 3 horas.

Risos do PCP e do Sr. Deputado Acácio Barreiros (UDP).

Isto pode ser testemunhado por diversas pessoas, e se terminou a essas horas foi porque o PCP pediu interrupções - como já foi dito.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - De meia hora!

O Orador: - Meia hora bastante arrastada. Além disso, o PCP aceitou expressamente que essa reunião se fizesse à noite.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Aí está!

O Orador: - Não fez, nem antes, nem depois, qualquer objecção e agora, passadas cinco semanas - este requerimento está datado do dia 11 de Janeiro-, é que o PCP vem invocar as altas madrugadas.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não se faça de tonto, que não é!

O Orador: - Nem antes, nem durante, nem depois tinha sido invocado isso. Portanto, podemos entender isso como mais um expediente para tentar enganar alguns Deputados, o que não conseguiu.

Vozes do CDS: - Já estamos habituados!

O Orador: - Também não podemos tolerar que haja insinuações que ponham em causa o prestígio da Comissão. A Comissão de Educação, Ciência e Cultura tem trabalhado, tal como muitas outras -e eu sou disso testemunha-, com capacidade e denodo, sem olhar a horas. Tom sido daquelas que mais projectos de lei tem trazido ao Plenário, sendo inadmissível que haja aqui uma série de insinuações que ponham em causa não só o prestígio dos Deputados do PS, do PSD e do CDS como o da própria Comissão de Educação, Ciência e Cultura.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Ora!... Ora!...

O Orador: - Entendemos que a avocação dos requerimentos pelo Plenário só deve ser feita em casos excepcionais.
Aqui, embora tratando-se de matéria muito importante, aí estamos de acordo, ela foi larguissimamente debatida ao longo de dois anos e dois meses na Comissão, em subcomissões e no Plenário. Nada, a não ser uma mera chicana parlamentar, poderia justificar a avocação.
O Partido Comunista, como já foi dito, desinteressou-se dos trabalhos da subcomissão, aguardando apenas os trabalhos no plenário da Comissão para fazer as suas propostas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - Uma vez que o Sr. Deputado Vital Moreira entrou em matéria de fundo, queria dizer - embora a nossa declaração de voto, que será proferida pelo meu colega Gonçalves Sapinho, também o frise - que não há neste diploma privilegiamento das escolas particulares. O que se visa é exactamente acabar com o privilegiamento que hoje existe de alguns que podem ter acesso às escolas particulares e outros não e possibilitar o acesso, sem discriminações de ordem social, económica e regional, de todos, em igualdade, aos diversos tipos de escola, como hoje acontece em todos os países da Europa democrática, sem excepção.
Isto é que é a actualidade. Tudo o resto são duas coisas: em primeiro lugar, fazer com que o ensino particular, que se diz defender, morra por falta de meios, porque na prática seria isso que se conseguiria, excepto duas ou três escolas que ficariam reservadas às super-élites económicas. Em segundo lugar, acabando com a mentalidade ultrajacobina, centralizadora e estatista do PCP,...

Risos do PCP.

Página 854

854 I SÉRIE-NÚMERO 24

...que parece que ainda está nos anos do século passado ...

Vozes do PCP: - Irra!

O Orador: - ...ºu, quando muito, no princípio deste século, o Estado tem apoiado actividades culturais diversas, tem apoiado a própria imprensa, inclusive jornais que veiculam determinadas ideologias, porque é que agora o PCP se abespinha tanto quando apenas se trata das instituições de ensino?

Vozes do PCP: - Essa é boa!

O Orador: - Porque noutros casos talvez lhe interesse e aqui não. Aqui não lhe interessa, mas interessa ao povo português, que através da esmagadora maioria dos seus representantes, e só esses podem falar em nome dele, vai certamente aprovar este projecto de lei.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Isto é para completar as calúnias!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os fundamentos do requerimento do Partido Comunista consubstanciam-se, afinal, no segundo considerando do texto. E em nome do meu grupo parlamentar e, também, considerando que na altura exercia as funções de presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, quero dizer que não houve quaisquer circunstâncias estranhas na convocação e no desenvolvimento das reuniões da Comissão a este respeito.
É verdade que tínhamos assumido, com o conhecimento de todos os Srs. Deputados e com o conhecimento da conferência dos grupos parlamentares, um compromisso com o Sr. Presidente da Assembleia quanto às datas em que estariam, provavelmente, concluídos, para votação em Plenário, os trabalhos confiados à Comissão. E justamente a fim de se procurar cumprir esse compromisso que tínhamos tomado, houve, de facto, um esforço de que resultou uma sessão noctuma, sessão essa que foi prolongada -o que já aqui foi dito- em virtude de um pedido de interrupção do Partido Comunista.
Mas a realidade é que essa reunião não se prolongou, nem de longe, até às 5 horas da manhã e lembro, aliás, que se têm aqui votado alguns diplomas muito mais tarde do que isso.
Não é também verdade, ao contrário do que aqui foi dito, que tenha havido reuniões da referida Comissão durante os trabalhos da Assembleia.
Quanto aos outros pontos focados neste segundo considerando, como se poderá ver pelo relatório, não é exacto que a maioria dos artigos tenha sido votada apenas por dois Deputados do PS, sendo certo, aliás, que esse facto não teve qualquer repercussão ou influência nos resultados das votações.
Nós não estranhamos, efectivamente, que o PCP, depois de ter prolongado e arrastado os trabalhos da Comissão nessa sessão e em outras, tenha dificuldade em aceitar o resultado da maioria que se pronunciou a este respeito. Porém, a nosso ver, isso não pode ser motivo para que o Plenário evoque uma votação na especialidade, votação essa que está feita, com o seu relatório aprovado por unanimidade.

Risos do PCP.

Pois é, está feita. É divertido, mas está.

Uma voz do PCP: - Já não temos o direito de rir?...

O Orador: - É claro que tem o direito de rir, até têm o direito de fazer requerimentos destes, quanto mais o de rir! ...

Uma voz do PCP: - É malcriado!

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Tenha calma, tenha calma!

O Orador: - Estamos, portanto, perante mais uma tentativa do PCP para protelar a deliberação final da Assembleia sobre o projecto-lei em causa. Não podemos aceitar o requerimento e, sem entrar em pormenores que são conhecidos de todos os membros da Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e Cultura, estes são. em suma, os motivos que nos levaram a votar contra.
Deste modo, entendemos que a Assembleia deve passar imediatamente à votação final global.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, é para uma declaração de voto que se resume a um esclarecimento.
Na realidade, ao contrário do que o Sr. Deputado Oliveira Dias acaba de dizer, o nosso principal argumento para pedir a avocação não é o modo como se votou, o nosso principal argumento é aquilo que se votou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Que o Sr. Deputado e os outros partidos estejam interessados em reduzir os nossos argumentos a esse e em saber se a reunião se prolongou até às 3 ou até às 5 horas, ou mesmo se, afinal, os Deputados do PS presentes seriam dois ou três, isso não tem realmente muito significado, significa apenas que pretendem ignorar a questão principal. Ë que, efectivamente, a principal razão para a avocação não é o modo como se votou, mas sim aquilo que se votou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós pensamos que a razão fundamental que levou o PCP a requerer a avocação é que o PCP

Página 855

19 DE JANEIRO DE 1979 855

não pode conformar-se por ter sido derrotado votação na especialidade em comissão.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito é, Sr. Deputado?

O Sr. Lino Lima (PCP): - É para dar uma explicação ao Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): -Mas, afinal, não há Regimento?! ...

O Sr. Lino Lima (PCP): - Queria apenas dizer ao Sr. Deputado Oliveira Dias que, há pouco, quando nos sorrimos aqui entre nós, mio era a propósito da sua intervenção. Nesse momento estávamos a comentar, sem que isso signifique; desrespeito pela sua intervenção, que afinal, na prática, o Partido Socialista já tinha votado pela avocação, visto que votou pela ausência.

Risos do PCP.

Era isso que nós estávamos aqui a comentar e. portanto, como vê, não era propriamente um comentário à sua intervenção.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito é, Sr. Deputado?

O Sr. Salgado Zenha (PS): - É apenas para uma explicação, Sr. Presidente. É evidente que o Partido Comunista quis que este seu 'requerimento de avocação fosse rejeitado, porque quando se redigem fundamentos que são injuriosos ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Oh, Sr. Deputado!...

O Orador: - ... e impróprios da própria convivência democrática, é isso precisamente o que se pretende.

Risos do PCP.

Vozes do PCP: - Nós retiramos todos os considerandos ...

O Orador: - Assim, nós fizemos-lhe a vontade, pelo que agora o Partido Comunista tem apenas que nos agradecer o facto de lhe termos feito a vontade.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder agora à votação final global do texto da Comissão de Educação, Ciência e Cultura relativo ao projecto de lei n.º 108/I.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e do Deputado independente Galvão de Melo e votos contra do PCP, da UDP e do Deputado independente Aires Rodrigues.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP votou contra a chamada Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, que, em nosso entender, com bastante mais propriedade se deveria intitular: Lei do Financiamento do Ensino Particular, por toda uma série de razões fundamentais que passo a enunciar.
No entanto, gostaríamos de fazer um esclarecimento prévio. O PCP tinha votado favoravelmente na generalidade o projecto de lei inicial do Partido Socialista, uma vez que considerávamos que esse texto constituía um razoável .ponto de partida para legislar nesta matéria.
No entanto, na votação da especialidade, o Partido Socialista veio a aceitar alterações de tal ordem que o resultado é uma lei muito mais perto do projecto derrubado do PPD do que do projecto aprovado do Partido Socialista.
Se não bastassem para comprovar esta afirmação as entusiásticas exclamações transcritas em órgãos de comunicação social de Deputados do PPD e do CDS, que afirmam coisas como esta "só por isto valia a pena o 25 de Abril" ou "trata-se da lei mais importante aprovada nesta Assembleia", se isto não bastasse, seria suficiente a constatação de que mais de metade dos artigos da Lei foram votados com o PPD e o CDS em maioria na Comissão de Educação.
Efectivamente, a pressa da direita em votar esta Lei levou a que a Comissão de Educação, num acto verdadeiramente inédito, tenha reunido em pleno debate do Programa do Governo. E reuniu com a composição que passo a enunciar: três Deputados do CDS, cinco Deputados do PPD, três do PCP, isto é, exactamente os votos que estes partidos detêm na Comissão, e dois Deputados socialistas, que poderiam ser oito. Isto é, o PPD e o CDS tinham oito votos, o PS e o PCP cinco. No entanto, quando o PCP levantou o problema desta estranha composição da Comissão e propôs uma interrupção da votação, foi o próprio Partido Socialista que se lhe opôs. A conclusão é simples de tirar. O PS entregava-se nos braços do PPD e do CDS para legislar num campo tão importante como é o do ensino particular.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se estas questões prévias são claras como a água, o articulado da lei também o é no que lá está e naquilo em que é omisso.
A Constituição foi pura e simplesmente ignorada. A Constituição que é tão clara no seu artigo 75.º, o único em que refere o ensino particular. No entanto o conceito constitucional de supletividade e a consequente acção fiscalizadora do Estado foram praticamente postos fora da lei, apesar das sucessivas propostas do PCP de as introduzir no articulado.
Esta lei, contrariamente à letra e ao espírito da Constituição, coloca o ensino privado em situação de favor em relação ao ensino público. Privilegia a escola de alguns privilegiados em desfavor da escola de todos nós.
Isenta todo e qualquer estabelecimento particular, quer supra ou não carências da rede pública de contribuições e impostos, assegura a possibilidade de contratos do Estado com todos eles, encontrem-se

