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I Série - Número 6

Quinta-feira, 17 de Janeiro de 1980

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1979-1980)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE JANEIRO DE 1980

Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.

Secretários: Exmos. Srs. Manuel Henriques Pires Fontoura.
Alberto Marques Antunes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 5 minutos.

Na continuação da discussão do Programo do VI Governo Constitucional, usaram da palavra os Srs. Ministros dos Assuntos Saciais (Morais Leitão), do Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha) e da Educação e Ciência (Pereira Crespo) e os Srs. Deputados José Manuel Casqueiro (CDS), Carlos Carvalhas (PCP). Vítor Constando (PS), Zita Seabra (PCP}, Adão e Silva (Indep.), Carlos Espadinha (PCP), Mário Tomé (VDP), Álvaro Brasileiro (PCP), José Tengarinha (MDP/CDE), Vítor Louro (PCP). Borges de Carvalho (PPM), Fernando Rodrigues (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Bernardo Ruas (PPM). Luís Catarina (MDP/C DE) Luís Moreno (CDS). Aboim Inglês (PCP), Pelágio Madureira (Indep.), Abreu de Lima (CDS), Godinho de Mofas (Indep.), Ferreira do Amaral (PPM) e José Vitorino (PSD).

Em esclarecimentos, pedidos de esclarecimento, protestos, ou contraprotestos, usaram ainda da palavra os Srs. Deputados Vítor Vasques (PS), Zita Seabra (PCP), Carlos Brito (PCP), António Arnaut (PS), Manuel Malaquias (PSD). Carlos Macedo (PSD), Sousa Tavares (Indep.). Vítor Louro (PCP). António Campos (PS), Pedro Roseta (PSD). Ferreira do Amaral (PPM), Mário Adegas (PSD), Vital Moreira (PCP), Amândio de Azevedo (PSD). Castro Caldas (PSD). Rui Amarei (PSD), Macedo Pereira (CDS), José Tengarinha (MDP/CDE), Angelo Correia (PSD). Oliveira Dias (CDS). Amélia de Azevedo (PSD). Helena Roseta (PSD). Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Borges de Carvalho (PPM). Rui Pena (CDS) e José Luís Nunes (PS).

No decurso do debate foi lida, pelo Sr. Deputado Carlos Brito, uma moção de rejeição do PCP ao Programa do Governo.

O Sr. Presidente encerrou o sessão à 1 hora e 25 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas 45 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros M. de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Alberto Correia Cabecinha.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José Ribeiro Carneiro.
António José dos Santos M. da Silva.
António Maria Pereira.
Armando António Correia.
Carlos Encarnação.
Carlos Manuel Pereira de Pinho.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Raimundo Rodrigues.
Germano da Silva Domingos.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João António Sousa Domingues.
João Aurélio Dias Mendes.
João Luís Malato Correia.
João Vasco da Luz Botelho de Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Marques Gaspar Mendes
Jorge Rook de Lima.
José Adriano Gago Vitorino.
José da Assunção Marques.
José Baptista Pires Nunes.

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José Henrique Cardoso.
José Manuel Cochofel da Silva.
José Maria da Silva.
José Theodoro da Silva.
Júlio de Lemos de Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Luís Fernandes Malaquias.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Adelaide Santos de Almeida Paiva.
Marília Dulce C. P. Morgado Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Miguel Camolas Pacheco.
Natália de Oliveira Correia.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pelágio E. de A. Matos Lopes de Madureira.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho de Jesus Domingues.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Amadeu da Silva Cruz.
António de Almeida Santos.
António Cândido de Miranda de Macedo.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Fernando Marques R. Reis.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando Filipe Cerejeira P. Bacelar.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz M. de Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto da Costa de Sousa.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Alves de Almeida Miranda.
Francisco de A. Salgado Zenha.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo M. Curto.
Frederico A. F. Handel de Oliveira.
Guilherme Gomes dos Santos.
Herculano Rocha.
Herculano Rodrigues Pires.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maximiano de A. Almeida Leitão.
Júlio Augusto M. de Montalvão Machado.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Joaquim de M. P. Tavares Santos.
Manuel José Bragança Tender.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Raul de Assunção Pimenta Rego.
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Gomes Vasques.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Álvaro Favas Brasileiro.
Angelo Matos Mendes Veloso.
António Dias Lourenço da Silva.
António Joaquim Gervásio.
António Marques Pedrosa.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do C. da Costa Espadinha.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues da Costa.
Carlos H. Savedra de Aboim Inglês.
Dinis Fernandes Miranda.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Fernando Freitas Rodrigues.
Francisco Miguel Duarte.
Hélder Simão Pinheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Victor Baptista G. de Sá.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José António Veríssimo Silva.
José Ernesto I. Leão de Oliveira.
José Manuel Aranha Figueiredo.
José Manuel da Costa C. Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Marino B. de Vasconcelos B. Vicente.
Rosa Maria Reis A. Brandão Represas.
Victor Henrique Louro de Sá.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Ferreira Pereira de Melo.
Artur Fernandes.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel Lopes V. O. Dias.
Henrique José C. de Meneses P. Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Daniel Marques Mendes.
João José Magalhães F. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim António F. Pinto de Castelo Branco.

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Joaquim Rocha dos Santos.
José Eduardo Fernandes Sanches Osório.
José Manuel Rodrigues Casqueiro
Luís Filipe Pais Beiroco.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Maria Tabita L. F. Mendes Soares.
Pedro António J. B. Pestana Vasconcelos.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz,

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges G. de Carvalho.
Augusto Martins Ferreira do Amaral.
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Henrique José Barrilaro F. Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Movimento Democrático Português (MDP)

Helena Tâmega Cidade de Moura.

José Manuel Marques do C. M. Tengarrinha.
Luís Manuel A. de Campos Catarino.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 175 Srs. Deputados.
Temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 11 horas e 5 minutos.

Entretanto, tomaram lugar na bancada do Governo o Sr. Primeiro-Ministro e os Ministros.

O Sr. Presidente: - Continua em discussão o Programa do Governo. Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais.

O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais (Morais Leitão): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta primeira intervenção perante a Assembleia de República começo por saudar V. Ex.ª e saudar todos quantos trabalhando nesta Casa contribuem para consolidar a democracia e defender a liberdade do povo português.
Como é sabido, o Ministério dos Assuntos Sociais constitui instrumento orgânico essencial à realização de uma das principais tarefas que a Constituição da República, no seu artigo 9.º, impõe ao Estado - a da promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo português.
Promover e garantir a satisfação, pela sociedade, dos direitos à segurança social, à protecção da saúde, à protecção da família, da maternidade, da infância, dos deficientes e da terceira idade, eis o objectivo gigantesco e, infelizmente, sempre inacabado, do Ministério que o Sr. Primeiro-Ministro entendeu confiar-me.
Graves são os problemas que rodeiam o cumprimento de tal tarefa. Pelo que o Programa do Governo não seria inteiramente compreensível se um rápido diagnóstico da actual situação não fosse neste momento feito perante esta Assembleia e perante o País.

mporta, para o efeito, começar por tomar consciência de que o volume total dos gastos em matéria de saúde e de segurança social ultrapassaram em 1979
os 100 milhões de contos e ultrapassarão em 1980, os 130 milhões de contos, o que quer dizer que, para uma população activa de cerca de 4 milhões de pessoas, como a nossa, atingiu, em 1979 cerca de 25000$ e alcançará mais de 30000$ em 1980, o valor anual per capita aplicado em despesas públicas de saúde e de segurança social.
Comparem-se estes números com o sentimento de frustração, generalizado nas populações, quanto à qualidade e à quantidade dos serviços prestados e logo se compreenderá a gravidade do problema que todos nós temos de enfrentar.
Os custos do Estado em matéria de saúde passaram de 13 milhões de contos em 1975 para 34 milhões em 1979 e serão de 41 milhões de contos em 1980 - quadruplicaram em quatro anos.
Os custos da segurança social passaram de 32 milhões de contos em 1975 para os 99 milhões de contos previstos para 1980 - incluindo desde já o custo conhecido das surpreendentes medidas do V Governo -, isto é, triplicaram naquele período.
A frieza e simultânea grandeza destes números, globais torna indispensável uma sintética desagregação e o realce de algumas das principais características do actual estado de coisas.
Assim, em matéria de segurança social, apesar dos aumentos das contribuições e impostos em 1977 e em 1979, tornou-se necessário mobilizar volumosos valores patrimoniais acumulados em reserva para assegurar o equilíbrio financeiro do sistema. Daí uma redução patrimonial que, a valores nominais, se cifra em 12,3 milhões de contos entre 1973 e 1979, e, a valores constantes (preços de 1979), se traduz numa descapitalização de 45,7 milhões de contos. Daí também, e ainda pelo facto de o Estado nunca ter assegurado uma adequada correcção das taxas vigentes, que os valores anuais de rendimento de todo o património da segurança social se tenham quedado, em 1979 pelo montante irrisório de 600 mil contos.
Dir-se-á, é certo, que de tal descapitalização não deveria vir grande mal, na medida em que permitisse assegurar à actual geração de beneficiários uma melhoria real das prestações que lhes são devidas.
E acrescentar-se-á, com justiça, que as alterações introduzidas no regime especial das pensões dos trabalhadores rurais e o lançamento da pensão social constituíram, por si, um progresso real no caminho da garantia de um mínimo
universal de bem-estar, apesar de determinantes de um déficit global - que foi, em 1979, de 14,6 milhões de contos - totalmente suportado pelas contribuições do regime geral.
Simplesmente, importa também tomar consciência de que, apesar da descapitalização realizada, as pensões de reforma representaram, em 1979, cerca de 58% do total das receiitas do sistema e passarão, e 1980 para mais de 62% daquele total, quando, em 1973, apenas atingiam 25% e quando, em termos absolutos, todos facilmente reconhecemos a magreza das pensões concedidas. Importa também tomar consciência de que dessa evolução, apesar dos insatisfatórios resultados obtidos, emergiu um desequilíbrio global, que determinou a transferência para déficit do Orçamento Geral do Estado dos custos da assistência médica e medicamentosa, tradicionalmente suportados pela Previdência -cerca de 18 milhões de contos em 1979 -, e tem determinado indesejada

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contenção em muitas das prestações atribuídas à população activa, à infância e a outros tipos de beneficiários (o abono de família passou de 25% dos custos em 1973 para 9% em 1979 e o equipamento social tem-se mantido nuns modestos 2% do total).
É certo que as perturbações havidas no sistema económico e a degradação das condições de vida das populações, para além de outras causas ligadas a todo um problema de moralidade que urge repor, têm também contribuído para o apontado desequilíbrio global do sistema, afectando-o com situações de dívidas em mora -que actualmente atingem o inadmissível montante de 28,7 milhões de contos- e com situações de absentismo por doença cujos subsídios representam 12% do total dos encargos.
Paga-se actualmente mais por subsídios de doença do que por abonos de família e é insignificante (da ordem dos 1,3% o que anualmente se vem recuperando das dívidas em mora.
Perante a exposta situação, afigura-se-me que se impõem, por si, os objectivos que o Governo assumiu e expôs no seu Programa em matéria de segurança social: melhorar o que se faz e não prometer o que não se pode fazer é o principal lema.
Na consolidação e racionalização do sistema orgânico da segurança social - bem precisado da implantação que a Lei n.º 55/78 aprovou mas ainda não consumou -, na melhoria da gestão financeira - com acelerada e inovadora recuperação das dívidas em mora -, na moralização no acesso às prestações e na simplificação dos processos burocráticos buscar-se-ão as economias e a recuperação, de receitas indispensáveis ao reequilíbrio financeiro do sistema.
Na prioridade à tendência uniformização dos regimes mínimos das prestações diferidas, na harmonização dos regimes dos diversos direitos, na melhoria da gestão dos variados equipamentos existentes, com acentuada participação das instituições de solidariedade social e com aproveitamento da força criadora das Misericórdias, procurar-se-ão os benefícios que se afigurar realistas face às possibilidades concretas do sistema.
E, assim, se é certo que a conjuntura económica condiciona, que os meios financeiros limitam e que a ética impõe que não se prometa o que não se pode cumprir, nem por isso o Governo deixa de aceitar o desafio da consolidação de um sistema de segurança social lançado, como todos desejamos, na libertação das necessidades criadas pelas situações de carência.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas se a situação em matéria de segurança social não é fácil, bem mais complexo é o panorama actual em matéria de protecção da saúde.
Quadruplicaram as despesas públicas em somente cinco anos.
Através de uma política de estímulos e de garantias de trabalho e de justiça, relativa e duvidosa, atingimos repentinamente uma situação pletórica em número de médicos - são 18 101 os já em exercício ou em face de preparação prática, o que dá uma relação brilhante de l médico para quase 500 habitantes e anuncia-se para os próximos anos um rápido atingir dos 25000 médicos.
São volumosos e não nos envergonham internacionalmente, em termos quantitativos, os meios de que dispomos em hospitais, em meios de diagnóstico e em centros de cuidados primários.
Mas continuam a morrer pessoas sem assistência médica, a taxa de mortalidade infantil é a mais alta da Europa, a população sofre e suporta sacrifícios e esperas sem fira à procura e à espera do tão anunciado e proclamado Serviço Nacional de Saúde.
O Governo entende que há longos anos, há demasiados anos, a política da saúde vem servindo mais à implantação e defesa de ideologias sobre o modo de organização da sociedade do que à protecção da saúde como fim em si mesmo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - Muito mal!

O Orador: - Chegou-se até a defender e a confessar publicamente que um simples relatório sobre carreiras médicas tinha também, em vista a defesa de um certo tipo de organização social.
E daí que, há muitos anos, as diversas políticas de saúde, em nome da obrigação fundamental de ser o Estado a executá-las, tenham deparado com a constante oposição ou incompreensão dos próprios médicos e demais profissionais da saúde e tenham, principalmente, esbarrado com a sucessiva e sistemática inexecução de brilhantes páginas escritas no Diário do Assembleia da República, para citar palavras de um ilustre membro desta Assembleia: «em saúde não podem dar-se - erros e não podemos ser excessivamente audaciosos».
Daí que o Governo entenda dizer não a projectos revolucionários, sejam eles de índole exclusivamente burocratizante, sejam de cariz exclusivamente liberal, e prefira privilegiar, como se diz no Programa, as medidas concretas de gestão e de racionalização dos meios financeiros humanos e materiais.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Têm de se rendibilizar os 40 milhões de contos que estamos gastando em despesas públicas de saúde e têm de se promover a resolução dos problemas concretos e urgentes das populações.
Nesse sentido, e com a consciência de que muito há a fazer imediatamente, sem complexos ideológicos, o Governo opta claramente, dizendo aos médicos e profissionais de saúde portugueses que respeitará as especificidades e o valor tecnológico e social das suas profissões, que rejeita a funcionalização e a burocratização das suas actividades próprias, mas que em troca exige e espera, de todos o que se integrarem funcionalmente no Serviço Nacional de Saúde, um arregaçar de mangas, uma dedicação de esforços, uma concentração de vontades que faça jus aos apregoados conceitos de desinteresse material e de responsabilidade social próprios dos trabalhadores da saúde.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Não se considera possível transformar em exclusivamente estatal um sistema de prestação de cuidados que quanto mais dele se fala mais vai premiando o sistema contrário,...

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Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... nem se considera admissível transformar em liberal ou exclusivamente convencionado um sistema que, na realidade, é misto e de cuja articulação e adequado planeamento deverá resultar a eficácia imediata do Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Respeitar-se-ão integralmente os princípios constitucionais, com a consciência de que a socialização da medicina não significa a colectivização dos meios mas a garantia da função social e integrada da sua utilização,...

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

... e com a certeza de que será da correcta e imediata articulação dos meios estatais e dos meios privados, imposta no artigo 64.º, n.º 3, alínea d), da Constituição, que resultará uma rápida aceleração na melhoria da protecção da saúde.
E não se esquecerá que a gratuitidade constitucionalmente assegurada não equivale a gratuitidade universal, mas a gratuitidade para os que dela carecem,...

O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Ah!...

O Orador: - ...defendidos, como estes últimos devem ser, contra a acumulação de meios e de serviços em favor dos que podem, ainda que parcialmente, custeá-los.
O Governo está certo de que se puser a funcionar os meios que já existem melhorará espectacularmente a protecção da saúde dos Portugueses.
Uma última palavra para a institucionalização, pela primeira vez efectuada por este Governo, através da criação da Secretaria de Estado da Família, do cumprimento sistemático e coordenado do que se dispõe no artigo 67.º da Constituição.
Institucionalização que de há muito tem paralelo em vários países da Europa, institucionalização que encontra o seu fundamento na concepção da família como elemento natural e fundamental da sociedade humana, expressamente consagrada na declaração Universal dos Direitos do Homem como factor essencial da liberdade, na exacta medida em que só ela assegura a satisfação das necessidades de afeição e de equilíbrio inerentes a todo o ser humana.
A igualdade entre o homem e a mulher, a personalidade da criança, a autonomia essencial de cada indivíduo, são valores do progresso que a família não prejudica, mas que, pelo contrário, ela própria também garante na sua plenitude.
Daí que - o Programa do Governo encare de frente o problema do início da execução pelo Estado Português de uma política global de promoção da família, propondo acções imediatas, de âmbito interministerial, que assegurem a sua protecção no plano da educação, da habitação, da saúde, da segurança social, dos transportes e da fiscalidade.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Muito bem!

O Orador. - Não se trata de assumir acções que vários departamentos estatais já desempenham. Trata-se antes e apenas de garantir a coordenação de todas as acções dispersas, aumentando-lhes a eficácia, com uma concepção integrada que garanta a promoção da família e a sua adequada participação como tal na vida social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É tempo de terminar. Seja-me permitida uma palavra final de esperança - a de que a permanência e o valor natural dos direitos sociais, cuja satisfação é objectivo não apenas do Ministério mas de todos os quadrantes políticos e sociais, seja um factor de união e de esforço colectivo dos Portugueses, superando as divergências quanto ao método que em democracia tem eficácia conjuntural.
Muito obrigado pela vossa atenção.

Aplausos, da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Vasques para pedir esclarecimentos.

O Sr. Vítor Vasques (PS): - Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, ouvi a sua exposição e, antes de fazer algumas perguntas, permita-me algumas considerações.
V. Ex.ª falou em vários milhões de contos, falou também nos aumentos verificados, em relação a 1973 e 1974, até esta data, mas omite dados importantes. Omitiu, por exemplo, que esses milhões de contos foram gastos essencialmente em prol das populações mais desfavorecidas, pois é facto que, á partir de 1975 e até à presente - data, as despesas com a Administração, principalmente durante a, gestão dos Governos socialistas, como deve saber, diminuíram consideravelmente. Logo, todas essas verbas de que falou foram aplicadas essencialmente para benefício das reformas e da saúde.
Também no que respeita a descapitalização, há um ligeiro equívoco na sua exposição, pois a descapitalização verificou-se essencialmente de 1975 a 1977, deixando de se efectuar em 1978, e até, por via da gestão dos Governos socialistas, em 1979 foi pago à banca nacionalizada um empréstimo, feito em 1978, de 1,3 milhões de contos.
Face ao aspecto numérico da sua intervenção, pergunto-me: vai a política seguida pelo Sr. Ministro fazer voltar a um regime de capitalização ou mantém-se o regime de repartição que tem vindo a ser aplicado a partir, essencialmente, de 25 de Abril?
Outra questão refere-se ao facto de no Programa do Governo não se fazer qualquer referência a um problema de todos os nossos trabalhadores que considero candente: refiro-me a acidentes de trabalho e doenças profissionais. Qual a política do Governo nesse campo e em especial quanto à nossa entrada para a CEE?
O Programa do Governo é também omisso na questão da política de convenções internacionais no campo da segurança social, e o Sr. Ministro também nada referiu sobre esta matéria na sua intervenção. Qual então, a política do Governo nesse sentido, tanto mais que os emigrantes portugueses foram grandemente beneficiados, especialmente as suas famílias que se encontram em Portugal, pela política social seguida neste campo pelos Governos de gestão socialista?

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É também o Programa do Governo omisso quanto a uma questão que considero fundamental, principalmente nos meios rurais as Casas do Povo. Qual a política do Governo nesse campo?
É ainda omisso o Programa do Governo e também na sua intervenção não foi contemplado o problema dos deicientes. Qual a política a seguir pelo Governo em relação aos deicientes, sabendo que existem no nosso país muitos milhares?
Prometeu o Governo, no seu programa eleitoral, aumento das pensões e aumento do abono de amídia. Qual a política do Governo quanto a estes dois pontos? e, em relação ao abono de família, opta o Governo por um aumento qualitativo e quantitativo ou apenas por um aumento quantitativo?
No campo da saúde desejava pôr-lhe uma questão: diz-se no Programa do Governo que vai ser reformulado o sistema de financiamento e fala-se num Instituto de Seguro de Saúde. Quererá isto dizer que os trabalhadores portugueses vão pagar mais um imposto?
Tanto o Programa do Governo como a sua exposição são omissos relativamente à política de medicamentos. Depois de fazer uma análise tão especificada daquilo que se gasta com o subsídio de doença, daquilo que se gasta em reformas e em abonos de família, estranho que. o Sr. Ministro não tenha dito a esta Câmara quanto se perde em medicamentos nu nosso país e. para onde vai o dinheiro que aí se peide!
Eram apenas estas as minhas perguntas, para as quais gostaria de ter de V. Ex.ª uma resposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Ministro, queria apenas formular duas breves perguntas, uma vez que dentro de momentos irei fazer uma intervenção sobre esta matéria.
De qualquer modo, não posso deixar de fazer uma brevíssima consideração sobre a analise financeira que o Sr. Ministro fez da segurança social. Na verdade, usou sempre como termos comparativos o que se passava em 1973 e em 1974 - e eu estava mesmo a ver quando é que o Sr. Ministro chegava à conclusão final de que a gestão da segurança soeria depois do 25 de Abril tem sido um desastre e que antes, por exemplo em 1973, a Previdência até dava lucro, até dava para financiar as empresas do Melo, do Champalamaud e de outros, e agora, vejam lá, dá prejuízo!...
Mas, Sr. Ministro, eu não queria falar sobre isso, queria pôr-lhe uma questão muito concreta, relativa - à situação dos reformados, sobre a qual o Sr. Ministro não disse uma palavra. É claro que o Programa do Governo praticamente não diz nada sobre este assunto, e o programa eleitoral da AD dizia e prometia muito.
Todavia, Sr. Ministro, há um decreto-lei que saiu que está em vigor e que segundo hoje li no jornal, evidentemente, ò Governo tem de aplicar, pelo que vai processar-se o pagamento das pensões mínimas a partir de Dezembro. Mas, Sr. Ministro, e as outras pensões? As pensões mínimas foram actualizadas por esse decreto-lei da engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo, mas há outros reformados, e todos esses outros, que são muitos, se o Governo não aumentar rapidamente as suas pensões de reforma, entram no terceiro ano sem ver um tostão de aumento nas suas miseráveis pensões. Que pensa o Governo fazer neste campo a que se deve esta omissão no Programa, de uma das questões fundamentais? Neste momento, 1,5 milhões de portugueses gostariam de estar aqui a fazer esta pergunta ao
Governo ...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Ministro dos Assuntos Sociais pareceu-me ter sintetizado a filosofia do Governo em matéria de segurança social com a frase «o que é preciso é melhorar o que se faz e não prometer o que se não pode fazer». Esta é uma boa filosofia, mas, entretanto, recordo-lhe que já no programa eleitoral da AD se dizia que «o que importa é uma política realista, e não mais uma lista de promessas impossíveis de cumprir». Bem, e depois seguiam-se as promessas..., que eram, por exemplo: «reforçar o abono de família, em especial aos que mais dele necessitam, e alargá-lo aos que' ainda não são abrangidos»; «definir o rendimento mínimo vital e fazer com que as pensões de segurança social cubram esse mínimo»; «criar creches e jardins-de-infância»...
Gostaria que o Sr. Ministro explicasse, mais precisa e rigorosamente, qual a posição do Governo em relação a estas medidas que anunciava como indispensáveis durante a campanha eleitoral O que, designadamente em relação ao abono de família, desse as explicações que não deu, ou seja, mais concretamente, que é que o Governo vai fazer nesta matéria? Pensa alargar o abono de família aos rurais ou não?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Ministro, permita-me que faça algumas perguntas. Não era minha intenção deliberada intervir neste debate, até porque o meu camarada de bancada Bragança Tender vai fazer uma intervenção sobre problemas de saúde, mas, em todo o caso, não queria que a sua intervenção ficasse sem uma observação da minha parte.
Em primeiro lugar, quando estava a ouvi-lo, pensei que estava a produzir um relatório de uma qualquer empresa desportiva ou comercial, mas o Ministério dos Assuntos Sociais, Sr. Ministro, não é uma empresa...
O Programa que o Governo, apresenta é extremamente vago e pobre. Está à altura do vosso Governo!

Risos da maioria parlamentar.

O Programa anuncia a revisão da Lei do Serviço Nacional de Saúde; há dias, responsáveis, ou pelo menos pessoas consideradas responsáveis, do PSD e do CDS prometeram publicamente a revogação, pura e simples, da Lei do Serviço Nacional de Saúde; ontem, um Deputado da bancada do PSD falou também em revogação!
Pergunto, pois, Sr. Ministro, com toda a franqueza e esperando da parte de V. Ex.ª a mesma franqueza, se afinal se trata de uma revisão da referida lei ou

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de uma revogação. E, sendo revisão, que tipo de revisão é? Revisão dos pormenores técnicos ou revisão dos princípios?
V. Ex.ª sabe que a saúde envolve opções políticas opções técnicas, e as opções políticas não foram escolhidas pela Lei do Serviço Nacional de Saúde pois estão consagradas na Constituição, limitando-se, a lei, digamos, a regulamentar o artigo 64.º da Constituição.
Pergunto, portanto, se V. Ex.ª aceita as opções políticas constantes do artigo 64.º da Constituição ou se, pelo contrário, prefere as opções políticas relativas ao referido artigo da Constituição preconizadas pelo Sr.
Primeiro-Ministro, Dr. Sá Carneiro, no seu projecto de revisão constitucional.
Designadamente, Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, V. Ex.ª aceita um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito? Que é para V. Ex.ª a universalidade e a generalidade? V. Ex.ª aceita que o serviço Nacional de Saúde tem de conduzir, como imperativamente resulta da Constituinte, à socialização da medicina e dos sectores médico-medicamentosos?
V. Ex.ª não aceita que os médicos sejam funcionários públicos? Sabe V. Ex.ª que todos aqueles que servem o Estado são funcionários públicos, segundo a Constituição? Sabe V. Ex.ª que 98% dos médicos portugueses são funcionários públicos, porque apenas 2% exercem a medicina em regime exclusivamente liberal?
V. Ex.ª aceita o tipo de Serviço Nacional de Saúde chamado de medicina convencionada? Que é para V. Ex.ª a medicina convencionada? V. Ex.ª pensa que a medicina convencionada se adapta por princípios constitucionais?
Vejo nas bancadas da AD ilustres representantes da medicina convencionada, ilustres porta-vozes da Ordem dos Médicos. V. Ex.ª aceita o figurino preconizado pela Ordem dos Médicos? V. Ex.ª agora que mais de 90% dos médicos vivem em três cidades do País? Pergunto-lhe então: como é que V. Ex.ª consegue que esses médicos e outros trabalhadores da saúde sejam distribuídos por todo o território nacional, desde Trás-os-Montes às ilhas atlânticas? Como é que o seu Governo quer proceder à cobertura médica e hospitalar de todo o País, como está expresso na Constituição?
Sr. Ministro: V. Ex.ª teve a amabilidade de me citar dizendo que «em saúde não se devem cometer erros e não podemos ser excessivamente audiciosos». O seu Governo está a cometer um erro crasso ao revogar uma lei que corresponde aos profundos sentimentos do País e a procurar uma ruptura do sistema democrático...

Risos da maioria parlamentar.

...porque, em democracia, os Governos respeitam, geralmente, as leis aprovadas por outros Governos, e esta maioria, escassa e efémera, não tem autoridade moral para revogar esta lei...

Protestos da maioria parlamentar.

e talvez este Governo devesse fazer o mesmo que - fez o Governo conservador inglês, que aplicou a Lei do Serviço Nacional de Saúde criada por um Governo trabalhista!
O seu horizonte temporal é apenas de oito ou nove meses, Sr. Ministro, e V. Ex.ª não vai ter tempo para revogar ou esvaziar esta lei; ao fim desse tempo, tudo voltará ao princípio, « é esse o drama do povo português.

Nada mais, Sr. Ministro. Desejo-lhe muitas felicidades.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Malaquias.

O Sr. Manuel Malaquias (PSD): - Por tudo aquilo que acabámos de ouvir nesta Câmara dito pelo Deputado Vítor Vasques, do Partido Socialista, poderíamos inferir que tudo o que o Partido Socialista fez, enquanto esteve no Governo, no sector da segurança social, foi o melhor para este país e o melhor para as populações abrangidas em termos de segurança social, o que não é verdade. E é preciso que isto seja dito claramente nesta Câmara e perante o povo português.
Senão vejamos: onde ficaram todos os diplomas sobre a previdência dos rurais que, desde 1975, estavam em estudo e em preparação?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É o porta-voz do Governo?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É a muleta do Sr. Ministro!

O Orador: - Onde ficaram os diplomas que estavam já praticamente prontos sobre as Casas do Povo?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Deixe responder, o ministro, que depois fala...

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Mas o Governo onde é que está?!

O Orador: - Estou a fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Vítor Vasques.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Parece que ficaram atrapalhados!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é favor não se interromperem.

O Orador:- Se me permite, Sr. Presidente, vou continuar.

O Sr. Presidente: - Com certeza.

O Orador: - Onde está a tal indexação, de que falou o Sr. Deputado do Partido Socialista, das pensões de reforma e dos benefícios sociais? Onde foram estes projectos concretizados pelo Partido Socialista?
Fala-se muito, e da bancada do Partido Comunista também se referiram a esta questão, do abono de família. Qual é o valor real hoje, em 1979 de um abono de família de 240$ em 1974? Será que o Partido Socialista conseguiu concretizar alguma das medidas da indexação ou alguma vez propôs qualquer indexação?
Afinal parece que o Partido Socialista, enquanto Governo, não fez tudo aquilo que disse e mesmo quanto às próprias reformas muitas delas foram toma-

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das praticamente em vésperas de eleições e, portanto, pura e simplesmente demagogicamente tomadas!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Vozes do PS: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais para responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Ministro dos Assuntos Sociais: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Vítor Vasques pôs ao Governo diversas questões às quais vou tentar responder com a brevidade que o tempo impõe.
Não quis, na minha intervenção, criticar a evolução do sistema de segurança social de um regime de capitalização para um regime de repartição, mas deixar à vossa consideração os efeitos dos benefícios para a geração actual, que estão também a prejudicá-la.
É evidente que as despesas de administração referidas pelo Sr. Eng.º Vítor Vasques foram contidas percentualmente nos últimos anos, mas é evidente também que elas representam um montante de 10% das receitas, o que constitui o dobro dos padrões internacionais na matéria, e creio que há muito a fazer para consolidação e reorganização do Ministério dos Assuntos Sociais em matéria de Segurança Social. Peço a vossa atenção para a existência do Decreto-Lei n.º 549/77, que tem mais de três anos e que ainda está por executar!

O Sr. Vítor Vasques (PS): - É da nossa responsabilidade?!

O Orador: - Todas as direcções-gerais estão em regime provisório, o que gera, para além do mais, uma instabilidade psicológica geral nos funcionários, contrária à eficiência necessária. Logo, podemos verificar que, se contidas, as despesas de administração conseguidas não são satisfatórias.
Perguntou-se também o Sr. Deputado Vítor Vasques se o Governo vai voltar ao regime de capitalização. Pois o Governo não vai voltar ao regime de capitalização, mas tem de se conter a descapitalização em curso e, numa situação em que existem 28,5 milhões de contos de dívidas em mora, algo se tem de fazer para permitir criar condições para uma actualização regular das pensões.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E as pensões mínimas?

O Orador: - Perguntou-me ainda o Sr. Deputado Vítor Vasques qual a política do Governo em matéria de acidentes de trabalho e doenças profissionais, em matéria de convenções internacionais sobre segurança, em matéria de casas do povo, em matéria de deficientes e acusou o Programa do Governo de omisso em todas estas matérias. Ora, penso que o Programa do Governo abrange essas matérias ao apontar para um sistema de segurança social unificado, universal e descentralizado e creio que o Programa do Governo tem conteúdo suficiente para lhe dar resposta nestas matérias.
Mas, se quer que lhe diga, relativamente ao problema dos acidentes de trabalho há quatro anos que a sua integração na segurança social está em discussão. Houve uma comissão que propôs sua integração e nada foi feito durante quatro anos. Espero poder avançar alguns passos durante os próximos oito meses!
Perguntou-me o Sr. Deputado Vítor Vasques o que é que seria o instituto nacional de seguro de saúde como sistema de financiamento, constante do Programa de Governo. Acontece que o financiamento da saúde se encontra actualmente a cargo exclusivo do Orçamento Geral do Estado, e, como disse na minha intervenção é de 41 milhões de contos a verba que vai ser gasta em 1980 nos serviços de saúde. Mas é evidente que o Governo não pensa criar uma taxa de seguro para os Portugueses, o que seria contraditório em relação à política de alívio da carga fiscal e com a consideração e com o reconhecimento da degradação da capacidade de renda dos Portugueses.
Portanto, o Governo nestes oito meses não vai criar nenhum instituto nacional de seguro de saúde; o Governo, durante estes oito meses vai criar um instituto de gestão financeira das despesas da saúde...

Risos do PCP.

O Sr. Rodolfo Crespo (PS): - Vai ficar tudo na mesma!

O Orador - ...que permita clarificar e que permita gerir correctamente os 41 milhões de contos que lhe vêm do Orçamento Geral do Estado.
O Sr. Deputado Vítor Vasques acusou também a minha intervenção de ser omissa quanto ao gasto em medicamentos. Contudo, eu referi que o volume das despesas com serviços Médico-Sociais, assistência médica e medicamentosa atingirá, em 1980, 18 milhões de contos, e referi ainda o número global no qual se insere a enormidade da verba gasta em medicamentos, que será em 1980 de cerca de 8 milhões de contos. É uma enormidade o que se está a gastar em medicamentos e eu creio que só uma política de moderação nos gastos e que dificulte o acesso a determinadas prestações pode permitir reduzir tais encargos.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra quis saber o que é que o Governo pensa fazer sobre os restantes reformados para além dos que beneficiam das pensões mínimas. Eu lembraria à Sr.ª Deputada que as medidas tomadas pelo V Governo constituíram ou constituiriam um encargo da ordem dos 15,7 milhões de contos para os quais o V Governo tomou a seguinte atitude cómoda: cerca de 9,9 milhões de contos serão, previsivelmente, suportados pelo orçamento da segurança social e os restantes 5,7 milhões de contos serão a débito de um Orçamento Geral do Estado de que ainda não havia então o mínimo traço de elaboração! É sempre fácil encontrar um sistema de financiamento de regalias numa base de hipotecar ou atribuir para um futuro Governo os custos dt uma decisão anterior!
É evidente que o Governo é muito sensível à situação degradada dos reformados. Pode até dizer-se que os reformados são talvez a única classe que teve ganhos no poder de compra entre 1974 e 1980 mas não vale sequer a pena usar este argumento, tão magras e reconhecidamente inferiores são as pensões dos reformados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Temos é que começar por encontrar e garantir - e estão encontradas - formas de financiamento para cobrir as despesas mínimas, as despesas com as pensões de reforma. O Governo espera, através da sua acção de recuperação das dívidas "em mora, encontrar formas de novo financiamento para melhorar, se possível, os outros reformados. O que não posso é prometer-lhe que o faço mesmo porque não o farei -como fez o V Governo- à custa do próximo Governo!

Vozes do PSD, do CDS e do PPM - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito instou o Governo sobre qual a sua política em matéria de abono de família. O problema do abono de família, como disse na minha intervenção, é que neste momen ele é inferior ao subsídio de doença. Está relegado ou vem sendo relegado por uma posição subordinada nos esquemas de benefício social.
É evidente que ainda aqui será a possibilidade que comanda, mas creio ser justo afirmar que, mais do que o abono de família pecuniário, interessava, em termos da espécie, em termos de prestação em equipamento social, que se garantisse às famílias a protecção na infância, aos deficientes na juventude, que é indispensável que a segurança social assuma.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Governo, como disse, não promete. Vai arrancar com uma reorganização e um sistema de financiamento da segurança social do qual, estou certo, resultarão benefícios para os reformados e para os deficientes.

O Sr. Carlos Brito (PCP): Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça, favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Depois de o ouvir, ocorre-me esta interrogação cruciante: então em matéria de segurança social onde é que está a mudança?

Risos do PCP e do PS.

O Orador: - Sr. Deputado, a mudança está, pelo menos, em termos finalmente assumido a responsabilidade pelo pagamento de pensões de reforma adicionais.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Carlos Brito (PCP): A mudança já estava decidida!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - A mudança foi para pior!

Risos do PCP e do PS.

O Orador - O Sr. Deputado António Arnaut - a quem aproveito para prestar a minha homenagem pelo entusiasmo e pelo vigor que pôs na defesa de uma concepção do Serviço Nacional de Saúde - inquiriu se o Governo vai rever ou revogar a Lei do Serviço Nacional de Saúde.
A minha resposta é que vai rever e, consequentemente, revogá-la-á na parte revista.

Aplausos da maioria parlamentar.

E vai rever alguns princípios que o Sr. Deputado, mais do que na Lei do Serviço Nacional de Saúde, aqui hoje expressou; vai rever toda a filosofia burocratizante, exclusivamente estatizante que está inscrita na Lei do Serviço Nacional de Saúde e sem cuja - modificação poetemos continuar a escrever páginas no Diário da República que o Serviço Nacional de Saúde continuará na mesma...

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. António Arnaut (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Perguntou o Sr. Deputado qual a posição do Governo em relação ao artigo 64.º da Constituição. A minha intervenção parece-me! ter sido clara e as intervenções do Sr. Deputado é que têm transformado o artigo 64.º em algo; de coxo, porque para o Sr. Deputado esse artigo apenas defende a socialização da medicina entendida como colectivização dos meios quando, efectivamente, ele impõe a articulação dos meios que na realidade existem.
Disse na minha intervenção que não se tratava de defender um projecto de medicina convencionada, mas que se tratava de encontrar e desenvolver a utilização articulada dos meios que temos e isso será feito, custe aos defensores da estatização ou custe aos defensores da convencionação exclusiva!

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar esclarecimentos à Câmara.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou apenas referir-me à intervenção do Sr. Deputado António Arnaut, pois é matéria que me toca em particular.
Quando o Sr. Deputado António Arnaut pretende saber se estaríamos interessados ou não em rever princípios ou aspectos técnicos da Lei do Serviço Nacional de Saúde, dar-lhe-ia muito claramente que o Programa do Governo aponta para a revisão de ambos. E porquê?
Em primeiro lugar, a visão que o Sr. Deputado António' Arnaut tem da Constituição é uma visão unilateral. Quando, no seu artigo 64.º, a Constituição diz que o Serviço Nacional de Saúde é gratuito, geral e universal não diz que é gratuito para todos...

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PS.