Página 856

856 I SÉRIE-NÚMERO 24

em áreas necessitadas ou não, garantam ou não o princípio constitucional da liberdade de ensinar e aprender.
Isto bastava para que o PCP não pudesse nunca dar o seu voto favorável a tal lei.
Parece-nos, no entanto, útil reafirmar aqui, mais uma vez, que não contestamos nem nunca contestámos a existência de ensino particular, não propomos nem nunca propusemos a sua nacionalização, como outros já fizeram, o que não aceitamos é que todo o ensino privado seja financiado pelo dinheiro público. Dissemos no debate na generalidade, e propusemo-lo na especialidade, que fossem apoiados, incluindo financeiramente, os estabelecimentos de ensino privado que supram carências da rede pública.
No entanto, estas propostas não tiveram êxito no Partido Socialista, que ao arrepio do seu projecto inicial cedeu às pretensões do PPD e do CDS.
É assim que a partir do próximo ano, do magro orçamento do Ministério da Educação serão desviadas verbas substanciais (mais ou menos fica ao arbítrio do Ministério) para financiar os colégios onde a burguesia tem os seus filhos.
Não são os filhos dos operários, dos camponeses, os meninos dos bairros de latia, os filhos do povo trabalhador, os filhos da imensa maioria dos portugueses que frequentam os colégios particulares. São, no essencial, os filhos de quem tem meios para pagar 2, 3 ou 4 contos por mês.
O argumento invocado pela direita - e que ainda há pouco foi invocado pelo Sr. Deputado Pedro Roseta - de que no caso de serem financiados pelo Estado abrirão as suas portas a toda a gente só pode ser aceite por quem for muito ingénuo. Primeiro, porque na lei se permite a discriminação ideológica no acesso. Se o dono de um estabelecimento disser que no seu colégio só entram meninos sociais-democratas tem a lei a seu favor e não deixa de ser financiado por isso, financiado com o dinheiro de todos nós, evidentemente.
Em segundo lugar, é também evidente que a entidade proprietária fará exactamente o mesmo que Já faz hoje. Receberá o dinheiro que o Estado conceder para o ensino ficar grátis. Grátis no papel, porque continuarão para lá do financiamento público, a cobrar mensalidade pelo ballet ou pela ginástica, pela música ou pela plasticina e exigirá uma farda cor de laranja e uns sapatos de verniz! Teremos assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o ensino público para o povo pior do que já está hoje, e o outro, pago por todos nós, será ministrado em estabelecimentos bem equipados, com extras, com línguas, com música e com bailei.
Dar-se-á ou não, Srs. Deputados, um importante passo no sentido de intensificar a selecção de classe do ensino no País? No entanto, a Constituição consagra o direito ao ensino como um direito fundamental e preconiza que seja favorecido o acosso a todos os graus de ensino dos trabalhadores e dos seus filhos.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outro aspecto importante há ainda a salientar.
O nosso país, que atravessa uma gravíssima crise económica e financeira em que o Ministério da Educação tem uma pequena parcela de quase 10% do Orçamento Geral do 'Estado, vai, se esta lei for aplicada em toda a sua dimensão, desviar uma substancial parte dessa verba para financiar o ensino privado. Tal facto não pode deixar de causar as mais sérias apreensões aos verdadeiros democratas, aos reais continuadores do espírito da República e ao povo trabalhador.
E neste momento não posso deixar de fazer um comentário às afirmações feitas há pouco pelo Sr. Deputado António Reis quando se referiu ao teatro. Eu pergunto-lhe apenas: não seria idêntico, Sr. Deputado, que no vosso Serviço Nacional de Saúde se começasse a financiar todas as casas de saúde e consultórios privados de médicos?

O Sr. António Reis (PS): - Uma coisa é o corpo e outra é o espírito!

Vozes do PCP: -Ah!

A Oradora: - Ah, é a diferença entre o corpo e o espírito?!

O Sr. António Reis (PS): - Sou um espiritualista!

A Oradora: - Não serão antes as diferenças entre o Partido Socialista para a saúde e o Partido Socialista para a educação? Aliás, penso que isso está bem claro nesta lei para o ensino particular.

O Sr. António Reis (PS): - É uma questão ontológica!

A Oradora: - Efectivamente saberão os Srs. Deputados que votaram favoravelmente esta lei, e eu acredito firmemente que mirtos não soubessem exactamente o significado real do que estavam a votar e por isso requeremos a avocação a Plenário da Assembleia deste projecto lei, saberão esses Srs. Deputados a real situação do ensino público? Saberão que há crianças que andam quilómetros para ir à escola? Que há escolas em regime duplo, triplo e quádruplo? Que 'há escolas sem verba para aquecimento? Que há escolas com duas salas para duzentas crianças e sete professores? Que as escolas têm, neste momento, uma verba anual de 200$ para reparações por salas de aula, verba esta que não é revista há vinte anos? Saberão que o suplemento alimentar às crianças foi reduzido para um copo de leite com o argumento de que não há verba? Que há escolas a cair? Que há milhares onde chove? Que há professores que lavam os copos de leite porque está congelada a contratação de pessoal porque não há verba? Que há falta de escolas primárias e secundárias? Que há milhares de crianças que não prosseguem os seus estudos porque as bolsas são reduzidas? Que faltam laboratórios e ginásios? Muito mais poderíamos dizer, mas esta pequena amostra da situação, que, de forma nenhuma, pretendemos exaustiva, será, com a aplicação plena desta lei, agravar-se. Certamente que ninguém pensa que com a grave situação económica que o País vive existem meios económicos e financeiros para financiar o ensino público, e melhorá-lo até, e simultaneamente financiar todo o ensino privado. Ou será que o Governo vai subir, nessa medida, a parcela para a educação no Orçamento Geral do Estado? É claro em toda a vida política do País, mas é-o tam-

Página 857

19 DE JANEIRO DE 1919 857

bem na educação, como a direita quando se trata de defender os seus interesses de classe já não se preocupa com questões de austeridade. Austeridade, sim, mas para os trabalhadores e seus filhos!
Na verdade, do muito mais que se poderia referir das consequências da aprovação desta lei há uma que, encontrando-nos no Ano Internacional da Criança, não pode deixar de ser referida. Que péssimo serviço se presta às crianças, à imensa maioria das crianças portuguesas, a todas aquelas que tem a rua como jardim-escola, quando se aprova uma lei que vai ter como consequência directa o atraso ou o congelamento do lançamento da rede pública de ensino infantil. A questão é simples e clara. Como vai o magro orçamento da educação financiar os estabelecimentos privados que já existem e que se vão formar e, simultaneamente, cumprir o preceito constitucional de lançar a respectiva rede oficial? E certamente ninguém ignora como os estabelecimentos privados existentes estão na sua imensa maioria implantados fora das zonas mais carenciadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois outros traços da lei importa ainda salientar: por um lado, a constante imposição de legislação complementar remetida para o Governo; por outro, a discricionariedade que permite ao Ministro em numerosos campos fundamentais. Se neste momento existisse no nosso país um governo condicente com a vontade expressa do povo português, isso não era tão grave. No entanto, o Governo que existe, sob a capa do apartdarismo, é um Governo de direita, é o mais à direita desde o 25 de Abril e é em relação aos responsáveis pela educação, o que certamente não tem passado desapercebido ao País, o das simpatias entusiásticas dos dirigentes do CDS.
Dizer que isto é um argumento infantil, como fez há pouco o Sr. Deputado do Partido Socialista, mostra claramente onde é que estará a infantilidade dos argumentos.
Remeter assim para esse Governo a regulamentação da aplicação da lei ao ensino superior, por exemplo, leva-nos desde já a imaginar facilmente o resultado de tal processo.
Mas introduzir também, e isso foi feito unicamente no projecto final, a seguinte norma [artigo 6.º, ponto 2, alínea d)]:
Conceder subsídios e celebrar contratos para o funcionamento das escolas particulares e Cooperativas, de forma a garantir, progressivamente, a igualdade de condições de frequência com o ensino público nos níveis gratuitos e a atenuar as desigualdades existentes nos níveis não gratuitos, é abrir a porta a que o Ministro, este ou outro, apoie tudo e não olhe a meios nem às consequências.
Destas questões resulta também, inevitavelmente, a razão de ser do voto contrário do PCP.
Quanto aos docentes consideramos positivo, e por isso votámos a favor a consagração do princípio da identidade da carreira de professores de ensino particular com as do ensino público, e só lamentamos que essa identidade não seja total.
Nomeadamente, e a título exemplificativo, salientamos o facto de não se exigir habilitações idênticas. Não podemos admitir que se continue a aceitar o
recrutamento de pessoas sem a devida preparação, que não são, no fundo, mais do que encaradas como mão-de-obra barata pelas entidades empregadoras.
A retirada aos professores particulares do imposto profissional, se é por um lado aparentemente justa, vai sobretudo beneficiar os donos dos colégios e prejudicar os professores que vão, sem dúvida, ver os seus vencimentos ilíquidos diminuídos e, consequentemente, prejudicados na reforma e no subsídio de doença.
Ainda neste campo o PCP considera muito grave a abertura de estágio para profissionalização de professores em estabelecimentos particulares. Se a formação de professores é, quanto a nós, uma função eminentemente pública -e esta norma também não estava no projecto inicial do Partido Socialista-, esta proposta, que partiu do PPD e foi aceite pelo PS, parece explicar a razão do absurdo de não se ter ainda aberto vagas do estágio, apesar da reivindicação unânime dos professores nesse sentido. Parece, assim, querer abrir-se as portas a mais um negócio: os estágios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A terminar o Grupo Parlamentar do PCP queria ainda salientar que considera que a presente lei é um mau serviço prestado à liberdade de ensinar e aprender consagrada na Constituição.
Na verdade é para nós claro que a liberdade de ensinar e aprender se consagra antes do mais no ensino público. É na diversidade de pensamento de estudantes e professores, é no confronto de ideias e ideologias inerentes à escola pública, é na garantia de que o ensino não é confessional que se consagra, antes do mais, a liberdade de ensinar e aprender. É no direito dos professores de controlar os seus estudos pedagógicos, é na acção crítica dos estudantes ao ensino que recebem que está a real liberdade de ensinar e aprender. O inverso, a filosofia inerente ao projecto de lei do PS agora alterado consagra a concepção de que a liberdade de ensinar e aprender se consagra em escolas de evidente programação e orientação ideológica ou confessional. Assim teríamos ou .temos uma sociedade dividida em ghettos, em escolas para os sociais-democratas, outras para os democratas-cristãos, outras para os protestantes e outras para os católicos.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - E outra para os marxistas!

A Oradora: - A direita teme efectivamente o debate ideológico, diria com toda a propriedade, a direita teme o pluralismo ideológico inerente à escola pública, quer escolas separadas onde formar os seus filhos e os seus quadros sem esse confronto "pernicioso" inerente à escola pública. A direita teme o contacto da juventude com as ideias do progresso, da democracia, da justiça social, pois sabe tão bem como nós que os jovens, por o serem, são particularmente sensíveis aos princípios e ideais da democracia.
Que a direita o tema não nos espanta. Mas que o Partido Socialista lhe dê o avale já nos surpreende mais.

Aplausos do PCP.

Página 858

858 I SÉRIE-NÚMERO 24

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros.

O Sr. Acácio Barreiros (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP encarou, desde o princípio, com o máximo cuidado, a votação deste projecto de lei, sobretudo pelo respeito que nos merecem numerosas escolas de ensino particular que têm feito um grande esforço e têm tido a grande utilidade de, na prática, suprirem deficiências da rede oficial.
Mas o projecto de lei inicial do PS foi profundamente alterado no seu sentido: porque o que se pretende a partir de agora é colocar o Estado a financiar não apenas as escolas que, com muitas dificuldades, têm tido a utilidade prática e evidente de suprir deficiências da rede oficial, mas todas as escolas do ensino particular, o que tem, evidentemente por detrás, o acordo com a direita reaccionária que vem agora exigir do Estado que subsidie as próprias escolas, com a sua própria ideologia, essa mesma direita reaccionária que aqui nesta Assembleia e para o ensino oficial reclama o pluralismo.
Surge ainda claro que um projecto de lei como este tem por detrás um acordo com a alta hierarquia católica, acordo esse perfeitamente ilegítimo, de apoio a escolas de ensino particular de ideologia católica, mesmo que estas não tenham qualquer utilidade por não serem necessárias em zonas onde a rede oficial cobre perfeitamente as necessidades de ensino, o que, quanto a nós, fere profundamente os princípios constitucionais e, direi mesmo, os próprios princípios da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão do presente projecto de lei sobre as bases do ensino particular e cooperativo constituiu uma oportunidade para serem levantados alguns dos mais graves problemas com que se debate actualmente o ensino no nosso país e para serem analisadas as vias que poderão conduzir a uma solução desses problemas no interesse do povo português, confrontando-as com o rumo que a política educacional tem vindo a tomar.
Há na verdade motivos sérios para que nos preocupemos com a situação do ensino em Portugal, que continua a ser considerado o parente pobre, que nunca é prioritário e que pode sempre esperar as medidas de fundo urgentes.
Como poderíamos olhar sem .preocupação crescente o número de crianças que, por carências de toda a espécie, que vão desde o baixíssimo nível económico da família até às deficiências da rede escolar, abandona logo nos primeiros anos a escola primária? Como poderíamos ignorar os sacrifícios, cada vez maiores, que faz a maioria das famílias portuguesas para custear as despesas escolares dos seus filhos, para fazer face, por exemplo, aos preços verdadeiramente escandalosos dos livros de ensino? Como responder às necessidades urgentes de construção de salas de aula capazes de comportar o afluxo da população escolar que se está a verificar neste momento e que se calculam em 15000 salas para o primário e 5800 para o ciclo e o secundário? Como interpretar o constante adiamento sine die do lançamento de uma rede de ensino pré-escolar e infantil?
Perante a gravidade dos problemas com que nos confrontamos, seria de esperar que todos os esforços legislativos caminhassem no sentido de melhorar substancialmente tal situação, que fosse traçada uma política orçamental destinada a criar uma rede eficiente, um conjunto de medidas oficiais que assegurasse a todos os portugueses o direito ao ensino, consignado na Constituição da República.
Esperaríamos que quando a Câmara discutisse a política de educação o fizesse neste sentido! E o que é que, na verdade, se passou?
Vejamos a substância do projecto de lei que hoje acaba de ser votado.
O projecto de lei dá possibilidade ao Governo de um financiamento indiscriminado dos estabelecimentos do ensino particular, mesmo quando eles não sejam necessários para suprir as insuficiências da cobertura da rede escolar no ensino oficial.
Não é, efectivamente, este o caminho apontado pela Constituição para a definição de uma política de ensino, vejam-se os artigos 74.º e 75.º, os quais apontam claramente para a criação de uma rede de estabelecimentos oficiais de ensino que cubra as necessidades da população e para a necessidade do ensino particular subsistir apenas com uma função supletiva em relação ao ensino público. Em segundo lugar, o projecto de lei não assegura a fiscalização dos estabelecimentos do ensino particular pelo Estado, a qual é estipulada no artigo 75.º da Constituição.
O encaminhamento das verbas do Estado, que deveriam ser destinadas a aumentar e a melhorar o ensino oficial, para os estabelecimentos privados de ensino, a não fiscalização do funcionamento desses estabelecimentos e -do conteúdo do ensino que aí é ministrado não vão, de facto, contribuir para o acesso ao ensino de todos os portugueses, e, em especial, das classes trabalhadoras, não vão contribuir para a difusão de um ensino democrático ao serviço do povo português.
Este decreto-lei vai, sim, permitir o financiamento com dinheiros públicos das empresas de ensino que se destinam aos filhos das classes privilegiadas e que veiculam um ensino que, pelo seu conteúdo, se opõe claramente aos ideais democráticos do 25 de Abril!
Em terceiro lugar, a aprovação deste projecto de lei vem abrir portas à extensão dos seus princípios e disposições ao ensino superior, o que iria, por certo, significar o apoio do Estado a instituições do tipo "Universidades particulares", ainda há tão pouco tempo faladas nos meios de direita. O apoio do Estado aos estabelecimentos privados de ensino superior, ao mesmo tempo que se restringe a entrada nas Universidades, que não se tomam medidas eficazes para resolver prementes problemas pedagógicos que nelas a população escolar tem levantado, vai frontalmente contra o espírito e a letra da Constituição, que aponta para a criação de condições de acesso dos filhos dos trabalhadores a todos os graus de ensino e a criação de quadros científicos e técnicos que respondam às necessidades do País.
Por isso a UDP não tem quaisquer dúvidas em votar hoje contra um tal projecto de lei.
É de lamentar que a direcção do Partido Socialista, mais uma vez, tenha recuado em toda a linha diante das exigências da direita reaccionária e do projecto menos mau que tinha apresentado tenha acabado por permitir ao PPD e ao CDS passar todo o seu reaccionário contrabando ideológico.

Página 859

19 DE JANEIRO DE 1979 859

As violações à Constituição que este processo encerra são tão grosseiras e flagrantes que a UDP espera que a Comissão Constitucional, que no caso da Lei Eleitoral se mostrou tão zelosa do cumprimento da legalidade 'constitucional, mostre agora igual rigor em relação a este decreto.
Mas se o não fizer, as forças democráticas não deixarão de levantar com vigor a exigência de revogação desta lei, em nome da democratização do ensino e da defesa da Constituição que o 25 de Abril exige.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Gonçalves Sapinho.

O Sr. Gonçalves Sapinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vale a pena recordar que, em Novembro de 1976, já lá vão vinte e cinco longos meses, os Deputados do Partido Social-Democrata apresentaram a esta Assembleia da República um projecto de lei sobre a liberdade de ensino com o intuito de contribuir para a correcção da secular subalternização da liberdade como valor inspirador do sistema de ensino português que, até ao presente, se estruturou de forma centralista e estatizante.
Pensaram os Deputados sociais-democratas que era oportuno e imperioso pôr termo ao Estatuto do Ensino Particular, velho de cinquenta anos, e criar condições de abertura para a liberdade em todas as instituições escolares. No ano de 1976, dois anos e meio após a Revolução de Abril, continuava o ensino particular a reger-se pela legislação concebida logo no início da longa ditadura.
Pretenderam, os Deputados sociais-democratas, com o mesmo documento de 1976, libertar o ensino particular da tutela, marginalização e tolerância asfixiante a que até hoje tem estado submetido e criar um espaço próprio para o ensino privado, como componente porventura essencial da liberdade de ensino.
Propuseram os mesmos Deputados um projecto adequado, ambicioso e inovador, projecto esse que vinculasse o Governo e as demais entidades que hão-de executar a lei a uma acção concreta e precisa, que fizesse emergir das cinzas a liberdade até aqui sonegada.
Salientaram os Deputados subscritores do projecto de Novembro de 1976 que ensino e liberdade são inseparáveis e que legislar sobre o ensino privado sem o integrar nos quadros gerais da liberdade de ensino é distorcer a realidade, é evitar uma visão global e integrada de todo o sistema escolar.
Não o entenderam assim as restantes forças políticas representadas nesta Assembleia, não o entenderam assim, designadamente, o PS e o CDS, que entre si repartiram aquilo que dificilmente é repartível e rejeitaram, reforçados pelo PCP, o projecto die lei n.º 25/I, que pretendia ser, e na nessa opinião era, um valioso contributo para problemas tão importantes e momentosos como o ensino privado, em particular, e a liberdade de ensino, em geral. Assim surge, como alternativa truncada, o projecto de lei do Partido Socialista sobre as bases gerais do ensino particular e cooperativo, que mereceu fortes e fundadas críticas por parte do meu partido, e que recebeu os aplausos do PS e do CDS e, curiosamente, do PCP, que apareceu envolto em ténue máscara, para ocultar germinações favoráveis ao desenvolvimento da sua estratégia estatizante.
Aprovado, na generalidade, por estes três partidos, na reunião plenária de l de Junho último, sobre o projecto socialista trabalharam uma subcomissão e a Comissão de Educação, Ciência e Cultura, que elaboraram e aprovaram um texto que mereceu o acordo do maior denominador comum desta Assembleia, isto é, dos três maiores partidos aqui representados: o PS, o PSD e o CDS, ficando, curiosamente, de fora, o PCP, que resolveu votar contra, aparecendo agora sem reserva mental, nus e crus, o que atesta que algo mudou entre o projecto inicial e a lei que acabamos de aprovar.

Vozes do PCP: - Ora aí estai

O Orador: - Votaram a favor os que querem a definição e a clarificação de situações; ...

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ...votaram contra os que preferem manter a todo o custo a indefinição, a incerteza e a insegurança provocadoras do definhamento das instituições. Votaram a favor 05 que estão dará e inequivocamente com o pluralismo de projectos educativos; votaram contra os que sonham com a subjugação de alunos e professores à sua hipotética doutrina unívoca.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E o pluralismo, Sr. Deputado?

O Orador: - Votaram a favor os que jogam no futuro; votaram contra os que se alimentam dos fantasmas do passado.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Isso é uma declaração de voto comum!

O Sr. Limo Lima (PCP): - É uma declaração de voto de denominador comum.