O Orador: -... e era estranho que assim o encarássemos porque iríamos introduzir um maior factor de desequilíbrio sócio-económico, ao contrário do que se pretende!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É geral, porque, de facto, abrange

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todos os cuidados de saúde e é universal porque, de facto, todas as pessoas poderão ter acesso a ele mediante, determinados mecanismos de regulamentação. Perguntou também o Sr. Deputado António Arnaut e o Sr. Ministro este ou não de acordo com a medicina convencionada. Estranho esta pergunta porque a Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, refere claramente o aspecto da convenção. Não conheço outro aspecto, outro mecanismo que regulamente, sem cairmos no excesso da liberalização, o sector privado a não ser através de acordos e convenções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Perguntou também o Sr. Deputado António Arnaut como é que vamos distribuir os médicos equitativamente pelo País, que estão distribuídos - todos o sabemos - essencialmente nas três principais cidades do litoral. Entretanto, só conheço dois métodos para que esta distribuição possa ser feita: ou através de imposições mais ou manos militarizadas ou administrativas, ou através da criação de condições sócio-profissionais e de outros incentivos nos hospitais distritais, nos centros de saúde, em todos os serviços dia periferia para que os técnicos para lá se possam deslocar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É estranho que quando se fala em Serviço Nacional de Saúde apenas se. refiram os médicos, quando sabemos que esta mesma distribuição extremamente desordenada passa por todos os sectores sócio-profissionais, nomeadamente enfermeiros e técnicos paramédicos - 87 % de técnicos paramédicos estão no litoral do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Alegou também que esta revisão de Lei do Serviço Nacional de Saúde; seria uma ruptura democrática. Pergunto onde é que haverá perigo de ruptura democrática se continuarmos a insistir em leis carregadas de política e de demagogia e que não apontam para as realidades nacionais, para os interesses dos técnicos da saúde...

Vozes do PS: -Ah!...

O Orador: - ...enfim, para os interesses do povo português.

O Sr. Raul Rego (PS): - Em primeiro estão os interesses do doente!

O Orador: - Os interesses do doente estão em primeiro lugar. É um lugar-comum que todos nós defendemos, que somente quem .pretende fazer política mais barata a ele se refere!

Protestos do PS.

É pena que quando foram responsáveis por esse sector não se tenham preocupado tanto com os doentes e hoje aqui venham referi-lo quando, no fundo, o que podemos fazer para melhor defesa dos doentes é criar um Serviço Nacional de Saúde eficaz, capaz e compatível com a realidade portuguesa e não modelos estrangeiros ultrapassados.

Aplausos da maioria parlamentar.

Nós defendemos um Serviço Nacional de Saúde, não defendemos esquemas burocráticos, estiolantes e incapazes de dar resposta à situação dramática em que vive o povo português desde há muitos anos.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Vou ser muito breve, Sr. Presidente, e apenas vou colocar um problema.
Nós temos actualmente em Portugal meios hospitalares que não são altamente insuficientes. Simplesmente, grande, parte dos nossos hospitais não funcionam, grande parte dos meios hospitalares portugueses não são utilizados por carências administrativas e por carências das carreiras paramédicas. De resto, em cinco anos, nada se fez por uma utilização racional dos meios hospitalares portugueses, nada se fez por uma preparação eficiente das carreiras paramédicas.
Parece-me que todo o problema médico, o problema da saúde, tem sido sempre dominado por uma preocupação essencialmente demagógica, aliás como todo o problema que temos estado a tratar relativamente aos Assuntos Sociais.

O Sr. Manuel da Costa (PS): - Olha quem fala!

O Orador: - Relembraria à Câmara - talvez valha a pena - o episódio histórico do camarada Augusto, que parece esquecido; O Camarada Augusto foi Ministro dos Assuntos Sociais em 1921 e criou na lei e foi publicado, o mais maravilhoso sistema de seguros sociais que jamais tinha havido no mundo. Havia seguros sociais para tudo: protecção completa na velhice, na infância, na saúde, em tudo. Simplesmente, esse maravilhoso sistema do camarada Augusto nunca passou da lei, nunca passou do Diário do Governo...
Nós portugueses quereríamos que, de facto, passasse a haver serviços nacionais de saúde que ultrapassassem a cabeça do Dr. António Arnaut e a letra do Diário da República, para termos realmente um Serviço Nacional de Saúde utilizável pelos portugueses e financiável pelos meios financeiros do Estado Português.
É extraordinário como, de um dia para o outro, se esquece imediatamente a discussão do dia anterior: ontem, estávamos aqui todos dominados pelas preocupações financeiras e orçamentais do Estado Português, sem saber como havemos de vencer a crise financeira e económica, e hoje, quando o problema dos seguros sociais é posto em termos racionais de financiamento e de capacidade de financiamento e de não poder o Estado Português continuar a suportar deficits da segurança social da ordem dos 100 milhões de contos, imediatamente isso é atacado puramente em (termos exclusivamente demagógicos, sem

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observação correcta das possibilidades administrativas e das possibilidades que o sistema oferece.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, não estamos ainda a discutir outra vez o problema da saúde. Na devida altura, a minha bancada terá oportunidade, de expor os seus (pontos de vista.
Quero expressar aqui a minha profunda convicção de que este Governo não vai revogar a Lei do Serviço Nacional de Saúde. Não vai poder fazê-lo!
Não vos vou tomar tempo, Srs. Deputados, até porque, depois das palavras proferidas pelo Sr. Deputado Carlos Macedo, estamos todos ansiosos por ouvir o Sr. Deputado Casqueiro...
Mas o problema é este: a filosofia e o tapo de sociedade que preconiza essa bancada - salvo uma ou outra excepção - não é, na verdade, o mesmo tipo de sociedade que preconizamos, aquela que está configurada na Constituição e aquela para que apontava a Revolução do 25 de Abri. Esta é que é a questão.
Entretanto, quero dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Cardos Macedo a respeito da gratuitidade e da definição escandalosa e insólita que deu de gratuidade - de graça para uns, mas não de graça para outros!!!
Se o Sr. Deputado Carlos Macedo e outros ilustres políticos que aqui se sentam fossem doentes das caixas, certamente não falariam dessa maneira. Mas quando se fala em gratuitidade ela tem realmente de ser para todos porque há um princípio constitucional que diz que «todos os cidadãos - os pobres e os ricos, os trabalhadores de Trás-os-Montes e os clínicos de Lisboa - têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei», e outro que diz que «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social».
O tipo de sociedade por que lutamos funda-se nestes princípios da justiça, da igualdade, da fraternidade. Ê essa que será conquistada, porque o 25 de Abril, Sr. Presidente, não morreu!

Aplausos do PS, do PCP e do MDP.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a .palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - O Sr. Deputado António Arnaut pôs-me palavras na boca que eu não proferi... O que eu disse foi muito claro e é pena que por vezes não se entenda porque não convém.
Todos estamos conscientes desta última frase do Sr. Deputado António Arnaut. De facto, se não sou médico das caixas, também não fui ainda, por razões de saúde, doente das caixas, mas tenho conhecimento muito concreto do sector. É isso que nós queremos modificar. Só que não modificamos com palavras, modificamos com actos. E é isso que hoje estamos aqui a defender.
Em todo o caso, gostaria de referir ao Sr. Deputado António Arnaut que na Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro, quando se refere a gratuitidade diz-se «em princípio» e impõe-se também o princípio das taxas moderadoras.
Quando falamos de gratuitidade para quem precisa e pagamento através de taxas moderadoras para quem pode estamos a estabelecer o princípio que eu considero mais humano, mais justo e de acordo com a realidade sócio-económica de Portugal.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro.

O Sr. José Manuel Casqueiro (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Ao subir pela primeira vez a esta tribuna como Deputado independente eleito pela Aliança Democrática, não quero deixar de saudar todos os Deputados aqui presentes, sem excepção, sem distinção partidária, sem qualquer preconceito que signifique ódio ou animosidade. Adversários ou amigos políticos podem contar com a minha oposição ou colaboração desde que oposição e colaboração signifiquem trabalhar para dignificar esta Assembleia da República.
É assim que os agricultores e a população rural, pelos quais me sinto mandatado, julgam que eu devo proceder na defesa dos seus interesses, de forma a salvaguardá-los e ao mesmo tempo servir os interesses do País.
Para não perder tempo, entro imediatamente na discussão do Programa do Governo, mas desde já quero afirmar que o referido Programa, nas suas linhas gerais, serve a contento os interesses da população rural...

Risos do PCP.

... o que quer dizer, os interesses da agricultura portuguesa, assim ele encontre executores à altura que sejam capazes de promover a mudança exigida pela maioria que nos elegeu.
Mas mudança não pode significar ruptura institucional e, por isso, só será conseguida pela coesão da maioria parlamentar com assento nesta Assembleia, coesão que significa simplesmente cumprirmos as promessas que fizemos aos nossos eleitores e pormos por conseguinte, os interesses nacionais acima das nossas motivações pessoais ou partidárias. Não devemos nunca esquecer que os eleitores que em nós votaram pensaram mais, ao fazê-lo, nas realizações concretas e na prática quotidiana e eficaz que da nossa actuação resultar. Os nossos actos serão sempre muito mais importantes do que as nossas boas intenções. Por isso. nós, do Grupo Parlamentar do CDS, desejamos desde já exprimir publicamente o nosso apoio às medidas com que se estreou o recente Executivo ao fixar e definir as tabelas de preço do vinho e do azeite, respeitando simultaneamente os interesses dos produtores e dos consumidores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero a este respeito lembrar a esta Assembleia que a tabela de intervenção nos preços do azeite já há muito deveria ter sido posta em prática pelo anterior Executivo da Sr.ª Engenheira Pintasilgo, que, para tal, até gozava

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do apoio parlamentar, nunca regateado, dos socialistas...

Vozes do PS: - Parlamentar?

O Orador: - ... e dos comunistas, que fora e dentro desta Assembleia lhe deram todo o seu apoio.

O Sr. Raul Rego (PS): - Onde é que estava o Parlamento?

O Orador: - Numa agricultura pobre, doente e mal estruturada como é a nossa, falar de mudança pressupõe imediatamente que seremos forçados a apresentar novas alternativas; e novas alternativas significam que procederemos, como manda o mais elementar cuidado, ao levantamento, ao balanço, diríamos, do que até hoje foi realizado no campo da agricultura. Contrariamente àquilo que muitos têm afirmado, a política seguida pelos Governos ditos progressistas deste país foi extremamente conservadora.
Em vez de procederem à extinção das organizações corporativas, como os
ex-grémios, preferiu-se o seu controle por nomeações e não por eleições.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - De resto, a actuação dos Governos anteriores sobre os organismos de coordenação económica herdados do regime corporativo foi a de lotai preservação e alargamento das suas estruturas.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Vimos assim empolar em meios, em pessoal, em poder de intervenção e em prejuízos organismos cujo estatuto monopolista é posto em causa pela nossa integração no Mercado Comum.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Preferiram, pois, a continuidade às reformas, preferiram o
social-corporativismo ao associativismo livre, preferiram o colectivismo à economia de mercado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador. - Porque o que estava em causa não era o aumento da produção agrícola, não era a reestruturação fundiária, não era a melhoria do nível de vida das populações rurais e dos portugueses, não era a justiça social e, muito menos, a liberdade individual dos trabalhadores rurais. Era sim a concretização de um modelo de sociedade fechada, o que quer dizer colectivista, antidemocrática e. portanto, totalitária.

Aplausos do CDS e de alguns Deputados do PSD.

Assim, «esta» Reforma Agrária não foi nem é «uma conquista do 25 de Abril», muito menos dos trabalhadores rurais e da população rural, mas sim uma conquista do 11 de Março, ou seja, uma conquista do Partido Comunista.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador - Deste modo, é fácil compreender que, cinco anos passados sobre esta Reforma Agrária, já ninguém possa negar o seu insucesso, insucesso bem patente na produção de cereais - produzimos hoje um terço do que produzíamos antes desta Reforma Agrária.

Uma voz do PCP: - É falso!

O Orador:: - Esteja calmo que há tempo para tudo.
Mas dizia eu que a culpa não é dos trabalhadores rurais, é do sistema colectivista que o Partido Comunista impôs a esses trabalhadores.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - Reflecte-se ainda na redução dos investimentos do sector rural, na diminuição dos salários dos que trabalham no sector colectivo, em relação aos que bem mais ganham no sector privado, tendência que continuará a verificar-se na medida em que os do sector colectivo não gozam de direitos sindicais e de liberdade individual.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por aqui vemos que esta Reforma Agrária em nada contribuiu para a formação de um clima de paz e de segurança, de bem-estar e justiça para a população rural. Não é «conquista», mas sim traição aos ideais de democracia, justiça e liberdade do 25 de Abra.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Aquilino Ribeiro (PS): - Dita de liberdade!

O Orador: - É, no entanto, uma conquista do Partido Comunista, pois serve aos seus ideais de luta pelo poder e de instauração de um tipo de sociedade fechada e totalitária, como a que ele pretendeu implantar em Portugal. Mas se o Partido Comunista é o principal responsável da situação em que mergulhou a chamada «Zona da Reforma Agrária», muitas culpas também cabem ao Partido Socialista, que, a seu tempo, quando dispôs de largo apoio popular e da simpatia da maioria dos portugueses, quando dominava esta Assembleia, não soube ou não foi capaz de aproveitar tal situação para levar a cabo justas reformas estruturais e sociais na agricultura portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é a razão por que - quando não há muitas horas ouvi o Sr. Deputado António Guterres falar com tanto realismo e conhecimento dos problemas endémicos da agricultura portuguesa- não pude deixar de perguntar a mim. mesmo, e até com profundo desgosto, quais as razões que o levaram a não falar assim quando o seu partido estava no Governo

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É que então o Partido Socialista, dizendo-se europeu, preferia uma política ambígua

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de conciliação e de continuidade e, por isso, conservadora, de manutenção da política agrícola do Partido Comunista. Será, pelo que pude avaliar das suas palavras, que o Sr. Deputado António Guterres, consciente agora das diferenças estruturais que tanto nos afastam da Europa, se prepara para assumir
responsabilidades no pelouro da agricultura do seu partido, substituindo assim a irresponsabilidade e verborreia estéril que até agora conhecemos?

O Sr. Faria de Almeida (CDS): - Era bom! Era bom!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Aliança Democrática e nós, Deputados que a representamos, somos defensores de um projecto agrícola coerente, que defina um novo modelo de sociedade, inspirado nos ideais de liberdade e de justiça social, de justas reformas que se consubstanciam na iniciativa privada, na economia de mercado, na reestruturação fundiária, na correcta repartição de riqueza entre os diversos intervenientes, no respeito total pela garantia de liberdade de direitos sindicais, modelo este verdadeiramente europeu.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Este é, pois, um projecto de mudança que não se compadece com os projectos agrícolas da oposição, dado que o nosso é de evolução, é de progresso, é reformista.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Que ridículo!

O Orador: - O da oposição é conservador, é colectivista e pertence ao passado.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Tentar conciliar projectos antagónicos significaria continuidade e a nossa autodestruição. A política agrícola da Aliança Democrática terá de ser de mudança e de evolução. Não pode permitir, por consequência, a conciliação nem com o 24 de Abril nem com o 11 de Março.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Há que realizar agora a verdadeira Reforma Agraria. Temos de começar por regulamentar e implementar os textos legais que decorrem do Decreto-Lei n.º 77/77, que já há muito deveriam ter sido promulgados. Neles se procurará garantir a legalização das unidades de exploração colectiva por trabalhadores definindo o seu estatuto, a área e o tipo da exploração, de acordo com as regiões e suas características. Há que apoiar os trabalhadores rurais deste modelo de exploração, exigindo-lhes, no entanto, o cumprimentos de obrigações e deveres que em tudo devem ser idênticos aos que se atribuem aos agricultores do sector privado. Por outro lado, é imperativo que se forme uma nova classe de agricultores individuais, pela atribuição do uso da terra nacionalizada e expropriada a trabalhadores rurais, seareiros, rendeiros e pequenos agricultores.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Nunca como agora se pôde afirmar com tanta correcção o princípio propagandeado pelos outros e que vai ser por nós agora posto em prática: «a terra entregue a quem a quer fazer produzir».

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

A Sr.º Zita Seabra (PCP): - Ah, não é a quem a trabalha!

O Orador: - Com esta medida poderemos constatar em breve se é verdadeira a tese segundo a qual os trabalhadores do Sul estão condenados a serem sempre proletários rurais, quer no sector colectivo, quer no privado, por não desejarem jamais ascender ao uso ou à posse da terra,...

Risos do PCP. ... Em breve o veremos... Uma voz do PCP: - Que fracote!

O Orador: - Não percebo porque é que há tanto

nervoso na bancada do Partido Comunista!... A todos os que trabalharem, quer nas UECTs, quer como agricultores privados, deverá o Estado garantir, segundo pensamos, apoio económico, assistência técnica, regalias sociais, no respeito total pelos princípios que enfermam uma sã competitividade característica da economia de mercado. Por outro lado, deverá o mesmo Estado exigir as mesmas garantias, as mesmas obrigações e deveres, quanto a pagamento de rendas pelo uso da terra, de impostos, de previdência, de juros e amortizações dos empréstimos concedidos como se exige a todos os agricultores privados.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Veja lá a sua família!

O Orador: - Não mais deverá ser permitida a existência de feudos, sejam eles de forças sociais ou partidárias, porque num Estado de direito todo o cidadão é igual perante a lei. Por isso os Deputados que integram os grupos parlamentares da Aliança Democrática irão propor a entrada em funcionamento imediato d& Comissão de Fiscalização e Apreciação dos actos do Ministério da Agricultura e Pescas.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

Uma voz do PS:: - Outro Comissário ...

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal vai finalmente deixar de ser um Estado revolucionário para se transformar num Estado de direito, com liberdade de palavra, de pensamento e de associação; a sua agricultura passará a estar integrada num sistema económico de mercado, em que predominará a livre concorrência, com moralização dos circuitos comerciais e correspondente responsabilização, onde as leis iguais para todos por todos igualmente terão de ser cumpridas, já que é pelos representantes eleitos democraticamente pelo povo português que as leis irão ser promulgadas e elaboradas.
Em Portugal vai haver finalmente mudança na agricultura...

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Uma voz do PCP: - Vai haver mais fome...

O Orador: - ...mudança que significa substituir o corporativismo e as estruturas agrárias do 24 de Abril, a violência e arbitrariedade comunistas, a ambiguidade e incapacidade socialistas, por um clima de paz, de segurança, de progresso e de justiça.

Aplausos do PSD e do CDS.

Uma voz do PCP: - É preciso dar a terra aos monopólios e aos latifundiários!

O Orador: - Esta foi a nossa promessa antes de sermos Deputados. Esta é a nossa intenção, agora que aqui estamos. Este tem de ser o objectivo a executar Quanto antes pelo Governo que nós apoiamos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Vozes do PCP: - Ah, Casqueiro!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro para pedir esclarecimentos.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Costuma o nosso povo dizer, com sabedoria, que «presunção e água benta cada qual tomai a
que quer» ...

O Sr. Deputado José Manuel Casqueiro sente-se mandatado ,pelos agricultores - é lá com ele... Garante, também, que o Programa deste Governo serve a maioria da população rural. Hoje mesmo ouvirá os Deputados comunistas intervirem sobre esta matéria demonstrarem o inverso do que afirmou.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Não vão dizer novidades, com certeza!

O Orador: - A direita costuma dar graças a Deus quando as coisas correm bem, mas quando correm mal a culpa é dos comunistas.

Risos.

Já assim era no tempo de Salazar.
A culpa da diminuição da produção de cereais é, segundo a direita, do regime colectivista imposto aos trabalhadores rurais, naturalmente; pelos comunistas.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!...

O Orador: - Esquece o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro que essa diminuição não é uma constante. Tal diminuição verificou-se não apenas nas unidades colectivas de produção e cooperativas agrícolas da Reforma Agrária, mas em todo o país, desde Trás-os-Montes ao Algarve, ao longo destes três últimos anos. Não são os comunistas que mandam cair a chuva fora do tempo. Ainda lá não chegámos!

Uma voz do PSD: - Mas mandou tropas para o Afeganistão?

Risos.

O Orador: - Ora o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro esqueceu, pura e simplesmente, que o mesmo regime colectivista que pretende responsabilizar
pela quebra de produção cerealífera nos últimos três anos já existia desde 1975 e durante o ano de 1976 quando a campanha cerealífera, nomeadamente nas UCPs e cooperativas, foi largamente superior à média do último decénio. Sr. Deputado, os seus argumentos serão, como agora, oportunamente rebatidos e veremos que o seu projecto para mudar a agricultura portuguesa é repudiado pelos agricultores portugueses.

Uma voz do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Naturalmente. O Sr. Deputado é da mesma laia - da mesma laia política, naturalmente ...

Protestos do PSD e do CDS.

Tem a mesma afinação política do Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, que, naturalmente não me apoia. Os agricultores também não vos apoiam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista está com bastantes dificuldades para controlar o seu tempo, na medida em que ainda temos duas intervenções para fazer e temos, por isso, os minutos todos contados.
No entanto, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado José Manuel Casqueiro se, de facto, leu o Programa do Governo e como é que harmoniza o seu discurso com o referido Programa. Isto porque me parecei que o Sr. Deputado apresentou um outro programa, como independente que é, que não tem nada a ver com o Programa apresentado pelo Governo.
Outra questão que queria colocar é a de saber se o Sr. Deputado está de acordo que as terras expropriadas devam ser, ou pelo menos a sua posse, útil, como a Constituição manda, para quem as trabalha, porque no Programa do Governo, pela primeira vez, as terras expropriadas aparecem consideradas como terras do Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, queria formular um protesto em nome do grupo parlamentar do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de serem muito conhecidas as opiniões do Sr. Deputado Casqueiro e apesar de das não divergirem no fundamentai, das opiniões dos seus colegas de bancada e tarem sido expostas de fornia bastante mais modesta do que outros o têm feito aqui ainda assam queríamos lavrar, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, um protesto pelas acusações caluniosas e não demonstradas que dirigiu ao meu partido e aos trabalhadores da Reforma Agrária. com os quais somos e seremos firmemente solidários!

Aplausos do PCP e da MDP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro para responder.

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O Sr. José Manuel Casqueiro (Indep.): - Sr. Presidente, primeiro, e com muito agrado, vou responder ao Sr. Deputado Vítor Louro.
O Sr. Deputado com certeza que deve andar distraído e não tem visto sequer as estatísticas ou não tem tido o cuidado de olhar para elas atentamente. Falou o Sr. Deputado na diminuição da produção e culpou o tempo. Claro que temos tanta infelicidade que a produção dos três últimos anos ronda à volta das 200 000 t, o que é equivalente àquela que tínhamos há cinquenta anos, quando quase não havia tractores em Portugal.

Risos do CDS.

Claro que não é culpa só do tempo, e poder-lhe-ia demonstrar tal facto, mas isso levava-me a perder tempo e não estou disposto a tal.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - E eu também dispenso!

O Orador: - Vou limitar-me, por isso, a fornecer-lhe os números exactos do trigo entregue na EPAC (Empresa Pública de Abastecimento de Cereais) - que, como sabe, é uma empresa monopolista, pois todo. o trigo tem de ir para ela - nas datas de 18 de Outubro, 20 de Outubro e 22 de Outubro, de 1977, de 1978 e 1979, respectivamente, pelos sectores privado e colectivo.

A Sr.ª Zita Seabra (POP): - E do dia anterior e do dia seguinte!

O Orador - Assim, é possível constatar que as cooperativas e unidades colectivas entregaram, respectivamente, 66 500 t em 1977, enquanto o sector privado entregou 108 000 t; o sector colectivo entregou em 1979, 58 000 t - menos 8 000 t do que tinha entregue em 1977 - e o sector privado entregou 142 000 t, ou seja, mais 38 000 t do que o partido...

Risos do PCP,

...do que tinha entregue em 1977.
Não se riam. Tenham calma. O riso é às vezes uma forma de demonstrar a fraqueza...

Vozes do CDS: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - É riso amarelo!

O Orador: - Se olharmos para o balanço da Reforma Agrária feito no jornal o diário de 24 de Junho de 1977, que não põem certamente em causa, aí se diz que «o sector colectivo é responsável pela produção de 43 % do trigo nacional e o que se verifica em 1979 é que o sector colectivo é responsável somente por 29 %> da produção de trigo nacional». Penso que estes números não podem ser contestados. Não são meus estes números, são números do Instituto que agora é responsável pela comercialização de cereais em Portugal.

O Sr. Henrique de Morais (CDS): - Então agora não se riem?!...

O Orador: - Em relação às afirmações do Sr. Deputado António Campos, registo com agrado a sua primeira declaração de que o Partido Socialista está descontrolado. Acredito que a minha intervenção os descontrole...

Protestos do PS.

O Sr. António Campos (PS): - Eu não disse nada disso.

O Orador: - Tenham calma. Há tempo para tudo...

Risos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. António Campos (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Sr. Deputado, penso que não sou obrigado a dar-lhe tempo e como não lho dou, peço-lhe por isso, que não me interrompa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Raul Rego (PS): - Então não falsifique as palavras!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o favor de não estabelecerem diálogo. O Sr. Deputado António Campos terá ocasião de formular um protesto na altura própria.

O Orador: - O Sr. Deputado António Campos disse que ao ouvir a minha intervenção a não identificava com o Programa do Governo e que isso significava para si descontrolo efectivo e natural por parte do Partido Socialista. É que quem nunca teve uma política agrícola, como aconteceu com o Partido Socialista, é natural que se encontre agora nesta situação de descontrolo e sem qualquer força moral para falar nesta altura. Tenho dúvidas, quando olho para a bancada do Partido Socialista, em saber definir quando é que a bancada do Partido Socialista defendeu um projecto agrícola: não sei se quando apoiava Lopes Cardoso, se quando apoiava António Barreto ou se quando apoiava Luís Saias!...

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Mas não critico a política agrícola do Partido Socialista, porque não se pode criticar aquilo que não existe. O Partido Socialista não tem política agrícola!

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao protesto do Sr. Deputado Carlos Brito, em nome da bancada do Partido Comunista, penso que o Sr. Deputado deve ter feito uma grande confusão. É que eu nunca afirmei, nem permito, tão-pouco, a identificação dos trabalhadores rurais com o Partido Comunista!

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

Risos do PCP.

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O Orador: - Se tenho direito ou não para falar aqui em nome dos trabalhadores rurais...

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Da CAP!

O Orador:- ...considero que sim, porque fui eleito por um distrito da zona da Reforma Agrária onde neste momento a Aliança Democrática é maioritária.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Protestos do PCP.

Uma voz do PCP: - Não pode falar em nome dos trabalhadores agrícolas, mas em nome dos agrários!

Manifestações de protesto de alguns Deputados do CDS, batendo com as mãos nas bancadas.

O Sr. Presidente: - Peço aos Srs. Deputados que mantenham a serenidade.

O Orador: - Província, aliás, onde até agora havia uma maioria de Deputados nesta Assembleia do Partido Socialista e do Partido Comunista e onde os partidos que integram a Aliança Democrática não se encontravam representados. Considero-me, por isso, um representante digno...

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Dos agrários e latifundiários.

O Orador: - ...e tudo farei para o conseguir, daqueles que querem em Portugal realizar uma verdadeira Reforma Agrária que permita aos trabalhadores rurais serem tratados como indivíduos, terem acesso à terra individualmente ou poderem escolher as unidades de exploração colectiva se for essa a sua vontade, mas nunca por imposição de um partido ou de uma força social.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - É um Napoleão de pacotilha!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para um contraprotesto ou para um comentário às afirmações feitas pelo Sr. Deputado Casqueiro, e uma vez que estou a gastar tempo do meu partido, creio que qualquer destas figuras regimentais poderá servir.
Queria dizer que o Sr. Deputado, para além das opiniões muito pessoais, muito características e muito conhecidas que tem relação a toda a questão da Reforma Agrária, até pelas funções que desempenha na CAP, deve aprender a ouvir melhor. Só nessa base é que, efectivamente, poderemos discutir com utilidade.
Isto, desde logo, para lhe explicar que não identifiquei o Partido Comunista com os trabalhadores rurais e por isso falei em duas coisas.: as calúnias dirigidas contra o PCP e contra os trabalhadores da Reforma Agrária. Falei em duas coisas. Comecemos por aí, por se perceber o que se diz para depois se poder efectivamente argumentar.
Disse aquilo e repito-o. Mas, como compreende, para esta bancada razões bem mais fortes, se seguirmos a sua lógica, existem para falarmos em nome dos trabalhadores rurais alentejanos...

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Ah!

O Orador: - ...dos distritos da Reforma Agrária do que o Sr. Deputado Casqueiro ou a bancada do CDS. Isto porque temos a maioria absoluta da votação em três distritos da Reforma Agrária. Por isso, porque temos essa feito solidariedade e porque a Reforma Agrária é uma conquista maior de Portugal é que dizemos: somos e seremos solidários com os trabalhadores da Reforma Agrária, somos e seremos solidários com a Reforma Agrária.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - É para um breve esclarecimento, Sr. Presidente, em relação à manipulação dos dados estatísticos apresentados pelo Sr. Deputado. Casqueiro. Estamos habituados, de resto, a ouvi-lo da sua boca. Falta o Sr. Deputado Pedro Roseta para dizer que a direita «faz o mal e a caramunha»...
Por um lado, de 1977 a 1979, foram tirados mais de 200 000 ha das melhores terras os UCPs e Cooperativas e, por outro lado, acusam-nas de produzirem menos cereais!
Aí tem.

O Sr. João Morgado (CDS): - Então já não é da chuva?...

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - O senhor não percebe nada disto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, quero fazer um curtíssimo protesto perante certas afirmações oriundas da bancada do Partido Comunista que mais uma vez, não prestigiam esta Câmara.
Quando um Deputado que é useiro e vezeiro em qualificações desprimorosas para os seus pares, se atreve a qualificar outro como «laia de não sei quê», não podemos ficar calados e esperamos que esse Deputado, de uma vez por todas, deixe de insultar os seus colegas - e até, como já aqui aconteceu, há bem pouco tempo, de insultar outros Órgão de Soberania.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, não podemos deixar de protestar veementemente, mais uma vez, contra a megalomania absoluta do Partido Comunista, que, como aqui várias vezes tenho dito, julga que tem não sei o quê na barriga, talvez o próprio mundo...

Vozes do PS: - O rei!...

Risos.

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O Orador: - ..., que até pretende que as suas pretensas conquistas são maiores do que Portugal. Isto é um insulto ao povo português, à sua identidade e à sua dignidade, cultural e histórica e o Partido Comunista não tem autoridade, enquanto tiver 18%, de dizer que alguém é maior do que Portugal.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Octávio Pato (PCP): - Porque é que não vai à China outra vez o Deputado Pedro Roseta?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é normal, sempre que se trata da Reforma Agrária, os partidos da maioria governamental manifestam-se surdos. Vimos isso, há pouco, com o Sr. Deputado Casqueiro e vemos, agora, o mesmo com o Sr. Deputado Pedro Roseta.
O que eu disse, Sr. Deputado Pedro Roseta, foi que a Reforma Agrária é a maior conquista de Portugal.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não é, não!

O Orador: - E com isso quis dizer que não é apenas a maior conquista da revolução, como temos dito. Quis pôr o acento numa outra tónica: é que é uma condição fundamental para que Portugal progrida e se desenvolva. É esse o sentido claro das minhas afirmações.

Vozes do PSD: - Não foi isso que disse! Está, gravado!

O Sr Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro.

O Sr. José Manuel Casqueiro (Indep.):- Era só para esclarecer o Sr. Deputado Vítor Louro de que não manipulei os números e que poderia demonstrar-lhe claramente que em anos com condições climatéricas bastante piores - refiro-me concretamente ao ano de 1965/1966 - do que aquelas que houve em 1977, não só se semeou mais terra como se colheu bastante mais.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E também se caçava mais!

O Orador: - Colheram-se 312 000 em 1966, contra as 196 000 t em 1977. Isto é só para lhe demonstrar que em dois anos, com condições climatéricas semelhantes, houve num deles uma produção claramente menor.
Mas não interessa agora discutir se se produz mais ou menos, até porque não temos tempo para isso. Os números estão à vista, são fáceis de constatar.
Aliás, não era preciso olharmos, para os números portugueses. Poderíamos olhar para o que de semelhante noutros países bem conhecidos por vós aconteceu e que se transformaram de países largamente excedentários na produção de cereais em países que hoje são os maiores importadores de cereais do Mundo, como agora bem se vê com as restrições económicas que estão a ser feitas à União Soviética exactamente pelos ditos países capitalistas a que os países ditos socialistas, dado o sistema colectivista que impuseram na sua Reforma Agrária, se encontram na necessidade de recorrer.

A Sr.ª Alda Nogueira (POP): - Lá toda a gente come!

O Orador: - Quanto ao protesto do Sr. Deputado Carlos Brito, não posso deixar de fazer ainda uma pequena referência: é que pensava eu que já ia longe o tempo em que Deputados da bancada comunista utilizavam o nome de pessoas para denegrir outros Deputados nesta Assembleia. Tristemente isso aconteceu. Podeis estar certos de que comigo isso nunca se passará em relação a qualquer Deputado da bancada, comunista. Estou aqui paira respeitar verificar esta Assembleia, para respeitar e dignificar aqueles que me mandataram para estar aqui.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Troque lá isso por miúdos ...

O Orador: - Não sou surdo e percebi claramente aquilo que o Sr. Deputado Carlos Brito disse. Agora compreendo que o Sr. Deputado Carlos Brito tenha, por vezes, alguma dificuldade em compreender aquilo que os outros dizem.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não foi só ele!

O Orador: - É que, com certeza, só conhecem a cassette e não conseguem compreender uma linguagem diferente!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Isso de cassette é com o Freitas dó Amaral...

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Pobre Assembleia!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Governo afirma no seu Programa que o combate à inflação e a defesa do poder de compra constituem os seus objectivos prioritários.
No entanto, o que aparece concretizado mostra claramente que aqueles objectivos também anunciados noutros programas de governo e mesmo nos planos de fomento de má memória, não são mais do que uma cortina de fumo, uma cobertura demagógica a procurar camuflar outros objectivos, esses sim, os reais e prioritários para este Governo: o estrangulamento das empresas nacionalizadas, (pp. 15 e seguintes), a reprivatização da banca e dos seguros (p. 20), a entrega das empresas participadas rentáveis ao grande patronato e as melhores terras aos latifundiários (pp. 34 e 40), a aceleração e aumento das indemnizações (p. 28), a intensificação da exploração dos trabalhadores. Numa palavra, a reconstituição dos privilégios do passado, a reconstituição dos ex-grupos económicos que dominaram Portugal.

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O Governo fala, é certo, no apoio à iniciativa privada. Mas que iniciativa privada? A constituída pelos pequenos e médios empresários (que constituem a quase totalidade do sector privado) e que reclamará apoio, nomeadamente em crédito, com taxas de juro mais baratas? Não.
O Governo mostra claramente pelas medidas que aponta (manutenção das taxas de juro, limitação do crédito, afunilamento das nossas relações económicas externas, continuação do processo inflacionista) que quando fala na iniciativa privada está a pensar no grande capital que conduziu no passado milhares de empresas à ruína e que conduziu Portugal às últimas escalas de desenvolvimento... É que o problema da economia portuguesa não reside no sector nacionalizado, nem há qualquer oposição entre o sector público e o sector privado, como a direita pretende fazer cré.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Falso!

O Orador: - O problema reside sim na política que tem vindo a ser seguida e que este Governo pretende aprofundar.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Falso!

O Orador: - Na verdade, quando este Governo defende a existência de bancos e companhias de seguros privados, numa clara afronta ao texto constitucional, e deixa no esquecimento uma política de crédito favorável à expansão das empresas, à produção nacional, ao desenvolvimento económico será que está a pensar nos milhares de pequenos industriais (em fazê-los banqueiros) ou nos interesses dos Meios, Cupertinos e outros que tais.
Quando este Governo afirma que acabará, a coberto da CEE, com a actividade de certos organismos económicos em relação à aquisição e distribuição de certos géneros alimentares, será que está a pensar nos comerciantes deste país, a quem ao longo de todo o seu Programa não lhes dedica nem uma só palavra, ou nos grandes armazenistas importadores, muitos deles responsáveis directos pelo açambarcamento e pela especulação.
Aliás a experiência neste campo está feita quer antes do 25 de Abril quer mais recentemente com o I Governo da AD, o, Governo Mota Pinto, que, por exemplo, ao liberalizar os preços da carne de porco e de vaca, conseguiu que de Abril a Dezembro de 1979 aqueles aumentassem respectivamente 60% e 90%!
Mas a demagogia não fica por aqui.
Assim o Governo afirma que vai controlar os preços, mas não só não define a sua actuação em relação aos grandes intermediários como afirma ainda na p. 46 ir fazer a revisão do regime dos preços declarados. Omite o «cabaz de compras» e preconiza um código de preços com a actualização automática destes. Em resumo, vai! liberalizar os preços.
Como combate à inflação o Programa do Governo preconiza a necessidade do aumento da produtividade (leia-se intensificação da exploração dos trabalhadores) ameaçando obviamente os salários na p. 31 quando se refere aos «comportamentos que conduzem à aceleração do processo inflacionista]).
Caberá aqui registar que a produtividade de 1976 a 1978 aumentou 15%, enquanto os salários reais diminuíram em Lisboa e Porto respectivamente 23 % e 28 %.
Por aqui se vê quem tem beneficiado com os aumentos da produtividade...
Ora, os factores que mais têm contribuído para a inflação em Portugal têm sido as elevadas taxas de juro, a desvalorização do escudo e o aumento dos lucros. Só estes dois factores, desvalorização e lucros, contribuíram em 1977 e 1978 com mais de 70% para a inflação. E como « que o Governo responde a isto. No que respeita ao nível das taxas de juro, o Governo inverte totalmente a situação real.
Em vez de considerar o nível elevado das taxas de juro como factor importante das taxas de inflação, trata-o como uma consequência da inflação. Por isso apenas admite a redução das taxas de juro e após se a inflação baixar.
Quanto aos lucros do grande capital, nunca o Programa do Governo perspectiva a sua moderação, aliás como seria de esperar de um Governo da CAP e da CIP!
Dada a proximidade das eleições, o Governo fala também em reduzir os impostos quando aqui nesta Assembleia PSD e CDS votaram no último Orçamento o aumento, entre outros, da taxa do imposto profissional, do imposto complementar, secção A, do imposto de transacções...
Acreditamos que agora venham a reduzir como afirmam, certas taxas como as do imposto profissional e do imposto complementar nos (escalões mais elevados), bem assim como os limites de isenção. Mas ficamos a aguardar o que vai suceder aos impostos indirectos, nomeadamente em relação ao imposto de transacções.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ainda no campo da demagogia o Governo afirma altissonante que vai declarar «guerra à pobreza». Quererá isto dizer que as donas de casa, os trabalhadores vão ter agora acesso à carne, ao peixe, ao leite? Que os bairros de lata vão desaparecer?
O Governo não diz como nem com que meios vai declarar tal guerra, pondo a nu as suas intenções demagógicas e eleitoralistas, mas já diz com precisão que irá aumentar as indemnizações, aos grandes exploradores do povo português, àqueles que o conduziram ao atraso e à miséria.
Quanto ao investimento, o Governo começa por admitir, o que nos parece correcto, que é necessário lançar o investimento, travar o aumento do desemprego e que a expansão da economia nacional se tem de fazer num contexto de crise económica dos países capitalistas. Mas que ilações tira deste diagnóstico? Que é necessária uma nova política de crédito, que é necessário diversificar as nossas relações económicas, que é necessário avançar com os projectos de interesse nacional, como o aproveitamento das pirites de Aljustrel, a barragem do Alqueva e outros? Não. O Governo limitou-se a afirmar aqui pela fala do Sr. Ministro das Finanças que o PNB este ano não será inferior a 4%, o que registamos. Esta a política expansionista do Governo da AD. Mas o Governo

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vai mais longe e serve-se do diagnóstico para pretextar a apresentação de uma nova proposta sobre a delimitação dos sectores público e privado. Será por exemplo nos sectores da banca e dos seguros que se fazem sentir as necessidades de investimento? E não tem sido o sector público da economia acusado pelo PPD e pelo CDS de não contribuir para a absorção do desemprego por ser de elevada composição orgânica de capital? Então por que facilitar o investimento privado neste sector, quando o Governo apresenta como argumento a redução do desemprego? Não será para facilitar de novo ao grande capital o domínio dos sectores básicos da economia?
E a propósito conviria lembrar ao Sr. Ministro das Finanças que em 1978 as principais empresas públicas dó sector industrial tiveram lucros de 2,6 milhões de contos, a banca 15,5 milhões de contos, as companhias de seguros 100 mil contos, e só no sector dos transportes é que houve prejuízos por ser um sector de interesse social, tendo por isso e por imposição preços inferiores aos custos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode dizer-se que todas as intenções ou medidas de carácter económico constantes do Programa são justificadas ou determinadas pela adesão de Portugal à CEE. Daí que o essencial das políticas industrial e agrícola apresentadas no Programa tenham em vista a adesão, de modo a fazer pesar o factor externo na destruição das conquistas dos trabalhadores e não a resolução dos problemas nacionais. Chega-se mesmo a perspectivar a eliminação de empresas embora de uma forma camuflada, quando se afirma, por exemplo, a necessidade da «reestruturação do aparelho industrial português na óptica concorrencial que decorre da nossa futura integração europeia».
É afinal dar conteúdo prático à máxima de Freitas do Amaral do que «as falências são um processo salutar»... Mas se neste ponto o Programa é transparente, já não o é quanto à compatibilização entre o aumento do emprego e a «adaptação e actualização das nossas estruturas agrícolas», tendo em vista a adesão ou entre o «aumento das produções em que somos deficitários, com a abertura das fronteiras à Comunidade». Veja-se, por exemplo, o caso da beterraba sacarina.
Em relação à indústria, o Programa é no essencial o programa de Mota Pinto, e tal como naquele o sector energético vem englobado no industrial - o Ministro é o mesmo. Assim, no meio das generalidades faz-se mais uma vez referência à já gasta «correcção das assimetrias regionais», sem se deixar de apontar como objectivo específico a «liberalização das condições de acesso à actividade industrial, adaptando o actual regime à realidade presente e à próxima adesão à CEE»! No entanto, em relação a investimentos concretos, como por exemplo o plano siderúrgico nacional, que não se pode limitar à expansão da fábrica do Seixal, o Governo não lhes dedica nem uma só palavra.
Um outro aspecto diz respeito ao plano energético que apesar de superficial não deixa de ser ambicioso quanto aos objectivos a alcançar. E isto para um Governo com 280 dias de vida...
Mas o mais curioso é que tombem aqui nada se fica a saber sobre qual a posição deste Governo, por exemplo, em relação à política nuclear. Será para não ferir a sensibilidade do PPM?
Quanto ao sector dos transportes, nada se avança sobre o planeamento integrado do sector nem é feita qualquer análise subsectorial com indicação do diagnóstico, objectivos e medidas para o alcançar. Na verdade, nada se refere quanto às medidas para superar as graves carências na marinha mercante, nos transportes rodoviários, urbanos, ferroviários, aéreos ou nas telecomunicações. Assim, a única ideia que ressalta clara é a de reduzir a área do SEE (Sector Empresarial do Estado), sem esquecer obviamente de culpar os trabalhadores pela sua grave situação.
E aqui também é de registar a afirmação na p. 60 de que o «o Estado só continuará a assumir a gestão das actividades que inequivocamente não devam ou não possam ser cometidas à iniciativa privada».
O que é uma forma eufemística de dizer «não devam ou não possam», não por motivos de interesse nacional não por motivos constitucionais, mas sim por serem deficitárias e não interessarem à gestão capitalista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como Pilatos, o Governo apresentou-se aqui como se nada tivesse a ver com a situação económica, como se não fosse com a pressão e a aprovação do PPD e do CDS que se deu início à política dos pacotes e do FMI, como se o CDS não tivesse feito parte do II Governo Constitucional, como se o Governo Mota Pinto não tivesse sido o Governo do PPD. como se alguns dos principais executores da política económica, nomeadamente no sector da indústria, das pescas e dos preços, não fossem hoje seus Ministros.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E permite-se dizer inclusivamente que já há um ano se podia ter avançado com uma política de expansão da economia - não há um ano, mas há três - que a situação piorou no campo do emprego, do investimento, da produção, da degradação do nível de vida como se não fosse a sua política que tivesse sido executada!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Diga isso ao PS!

O Orador: - Por se ter diminuído a produção e estrangulado a economia e, por razões conjunturais a que não é alheia a crise do capitalismo e a revalorização do ouro, este Governo dispõe hoje de uma situação financeira mais desafogada, o que lhe permite tomar medidas positivas. Mas que se desiludam aqueles que avaliem este Governo pelas suas promessas ou por algumas das suas actuações, tendo em vista as eleições de Outubro... O que vai prevalecer é o agravamento da situação económica dos trabalhadores, o agravamento da situação financeira das pequenas e médias empresas, com vista à reconstituição dos privilégios e à reconstituição dos grandes grupos económicos.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - A ver vamos!

O Orador: - O que vai prevalecer é o ataque às conquistas do 25 de Abril, o ataque global ao regime democrático.
Mas a classe operária, os trabalhadores «mesmo

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aqueles que se deixaram enganar pela campanha demagógica do PPD e do CDS saberão fazer frente a este Governo de raiz e vocação passadista. Os projectos deste Governo serão derrotados.

Aplausos do PCP.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Olhe que não!

O Sr., Presidente: - Srs. Deputados, são exactamente 13 horas e vamos suspender os nossos trabalhos, que serão retomados às 15 horas.
Está interrompida a reunião.

Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado. Carlos Carvalhas, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Carvalhas: O pedido de esclarecimento que vou fazer é relativo à intervenção que o Sr. Deputado proferiu esta manhã.
O Sr. Deputado disse que o Governo não mencionava no Programa a sua opção relativamente ao projecto nuclear. No entanto o Programa do Governo parece ser claro em matéria de política energética, sobretudo tendo presente que esse projecto nuclear não pode ser improvisado de um ano para o outro e muito menos em alguns meses de Governo.
O Programa do Governo é claro ao afirmar que a política energética se pautará pelo aproveitamento das fontes portuguesas de energia renovável e pela diversificação da natureza e origem de fontes energéticas a adicionar ao sistema produtor instalado, privilegiando as que se revelarem menos onerosas. Nada se diz no Programa do Governo quanto ao projecto nuclear, o que significa evidentemente que o projecto nuclear não arrancará durante a vigência deste Governo, o que parece ser cristalino.
No entanto, e porque parece ser salutar que o .Governo conheça, bem como os Deputados da maioria parlamentar, qual é o pensamento da oposição sobre esta matéria, assim como pelo facto de o PCP não esclarecer a Câmara acerca de problemas vitais para o nosso país - como tem sido exemplo a ocultação do seu pensamento sobre a política internacional quanto à invasão do Afeganistão peia União Soviética...

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Isso não tem nada que ver com o problema em discussão!

O Orador: - Ainda não ouvi uma única opinião do PCP sobre esta matéria nesta Câmara.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - Como não sei se em matéria de projecto nuclear o PCP pretende continuar numa dúvida metafísica ou, pelo contrário, pretende matar de curiosidade os Deputados da maioria da Aliança Democrática, pergunto: o Sr. Deputado Carlos Carvalhas e o seu partido defendem o projecto nuclear para Portugal?

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Afinal era só isso!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Adegas.

O Sr. Mário Adegas (PSD): - Das questões postas pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas escolhi duas que penso serem bastante importantes: a inflação e o funcionamento do sector empresarial do Estado. É sobre estas duas questões que vou formular algumas perguntas.
Parece-me ter ouvido o Sr. Deputado Carlos Carvalhas referir que o Governo se propõe, ou deseja mesmo, continuar o processo inflacionário. Mas como foi afirmado e consta do Programa, a intenção do Governo é reduzir a taxa de inflação ou crescimento; de preços de 24 %, que é a actual taxa, para 20 %. Sendo assim, pergunto: o Sr. Deputado acredita que tal objectiva vai ou não ser conseguida? Esta é uma dúvida pertinente. Ou será que o Sr. Deputado acha insuficiente tal redução, na medida em que dos 24 % para os 20% sempre é uma redução que traduzirá uma melhoria para as classes trabalhadoras, que o PCP diz defender? Se tal redução é insuficiente - todos nós comungamos do desejo de reduzir ainda mais a taxa de inflação -, que medidas pensa que deveriam ser tomadas no debate construtivo do Programa do Governo, para que o nível desta taxa se pudesse aproximar, como também o Governo afirma, da média verificada nos países da Europa Ocidental?
A segunda questão está relacionada com o sector empresarial do Estado. Este sector tem sido defendido, a meu ver com alguns erros, com base na Constituição e nas conquistas revolucionárias. Parece que a própria defesa do sector empresarial do Estado deveria assentar predominantemente na eficácia da sua gestão e na resposta concreta aos problemas das áreas respectivas em que se insere. O Sr. Deputado acha concludente ou convincente a eficácia do sector empresarial do Estado, sabendo que os métodos de gestão que estão a ser utilizados e atendendo a que os conselhos de gestão da maioria das empresas estatais foram nomeados pelo Partido Socialista, embora alguns deles tenham sido já remodeladas pelo Governo Mota Pinto? Ou considera que a ineficácia se deve à falta de orientação global das tutelas ou à incompetência dos respectivos gestores? A verdade é que o sector empresarial do Estado tem mostrado, objectivamente considerados os seus resultados de exploração, dificuldades e deficiências várias.
Gostaria de saber a sua opinião em relação à identificação do mal da sua generalizada falta de eficácia.
Ainda sobre o funcionamento do sector empresarial do Estado, gostaria que comentasse a eventual responsabilidade do sector no aumento generalizado dos preços. Uma gestão mal conduzida não actua normalmente sobre o controle dos custos dentro de cada empresa, é uma gestão que tem fugas sempre em frente e não vai ao fundo dos problemas. Isto, portanto, quando tem desequilíbrio de tesouraria ou de ex-

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ploração normal, como aconteceu quando o V Governo Constitucional promoveu o último aumento de preços, em face do qual a Engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo confessou à delegação do PSD - de que tive a honra de fazer parte - que os dossiers de fundamentação da elevação de preços, a pagar pelas classes trabalhadoras e pelas classes mais desfavorecidas dos portugueses, não eram suficientemente convincentes para justificar os aumentos. Ficava, pelo menos, a dúvida se tinha havido actuação oportuna no controle dos custos, por forma que alguns dos preços pudessem não ter subido ou que a sua subida fosse menos significativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: -Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gados Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à pergunta formulada sobre a política energética do Governo, penso que o Sr. Deputado Ferreira do Amaral confirmou o que eu disse: quanto ao projecto nuclear o Programa do Governo é omisso. Ora nós gostaríamos de saber qual é a opinião do Governo sobre esta questão.
Quanto à posição do PCP nesta matéria, ela é conhecida. O PCP fez duas conferências económicas, fizemos um debate público e aberto, não só para os comunistas. Assim, a posição do PCP encontra-se publicada. Inclusivamente, nós gostaríamos que o «livro branco», que já estava concluído no tempo dos governos de Mota Pinto e Nobre da Costa, viesse a esta Assembleia para ser debatido, pois pensamos que este problema deve ser debatido, não só nesta Casa como fora dela. Pensamos que em relação a qualquer investimento se deve atender aos problemas ecológicos, económicos, sociais e até aos problemas relacionados com a independência nacional. No caso da energia é uma questão fundamental.
Mas a pergunta que me fez devia tê-la feito ao Governo, ou seja, sobre qual é o pensamento do Governo sobre o problema energético sobre o projecto nuclear. Ainda estamos sem saber.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em relação às perguntas formuladas pelo Sr. Deputado Mário Adegas, devo dizer-lhe que quanto ao problema da inflação é o próprio relatório do Banco de Portugal que afirma que a inflação nestes últimos anos teve como causas fundamentais a desvalorização do escudo e os lucros do grande capital, as quais contribuíram para ela em mais de 60%. É, portanto, neste campo que se deve actuar para baixar os preços.
Quanto ao problema de saber se o Governo vai atingir ou não a taxa de 20% para a inflação, é um problema que iremos ver. São poucas as promessas quantificadas do Governo: conseguimos arrancar que vai haver unais 4% do produto nacional bruto e também que a taxa de inflação se vai situar pelos 20%. Contudo, pensamos que é pouco e que se podia baixar muito mais.
Já agora, Sr. Deputado Mário Adegas, como eu gosto das coisas quantificadas, vou dizer-lhe que seria possível passarmos para uma inflação de 18%, com uma redução de 2% nas taxas de juro, passando a uma desvalorização efectiva do escudo de 7%, a uma procura na evolução anual de 6,7%, programando uma percentagem de. exportações de 6,5%, realista, um investimento de 7% - fundamentalmente no sector público -, um consumo privado de 3,8%, um consumo público de 2%, um produto nacional bruto de 6,3%, uma taxa de poupança de 24,7%, o que daria um déficit na balança de transacções correntes, de 961 000 contos, sem entrar com a produção nacional de produtos actualmente importados. É nesse sentido que temos de avançar.
Mas não é só nesta matéria, Sr. Deputado. Teríamos de pensar na razão por que se deita ainda nesta altura o peixe ao mar, por que não se fez ainda a renovação da nossa frota pesqueira. O actual Secretário de Estado, que ocupava o mesmo cargo no Governo Mota Pinto, poderia responder-me. Por exemplo, onde é que no Programa do Governo se vê alguma especificação em relação à actuação dos grandes intermediários, dos grandes especuladores?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eram estas as questões que nós gostaríamos de ouvir o Governo referir.
Quanto ao problema das empresas nacionalizadas, é certo que este sector em 1968, no seu conjunto, deu lucro, que é um sector com uma dinâmica própria. Nós pensamos que este sector devia ser dinamizado e mais. eficiente. Para tal, nós demos a nossa contribuição, bem como os trabalhadores tendo nós feito uma conferência pública para a qual convidámos muitas pessoas, inclusivamente do seu partido, que estiveram presentes e que deram a sua contribuição.
Mas eu pergunto: quem são os gestores, dessas empresas públicas? Não se sentam muitos deles na bancada do seu partido e na bancada do CDS?

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem é que se encontra hoje à frente da banca, por exemplo? Um desses homens é um dos Deputados do CDS, que nunca passou pela banca. Inclusivamente já se fala em comissários políticos.
O Sr. Deputado conhece bem a situação e o resultado das empresas nacionalizadas em relação aos preços. Mas não se sabe que as empresas do sector público têm um controle prévio dos preços, enquanto o sector capitalista não o tem? Quando esse sector avança no aumento de preços não se sabe que as empresas nacionalizadas ficam numa situação de desprotecção?

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não se sabe também que quando as empresas foram nacionalizadas muitas delas se encontravam degradadas? Não é conhecido, por exemplo, que a linha de Cascais precisa, só para o seu saneamento, de 2 milhões de contos?
Aliás, em relação às taxas de juro é conhecido - penso que o Sr. Deputado sabe isso - que na Portucel, se tivesse sido corrigida a desproporção entre e capital próprio e o activo imobilizado, os encargos financeiros de 1978 teriam sido apenas de 300 mil

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contos e não de 680 mil contos, como aliás em muitas empresas. Se o Sr. Deputado quiser que eu lhe repita os exemplos, ainda que conhecidos, posso dizer-lhe que em 1978 a Cimpor suportou encargos e diferenças cambiais, pois foi obrigada pelo Estado a recorrer ao empréstimo externo, no valor de 2474 mil contos e teve de lucros 238 mil contos. Se não fosse obrigada a essa diferença de câmbios, ela teria de lucros 2800 mil contos, Este é um facto conhecido.
É claro que há empresas que dão prejuízo. Por exemplo, a Setenave deu um prejuízo de 488 mil contos. Mas porquê? Por um lado, porque os seus encargos financeiros passaram de 786 mil contos em 1977 para 1398 mil contos em 1978 e, por outro lado, porque a Setenave e os estaleiros navais de Viana do Castelo devem ser as únicas empresas do mundo do ramo da construção naval que não têm subsídios governamentais à produção nem beneficiam de taxas de juro bonificadas.
Quanto aos transportes, em todo o mundo eles dão prejuízo, pois são serviços sociais e têm preços inferiores aos custos. Mas, mesmo assim, conviria dizer que os utentes portugueses, em Lisboa, pagam 70% do seu custo, enquanto na Dinamarca só pagam 50 %, na França 35 % e na Bélgica apenas 28 %.
Portanto, Sr. Deputado, penso que. esta questão deveria ser posta em termos claros: quem é que quer apoderar-se das empresas rentáveis para obter o poder económico e o poder político? Quem é que quer o privilégios e quem é que quer a dinamização da economia portuguesa e o bem-estar dos portugueses.

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado do PS Igrejas Caeiro.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, suponho, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tipo de pergunta formulada pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral é mais um passo de uma prática dos partidos da maioria, que é clara, no sentido de tentar desvirtuar a discussão do Programa do Governo.

O Sr. António Lacerda (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Na realidade, a oposição faz perguntas ao Governo e este, das duas uma: ou fica silencioso ou dá respostas vagas e aparecem Deputados da maioria a tentar responder. Interessa dizer claramente que as perguntas que os partidos da oposição fazem ao Governo devem ser respondidas pelo Governo e não petos Deputados da maioria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Obviamente, não é igual que uma pergunta feita ao Governo seja respondida pelo Ministro da Industria ou pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral. O Sr. Deputado Ferreira do Amaral já fez parte de um Governo, perfeitamente apartidário. Mas não faz parte deste Governo, pois apenas o seu partido faz parte dele. Quando o Sr. Deputado fizer parte do Governo, então, sim, responderá às perguntas que as oposições fazem ao Governo, roas não venha para aqui tentar responder ou substituir-se ao Governo nas perguntas que a este cabe responder.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Não se exalte. Faz-lhe mal à digestão!

O Orador: - Em segundo lugar, o que está em causa no Programa do Governo é uma questão entre este e os Deputados da Assembleia da República, mormente os Deputados da oposição e não uma questão entre os Deputados da oposição e os Deputados da maioria governamental.
Portanto, se não o podemos impedir, pelo menos declaramos que não estamos dispostos a responder quando nós fazemos perguntas ao Governo e vêm Deputados da maioria, normalmente o PPM, ansioso die fazer a sua campanha publicitária nesta campanha eleitoral, fazer perguntas aos partidos da oposição, para saberem o que é que eles pensam disto e daquilo, nomeadamente sobre questões que são as questões específicas pretensamente do projecto do PPM.
Se o PPM quer saber qual é o projecto de desenvolvimento energético que pergunte ao seu Governo e não ao PCP ou ao PS, pois nós estamos aqui a discutir não o Programa do Governo da oposição, mas sim o Programa de Governo da maioria..
Posto isto, deve dizer-se: claramente que a estratégia aos Deputados da maioria está a desvirtuar esta discussão. Esta atitude deve pelo menos ser denunciada, já que não podemos impedi-la. Da nossa parte, a partir de agora, não haverá qualquer contribuição para esse desvirtuamento. Nós estamos aqui para um debate com o Governo, para fazer perguntas ao Governo e dele obter respostas - se ele assim o entender- e não para ouvir explicações dos Deputados da maioria. Quando fizermos perguntas ao Governo, não queremos respostas da maioria, pois estamos aqui não para responder a perguntas, mas sim para as fazer.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Vou fazer um contraprotesto que se baseia em duas verificações.
A primeira é que, daqui para diante, quando quiser usar da palavra tenho de previamente ir à bancada do PCP, de chapéu na mão, pedir licença ao Sr. Deputado Vital Moreira e saber qual o tema da minha intervenção.
A segunda verificação é que o PCP detesta ser interrogado sobre assuntos da maior importância para a política do País. Parece que o PCP se sente picado cada vez que - passe o plebeísmo - essas «carecas» ficam à mostra.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - A nossa concepção de Parlamento, que provavelmente não coincide com a do PCP, é uma concepção aberta, em que tudo aparece a público,

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em que estão as galerias com público para ouvir aquilo que pensam os representantes das várias correntes do País. Assim, não se podem admitir peias que clara e cristalinamente não façam aparecer no debate os pontos de vista de cada partido, mesmo que o debate seja - talvez mesmo por isso - sobre o Programa do Governo.
Por outro lado, o Regimento prevê claramente que após a intervenção de um Deputado outro Deputado possa pedir-lhe esclarecimentos. Ao abrigo dessa norma regimental afirmo que nós, ao contrário do que disse no início, não pediremos licença ao PCP. É também ao abrigo dessa norma que temos feito, quando o temos feito, estas perguntas, como, de resto, convém não só a nós, Deputados da maioria, como a todo o povo português. É bom que as respostas sejam dadas e não omitidas, como continua a ser timbre do Partido Comunista Português.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Nós somos plebeus e republicanos. Não exigimos licença a ninguém, nem aos monárquicos, para falar aqui na Assembleia.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Os senhores são republicanos em Portugal e monárquicos na Rússia.

Risos da maioria parlamentar.

Sobre a Rússia fala o Sr. Deputado. Isso é consigo. Eu não sou especialista nesses assuntos.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Onde é que vocês são republicanos?

O Orador: - Nós somos plebeus e republicanos e nem sequer a marqueses exigimos licença para poderem falar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eu disse muito claramente que não pretendemos impedir ninguém de falar. Mas não vamos é continuar a responder ao requisitório do Sr. Deputado Ferreira do Amaral, do PPM, ou de quem quer que seja.
Estamos aqui para saber do Programa do Governo e não do programa da oposição, estamos aqui para obter respostas do Governo e não do Sr. Deputado Ferreira do Amaral. O Sr. Deputado pode gastar o seu tempo como quiser, pode inclusivamente vir para aqui cantar o Hino da Maria da Fonte ou dizer da Carta Constitucional ou o que quiser porque ninguém lhe retirará a palavra. Disso pode estar absolutamente certo.
Tenho dúvidas se na monarquia do Sr. Deputado Ferreira do Amaral isso acontecia assim.

Aplausos do PCP.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas para que as coisas fiquem perfeitamente claras, devo dizer que o Grupo Parlamentar do PSD utilizará o seu tempo como entender mais conveniente.

O Sr. Vital Moreira (PCP): -Muito bem!

O Orador: - Reservamo-nos o direito de fazer as intervenções que consideramos convenientes e, sem prejuízo ide não querer o PSD assumir a posição do Governo ao responder às perguntas dos grupos parlamentares da aposição, poderá pedir a palavra - como tem feito - para fazer os comentários que entender a respeito de quaisquer declarações que forem feitas aqui nesta Assembleia.
Aproveito para lembrar ao Sr. Deputado Vital Moreira que o mesmo direito que ele tem de não responder a requisitórios têm os outros grupos parlamentares de fazer as perguntas que entenderem, mesmo que elas fiquem sem resposta.
Tenhamos todas a mesma liberdade e respeitando-a mutuamente.

Aplausos do maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Constâncio.

O Sr. Vítor Constâncio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Apresenta-se o VI Governo perante esta Assembleia investido de grandes responsabilidades porque dispõe de uma maioria parlamentar, fez grandes e generosas promessas aos Portugueses durante a campanha eleitoral e inicia o seu mandato com uma situação financeira global mais equilibrada e menos limitativa do que a que outros tiveram de defrontar.
Não vou entrar na polémica sobre se a situação económico-financeira portuguesa é ou não suficientemente desafogada para permitir no imediato grandes realizações. Não me custa reconhecer que a situação económica não é boa e que a conjuntura internacional, neste início de 1980, não se apresenta muito favorável para qualquer economia tão aberta ao exterior como a nossa.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Apoiado!

O Orador: - Tenho procurado sempre pautar a minha actuação política pelo respeito de regras de objectividade indispensáveis ao diálogo democrático e não demagógico e é por isso mesmo que, apesar de tudo, sou forçado a abordar esta questão. Com efeito, tem-se aproveitado esta polémica para continuar, quer das bancadas da AD quer das bancadas do PC, a acusar e a caluniar os Governos do PS.
Em nome da objectividade, tenho pois de estabelecer algumas comparações e denunciar algumas mistificações.
A primeira comparação para sublinhar que o Governo da AD recebe o País em situação económica e financeira muito mais favorável do que aquela em que o PS o recebeu em Agosto de 1976 quando pela primeira vez assumiu em plenitude as responsabilida-

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des do Poder. Nessa altura a economia vinha de uma situação em que o produto nacional tinha diminuído cerca de 5 % e não aumentado 2,5 % como em 1979, porque o investimento tinha caído 11 % e não 1%, em que o déficit externo era preocupante e o acesso ao crédito externo difícil e limitado e não o inverso como acontece actualmente. A política então possível e necessária era com certeza diferente da que hoje a situação exige. Parece-me, pois, indiscutível que o VI Governo desfruta de condições que permitem pedir-lhe contas do cumprimento de, pelo menos, algumas das promessas com que aliciou o eleitorado.
Se a situação económica não é boa, a situação financeira externa torna possível fazer aquilo que desde finais de 78, princípios de 79, se devia ter feito para a melhorar. Se não se realizou não foi seguramente por culpa do PS, que já não estava então no Governo. Por isso, é com tranquilidade que exigimos do Governo que, sem arrogâncias deslocadas de quem julga ter descoberto algo de novo a partir de condições que não ajudou a criar, cumpra aquilo que os partidos que o apoiam não ousavam criticar ao Governo Mota Pinto de não ter feito. Ou seja: inflectir a política económica no sentido de um maior crescimento, da redução de desemprego, da melhoria do nível de vida da população.
A verdade é que a propósito destas questões se tem continuado durante este debate, tal como durante a campanha eleitoral, a utilizar contra o PS duas tentativas de mistificações da opinião pública.
Por um lado, os partidos que integram a AD procuram responsabilizar o PS de tudo o que aconteceu em Portugal de 1974 até ao dia em que assumiu funções este Governo. A verdade é que só fomos Governo desde Agosto de 1976, que antes participámos tal como o PSD nos Governos Provisórios, que governámos primeiro apenas dezassete meses, entrecortados por uma crise política prolongada, e da segunda vez apenas uns escassos sete meses, e que, finalmente, há cerca de um ano e meio que não estamos associados ao Poder.
Por outro lado, o PC insiste na acusação de que até 1975 tudo seguia perfeitamente em benefício das populações e que só o PS, certamente numa atitude de autoflagelação eleitoral, deitou tudo a perder com a política de austeridade ou com o acordo com FMI. A verdade é que o PC esquece o que se passou -antes e depois. O período anterior em que se criou uma situação caótica na actividade produtiva e um desequilíbrio financeiro, fruto de uma redistribuição de rendimento que as condições económicas não puderam suportar indefinidamente - que veio a exigir como consequência inevitável a política de estabilização.
Numa situação dramática de escassez de divisas, de reservas de hipotecadas em cerca de 50%, de - um déficit externo de 9% do produto nacional, sem acesso ao crédito internacional normal, na eminência de uma eventual rotura de pagamentos, tive ocasião de definir e defender, faz agora dois anos, perante esta Assembleia a política de estabilização financeira tornada indispensável. Numa intervenção que, no momento, não sofreu contestação procurei demonstrar como essa política dirigida a reduzir um déficit externo tornado condicionante absoluta era condição imprescindível da defesa do regime democrático, de salvaguarda da independência nacional e que, na situação então criada, não era possível reduzir aquele desequilíbrio sem afectar com alguma austeridade o nível de vida da população.
O PC retorquiu mais tarde, no debate sobre o Orçamento, apresentando uma alternativa, tentando demonstrar que a política de estabilização só agravaria ainda mais o déficit externo em vez de o reduzir. Enganou-se, como se sabe, rotundamente. E esquece ou finge que esquece o depois. O depois que foi o Governo Mota Pinto. Afirmei na altura própria que a política de estabilização seria transitória e se destinava a criar condições sólidas de uma política activa de desenvolvimento e de melhoria do nível de vida. Em fins de 1978 a redução para metade do déficit externo, o restabelecimento da confiança nos mercados financeiros internacionais, a diminuição da taxa de inflação em 5 pontos, a conjuntura internacional menos inflacionista e com taxas de juro largamente inferiores às actuais, teria permitido entrar na segunda fase da política anunciada - a fase de unta política de crescimento económico, de combate ao desemprego, de redução da inflação, diminuindo as taxas de juro e a desvalorização e aumentando os rendimentos reais dos Portugueses. Em condições talvez mais favoráveis do que as de hoje, em virtude do agravamento posterior da conjuntura internacional.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Governo Mota Pinto desperdiçou a oportunidade, deixou prolongar desnecessariamente uma política e as suas consequências no plano da restrição da actividade económica e do investimento, do sacrifício do nível de vida da população. Agravou a situação financeira interna, hostilizou as empresas públicas agravando-lhes deliberadamente os deficits. cortou o apoio financeiro às cooperativas de habitação, paralisou os programas públicos neste sector.
Criticámos duramente essa política, ao contrário dos partidos da maioria que hoje se vêm queixar da situação económica de 1979.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Não fomos, portanto, responsáveis pelas suas consequências para a população, a quem se prolongaram os sacrifícios, para chegarmos ao verdadeiro paradoxo de um país na situação económica e social do nosso, que apresenta em finais de 1979 uma situação externa de superavit na balança de transacções correntes, de acumulação apreciável de reservas que se encontram em posição desafogada.
Estou por isso de acordo com o Sr. Ministro das Finanças quando afirmou ontem: «uma análise correcta da situação económica portuguesa revela, sem margem para dúvida, que a situação cambial neste início de 1980 não é o resultado de uma política económica adequada à resolução dos problemas do País. Gostaria realmente que me fosse demonstrado que um superavit da balança de transacções correntes de Portugal, em 1979, traduz uma política económica correcta. A presente situação cambial é, pelo contrário, a consequência do falhanço da política económica seguida ou, melhor, da ausência de política económica no verdadeiro sentido do termo e cujos reflexos negativos se farão sentir em 1980».

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Estou de acordo, desde que se especifique que esse falhanço e essa ausência se referem a 1979 e não a 1978, como penso que ele próprio concordaria, se posso invocar aqui as várias discussões que na nossa anterior situação profissional travámos diversas vezes. A menos que, metido agora a político, o meu querido amigo Prof. Cavaco Silva esteja já a aprender aquela singular ambiguidade que em política se destina a comprometer o adversário.

O Sr. Luís Moreno (CDS): - O Sr. Deputado lá sabe!

O Orador: - O certo é que, aquela crítica, deve ser dirigida ao Governo em funções desde finais de 1978, também atinge plenamente os partidos da actual maioria governamental, que na altura apoiaram sem hesitações o Governo Mota Pinto.

Vozes do PSD: - É falso!

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Agora o Mota Pinto é o bode expiatório. Não tem ninguém que o defenda!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ultrapassado este intróito tomado infelizmente necessário pelos debates da sessão de ontem, entro agora mais directamente no exame do Programa do Governo. Programa que, infelizmente, desilude no plano técnico e que, felizmente, não ilude no plano ideológico.

Aplausos do PS.

No plano técnico é vago, impreciso, pouco concreto, não permitindo identificar as políticas que vão ser seguidas e revelando-se insuficiente para resolver os problemas nacionais.
No plano ideológico revela-se claramente ao serviço de uma direita que se pretende moderna, civilizada, europeia, inteligente, e que por isso aqui e além se disfarça.
Vejamos algumas ilustrações, começando pelo plano técnico. Tomemos o objectivo mais concreto enunciado no Programa: o de redução da taxa de inflação a 20 %.
Não se consegue concluir do Programa quais as medidas que permitiriam realizar aquele objectivo. Não é, seguramente, através de uma política de controle de procura interna, porque esta se pretende relançar e bem, para assegurar um maior crescimento económico. Nem sequer por uma redução do déficit orçamental total, único que interessa considerar para esse efeito, visto que este, segundo se afirma, «determinar-se-á pelo objectivo de aumentar a taxa de expansão da actividade económica e relançar o investimento, considerando o comportamento previsto para a procura externa», que é de desaceleração como se sabe.
Não creio que, dada, além disso, a prometida redução de impostos, isto possa conduzir a uma redução ou até manutenção do déficit orçamental, mesmo que o Governo venha a adoptar a política proposta pelo PS na campanha eleitoral, de revalorização das reservas de ouro com preços mais próximos dos preços de mercado e utilização de mais-valia para eliminar dívida pública colocada no Banco Central, reduzindo assim as despesas públicas com juros em cerca de 20 milhões de contos.
O combate à inflação não será feito também através de uma redução de taxas de juro que é adiada para depois da inflação baixar. Não será também através da contraditória política salarial proposta pelo Governo, que fala em respeitar a autonomia dos agentes sociais e em liberdade de negociação das partes para logo afirmar que a retirará aos sindicatos no caso das empresas públicas, onde imporá compulsivamente um máximo dos aumentos salariais. Este máximo não terá de ser respeitado no sector privado da economia e como se fala, por outro lado, em relacionar os aumentos salariais com a produtividade e em melhorar a distribuição do rendimento, parece que se aponta para variações salariais que cubram os 20% previstos para a inflação mais o aumento previsto de produtividade em termos reais. Isto é, aparentemente, a política salarial destinada também a estimular o consumo privado, apresenta-se contraditória, discriminatória contra os trabalhadores do sector público, mas relativamente liberal, sem pretender ser um instrumento do combate à inflação.
Este combate não se fará também, através de uma acentuação da política de controle directo de preços, a propósito, da qual se fala em respeito pela «verdade dos custos de produção», em desburocratização e em transparência, embora também se refira o controle eficaz dos preços dos bens de primeira necessidade e a elaboração futura de um código de preços.
Em que ficamos, pois? Parece confiar-se, sobretudo para o combate à inflação, na redução do ritmo de desvalorização e no aumento da produtividade.
Mas quanto à desvalorização, não parecendo pretender-se reduzi-la a zero, os seus efeitos acabarão por ser pouco, significativos. Quanto à produtividade, que depende, a este nível, das condições gerais de exercício da actividade económica mais do que de medidas específicas, que de resto também não se indicam, nada garante que o seu aumento se reflicta, no caso do sector privado, em menor aumento de preços ao consumidor.
É por isso difícil acreditar que o Governo consiga reduzir a taxa de aumento dos preços, numa conjuntura internacional adversa que alimenta as expectativas inflacionistas e num contexto interno, em que dispõe de menos instrumentos, numa política que não altera taxas de juro, se propõe relançar a procura interna, liberalizar negociações, salariais e a política de controle de preços. É um objectivo que com esta política vem talvez com um ano de atraso e que por isso mesmo me parece condenada ao fracasso.
Apesar do aparente recuo do Programa do Governo relativamente as promessas eleitorais em matéria de indemnizações, mantenho por enquanto a previsão de que o Governo, da AD agravará a inflação em Portugal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A menos que o Orçamento e o Plano anual e as medidas concretas - entretanto tomadas, venham a esclarecer melhor o sentido do actual Programa e ou se decida a reduzir a zero a desvalorização ou até a revalorizar, comprometendo a curto

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prazo a expansão e a competitividade do sector privado exportador e incentivando uma especulação contra o escudo.
O mesmo tipo, de interrogações e incertezas se poderiam apontar a propósito do objectivo de relançamento do investimento, como ontem aqui fez o meu colega de bancada João Cravinho. Ou a propósito do objectivo do combate ao desemprego, visto que de tanto se falar em aumento de produtividade parece que se deseja o seu incremento a taxa equivalente ou superior à do crescimento do produto, permitindo retirar a conclusão de que, nesse caso, o emprego não aumentaria ou até seria reduzido. À mesma conclusão se, chega quando se considera o que é dito sobre o necessário «redimensionamento dos serviços públicos», num contexto de austeridade de despesas, ou sobre o redimensionamento empresarial no sector das pescas, ou sobre o necessário aumento de produtividade no sector dos transportes tara reduzir o desemprego.
Estas incertezas e interrogações quanto à política de investimento e de combate ao desemprego acentuam-se quando se considera a atitude de hostilidade em relação às empresas públicas, procurando-se limitar-lhes a possibilidade de actuação pela via de restrições no financiamento e na política de preços.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Muito bem!

O Orador: - Quanto a esta última, fica-se sem perceber inteiramente a que orientação ficará sujeita. Fala-se, por um lado, repetidas vezes na necessidade de absolver, pelo aumento de produtividade parte dos aumentos dos custos internos, para não os reflectir totalmente nos preços. Mais adiante, no Programa (p. 46), indica-se, porém, que a política de preços «assentará na verdade dos custos de produção», tanto para as empresas públicas como privadas. Noutro passo, pretende-se que as empresas públicas assegurem excedentes -salvo nos serviços com carácter social -, o que manifestamente também depende da política de preços que o Governo lhes deixar praticar.
Noutra passagem ainda se afirma que não se permitirá que o crédito ou os aumentos de capital sejam utilizados para cobrir deficits de exploração, o que implica que, tendo em conta subsídios correntes concedidos pelo OGE, os preços aumentem o suficiente para garantir aquele objectivo.
Teremos de esperar para ver como em concreto estas orientações serão aplicadas. O que fica como conclusão é que se pretende culpabilizar as empresas públicas pelo agravamento da inflação e pelo desequilíbrio das finanças públicas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Diz-se mesmo que «não se aceitará que se enraíze o hábito de repercutir integralmente nos preços os aumentos de custos internos». Não sei qual é o hábito que aqui é referido, quanto é certo que em 1979, por exemplo, os preços dos sectores dos transportes, da electricidade, das comunicações, dos adubos aumentaram bastante menos que os custos internos, em resultado de terem sido autorizados de forma insuficiente cerca de dezoito meses depois do anterior aumento, numa altura em que a inflação anual era de cerca de 24%, ou de não terem sido mesmo autorizados, como no caso dos adubos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Com isso proeurou o Governo Mota Pinto desprestigiar deliberadamente as empresas públicas, agravando deliberadamente os seus deficits e tornando necessários os elevados subsídios que ontem o Sr. Ministro das Finanças citou, esquecendo-se no entanto de mencionar que em boa parte o seu montante encontra explicação naquela política imposta pelo Estado às empresas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não quero com isto significar que não seja necessário melhorar a gestão das empresas públicas e estabelecer melhores mecanismos de supervisão e coordenação que permitam garantir o cumprimento de objectivos exigentes no plano da produtividade, do investimento, dos resultados da exploração. Mas, para exigir, o Estado tem de proceder ao saneamento financeiro das empresas públicas, corrigindo estruturas financeiras há muito em situação precária, tem de assegurar uma política de preços que, não sendo permissiva, tem de cobrir os aumentos justificados de custos em período de inflação ou, em alternativa, fornecer adequados subsídios de exploração. A visão do problema contida no Programa reflecte uma perspectiva unilateral que claramente se destina a hostilizar o sector público, procurando desprestigiá-lo e aos seus gestores e trabalhadores perante a opinião pública.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E com isto chego às questões ideológicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No plano ideológico, ao contrário do que acontece no plano técnico, o programa do VI Governo apresenta-se claro e sem grandes ambiguidades. Nos afloramentos em que brevemente se refere a alterações legislativas perfilha-se claramente a atitude de um poder político que abandona a perspectiva constitucional de controle do poder económico privado, sendo este privilegiado e o sector público hostilizado.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Alterações que incluem a revisão de leis, como da Lei de Delimitação do Sector Público e Privado, para abrir à iniciativa privada os sectores que actualmente lhe são vedados, incluindo a banca e os seguros, com a insuficiente justificação de que é para estimular o investimento; a revisão da Lei das Indemnizações para melhorar os respectivos termos financeiros; a revisão da Lei de Bases da Reforma Agrária; a revisão da Lei do Arrendamento Rural; a revisão do SNS.
No contexto em que são referidas estas revisões resulta evidente que o sentido do que se procura é o do reforço do poder e a defesa dos interesses das classes possidentes mais privilegiadas na sociedade portuguesa.