O Orador: - Esta lei ombreia, em importância política e social e no desbravar do longo e difícil mas cada vez mais certo caminho para a consolidação da democracia, ombreia, dizíamos nós, com leis aqui aprovadas como a da Reforma Agrária, a da Delimitação dos Sectores Público e Privado, a das Indemnizações, a Lei Eleitoral e outras.
Porém, nenhuma delas, segundo penso, obteve tão larga maioria apoiante como a Lei de Bases Gerais do Ensino Particular e Cooperativo.
Esta lei encontrou vontade política e determinação dos três maiores partidos, o que lhe confere um substrato social e partidário suficientemente amplo para que a sua correcta execução seja encarada por nós com uma boa dose de optimismo.
Vale a pena assinalar este facto político, e acentuá-lo, por se tratar, cronologicamente, da segunda lei de fundo aprovada neste País, já que o primeiro lugar pertence, cronologicamente, à Lei da Reforma Agrária.

Página 860

860 I SÉRIE-NÚMERO 24

Não sendo esta a lei do PSD, descortinando nela algumas imprecisões e bastantes omissões, pensamos que no seu espírito e na sua letra está contido aquele mínimo que nos permitiu engrossar o cortejo dos apoiantes. Tais afirmações carecem de explicitação:
Em primeiro lugar, entendemos, na sequência do que já deixámos implícito, que as bases gerais do ensino particular e cooperativo tinham pleno cabimento e justificação numa lei mais ampla em que fossem definidos os quadros gerais da liberdade de ensino, estabelecendo objectivos, processos e metas específicas, garantia eficaz da liberdade, sem discriminações financeiras, burocráticas ou outras, não privilegiando nem desfavorecendo, como até ao presente tem sucedido, as pessoas e famílias que optem pelo ensino não estatal.
Em segundo lugar, trata-se de uma lei de âmbito restrito, uma vez que exclui o ensino superior, o ensino doméstico, o ensino à distância e outras formas sistemáticas de ensino.
Em terceiro lugar, é omisso em questões como a dos impostos, designadamente no que se refere à contribuição industrial, contribuição predial e outros impostos.
Finalmente, algumas das suas disposições são meros votos piedosos cuja efectivação não fica suficientemente garantida, correndo, portanto, o risco de se converterem em letra morta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de tudo isto reconhecemos que esta Lei constitui um primeiro e assinalável passo para o desbloqueamento de um importante sector da educação, que tem fortes raízes sociais, que passa a ter existência por direito próprio e não por tolerância, que deixa de ser o parente pobre e envergonhado, para assumir o papel a que 'historicamente ganhou "jus" e o futuro lhe reserva, que contribuirá decisivamente para a clarificação da sociedade democrática, livre e pluralista que queremos construir com fundamentos sólidos.
A diferença de voto entre a generalidade e a especialidade radica-se, por um lado, nesta esperança que deixamos expressa e, por outro lado, no facto de o PSD ser um partido responsável que joga em situações, excluindo totalmente as posições extremistas do tudo ou do nada, do preto ou do branco, como é timbre de outras forças partidárias.
Além disso, a Lei sofreu melhorias sensíveis, umas da lavra do PSD, outras derivadas da abertura real do Partido Socialista, das quais destacamos as seguintes:
A consagração do princípio da igualdade de oportunidades no exercício da livre escolha entre pluralidade de opções, de vias educativas e de condições de ensino e garantindo, progressivamente, aos alunos do ensino privado igualdade de condições de frequência com o ensino público nos níveis gratuitos e atenuando as desigualdades nos níveis não gratuitos;
Ficou mais claro que o ensino não estatal não prosseguirá caminhos em oposição ao ensino público e que entre ambos se estabelecerá um espaço de complementaridade de que só beneficiará o ensino em geral e a juventude em particular;
Viabiliza-se a participação criadora da sociedade no domínio da educação;
Ficou reconhecido, inequivocamente, o carácter de interesse público do ensino particular e cooperativo;
No regime de contratos foram estabelecidas prioridades, privilegiando as zonas mais carenciadas no campo do ensino e assegurando aos alunos destas zonas de qualquer nível ou ramo de ensino plena igualdade com os alunos do ensino oficial;
Aos alunos das escolas particulares e cooperativas são concedidos, sem quaisquer discriminações, os benefícios e regalias previstos para os alunos das escolas oficiais, no âmbito da acção social escolar;
Cortou de raiz a preocupação e incerteza que começava a pairar sobre o professorado do ensino não estatal, incerteza não só social, mas sobretudo profissional;
Ficou consagrado, para os professores, um regime que tende a equipará-los com os seus colegas do ensino oficial, no que se refere a direitos e deveres, a vencimentos, fases e diuturnidades, a descontos, a qualificação e classificação do trabalho docente, a transferência para escolas públicas sem quebra de direitos adquiridos, à possibilidade de frequência de estágios em escolas públicas ou privadas, à obtenção de mais amplas regalias sociais.
Finalmente, a Lei deixou de ser um conjunto de recomendações para, em muitos aspectos, vincular efectivamente a Administração. Aprovada esta Lei, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é preciso criar condições para que as fundadas expectativas criadas se não frustrem e caiam em saco roto. Nestas circunstâncias, impõe-se na nossa opinião:

1.º Que esta Lei seja regulamentada em tempo oportuno e haja vontade política e efectiva, por parte do Governo, de a executar. O PSD estará atento às acções concretas conducentes à sua correcta e cabal execução;
2.º Que a Inspecção-Geral do Ensino Particular seja totalmente reformulada ou extinta e substituída por organismo adequado às novas tarefas decorrentes da nova Lei e dinamizador do sector privado do ensino;
3.º Que o dinamismo dos interessados seja exigente para consigo próprios no sentido de uma melhoria qualitativa do já existente e de uma maior expansão do sector.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei de Bases Gerais do Ensino Particular e Cooperativo, que acabamos de aprovar, constitui uma notável contribuição da Assembleia da República para a necessária e urgente clarificação de um sistema nacional da educação que tenha em conta a justiça social, os direitos dos cidadãos em matéria de aprender e ensinar, um processo culturalmente aberto de evolução da vida democrática e a sã convivência política e ideológica entre todos os portugueses.
Procurámos, como socialistas, ao propor esta Lei à Assembleia, afirmar que reconhecemos, respeitamos e defendemos a existência de pluralidade de escolas de iniciativa particular, autárquica e cooperativa ao

Página 861

19 DE JANEIRO DE 1979 861

lado da escola pública de responsabilidade do Estado e cujas funções estão definidas nos preceitos constitucionais.
Como por diversas vezes aqui afirmámos, a liberdade de aprender e ensinar consignada na Constituição não se confunde com o direito da iniciativa privada de criar e manter escotes. É 'um direito fundamental do homem, mas que necessita de uma compreensão clara e de um 'exercício mais efectivo, integrado numa perspectiva dinâmica do nosso país.
Para nós, socialistas, a efectividade do direito de liberdade de aprender e ensinar só se atingirá através do pluralismo educativo e este só se constrói evitando monolitismos de ensino, quer das escolas públicas, quer das privadas. O monolitismo no campo do ensino, quer se baseie em princípios de neutralidade ideológica, quer em princípios confessionais, é sempre expressão de sistemas culturais fechados, arcaicos, fixados no passado, e não no futuro.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Para bem da democracia e do desenvolvimento global deste País, temos de os ultrapassar.
Assim sendo, que fazer para nos irmos progressivamente aproximando desta meta?
Primeiro, definir os grandes objectivos da educação para o País e o sistema de instituições, meios e processos para o seu alcance. Hoje o sistema educativo de qualquer país já não se esgota na rede de escolas que classicamente ministram a instrução. Há que contar com todo o tipo de estabelecimentos e meios, tais como instituições de cultura, associações regionais de animação cultural, meios áudio-visuais, movimentos de juventude, centros de formação profissional, ensino à distância, acções de formação permanente, etc. Tudo isto constitui o sistema nacional de educação. Cada uma das suas partes será de interesse público, se contribuir de qualquer forma específica para os objectivos da política educativa, segundo planos e programa definidos em função de prioridades de acção e aplicação racional e justa dos meios financeiros e humanos.
A Lei que acabámos de aprovar dá oportunidade para que a iniciativa privada e cooperativa, dentro de programas nacionais e, sobretudo, regionais, de educação possa dar um contributo específico e de interesse público na correcção das graves injustiças sociais no campo educativo. A criação de igualdade de oportunidades de acesso à cultura e ao desenvolvimento de potencialidades pessoais para todos os portugueses sem excepção, objectivos do projecto educativo socialista, não se alcança apenas através da extensão da rede escolar pública. Não é apenas a falta de escolas que impede a existência de igualdades de oportunidades e provoca assimetrias regionais e sociais no acesso ao ensino. As dificuldades e entraves existem também quando não se podem adequar aos alunos os meios pedagógicos, os conteúdos de ensino, a atenção supletiva dos agentes educativos. Quando não é possível desenvolver dentro de um mesmo estabelecimento escolar as acções pedagógicas e educativas mais apropriadas a deficiências físicas, intelectuais ou de comportamento; quando não se pode imprimir novas orientações experimentais, novos processos didácticos, novas combinações de conteúdos programáticos interdisciplinares, antes de saber quais os seus efeitos ao estendê-los a toda a população escolar regional ou nacional.
Em todos estes campos, as escolas privadas e cooperativas podem dar um forte contributo positivo, garantida a qualidade pedagógica que por esta Lei lhes é exigida e orientando a iniciativa dos cidadãos, grupos de pais e professores para programas e acções de interesse educativo de todos. Neste caso, quer sobre o ponto de vista de supletividade de rede, quer de supletividade pedagógica e educativa, integrar-se-ão como contributos positivos no projecto educativo nacional e deverão merecer por isso o tratamento de instituição de interesse público. Esta nova concepção do papel da iniciativa, salvaguarda evidentemente os direitos dos pais na escolha das vias educativas para seus filhos, mas ultrapassa a concepção da função das escolas particulares como ghettos de conservação e preservação de grupos sociais e culturais fechados ao confronto e diálogo com todos os outros.
As escolas que visem tal função, é evidente que poderão existir, salvaguardadas as exigências de qualidade educativa definidas pelo Estado, mas não serão consideradas de interesse público e, portanto, não beneficiarão dos direitos de contrato, subsídios e apoio técnico que nesta Lei se apontam.
A Lei integra-se assim dentro dos grandes princípios constitucionais e reconhece, por consequência, o papel da iniciativa de grupos de cidadãos na função educativa, que é uma função social, mas não necessariamente nem desejavelmente num Estado moderno socialmente justo e democrático, uma função exclusivamente estatizada.

O Sr. António Reis (PS): -Muito bem!