Aplausos do PS e do PC P.

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No plano mais estritamente político, a aprovação da lei quadro do referendo e a revisão da Lei Eleitoral anunciam a vontade de criar condições para uma futura rotura do quadro institucional, por forma a perpetuar mais facilmente a maioria agora dificilmente conseguida.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Batata!

O Orador: - A amostra fornecida por este Programa é, pois, mais do que suficiente para fomentar a nossa rejeição. Por razões políticas e ideológicas, mas também porque pensamos que o modelo para que aponta não permite resolver os grandes problemas nacionais.
Portugal defrontará na presente década difíceis problemas estruturais, que um sistema económico de tipo liberal não poderá resolver satisfatoriamente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Numa década em que o encarecimento de matérias-primas escassas, as alterações da divisão internacional do trabalho e o incremento do proteccionismo tornarão o crescimento económico mais difícil, Portugal terá de encontrar solução para o problema estrutural do desemprego e responder ao desafio da integração europeia em condições que não aumentem excessivamente a nossa dependência do exterior.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Pior do que foi não pode ser!

O Orador: - Temos de criar estruturas produtivas internas que nos permitam exercer a nossa soberania em termos de podermos controlar as formas de internacionalização da economia e da sua inserção na divisão europeia do trabalho. Isto implica que abandonemos um conceito liberal de especialização, segundo critérios estáticos de vantagem comparativa, e criemos uma estrutura industrial que inclua um núcleo de indústrias básicas e de tecnologia mais avançada. Só desse modo se construirá uma economia menos vulnerável e com maior capacidade de criar a prazo empregos remuneradores.
O preenchimento destes pressupostos requer a existência de um forte sector público produtivo, de um planeamento democrático, bem como a criação de um novo equilíbrio social que possibilite novas formas de consenso. De um sector público que dinamize o investimento, independentemente de considerações de avaliação privada do clima de investimento, pondo a tónica numa política de oferta e não exclusivamente numa política de gestão da procura final como condição de relançamento económico. De um sector público que mobilize os meios financeiros necessários a volumosos investimentos, que as empresas privadas, dominadas pelas preocupações de curto prazo impostas pelo mercado, não estão dispostas a realizar. De um sector público que dê ao poder político, democraticamente controlado, o poder económico indispensável às negociações com as grandes multinacionais o os países estrangeiros.

O Sr. Carlos Laje (PS): - Muito bem!

O Orador: - Construção, por outro lado, de um novo equilíbrio social que possa contar com a colaboração dos trabalhadores, para a superação dos problemas do desemprego e da inflação, numa situação em que as condições tecnológicas vão exigir a adopção de novas condições de trabalho, de novos padrões de vida e, portanto, de novos consensos sociais.
Uma democracia moderna, capaz de dar resposta a estas questões - e a outras, como seja a questão ecológica - não poderá ser construída por uma maioria da direita liberal, serva dos puros mecanismos de mercado e da concentração do poder económico privado.

Aplausos do PS.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Viu-se o que fez o PS!

O Orador: - É pela construção de um alternativa com os que acreditam na necessidade de um forte poder político democrático, assente num amplo bloco social de progresso, que o PS se irá bater com determinação. É necessária uma nova maioria, um novo poder político. A actual maioria não serve, na nossa opinião, os interesses profundos dos Portugueses.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Serve a vossa minoria!

O Orador: - Trabalharemos para o demonstrar junto do eleitorado e é por isso que desde já rejeitamos o seu Programa.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, tomo a palavra para lavrar um protesto em nome da minha bancada.
Não obstante: todo o respeito que o Sr. Deputado Vítor Constando me merece, a análise técnica que faz poderá impressionar parcialmente os ouvidos de quem o ouve, mas o que nós não podemos deixar passar em claro são as imputações falsas que faz em relação às intenções políticas do Governo da Aliança.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nós não podemos aceitar que se impute ao Governo da Aliança a intenção de rotura com as instituições democráticas, sobretudo quando essa acusação vem da bancada do Partido Socialista.
Nós não podemos aceitar também que da bancada de Partido Socialista venha dizer que um Governo maioritário não tem condições para governar em democracia. É com verdadeiro espanto que nós vemos hoje no debate do programa económico do Governo, como ontem vimos com a intervenção do Deputado João Cravinho, a quem me liga também uma amizade profunda, o Partido Socialista defender nesta Câmara um modelo de aliança entre o sector público a as multinacionais.

Aplausos da maioria parlamentar.

É com verdadeiro espanto que eu vejo nesta Câmara, que deve privilegiar os interesses dos Portugueses,

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defender que se reconheça como único modelo válido e capaz de resistir a uma conjuntura internacional económica extremamente difícil um modelo de partilha do Poder entre uma lógica das multinacionais e uma lógica tecnocrática do sector público.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Isso não cola com a permanente defesa que vem sendo feita, politicamente, pelo Partido Socialista de proteger as pequenas e as médias empresas portuguesas. De facto, na nossa bancada e no nosso programa nunca se referiu nem nunca se defendeu uma aliança desse tipo, o que significa que da aliança povo/MFA passámos para a aliança das multinacionais com o sector público tecnocrático. É uma inovação política que retenho.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - O Instituto Nacional de Estatística refere que o agravamento do custo de vidai em Portugal foi aproximadamente de 373 % desde a revolução de 1974 até agora.
Nas grandes empresas de serviços públicos, nomeadamente a água, os telefones, os transportes públicos, a electricidade e o gás, esse agravamento oscila entre 1100 % a 1200 %. Gostaria que o Deputado Vítor Constando explicasse à Câmara qual a esperança dos Portugueses perante o resultado dessa exploração pública dos serviços em face do agravamento do custo de vida e desse custo a mais que representa para todos os portugueses a exploração actual do sector público.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Água para o sector privado!

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Vítor Constâncio: Vou limitar-me, visto que o tempo não é muito, a tecer algumas considerações sobre algumas das afirmações que, com inusitada perplexidade, não só da minha parte mas provavelmente de todo o País, se a televisão está a transmitir, foram aqui feitas.

Risos do PS.

Referir-me-ei somente a algumas declarações que me causaram maior perplexidade. E referir-me-ei somente a essas, porque V. Ex.ª fez aqui um discurso - e muitas pessoas tê-lo-ão visto eventualmente como Ministro das Finanças. Ora, os Portugueses decidiram, por esmagadora maioria, que V. Ex.ª não devia ser mais o Ministro das Finanças em Portugal.

Aplausos da maioria parlamentar e risos do PS.

O seu discurso é completamente desadequado, porque V. Ex.ª não está aqui a representar o Governo;

V. Ex.ª está aqui a representar uma oposição minoritária!...

O Sr. João Lima (PS): - Olhe que não é!

O Orador: -... e sem qualquer hipótese de contestar o Governo actual.

Risos do PS.

É evidente que a nostalgia do Poder é qualquer coisas que afecta as pessoas e eu tive oportunidade, durante o VI Governo Provisório, de conviver o suficiente com o Sr. Secretário de Estado do Orçamento de então, quando era Ministro das Finanças o Sr. Deputado Salgado Zenha, para poder verificar a forma como já nessa altura o Partido Socialista conduzia as finanças e a economia do País. Quando se pretende, como o Sr. Deputado Vítor Constâncio afirmou, dizer que a situação económica hoje é melhor do que em 1976, provavelmente em fins de 1976, eu gostaria de começar por dizer que o que está em causa não é sequer comparar com 1976. Em fins de 1976 já o Partido Socialista, através do Sr. Deputado Vítor Constâncio - então Secretário de Estado do Orçamento, e eventualmente mais qualquer coisa do que isso -, era responsável há cerca de um ano pela condução da política económica e financeira do País. Os resultados, Sr. Deputado Vítor Constâncio, independentemente da resposta do eleitorado, estão à vista. É óbvio, perfeitamente óbvio, e naturalmente não vou entrar aqui em pormenores que com certeza conhece, que a situação económica do País é neste momento ainda mais grave do que era em 1975.

Vozes do PS: - Olhe que não!

O Orador: - Gostaria de referir-me também a uma afirmação que o Sr. Deputado fez, procurando salvaguardar-se ou salvaguardar o Partido Socialista através de uma afirmação do Sr. Ministro das Finanças, feita ontem, de que não houve política económica em 1979 ou de que em 1979 não se desenvolveu uma política económica adequada. Isso é perfeitamente correcto mas também é correcto que isso tem que ver com o antecedente. E o Sr. Deputado Vítor Constâncio contradiz-se mais uma vez ao afirmar aqui que não é possível uma política de desenvolvimento económico sem existir um plano adequado. Ora, se não existe um plano adequado, foi porque justamente o Ministro das Finanças e do Plano, durante cerca de dois anos no Poder, não foi capaz de! definir as linhas de um programa de desenvolvimento económico a médio prazo, e é por isso, de facto, que, naturalmente, o desenvolvimento económico deste país não é neste momento, nem poderá ser nos próximos tempos, aquele que seria desejável.
Mas os aspectos mais espantosos da sua intervenção referem-se à política de rendimentos e à política de salários.
Recordar-se-á V. Ex.ª de que quem neste país aumentou os impostos sobre o trabalho, designadamente o imposto profissional e, pelo menos uma vez, com o orçamento público de que era a única forma de obter receitas, foi exactamente V. Ex.ª.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Eu gostaria de recordar 0 de caracterizar algumas coisas a partir de factos concretos, quando V. Ex.ª fala aqui em problemas de carácter ideológico e em direita e esquerda, sem que eu vá entrar, naturalmente, numa discussão a esse respeito.
Quem foi de facto, neste país, o responsável, objectivo e público, pela degradação do poder de compra dos Portugueses? Quem foi neste país o responsável pela política de cerceação da liberdade de contratação colectiva? Quem foi, neste país, que impôs legislação determinando que as empresas públicas fossem sujeitas a um regime; na prática, de homologação corporativa das suas convenções colectivas de trabalho que não tem nada de diferente do regime do 24 de Abril? Quem foi, neste país, que aumentou significativamente o desemprego durante os últimos tempos? Quem são os responsáveis por isso? Eu penso que a resposta está dada pelo País, está dada através justamente de uma quebra brutal do eleitorado do Partido Socialista nas últimas eleições, e oportunamente o Governo da Aliança Democrática justificará, naturalmente, com mais razão ainda, que de facto terminou a era do Partido Socialista como partido de Governo em Portugal.
Finalmente, e porque o Sr. Deputado Vítor Constâncio, independentemente das qualidades técnicas que se lhe reconhecem - não é isso que está em causa -, não pôde como membro do Governo fazer mais do que aquilo que o próprio partido lhe consentia, eu gostaria somente, de acentuar mais um ponto. Falou o Sr. Deputado Vítor Constâncio nos consensos sociais que seria necessário obter e de que naturalmente o Governo da Aliança Democrática será provavelmente incapaz.
Penso que, o Sr. Deputado Vítor Constando não estará a pensar - é uma questão que lhe deixo - se o Partido Socialista, agora que já não é Governo, é o partido que reúne o apoio dos grupos sociais fundamentais, designadamente dos trabalhadores e dos sindicatos e até, eventualmente, do patronato, no sentido dessa política de consenso. Quanto ao patronato, provavelmente o Sr. Deputado Vítor Constâncio aceitará pacificamente que não terá naturalmente o apoio do Partido Socialista, mas, quanto aos sindicatos e quanto aos trabalhadores, eu penso também não restarem dúvidas nenhumas neste país de qual é a representatividade que o Partido Socialista, tem nesse domínio. No fundo, o Partido Socialista, a esse respeito, limita-se a colher os frutos daquilo que semeou, os frutos do desprezo, os frutos da exploração a que sujeitou os trabalhadores portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Vou terminar esta minha breve intervenção.
O discurso do Sr. Deputado Vítor Constâncio merecia de facto mais largas considerações, mas eu penso que as contradições designadamente no plano político e no plano ideológico, foram suficientemente explanadas através destes pequenos dados. De facto, Sr. Deputado Vítor Constâncio, nós temos uni Governo que tem uma maioria capaz de funcionar, que tem apoio social de base, que tem apoio de um número extremamente elevado de trabalhadores que estão à espera que se termino com uma política repressiva, em termos de contratação colectivo de trabalho por exemplo, e que vai terminar. Os trabalhadores estão à espera e vão obter deste Governo melhorias no seu nível de vida, vão obter o fim da degradação do seu poder de compra.

Vozes do PS: - Ah!

O Sr. Gualter Basílio (PS): - Demagogo!

O Orador: - Tudo isso vai ser obtido, e não só, Sr. Deputado, mesmo apesar de não haver um plano de desenvolvimento económico há já algum tempo.
Sr. Deputado Vítor Constâncio, eu terminarei dizendo, pura e simplesmente, que V. Ex.ª não deveria ter usado da palavra como usou.

Risos do PS.

V. Ex.ª não tem autoridade, o País demonstrou-lhe - isso é perfeitamente óbvio e público - que a sua era como Ministro das Finanças terminou, e V. Ex.ª deveria, eventualmente, remeter-se a uma atitude mais humilde, que era a mais consentânea, digamos, com as suas potencialidades técnicas.

Aplausos do PSD e protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Macedo Pereira.

O Sr. Macedo Pereira (CDS): - Sr. Deputado Vítor Constâncio, o discurso de V. Ex.ª mereceu uma atenta análise da minha bancada, e não há dúvida nenhuma de que se tratou de um interessante diagnóstico. Compreendemos que V. Ex.ª tem acesso a elementos técnicos da sua zona profissional, tal como o actual Ministro das Finanças, de que esta bancada naturalmente não dispõe. De qualquer maneira, registamos a forma perfeita e correcta como tecnicamente foi apresentado. Diríamos, numa breve análise política do seu discurso, que o PS está menos convencido, mas ainda está convencido. Eu perguntar-lhe-ia, Sr. Deputado Vítor Constâncio, se foi de facto com a sua política que o País chegou onde chegou - concretamente, se o seu partido chegou onde chegou nas eleições de 2 de Dezembro passado. É pena, se me é permitida esta nota, que a grande capacidade técnica do Sr. Deputado Vítor Constâncio seja como que deformada, se a expressão me é permitida, pelos seus óculos ideológicos.
Foi pena também, na análise deste grupo em que me integro, que o Sr. Deputado Vítor Constâncio não tivesse uma palavra para uma coisa muito concreta que no Programa de Governo vem bem explicitada, que é a proposta que aqui será apresentada brevemente sobre a delimitação do sector público e privado. O Partido Socialista que pensa sobre isso? Era muito importante que os Portugueses desde já conhecessem pelo menos algumas ideias, mesmo que genéricas, sobre como o Partido Socialista irá discutir e talvez votar essa proposta.
Era tudo o que lhe quereria endereçar como pergunta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, face ao consenso estabelecido previamente sobre os tempos disponíveis por cada partido para este debate, a Mesa

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cia que se encontra praticamente esgotado o tempo atribuído ao Partido Socialista e põe esse problema à consideração da Assembleia. Em todo o caso, pelas mais elementares razões de equilíbrio na condução dos trabalhos, dá desde já a palavra ao Sr. Deputado Vítor Constâncio para as resposta; que naturalmente deseja dar às interrogações que lhe foram feitas, mas não deixa de pôr à Assembleia o problema tal como ele efectivamente se coloca: o Partido Socialista tem o seu tempo praticamente esgotado e outros partidos se aproximam também, perigosamente, do termo de tempo que lhes foi concedido Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Constâncio.

O Sr. Vítor Constâncio (PS): - Agradeço, Sr. Presidente, a sua amabilidade, a que procurarei corresponder sendo muito breve.

O Sr. Presidente: - Não é uma amabilidade, é um acto da mais elementar justiça.

O Sr. Vítor Constância (PS): - Muito obrigado. Procurarei de qualquer modo corresponder sendo muito breve nas minhas respostas.
Esclareço, em primeiro lugar, o Deputado Castro Caldas de que eu não afirmei que o Governo e a maioria da AD pretendiam, neste seu mandato, rotura do quadro constitucional. Disse apenas que alguns projectos de lei se destinam a criar condições para uma futura rotura quando tal for permitido, evidentemente, nos termos normais da revisão constitucional. Foi a isso que me referi e não a outra coisa. Se ler bem o meu discurso, verá que é assim. Também não disse que este Governo não tinha condições para governar. Pelo contrário, acho que tem. Comecei mesmo o meu discurso dizendo que tinha melhores condições do que qualquer outro, visto que dispunha de uma maioria parlamentar e estava por isso inteiramente legitimado para governar e tinha condições suficientes para governar.
Quanto ao problema do acordo ou aliança que referiu entre o sector público e as multinacionais, ideia que criticou, queria apenas dizer-lhe muito simplesmente que nas condições do mundo actual, em que é difícil a qualquer país ser plenamente independente, quanto mais a um pequeno país como o nosso, tenho para mim que é uma condição importante para assegurar um mínimo de independência nacional e de soberania que um poder político democrático num pequeno Estado disponha de poder económico suficiente para fazer face às negociações inevitáveis que qualquer país nas condições do mundo moderno tem de ter com as empresas multinacionais. É uma condição normal da vida internacional moderna e é, penso eu, pelo menos a perspectiva em que me tento colocar, uma perspectiva patriótica pretender que o meu país e o Estado tenham condições de poder fazer essas negociações nas melhores condições que permitam assegurar o mínimo de independência nacional e de exercício da nossa soberania.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Sousa Tavares, fez-me uma pergunta muito concreta. Confesso que não conheço os números que citou, mas queria apenas sublinhar que esses números não permitem tirar as eventualmente apressadas conclusões que pareceu tirar, visto que não é comparando a média da inflação em Portugal ou noutro qualquer país com a evolução dos preços de alguns sectores particulares que se podem tirar conclusões sobre as condições de maior ou menor eficácia de gestão desses sectores, visto que é facto que sectores como os transportes, a electricidade, o gás, etc., estiveram sujeitos em Portugal, como em todos os países, a um aumento espectacular, e muito acima da média, de algumas das matérias-primas essenciais que entram nas suas produções. É por isso natural que os seus aumentos de preço tenham sido superiores à média. Na água e nos telefones não conheço o caso em concreto. Permito-me ter algumas dúvidas sobre os 1000%, aplicados a esses deus sectores em particular, mas credo que também sabe que se atravessou um período de investimento importante em ambos os sectores e que isso tem os seus custos financeiros, entre outros, que também é preciso cobrir.
No entanto, trata-se de uma questão de demasiado pormenor e cujo detalhe nem eu nem o Deputado Sousa Tavares creio que neste momento conhecemos até ao fundo. O que não me parece é que daí se possam tirar conclusões definitivas como as que pretendem tirar.
Quanto ao Deputado Rui Amaral, para corresponder à falta de tempo de que disponho, até pelas considerações que fez, em que chegou a dizer que a situação actual era pior que em 1975, que o PS não podia contestar o Governo, que eu não devia ter usado da palavra, parece-me de facto que a sua intervenção não merece grande resposta da minha parte.

Aplausos do PS.

Quanto ao Deputado e amigo Macedo Pereira, devo começar por dizer-lhe muito claramente, para não deixar passar em claro a sua insinuação, sem sentido malévolo, que não citei quaisquer números nem quaisquer factos que não tivessem sido já divulgados publicamente e que não utilizei portanto, conhecimentos que decorriam do exercício da minha vida profissional, que está de resto interrompida desde o dia 3 de Janeiro, dia em que tomei posse do cargo de Deputado nesta Assembleia.
Depois fez algumas considerações sobre os meus óculos ideológicos e as razões que teriam levado o PS à situação eleitoral a que chegou. Não creio que essas considerações se destinassem propriamente a uma resposta da minha parte.
Quanto à atitude do Partido Socialista sobre a lei da delimitação do sector público e sector privado, devo dizer-lhe que o Partido Socialista tem a sua opinião, mas só poderá pronunciar-se sobre a revisão de uma lei quando o Governo aqui especificamente desenvolver quais são as suas ideias sobre essa revisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:- De facto o que se encontra no Programa do Governo é curto, o que lá se encontra nós rejeitamos, e isso eu disse-o claramente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

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O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Desculpe o meu amigo Dr. Vítor Constando, mas eu penso que não podemos adiar eternamente as conclusões da verificação de números que são irrefutáveis. O aumento geral do custo de vida cifra-se em 373%, o aumento dos serviços públicos nacionalizados ultrapassa em todos os casos mais de 1100%. Há casos perfeitamente escandalosos, como seja o da água e dos telefones. Diz o Sr. Dr. Vítor Constâncio que têm sido feitos grandes investimentos nestes sectores. Eu verifico as carências públicas, por exemplo em relação aos telefones. Hoje em dia só se pode obter um telefone mediante o pagamento de taxas extra-oficiais ou o pagamento de serviços de funcionários à margem de qualquer legalidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É portanto um serviço público que não satisfaz, que está completamente abaixo das carências públicas e cujos custos se multiplicaram, ultrapassando 1100%. Não há nenhum Governo responsável que possa continuar a abstrair de realidades como esta e não há ideologia nenhuma que se possa continuar a sobrepor às carências públicas. Eu acho que já é demais o que o povo português tem sofrido devido a exigências ideológicas e portanto entendo que as suas necessidades e as suas carências se sobrepõem no momento a quaisquer considerações ideológicas e que o realismo de um economista, de um financista e de um político como o Dr. Vítor Constâncio deveria reconhecer esta realidade.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Eu vinha prestar um esclarecimento e pedir simultaneamente um esclarecimento, agradecer a forma elegante como o Sr. Deputado Vítor Constâncio respondeu ao meu protesto e protestar pela forma deselegante como respondeu a um Deputado da minha bancada.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Retenho da intervenção do Sr. Deputado Vítor Constâncio a elegância com que rectificou a afirmação feita de que a minha bancada e a maioria, não pretendiam a rotura institucional. Retenho também que respondeu ao meu protesto de que interpretei na sua expressão a frase de que não reconhecia legitimidade a este Governo para governar porque este Governo estava mandatado por camadas da população não suficientemente numerosas, vendo que efectivamente reconhece a legitimidade democrática e a legitimidade para governar de pleno poder e de plena intenção.
Em relação à referência que faz, de que mantém u sua opção pelo modelo que expôs como uma alternativa patriótica, eu devo dizer que esse é factor de grande perplexidade...

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... e que o Deputado Vítor Constâncio não pode pretender que este Governo vá gerir a

crise do modelo de transição construído pelo Partido Comunista, tal como o Partido Socialista tentou fazer e por isso mesmo claudicou.

Vozes do PSD: - Muito toem!

O Orador: - De facto, não se trata neste momento de gerir o modelo de transição construído pelo Partido Comunista, não se trata de adaptar o modelo de transição construído pelo Partido Comunista a uma estratégia de sobrevivência de um modelo empresarial do Estado à deriva e ao sabor dos interesses contraditórios das multinacionais.
Trata-se de construir um novo modelo económico, um novo modelo económico em que possa ser definida, no complexo sistema de trocas do mercado internacional, a função que os sectores empresariais do Estado e os sectores empresariais portugueses possam desempenhar. Isso é de facto um modelo inovatório e um modelo heterodoxo. É um modelo que passa por um controle severo e austero da capacidade de iniciativa do sector empresarial do Estado e pela implementação do funcionamento de médias empresas agressivas e competitivas no mercado internacional que possam permitir à iniciativa portuguesa o desempenho de uma função no mercado de trocas. Isto realmente, nada tem que ver com o modelo de subserviência do sector empresarial do Estado à lógica contraditória das multinacionais internacionais...

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, eu peço a aplicação restrita dos tempos de cada bancada.

Vozes do PS: - Ah!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É a aplicação do Regimento.
Já não se pode pedir a aplicação da lei. Para o PS só a super lei!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Ontem os democratas pediram dez minutos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas para uma intervenção.

O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas (Cardoso e Cunha): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se, em termos gerais, a assumpção do Poder Executivo por este Governo representa a aceitação de um desafio dê enorme dificuldade, dados os presentes condicionalismos o comando do sector agrícola e das pescas não podo esperar uma trajectória fácil nem cómoda.
A agricultura é hoje apontada como o maior condicionante do crescimento global da economia. Além disso, o ponto de partida para a necessária evolução é de tal forma desfavorável que não se poderá admitir qualquer progresso sensível que não passe por uma transformação radical deste sector.
Um passado longo de corporativismo intervencionista radicalizou no homem agrícola uma atitude de permanente expectativa, uma melancólica indiferença e um atávico conformismo, impondo-lhe a aceitação de uma situação de inferioridade na sociedade portuguesa que, de tão naturalmente consentida, já não

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espanta ninguém. A experiência social vivida no mundo rural desde a revolução de 1974, ou não modificou o quadro até então prevalecente, ou introduziu-lhe variações colectivisantes e ainda mais intervencionistas. Toda a gente continuou a achar natural que a produtividade do homem agrícola fosse menos de um terço da do homem industrial ou dos serviços, que o investimento na agricultura baixasse progressivamente até não ser suficiente, como acontece hoje, para compensar a natural obsolescência e depreciação das estruturas, que apenas 10% dos agricultores utilizem regularmente o crédito que, embora com deficiências, é posto à sua disposição...
Salvo honrosas excepções, o atraso tecnológico vai-se acentuando, e continua por surgir a política agrícola que contrarie a permanência atávica dos sistemas culturais tradicionalmente decrescentes em rendimento, respondendo mal e lentamente às evoluções aconselhadas de respeito pelo ordenamento, de especificidade, das culturas em correlação com as capacidades de uso dos solos, à transferência para a silvo-pastorícia das áreas menos ricas, melhor utilizáveis em pastagens e floresta, num país que importa carne e pode exportar mais produtos florestais.
No plano institucional, as perturbações do sector e a prevalência de critérios puramente políticos e de luta partidária hipertrofiaram as estruturas de tutela e de fomento, sem lhes aumentarem significativamente a produtividade. O MAP engloba hoje cerca de 18 000 funcionários e apesar disso o contacto real com o agricultor faz-se com inúmeras limitações.
Como inverter esta situação? As receitas dos economistas apontam pára remédios dificilmente acessíveis. Com efeito, aconselham os estudos mais recentes uma duplicação da percentagem do produto agrícola bruto utilizada para formação de capital fixo, uma duplicação do total do crédito posto à disposição da agricultura por todas as entidades financiadoras, aumentos drásticos na produtividade.
Só um sonhador admitirá como possível, a curto prazo, um milagre que colocasse a agricultura no caminho que todos desejam. No entanto, parece claro que se torna essencial alterar as premissas de base.
Este Governo resulta de uma vitória eleitoral conseguida sobre esse desejo generalizado de mudança. Defende assim uma estrutura personalista, de respeito e incentivo da livre iniciativa e da competitividade que tende a aproximar-nos do sistema económico e social das comunidades europeias, a caminho das quais o País iniciou já um movimento de aproximação irreversível, independentemente das dificuldades que todos sabemos ter de suportar.
Tal como acontece na Europa, temos de aceitar e nos habituar à ideia de que uma empresa agrícola, grande ou pequena, não difere apreciavelmente das outras que constituem a nossa economia e que o homem rural não tem menos necessidades que um operário das cinturas industriais.

O Sr. Lacerda Queirós (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Cabe ao Estado, no seu conjunto, uma palavra determinante nesse novo equilíbrios que se reclama.
A debilidade do factor humano na agricultura é seguramente um dos seus mais importantes constrangimentos. A falta de preparação de base de grande parte do sector, a sua idade avançada e o facto de apenas dos agricultores possuir um curso secundário ou superior torna evidente a desproporção dos meios de ensino agrícola e de formação profissional para as urgentes necessidades nacionais.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Muito bem!

O Orador: - Acresce ainda o desequilíbrio dos níveis de formação dos profissionais da agricultura, onde encontramos quase exclusivamente técnicos superiores. O escalão intermédio de feitores ou encarregados é coberto por um número muito reduzido de estabelecimentos de ensino de nível secundário.
A situação no sector das pescas não é, infelizmente, mais animadora. O pessoal do mar continua utilizando tecnologias tradicionais e o apoio de formação que tem recebido é insuficiente.
Para iniciar, em termos pragmáticos, o ataque a esta situação, o Governo pretende actuar em várias frentes:

Aumentando o número de centros de formação, quer fixos quer móveis, de modo a abranger anualmente um número crescente de agricultores e trabalhadores que deles beneficiem;
Articulando com o Ministério da Educação e Ciência a introdução do ensino de práticas de agricultura e de pesca nas escolas primárias e secundarias do ensino geral localizadas em zonas predominantemente agrícolas ou piscatórias, com recurso aos serviços periféricos do MAP para a cedência de monitores, orientação técnica regionalizada das matérias a cobrir e organização de visitas de estudo e outras formas de contacto com a realidade das comunidades em que se inserem;
Instituindo um departamento itinerante da Escola de Pesca de Pedrouços, que consiga descentralizar, com custos mínimos, um primeiro escalão de formação de pescadores.
Além do homem, é o solo a segunda realidade de base em que tem de se apoiar qualquer política agrícola nacional. Um e outro são, porém, aquilo que são, e não seta fácil nem expedito alterá-los.
Tendo ambos estes factores essencial características qualitativas que não são brilhantes, apresentam-se quantitativamente de forma divergente. Com efeito, o solo é escasso e a população agrícola é demasiada.
Num condicionalismo económico universal dominado nos nossos dias por preocupações de escassez generalizada, não pode nenhum Governo consciente esquecer os princípios de preservação dos recursos do solo e da sua garantia de reconstituição.
Há, no entanto, objectivos prementes de aumento da produção, agrícola, e da produtividade dos factores. Tendo em conta a necessidade, de preservar os recursos naturais, impõem-se às acções de planeamento da actividade agrícola desafios de desenvolvimento tecnológico no sentido de privilegiar sistemas culturais conservadores e fazer apelo aos mecanismos de apoio técnico à agricultura, de forma a desenvolver bases experimentais comprovativas para a intensificação (e nalguns casos introdução) de culturas de equilíbrio.
É, além disso, com as acções de fomento agrário que o Estado deverá orientar a actividade produtiva no sentido desejado, neste caso o da defesa dos recur-

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sos naturais. Quer as iniciativas directas do Estado no campo agrícola, quer as medidas incentivadoras da actividade dos empresários agrícolas (crédito, subsídios, bonificação de juros, seguros, esquemas preferenciais de fornecimentos e de escoamento de produtos, incentivos fiscais, etc.), quer ainda as iniciativas integradoras da actividade agrícola (infra-estruturas, benfeitorias de interesse colectivo, normalização dos circuitos de distribuição, extensão rural, investigação científica, etc.), todas as acções de fomento deverão ser selectivas, graduadas e proporcionais, por um lado, à real capacidade dos solos e ao potencial da sua reconstituição, por outro, às carências que importa suprir de acordo com ditames da ordenamento agrário que respeite a manutenção do equilíbrio dos sistemas envolvidos.
No que respeita às pescas, os mesmos princípios a acções de preservação de recursos são válidos, com as necessárias adaptações.
Toda a actividade económica implica um risco, que é, na filosofia deste Governo, uma das justificações do lucro. No entanto, condicionalismos peculiares da economia agrícola impedem, as mais das vezes, a directa proporcionalidade entre o risco e o lucro que se verifica noutras actividades. A agricultura é sempre uma actividade de risco elevado e de rendibilidade marginal.
Recolocar a incidência dos riscos em proporções mais aceitáveis é um dos principais desafios da tecnologia do sector primário. As técnicas culturais mais sofisticadas, a actuação contra pragas e doenças, o domínio sobre alguns factores do clima «os métodos de armazenagem mais apropriados para os produtos perecíveis são tentativas para aproximar a actividade agrícola dias condições em que os outros participantes da economia desenvolvem a sua actividade.
Persistem no entanto factores de risco que a tecnologia não eliminará tão cedo. Mais um curioso exemplo do atraso endémico da nossa actividade; agrícola - só recentemente se começou a considerar como possível a articulação do sistema segurador com a agricultura.
Foi recentemente publicado, mas ainda não foi regulamentado, um decreto-lei do IV Governo que institui o chamado «seguro de colheitas», designação aparentemente incorrecta na medida em que se limita, nos termos constitucionais, à «socialização dos riscos resultantes dos acidentes climatéricos e fitopatológicos imprevisíveis ou incontroláveis».
O Governo vai empenhar-se na rápida operacionalidade deste seguro, garantir que o prémio seja limitado a um valor relativo justo em comparação com a produção previsível e vai utilizar a sua capacidade de bonificar os respectivos prémios como mais um instrumento de fomento selectivo e orientador.
O conceito de «seguro de colheitas» merece no entanto ser trabalhado numa orientação mais progressiva, articulando-o, se tal vier a mostrar-se conveniente, com o próprio sistema de crédito agrícola, dentro de um conceito mais geral de seguro de crédito. Experiências de outros países mostram ser este o único caminho conducente à viabilização de actividades agrícolas modernas, em particular no uso de tecnologias de maior risco.
Será objectivo de médio/longo prazo admitir que a agricultura nacional possa evoluir, para um esquema de consciência empresarial no qual os riscos apontados fiquem cobertos pelos esquemas seguradores. Entretanto, continuam a verificar-se calamidades naturais para as quais não existe outra solução que não seja o recurso ao subsídio ou ao financiamento bonificado. Nos casos em que esta via seja necessária, há que acautelar que o apoio chegue em tempo oportuno. O Governo tentará solucionar os casos ainda em atraso referentes aos temporais de 1978 e 1979 e tem o prazer de informar a Assembleia que já estão despachados os esquemas de auxílio aos agricultores algarvios afectados pela geada negra dos últimos dias do ano.
O Governo da Aliança Democrática, eleito na base de um programa eleitoral respeitador de iniciativas individuais, não pode ignorar que a conciliação destes princípios com os imperativos de dimensão económica viável só pode ser atingida através do reforço do associativismo livre, consciente e participante.
Ao mesmo tempo que recusa um colectivismo imposto, ao serviço de ideologias ou de partidos políticos, o Governo protegerá e incentivará todas as formas de associativismo que tenham na base o próprio interesse dos agricultores, rejeitando os atestados de menoridade cívica implícitos nas relações paternalistas ou autocráticas de certas associações ou cooperativas.
Quer o associativismo revista a forma cooperativa quer de associação de produtores, a sua contribuição para o sistema económico será defendida através das seguintes acções:

Tratamento privilegiado em matéria fiscal; Participação no sistema de financiamento à agricultura e às pescas (SIFAP);
Incentivo e desenvolvimento das mútuas seguradoras;
Participação dos fundos de auxílio ao associativismo no suporte parcial de encargos com gestores, incluindo nestas acções a constituição de bancos de jovens diplomados em busca do primeiro emprego;
Defesa da participação das cooperativas e associações de produtores nos projectos de transformação a jusante, de forma a fixar no sector primário um maior quinhão do valor acrescentado total;
Negociação de contratos de viabilização com as cooperativas e associações em situação financeira precária, privilegiando o seu interesse social e facultando, nos casos pertinentes, o seu reingresso na normalidade de relações com o Estado e com o sistema económico;

Acções globais e sectoriais de apoio dos serviços do MAP e outros, quer relativas a problemas de produção quer incidentes em estruturação cooperativa. Ao mesmo tempo que se acentuam as características de livre associação no esquema que o Governo quer incentivar, também se deseja um fortalecimento da ligação entre a associação e os seus membros que leve estes a participar activamente na defesa dos interesses da primeira, resistindo às por vezes aliciantes alternativas exteriores. Só a elevação do nível cultural do cooperante, a sua participação real na entidade colectiva, a consciência exacta dos seus interesses de médio prazo permitirão o fortalecimento do associativismo e o seu pleno aproveitamento das acções incentivadoras atrás referidas.
Levantaram-se dúvidas, nas intervenções dos partidos da oposição que se seguiram à apresentação do

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Programa do Governo pelo Primeiro-Ministro, sobre o sentido que o Governo iria atribuir às suas acções no campo da Reforma Agrária, nomeadamente na ultimação da definição e entrega de reservas, no relançamento da atribuição de terras estatais e na elaboração de uma proposta de alteração à Lei de Bases.
Dentro do compromisso de respeito constitucional explicitado no acto de posse, não levantará o Governo qualquer obstáculo aos princípios consagrados na led fundamental sobre esta matéria, o que não impede, contudo, de ter sobre toda a problemática da Reforma Agrária ideias próprias e motivações que certamente não coincidem com as de outras forças políticas.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Governo entende a Reforma Agrária como um mecanismo que deveria apontar para o enriquecimento do nosso património agrícola, que deveria ocasionar melhor uso da terra, mais produção e mais elevada produtividade, acrescida contribuição do sector agrícola para a economia nacional, adequada solução para os reais interesses dos trabalhadores, melhoria do nível e qualidade de vida no mundo rural.
O Governo não aceita unia reforma agrária prosseguida com o objectivo estratégico de destruir um determinado equilíbrio sócio-económico numa óptica exclusivista de luta política, originando um sistema instável, em crise social permanente, cuja sobrevivência exige contínuo desrespeito de normas de convivência económica que são impostas à maioria dos portugueses pela autoridade democrática do Estado.

O Sr. Ângelo Correia (PSD):- Muito bem!

O Orador: - As acções do Governo no campo da Reforma Agrária prosseguirão, assim, numa perspectiva de integração europeia, como se escreve no Programa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nessa perspectiva europeia se inserem os conceitos de estrito cumprimento da Constituição e das leis, de orientação das acções de reestruturação fundiária no sentido da criação de unidades viáveis e competitivas em termos europeus.
Relativamente à proposta de revisão da Lei de Bases, que o Governo tenciona elaborar e enviar a esta Assembleia, atender-se-á aos resultados da experiência concreta de execução da actual lei durante dois anos e cinco Governos. A aceitação, alteração ou revogação dessa proposta compete, como se sabe. ao Parlamento.
Para terminar, afloro o problema da actuação das forças de segurança na zona de intervenção da Reforma Agrária. E faço-o garantindo que o Estado não vai «entregar terra a latifundiários absentistas», porque isso seria contra a lei que o Governo jurou cumprir, nem «lançar a GNR sobre os trabalhadores» porque a GNR, como força da República, não está às ordens do Governo. Faz parte dos conceitos definidores da democracia o respeito pelas forças armadas e militarizadas e a aceitação da sua independência.
O Governo será o primeiro a. lamentar situações de instabilidade que provoquem intervenção da força pública. O Governo deseja, mais do que ninguém, a estabilidade social e o cumprimento das leis.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Tengarrinha.