A Oradora: - A Lei agora aprovada é, porém, tão-somente e deliberadamente uma lei-quadro. Isto é - o salto qualitativo que se procura nas relações sistema estatal de ensino e não estatal, vencendo ideias preconcebidas que vêm de gerações e épocas históricas, a exigência de uma regionalização e descentralização efectiva das responsabilidade educativas nacionais- obriga a uma regulamentação cuidada, progressiva e adequada periodicamente. Tanto mais quanto toda a legislação que existe sobre este assunto nos domínios do estatuto dos professores e outros agentes educativos, nas condições de paralelismo pedagógico, na concessão de subsídios, na inspecção por parte do Estado do ensino privado, etc., é extremamente obsoleta.
Definidos os grandes princípios a que a nova regulamentação deve obedecer, a progressiva aplicação da Lei deverá ter, evidentemente, em conta, como nela se diz, os condicionalismos educativos da globalidade dos portugueses e as assimetrias mais flagrantes e injustas que urge corrigir através dos dinheiros e esforços públicos.
Não é verdade, e só o diz quem não quer que a Lei seja lida e estudada, mas divulgada por processos demagógicos, que esta Lei abre possibilidades de financiamento a toda e qualquer escola particular. Pelo contrário, ela corrige o que já nesta data se faz - e lembro aqui que desde 1974 até 1978 quadruplicaram os subsídios ao Ensino particular, isto após o 25 de Abril -, disciplinando, através de contratos bem defi-

Página 862

862 I SÉRIE-NÚMERO 24

nidos, quer o contributo para a política nacional de educação da iniciativa privada, quer a forma como o apoio do Estado a estas escotas é prestado.
Nós, socialistas, estamos atentos à aplicação justa desta Lei. Demonstrámos, defendendo-a tanto na oposição como quando estávamos no Governo - as leis para nós não são válidas por causa do Governo, mas sim por causa da sua correspondência aos interesses da Nação-, que não estamos agarrados a esquemas clássicos e conservadores de organização escolar, quer de direita, quer da esquerda, que apostamos na mudança de mentalidade e numa nova concepção de política educativa e de ensino. Os defensores da exclusividade da escola pública serão obrigados a ultrapassar concepções .por vezes dogmáticas e estreitas no que diz respeito à riqueza potencial da iniciativa livre dos cidadãos para encarar uma política alargada de acordo com novas perspectivas de educação. Igualmente, os adeptos da escola privada, confessional ou não, devem ser capazes de demonstrar a sua responsabilidade colectiva cada vez que os seus interesses são confrontados com os princípios democráticos, a justiça, a tolerância, os problemas urgentes de desenvolvimento do País.
A Lei de Bases Gerais do Ensino Particular e Cooperativo está, pois, bastante longe da primitiva lei sobre Liberdade de Ensino, que o PSD apresentou e tivemos ocasião de aqui criticar. Verificamos com satisfação a correcção por parte do PPD/PSD de concepção e esquemas programáticos nela expressos demasiado estreitos e perigosos que primitivamente defendia e que posteriormente abandonou para aderir finalmente a esta Lei, à qual propôs alguns adequados melhoramentos. Os melhoramentos na especialidade, aliás introduzidos e por nós aceites por todos os grupos parlamentares (mesmo aqueles que agora o rejeitam e combatem com os meios demagógicos que nesta altura usam procurando confundir a opinião pública menos esclarecida) são uma prova evidente de que não defendemos tal Lei com intuitos eleitorais, imas tão-somente porque desejamos contribuir como todas as forças democráticas para a criação de condições que permutam entre nós satisfazer com justiça as aspirações culturais de todos os portugueses. Talvez assim o CDS saiba finalmente também que não merece a pena vir tão pressurosamente destruir o socialismo quando, se está impregnado de tão altos valores cristãos e de democracia, bem teria a ganhar em não lançar anátemas sobre quem esses valores não ataca, imas antes incorpora em projecto mais humano, progressivo e justo para a Nação.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - As afirmações do PCP ultimamente divulgadas em declarações públicas e as tentativas de última hora para criar obstáculos à votação desta Lei, em nítido contraste com o que afirmou em Junho de 1978 no debate na generalidade, são indícios da dificuldade que objectivamente item em disfarçar a sua concepção dirigista e totalitária da política educativa no contexto político actual. Quanto às afirmações caluniosas, deturpadoras da verdade, que nos têm sido dirigidas, não respondemos, pois que não é essa a nossa linguagem. Atrás delas o PCP deseja camuflar aquilo que não quer afirmar abertamente e de cabeça levantada, isto é, a sua intolerância para com o ensino privado para não falar já da rejeição total deste tipo de ensino, o que cara muito mal na opinião pública, e especialmente a sua visão estreita, conservadora, apoiada num estatismo que impede a iniciativa livre de grupos de cidadãos nas tarefas nacionais de educação.

O Sr. António Reis (PS): - Muito bem!

O Orador: - Está bem patente esta concepção nas propostas de alteração que o PCP apresentou à última hora para votação, procurando limitar a aplicabilidade da Lei apenas àquelas escolas que, na sua estreita interpretação da Constituição, considera como supletivas, isto é, que deverão desaparecer quando a rede pública for ampliada. A aprovar tais aditamentos, então sim, a lei do PS, cujo projecto de sistema nacional de ensino não é o do PCP - fique claro de uma vez por todas-, teria sido, isso sim, radicalmente alterada.
Finalmente, esta Lei tem de ser vista sob o signo da solidariedade. A solidariedade, que é mais do que o somatório dos interesses individuais, mas que se exprime na união de todos os cidadãos para lutar em comum contra injustiças e privilégios. A solidariedade que se exprime pela certeza de que não é possível viver em condições humanas se não nos sentirmos responsáveis uns pelos outros, procurando a realização dessa responsabilidade mais pelo entendimento entre homens livres do que pela crença cega numa autoridade poderosa e centralizadora.
Por todas estas razões, nós, socialistas, confiamos na iniciativa dos cidadãos não apenas para que se realize a liberdade de aprender e ensinar, mas também na colaboração de todos na resolução dos graves problemas das desigualdades de nível educativo e deformação para a vida. A solidariedade será, neste como noutro, campos, a nossa força.

Aplausos do PS, PSD e CDS.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui dissemos várias vezes -e dissemo-lo na discussão na generalidade desta lei - que não está em causa, do nosso ponto de vista, a existência ou não de escolas privadas. É, portanto, a todo o título intolerável a acusação que aqui nos é feita mais uma vez gratuitamente pela Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio de que a concepção do PCP partilharia ou relevaria de uma concepção totalitária do sistema de ensino. E a este propósito importa dizer o seguinte: não foi o programa de acção do PCP, mas sim o programa de acção do Partido Socialista que previu a nacionalização do ensino privado; não foi o projecto de Constituição do PCP, mas sim o projecto de Constituição do PS que previu a nacionalização do ensino privado.

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quando nesta matéria o único princípio do Partido Socialista tem sido o não ter princípios, é intolerável ouvir isto da parte de uma Depu-

Página 863

19 DE JANEIRO DE 1979 863

tada sua representante. Isto é, pura e simplesmente, inadmissível. É inadmissível que quem na Assembleia Constituinte propôs a nacionalização do ensino privado, que quem 'tem no seu programa de acção a nacionalização do ensino privado nos venha acusar, a nós que não o propusemos nem nunca o defendemos, que partilhamos de uma concepção totalitária do sistema de ensino.
Se não há princípios, ao menos que haja um mínimo de pudor! ...

Aplausos do PCP.

O Sr. Cunha Simões (CDS): - A vocês só lhes faltam umas asas!

O Sr. Presidente: - Julgo que para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, é apenas para dar uma explicação ao Sr. Deputado Vital Moreira.
É que a posição aqui expressa pelo Partido Socialista tem uma grande virtude: significa que, aqui também, nos libertámos da colonização ideológica do Partido Comunista.

Aplausos do PS e do Sr. Deputado Cunha Simões (CDS).

O Sr. Jorge Leite (PCP): - Que novidade!

O Sr. Lino Lima (PCP): - Essa é a melhor da noite!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Só que essa nunca foi a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como já tínhamos feito aquando da votação na generalidade e também no âmbito da Comissão de Educação ao votarmos na especialidade, pronunciamo-nos agora mais uma vez a favor da Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, no momento em que o Plenário da Assembleia procedeu à sua votação final global.
Nesta oportunidade, o Grupo Parlamentar do CDS deseja exprimir o seu regozijo pela aprovação desta Lei que, consagrando princípios que consideramos muito importantes, ao mesmo tempo e por isso mesmo, quanto a nós abre perspectivas extremamente prometedoras no sector da educação e da cultura ou, o que é o mesmo, na criação de condições propícias ao desenvolvimento integral da personalidade e das aptidões profissionais, científicas e culturais, especialmente das camadas jovens do povo português, isto é, daquelas que hão-de construir e corporizar o próprio futuro de Portugal.
Efectivamente e logo no seu artigo 1.º, esta Lei consagra normas que decorrem da Declaração Universal dos Direitos do Homem -cujo 30.º aniversário ainda há pouco aqui foi celebrado- e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. Ë, primeiro, o direito de todo o cidadão ao pleno desenvolvimento da soía personalidade, aptidões e potencialidades e a garantia do acosso à educação e à liberdade cultural; é, também, a expressa atribuição ao Estado da responsabilidade de. propiciar a todos as condições para tanto necessárias, mas em igualdade de oportunidades e no exercício da livre escolha entre a pluralidade de opções, de vias educativas e de condições de ensino; é, ainda, o reconhecimento do direito prioritário que têm os pais na escolha da educação e do ensino que, adentro dessa pluralidade de opções e dessa igualdade de oportunidades, preferem para os seus filhos.
Logo a seguir reconhece a Lei o interesse público das escolas privadas e cooperativas, com todas as suas consequências: consequências que se exprimem nas isenções fiscais inerentes a 'esse reconhecimento, na obrigação que incumbe ao Estado de, respeitando o que antes se salientou, apoiar e coordenar as actividades destas escolas, nomeadamente através de apoios pedagógicos, técnicos e financeiros, a concretizar através de três tipos de contratos, como se estabelece no artigo 8.º da Lei agora aprovada.
Em contrapartida, definem-se as garantias que as escolas devem oferecer, em termos de idoneidade pedagógica e científica, sem prejuízo da sua autonomia institucional, e é atribuída ao Estado a competência necessária para fiscalizai o cumprimento dos contratos com ele celebrados, contrariamente ao que aqui tem sido afirmado.
Assegura-se aos alunos das escolas particulares e cooperativas a igualdade de condições de frequência em relação aos das escolas públicas, nomeadamente quanto a matrícula e propinas, nos níveis gratuitos do ensino e a atenuação progressiva das desigualdades existentes, nos níveis não gratuitos. Da mesma maneira é assegurado o paralelismo e a intercomunicação entre escolas públicas e escolas privadas e cooperativas e tornam-se extensivos aos alunos destas todos os benefícios e regalias da acção social escolar.
Por seu turno, os professores do ensino particular vêem também definidos os mecanismos conducentes à extinção da injusta inferioridade em que se encontravam, em muitos aspectos, perante os professores do ensino público, com parada responsabilização no exercício das funções docentes e a inerente possibilidade de intercomunicação entre as duas carreiras, sem prejuízo, deve dizer-se, de direitos adquiridos, enquanto se não complete a sua integração em estatuto e carreira únicos.
Com a aprovação desta Lei abrem-se, pois, novos caminhos à educação em Portugal e novas responsabilidades aos seus agentes.
Deixarão, por uma vez, de ter razão aqueles que consideram que a escola privada é um privilégio de meninos ricos. A liberdade de escolha entre vários tipos e orientações da educação e da cultura não pode ser um privilégio de alguns - tem de ser, em nome da democracia, um direito de todos.

Vozes do CDS: -Muito bem!

O Orador: - E não se pode deixar de estranhar que tenha sido essa desigualdade, que se pretende combater decididamente com esta Lei, o pretexto que foi usado, minoritariamente, para votar contra os dispositivos que lhe vão, justamente, pôr fim, como facilmente se demonstra pela experiência de todas as sociedades modernas, livres e justas.
A Lei abre novos caminhos de responsabilidade ao Governo, que não só deverá publicar, no prazo de seis meses, o estatuto do ensino particular e cooperativo e a legislação adequada à aplicação destes princípios

Página 864

864 I SÉRIE-NÚMERO 24

às escolas privadas que ministrem ensino superior ou universitário, como, sobretudo, terá de reformular os seus serviços de maneira a transformar meros dispositivos de inspecção em serviços de apoio, coordenação e estímulo às escolas particulares e cooperativas, livres, plurais, inovadoras e responsáveis.
Porventura as maiores responsabilidades são mesmo as que se devolvem às escolas privadas e cooperativas, às famílias e aos professores. Até agora o ensino privado tinha talvez desculpa para ser mau ou caro, ou as duas coisas. E manda a verdade dizer que em muitos casos o tem sido. Pensamos que, desde que esta Lei entre em funcionamento pleno, deixará de ter desculpa - não poderá continuar com esses defeitos. Perante os padrões qualitativos e quantitativos insuficientíssimos do ensino público, as responsabilidades da iniciativa privada, nomeadamente das famílias e das cooperativas, são acrescidas singularmente. Não poderão mais conformar-se com tal situação e, agregando-se e fazendo funcionar os dispositivos legais agora aprovados e os que hão-de emergir desta Lei de Bases, terão de contribuir para que essas insuficiências sejam superadas.
Para muitos, e em particular para quantos nada estão dispostos a fazer para resolver os verdadeiros problemas do povo português, a explosão escolar, que desde há mais de vinte anos se tem vindo a verificar no nosso país, e que a seguir ao 25 de Abril se incrementou, tem sido apresentada como um cataclismo ou uma maldição que caiu sobre o sistema escolar, o erário público e a Nação inteira, capaz de justificar, por si só, todas as insuficiências das instalações e da eficácia do ensino.
Nós, porém, afirmaremos, com clareza e sem hesitações, que esse é o fenómeno mais prometedor da sociedade portuguesa dos nossos dias, pelo qual um povo inteiro se abre à cultura, com uma curiosidade renovada e com uma ânsia tão grande de ascender a novos padrões de dignidade e de qualidade de vida que nada nem ninguém nos desculpará se não tivermos a coragem e a imaginação de encontrar e transformar em leis os mecanismos adequados para lhe dar uma resposta.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É de fazer chorar as pedras!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A lei que acabamos de aprovar ficará como um marco histórico da maior importância na gesta da educação e da cultura do povo português. Por ela se nega a omnipotência irrealista do Estado para dar, simultaneamente e em exclusivo, resposta a todas as necessidades vitais do povo. Por ela se chamam à colaboração, em obra tão vasta, as vontades, os haveres, a imaginação e o espírito criador de todos os Portugueses, sem excepção.
Todos os que crêem no dinamismo de uma sociedade aberta, todos os que acreditam que o bem comum é o resultado de um esforço colectivo, todos os que não duvidam de que democracia é solidariedade, todos os que sabem que o melhor que têm para oferecer à comunidade é a sua capacidade imaginativa e criadora estão com esta Lei e votaram a sua aprovação.
Esses não cometerão o erro de imaginar que o ensino particular e cooperativo, depois da aprovação desta Lei, se medirá pelos mesmos parâmetros que o regiam antes de tal acontecimento. Esses não terão dúvidas de que esta Lei irá permitir que, um pouco por todo o País, surjam associações de famílias e de professores que, juntando esforços, se entregarão a um trabalho sério e fecundo de valorização da nossa juventude, dando lugar ao aparecimento de novas experiências pedagógicas e à estruturação de mais eficazes formas de ensino.
Por outro lado, todos os que têm medo dos horizontes abertos, todos os que pensam que a liberdade cria as condições da opressão, todos os que perdem o ar fora do monolitismo anquilosante, todos os que pensam que só o Estado-Czar é capaz de fazer o bem do povo, todos os que, numa palavra, rejeitam a imaginação criadora, como a parte mais nobre da estrutura do homem, todos esses estiveram, estão e continuarão a estar contra esta Lei.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Que poético!

O Orador: - Deles não falará a história, novos velhos do Restelo tolhidos pelo medo da grande aventura humana em liberdade. Não será ao calor do seu esforço que se criarão as novas gerações de portugueses - livres, esclarecidas, curiosas da ciência e da técnica, imaginativas e criadoras, emparceirando, de igual para igual, com os povos mais evoluídos da Terra.

Aplausos do CDS.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - O miguelismo é o futuro!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entraram na Mesa mais os seguintes diplomas: ratificação n.º 50/I, relativa ao Decreto-Lei n.º 479/78, de 30 de Dezembro, apresentada pelo PS; ratificação n.º 51/I, sobre o Decreto-Lei n.º 342/78, de 16 de Novembro, apresentada pelo PCP; projecto de lei n.º 189/I - elevação da vila de Mirandela a cidade -, da iniciativa do PCP; projecto de lei n.º 190/I -criação das freguesias do Laranjeiro, do Feijó e da Charneca, no concelho de Almada-, apresentado paio PCP; projecto de lei n.º 191/I -criação do Instituto de Apoio ao Emigrante-, apresentado pelo PS; projecto de lei n.º 192/I - regime jurídico do direito de autor-, apresentado pelo PS; projecto de lei n.º 193/I -sobre a Resolução n.º 10/79 do Conselho de Ministros-, apresentada pelo Sr. Deputado independente Aires Rodrigues; projecto de lei n.º 194/I, sobre o regime de criação e extinção de autarquias locais, sua delimitação e fixação da categoria das povoações, apresentado pelo PCP. Todos estes diplomas baixam às respectivas comissões.
Finalmente, informo os Srs. Deputados de que a sessão de terça-feira será uma sessão especial, como os Srs. Deputados já sabem, de boas-vindas ao Sr. Presidente da República de Cabo Verde. A chamada far-se-á às 17 horas e 30 minutos e o Sr. Presidente da República de Cabo Verde entrará no hemiciclo às 19 horas, seguindo-se uma intervenção do Presidente da Assembleia e outra do Sr. Presidente da República de Cabo Verde.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 35 minutos.

Página 865

19 DE JANEIRO DE 1979 865

COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA

ANEXO AO RELATÓRIO DA COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, SOBRE O PROJECTO DE LEI N.º 108/I -BASES GERAIS DO ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO.

Relativamente a cada artigo da Lei de Bases Gerais do Ensino Particular e Cooperativo, os partidos tomaram a posição que a seguir se indica:
1:

ARTIGO 1.º

l - Aprovado por unanimidade, com um aditamento, apresentado pelo PCP, entre as expressões "nomeadamente através de ..." e "exercício da liberdade" do seguinte teor:
... garantia do acesso à educação e do ensino e do ...

2- Apresentada uma proposta de substituição pelo PCP, do seguinte teor:

Ao Estado incumbe criar as condições que possibilitem o acesso de todos à educação e à cultura, através de uma rede escolar que cubra as necessidades de toda a população e garanta a liberdade de ensinar e aprender, assegurando o pluralismo ideológico em todos os estabelecimentos de ensino.

Submetida à votação, esta proposta de substituição foi rejeitada, com 12 votos contra do PS, PSD e CDS e 2 votos a favor do PCP.

O texto da subcomissão, submetido à votação, foi aprovado por maioria, com 12 votos a favor do PS, PSD e CDS e 2 votos contra do PCP.

3 - Proposta pelo PCP a eliminação deste número, esta foi rejeitada, com 12 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 a favor do PCP.

Submetido à votação o texto da subcomissão, este foi aprovado por maioria, com 12 votos a favor de PS, PSD e CDS e 3 votos contra do PCP.

Aprovado o texto da subcomissão, o PCP propôs um aditamento da palavra "menores" a seguir à palavra "filhos".

Submetido à votação, foi o aditamento rejeitado por 12 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos a favor do PCP.

O PCP propôs ainda o aditamento de um novo número do seguinte teor:
Em ordem a assegurar o acesso de todos os cidadãos à educação e à cultura, o Estado poderá apoiar os estabelecimentos de ensino particular e cooperativo enquanto supletivos da rede de ensino público.

Submetido à votação, foi este aditamento rejeitado por maioria, com 12 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos a favor do PCP.

ARTIGO 2.º

Apresentada uma proposta de substituição do PCP, do seguinte teor:

ARTIGO 2.

O Estado reconhece a função de utilidade pública aos estabelecimentos considerados supletivos de ensino público.

Submetida à votação, foi esta proposta rejeitada, com 12 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 a favor do PCP.

Votado o texto da subcomissão, foi este aprovado, com 12 votos favoráveis do PS, PSD e CDS e 3 contra do PCP.

ARTIGO 3.º

1 - Aprovado por unanimidade o texto da subcomissão.
2 - Apresentada uma proposta de substituição pelo PCP, do seguinte teor:

ARTIGO 3.º
................................................
2 - As escolas particulares e as escolas cooperativas, quando ministrem ensino colectivo e sejam consideradas como supletivas do ensino público, gozam das prerrogativas legalmente previstas para as pessoas colectivas de utilidade pública.

Submetida à votação, foi rejeitada, com 12 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos a favor do PCP.

O texto da subcomissão foi aprovado por maioria, com 12 votos favoráveis do PS, PSD e CDS e 3 votos contra do PCP.

3 - Aprovado por maioria, com 13 votos favoráveis do PS, PSD e CDS e 3 abstenções do PCP.

ARTIGO 4.º

1 - Apresentada proposta de substituição pelo PCP, do seguinte teor:

ARTIGO 4.º
(Proposta de substituição)

1 - A presente Lei aplica-se às escolas particulares e Cooperativas, quando supletivas do ensino público, exceptuando o sector do ensino superior.

Submetida à votação, foi rejeitada por 13 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos favoráveis do PCP.

2 - Proposta de eliminação do PCP, rejeitada com 3 votos a favor deste partido e 13 votos contra do PS, PSD e CDS. O texto da subcomissão foi aprovado por maioria, com 13 votos favoráveis do PS, PSD e CDS e 3 votos contra do PCP.

3 - Proposta de substituição do PCP, do seguinte teor:

3 - As acções sistemáticas de ensino não ministrado em estabelecimentos, dada a sua especificidade, deverão ser objecto de legislação especial.

Esta proposta foi aprovada por unanimidade.