O Sr. José Tengarrinha (MDP/ODE): - Sr. Ministro: Se me permitisse, queria fazer-lhe quatro perguntas muito concretas.
A primeira é a seguinte: Sendo, declaradamente no Programa do Governo, a integração nas comunidades europeias um objectivo central da actuação deste Governo, parece-me estarem aquém desse ambicioso objectivo as medidas que são preconizadas no Programa para apetrechar suficientemente as nossas estruturas agrárias a fim de> enfrentar a competição e o maior apetrechamento técnico das agriculturas dos países de que vamos ser parceiros. Portanto, pareceria francamente insuficiente aquilo que no Programa está dito, gostaria, se possível, que o Sr. Ministro esclarecesse mais aprofundadamente que medidas pensa executar a curto ou eventualmente, tal como de resto é orientação do Programa, a médio prazo no sentido de apetrechar devidamente as nossas estruturas.
A segunda pergunta diz respeito à comercialização da nossa produção agrícola, problema, como sabe, agudo da nossa agricultura e do qual sofrem tantos produtores como consumidores. Assim, como pensa promover uma acção disciplinadora dos circuitos de comércio interno que reduza progressivamente a intervenção dos grandes intermediários e combata eficazmente a especulação?
Terceira pergunta: No Programa manifesta-se a intenção de rever a Lei do Arrendamento Rural com observância dos critérios ali anunciados. Gostaríamos de saber se esse desejo, de resto já manifestado durante a campanha eleitoral pela Aliança Democrática, é posto no Programa em termos tão vagos como então o foi. Gostaríamos de saber igualmente se nesta revisão da Lei do Arrendamento Rural o Governo pretende rever aspectos manifestamente injustos e que têm dado origem, como sabe, a despejos contínuos e a situações de injustiça perante rendeiros que cultivavam a terra muitas vezes há longos anos e em situações difíceis, portanto o problema da duração do contrato, da avaliação das rendas, etc.
Um outro problema, que também é um problema central é historicamente o sector capitalista fundamental da nossa agricultura, que é o vinho. O vinho que sofre diversas dificuldades conforme os anos da maior ou menor produção. Estando nós perante um ano de produção importante, que excede certamente a nossa capacidade de consumo interno, gostaria que o Sr. Ministro nos esclarecesse como é que vai resolver o problema do escoamento do produto para o estrangeiro, entrando em competição com preços mais baixos que ali são normalmente praticados por agriculturas e com produções vitivinícolas mais aperfeiçoadas e mais industrializadas. E dentro de um aspecto desta pergunta, ainda no que respeita a produção de vinho, gostaria de lhe perguntar se o Governo pretende ou não confirmar a decisão tomada no ante-

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rior Governo de delimitar a Região da Bairrada, uma aspiração que desde há longos anos vinha sendo mantida pelos pequenos agricultores daquela região que têm na produção de vinho uma das suas principais fontes de riqueza e que com esta decisão viram já parcialmente satisfeita uma velha aspiração e algumas das dificuldades que vinham sentindo de há muito.
Sr. Ministro, se estiver de acordo, gostaria que me respondesse a estas perguntas muito concretamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Ministro, permita-me que o felicite pela sua esplêndida intervenção de há pouco, tanto mais quanto me habituei a ver em V. Ex.ª, como governantes, um homem de acção, um homem especialmente eficaz e que aborda os problemas sem complexos, decididamente e de forma positiva. Confiamos, pois, bastante na acção de V. Ex.ª à frente da dificílima pasta da Agricultura e Pescas.
Da intervenção de V. Ex.ª permita-me destacar uma série de notas da maior importância e que demonstram claramente que está a encarar os problemas como devem ser encarados. Ressalto que V. Ex.ª se referiu à formação de agricultores, à extensão rural e à investigação como uma das principais prioridades do sector da agricultura e pescas, até porque significativamente apresentou esse ponto do Programa em primeiro lugar. É imperioso, como V. Ex.ª muito bem afirmou, pôr os técnicos do Ministério da Agricultura e Pescas, dos quais cerca de 80 % estão a trabalhar em zonas urbanas e na maior parte dos casos a fazer trabalho de escriturários, a prestar aos agricultores e ao mundo rural o auxílio de que tão carecidos estão...

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - ..., dado que os governos anteriores, nomeadamente os do PS, não tiveram força nem coragem para os levar a enterrar as botas no campo como lhes cumpria.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Registo também com o maior agrado a afirmação de: que é indispensável pôr a escola da pesca num trabalho itinerante e levá-la às mais diversas regiões onde a pesca é uma actividade importante.
Igualmente destaco que V. Ex.ª tenha afirmado que deve ser dado privilégio aos sistemas conservadores dos recursos naturais, com introdução de culturas em equilíbrio com esses recursos, o que dentro da nossa perspectiva é fundamental, visto que muitas vezes o mito da nova cultura é exactamente o veneno que vai contribuir para o desequilíbrio, quando levado às extremas consequências. Uma perspectiva equilibrada, como a que V. Ex.ª evidenciou, é para nós fundamental e é uma nota francamente positiva por parte do titular do Ministério da Agricultura e Pescas.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Igualmente e na mesma linha, a afirmação que V. Ex.ª fez acerca de um fomento proporcional à capacidade dos solos e de acordo com e ordenamento. Sem ordenamento agrícola de todo o território poderemos ambicionar os tais contratos com as multinacionais, podemos ambicionar as tais unidades viáveis e competitivas, aparentemente a nível europeu, mas o que nós estaremos com certeza é a fazer de Portugal não um país onde se possa viver e onde o desenvolvimento seja baseado e a longo prazo, mas um país desertificado que não dará esperanças para as gerações dos nossos filhos e dos nossos netos.
Igualmente positivai é a afirmação do Governo de que tenciona que os riscos da actividade agrícola, que são sem dúvida especiais e agravados relativamente a qualquer outra actividade, devem ser distribuídos. É nesse sentido que funciona o seguro agrícola e é com a maior alegria que verificamos que o Governo vai arregaçar as mangas para implantar o funcionamento dos seguros agrícolas.
Também uma palavra da maior simpatia e do melhor acolhimento para a afirmação de que o associativismo livre deve ser reforçado e que deve ter privilégios fiscais e no financiamento, sobretudo através de, creio eu, bonificações no crédito, do apoio em mútuas seguradoras, da participação nas despesas com gestores e de contratos de viabilização de cooperativas que se encontrem em dificuldades financeiras. Tudo isto é fundamental e é a melhor resposta àqueles que acusam o Programa do Governo de ser um programa exclusivamente liberal e voltado para o individualismo, quando isto, meus senhores, é que é cooperativismo, e não o colectivismo forçado que quiseram impor-nos no Alentejo.

Aplausos da maioria parlamentar.

Igualmente a maior alegria para a afirmação pronta, que muito diz sobre a eficácia do trabalho de V. Ex.ª, de que o Governo está já a garantir o pagamento das indemnizações devidas à «geada negra» que ocorreu no Algarve. Assim é que se governa.
Apenas duas dúvidas me permito formular relativamente à intervenção de V. Ex.ª.
A primeira é a de que, embora o ponto de vista seja discutível, me não parece inteiramente exacto que se possa considerar a população activa agrícola demasiada para a escassez do nosso solo. Se soubermos fazer um correcto ordenamento, se em vez de delapidarmos os nossos recursos, como temos feito até agora, quer ao serviço de ideologias quer por vezes ao serviço de interesses situados fora do País, se soubermos aproveitá-los equilibradamente e sobretudo conservar o fundo de fertilidade nacional, certamente será possível aumentar espectacularmente, mais, a produtividade agrícola e, portanto, chegarmos à conclusão de que a população agrícola activa não é demasiada para as condições naturais de Portugal.
A segunda duvida, a que me permito já responder porque estou convencido de que não era esse o sentido que V. Ex.ª pretenderia dar na sua intervenção, e a de que as unidades viáveis e competitivas a nível europeu que o Governo pretende que se criem através da sua intervenção de reestruturação fundiária na Zona da Intervenção da Reforma Agrária não

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signifiquem a tal competitividade superficial, não signifiquem unia pura e simples aceitação da regra de que a maior dimensão é o mais viável, de que a extensicultura ou a monocultura é o progresso, mas que signifiquem que a unidade viável e competitiva não é necessariamente a maior, não é necessariamente a unidade em hectares, em zona, a unidade que dispõe de grande maquinaria agrícola ou que emprega grandes adubações, mas sim que a unidade, pequena ou média ou mesmo grande, está inteiramente adequada, quer pela sua dimensão quer pelas características naturais de solo quer até pelas condições sociológicas em que está inserida, e, quer seja individual quer cooperativa quer comunitária, é a unidade exactamente correspondente ao tipo de ordenamento que tecnicamente é desejável praticar.
Penso que é este o significado que V. Ex.ª pretendeu atribuir a esta sua afirmação e, como tal, limito-me apenas a registar esse seu ponto de vista.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado José Tengarrinha, não queria deixar de referir dois pontos que julgo bastante importantes. É natural, certa, correcta e tem o nosso apoio a preocupação que o Sr. Deputado José Tengarrinha manifestou para que os circuitos de comercialização dos produtos agrícolas sejam reestruturados e reorganizados em termos de permitir à agricultura e ao produto agrícola a justiça que merece e o contributo para a produção nacional de que Portugal necessita. Simplesmente, eu pergunto se é através de uma política como a que tem sido praticada no feudo alentejano, se é que se pode chamar política, na Zona de Intervenção da Reforma Agrária, que permitiu o aparecimento, como até hoje não tinha surgido, de grandes fortunas especulativas, de intermediários, quer na cortiça quer nos gados, à sombra e a coberto e pelos interstícios dessa máquina que se instalou no Alentejo, se é através da protecção tantas vezes clandestina a esses circuitas que proliferaram na Zona de Intervenção da Reforma Agrária que se pretende a reorganização dos circuitos de comercialização ao serviço da justiça social.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É essa a base social da Aliança Democrática!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É a base de sustentação do PCP!

O Orador: - Peço aos Srs. Deputados que não me interrompam, porque o tempo está a contar.
A minha segunda pergunta é no sentido de perguntar ao Sr. Deputado José Tengarrinha se apenas defende a delimitação da zona vinícola da Bairrada, o que de resto me parece uma ideia bastante positiva e que conta com o meu apoio, ou se, pelo contrário, não defende, como julgo que defenderá, que em Portugal se pratique uma política vinícola que conduza à delimitação de muito mais zonas de vinhos, nomeadamente caracterizadas, como é, a título de mero exemplo, a zona dos vinhos alentejanos, dos quais, até como consumidor, sou especialmente apreciador.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. José Tengarrinha (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. José Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria fazer uma observação, que já pretendia fazer ontem, referente ao modo como este debate se tem processado, que francamente não me parece ter sido o mais frutuoso. Parece-me haver aqui dois factores que têm impedido o avanço dos nossos trabalhos e o nosso esclarecimento. Normalmente dirigimos perguntas ao Governo, pois creio que o Governo está aqui para fazer as suas intervenções a fim de explanar a sua orientação e, na sequência disso, para que as bancadas tanto da maioria como da oposição lhe façam: ai perguntas que entenderem necessárias para melhor esclarecer os pontos de vista, lacunas ou pontos porventura obseuros do seu Programa. Creio que é esta a relação perfeitamente normal neste tipo de sessões. Ora não é isso o que de facto tem acontecido. Tem-se visto que normalmente das bancadas da oposição, passe o termo, tem havido, efectivamente, perguntas muito concretas, às quais habitualmente o Governo não tem respondido. Não quero dizer com isto que se tenha furtado às respostas, mas a verdade é que não tem respondido. Temos feito perguntas muito concretas e raras têm sido as intervenções aqui feitas que não têm colocado com muita concretização e com muita clareza as lacunas principais e os pontos obseuros e vagos - e são muitos, quase todos, que o Programa tem - e não temos recebido da parte do Governo um esclarecimento que permita que possamos sair deste debate com uma ideia clara sobre quais são verdadeiramente as suas intenções. E aquilo que se verifica é que normalmente é a bancada da maioria que é porta-voz do Governo, responde em nome do Governo, dá respostas que gostaríamos que o Governo desse. Em vez de ouvirmos os esclarecimentos do Governo, que está aqui presente na nossa frente, digamos, numa situação privilegiada em relação a todos nós; ouvimos da parte da maioria opiniões que não sabemos se correspondem a opiniões individuais, se correspondem a posições de qualquer dos grupos que constituem a Aliança Democrática, ou se representam posições meramente expressas por inspiração de momento para tentar camuflar uma resposta.
Por outro lado, há um tom, no debate, em que, Sr. Presidente, eu, pessoalmente, me recuso a participar. É um debate cheio de bloqueamentos mentais. De facto, assim não é possível haver um esclarecimento de parte a parte.
Quando se faz uma pergunta e o interlocutor responde que o PS não fez isto, ou não fez aquilo, ou não fez aqueloutro, isto não é resposta para uma pergunta que se faz. A pergunta que nós formulamos é dirigida ao Governo e refere-se àquilo que o Governo pensa só em determinado assunto. A resposta não tem de conter qualquer acusação sobre aquilo que o PS podia ou devia ter feito. Normalmente é assim que se têm processado as respostas dadas pela bancada da maioria. Não me parece que esta seja a parte mais produtiva do diálogo e por mim recuso-me, terminantemente, a participar neste tipo de discussão,

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isto é, não responderei sequer a perguntas que sejam feitas com esta intenção.
Apenas para esclarecimento daquilo que disse o Sr. Deputado Ferreira do Amaral, direi que há também da parte deste Sr. Deputado, nitidamente, um bloqueamento quando, ao comentar a pergunta que formulei sobre circuitos de comercialização, responde com um ataque ao Alentejo. É claro que não era sequer o ataque ao Alentejo o que fundamentalmente me parecia estar em consideração. Gostaria de ouvir do Sr. Ministro da Agricultura e Pescas uma resposta mais desbloqueada.
Um outro aspecto é igualmente levantado pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral, com o qual evidentemente estou de acordo, sobre a delimitação das regiões dos vinhos que, como sabem, sendo uma produção importante para uma parte da agricultura, sobretudo para o pequeno agricultor do nosso país, beneficia consideravelmente pela qualidade que pode imprimir à produção e pelas garantias que há da sua colocação e da sua comercialização. Portanto, quanto a este aspecto, estou completamente de acordo. Acrescento que não é só a zona do Alentejo onde há vinhos, dos quais sou apreciador como o Sr. Deputado Ferreira do Amaral, que têm a característica de ser macios novos, enquanto os outros são macios mais velhos, isto é, são vinhos que podem ser comercializados mais cedo, ao passo que por exemplo, o vinho da região da Bairrada só quatro ou cinco anos depois da colheita pode ser comercializado com qualidade. Portanto, estes vinhos de diferentes qualidades que existem no nosso país exigiriam uma delimitação de outras zonas. Nisto estamos inteiramente: de acordo.
Gostaria que em relação a estas quatro perguntas, tanto quanto possível desbloqueadas, Sr. Ministro, respondesse às questões postas.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Peço a palavra para dar um esclarecimento ao Sr. Deputado José Tengarrinha, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado José Tengarrinha afirmou que nas condições presentes se recusaria a participar no debate parlamentar. Gostaríamos que o Sr. Deputado José Tengarrinha não reproduzisse de novo o comportamento político que nesta mesma Câmara, em 1975, tomou ao abandonar os trabalhos da Assembleia Constituinte.
Em segundo lugar, referiu o Sr. Deputado José Tengarrinha que se recusaria a responder a perguntas que lhe fossem formuladas. Com o devido respeito, nenhuma lhe foi formulada ainda, V. Ex.ª não é Governo.
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado José Tengarrinha acusou de bloqueamentos mentais os participantes deste debate. Gostaria que percebêssemos o quê 6 um Parlamento. Estamos no debate parlamentar entre forcas políticas diferentes, umas apoiantes deste Governo, outras que o não são. Mais, os tipos de comportamento político que as forças que integram a Aliança Democrática e apoiantes deste Governo tiveram são apenas de dois teores.
O primeiro é uma atitude de protesto contra atitudes políticas directamente referidas em intervenções de Srs. Deputados da oposição relativas quer a comportamentos políticos próximos passados dos partidos que integram a Aliança Democrática quer a intenções fantasmagóricas que respeitam a um programa eleitoral relativamente ao qual todos os que pertencemos às bancadas dos partidos que apoiam a Aliança Democrática somos solidários, e nesse sentido e parlamentarmente, temos o direito e o dever político perante o nosso eleitorado, aquele que nos elegeu, de aqui o defendermos.
Mas, em segundo lugar, não deixa de ser curioso que, por exemplo, em relação a um tema tão escaldante, no sentido de alguns, e tão importante como é o da agricultura e pescas, como já o tinha sido na parte das finanças e plano, as oposições, depois de. os Ministros falarem, não façam perguntas. Hoje nem o PCP, depois da intervenção do Ministro da Agricultura e Pescas, faz qualquer pergunta, ou seja, é a própria oposição que fica em silêncio depois das intervenções dos Ministros, reservando-se o direito para intervenções subsequentes, o que mais não prova que a própria incapacidade técnica e política da oposição em muitos casos para entrar em diálogo com o próprio Governo.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Não seja especulador!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Ângelo Correia fez algumas, referências ao PCP em relação ao nosso silêncio perante intervenções dos Ministros. São, por um lado, infundadas e por outro lado, insensatas. Infundadas porque não são verdade em relação ao Ministro das Finanças. Insensatas porque, obviamente, a gente não tem de pedir esclarecimentos em relação ao Ministro sobre que estamos esclarecidos. Por exemplo, a intervenção do Sr. Ministro da Agricultura não nos deixou qualquer dúvida quanto às intenções do Governo.
Quanto à crítica, vamos fazê-la autonomamente.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para dizer que o Sr. Deputado Vital Moreira acaba de responder ao Sr. Deputado José Tengarrinha.

O Sr. Armando Bacelar (PS): - Essa agora!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura e Pescas.

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O Sr. Ministro da Agricultura e Pescas: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Informam-me da bancada do Governo que tenho um tempo limitadíssimo...

O Sr. José Niza (PS): - Nove meses!

O Orador: - ..., uma vez que ainda há mais uma intervenção de outro membro do Governo esta tarde. Vou tentar ser o mais rápido possível, atendendo a que ainda tenho interesse em responder não unicamente às interpelações feitas neste momento mas também a outras feitas durante o decorrer dos debates, ontem e hoje.
Começo por indicar, de uma forma bastante clara e pragmática, que este Governo não é um governo independente, não é um governo do PS, não é um governo do PCP. Este Governo é o Governo da Aliança Democrática e, portanto, desenvolve uma filosofia e uma ideologia perfeitamente clara, que será certamente péssima se for observada da bancada do Partido Comunista, será talvez óptima se for encarada das bancadas da Aliança Democrática, mas é o que é. Este princípio leva-me a eliminar uma série grande de pequenas dúvidas e questões postas durante o debate, que se podem configurar na expressão genérica da pergunta tipo: estará o Governo disposto a fazer a política da oposição? Não está. O Governo vai pôr em funcionamento a sua própria política e vai correr os riscos daí derivados.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Governo, e em particular o Ministério da Agricultura e Pescas, vai trabalhar numa óptica de gestão. A Assembleia deve saber que eu não sou profissional de agricultura, o que não me inibe nada de tomar sobre mim esse tipo de responsabilidades. Interpreto esta missão dentro de um conceito geral de gestão, principalmente de recursos, particularmente crítico numa altura em que esses recursos são escassos. Essa situação de gestão de recursos escassos leva um profissional de gestão a atribuir particular importância aos aspectos económicos, e quando digo económicos não quero dizer monetaristas, das acções políticas e das acções económicas. Nesta base, sou forçado a tentar à outrance quantificar as acções. Cada vez que o Governo executa uma acção em determinada zona do nosso País está implicitamente a transferir recursos da comunidade para esse sector específico. Os recursos não caem do céu, os recursos são escassos e é preciso constantemente tomar opções.
A análise de problemas delicados, complexos, como. por exemplo, o arrendamento rural, a Reforma Agrária, problemas de integração na CEE, problemas de alteração de estruturas, tudo isso terá necessariamente de ser encarado nessa óptica. Não me parece razoável manter situações de pseudoprivilégio, às vezes de privilégio inteiro, em zonas peculiares devido a determinadas acções económicas ou políticas, sem nos lembrarmos que o custo dessas acções é suportado pela resto da comunidade, à qual faltam escolas, estradas e hospitais.
Sr. Deputado José Tengarrinha, peço desculpa de estar a dar uma resposta extremamente rápida, Terei o maior prazer de ser mais longo durante os contactos que espero manter com os grupos parlamentares durante a vigência deste Governo, mas estão-me aqui a pressionar.
Em relação às estruturas de competição com a CEE. tem toda a razão. É um problema muito delicado. A opção de integração é uma opção que está tomada. Temos, no entanto, um prazo razoável. Contamos, neste momento, com um prazo de dois a três anos para a integração, seguido de um período de transformação nunca inferior a dez. Contamos já nessa altura poder negociar a atribuição a Portugal de fundos comunitários em variados sectores. Não nego, evidentemente, seria insensato da minha parte negar, a complexidade e a dificuldade da tarefa que está à nossa frente. No entanto, penso, pessoalmente, que é um desafio que vale a pena correr. Os portugueses, normalmente, só actuam quando têm os mouros à porta e estes mouros estão quase a chegar.

Risos.

Sobre a comercialização de produtos agrícolas, é evidente que este Governo vai tentar introduzir inflexões perfeitamente características no sistema, a principal das quais será o terminar com os monopólios de comercialização dos organismos que até agora têm. feito o grosso da comercialização de produtos agrícolas. Não pretendemos de forma nenhuma eliminar esses organismos, até porque eles vão ser a semente dos organismos de tipo comunitário que terão de fazer as intervenções no mercado. Portanto, organismos do género da EPAC, da Junta dos Produtos Pecuários, dos Armazenistas de Bacalhau, estão criados, dispõem de estruturas e até de certo potencial financeiro, serão necessariamente a semente dos novos organismos de intervenção de tipo comunitário. Simplesmente não concordamos que eles tenham o exclusivo da actividade nos seus sectores e entendemos que lhes devemos pôr uma competição no sector privado, até porque não estamos convencidos de que os encargos desse tipo de organismos tenham sido até agora os melhores possível.
Sobre o problema do vinho, posso dizer-lhe que o problema da região da Bairrada já está deferido, com reserva desta minha rápida adaptação aos problemas do Ministério. Portanto, é uma satisfação que lhe dou.
Em relação ao problema do escoamento de excedentes, há aí dois Ministérios envolvidos. O Ministério da Agricultura e Pescas tem necessariamente que ver com problemas de melhoria de qualidade, que é um problema muito importante, em relação ao escoamento, em particular através das zonas de tipicidade. Neste momento a estratégia de desenvolvimento articulasse com o Ministério do Comércio e, portanto, não me sinto autorizado neste momento a responder-lhe relativamente à estratégia que se está a tomar nesse sentido.

O Sr. José Tengarrinha (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. José Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Ministro, em relação à pergunta sobre a integração na Comunidade Económica Europeia não me surpreende que seja vaga e ainda pouco trabalhada a proposta que tem a apresentar. Compreendemos que ela seja muito complexa e que talvez ainda a não tenha elaborado finalmente. No entanto seria previsível que

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pudesse ter avançado mais alguma coisa, tão complexas e tão urgentes são certamente as funções que têm de ser encaradas.
Satisfaz-me em relação à região da Bairrada e a outras demarcações a resposta de V. Ex.ª Em relação à comercialização dos produtos agrícolas, satisfez-me igualmente quando disse que vai acabar com os monopólios de comercialização, embora tenha dúvidas sobre o que disse acerca da competição com o sector privado. Aí parece-me difícil esse equilíbrio. No entanto, se fosse avançada mais alguma coisa de concreto, teríamos ocasião de criticar melhor. De qualquer modo, como deve calcular, há alguns aspectos que me parecem positivos na resposta que o Sr. Ministro deu, outros aspectos que me parecem negativos e com os quais não estou de acordo. Mas queria salientar-lhe que é este o estilo de diálogo que é importante, é frutuoso, e estamos dispostos a fazer.
Contudo há uma pergunta a que não respondeu, talvez por esquecimento: é o problema do arrendamento rural. Não sei se o Governo ainda terá tempo para responder a essa pergunta ou não.

O Sr. Ministro: - Responderei nas reuniões da Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são quase 17 horas e 30 minutos. Antes de suspender a sessão para o intervalo costumado de meia hora, fica desde já inscrito o Sr. Deputado Carlos Brito para a intervenção que pretende fazer logo a seguir à retomada dos trabalhos e desejava pôr à Câmara os seguintes pontos:

Primeiro, está na Mesa um ofício do Sr. Juiz do 3.º Juízo da Comarca de Cascais a solicitar autorização para o Sr. Deputado Barrilaro Ruas comparecer naquele tribunal, onde está indicado como testemunha, no dia 22 do mês corrente.
Se a Câmara nada tem a opor, considera-se autorizado.
Outros dois pontos desejava ainda comunicar à Câmara.
Por carta do Sr. Embaixador da República da Coreia do Sul, que ontem teve a amabilidade de me visitar aqui no Palácio de S. Bento, foi comunicada a visita, amanhã, a esta Câmara de um grupo de parlamentares da Assembleia daquela República. Em reunião dos representantes dos grupos parlamentares realizada hoje de manhã ficaram já mais ou menos delineados os termos em que serão recebidos. Serão recebidos por uma deputação desta Câmara e depois permanecerão algum tempo na tribuna do corpo diplomático. Não sei ainda se serão acompanhados do Sr. Embaixador, mas está já assegurada a forma da sua recepção.
Também por informação da Embaixada dos Estados Unidos da América, será esta Câmara visitada no próximo sábado por quatro membros do Congresso daquele país. Nesse dia não há Plenário. Evidentemente, não poderão ser recebidos aqui, mas está também assegurada a sua recepção em termos condignos.
Estas eram, portanto, as comunicações que pretendia fazer e justamente por motivo destas duas visitas pedia aos Srs. Vice-Presidentes o favor de terem a amabilidade de comparecer de seguida no meu gabinete, onde, depois de uma breve troca de impressões sobre esse assunto, se seguirá a reunião dos representantes dos grupos parlamentares, tal como ficou estabelecido hoje de manhã.
Se porventura dentro de trinta minutos exactos essa reunião ainda continuar, a Câmara retomará os seus trabalhos e peço ao, Sr. Vice-Presidente Martins Canaverde o favor de assumir a presidência.
Estão suspensos os trabalhos por trinta minutos.

Eram 17 horas e 30 minutos.

A seguir ao intervalo assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Martins Canaverde.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para apresentar o texto de uma moção de rejeição que passaria a ler.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É do seguinte teor o texto da moção que o grupo parlamentar do meu partido apresenta:

1.º Considerando que o Programa do Governo não se conforma com o artigo 191.º da Constituição e visa criar uma situação de facto inconstitucional, preparando a realização de eleições em condições antidemocráticas, a revisão inconstitucional da Constituição e a subversão e destruição do regime democrático;

2.º Considerando que o Programa comporta um plano de liquidação inconstitucional das grandes transformações democráticas alcançadas depois do 25 de Abril, designadamente as nacionalizações e a Reforma Agrária, e de restauração aberta do poder económico e político do grande capital associado ao imperialismo e dos latifundiários;

3.º Considerando que o Programa do Governo, embora repleto de promessas demagógicas, conduziria, se levado à prática, ao agravamento e intensificação da exploração e opressão dos trabalhadores, ao aumento do desemprego, à alta do custo de vida, à baixa dos salários reais, à agudização da crise económica, ao aumento das dificuldades dos pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais e outras camadas médias, à intensificação das descriminações contra as mulheres e jovens e à degradação das condições de vida da maioria do povo português, designadamente das camadas mais desfavorecidas, reformados, pensionistas, deficientes, etc.;

4.º Considerando que o Programa aponta para uma prática política revanchista e repressiva, de agudização das tensões, choques e conflitos políticos, económicos, sociais e entre Órgãos de Sobe-

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rania e a limitação dos direitos e liberdades dos trabalhadores e do povo em geral, nomeadamente a liberdade de organização de partidos políticos, a liberdade sindical e a liberdade de expressão de pensamento;

5.º Considerando que o Programa conduz ao aumento da nossa dependência externa e preconiza, uma política de submisso alinhamento de Portugal com as posições mais agressivas e belicistas do imperialismo, lesiva dos. interesses do País e da independência nacional.
Ao abrigo e para os efeitos do disposto nos artigos 195.º e 198.º da Constituição da República, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta a seguinte.

Moção de rejeição.

A Assembleia da República rejeita o Programa do Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A política social não merecei mais ao Governo que uns quantos mal alinhavados parágrafos que não contêm nada de concreto, donde os objectivos estão ausentes, onde não, existe a definição de linhas da rumo capazes de resolver os problemas sociais dos Portugueses, particularmente das classes trabalhadoras e de sectores mais desfavorecidos da população.
Que outra coisa seria de esperar de um Governo dos partidos defensores do grande capital, senão uma política de empobrecimento maior ainda da classe operária e dos trabalhadores e também dei outros sectores desfavorecidos da população como os reformados, pensionistas e idosos, os deficientes e os desempregados?

Vozes do CDS: - Não apoiado!

A Oradora: - Que se vai passar com os reformados e pensionistas que não podem esperar por mais tempo uma revisão da sua situação dramática?
O decreto-lei de aumento das pensões mínimas da autoria do Governo da engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo tem de ter uma execução rápida para que os reformados recebam a partir de Dezembro o aumento a que há tanto tempo têm direito e que lhes foi negado pelo Governo Mota Pinto e também aqui, mesmo na Assembleia da República, pelas bancadas do PPD e do CDS aquando da votação do último OGE.
A AD ainda nada disse sobre qual o objectivo de ter chamado à ratificação este decreto-lei apesar dos problemas e interrogações que tal situação inegavelmente acarreta.
É, porém, claro para nós, comunistas, que este decreto-lei não basta. Este decreto-lei revê as pensões mínimas, mas se as reformas não sofrerem uma rápida actualização há milhares de reformados que entram, que já estão, no terceiro ano sem qualquer aumento das suas miseráveis pensões.
O Programa do Governo em matéria de reformados, pura e simplesmente, esquece as promessas eleitorais da AD para dizer com ironia digna de nota «que: o seu objectivo é manter o poder de compra dos beneficiários», isto é, os reformados. Mas que poder de compra têm hoje os reformados para ser mantido se em casa da maioria há fome, se o dinheiro da miserável pensão nem dá, quantas vezes, para os medicamentos? As palavras há pouco pronunciadas pelo Sr. Ministro só mostram que aqueles reformados que votaram na AD o fizeram enganados o votaram só em demagógicas promessas.

Vozes da maioria parlamentar: - Não apoiado!

A Oradora: - Já sabia, Srs. Deputados. Mas o traço fundamental do Programa do Governo em matéria de segurança social é exactamente o facto de terem desaparecido todas as promessas que enchiam os papéis da AD na sua campanha eleitoral e, consequentemente, não ficou nada.
Procurámos em vão o aumento do abono de família. Procurámos em vão o alargamento do abono da família aos rurais. Procurámos em vão o alargamento da segurança social às donas de casa, aos artistas e escritores. Procurámos em vão o alargamento da assistência médica aos familiares dos rurais. Ou será que estas medidas, entre muitas outras que constavam do Programa do Governo dá AD, tinham como único objectivo caçar votos?
O Sr. Ministro só mostrou que tudo isto não era mais do que promessas eleitorais que foram para a gaveta!
Mas não se engane o Governo, que tão explicite é no seu Programa em matéria de indemnizações aos capitalistas ou de defesa dos latifundiários; porque os reformados, pensionistas e idosos, os rurais e outras camadas altamente necessitadas da resolução dos seus problemas, não são uma massa amorfa a quem se promete em campanha eleitoral e a quem se dá um chuto uma vez no Governo e foi o que o Governo acabou de lhes fazer.

O Sr. José Vitorino (PSD): - É falso!

A Oradora: - Esses portugueses lutarão pelos seus direitos e encontrarão aqui na bancada comunista porta-vozes firmes dos seus interesses.
Em matéria de tratamento dos problemas dos deficientes o Programa do Governo é claramente omisso. A única medida concreta que preconiza é a apresentação de uma proposta do lei sobre ensino especial para rever a lei que esta Assembleia levou um ano a aprovar!
Que estranha preocupação prioritária quando os deficientes e suas famílias têm tantos e tão graves problemas que é imperioso resolver.
Se em vez disso e do tempo precioso que vai perder, se o Governo, sim, pusesse a lei em prática, criasse centros de reabilitação e preparação profissionais, apresentasse imperativos legais que garantissem o acesso dos deficientes ao mercado normal de trabalho para os que o podem e a unidades apropriadas para os outros, se se preocupasse, e desde já, em garantir a assistência médica e medicamentosa e o fornecimento de material de compensação e abono

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de subsídio de doença, e outras, muitas outras medidas reivindicadas pelos deficientes, mesmo daqui nove meses a situação dos deficientes já não seria tão grave.
Mas a campanha eleitoral da AD acabou, agora são Governo & a solução dos problemas dos deficientes fica praticamente reduzida à apresentação de um projecto para alterar a Lei do Ensino Especial há meses aprovada! Sobre isto também o Sr. Ministro nada disse.
Quanto à tão apregoada protecção à família, tudo se reduz a dois miseráveis parágrafos. Um que se traduz na intenção do Governo de ouvir as famílias, naturalmente as famílias do Governo e as que lhe são afectas. Outra a promessa de uma quantas medidas legislativas que não diz quais.
Se no Programa do Governo passarmos da protecção à família para a protecção às famosas cem famílias que dominavam o País antes do 25 de Abril, então tudo fica claramente certo e no seu devido lugar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No campo da habitação o Programa do Governo passa das promessas eleitorais de «uma casa para todos», «uma casa para cada família», «o dobro das casas construídas num ano em relação ao ano anterior», para meia dúzia de incipientes linhas.
Do debate até agora travado só ficámos a saber a mais que em matéria de habitação os dirigentes do CDS têm casa! Já sabíamos que não viviam em barracas, e até acreditamos não tenham só uma!
No entanto, a habitação é hoje um dos graves problemas dos Portugueses. Numerosos jovens não casam porque não têm casa e os bairros de lata e as casas degradadas assustam.
O PCP tem desde sempre apontado aqui na Assembleia da República, e não só, quais as medidas que preconiza, visando a solução do problema da habitação, e não pode, pois, deixar de chamar a atenção para quanto é falsa a solução do problema pela via da primazia à iniciativa privada.
Na verdade, durante cinquenta anos foi a iniciativa privada que teve a faca e o queijo na mão e ficou à vista o que deixou em matéria de bairros de lata, de habitações degradadas e de carências!
Quanto ao decreto-lei das rendas de casa, essa ameaça que paira sobre milhares de portugueses, o Programa do Governo é omisso. Não podemos, pois, deixar de estranhar que o Sr. Primeiro-Ministro tenha dito na sua intervenção de resposta aos partidos em relação a este decreto-lei que «o Governo mantém o que consta do seu Programa Eleitoral», o que também não é nada, pois o Programa Eleitoral da AD é omisso na matéria.
Mas o País e, em primeiro lugar, os inquilinos precisam de conhecer claramente a posição do Governo e dos partidos que o apoiam. Não é justo nem humano que se deixe mais tempo sem clarificação inequívoca a posição face. a um decreto-lei que, se entrar em vigor, é incomportável para a maioria das famílias que atinge.
Como se vê pelo que acabamos de dizer, não se pode concluir que sejam boas as perspectivas no campo da política social por parte deste Governo.
Das promessas eleitorais nada fica, tudo vai para a gaveta! Se não confiássemos profundamente na capacidade de luta dos trabalhadores e dos outros sectores e camadas da população que vão ser atingidos nos seus interesses por este Governo, pela política da direita, diríamos mesmo que as perspectivas de maior justiça social estariam altamente comprometidas.
Mas nós confiamos nessa capacidade de luta e, pelo nosso lado, os Deputados comunistas não pouparão esforços para aqui defender aqueles que, na verdade, mais precisam de defesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para dar um breve esclarecimento à Sr.ª Deputada Zita Seabra e também para lhe pedir um outro.
O esclarecimento que pretendia dar à Sr.ª Deputada era o de que efectivamente este Governo não veio para aqui cair, mas para passar, e portanto não se esgotam no seu Programa as medidas legislativas que estão preconizadas. Designadamente, a Sr.ª Deputada não estranhará que não constem do Programa do Governo, em pormenor, os elementos que hão-de constar da proposta de lei relativa ao Orçamento Geral do Estado.
Portanto, em relação a tudo quanto disse acerca de pensões de reforma, de abonos de família, etc., a Sr.ª Deputada Zita Seabra terá, naturalmente, outra ocasião mais adequada para discutir o problema. Em todo o caso parece-me pelo menos injusto que nos acuse de caçadores de votos, sendo certo que se nós tivemos mais votos do que os senhores, os senhores também andaram à procura de votos por este país.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Tiveram menos, tiveram menos!

O Orador: - Claro que os Srs. Deputados do Partido Comunista entendem sempre que os seus votos são melhores do que os votos dos outros, mas isso é um conceito muito especial e exclusivo do Partido Comunista.

Risos do CDS.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Tiveram menos votos!

O Orador: - Por outro lado, regozijo-me com a preocupação dos Srs. Deputados do Partido Comunista pelos problemas da família. Evidentemente que é ridículo -e peco-lhe desculpa do termo que emprego- que a Sr.ª Deputada pense que estamos preocupados com as tais cem famílias. Naturalmente, pensamos que, se as cem famílias em que pensa são aquelas que nós pensamos, não precisam essas famílias que o Governo se preocupe especialmente com elas, pelo menos em termos de apoio.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - As indemnizações falam por si!

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O Orador: - Mas eu queria perguntar ao Partido Comunista qual é neste momento a sua posição oficial acerca do estatuto da família no direito português. Isto é, gostaria de saber quais são os direitos de intervenção na gestão dos assuntos públicos que reconhece às famílias portuguesas.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, quer responder já ou pretende fazê-lo no final, uma vez que há mais uma outra Sr.ª Deputada inscrita.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tenha a bondade, Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, ouvi com muita atenção a sua intervenção e vou referir um aspecto particular que é relativo ao problema dos deficientes.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra referiu que o Governo não teria em conta os imensos problemas que afectam os deficientes do nosso país. Eu penso que esta é uma referência injusta e que não se justifica, porquanto se sabe de antemão que o Programa do Governo não traz uma listagem exaustiva de todas as suas preocupações. E é evidente que, por vezes, tem de haver uma afirmação genérica não muito especificada, o que não obsta, no entanto, que não esteja na intenção do Governo o conhecimento detalhado de todas essas situações e a resolução desses muitos problemas.
Por outro lado, quero ainda referir que se me afigura também como justa e oportuna a preocupação do Governo em rever a Lei do Ensino Especial. Como a Sr.ª Deputada sabe, o PSD não apoiou a Lei do Ensino Especial aqui votada, com os votos favoráveis do PCP e também com os votos do PS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E os do CDS!

A Oradora: - E com os votos do CDS, também não digo que não.
Como a Sr.ª Deputada Zita Seabra sabe, nós apresentámos um projecto de lei que mostra realmente a preocupação de integrar os deficientes na vida comunitária, não os segregando. É que, ao fim e ao cabo, o Instituto de Educação Especial, criado por essa mesma lei, significa que os deficientes vão ficar sujeitos a um gheto. Eu diria até que os deficientes na nossa sociedade vão como que ficar sob um regime de apartheid. Ora, nós queremos precisamente que os jovens e os adultos deficientes não sejam segregados do convívio com os outros jovens e com os outros adultos. É por isso mesmo que propugnamos a criação de uma estrutura integrada que favoreça essa mesma educação integrada dos deficientes. Ë é essa nossa preocupação que leva a que agora o Governo, no mesmo Programa que referiu, tenha a preocupação de rever a Lei do Ensino Especial. Creio que, com essa revisão, nós poderemos, na verdade, favorecer os deficientes e, portanto, fazer algo que os dignifique, que os torne cidadãos úteis sob o ponto de vista social e que os dignifique como pessoas humanas que são.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para prestar um esclarecimento à Sr.ª Deputada Zita Seabra sobre dois pequenos pontos de pormenor.
De facto, em parte nenhuma do Programa do Governo vem dito, no sector da habitação, que se entregará à iniciativa privada a resolução dos problemas da habitação. Só quem efectivamente pretende ver argueiros no olho do vizinho fará uma imputação desse tipo, visto que é sabido que sem programas do sector público nesse domínio não será possível responder às carências da habitação que, designadamente, os grandes centros urbanos têm. Isto significa que há que implementar programas de promoção directa do sector público e desenvolver formas mistas de implementação dos programas do sector público, designadamente contratos de desenvolvimento.
Em relação à segunda angústia que atormenta a Sr.ª Deputada Zita Seabra, que quer saber qual a posição do Governo sobre o problema da lei das rendas, devo dizer que o Governo já explicitou muito claramente o que entendia sobre essa matéria. Isto é, o Governo já disse que devolve a esta Câmara a responsabilidade de discutir o problema e o Grupo Parlamentar do PSD está perfeitamente à vontade para o fazer, já que não foi deste partido que partiu a iniciativa de tal lei. Ela teve como matriz trabalhos antecedentes feitos pelo próprio Partido Socialista, que foi, portanto, o responsável matricial desse diploma.
Antes, devo dizer que nós estaremos perfeitamente à vontade para discutir a lei das rendas e estaremos perfeitamente à vontade para reconhecer quanto ela contém de injustiça. Estaremos ainda perfeitamente à vontade para reconhecer que não é possível intervir com coerência num domínio como esse sem que se tenha restabelecido a elasticidade do mercado da oferta e da procura no domínio da habitação, sem que se tenham cumprido programas de oferta de habitação e sem que tenha sido possível reconstituir as carências, tarefa a que, neste domínio, só o sector público poderá, a curto prazo, responder.
Estes são os esclarecimentos que pretendia prestar-lhe.