ARTIGO 5.º

Apresentado um texto de substituição pelo CDS, do seguinte teor:

ARTIGO 5.º

1 - A presente Lei não se aplica aos estabelecimentos de ensino eclesiástico cujo regime

Página 866

866 I SÉRIE-NÚMERO 24

está previsto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, bem como aos estabelecimentos de formação de ministros pertencentes a outras confissões religiosas.

2- Igualmente se não aplica a presente Lei aos estabelecimentos de formação de quadros de partidos ou organizações políticas.

Submetido à votação, foi o n.º 1 aprovado por unanimidade e o n.º 2 por maioria, com 13 votos favoráveis.

ARTIGO 6.º

1 - Apresentada proposta de substituição pelo PCP, do seguinte teor:

ARTIGO 6.º
(Proposta de substituição]

1 - O Estado apoiará, coordenará e fiscalizará o ensino nas escolas particulares e cooperativas, respeitando inteiramente os direitos consignados no artigo 1.º da presente Lei, de acordo com o princípio da supletividade e com os objectivos nacionais de educação.

Submetida à votação, foi rejeitada, com 13 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos favoráveis do PCP.

O texto da subcomissão foi aprovado por unanimidade.

2 - a) Aprovado por unanimidade o texto da subcomissão;

b) Aprovado por unanimidade o texto da subcomissão;

c) Aprovado por unanimidade, tendo sido apresentada uma proposta de substituição pelo PCP, do seguinte teor:

Garantir o nível pedagógico e científico dos programas e métodos, de acordo com as orientações gerais da política educativa e a liberdade de aprender e ensinar.

Esta proposta de substituição foi rejeitada por maioria, com 13 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos favoráveis do PCP. Submetido à votação o texto da subcomissão, foi aprovado por maioria, com 13 votos a favor do PS, PSD e CDS e 3 votos contra do PCP.

Proposto ainda um aditamento pelo PCP do seguinte teor: "... e a liberdade de aprender e ensinar", que foi rejeitado, com 3 votos a favor do PCP, 6 vo>-tes entra do PSD e CDS e 7 abstenções do PS.

d) Aprovado o texto da subcomissão com 3 votos contrários do PCP e 12 votos favoráveis do PS, PSD e CDS.

Apresentada proposta de aditamento pelo PCP, do seguinte teor: "quando supletivas do ensino público", a seguir a cooperativas.

Submetida à votação, foi rejeitada, com 13 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos a favor do PCP.

ARTIGO 7.º

Votado o texto da subcomissão e aprovado por unanimidade.

ARTIGO 8.º

1, 2 e 3 - Apresentada uma proposta de substituição para os n.ºs 1, 2 e 3, pelo PCP, do seguinte teor:

1 - O Estado poderá celebrar contratos e conceder apoio técnico e subsídios a escolas particulares e Cooperativas, quando supletivas do ensino público.
2 - Será concedida prioridade à celebração de contratos e a atribuição de subsídios aos estabelecimentos que se integrem nos objectivos e planos do sistema nacional de educação e que se localizem em áreas carenciadas da rede púbica escolar, sem prejuízo da respectiva autonomia institucional e administrativa, bem como a jardins de infância e escolas de ensino especial, nomeadamente em áreas geograficamente carenciadas.
3 - O Estado poderá ainda celebrar contrates com estabelecimentos em que, para além dos planos oficiais de ensino aos vários níveis, sejam ministradas outras matérias, no quadro de experiências de actualização pedagógica e educativa.

Submetidas à votação estas três propostas, foram rejeitadas, com 13 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 favoráveis do PCP.
Votado o texto da subcomissão, foram os três números aprovados por maioria, com 3 votos contra do PCP.
O PCP propôs o aditamento da seguinte expressão:

... e assegurem o pluralismo ideológico e educativo.

Submetido à votação, foi rejeitado por maioria, com votos favoráveis do PCP.
4 - Aprovado por unanimidade o texto da subcomissão, com o aditamento do PCP, do seguinte teor:

... bem como a fiscalizar o lícito cumprimento do contrato estabelecido.

O PSD propôs o seguinte aditamento ao artigo 8.º:
Aos alunos de qualquer nível ou ramo de ensino que frequentem as escolas referidas na alínea a) do n.º 2 é garantida igualdade com os alunos do ensino oficial no que se refere a despesas com propinas e matrículas.

Submetido à votação foi o aditamento aprovado por maioria, com 3 abstenções do PCP.

ARTIGOS 9.% 10.º, 11.º E 12. Estes artigos foram aprovados por unanimidade.

ARTIGO 13.º

1 - O texto da subcomissão foi aprovado por unanimidade.
2 - Apresentado um texto alternativo pelo PSD, do seguinte teor:
2 - Aos professores do ensino particular e cooperativo que transitam para o ensino público é garantida a contagem do tempo de serviço, designadamente para obtenção de diuturnidades

Página 867

19 DE JANEIRO DE 1979 867

e fases, em igualdade de circunstâncias com o serviço prestado em estabelecimentos de ensino público.

Submetido à votação, foi este texto aprovado por unanimidade.

3 - Aprovado por unanimidade o texto da subcomissão.
Apresentada uma proposta de aditamento pelo PSD, do seguinte teor: a seguir a "qualificação" aditar a expressão "e classificação".
Este aditamento foi aprovado por unanimidade.
4 - Proposta a eliminação pelo PCP, foi esta rejeitada, por 12 votos contra do PSD, PS e CDS e 3 votos favoráveis do PCP.
Submetido a votação o texto da subcomissão, foi aprovado por maioria, com 12 votos favoráveis do PS, PSD e CDS e votos contra do PCP.
5 - Aprovado o texto da subcomissão com votos favoráveis do PSD e CDS (7) abstenções do PS (2) e 3 votos contra do PCP.

ARTIGO 14.º

Apresentada pelo PCP uma proposta de substituição deste artigo, do seguinte teor:
1 - A partir da entrada em vigor da presente Lei, serão exigidas aos professores do ensino particular e cooperativo as mesmas habilitações pedagógicas necessárias para o exercício da profissão de professor no ensino público.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, é reconhecida a experiência de leccionação dos agentes de ensino que exerçam funções docentes à data da publicação da presente Lei, salvaguardando os direitos por eles adquiridos.

Submetida à votação, foi a substituição rejeitada, com 3 votos a favor do PCP e 13 votos contra do PS, PSD e CDS.

Votado o texto da subcomissão, obteve aprovação, com 13 votos favoráveis do PS, PSD e CDS e 3 votos contra do PCP.

ARTIGO 15.º

Apresentada uma proposta de substituição pelo PSD e pelo PCP da palavra "pedagógicos" por "legais", mereceu a aprovação unânime da Comissão.

Submetido à votação o texto da subcomissão, mereceu a aprovação, com 12 votos a favor do PS, PSD e CDS e 3 abstenções do PCP.

ARTIGO 16.º

1 - Proposta de substituição apresentada pelo PCP, do seguinte teor:
Aos alunos que frequentarem escolas particulares e cooperativas abrangidas pelos contratos expressos na alínea a) do n.º 2 do artigo B." são reconhecidos e concedidos os benefícios e regalias sociais previstos para os alunos das escolas públicas no âmbito da acção social escolar.

Votada esta proposta de substituição, foi rejeitada, com 3 votos favoráveis do partido proponente e 12 votos contra do PS, PSD e CDS.

Votado o texto da subcomissão, foi aprovado por maioria, com 3 votos contra do PCP e 12 votos favoráveis do PS, PSD e CDS.
2 - Proposta a eliminação pelo PCP; submetida à votação, foi a proposta rejeitada, com 10 votos contra do PS, PSD e CDS e 3 votos a favor do PCP.
Votado o texto da subcomissão, foi aprovado, com 10 votos a favor do PS, PSD e CDS e 3 votos contra do PCP.

ARTIGO 17.º

Votado o texto da subcomissão, mereceu aprovação unânime dos quatro partidos; proposto pelo PCP um aditamento do seguinte teor: entre as expressões "... cooperativas e ..." e ... "dos professores" aditar: "os sindicatos".
Votado este aditamento, foi aprovado por unanimidade.

ARTIGO 18.º

O CDS propôs o aditamento de um novo artigo do seguinte teor:

O Governo promoverá anualmente a introdução no Orçamento Geral do Estado dos dispositivos adequados à execução da presente Lei.
Submetido à votação, foi aprovado por maioria, com abstenção do PCP.

Palácio de S. Bento, 20 de Dezembro de 1978.- O Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, Francisco Manuel L. Vieira de Oliveira Dias.

COMISSÃO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA

LEI DE BASES DO ENSINO PARTICULAR E COOPERATIVO

CAPÍTULO I Disposições gerais

ARTIGO 1.º

1 -É direito fundamental de todo o cidadão o pleno desenvolvimento da sua personalidade, aptidões e potencialidades, nomeadamente através da garantia do acesso à educação e cultura e do exercício da liberdade de aprender e ensinar.
2 - Ao Estado incumbe criar condições que possibilitem o acesso de todos à educação e à cultura e permitam igualdade de oportunidades no exercício da livre escolha entre pluralidade de opções, de vias educativas e de condições de ensino.
3 - É reconhecida aos pais a prioridade na escolha do processo educativo e de ensino para os seus filhos.

CAPÍTULO II Dos estabelecimentos

ARTIGO 2.º

As actividades e os estabelecimentos de ensino enquadrados no âmbito do sistema nacional de educação são de interesse público.

Página 868

I SÉRIE-NÚMERO 24 868

ARTIGO 3.º

1 - Consideram-se, para o efeito desta Lei, escolas publicas, escolas particulares e escolas cooperativas:
a) Denominam-se escolas públicas aquelas cujo funcionamento seja da responsabilidade exclusiva do Estado, das regiões autónomas, das autarquias locais ou de outra pessoa de direito público;
b) Denominam-se escolas particulares aquelas cuja criação e funcionamento seja da responsabilidade de pessoas singulares ou colectivas de natureza privada;
c) Denominam-se escolas cooperativas aquelas que forem constituídas de acordo com as disposições legais respectivas.

2 - AS escolas particulares e as escolas cooperativas quando ministrem ensino colectivo que se enquadre nos objectivos do sistema nacional de educação gozam das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública e como tal serão abrangidas pela Lei n.º 2/78.
3 - As remunerações provenientes do exercício de funções docentes exercidas nas escolas referidas no n.º 2 são isentas de imposto profissional, nos termos do antigo 4.º, alínea c), do Código do Imposto Profissional.

ARTIGO 4.º

1 - A presente Lei aplica-se às escolas particulares e cooperativas de qualquer nível educativo.
2 - A aplicação dos princípios desta Lei às escolas de nível superior será objecto de legislação especial a publicar por decreto-lei no prazo de cento e oitenta dias.
3 - As acções sistemáticas de ensino não ministrado em estabelecimentos, dada a sua especificidade, deverão ser objecto de legislação especial.

ARTIGO 5.º

1 - A presente Lei não se aplica aos estabelecimentos de ensino eclesiástico, cujo regime está previsto na Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português, bem como aos estabelecimentos de formação de ministros pertencentes a outras confissões religiosas.
2 - Igualmente se não aplica a presente Lei aos estabelecimentos de formação de quadros de partidos ou organizações políticas.

ARTIGO 6.º

1 - O Estado apoiará e coordenará o ensino nas escolas particulares e cooperativas, respeitando inteiramente os direitos consignados no artigo l.º da presente Lei, de modo que as desigualdades sociais, económicas e geográficas não possam constituir entrave à consecução dos objectivos nacionais de educação.
2 - No âmbito desta competência são, designadamente, atribuições do Estado, nos termos da Lei:
a) Conceder a autorização para a criação e assegurar-se do normal funcionamento das escolas particulares e cooperativas, segundo critérios a definir no Estatuto dos Ensinos Particular e Cooperativo, o qual deverá salvaguardar a idoneidade civil e pedagógica das entidades responsáveis e os requisitos técnicos, pedagógicos e sanitárias adequados;
b) Proporcionar apoio pedagógico e técnico necessário ao seu efectivo funcionamento, nos termos previstos por lei:
c) Garantir o nível pedagógico e científico dos programas e métodos, de acordo com os orientações gerais da política educativa;
d) Conceder subsídios e celebrar contratos para o funcionamento de escolas particulares e cooperativas, de forma a garantir progressivamente a igualdade de condições de frequência com o ensino público, nos níveis gratuitos, e a atenuar as desigualdades existentes, nos níveis não gratuitos.

ARTIGO 7.º

1 - Podem requerer autorização para a criação de escolas particulares e de escolas cooperativas as pessoas singulares ou colectivas que se encontrem nas condições paira o efeito exigidas por lei.
2 - A concessão de licenças para a criação de escolas particulares de ensino obedecerá aos seguintes requisitos fundamentais:
a) Possuir o requerente grau académico bastante para reger cursos de categoria não inferior ao curso de nível mais elevado a ministrar na escola, ou, quando pessoa colectiva ou de direito público, oferecer quem possua esse grau;
b) Estar a escola dotada de instalações e equipamento suficiente e adequado às finalidades que se propõe;
c) Comprometer-se o requerente a recrutar pessoal docente com as habilitações legalmente exigidas.

CAPÍTULO III Dos contratos e subsídios

ARTIGO 8.º

1 -Para os efeitos do disposto no artigo 6.º, o Estado celebrará contratos e concederá subsídios a escolas particulares e cooperativas.
2 - Para efeitos de celebração de contratos entre o Estado e as escolas particulares e cooperativas, serão consideradas as seguintes modalidades:

a) Contratos com estabelecimentos que, integrando-se nos objectivos e planos do sistema nacional de educação e sem prejuízo da respectiva autonomia institucional e administrativa, se localizem em áreas carenciadas de rede pública escolar;
b) Contratos com estabelecimentos que obedeçam aos requisitos anteriores, mas que se encontrem localizados em áreas suficientemente equipadas de estabelecimentos públicos;
c) Contratos com estabelecimentos em que, para além dos planos oficiais de ensino aos vários níveis, sejam ministradas outras matérias no quadro de experiências de actualização pedagógica e educativa.
3 - Será concedida prioridade à celebração de contratos e atribuição de subsídios aos estabelecimentos referidos na alínea c) do n.º 2, bem como a jardins

Página 869

19 DE JANEIRO DE 1979 869

de infância e escolas de ensino especial, nomeadamente em áreas geográficas carenciadas.
4 - Aos alunos de qualquer nível ou ramo de ensino que frequentem as escolas referidas na alínea a) do n.º 2 é garantida igualdade com os alunos do ensino oficial no que se refere a despesas com propinas e matrículas.
5 - Incumbe ao Governo estabelecer a regulamentação adequada para a celebração dos contratos e concessão dos apoios e subsídios previstos neste artigo, com especificação dos compromissos assumidos por ambas as partes, bem como a fiscalização do cumprimento dos contratos estabelecidos.

CAPÍTULO IV Da publicidade

ARTIGO 9.º

As acções de publicidade dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo deverão ser regulamentadas pelo Governo em termos que garantam o respeito pela ética e pela dignidade da acção educativa.

CAPÍTULO V Da direcção pedagógica

ARTIGO 10.º

1 -É condição de funcionamento das escolas particulares e cooperativas a existência de uma direcção pedagógica, a qual poderá ser exercida por pessoa singular ou por órgão colegial, que deverá incluir um representante da entidade a quem haja sido outorgada a licença para a constituição da escola.
2 - Ao director pedagógico ou no caso da direcção colegial, pelo menos, a um dos seus membros será exigido grau académico suficiente para leccionar cursos de- categoria não inferior ao curso de nível mais elevado ministrado na escola e experiência pedagógica de pelo menos dois anos.

CAPÍTULO VI Dos professores

ARTIGO 11.º

Todo aquele que exercer funções docentes em escolas particulares e cooperativas de ensino, qualquer que seja a sua natureza ou grau, terá direitos e estará sujeito aos específicos deveres emergentes do exercício da função docente, para além daqueles que se encontrem fixados na legislação do trabalho aplicável.

ARTIGO 12.º

Os contratos de trabalho dos professores do ensino particular e cooperativo e demais legislação relativa aos profissionais de ensino, nomeadamente nos domínios salarial, de segurança social e assistência, deverão ter na devida conta a função de interesse público que lhes é reconhecida e a conveniência de harmonizar as suas carreiras com as do ensino público.

ARTIGO 13.º

1 - É admitida a transferência de professores das escolas públicas para as escolas particulares e cooperativas e vice-versa.
2 - Aos professores do ensino particular e cooperativo que transitam para o ensino público é garantida a contagem do tempo de serviço, designadamente para obtenção de diuturnidades e fases, em igualdade de circunstâncias com o serviço prestado em estabelecimentos de ensino público.
3 - A qualificação e classificação de trabalho docente prestado pelos professores no ensino particular e cooperativo obedecerá às normas vigentes para o ensino público, nomeadamente para o acesso a estágios e concursos de qualquer tipo- de estabelecimentos.
4 - É reconhecida a possibilidade de os professores frequentarem os estágios previstos por lei em escolas particulares ou cooperativas, segundo regulamentação especial.
5 - Para o efeito do disposto nos números anteriores, o Governo regulará as condições da sua aplicação de forma a proporcionar a progressiva integração dos docentes numa carreira profissional comum, garantindo, na medida do possível, a manutenção dos direitos adquiridos, desde que devidamente comprovados.

ARTIGO 14.º

1 - A experiência na leccionação e a demonstração da capacidade intelectual, independentemente da posse de graus académicos dos professores das escolas particulares e cooperativas, poderão fundamentar o reconhecimento da faculdade de ensinar.
2 - O Governo publicará a regulamentação adequada para a aplicação do número anterior.

CAPÍTULO VII Do paralelismo pedagógico

ARTIGO 15.º

1 - A verificação do aproveitamento e o processo de avaliação dos alunos competem às escolas particulares e cooperativas, em pé de igualdade com as escolas públicas, desde que obedeçam aos requisitos legais adequados.
2 - São permitidas as transferencias de alunos entre as escolas públicas, particulares e cooperativas.

CAPÍTULO VIII Dos benefícios e regalias sociais

ARTIGO 16.º

1 - Aos alunos das escolas particulares e cooperativas, estejam estas ou não sob regime de contrato, são reconhecidos e concedidos, sem quaisquer discriminações, os benefícios e regalias previstos para os alunos das escolas oficiais no âmbito da acção social escolar.
2 - Na regulamentação' para a aplicação do n.º 1 o Governo velará pela progressiva extensão desses benefícios e regalias a todos os alunos que frequentem as escolas particulares e cooperativas.

Página 870

870 I SÉRIE-NÚMERO 24

CAPÍTULO IX Disposições finais

ARTIGO 17.º

No prazo de cento e oitenta dias a contar da data da publicação desta Lei, deve o Governo publicar, por decreto-lei, o Estatuto dos Ensinos Particular e Cooperativo, de acordo com os princípios estabelecidos nesta Lei e integrando, na medida do possível, a regulamentação prevista no âmbito dos diversos artigos, ouvidos os órgãos dos representantes dos estabelecimentos particulares e cooperativas e os sindicatos dos professores.

ARTIGO 18.º

O Governo promoverá anualmente a introdução no Orçamento Geral do Estado dos dispositivos adequados à execução da presente Lei.

Palácio de S. Bento., 13 de Dezembro de 1978. - O Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, Francisco Manuel Lopes V. Oliveira Dias.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Fernando de Carvalho.
António Chaves Medeiros.
António Fernando Marques Ribeiro dos Reis.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António Jorge Moreira Portugal.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Etelvina Lopes de Almeida.
Fernando Tavares Loureiro.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco de Assis de Mendonça Lino Neto.
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Oliveira Rodrigues.
Jorge Augusto Barroso Coutinho.
José Cândido Rodrigues Pimenta.
José Ferreira Dionísio.
José Gomes Fernandes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Luís José Godinho Cid.
Manuel Branco Ferreira Lima.
Manuel do Carmo Mendes.
Manuel Francisco Costa.
Manuel Pereira Dias.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Maria Teresa Vieira Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Pedro Amadeu de Albuquerque dos Santos Coelho.
Sérgio Augusto Nunes Simões.
Victor Fernandes de Almeida.

Partido Social-Democrata (PSD)

Américo de Sequeira.
António Manuel dos Santos Vasconcelos.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
António Manuel Barata Portugal.
Fernando José da Costa.
Francisco Braga Barroso.
Gabriel Ribeiro da Frada.
João António Martelo de Oliveira.
João Gabriel Soeiro de Carvalho.
João Lucílio Caceia Leitão.
José Bento Gonçalves.
Mário Fernando de Campos Pinto.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Centro Democrático Social (CDS)

Adelino Manuel Lopes Amaro da Costa.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Simões Costa.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugénio Marra Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias.
João Lopes Porto.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
Narana Sinai Coissoró.
Rui Garcia de Oliveira.
Vítor António Augusto Nunes de Sá Machado.

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos H. S. Aboim Inglês.
Diamantino José Dias.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Cavalheira Antunes.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

António Cândido Miranda Macedo.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Carlos Alberto Andrade Neves.
Herculano Rodrigues Pires.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Telmo Ferreira Neto.

Página 871

19 DE JANEIRO DE 1979 871

Partido Social-Democrata (PSD)

António Augusto Gonçalves.
António Júlio Simões de Aguiar.
Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ferreira Júnior.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Manuel Ribeiro Sérvulo Correia.
Júlio Maria Alves da Silva.
Manuel Henriques Pires Fontoura.

Partido Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel Brandão Estêvão.
Diogo Pinto de Freitas do Amaral.
João da Silva Mendes Morgado.

Partido Comunista Português (PCP)

Cândido de Matos Gago.

Independentes

Carmelinda Marra dos Santos Pereira.

O REDACTOR PRINCIPAL, Manuel Adolfo de Vasconcelos.

Página 872

872

PREÇO DESTE NÚMERO 26$OO

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×