O Sr. Presidente: -Sr.ª Deputada Zita Seabra, pode responder, se assim o desejar.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Srs. Deputados, vou tentar responder muito rapidamente, pois o meu partido tem pouco tempo para intervir.
Em relação à pergunta que o Sr. Deputado Oliveira Dias me coloca, porque no fundo trata-se de uma pergunta que me faz, sobre o que é que eu penso do estatuto da família, tenho apenas a dizer-lhe que nós estamos a discutir o Programa do Governo, pelo que creio seria útil que formulasse essa pergunta ao Governo e, particularmente, ao Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Posso interrompê-la, Sr.ª Deputada?

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A Oradora: - Creio que o importante era sabermos o que o Governo e o Sr. Primeiro-Ministro pensam do estatuto da família.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Posso interrompê-la, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Desculpe, mas é que nós não temos tempo.

O Sr. Oliveira Dias (CDS):. - Sr.» Deputada, a minha pergunta vai ser descontada no meu tempo.

A Oradora: - Então faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Eu estava era interessado em saber qual a posição do Partido Comunista sobre o estatuto da família, até porque a posição do Governo já eu a conheço.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Nós não conhecemos. Aí é que está o problema!

A Oradora: - Sr. Deputado Oliveira Dias, nós não estamos aqui para dar a conhecer as posições do Partido Comunista.

Vozes do CDS: - Ah!!!

A Oradora: - E eu digo-lhe isto: nós, comunistas, e o povo português gostaríamos, sim, de conhecer a posição do Governo e do Sr. Primeiro-Ministro, que até é capaz de ter uma posição interessante sobre o estatuto da família.

Risos.

Quanto aos deficientes, a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo só confirma o que eu disse. É que na verdade, a única preocupação do Programa do Governo é rever uma lei que foi feita. E é neste sentido que pergunto se é justo que esta seja a primeira prioridade. Os deficientes estão fartos de palavras, de discussão, e até de discussão parlamentar. Eles querem actos que solucionem os seus problemas. E foi isso mesmo que eu disse na minha intervenção.
Quanto à questão da habitação e à revisão da lei das rendas de casa, tenho a dizer que o Sr. Deputado Castro Caldas também não acrescentou nada às interrogações que eu tinha colocado.
O Governo ainda nada disse até agora e, por sua vez, o Sr. Primeiro-Ministro remeteu o problema para o Programa da Aliança Democrática, que nada tem sobre o decreto-lei das rendas de casa. Eu tenho aqui o Diário da Assembleia da República, pelo que lhe posso mostrar a citação, se quiser.
Portanto, o Sr. Primeiro-Ministro remeteu o problema para o Programa da Aliança Democrática, que aliás, não tem uma linha sobre a questão.
O Sr. Primeiro-Ministro, aliás, está a dizer que sim.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Eu não disse nada, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Não disse? Então desculpe, pareceu--me que tinha dito que sim.
Mas, como já disse, posso mostrar-lhe o Diário da Assembleia da República que contém as afirmações que eu citei do Sr. Primeiro-Ministro.
Fico satisfeita por saber que o PSD está aberto à revisão desse decreto-lei, de que foi, aliás, pedida a ratificação pelo meu grupo parlamentar e pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista, mas era bom que desde já clarificasse em que sentido pensa fazer essa revisão. É precisamente isso que os inquilinos querem. A ameaça paira sobre eles e, portanto, querem saber, já que há uma maioria nesta Câmara que certamente vai decidir o futuro desse decreto-lei, o que vai ser feito e o que se vai passar, no concreto, em relação a um problema tão grave e que os aflige tanto, como é o problema das rendas de casa.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Peço a palavra para um esclarecimento muito rápido, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): -A Sr.ª Deputada Zita Seabra acaba de dizer que o programa eleitoral da Aliança Democrática nada diz sobre a questão das rendas de casa e eu quero lembrar à Sr.ª Deputada que não é bem assim.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O decreto, o decreto!

A Oradora: - A Sr.ª Deputada está apenas a referir-se às políticas globais do Programa da Aliança Democrática, não tendo em conta toda a parte das medidas concretas. Note-se que na versão integral do Programa consta, muito concretamente, a revisão da lei das rendas de casa.
De resto, o seu partido sabe isto muito bem porque tive ocasião de ter um debate na Televisão com Deputados de todos os partidos, incluindo o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, que representava o Partido Comunista nessa ocasião, e foi dito, pela nossa parte que a Aliança Democrática pretendia a revisão da lei das rendas de casa. E na altura até, em público e perante as câmaras, os partidos presentes no debate assumiram um compromisso no sentido de, uma vez acabadas as eleições e constituída a nova Assembleia, se proceder a um amplo debate público sobre essa matéria.
É isso que a Aliança Democrática quer fazer porque pensa que esta é uma matéria demasiado complicada e em que há interesses opostos, pelo que, de facto, entendemos que os inquilinos, os senhorios e todas as partes interessadas neste processo têm de ser ouvidas, tem portanto de haver um debate público. Assumimos esse compromisso na campanha eleitoral e vamos mantê-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra apenas para fazer um pequeno reparo à intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Presidente. - Faça favor, Sr.ª Deputada.

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A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - É que, efectivamente, a revisão da lei tornará possível a articulação entre serviços que a lei anteriormente aprovada aqui na Assembleia torna complexa, demorada e difícil. Por isso, a resolução desses mesmos problemas pressupõe a criação de estruturas próprias e adequadas, inseridas no próprio Ministério, que facilitem a resolução dos problemas existentes.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Peço a palavra para um curto esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Castro Caldas (PSD): -É que a Sr.ª Deputada Zita Seabra acabou de dizer que o Sr. Primeiro-Ministro, na sua intervenção, tinha remetido a apreciação do problema para o Programa do Governo e citou-me a acta da sessão, mas estou convicto de que efectivamente a afirmação feita pelo Sr. Primeiro-Ministro era que o problema estaria em debate nesta Câmara e, portanto, seria a esta Câmara que o problema teria sido remetido, mantenho a afirmação que fiz.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro Ministro e Srs. Membros do Governo: Ao usar pela primeira vez da palavra nesta Casa quero, antes de mais, cumprir o dever, que me é grato, de desta bancada dos independentes reformadores, compartes dado o acordo com o PSD, da maioria parlamentar, saudar todos os legítimos representantes do povo português nesta Assembleia democrática e pluralista, só tornada possível pela Revolução de Abril, o corajoso levantamento militar que fez realidade esse sonho de anos e anos seguidos de conquista das liberdades por parte de mais de uma geração de lutadores contra o longo domínio de sucessivos Governos da reacção e de um certo modelo de totalitarismo antiliberal e antidemocrático que privara a grande maioria dos portugueses dos seus mais elementares direitos de cidadania...

Aplausos da maioria parlamentar.

... desses mesmos direitos, que os idealistas e os liberais da I República tiveram a grande ventura de usufruir a, partir da data gloriosa de 5 de Outubro de 1910, até que uns outros militares implantaram no País, em 28 de Maio de 1926, servindo-se de um infeliz desprestígio do parlamentarismo, esse nefasto regime de ditadura que teve artes de se impor, pela opressão e pelo vexame, durante quase meio século, em Portugal!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Permito-me ainda realçar, aqui, a esperança -que anima os independentes reformadores e, estou certo, os próprios partidos da Aliança Democrática - em que, com base em bem justificadas alterações à lei eleitoral, se torne possível, pelo voto da grande maioria desta Assembleia, atribuir-se--lhe uma maior representatividade, ao permitir-se que os representantes da vontade popular, já nas próximas eleições sejam eleitos não apenas através da prévia e tantas vezes limitativa escolha dos partidos, sejam estes quais então forem, mas, simultaneamente e com toda a razão de ser, através da escolha livre e responsável dos próprios eleitores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Vou passar à análise de certos aspectos inerentes ao Poder Judicial, colocando ao Governo algumas questões:
Estabelece a Constituição vigente que os tribunais são os Órgãos de Soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo e logo declara incumbir aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados. Daí que haja de entender-se que no perfeito equilíbrio do Poder Judicial com os restantes órgãos do Poder Político e no prestígio, independência, eficácia e regular funcionamento da máquina judiciária resida, em democracia, a garantia dos cidadãos, já que as decisões dos tribunais são incontroversamente obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecentes sobre as de quaisquer outras autoridades.
Daí, também, que um Poder Judicial, com perfeita organização e total capacidade para a realização do primado do direito, constitua aquela firme segurança, sem a qual não é viável a manutenção do Estado de direito, democrático, pluralista e justo, que se quer para Portugal.
Eis porque o Movimento Reformador, e com ele os Deputados independentes reformadores que me honro de, nesta breve intervenção, representar, esperam do Governo uma criteriosa actuação no sentido de uma profunda .revisão que proporcione o aperfeiçoamento e a valorização da organização judiciária e de algumas leis fundamentais do nosso sistema jurídico, integrada na esperada reforma do nosso Poder Político republicano e democrático.
Por isso, o entendimento da necessidade de se colocarem ao Governo, no âmbito do Ministério da Justiça, algumas perguntas que se nos afigura poderem contribuir para o esclarecimento de dúvidas prevalecentes nesta matéria. Assim:
- Sabido que a administração da Justiça, dado o mais que insuficiente número de juízes, conjugado com a sua errada equiparação em vencimentos com a -magistratura do Ministério Público, está profundamente afectada na sua eficácia e no seu prestígio, como vai o Governo enfrentar e remediar tão grave situação?
Unificará as duas carreiras, regressando ao sistema clássico fundado na sua colaboração, sem perda de independência de ambas as funções a bem da justiça? Que medidas tomará, para além da anunciada criação de tribunais de competência específica ou especial, previstos no artigo 213.º da Constituição, e do alargamento, duvida-se se com vantagem, da jurisdição de juízes a mais de uma comarca?
Vai o Governo rever e actualizar a remuneração, manifestamente insuficiente, pelo menos dos juízes da 1.ª instância, por forma a conceder-lhes um mínimo de condições económicas indispensáveis a uma real independência e disponibilidade para, com a ne-

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cessaria capacidade, exercerem a séria e responsável missão que lhes incumbe de decidirem dos direitos e obrigações, dos crimes e das responsabilidades, das violações da legalidade democrática e dos interesses e conflitos, tanto públicos como privados, sujeitos ao seu veredicto?
Vai o Governo criar novas comarcas, logo que aumente o número de juízes, desde que interessados no exercício da função?
Vai o Governo criar métodos conducentes a uma melhor preparação de jovens funcionários de justiça, aptos e devidamente habilitados a serem colocados nos tribunais onde a sua falta se faz sentir manifestamente?
Vai o Governo procurar que se construam novas instalações, onde certos tribunais possam passar a funcionar com um mínimo de dignidade?
Vai o Governo rever, também a remuneração e o número de oficiais de diligências, por forma a apressar & garantir uma mais profícua e pronta actuação no sentido da celeridade que logo aí se obtém?
Refere o Programa do Governo a intenção de ser simplificado o processo civil, o que, conjuntamente à adopção de dispositivos dissuadores de uma litigância excessiva, ajudará à normalização do sector da administração da justiça ...
Não receia, entretanto, o Governo, com isso, comprometer-se numa simplificação e aceleração processuais que ponham em causa e certeza do direito ou numa irrazoável limitação de litigância por parte de quem é injusta ou irrazoavelmente, demandado?
Vai O Governo criar tribunais sociais e um serviço social de assistência judiciária através do qual, ao mesmo tempo que se conceda a consulta e o patrocínio gratuito a quem dele comprove carecer, por falta de meios económicos, se promova o estágio remunerado dos novos candidatos aos profissionais do foro?
Tem o Governo a intenção de, muito justificadamente, quer através de um maior concurso da receita proveniente da procuradoria judicial quer por outros meios, enfrentar a situação precaríssima em que os profissionais do foro se vêem colocados ao reformarem-se, ao fim de largos anos de trabalho, por atingirem uma, incapacidade ou uma muito avançada idade?
Confia-se, finalmente, em que o Ministério e o Governo em geral, assumam posição muito firme na promoção e defesa dos direitos do homem e da legalidade democrática, no sentido de autêntica instituição de um Estado de direito em Portugal.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Confia-se, aliás, na reconhecida capacidade e competência do ilustre titular da pasta da Justiça, a fim de da acção do Ministério resultar a eficácia até agora não verdadeiramente obtida em anteriores Ministérios e de que o País tanto carece essencialmente nos serviços judiciais e prisionais policiais adstritos e nos de notariado e registos.

Aplausos da maioria parlamentar,

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O sector das pescas tem, na nossa opinião, uma grande importância no desenvolvimento económico do nosso país. Vem este sector, desde os tempos de Tenreiro, atravessando uma grande crise. A seguir ao 25 de Abril ainda se tentou dar algum desenvolvimento ao sector, mas na altura em que se podia começar a avançar vieram os Governos de direita e começaram a agravar a situação e neste momento está como nós conhecemos.
É com bastante preocupação que lemos este Programa de Governo e vimos que o Governo, conforme toda a sua política, é pela entrada na CEE. O Governo parece não se preocupar com as previsíveis consequências que pode acarretar para as pescas portuguesas a sua determinação de integração na CEE. Nem uma só palavra revela preocupações a esse respeito. Será que as consequências serão todas benéficas? Vejamos.
Hoje estamos a braços com uma diminuição das capturas, uma vez que têm diminuído as quotas que internacionalmente nos são atribuídas. A essa diminuição impõem-se um grande esforço na procura de novos pesqueiros estrangeiros e no aumento das capturas na nossa zona económica e nas nossas doze milhas. É isso que podemos esperar da integração no Mercada Comum? De maneira nenhuma. Com a integração, a exploração das nossas duzentas milhas passa a depender não da vontade de Lisboa mas de Bruxelas. E quanto a pesqueiros estrangeiros, também as negociações serão conduzidas colectivamente pelos mesmos senhores. Não admira, portanto, que o Programa nem sequer faça referência a estes problemas, que põem em causa não só a subsistência alimentar dos Portugueses como até a própria soberania nacional. Naturalmente que não vamos atribuir isto a uma incompetência ou desconhecimento dos responsáveis. Temos: por seguro que esta orientação é consciente e deliberada exactamente com vista a satisfazer a vontade dos capitalistas da Europa. Não admira, pois, que o Governo não só cuide de fazer uma ocupação dinâmica das duzentas milhas, mas, ao contrário, aponte como objectivo a diminuição das frotas. Política que muito viria prejudicar a alimentação do nosso povo e a agravar ainda mais o desemprego.
Isso não lhe interessa: a submissão do Governo aos interesses estrangeiros sobrepõe-se. De resto, esta atitude é constante no Programa das pescas.
A indústria conserveira atravessa uma crise enorme - o Governo nem sequer emprega a palavra «conservas». Os novos países africanos, em especial Angola, Moçambique, e Guiné, cujas águas são tão ricas, vêem tanto interesse na colaboração português, com mútuas vantagens - o Governo nem refere esta questão. Pensamos que a melhoria da produtividade do sector depende em grande medida da formação profissional que seja dada aos homens do mar - o Governo não diz uma palavra sobre isto. O problema de abastecimento de peixe ao País não se resolve sem o crescimento da rede de frio e do combate à especulação feita diariamente pelos intermediários, não se resolve, mas o Governo, também aqui, não dedica uma única linha a este problema. A exploração da pesca nas águas interiores é uma grande via para melhorar a qualidade da nossa alimentação - mas o

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Governo ignora pura e simplesmente a aquacultura. As cooperativas de pesca debatem-se com grandes dificuldades causadas pela ruinosa política de crédito seguida pelos últimos Governos - mas o Governo passa por cima disso. As condições de trabalho dos pescadores a bordo são duras, e quantas vezes desgraçam, a nossa saúde, designadamente na pesca longínqua - mas o Governo não diz uma palavra sobre a necessidade, por exemplo, de um navio-hospital de apoio à nossa frota pesqueira longínqua.
Enfim, que se pode esperar de um Governo destes, que colocou à cabeça da Secretaria de Estado das Pescas o mesmo homem que nos Governos Nobre dá Costa e Mota Pinto até impôs a paralisação da nossa frota durante vários meses, o que mereceu a coordenação da Assembleia da República, por acarretar ao País milhares e milhares de contos de prejuízo, ou que aproveitou a sua ocupação daquela pasta para vender a armadores privados e a preço de sucata duas das melhores unidades da pesca do sector nacionalizado?

Aplausos do PCP.

É comprovado que este Governo se volta de costas para os interesses dos pescadores, dos conserveiros, dos trabalhadores do sector; de costas voltadas para os interesses e necessidades do desenvolvimento da economia portuguesa, de costas voltadas para as necessidades dos consumidores portugueses que cada vez terão menos peixe e mais caro, enquanto os estrangeiros comerão o peixe das nossas aguas.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - É por tudo isto e muito mais que este Governo é repudiado pelos pescadores e pelo povo trabalhador do nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo:

Afirma o Governo da AD que finalmente vai iniciar a mudança para melhor das condições de vida do povo das regiões rurais e dos trabalhadores da terra. Justo é, portanto, perguntar por que não existe nenhuma palavra de apoio às reivindicações de centenas de milhares de assalariados agrícolas e resineiros de todo o Norte e, Centro e, em particular, do Douro. Na verdade, o Programa do Governo finge ignorar que a esmagadora maioria desses trabalhadores continua a ser tratada como sendo trabalhadores e portugueses de segunda classe, vivendo de salários miseráveis e privados dos mínimos direitos, sem protecção contra os despedimentos, sem direito a férias e à inscrição na Previdência ou mesmo sem o simples direito ao dia de trabalho de oito horas. Não há uma linha neste Programa onde seja reconhecida esta situação injusta e vergonhosa que permite aos grandes lavradores e proprietários explorarem sem dó quem para eles trabalha.
Encontramos, sim, ameaças claras, compromissos «firmes» de aplicar a Lei da Reforma Agrária em vigor, entregando a terra aos grandes latifundiários.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Mas essa vontade de cumprir a lei desaparece quando se trata do cumprimento da portaria para o sector rural que garante os mínimos direitos aos trabalhadores agrícolas, mas que os grandes lavradores e casas agrícolas não respeitam nem aplicam a não ser por força da luta dos sindicatos.
Na verdade, depois das promessas eleitorais e das melhorias prometidas pelo Programa, são de novo desprezados os trabalhadores, mais explorados e sacrificados do campo. Poderá o Governo desculpar este esquecimento com a difícil situação dos pequenos e médios agricultores, muitos dos quais lhe deram o seu voto?
Mas, além de frases pouco claras e apesar das boas intenções afirmadas pelo Governo de direita, quando, por exemplo, fala de melhorar o crédito, volta a esquecer-se de tomar posição acerca do acordo entre o Banco Mundial e o Governo PS/CDS, a partir do qual os Governos do País ficaram obrigados a negar o crédito acessível aos camponeses do Norte e Centro, além de se comprometerem a emparcelar a terra nesta região.
O Governo da AD diz respeitar a propriedade e a vontade dos pequenos e médios agricultores e só defender o emparcelamento com o acordo dos interessados, mas então onde está a posição deste Governo perante o emparcelamento à força de largos milhares de camponeses e rendeiros do vale do Mondego, da cova da Beira e da zona do Cachão que se prepara, a mando da Europa dos monopólios e no interesse dos grandes proprietários? Ao mesmo tempo promete assegurar, a preços justos e antecipados, o escoamento dos produtos agrícolas: compromete-se, então, nesta Assembleia, a escoar a preços dignos o vinho dos agricultores, que os intermediários querem pagar a 7$50 por litro?
Atém disso, teria de ser posto fim às negociatas dos importadores e exportadores apodados pelo presidente da Junta Nacional dos Vinhos, que trouxeram para o País, sem necessidade, muitos milhares de hectolitros de vinho estrangeiro a preço de concorrência ruinoso para os camponeses de Portugal.
Mas não, nem crédito nem escoamento á preço justo, para o Governo só contam os interesses dos grandes agrários e negociantes, dos homens da CAP. Arruinando lentamente os pequenos e médios agricultores, o Governo prepara o roubo das terras dos pequenos, a constituição de novos latifúndios e latifundiários no Norte e Centro. Prepara também o roubo dos baldios ao povo, a entrega dessas terras comuns às autarquias da direita, aos compadres que com elas irão fazer grandes negociatas, como nos tempos do fascismo, e prepara-se para facilitar ainda mais a exclusão dos rendeiros das suas terras e casas, negando-lhes o direito ao pão, ao tecto e à terra desbravada e mil vezes paga com o suor e as rendas de muitas gerações de camponeses sem terra.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - É um sério aviso para os camponeses que entre os primeiros actos do Governo de Sá Carneiro esteja a suspensão dos aumentos das reformas e assistência já publicadas pelo anterior Governo.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Não é verdade!

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O Orador: - Os velhos trabalhadores do campo, esgotados e doentes, que os caciques da AD trouxeram pela mão para votar na direita, serão os primeiros a ser atingido por este Governo profundamente reaccionário, mas encoberto com a capa da democracia e do respeito pelas necessidades dos pobres, quando este lhes negar o aumento imediato das suas pensões.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Anuncia o Governo que vai resolver o problema das indemnizações às vítimas das cheias e instituir um verdadeiro seguro de colheita, promete, e talvez dê, algumas migalhas, mas mais depressa de que olhar pelas necessidades, do povo prepara a entrega de 100 milhões de contos, 100 milhões de contos de indemnização aos grandes capitalistas expropriados no 25 de Abril.
Este dinheiro é necessário para desenvolver as regiões rurais, criar lá indústrias, melhorar o crédito e modernizar a agricultura, é necessário para levar a saúde, a instrução e a cultura ao povo dos campos.
E a verdade é que o Governo se prepara também para revogar a Lei do Serviço Nacional de Saúde, o que significa procurar manter os privilégios dos barões da medicina e impedir que sejam enviados para o interior os médicos e especialistas necessários.

O Sr. Carlos Macedo (PSD): - Olhe que não!

O Orador: - Finalmente, defendendo a entrada para o Mercado Comum, isto é, abrindo as nossas fronteiras à importação sem taxas dos produtos agrícolas do capitalismo europeu, este. Governo prepara a ruína em massa de centenas de milhares de camponeses.
A UDP, hoje como sempre, fará desta tribuna um apoio para a luta e a resistência dos trabalhadores agrícolas e camponeses em luta pelo pão, pela terra e por condições de vida dignas e livres e denunciará sem medo os inimigos dos trabalhadores do campo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Apesar dos crimes e de toda a espécie de arbitrariedades dos governos, dos latifundiários e da GNR, apesar da cedência e da capitulação daqueles que se dizem os seus defensores, a Reforma Agrária, essa grande conquista de Abril, continua bem levantada na luta e no trabalho dos assalariados rurais do Alentejo e Ribatejo. O Programa do Governo para a Reforma Agrária, parecendo ambíguo, tem, no en-, tanto, um frio objectivo: a destruição da Reforma Agrária e a entrega de terras aos grandes reservatórios capitalistas e latifundiários. Este objectivo aponta para quatro direcções: aumentar a entrega de reservas «dentro da aplicação equilibrada da Lei 77/77»; alteração para -pior, já se vê, da Lei Barreto, na perspectiva da integração europeia; apoio do IFADAP que é um organismo criado por exigência do FMI, para controlar a nossa agricultura e pescas; racionalização dos serviços do MAP, no sentido de colocar lá maus técnicos lacaios dos latifundiários. Escusa, pois, o Governo de vir com demagogia da aplicação equilibrada da Lei 77/77. Os seus objectivos são claros e os trabalhadores não se deixarão enganar.
A UDP coloca-se ao lado dos assalariados rurais na sua heróica luta para defender a Reforma Agrária. A UDP levanta bem alto as reivindicações mais sentidas pelos trabalhadores do Alentejo e Ribatejo: revogação da odiosa Lei Barreto que, a ser aplicada, destruirá a Reforma Agrária; suspensão da entrega de reservas aos latifundiários; apoio do Estado às cooperativas e UCP's; livre comercialização da cortiça por parte das UCP's e cooperativas, acabando-se com o autêntico escândalo que é o roubo peio MAP da cortiça que pertence aos trabalhadores.
A UDP exige o conhecimento público dos resultados do inquérito aos acontecimentos de Montemor...

Aplausos do PSD.

... em que a GNR assassinou dois trabalhadores rurais.
Não quero perder tempo. Aproveito, no entanto, para dizer que não reconheço esses aplausos porque a GNR actua em apoio dos interesses que os Srs. Deputados defendem.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Pode alguém silenciar estas reivindicações argumentando que são irrealistas? Seguramente que não. Silenciar tais reivindicações não é mais do que ceder e capitular perante os latifundiários e o Governo. A UDP levantará bem alto a bandeira da defesa da Reforma Agrária e lado a lado com os trabalhadores do nosso país e, sobretudo, com os assalariados rurais lutará para que a Reforma Agrária avance e o Governo reaccionário, os latifundiários parasitas e as forças repressivas que a sustentam, como a GNR, sejam derrotados.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Quanto ao sector das pescas: Vai ou não o Governo promover o saneamento financeiro das empresas?
Em Dezembro, o Governo Pintasilgo havia feito uma resolução ordenando um rápido estudo, entre outras, à CNN, CTM e CPP para o seu urgente saneamento; Vai ou não o Governo renovar a frota? Criará ou não um esquema de créditos bonificados e subsídios para compra de navios? Até à renovação os fretamentos serão feitos a casco nu, com tripulação portuguesa? Vai o Governo permitir que o sector privado - Econave, Mutualista Açoreana, Componave, Naveiro que têm ao todo nove pequenos navios, possa fretar navios estrangeiros livremente, em prejuízo das empresas nacionalizadas, o que contraria a Constituição e a própria Lei da Delimitação do Sector Público e Privado, aprovada pelo PPD e pelo PS na Assembleia da República?
Por que não se fazem esses fretamentos, a casco nu, pelas empresas nacionalizadas até à renovação da frota? A resposta é simples: trata-se, assim, de conteúdo a Lei 75-U/77, que obriga a que as importações e exportações das empresas públicas sejam feitas por armadores portugueses, já que estes quatro armadores são essencialmente agentes de companhias estrangeiras! Os poucos navios que têm não passam de uma capa. A AD, que tanto apregoa a independência nacional, vai ou não renovar as frotas de

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comércio e pesca nos estaleiros nacionais? Ou, pelo contrário, vai entregar os transportes marítimos às grandes frotas estrangeiras, sacrificando a nossa independência, as nossas poucas divisas e os trabalhadores do sector?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em relação aos assuntos sociais -saúde e segurança social -, constata-se que tudo quando se diz no Programa do Governo não passa de generalidade, de afirmações demagógicas e propositadamente ambíguas, com o objectivo implícito de permitir, também no domínio dos assuntos sociais, a perpetuação da injustiça social Nomeadamente no domínio da segurança social, são minimamente apontados alguns aspectos de previdência e assistência social, mas desde logo se faz depender a metologia do sistema de segurança a adoptar da legislação vigente na CEE.
Ao referir-se o Programa às instituições privadas de solidariedade social, cujo artigo 63.º da Constituição da República Portuguesa só permite desde que sejam não lucrativas, regulamentadas por lei e sujeitas à fiscalização do Estado, a referência às Misericórdias, com a «reparação dos prejuízos causados pela transferência forçada de patrimónios para o Estado», demonstra bem o desejo do Governo de regresso ao passado, a um tipo de assistência reaccionária, carita-tivo-fascista.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Um programa válido de segurança social, objectivamente ao serviço dos, carenciados, teria de, concretamente, determinar o pagamento das dívidas à Previdência por parte do patronato e do Estado, bem como garantir verbas justas, actualizadas anualmente de acordo com o aumento do custo de vida, para o subsídio a todos os desempregados, para as pensões, reformas e abono de família. Haveria ainda que não deixar à margem do sistema de segurança social os emigrantes e os desalojados.
Relativamente à saúde, o artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa consagra o direito de todos os cidadãos, preconizando, em linhas gerais, como concretizar esse direito; no Programa só situações genéricas são referenciadas, em manifesta intenção de nada objectivar, ignorando-se que, conceptualmente, saúde não é apenas a existência de uma situação de total bem-estar físico, psíquico, económico e social, mas também o estado de equilíbrio entre o ser humano e o meio em que vive.
E, quando no Programa do Governo se exprime a intenção de rever a Lei do Serviço Nacional de Saúde, conhecidas que são as posições dos partidos integrantes da Aliança, importa denunciar nesta Assembleia, perante o povo português, que tal significa acabar com uma das conquistas mais importantes do pós-25 de Abril - as massas trabalhadoras, o povo português, tal não permitirão.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - A UDP, nesta Assembleia, exige a efectivação, na prática, do Serviço Nacional de Saúde aprovado, embora em relação ao mesmo mantenha as suas posições críticas.
A assistência materno-infantil, o planeamento familiar, a descriminação e legalização do aborto, bem como o serviço médico à periferia, são pontos omissos no Programa do Governo, em relação aos quais, dada a importância dos mesmos, terá de exigir-se explicação concreta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No capítulo dos transportes, o Programa resume um conjunto de generalidades em apenas duas páginas, o que ilustra bem a importância que o Governo se propõe não dar a este sector. Embora admita que cabe ao Estado assegurar a satisfação das necessidades, públicas de transportes e comunicações, não é apontada uma única medida destinada a garantir aquele objectivo. Num sector em que as empresas públicas têm grande peso e poderiam contribuir para uma política coordenada no sector de modo a satisfazer as necessidades do povo, o Governo esgota as suas propostas num ataque desenfreado às. empresas nacionalizadas e a quantos nelas trabalham, responsabilizando-os pela sua situação, deficitária. E isso é tanto mais injusto quanto é sabido que o balanço da Rodoviária Nacional em 1 de Junho de 1978, resultante da adição dos balanços de cada uma das ex-empresas na mesma data, apresentou um prejuízo da ordem de 1 298 000 contos e um montante de dívidas, já vencidas ou a vencer a curto prazo, da ordem dos 2 759 000 contos. Por outro lado, 39% da frota tinha mais de dez anos e 20% mais de quinze anos E quanto à ferrovia, as nacionalizações, encontraram material circulante e infra-estruturas obsoletas e um deficit crónico na CP, que se tinha acumulado desde, 1941, da ordem dos 8 milhões de contos.
Por outro lado, os custos dos transportes não são consequência da baixa produtividade dos trabalhadores, que tem vindo a aumentar, mas sim ouvidos ao aumento dos combustíveis, aos aumentos, brutais do custo do material circulante e das peças importadas - intimamente ligados à desvalorização do escudo -, assim como à alta constante das taxas de juro. E disso não são responsáveis os trabalhadores, mas a política dos anteriores, Executivos, que este gostosamente quer continuar.
Ao atribuir as responsabilidades do mau funcionamento dos transportes às empresas nacionalizadas, o Governo ignora que o transporte rodoviário de mercadorias no País é quase exclusivamente privado e que é nesse sector que se verificam grandes anomalias, grandes desperdícios, resultado da ausência de urgente regulamentação do sector, que o Programa nem sequer refere..
No fundo, o Governo estuda o sector dos transportes como qualquer empresário e ainda por cima de vistas curtas: é preciso limitar tudo aquilo que dá prejuízo, mesmo que seja essencial ao povo. Por isso, o Governo já não fala do alargamento do passe social à região do Porto, que a AD defendeu com tanto entusiasmo no seu programa eleitoral. Por isso, o Governo nem refere a necessidade de incrementar a ligação às zonas pobres do Centro e do Norte do nosso país. O seu critério de rentabilidade reserva-lhes, seguramente, o corte das linhas de caminho de ferro, em muitos casos a sua única ligação com o mundo. Por isso, o Governo não fala do transporte escolar e do destino dos 113000 alunos que neste momento beneficiam dessa conquista do 25 de Abril.
Quanto ao sector da habitação, estamos seguramente perante o pior programa desde o 25 de Abril.

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Para além das generalidades que são uma constante deste programa, nada se diz quanto ao efectivo apoio às associações de moradores e ao SAAL. Nada se diz quando à reestruturação do Fundo de Fomento da Habitação e à garantia de emprego para os seus trabalhadores. Nada se diz quanto às rendas de casa e à urgente promulgação de uma nova lei de solos, que garanta um rápido e eficaz combate aos especuladores. Enfim, um programa coerente com este Governo e esta maioria - nenhumas medidas para garantir o direito à habitação do povo português.
No sector do trabalho, este Governo esboçou toda uma política ambígua para melhor escamotear o objectivo principal da sua acção governativa - atacar os direitos e as conquistas dos trabalhadores, legislando e tomando as medidas práticas necessárias à acção revanchivista do grande patronato reaccionário e ao grande capital.
Não tenhamos quaisquer ilusões. Este Governo vai tentar materializar todas as medidas já apontadas pelo odiado Governo Mota Pinto -o Ministro do Trabalho é o mesmo- e avançar outras igualmente lesivas dos direitos dos trabalhadores. De entre essas medidas ressalta a revisão da Lei Sindical e de parte importante da legislação de trabalho -o resto é demagogia pura -, cujo objectivo último é permitir e acelerar um conjunto de medidas que dificultem a acção e a liberdade sindical nas empresas e a luta por melhores salários que reponham, pelo menos, o poder de compra dos trabalhadores, ou que tentem enfraquecer a sua unidade contra as prepotências patronais e contra a exploração.
Igualmente, com a pretendida revisão da legislação laborai, o Governo submete-se às exigências cada vez mais arrogantes do grande capital ligado à CIP, CAP e ANEOP, que pretendem destruir as conquistas dos trabalhadores tão duramente conquistadas e recuperar os antigos privilégios.
A revisão apontada, apesar de não ter sido claramente explicitada, irá incidir particularmente na pouca legislação favorável aos interesses dos trabalhadores aprovada no anterior Parlamento.
Srs. Deputados: A UDP e os trabalhadores portugueses lutarão vigorosamente por todas as formas e acções para que essa revisão não seja levada à prática.
Nomeadamente, lutarão contra a revisão: da Lei Sindical, não permitindo uma nova lei que favoreça o divisionismo e o asfixiamento burocrático dos sindicatos; da lei que permite a livre negociação, contra a imposição de qualquer tecto salarial; da Lei n.º 68/79, que protege os representantes dos trabalhadores face aos despedimentos e à repressão patronal.
Por outro lado, a UDP e os trabalhadores exigem do Governo a revogação das seguintes medidas lesivas dos seus direitos e interesses: Lei dos Despedimentos, garantindo o direito ao trabalho; Lei dos Contratos a Prazo, impedindo o seu abusivo e prepotente pelo patronato como meio de impedir o emprego efectivo e permanente
E exigem ainda as seguintes medidas, que garantam efectivamente aos trabalhadores: direito à contratação colectiva, sem qualquer discriminação, incluindo as ilhas; publicação imediata de toda a contratação colectiva estagnada no Ministério do Trabalho; pagamento de salários e subsídios em atraso pelo patronato; pagamento justo dos salários aos trabalhadores das ilhas dos Açores, cujas empresas não podem funcionar de momento, devido ao recente cataclismo; proibição de despedimentos sem justa causa; reintegração de todos os dirigentes, delegados e activistas sindicais e membros das comissões de trabalhadores despedidos ou suspensos por motivos político-sindicais; direito à organização sindical nos estabelecimentos fabris militares; proibição imediata das milícias patronais e castigo exemplar dos responsáveis.
Os trabalhadores sabem, porém, que este Governo não irá responder às suas reivindicações, por este Programa e este Governo defenderem interesses de classe opostos aos dos trabalhadores. Na verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, deste Governo, e desta maioria de direita que o apoia, ligada aos interesses do grande patronato, os trabalhadores e o povo não esperam nada de bom, mas sim uma política antioperária e antipopular, contra a qual os trabalhadores vão lutar no sentido de travar a sua ofensiva reaccionária.
Com o sentimento cada vez mais forte da necessidade de unidade e de luta contra este Governo, os trabalhadores portugueses vão encetar todas as acções que façam fracassar esta política.
O Governo não desconhece que não tem a esmagadora maioria dos trabalhadores com ele, nem desconhece qual foi o fim do Governo Mota Pinto; sabe portanto, qual será o seu fim.
Estes factos são importantes para lembrar a este Governo que não irá ter descanso por parte do movimento operário e popular e das forcas democráticas deste país. Assim o exigem largas centenas de milhares de trabalhadores, fartos de miséria, opressão e injustiça, que anseiam e lutam pela sua emancipação, por um Portugal de Abril, pelo socialismo.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Tal como foi aqui já referido por camaradas meus, este Governo coloca-se numa posição de clara hostilidade para com os trabalhadores e a Constituição da República, enveredando pela recuperação dos privilégios de monopolistas e agrários e pelo agravamento da política já definida por anteriores Governos, cujas consequências são bem conhecidas. Tal torna-se bastante evidente ao conhecerem-se as medidas que preconiza para a agricultura e particularmente pára a Reforma Agrária. É, de resto, bem significativa a ausência da expressão «Reforma Agrária» em todo o Programa, a não ser quando anuncia a elaboração, de uma nova proposta de lei de bases gerais. A direita sempre pretendeu a destruição da Reforma Agrária e a reconstituição dos latifúndios. E só assim se compreendem, na verdade, as ilegalidades, as arbitrariedades, a violência, cometidas anteriormente por Governos onde já pontificavam personalidades que de novo integram este Governo ou o apoiam. Foram as devoluções e reservas ilegais; foi a fuga ao pagamento de centenas de milhares de contos de cortiça pertencente aos trabalhadores; foi o quase total corte de crédito; foi a ausência de qualquer apoio técnico; foi o não pagamento de milhares e milhares de contos de subsídios de motomecanização e outros; foi. enfim,

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a inexistência total de qualquer ajuda aos trabalhadores, para hoje se vir argumentar com a sua incapacidade para a gestão das terras integradas nas unidades colectivas de produção agrícola.
Mas nem assim conseguiram que os trabalhadores deixassem de produzir, de investir, de construir creches e cantinas e fossem bem mais longe do que os agrários enquanto possuidores da mesma terra e com reconhecido apoio governamental.
De resto, que é que os agrários fizeram até agora nos mais de 200 000 ha das melhores terras que lhes foram entregues? Será que tal terra está a ser devidamente aproveitada? Que é feito das 40000 cabeças (fé gado e das máquinas usurpadas às cooperativas? Qual tem sido, afinal, o resultado da política até agora seguida? E parece oportuno perguntar ainda: pretende ou não este Governo cumprir as decisões dos tribunais, entregando às UCPs e cooperativas agrícolas as terras que ilegalmente lhes foram retiradas? Vai ou não este Governo proceder ao pagamento das dívidas que tem para com os trabalhadores, nomeadamente as referentes à cortiça, a subsídios, a frutos pendentes, a investimentos, etc.?
O Programa do Governo, referindo-se ao regime do uso da terra, evitando assim utilizar qualquer expressão que melhor anunciasse os seus verdadeiros propósitos, aponta algumas medidas que, pela sua importância e gravidade, desejamos salientar.
Está neste campo a referida «ultimação aos processos de devolução e de reserva». Refere-se, a este respeito, a «aplicação firme e equilibrada da Lei n.º 77/77». Interessa que o Governo claramente refira o que pretende. A ilegalidade, a corrupção e a violência, a que Governos anteriores têm recorrido e que este se propõe agravar, com vista a destruir a Reforma Agrária e a reconstituir os latifúndios, não poderiam ser melhor testemunhadas do que pelo anúncio de que irá ser elaborada uma proposta de lei para alteração da Lei Barreto.
Se recordarmos que o Sr. Engenheiro Goulão, em Julho de 1979, dizia, na Conferência da FAO, ser necessário regulamentar processo de extinção das unidades colectivas de produção agrícola e nomear as respectivas comissões liquidatárias; conhecendo-se também a posição do CDS e da CAP, hoje aqui bem expressa pelo seu representante, Sr. Deputado José Casqueiro, quanto à Lei Barreto, tal proposta não aparece assim de surpresa, antes faz prever o agravamento da política de violência contra os trabalhadores da Reforma Agrária.
O argumento de que tal situação decorre da perspectiva de integração europeia, aparece-nos, assim, despropositado e mesmo contraditório com o princípio anunciado no Programa, segundo o qual «Portugal precisa de prosseguir uma política externa coerente, que parta dos valores da acção portuguesa e do projecto de sociedade a realizar na ordem interna, para as atitudes a tomar na ordem internacional».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política de recuperação agrária contida neste Programa vai naturalmente mais longe. Pretende-se regulamentar o controle da cortiça das cooperativas, excluindo assim, e ainda, qualquer acção sobre a cortiça dos agrários e agravando-se mais a já escandalosa situação a que hoje se assiste neste campo; quer-se restringir o apoio técnico às cooperativas que tenham atingido a fase definitiva da delimitação fundiária», com o que se pretende dizer, certamente, que não haverá crédito para nenhuma UCP/cooperativa; significativamente, omite-se qualquer referência a apoio técnico, tudo isto a par de outras situações já referidas e de muitas outras que respeitam igualmente aos pequenos e médios agricultores já tratadas noutra intervenção, e ainda o privilégio concedido à formação de «explorações viáveis de responsabilidade pessoal» -verniz agora utilizado para referir o que o Sr. Engenheiro Goulão afirmou na Conferência da FAO, sobre a necessidade de liquidação das UCPs/cooperativas-, tudo isto, dizia, torna bem claro as intenções deste Governo e o seu total desrespeito pela Constituição da República.
Este Governo vai certamente enviar cães e blindados contra os trabalhadores e talvez matar mais alguns como aconteceu em Montemor-o-Novo. Mas assim não conseguirá produzir o pão de que o País precisa.
Este Governo vai certamente continuar a entregar ilegalmente terras aos agrários. Mas assim a produção e a produtividade não aumentarão. Bem pelo contrário: reduzir-se-ão os investimentos, irá agravar-se a carência de produtos agrícolas e aumentará substancialmente o desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outros Governos apresentaram a esta Assembleia programas inequivocamente virados para a reconstituição dos latifúndios, o ataque à Reforma Agrária e a subversão da Constituição da República. Nunca, no entanto, foram apresentados tão claramente. Sempre aqueles Governos encontraram pela frente uma enorme disposição dos trabalhadores de impedir que tais objectivos fossem alcançados, de tal forma eles contrariam a sua vontade e os seus interesses. E se esses Governos foram caindo, tal deveu-se em grande parte à política repressiva seguida neste sector. Também este Governo irá esbarrar, com certeza, com uma ainda mais forte oposição dos trabalhadores e do povo português em geral.

Aplausos do PCP.

O que está em causa não é apenas a Reforma Agrária, é a própria democracia. E daí a nossa certeza de que este projecto será derrotado pelos trabalhadores e por todos os democratas portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção o Sr. Deputado José Tengarrinha.

O Sr. José Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Tem aqui sido repetidamente acentuado o carácter excessivamente vago do Programa e as suas muitas omissões. Ora essa característica atinge talvez o seu ponto mais alto no capítulo respeitante à comunicação social, que apenas ocupa vinte e cinco magras linhas do Programa.
Limita-se o Governo a expor aí muito resumidamente a sua política em matéria de. comunicação social, comprometendo-se a seguir uma política de verdade e pluralismo, a respeitar os direitos e liberdades constitucionalmente garantidas & a manter o equilíbrio ideológico e a independência perante os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado.

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Para além destes princípios vagos, sobre os quais qualquer democrata estará facilmente de acordo, nada se diz em concreto sobre a maneira como se pensa garantir a sua aplicação. Apenas se informa irem ser elaboradas propostas de lei sobre o Estatuto de Informação, sobro o regime: da imprensa e sobre a revisão das Leis da Radiodifusão e da Televisão. Porém, nem uma palavra sobre o que se pensa do seu conteúdo.
Assim, entre o que diz neste Programa sobre comunicação social & a situação zero a situação é pequena, praticamente nenhuma. Até parece que o título e duas dúzias de linhas apenas teriam sido aqui postos porque seria muito escandaloso não haver uma simples referência ao que tem sido um dos pontos mais quentes dos anteriores Governos e, não temos dúvidas, constituirá um dos sectores mais estreitamente governados por este Executivo.
Muitas conjecturas poderíamos aqui fazer sobre as razões certamente estranhas e aparentemente incompreensíveis desta grave lacuna do Programa. Será que o Governo não tem do sector um conhecimento suficiente para elaborar uma proposta mínima de actuação? Será que o Governo prefere não se definir para ficar com as mãos libertas e actuar sem compromissos?
Sobre um sector de que tão estreitamente depende a genuinidade e o funcionamento do regime democrático, que é decisivo para ai promoção cívica e política dos cidadãos, não podei esta Câmara contentar-se com as vinte e quatro linhas tão vagas e tão gerais do Programa.
Não temos dúvidas de que a comunicação social é um dos sectores onde, de forma mais sensível, se reflectem as verdadeiras intenções, ou pluralistas e democráticas, ou sectárias e autoritárias, de qualquer Governo.
A comunicação social deve ser, «um regime perfeitamente democrático, o curso que, em dois sentidos, permite a permanente vigilância crítica e criativa dos cidadãos sobre os órgãos do Poder e a formação de uma opinião pública esclarecida e responsável. Assim o entendiam já os fundadores da liberdade no nosso país quando, em princípios de Oitocentos, repetidamente afirmavam: «Sem imprensa livre não há regime constitucional.»
Sabemos, entretanto, as graves vicissitudes por que, numa perspectiva histórica, a liberdade de comunicação social tem sofrido no nosso país, E embora conhecendo quanto será difícil, nas sociedades actuais, alcançar completamente esse objectivo final da liberdade de comunicação social, não nos parece que devamos deixar de lutar pela eliminação dos principais obstáculos que o impedem.
Afastada a forma primária, brutal da censura prévia, sabemos quanto nos nossos dias subsistem outras formas de, censura porventura mais ocultas, mas não menos eficazes.
Temos visto como as tentativas de formação de empresas jornalísticas por via cooperativa têm conseguido parcialmente ultrapassar estas limitações. O grande exemplo que é o Lê Monde, em Franca, assim o mostra, E também em Portugal o caso de O Jornal tem-se revelado, sem dúvida, uma experiência muito significativa. Mas, mesmo nestes casos, é evidente quo não defendemos que tenha sido atingida a total objectividade. O jornalista, como qualquer cidadão, tem naturalmente um ponto de partida ideológico que não deixa de colocar no seu trabalho informativo. A perfeita e asséptica objectividade, evidentemente, não existe. E um segundo obstáculo que esta forma enfrenta é o de que -como se tem visto em todo o Mundo, inclusive com o Lê Monde- tais sociedades cooperativas, perante os cada vez mais elevados custos de produção, dificilmente resistem & concorrência dos órgãos colocados ao serviço de grandes grupos económicos.
Assim, somos colocados perante as duas formas mais correntes nos nossos dias: ou os órgãos sob a dependência dos grandes grupos económicos ou das organizações políticas deles dependentes.
A experiência histórica tem-nos mostrado que os órgãos sob a dependência do Estado, sem qualquer outro controle correctivo, tendem para ser, mais ou menos acentuadamente, correias de transmissão do poder. Assim se verifica desde os mais remotos exemplos, que podemos ir buscar ao tempo de Frederico da Prússia. Mas, em contrapartida, não gozam de maior liberdade os órgãos que vivem sob a dependência dos grandes grupos económicos, cuja intoxicação na opinião pública se revela altamente perniciosa.
Sendo assim, defendemos que para ultrapassar estas dificuldades e limitações os órgãos de comunicação estejam sempre sujeitos a um triplo contrôle: pelos jornalistas: através dos conselhos de redacção e do sindicato respectivo. Não esquecer, também, o importante papel que podem desempenhar as comissões de trabalhadores nas empresas; pela opinião pública: através dos conselhos de informação: pelos tribunais: para julgar os casos de abuso por quem utilizou esses órgãos com má fé.
É à luz desta concepção, resumidamente exposta, que desejamos colocar ao Governo algumas perguntas muito concretas que, embora sem preocupação exaustiva, poderão contribuir para um esclarecimento desta Câmara sobre a posição do Governo no sector. E, assim, colocaremos doze questões muito concretas para as quais solicitamos respostas precisas do Governo:

1.º Como vai o Governo respeitar o pluralismo exigido nos órgãos de comunicação social estatizados, -de acordo com o n.º 2 do artigo 39.º da Constituição?
2.º Como vai o Governo salvaguardar a independência dos meios de comunicação social pertencentes ao Estado perante o Governo e a Administração Pública, de acordo com o estipulado no n.º 1 do artigo 39.º da Constituição?
3.º O Governo vai ou não respeitar os conselhos de informação -sobre os quais não faz qualquer referência - criados por força do artigo 39.º da Constituição? Se assim for, como justifica o Governo o facto de não ter ouvido o conselho de informação na nomeação de membros para o conselho de gerência do Diário de Notícias no próprio dia em que o Secretário de Estado do sector tomou posse?
4.º Quais as intenções do Governo no tocante e Radiotelevisão e como vai resolver o pró-

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blema dá substituição, ou não substituição, do seu presidente do conselho de administração? E quando vai o Governo sujeitai a nomeação do presidente da RTP ao respectivo conselho de informação?
5.º Ainda no respeitante ao cumprimento dos preceitos legais, vai ou não o Governo rever a situação existente no Diário Popular para onde o então Ministro do Gabinete Mota Pinto, Proença de Carvalho, nomeou uma direcção sem ouvir o conselho de informação, o conselho de imprensa e contra o parecer das organizações dos trabalhadores?
6.º Afirma o Governo que vai «valorizar o trabalho e a competência» no sector da comunicação social. Nesse sentido, vai o Governo dinamizar e (facilitar o curso de jornalismo de âmbito universitário, ouvidos os sindicatos do sector e com o seu apoio directo? Que vai fazer o Governo exactamente para valorizar os jornalistas portugueses, vítimas durante o fascismo de todo o tipo de pressões que dificultaram a sua valorização e dignificação profissional?
7.º Afirma o Governo que vai elaborar propostas de lei sobre o estatuto de informação, sobre o regime de imprensa e sobre a revisão das leis da Radiotelevisão. Quer o Governo dizer alguma coisa sobre a orientação destas propostas? Pensa adoptar o princípio de pedir aos representantes dos trabalhadores a sua posição face a estes projectos?
8.º É do conhecimento geral que estão a ser constantemente pressionados jornalistas e jornais para que, violando o seu direito ao sigilo profissional, denunciem as suas fontes de informação. Perante as intenções que o Governo apresenta no seu Programa, será que o Governo vai adoptar medidas para que cessem estas pressões e até as buscas domiciliárias que têm sido feitas?
9.º É ou não é verdade que este Governo já lançou um ataque profundo em empresas estatizadas na comunicação social, congelando os subsídios necessários para a subsistência e, em caso afirmativo, como se justifica esta decisão com a afirmação constante no Programa do Governo: «apoiar-se-á financeiramente a imprensa através de esquemas simples e eficazes»?
10.º Se o Governo, como diz, se compromete a respeitar «os direitos e liberdades constitucionalmente garantidos», como vai o Governo garantir os cumprimentos, tanto na Rádio como na Televisão, no disposto no n.º 1 do artigo 40.º da Constituição, no qual consta que «os partidos políticos e as organizações sindicais e profissionais terão direito a tempos de antena de Rádio e Televisão»?
11.º O Governo afirma-se disposto a ultrapassar o «sectarismo» e a «fidelidade partidária». Nesse sentido pergunta-se: se o Governo foi tão lesto em nomear novos gestores para o Diário de Notícias - quando o conselho de gerência já estava completo - sem respeitar os preceitos legais, porque, sem o parecer prévio do respectivo conselho de informação, vai o Governo ordenar a imediata reentrada dos 36 profissionais saneados, por motivos políticos, da RDP e da RTP, os quais já foram abrangidos pela Lei da Amnistia há dois meses promulgada pelo Presidente da República?
12.º Que vai fazer o Governo no respeitante ao doloroso «caso de O Século»? Pensa o Governo tentar alterar a decisão governamental, já promulgada, que liquida a empresa? O Governo vai, finalmente, proceder ao pagamento dos salários de centenas de trabalhadores, na maioria dos quais já não recebe há mais de um ano e meio, o que tem originado inúmeros problemas que, inclusive, tem levado trabalhadores lançados no desemprego e na inactividade ao suicídio? Vai ou não vai o Governo ordenar inquéritos ou sindicâncias às últimas administrações daquela empresa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação e Ciência.

O Sr. Ministro da Educação e Ciência (Vítor Pereira Crespo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A análise do Programa do Governo em matéria de educação e ciência carece de algumas considerações sobre a situação geral no sector. Com elas se poderão melhor compreender as opções tomadas. E começamos por afirmar que, em rigor, não existe em Portugal um sistema educativo. De há muito que a última lei de bases que lhe dava enquadramento foi ultrapassada.
Todo o ensino secundário, do 6.º ao 11.º ano de escolaridade, vive em regime de experiências pedagógicas. Experiências que foram sendo introduzidas, ano a ano, na total ausência de uma visão de conjunto. O 8.º ano de escolaridade que temos foi a sequência e reflexo do que havia sido o 7.º; o 9.º o reflexo das alterações introduzidas no 8.º, e assim por diante. É neste processo, de etapa a etapa, que do ensino secundário desaparece totalmente a preparação profissional e mais genericamente a definição dos seus objectivos. O que tem graves consequências. Por deixar milhares de jovens sem a preparação mínima para o ingresso na vida activa, o que aumenta as dificuldades de obtenção de um primeiro emprego. Grave também para o País por se terem perdido os esquemas de formação de quadros intermédios. De facto, todo o nosso ensino secundário não passa de um período de transição para o ensino superior. Só que este se encontra fechado à maioria dos jovens.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Estas alterações parcelares conduziram ainda a situações extremamente aberrantes. Há certas disciplinas que são apresentadas primeiro a um

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nível mais elaborado « só mais tarde a um nível mais elementar. Há desconexão de programas. Porém, já não são apenas desconexões as distorções deseducativas que foram introduzidas no ensino da língua, história, geografia e ciências sociais, que ainda hoje subsistem, e têm de ser remediadas.
Este tipo de situações não se confina aos ensinos preparatório e secundário. Para o ensino primário foi estabelecida uma fase única, fora de todas as realidades, e se permitíssemos a sua concretização iríamos traumatizar e deseducar milhares de crianças.
No ensino pós-secundário acabou por se generalizar a confusão. Foi criado o ensino superior de curta duração. Aparece-nos agora o ensino superior politécnico. Resta saber o que é um e outro. Entre a Lei n.º 61/78, de 28 de Julho, que cria o ensino superior curto e o Decreto-Lei n.º 513-L1/79, de 27 de Dezembro, que estabelece o regime de instalação dos estabelecimentos do ensino superior politécnico, apenas temos conhecimento de uma conferência de imprensa em que se manifestou a intenção de alterar as designações. Há escolas extintas por decreto-lei a funcionar por despacho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A produção de legislação é abundante, chegando nalguns casos a não se saber bem quais as disposições em vigor. Porém, há diplomas que nunca foram executados, e a grande maioria das leis sobre educação aprovadas pela Assembleia da República aguardam ainda regulamentação.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No que respeita aos professores há que ter em conta que as percentagens de efectivos nos ensinos preparatórios e secundário são apenas, respectivamente, 25,3% e 37,3%. E ainda há 66000 docentes sem habilitação própria. A maioria dos docentes do ensino superior não possui o grau de doutor ou equivalente.
Faltam salas de aula para 15 0000 alunos dos ensinos preparatório e secundário e precisam de ser substituídas as escolas que frequentam outros 160 000. Por outras palavras, é preciso substituir metade da rede escolar existente e construir mais um terço da rede desejável, o que corresponde a 40 milhões de contos, a preços de 1979. Estes indicadores são suficientes para caracterizar o estado actual. Bastam também para denunciar o esforço que é necessário fazer para nos aproximarmos da Europa, em matéria de educação.
Não é de desejar prolongar por mais tempo a inexistência de uma lei de bases do sistema educativo. O projecto de lei como o refere o Programa do Governo será submetido à discussão pública e de seguida apresentado à Assembleia da República. A proposta que será apresentada à discussão pública contém uma educação pré-escolar de três anos; um ensino básico de formação geral com a duração de nove anos, a tornar universal e gratuito no mais curto período de tempo possível; um ensino secundário de três anos, polifacetado, de várias alternativas, uma de preparação paira o acesso ao ensino superior, outras profissionalizantes, mas todas elas primáveis e conducentes ao ensino superior. Na proposta a submeter a discussão o ensino pós-secundário será diversificado a um primeiro nível, em que haverá cursos, uns mais acentuadamente técnicos, e outros, com uma tónica mais académica, permeáveis entre si através de uni sistema de créditos. Nas Universidades serão institucionalizados e desenvolvidos os cursos de pós-licenciatura que conduzam aos graus de mestre e de doutor.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Para o desenvolvimento do sistema educativo é preciso que este esteja minimamente instalado e que as escolas sejam apetrechadas. As carências são tais que não será possível resolver o problema de um dia para o outro. Mas será acelerado o passo, pois que o ritmo actual não é suficiente sequer para repor, em termos globais, a desagregação do parque escolar. Daí que o Governo no seu Programa se propunha levar por diante um plano de emergência de instalações e equipamento escolar, que resolva de imediato as situações mais gritantes e, a um prazo um pouco mais dilatado, a situação da rede escolar.
Parte do corpo docente a nível preparatório e secundário não possui qualificação adequada para o ensino actual. E uma parte ainda mais significativa não está preparada para o novo tipo de ensino que será necessário ministrar em consequência das alterações que serão introduzidas pela lei de bases. Para dar início à resolução destes problemas serão lançadas acções de formação em exercício, apoiados os professores que pelo seu isolamento não têm acesso fácil a fontes de. actualização e criadas as estruturas de formação de professores para o ciclo de estudos que irá constituir o ensino básico. Carências do pessoal docente verificam-se também quanto a professores do ensino superior. Por isso, o Programa de Governo opta decididamente pela institucionalização e o apoio do ensino graduado - pós-licenciatura -- que permita a formação de um conjunto de Doutores do qual possam ser recrutados os docentes do ensino pós-secundário que ao mesmo tempo constituam um alfobre do desenvolvimento científico do País. E enquanto não saírem os primeiros graduados apoiar-se-ão todas as restantes formas que permitam a obtenção de mestrados e doutoramentos de candidatos qualificados.
Mesmo num país com a dimensão do nosso, não é possível por mais tempo manter um sistema educativo de, gestão centralizado e profundamente burocratizado. A esta razão de índole prática adicionamos uma outra, de princípio, ou seja permitir às populações que tenham uma palavra a dizer sobrei a educação básica dos jovens.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso o Programa do Governo defende a desconcentração seguida da descentralização dos serviços centrais do Ministério da Educação e Ciência. Defendemos uma maior autonomia das Universidades que ultrapasse a simples delegação de competência nos reitores. E para ganhar experiência a descentralização do Ministério, ao nível dos ensinos básicos e secundário, será ensaiada em três zonas do País.

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Não será motivo de grande controvérsia afirmar que o sistema educativo, ou o que dele existe, não proporciona aos jovens uma formação adequada. E que, além disso, é -injusto quanto à igualdade de oportunidades. Os custos com o material escolar, transportes e alojamentos de estudantes que não têm ao seu alcance imediato um estabelecimento do ensino são hoje proibitivos para a maioria cãs famílias. O nível educativo e cultural de Portugal, já de si baixo relativamente aos países desenvolvidos, pode vir a degradar-se rapidamente em face da depauperação das condições económicas da generalidade dos pais «encarregados de educação. Combateremos este estado de coisas através da distribuição de materiais de estudo pelas bibliotecas escolares, do ajustamento «as bolsas de estudo aos aumentos do custo de vida, do alargamento da concessão de bolsas de. estudo a um maior leque de beneficiários, da intensificação do ensino nocturno para estudantes-trabalhadores, e ainda confiando a estudantes certas tarefas remuneradas das escolas que não colidiam com o acompanhamento dos estudos.

Vozes da maioria parlamentar: - Muito bem!

O Orador: - O transporte escolar será assegurado para os alunos de escolaridade obrigatória e será incluída no plano de emergência das instalações e equipamento escolar a edificação de residências para estudantes deslocados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Porém, o Governo entende que não se esgota naquelas medidas a concessão da igualdade de oportunidades. Há ainda condições culturais, sendo também necessário esclarecer algumas famílias e encarregados de educação das vantagens da escolarização, para o que serão realizadas acções adequadas ao nível da educação permanente, assam como apoiadas essas famílias.
Ainda no que se refere ao esbatimento de desigualdades à partida, o Programa refere a especial atenção que será dada à educação pré-escolar e ao ensino especial. Criação de novos estabelecimentos e dos diplomas legais que permitam o normal desenvolvimento daquela educação e ensino.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O desenvolvimento da igualdade de oportunidades passa igualmente pela criação de sistemas que correspondam aos anseios e necessidades de cada um.
O ensino básico - aqui entendido como nove anos de escolaridade-, a cargo do Estado, que vier a resultar da lei de bases será naturalmente dotado de uma certa flexibilidade, que não pode, apesar de tudo, ultrapassar certos limites, embora mais latos que os actuais. Assim, a criação de esquemas educativos alternativos com uma formação global equivalente terá de realizar-se através do ensino particular e cooperativo. É dentro deste princípio que nos propomos ultimar os estudos relativos ao estatuto do ensino particular e cooperativo e proceder de modo que seja possível conceder-lhe os necessários apoios. Apoios que sei estendem a todos os níveis de ensino. Na concepção do Governo o estatuto enquadrar-se-á nos seguintes princípios básicos: necessidade da existência do ensino particular e cooperativo, garantia da sua qualidade, obediência aos objectivos globais do ensino de cada nível e a condição de que os subsídios de funcionamento a conceder peio Estado não ultrapassem os custos médios por aluno nas escolas oficiais. O Ano Propedêutico correspondeu em termos educativos e sociais a um equívoco de terríveis consequência. Também ele foi lançado sem pensar no futuro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No contexto da sua criação deveria ter sido um concurso-aprendizagem. Mas logo se iniciou como ano paraescolar, mas sem as correspondentes regalias. A metodologia utilizada é condenável, e nem os esforços de muitos professores envolvidos no processo conseguiram torná-lo minimamente aceitável. Além disso, acabou por se transformar num brutal processo de selecção de acesso ao ensino superior, onde a base de escolha acabaria por ser essencialmente de índole económico-social.

Aplausos do maioria parlamentar.

Por isso, e sem embargo dos esforços e escolhos para a sua conversão, o Programa do Governo propõe a sua eliminação.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O ano em curso já vai, porém, adiantado, e sobre ele pouco se pode fazer senão transformá-lo efectivamente no concurso-aprendizagem, que sempre devia ter sido. No próximo ano o seu substituto será leccionado em estabelecimento, com um mais reduzido número de disciplinas, de modo a conferir-lhe um carácter de ano vestibular, e, assim permitir, no futuro, o encurtamento dos cursos superiores que já hoje são desnecessariamente longos, o que se tornará mais evidente amanhã, uma vez instituído e generalizado a toda a Universidade o ensino graduado- mestrado e doutoramento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Mas a par desta solução e para permitir saídas profissionais serão postos a funcionar o número possível de 12.º anos de escolaridade com características de estágio-aprendizagem, de modo a permitir uma formação profissional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tempo de que dispomos não nos permite explanar todo o Programa do Governo. Terminamos com mais umas palavras sobre juventude e investigação científica.
O Governo entende que não deve dirigir a política de juventude. Esse dirigismo é apanágio de regimes totalitários.

Aplausos do maioria parlamentar.

Aos jovens compete-lhes gerar as suas próprias iniciativas. O Governo apoiará acções genuínas de criação cultural e de ocupação de tempos livres. Apoiará o seu associativismo. O Ministério da Educação e

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Ciência apoiará as manifestações que dentro da óptica do projecto educativo contribuam para a formação dos jovens.
Temos a aguda consciência da importância da investigação científica para o desenvolvimento do País. O Governo propõe-se fomentá-la e promoverá a sua coordenação. Coordenação que será feita de forma a revigorá-la, a nível dos ministros interessados, e não pela criação de esquemas paralisantes. Não se perderá de vista que nas condições actuais há que desenvolver um grande esforço na criação de ciência de base que conduza à formação de docentes do ensino superior e contenha o substracto para o desenvolvimento da capacidade de investigação do País. No entanto, e sem perder estes objectivos, serão canalizados os esforços para aqueles projectos de investigação que possam ser socialmente úteis. O Governo sabe que o desenvolvimento do País assenta na preparação dos seus filhos. Por isso está disposto a todos os esforços que conduzam a uma melhoria efectiva do sistema de ensino e de investigação.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

Pausa,

Peço desculpa, Srs. Deputados. A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Pedia a palavra para agradecer ao Sr. Ministro da Educação os esclarecimentos que nos deu sobre o Programa, o que nos facilita muito mais a nossa crítica. Além disso, queria aproveitar para lhe perguntar se nessa discussão pública sobre a lei de bases do ensino secundário está prevista a consulta ao sindicato dos professores, dado que isso não foi mencionado.

O Sr. Presidente: - Bem, embora o Governo tenha já esgotado o seu tempo e como há um partido que excedeu o seu tempo em cinco minutos, penso que ninguém se oporá a que o Sr. Ministro possa responder.

Pausa.

Como ninguém se opõe, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Opõe-se o Sr. Deputado Ângelo Correia...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não se opõe, não senhor. Ele, aliás, não está aqui.

O Sr. Ministro da Educação e Ciência: - Certamente, Sr.ª Deputada. Sem dúvida que será ouvido o sindicato dos professores, bem como todos os restantes sectores ligados ao problema da educação.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Em matéria de agricultura, pode-se dizer com rigor que o
Programa deste Governo contém, além de um ataque descarado e feroz à Reforma Agrária, o ataque talvez encaputado, mas igualmente feroz, aos pequenos e médios agricultores, situem-se eles no Norte ou no Centro do País, no Ribatejo ou Alentejo, no Algarve, Açores ou Madeira.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Naturalmente...
As Leis do Arrendamento Rural e dos Baldios foram duas das medidas mais importantes que o 25 de Abril fez chegar aos agricultores. Uma e outra têm sido, talvez por isso mesmo, alvo de sucessivos ataques da direita.
Os caciques locais nunca toleraram que os baldios tenham deixado de estar ao seu serviço, como no tempo do fascismo. Por isso os seus partidos (PSD e CDS) tentaram eliminar a Lei dos Baldios, retirando-os aos povos utentes. Agora no Governo, inscrevem essa medida no seu Programa, mas o povo opor-se-á.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Esta conversa já é muito velha.

O Orador: - E quanto à Lei do Arrendamento Rural, que é já um retrocesso imposto por esses partidos em relação àquela que vigorou de 1975 a 1977, a direita não está ainda satisfeita. A sua clientela de proprietários ricos e abstentistas, só ficaria saciada se conseguisse voltar a poder expulsar os rendeiros sem limitações, ou comer-lhes os olhos da cara através das rendas. Mas como não é com as terras a monte que o País sairá da pobreza nem é com os rendeiros, na rua que os problemas do emprego se resolvem, essas tentativas serão amplamente combatidas.
A ofensiva da direita contra os pequenos e médios agricultores vai, porém, muito mais longe, mergulhando as raízes no lodo da Comunidade Económica Europeia. Este Governo está ao serviço dos latifundiários, dos grandes empresários agrícolas, dos grandes intermediários, armazenistas e industriais que se alimentam do suor dos que trabalham a terra. A sua política implica necessariamente a ruína dos pequenos lavradores.
Crédito e comercialização e preços são os instrumentos fundamentais da política agrícola do Mercado Comum. Integração de Portugal no Mercado Comum é uma orientação decisiva da política deste Governo.
Que se pode esperar, então, saindo das frases ocas do Programa? Aquilo que os pequenos e médios lavradores já conhecem, naturalmente: crédito não é para eles; preços e comercialização - é o que os intermediários quiserem.
Em matéria de crédito já não pode o Governo tirar aos camponeses pobres o crédito que eles não têm. Por isso se avantaja em matéria de comercialização e preços, completamente a reboque da CEE.
O Governo aponta o fim do regime de exclusividade estatal (aquilo que aqui tem sido chamado de monopólios estatais) na aquisição, por exemplo, do trigo e do álcool. Quem lucrará com isso: os pequenos agricultores, ou os consumidores? Não: os grandes armazenistas, os intermediários, os industriais e, até, os mixordeiros.

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E o que significará, verdadeiramente, «a continuação da política de reestruturação e racionalização dos circuitos comerciais» referida no Programa? Tem existido uma tal política? Não a favor da agricultura nem dos pequenos e médios agricultores. Continuar essa política, é continuar a desarmar as Juntas das Frutas, dos Vinhos, dos Produtos Pecuários, a EPAC e o Instituto dos Azeites, que têm vindo a intervir cada vez menos e cada vez pior na comercialização dos produtos agrícolas e alimentares. Os lavradores conhecem a amargura de produzirem e, quanto mais produzem mais perdem! Porquê? Porque a política que os organismos estatais vêm seguindo, alguns deles sob a chefia directa de gente da CAP, tem consistido em fixar os preços sempre tardiamente, de tal sorte que só ganham os intermediários e os especuladores; porque eles não garantem, nem têm estruturas suficientes de apoio ao escoamento. Que importa fixar um preço para o vinho se os armazenistas sabem que a Junta tem a sua capacidade de armazenamento praticamente esgotada e, portanto, não constitui alternativa?
Estes simples exemplos, que os lavradores dramaticamente conhecem, mostram que, em última análise, a política de integração na CEE, ou seja, no Mercado Comum, representa o esmagamento dos pequenos agricultores.
De resto, hoje até aqueles que entusiasticamente defendiam ontem a integração na CEE, já se arrepiam com as consequências. E este Governo, se é certo que numa página -como que a embalar meninos - afirma injustificadamente que as potencialidades que com a integração se abrem à nossa agricultura são enormes nem mais, nem menor), logo algumas páginas adiante já põe o problema em termos de o sistema produtivo nacional poder (simplesmente) sobreviver após a integração!..,
Este Governo tem uma trave mestra na sua política: integrar Portugal na CEE. Mas como se vê, a sua política é realmente entregar Portugal à CEE.

Vozes do PSD: - Isso não é verdade!

O Orador: - O povo português travará o combate que impeça tais intentos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral para pedir esclarecimentos.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Pretendia pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Vítor Louro.
Tendo o Sr. Deputado dito que os pequenos e médios agricultores não estão com a Aliança Democrática, mas estarão com o PCP, e que, como já aqui foi dito, os pequenos e médios empresários do comércio e da indústria também não estão com a Aliança Democrática, que os trabalhadores também não estão com a Aliança Democrática, e que, como também foi dito, os funcionários públicos também não estão com a Aliança Democrática, gostaria que o Sr. Deputado explicasse à Câmara se os 2600000 votos da Aliança Democrática são do estrangeiro ou dos grandes agrários e grandes capitalistas, ou parasitas, e se Portugal está realmente tão rico que possa ter uma classe tão numerosa & apoiar a Aliança Democrática.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Faria de Almeida.

O Sr. Faria de Almeida (CDS): - Para além de uma pergunta, pretendo dar um esclarecimento ao Sr. Deputado Vítor Louro.
Sendo o Norte do País o produtor de dois terços do que este país consome, sendo no Norte onde o MARN, célula comunista, mais quis actuar, mas sem qualquer resultado, prova evidente de que o pequeno e médio agricultor sabe aquilo que quer e para onde quer ir -aliás foi o Sr. Deputado quem disse que o lavrador, quanto mais produz mais perde, que é um conhecimento que nós já temos há muito tempo-, que medidas tomou o Sr. Deputado, enquanto esteve no Governo, e todos os restantes governos, até a este momento, para que essas medidas fossem banidas da agricultura portuguesa?
Além disso, queria perguntar-lhe o que pensa da integração na CEE, já que a agricultura portuguesa perdeu o comboio da Europa e tal como o Sr. Ministro da Agricultura disse, e muito bem, esse comboio terá de sei apanhado, para não estarmos desprevenidos quando da efectiva entrada na CEE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Muito rapidamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas queria referir que não afirmei aquilo que o Sr. Deputado Ferreira do Amaral disse. Apenas disse que a AD não está com os pequenos e médios agricultores, comerciantes e industriais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto é bem diferente. Servem-se deles, mas estão contra eles.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Estão connosco, Sr. Deputado.

O Orador: - Em relação ao Sr. Deputado Faria de Almeida, queria agradecer-lhe o seu esclarecimento.
Quanto ao facto de não conseguirmos avançar no Norte do país, os nossos Deputados por Braga e Aveiro saberão responder-lhe devidamente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É só um!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Evolução na continuidade. Com este chavão, iniciava Marcelo Caetano, o seu consulado. E, se é verdade que, a continuidade (já que a evolução fora nenhuma) foi, em 25 de Abril, de entre

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todos feliz, bruscamente interrompida no plano das liberdades públicas, no plano da viragem democrática da sociedade portuguesa e no plano da evolução do problema colonial, não é menos verdade que, no plano da estratégia de desenvolvimento nada mais houve, depois do 25 de Abril, como antes, que evolução na continuidade.
Para ilustrar esta opinião convém frisar que, na sociedade moderna, não mais é aceitável o princípio do crescimento ilimitado, uma vez que se tomou consciência da limitação dos recursos que o proporcionam e o condicionam.
De facto, se o objectivo do desenvolvimento 6 prover às necessidades e gozos sociais, ele só seca real e efectivo se souber assegurar a permanência dessa provisão e a manutenção dos recursos que a tomam possível.
Dois traços fundamentais caracterizam o nosso tempo: a quase, ilimitada capacidade humana de produzir e criar, e a sua não menor capacidade de destruir e aniquilar.
Uma longa lista de catástrofes ilustra este facto: erosão do solo, desertificação, perda de terras aráveis, poluição, desflorestação, degradação de ecossistemas e extinção de espécies e variedades.
A questão que s& põe, pois, no plano da estratégia de desenvolvimento é a de saber se se pretende apresentar números sem qualquer relação com o território, as comunidades ou as pessoas, acabando por legar aos nossos filhos e netos um deserto humano e de recursos, ou se se pretende um desenvolvimento equilibrado, gradual, fundado na gestão das potencialidades do território e atento à sua perenidade.
São estes princípios, esta filosofia do desenvolvimento, aqui tão sumariamente indicada, que, pelo Mundo fora e mormente na Europa, vêm mobilizando políticos, técnicos, opinião pública e até Governos, e constituem quiçá o maior tributo da modernidade às gerações que nos hão-de suceder.
A Europa desperta, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, para toda uma nova problemática do desenvolvimento, problemática que, em Portugal, o PPM desde a primeira hora suscita.
A Europa que, possivelmente, iremos encontrar nos anos 90, será a Europa do ordenamento do território, da conservação da Natureza, da racionalização das culturas, da correspondência das comunidades e das actividades com o teatro geográfico em que se integram. Ou não será mais Europa e Portugal não se poderá enquadrar no vazio ou no deserto..
Perante os problemas que o esgotamento planetário dos recursos põe ao engenho e à imaginação do homem, de pouco valem as ideologias. De facto, será diferente o desastre económico ucraniano, na União Soviética, do desastre ecológico californiano, nos Estados Unidos, só porque, de um lado trabalharam funcionários públicos e do outro 'operários pagos por empresários privados? E, no nosso caso, que diferença faz se a mineralização galopante do solo alentejano é fruto da exploração capitalista ou do latifúndio comunista?
O erro do Salazar/Marcelismo, neste aspecto, foi o sacrifício da economia de um País, ou à panaceia do equilíbrio orçamentai, ou ao colossalismo das grandes realizações para propaganda do regime, separador de qualquer contexto de interesse nacional, de integração ecológica, ou então motivadas pela realização intelectual dos tecnocratas ou ,pela pressão pura e simples do estrangeiro, ansioso de lançar num caixote do lixo qualquer, aquilo que, em casa, não podia admitir, como é, aliás, o caso de Sines.
Foi, e é, neste colossalismo idiota, neste culto acéfalo dos investimentos não avaliados em termos de impacte, que a democracia portuguesa mais não fez, em relação ao regime fascista, que evolução na continuidade. Os latifúndios capitalistas foram substituídos por outros, iguais ou maiores, colectivistas.
Os monopólios industriais e de serviços que estavam concentrados na mão de alguns homens reagruparam-se e reconcentraram-se na mão do Estado: ainda agora temos assistido à incrível concentração das companhias de seguros nacionalizadas, sacrificando a solvabilidade das mais viáveis àquelas que não têm lucros de exploração, mas, tão só, aqueles que derivam dos juros da espantosa quantidade de meios financeiros imobilizados.
A euforia centralizadora chega ao ponto de se ter concentrado numa só empresa a produção de energia eléctrica e a sua distribuição, não apenas por grosso, mas também por retalho.
Paradoxalmente, depois de se ter prometido a restituição de Portugal aos Portugueses, criaram-se estruturas económicas colossais, com quem o diálogo do cidadão é impossível, multiplicam-se as teias burocráticas, divorcia-se o cidadão das estruturas que lhe dizem respeito.
Neste cenário, que não é apocalíptico nem desesperado, mas que urge remediar, é evidente que não vale a pena falar de descentralização, de regionalização, do poder comunitário, ou local, é evidente que pouco valerá a pena a esta Câmara legislar sobre finanças locais, ou fazer sonoras declarações sobre o fim do espartilho napoleónico. Todo este tipo de sonho está condenado à unanimidade e ao estiolamento. Não se pode centralizar naquilo que é real e descentralizar no acessório.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, o Partido Popular Monárquico surge, agora, nesta Câmara, como partido da maioria, com o PSD, o CDS e o agrupamento dos Reformadores. Ë que, na Aliança Democrática, desde a hora da sua fundação, àquela da elaboração do programa eleitoral, à própria campanha, encontrou o PPM parceiros efectivamente empenhados na defesa dos interesses das gerações futuras e não apenas na prossecução dos seus interesses ideológicos e partidários imediatos. Disso foi exemplo claro a resposta do Sr. Primeiro-Ministro a uma questão posta pelo meu colega Ferreira do Amaral, na sessão de abertura dá presente discussão do Programa do Governo.
A AD não poderá representar de imediato a realização das nossas teses, mas representa, inequivocamente, a abertura dos homens do Governo aos problemas que consideramos prioritários, e que são os problemas mais fundos que os anos 80 terão que resolver.
É por isso que o PPM tem a certeza que este Governo fará o que estiver ao seu alcance para reequacionar os problemas do Alqueva, de Sines, das auto-estradas; é por isso que o PPM tem a certeza

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que este Governo não sacrificará mais parcelas do solo pátrio à celulose; é por isso que o PPM tem a certeza que não será este Governo que entregará o Ribatejo à seca e à esterilidade através de famosos projectos da agro-indústria extensiva; é por isso que o PPM tem a certeza de que este Governo tomará a peito, no plano internacional a defesa do território, nomeadamente pedindo a esta Câmara a ratificação das várias convenções que, sobre o assunto, aguardam há vários anos.
É por isso que o PPM tem a certeza que este Governo dará os primeiros passos para o estabelecimento da reserva agrícola nacional e para um correcto ordenamento do território.
As atitudes tomadas até agora por este executivo foram marcadas já, por um elevado sentido da dignidade nacional e por uma clara assumpção, da autoridade que o voto popular lhe entregou.
O futuro confirmará por certo as esperanças que nele depositamos.

Aplausos do maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender aqui os trabalhos para dentro de hora e meia recomeçarmos.
Informo, entretanto, que faltam ainda cerca de duas horas e dez minutos de debate.

Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 25 minutos. No recomeço reassumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Rodrigues.

O Sr. Fernando Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: com a formação deste Governo, quase seis anos depois de Abril, a vida da juventude portuguesa é atravessada por angústias e incertezas que agravam o seu presente e mantêm a insegurança do seu futuro.

ara a grande maioria dos jovens portugueses este Governo, cheira a passado, não representa nada de novo, não abre qualquer perspectiva à resolução dos seus problemas. Que o digam os que sofrem a angústia do desemprego, que, o digam os jovens operários e trabalhadores, que nas empresas resistem à violência e repressão patronal. Que o digam aqueles que, empenhados na sua valorização profissional e humana, estudam à noite após um dia de trabalho e todos os que, nas escolas, sentem dia a dia um ensino em crise acentuada e acelerada. Que o digam os jovens, rapazes e raparigas que querem formar família. Que o digam os jovens agricultores e pescadores, que suporiam as agruras de uma vida duríssima, e as jovens raparigas, duplamente, sujeitas às discriminações . arbitrariedades.
É bem clara a posição da juventude comunista portuguesa em relação ao Governo cujo Programa hoje se discute. Como jovens comunistas, afirmamos que não será este Governo que vai continuar o caminho aberto por Abril, o caminho que conduz a um presente melhor, a um futuro feliz para a juventude portuguesa. Ao contrário, para os jovens, a formação deste Governo, quer pela composição quer pelo seu Programa, tornará o presente ainda mais difícil e o futuro mais sombrio.
Mas nem por esse facto, e diria até por esse facto, consideramos necessário e imprescindível falar desde o primeiro momento a linguagem que qualquer jovem preza: a linguagem da verdade. E falar com verdade e com franqueza é dizer que a chamada «mudança» prometida pelas forças que integram o actual Governo começa, logo a ser desmentida quando se atenta à sua composição. Do Governo fazem parte Ministros e Secretários de Estado que apoiaram e executaram uma política que atingiu duramente o nosso povo e travou a realização dos direitos e aspirações dos jovens portugueses: a política dos pacotes, dos despedimentos, do desemprego, dos violentos ataques à Reforma Agrária, E falar com verdade e com franqueza é afirmar que a chamada «mudança» prometida pela coligação governamental na campanha eleitoral é logo desmentida quando se lê Programa do Governo.
Mudar de política seda dar combate ao desemprego, dando resposta, nomeadamente à grave situação de mais de trezentos mil jovens desempregados. Mas a primeira medida da coligação governamental nesta matéria foi pedir a ratificação do Decreto que instituiu o alargamento do subsídio de desemprego aos jovens à procura do primeiro emprego inscritos no Serviço, Nacional de Emprego. Com que fins? Os jovens exigem uma explicação.
Mudar de política seria acabar com as violências e ilegalidades que atingiram os campos e os trabalhadores! da Reforma Agrária. Mas, no seu Programa, o Governo prometei ainda mais violência, ainda mais roubos e ilegalidades, ainda mais entregas de terras àqueles que nunca as trabalharam. Promete fazer uma lei ainda pior que a Lei Barreto. Os jovens serão fortemente atingidos por esta política de destruição.
Mudar de política seria encarar medidas concretas com vista a aumentar a construção de casas, instituindo nomeadamente esquemas de crédito bonificado para jovens casais que queiram adquirir habitação. Mas as «promessas» do Governo no seu Programa nem sequer contemplam qualquer compromisso quanto à não aplicação da famigerada lei dos aumentos de rendas de casa do Governo Mota Pinto.
Mudar de política seria definir um caminho preciso para inverter o curso da crise que o ensino atravessa, apontando para a sua ligação às necessidades do País, dos que estudam, daqueles que trabalham. Apontando para a melhoria da sua qualidade científica e pedagógica. Mas o que o Programa anuncia é uma alteração dos programas de ensino que os distancia ainda mais dos ideais democráticos e constitucionais, anuncia o aprofundamento da ofensiva contra a gestão democrática, anuncia o reforço do elitismo do ensino.
Os primeiros dias de actividade do Governo são também significativos no que diz respeito à sua política externa. Esta cobriu-se de ridículo e não deixa de suscitar as mais legítimas preocupações aos jovens que aspiram a um futuro de paz e cooperação o alinhamento deste Governo com as forças mais belicistas e revanchistas do imperialismo.

Vozes de protesto da maioria parlamentar.

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Os jovens não esquecem que o poder político dos monopólios que este Governo procura agora reconstituir condenou no passado recente uma geração à guerra colonial fascista, com as inerentes consequências económicas e sociais, com milhares de deficientes e estropiados.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A JCP - Juventude Comunista Portuguesa, lado a lado com toda a juventude, lutará intransigentemente, dentro e fora desta Assembleia, contra a marginalização da juventude que este Governo vai procurar impor.
Lado a lado com a toda a juventude, lutaremos para que a jovem geração participe activamente na definição dos destinos do nosso país e na construção de um Portugal democrático.
Lutaremos pela defesa dos interesses, direitos e justas aspirações dos jovens portugueses.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo: A qualidade de vida tal como o Programa aponta implica que caída pessoa encontre a nível da colectividade em que está inserida condições de satisfazer não só as suas necessidades essenciais, mas ainda que seja estimulada, no sentido da superação de si própria, no desejo de encontrar dentro de si novos equilíbrios de grau de satisfação cada vez mais elevado.
É nesta razão dialéctica entre a satisfação e a insatisfação que assentam as forças do progresso, que o mesmo é dizer o desenvolvimento da personalidade de cada um, dentro do desenvolvimento e do bem-estar social.
Este é o cenário de um verdadeiro humanismo, já que as funções criativas se geram nesta dinâmica de equilíbrio e de desequilíbrio permanente. Simplesmente, este cenário não se compõe de peças soltas, nasce da organização social e é consequência da força participativa, da capacidade de intervenção que a sociedade global for capaz de criar. No artigo 91.º, a nossa Constituição estabelece uma justa relação entre objectivos de política económica e objectivos da política social, educacional, cultural ecológica e de ambiente, única via para a melhoria da qualidade de vida do povo português que envolve de forma integrada, todos estes aspectos.
Este artigo da Constituição, como tantos outros, revela a dinâmica democrática da nossa revolução de Abril, que cabe a esta Assembleia manter actualizada e não permitir que mecanismos de fuga, que hoje se nomeiam vocação atlântica, vocação europeia, e noutras épocas históricas se chamaram outras coisas, abafem debaixo de um montão de palavras, esvaziá-las do seu conteúdo, a força da liberdade e da participação que nos devem levar à tarefa de estabelecer relações democráticas. Essas relações democráticas, a nível nacional e internacional, darão a Portugal, no contexto que de próprio soube criar, possibilidades de vivência de uma transformação coerente, com os valores culturais que formam a nossa identidade. A posição que o Governo tomou perante os representantes do povo português, fornecendo-lhe um Programa omisso de acções, de- objectivos, fazendo do Programa um terreno virgem onde poderá plantar tudo o que quiser, colocou-o do lado do formalismo e da política de intenções sem capacidade crítica e sem possibilidade de diálogo.
A qualidade de vida, conquista da democracia fortemente participativa, não floresce nestes terrenos. Não na qualidade de vida quem quer; ela é resultante de uma política global.
A sociedade humana não é uma massa passiva que se molde. Não descentraliza quem quer, não regionaliza quem quer, não democratiza a cultura quem quer, não alfabetiza quem quer, não profissionaliza quem quer, não divulga e defende o património cultural quem quer.
O poder é hoje, mais do que nunca, um acto de humildade. É essa humildade, essa consciência crítica, essa noção inteligente da diversificação do poder que falta totalmente no Programa que o Governo apresentou à Assembleia da República.
E bastaria, no entanto, a experiência do Poder Local democrático destes últimos anos, para dar ao Governo, se ele estivesse minimamente interessado em partir da realidade, formas mais consentâneas até com algumas das suas programadas intenções.
Verificou o Governo que, sem a dinâmica popular, é difícil resolver muitos dos nossos problemas e que a força de trabalho e da criatividade das populações organizadas é indispensável para a mudança, dando sentido de transformação à palavra slogan do Governo?
Concorda o Governo em que a descentralização e a regionalização são resultantes desta dinâmica local e que não é através de ordens emanadas do Poder Central que ele surge? A concentração tentacular do fascismo liquidou durante algum tempo o Poder Local, mas ele surgiu logo após o 25 de Abril, com a vivacidade da sua tradição histórica.
A autonomia, a liberdade, a dinâmica participação das populações, através dos seus órgãos de Poder Local e das suas associações é o primeiro e mais importante marco do nosso património nacional, que cabe ao Governo, não diríamos proteger, mas assegurar, por meios de trabalho eficaz, criativo e feliz.
Teve esta Assembleia da República capacidade de escolha política para aprovar, por unanimidade, uma lei para a extinção do analfabetismo, que muito a honra: é uma lei democratizante e potencialmente eficaz. Mas terá este Governo vontade política para a efectivar?
Sabe o Governo que após a vitória da AD apareceu logo, aqui bem perto, um cadeado na porta de escola legalmente cedida para aulas noctumas? Sabe o Governo que um director escolar, de um área aqui próxima, recusa a licença para abrir à noite uma escola primária para onde o próprio Estado destacou uma professora que o próprio serviço do Estado escolheu?
Não promove a alfabetização quem quer; é necessário ter potencialidades para criar um clima de des-condicionamento social, de justiça social e de espírito lógico que crie vontade de aprender e dê às elites portuguesas a certeza que muitos dos seus medos e da sua insegurança provêm do facto de sentirem, mesmo inconscientemente, que pertencem à classe letrada

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por mero acaso e que os seus cursos foram edificados sobre um montão de injustiças. Daí a supervalorização, entre os letrados, do saber e a manutenção de estatutos e privilégios fossilizados em relação à vida real.
Em 1975, o Seminário Internacional de Alfabetização em Teerão, promovido pela UNESCO, concluiu que o sucesso da alfabetização está muito mais dependente da dinâmica transformadora do país do que do dinheiro nela investido.
Quererá o Governo criar os mecanismos essenciais para trilhar o caminho eficaz?
A educação permanente, o circuito de «ensino não formal» que reconhece ao indivíduo o direito de reconversão profissional e decorre do desejo de aperfeiçoamento profissional de todos os que trabalham, pressupõe a flexibilidade das instituições, a colaboração da comunidade na tarefa educativa e uma sensibilidade generalizada que valorize o trabalho e a eficiência desse trabalho.
Agora, quanto ao ensino profissional, aspecto referido pelo Sr. Ministro, mas não na totalidade, diremos o seguinte: Poderá entender-se, embora de modo algum o Programa o explicite, com clareza, que a formação profissional será ministrada fora do sistema formal de ensino, envolvendo nessa acção formativa quer o Estado, quer as empresas públicas ou privadas, quer (acrescentamos nós) as autarquias locais e instituições públicas ou privadas que, de algum modo, pudessem contribuir para essa acção formativa.
Se é este o caminho que o Programa abre - e nele nada contradiz tal interpretação- o MDP/CDE está de acordo.
De facto, aquilo que uma profissão (exercida ao nível elementar ou médio) .requer de um ensaio específico pode adquirir-se em poucos semestres, dependendo apenas o número de semestres da profissão. A cultura base para possibilitar esta profissionalização não será específica: não toa um Português, ou uma Aritmética, ou uma. Física ou uma Botânica diversificados segundo as classes sociais.
O antigo ensino técnico estava estruturado como se devesse ser diferente o que se ensinava a uns e a outros, de forma a evitar a mobilidade social, factor indispensável do progresso, da dignidade da pessoa humana, e no nosso país, com elites fortemente hereditárias, indispensável para a actualização da nossa vida social.
O Programa refere o «adequado apetrechamento vocacional». A palavra «vocacional» tem gerado várias confusões, que se agravam quando adjectiva apetrechamento.
O ensino vocacional já existe na via formal do ensino. Ele não visa, muito justamente, a formação profissional; ele procura possibilitar um desenvolvimento harmonioso e global da personalidade, introduzindo o aluno no mundo técnico, nos seus valores, nas suas atitudes e nos métodos que usa. Esta educação tecnológica implica e promove a aproximação à realidade concreta e ao método experimental e permite ao aluno aperceber-se das vias pelas quais a ciência e a técnica servem como instrumentos de domínio sobre a natureza.
A educação tecnológica, como a educação física ou a educação literária ou a educação artística, não visa uma profissão específica, antes abre sobre grandes áreas que incluem, cada uma delas, muitas profissões.
Na opinião do MDP/CDE a experiência parece aconselhar uma certa redução na diversidade das disciplinas vocacionais e, talvez, certas reformulações do quadro em que são ensinadas. Mas tudo o que se fizer não deverá traduzir preocupações que apenas seriam próprias de um ensino profissional, mas antes deverá ter em conta o que devem ser os objectivos da educação tecnológica que privilegia o desenvolvimento psicomotor, o equilíbrio da objectividade do aluno e a sua projecção no mundo do trabalho.
É assim que o Governo entende o ensino vocacional? Estamos certos que o País apreciará uma resposta esclarecedora e detalhada.
Também na área da cultura o Governo se remeteu a um grande secretismo e a uma formulação tão imprecisa que julgaríamos, se o Programa expressamente o não negasse, que se preparava para instaurar e fornecer às populações mais desprotegidas, segundo a infeliz expressão do Programa, a cultura oficial que refuta.
Não é necessário democratizar a cultura. A cultura em situação de liberdade é, em si, democrática. As relações democráticas criam condições culturais que o governo terá evidentemente de acolher pelas possibilidades de trabalho da que for garante.
Quererá o Governo ajudar à revitalização das sociedades recreativas, do artesanato, do fomento de exposições, de concertos, de bandas de música? Numa palavra: quererá o Governo dar execução à lei das finanças locais, tal como foi aprovada nesta Assembleia? Quererá o Governo apetrechar os órgãos de Poder Local com o aparelho jurídico que ainda lhes falta? Quererá o Governo regionalizar, diversificar e divulgar o ensino da música, da dança, da pintura, da fotografia, etc. de tal forma que gere caminhos à criatividade popular?
Pensa o Governo que poderá, fora do contexto da participação regional, através das populações e do fomento do trabalho cívico solidário e voluntário, resolver a multidão de problemas que se levantam à realização das suas intenções?
No limiar do Ano Internacional da Criança, pensa o Governo que o problema de creches, de infantários, da ocupação de tempos livres, de integração dos adolescentes,, pode ser feito sem forte participação das populações?
A criança que, depois do 25 de Abril, surgiu com toda a sua força reivindicativa ao colo dos soldados e ao dado dos cravos, desapareceu deste Programa, demasiado formal!
E para terminar, gostaríamos ainda de acrescentar que, a nosso ver, se perdeu entre o programa da AD e o Programa do Governo um valor que pensávamos teria sido um dado importante, adquirido pelos três partidos. A língua portuguesa seria considerada não um feudo do País que, a gerou, mas sim um bem da cultura universal, vínculo de solidariedade entre povos irmãos, pertença de todos aqueles que a usam como meio de expressão.
O alargamento assim do nosso património linguístico daria uma nova dimensão à nossa cultura e abria, para Ia da vocação atlântica, a verdade da

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nossa vocação indica e pacífica, bem mais amplamente de acordo com a 'história do nosso povo.
Como símbolo da nossa língua, entendida nesta dimensão, surge este ano a figura de Camões. Nesse sentido, o meu partido, sugeriu ao Governo que este ano fizesse coincidir com o centenário de Camões um ano de alfabetização em língua portuguesa. Insistimos e; explicamos mais detalhadamente a nossa sugestão.
No I Centenário de Camões, depois do 25 de Abril, depois da elevação de Portugal à dignidade de País não colonial, retomado o nosso sentido universalista. na criação de nações livres, o MDP/CDE pensa que se deveria encontrar o sentido dessa dignidade e dessa liberdade.
Fazer edições d'Os Lusíadas é aumentar o património cultural do País e não podemos deixar de estar de acordo com isso, mas é preciso juntar a esse facto a consciência de que a percentagem mundial de leitores da língua portuguesa e a percentagem de gente capaz de interpretar e conhecer Os Lusíadas é muito diminuta.
As comunidades portuguesas no estrangeiro não deverão ser, porque nunca foram, centros isolados no próprio país onde estão, mas embaixadores da nossa língua e da nossa cultura.
Neste sentido universalista, entende o MDP/CDE que se deveria celebrar o IV Centenário da morte de Camões como data de abanque para um grande movimento de valorização da língua portuguesa.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP e de alguns Deputados da Aliança Democrática.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As minhas primeiras palavras, nesta tribuna, quero que sejam de saudação a V. Ex.ª, Sr. Presidente, e a toda: esta Assembleia, representante autêntica, para os dias de hoje, dessa «República», imagem estrutural do povo, em cujo serviço-.assim o julgamos - sempre estiveram os «ds de Portugal.

Risos do PS e do PCP.

Sr. Presidente: Em nome do Grupo Parlamentar do PPM, vou em seguida debruçar-me, por breves momentos, sobre alguns aspectos, que desejaria, fossem alguns dos essenciais, do problema da educação- do problema português da educação e do ensino.
Sr. Ministro da Educação e da Ciência: Peço licença para o felicitar pelo conjunto das intenções enunciadas e especialmente por ter querido integradas num contexto mais vasto - o que envolve a cultura, o ambiente e a qualidade de vida. É para nós. Deputados do PPM, altamente significativo e promissor esse entendimento, em que é fácil descobrir um conceito dinâmico de educação - de uni dinamismo humanístico, e não apenas técnico.

Sr. Primeiro-Ministro: Com alguma surpresa - que não é puramente negativa - encontro dispersos pelo Programa do seu Governo alguns pontos de inovação ou renovação pedagógica que ficariam bem no capítulo dai educação. Refiro-me concretamente ao projecto de ensino universitário de ciências de administração pública (página 2 do Programa do Governo) e ao propósito de fazer ministrar ensino agrícola (paginai 38) - que se desejaria presente em todo o ensino básico (ao menos como disciplina de opção) e largamente estruturado e diversificado a nível secundário e superior -, o que é francamente de esperar da parte deste Governo. Nesta ordem de ideias, permito-me observar que nem dentro nem fora do programa educacional encontro qualquer referência à necessidade do ensino turístico.
Em todos estes casos, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro da Educação, seria desejável que o Ministério da Educação e da Ciência tomasse a seu cargo o respectivo ensino ou a tutela administrativa do correspondente ensino particular, cooperativo ou comunitário.
Mas não são dei certo estes aspectos formais o que mais importa. Qual é a «filosofia» deste Programa? Vou procurar defini-la, exprimindo assim, por um lado, a razão do meu apoio e do apoio do meu partido ao programa da educação e ensino; .por outro lado, o que nos parece desejável, para além mesmo dos propósitos enunciados no Programa. Para respeitar o tampo de todos nós, permitir-me-ei enumerar apenas os princípios dessa filosofia, sem os desenvolver.

1 - O direito a aprender e ensinar é um direito de cada pessoa, exactamente por ser pessoa (cf. Constituição, artigos 43.º, 73.º, etc.). Esse direito implica, portanto, a igualdade de oportunidades (cf. artigos 74.º e 76.º da Constituição).

2 - O primeiro alargamento deste princípio é o papel da família na educação. Temo-lo como de direito natural intransponível. E entendemos que essa participação deve caracterizar-se, em certa medida, na própria estrutura da escola.

3 - Cada escola é, em termos sociológicos, ou deve ser, em termos filosóficos, uma comunidade de alunos, professores, empregados administrativos, sem quebra da diversidade de funções e da autoridade responsável.

4 - O professor é essencialmente um criador do diálogo, e para essa missão tem de estar preparado pelo saber e pelo espírito do serviço. Nenhum estatuto do professor, por mais urgente e eficaz que se apresente, pode deixar de corresponder a estes princípios fundamentais

5- Nas condições históricas que são as nossas, a acção educativa ultrapassa os círculos estreitos que considerámos e vêm a afirmar-se como obra de uma comunidade de base territorial, que vai da aldeia ou do bairro urbano até à Nação e à própria humanidade.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

6 - Daí o significado, hoje particularmente relevante, de uma educação em que toda a comuni-

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dade esteja envolvida, como sucede, com êxito notável, na fórmula já muito experimentada da «escola comunitária», ensaiada desde há cerca de quinze anos na ilha do Faial e em outros pontos do território nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao princípio da comunidade da educação soma-se nessas escolas a ideia e a prática da permuta de saberes e da colaboração e entendimento entre todas as camadas sociais e etárias.
7- Como acto comunitário, a educação deve obedecer ao princípio clássico (que os gregos exprimiam no termo paideia segundo o qual todas as gerações têm direito a receber, de um modo consciente, a herança da cultura que historicamente define a povo em que nasceram. Cabe, seguramente, ao Estado velar por que, ao menos nas suas escolas, seja transmitida e enriquecida, em cada geração, a paideia portuguesa, sem a qual poderá haver, fisicamente, multidão, mas não pode haver, culturalmente, povo.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não é ao Estado, estrutura jurídica, que pertence educar. No entanto, cabe-lhe ordenar, em termos de direito, a legítima e historicamente indispensável distribuição da tarefa educativa pelo sector privado, pelo sector cooperativo (expressão jurídica que facilmente pode assumir o sector comunitário) e finalmente pelo sector público, ao qual pertence o papel supletivo de preencher as carências dos outros sectores. Terreno este, observo, em que, dir-se-ia por inadvertência, os constituintes de 1975 trocaram os termos da questão, conforme se vê no n.º 1 do artigo 75.º da Constituição. A presidir a esta divisão estará, naturalmente, o princípio, primeiro entre todos, da igualdade de oportunidades.

9 - Sem prejuízo do papel das famílias e da iniciativa privada em geral, sempre limitada, nos seus aspectos económicos, por critérios dei bem comum, é especialmente importante que o Estado apoie francamente o sector cooperativo, que, também no campo do ensino, está chamado a desempenhar uma função social particularmente relevante e progressiva.

10 - Cabe ao Estado, ao menos na era histórica que vivemos, fixar as linhas mestras dos programas para todos os ensinos. Mas deve respeitar, até na escola pública, uma certa liberdade pessoal e comunitária, por vezes de expressão familiar, na aplicação de tais programas.

11 - Cabe ao Estado, e muito particularmente a este Governo, dedicar uma atenção, que, nem por ser muito devida, será menos carinhosa e humana, a todos aqueles portugueses, de qualquer idade, que sofram de deficiências físicas ou mentais que exijam uma educação e um ensino especiais, sem perda do estatuto de membros da comunidade.

12 - É manifesta, para todos, a urgência de uma reestruturação de todo o ensino, actualmente disperso, diríamos, dissipado. Neste terreno, porém, têm sido há largas décadas tão frequentes e tão inconsequentes as reformas de fundo, que parece da mais elementar prudência saber dar tempo ao tempo.
Concluo, Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação e da Ciência, pela repetição do que julgo essencial: a educação e o ensino que preconizamos perderiam todo o valor porque desceriam ao nível da pura técnica, se não fossem portugueses; isto é, se não se identificassem com a cultura pátria e, através dela, com os valores universais do homem.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Catarino.

O Sr. Luís Catarino (MDP/CDE): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Também na parte referente à justiça, o Programa do Governo é omisso, significativamente omisso, de molde a consentir todas as dúvidas sobre a sua futura actuação numa zona tão importante com é a do funcionamento dos tribunais como Órgãos da Soberania.
É do conhecimento geral a grave crise instalada nos serviços da administração da justiça, crise que vem arrastando-se de longa data, que tem a ver com o próprio funcionamento e organização dos tribunais, mas que reflecte, de modo impressivo e, por vezes, violento, a realidade mutável da nossa vida social. Sobretudo num tempo, como o nosso, de profundas alterações da estrutura política do Estado e do sistema económico e, assim, e das relações sociais estabelecidas.
Todavia, o Programa do Governo, na perspectiva que oferece do sector da justiça, parece completamente alheio a estes factos, limitando-se a afirmar que o funcionamento dos tribunais está gravemente afectado pelo insuficiente número de juizes. Oferece a ideia de que o problema é somente o da falta de juizes. É uma visão restrita dos problemas que incidem sobre os tribunais e desligada, parece que, incorrectamente, de todas as várias causas da crise.
É real a falta de juizes. Sabe-se que o problema vem do tempo do fascismo, em que a função era degradada por efeito da natureza própria do sistema, exigindo dos magistrados pesadíssimos sacrifícios de toda a ordem, desde as remunerações avultadas e as piores condições materiais de exercício até à premente pressão do poder político sobre a classe. Mas restringir a esse facto as dificuldades graves com que se debate a administração da justiça é oferecer uma visão desintegrada da realidade social.
Aceita-se que as reformas a introduzir nos tribunais e as medidas a tomar, com urgência, se situem na zona restrita do funcionamento dos meios da organização judiciária, mas entendemos que esta visão fechada e tecnicista pode afectar a informação necessária à escolha e execução de tais reformas e medidas.
Neste domínio, o Programa do Governo logo mostra as suas reservas quanto ao funcionamento, e mesmo composição, do Conselho Superior da Magistratura, para o qual haveria, no seu entender, de conseguir formas mais expeditas de actuação, de maneira a aliviar a sua estrutura, que chama de pesada e complexa. Á parte a indicação do propósito de promover, através da Assembleia da República, a criação de um conselho restrito, com atribuições

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disciplinares e de inspecção, nada o Governo informa do que pensa quanto às medidas restantes.
Entendemos que o Conselho Superior da Magistratura, com a sua composição actual, à parte um ou outro ajustamento a introduzir, corresponde, no seguimento das lutas constitucionais fixadas, a uma nova, diríamos mesmo revolucionária, maneira de entender o papel a desempenhar pela magistratura portuguesa na nova sociedade liberta da opressão.
A participação de elementos exteriores ao corpo da magistratura judicial, incluindo a participação de juizes de 1.ª instância e de funcionários de justiça indicados pelas suas organizações sindicais, são elementos inovadores da nova sociedade democrática, que quebram salutarmente qualquer eventual tendência corporativista na organização da classe e abrem a possibilidade da necessária sensibilização a outras áreas de interesses.
O espírito de corpo da magistratura foi usado, pelos juizes portugueses, contra o fascismo, como meio de defesa da sua independência e das suas prerrogativas. Justamente. E salvo raras excepções, os magistrados portugueses: guardam, desse tempo difícil e ingrato da nossa história, o prestígio da sua dignidade.
Todavia, agora no Estado democrático, o equilíbrio dos Órgãos de Soberania e a delimitação dos seus poderes não vão mais exigir à magistratura portuguesa esses meios de defesa; antes criaram as condições para uma mais perfeita e fecunda aproximação do poder com as realidades sociais.
Por isso, e porque se sabe que as novas linhas de organização da magistratura vão recebendo, mesmo do próprio corpo, aqui e além, alguns gestos de discórdia, informados, por vezes, numa perspectiva política de regresso, o MDP/CDE teme pelo sentido que o Governo espera poder introduzir na organização do Conselho Superior da Magistratura.
Assim, que pensa o Governo da bondade ou do demérito da representação de interesses, que não são de classes, no Conselho Superior da Magistratura? Nomeadamente de representantes desta Assembleia ,e dos funcionários de justiça? Que pensa o Governo da futura composição de um conselho restrito, formado no próprio Conselho, nomeadamente quanto à composição e competência?
Estas são dúvidas que, legitimamente, se colocam a esta Assembleia, muito propriamente a esta Assembleia, e que o Governo deve, claramente, desfazer.
Para além da visão desintegrada que oferece o Programa, ele indica, como meios imediatos de considerar a crise, expedientes sem qualquer efeito sobre a situação actual. Avança a afirmação insignificativa de que alguns juizes devem continuar a exercer funções em mais que uma comarca, que vai introduzir-se maior flexibilidade na substituição de juizes e que a criação de tribunais de competência específica para certas matérias descongestionará e racionalizará, em Lisboa e no Porto, o funcionamento dos juízos cíveis.
Tais afirmações são meras banalidades, porque a solução não é, logicamente, a de desdobrar juizes por várias comarcas, não é a de inventar mais critérios de substituição de juizes, porque a solução não é, logicamente, a que decorre da criação forçada de tribunais, em substituição de órgãos não jurisdicionais que julgavam, antes, determinadas matérias.
O desdobramento de juizes por várias comarcas, expediente já usado, aliás, ainda que responda a situações agudas de urgência de alguns actos judiciais, tem--se mostrado, por motivos óbvios, de clara insuficiência; e a substituição de juizes, normalmente, também apenas cobre alguns actos urgentes no domínio do processo penal et muito pouco no domínio do processo civil.
Já se disse que as reformas e as medidas imediatas a introduzir têm de ser decididas e executadas no âmbito funcional da organização judicial. Mas é incorrecto apontar como causa única da crise, repete-se, a falta de juizes e também indicar, ainda que de forma lateral, que o aumento de serviço dos tribunais se deve a uma litigância excessiva dos cidadãos portugueses.
Para se analisarem as causas da crise de toda a estrutura dos tribunais há que tomar em conta diversos elementos dei ordem social que, como sempre, se reflectem no seu funcionamento. Isto tem a ver com as modificações estruturais introduzidas pelo novo regime democrático e por um conjunto dei alterações profundas de ordem social que se instalaram no nosso país.
A revolução de Abril e a Constituição criaram um Estado de direito democrático que, necessariamente, teve de estabelecer, demais num tempo mundial de profundas e rápidas mutações, um novo conjunto de instituições e de abrir novas formas de expressão social, e de articulação com os cidadãos.
Tudo isto teve reflexos incidentes na definição d. novos direitos e obrigações do Estado e dos cidadãos e na criação de novas relações entre partes sociais, com o necessário estabelecimento da novas estruturas jurídicas de cobertura.
O quadro d& direitos e liberdades consignado nas leis e o consequente direito dos cidadãos à sua defesa pelos tribunais, com um novo sentido de utilidade social destes órgãos, o reordenamento dos meios produtivos nacionais, com as consequentes expropriações e a criação de novos tipos de propriedade, o estabelecimento de estatutos de classe que de novo definiram direitos e eocigiram meios de defesa, enfim, a dinamização das relações entre os cidadãos e estes e o Estado, tudo isto são factores que passaram, por vezes bruscamente, a solicitar a protecção dos tribunais. São, claramente! factores positivos de uma sociedade em mudança, no sentido de um mais perfeito desenvolvimento da pessoa humana e do progresso social, que implicaram, por vezes violentamente, desequilíbrios na estrutura judicial.
Mas outros factores, concretamente determinantes, terão ocorrido e desencadeado efeitos no mesmo sentido.
O fim das guerras coloniais fizeram regressar, logo a partir do 25 de Abril, largos milhares de jovens com dificílimas condições de integração social.
Num pequeno país como o nosso, de reduzida expressão económica e submetido a todas as convulsões da Revolução, seria sempre d& solução difícil absorver todos esses cidadãos, demais situados numa zona etária de solicitação de emprego.
O fenómeno, que sempre sei dá em todos os países, da dificuldade de integração social do exército desmobilizado também entre nós se reflectiu ale forma muito expressiva.
Tal fenómeno, criou naturalmente tensões sociais graves, demais tendo em conta -e isso tinha a ver

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com as classes sociais que mais violentamente sofreram as consequências da guerra - que o exército era constituído por cidadãos pertencentes às camadas sociais mais débeis cultural e economicamente
O regresso dos desalojados das ex-colónias foi um ónus pesadíssimo para o País, que teve, obviamente, de sofrer todas as consequências gravosas cia situação. Foram largas centenas de milhares de pessoas que tiveram de ser reintegradas na sociedade portuguesa e que nela reflectiram não apenas a fenómeno de um aumento demográfico brusco, mas todos os seus graves problemas económicos! e psicológicos, muitos deles no limiar da ruptura.
O desemprego, que vem alastrando por toda a Europa e que atinge, já hoje, talvez mais de 500000 cidadãos portugueses, com todas as suas terríveis consequências económicas, pessoais e morais, ponde em causa a habitação, a alimentação pelo próprio relacionamento social, vem criando uma larga faixa de marginalização social, geradora de tensões e de desequilíbrios graves. A falta grave de habitação no nosso país, em que falta um milhão de fogos, é uma situação de degradação terrível, igualmente causadora de tensões de profunda rotura social.
A redução do poder de compra dos trabalhadores e das classes mais desfavorecidas igualmente gera gravosas consequências no domínio das relações sociadas cidadãos.
Tudo isto são factores directa ou indirectamente envolvidos na crise dos tribunais. Eles conduzem, necessariamente, a situações de afrontamentos sociais, com actos de violência física, prostituição, proxenetismo, vadiagem, alcoolismo, droga, crimes contra a propriedade, crimes sexuais, deterioração de relações de casamentos, violação dos direitos de menores, etc., o que tudo solicita a intervenção, quer punitiva, quer no domínio da segurança, dos tribunais portugueses.
Durante muito tempo, a liberdade das relações pessoais entre cônjuges esteve bloqueada pela Concertada entre o Governo português e a Santa Sé. Restituída, depois da Revolução, essa liberdade pessoal, naturalmente que as acções destinadas a regularizar milhentas situações irregulares e indefinidas aluíram em grande quantidade aos tribunais portugueses, que, não obstante, o aligeiramento introduzido nos processos de divórcio por mútuo consentimento, de toda a forma se debatem com uma carga excessiva de procedimentos de divórcio.
Depois do 25 de Abril os trabalhadores portugueses tiveram, finalmente, um conjunto de leis de defesa dos seus direitos de classe. De outro lado, muitos patrões, uns por dificuldades reais, outros por menor vontade de aceitar as consequências das alterações introduzidas na sociedade portuguesa e as regras do novo convívio social, adoptaram, frequentemente, procedimentos lesivos dos interesses dos trabalhadores, preferentemente através dos despedimentos individuais ou colectivos.
Isto ocasionou um afluxo enorme de procedimentos do contencioso laborai aos tribunais portugueses, que, mantendo praticamente a mesma estrutura funcional do tempo do fascismo, sofrem, neste domínio, a dificuldade, porventura mais grave, de toda a sua crise. Grande parte da mão-de-obra da população trabalhadora da agricultura é aplicada nas explorações em regime de arrendamento ao cultivador autónomo.
Sabemos o que tem sido desde o 25 de Abril, a política dos sucessivos governos, neste domínio tão importante da produção agrícola e da emprego da mão-de-obra rural.
Se os primeiros diplomas surgidos após a Revolução, nomeadamente a primeira Lei do Arrendamento Rural, de 1975, tiveram, como objectivo primordial, a defesa de estabilidade social e económica dos rendeiros retirando, justamente, aos senhorios as suas prerrogativas de livre denúncia dos contratos, findos os prazos contratuais, o último diploma que regulou sistematizadamente a matéria, a Lei n.º 76/77, inverteu completamente o sentido dominante do diploma anterior e introduziu, escandalosamente, a favor dos senhorios, mecanismos de domínio dos rendeiros. Refiro-me à possibilidade descricionária de o senhorio denunciar o contrato com a simples alegação, sem necessidade de prova, registe-se, de que pretende explorar directamente o prédio. Os efeitos não se fizeram esperar e assistiu-se, de Norte a Sul do País, a uma corrida ansiosa dos senhorios aos tribunais, promovendo acções que desencadeiam directamente os efeitos de meras execuções para despejo dos cultivadores rendeiros. São do conhecimento público as consequências que esta situação trouxe ao funcionamento dos tribunais, devido à acumulação de processos de despejo.
Vamos estar numa economia de mercado, no âmbito das exigências de uma Europa desenvolvida. O Governo, no seu Programa, aponta aos Portugueses esse caminho. De escolha, sim, mas agora já irreversível. Será a "prioridade das prioridades", como foi reafirmado no debate do Programa. E isto, naturalmente, tem as suas exigências. As do chamado saneamento da nossa economia, que passa, inexorável, pela/eliminação de numerosas pequenas e médias empresas agrícolas e industriais, sobre as quais assenta parte significativa da actividade produtiva do País.
Já vão surgindo nos tribunais afloramentos deste fenómeno e não tardará que os processos de falência, de dissolução e liquidação de sociedades e de insolvência civil vão engrossar os contingentes de processos a aguardar movimentação e despacho nas estantes das secretarias e nos gabinetes dos magistrados.
A este acervo de dificuldades junta-se a desconformidade que, teimosamente, vem subsistindo, entre, de um lado, a nova realidade social saída da Revolução e da criação de um Estado de direito democrático e as exigências do tempo actual e, de outro; um corpo de leis fundamentais, algumas com cem anos, que se mostra incapaz, por desactualização, se não por mera caducidade em alguns pontos, de responder às necessidades de adequação e de alguma oportunidade, para não dizer já de alguma celeridade.
O reflexo de toda esta situação incide sobre os interesses dos cidadãos, dos magistrados, dos funcionários de justiça e, naturalmente, sobre o prestígio do Estado.
Os cidadãos, infelizmente, vão descrendo na justiça. Ela é tardia quase sempre e, às vezes, pouco própria.
Em algumas zonas processuais, a situação atinge aspectos particularmente agudos, como nos casos da jurisdição de menores e do trabalho, em que os titulares a alimentos e os trabalhadores, mesmo nos casos de procedimento cautelar, que devia ser urgente, sofrem gravíssimos atrasos na solução dos seus pró-

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blemas. E são conhecidas as condições difíceis, infelizmente tradicionais, em que ^trabalham, dedicada e sacrificadamente, os magistrados e funcionários de justiça, transportando no dia-a-dia da sua profissão a frustração angustiante da insuficiência e, às vezes, a inutilidade do seu esforço.
Parece-nos que é útil saber-se qual a situação no domínio da administração da justiça. A crise não é apenas - longe disso - a da falta de juizes e a da excessiva litigância do povo português. Faltam, sem dúvida, juizes, repete-se, mas, para além de uma simples recomposição dos quadros, há que tomar em conta uma série de factores que desencadearam a crise e que o Governo parece não ter surpreendido.
O MDP/CDE deixa estias reflexões porque elas podem contribuir para evitar que as soluções que se vão tentar, desintegradas da realidade total, se dissolvam mais uma vez, na frustração da sua ineficácia.
Vamos conhecendo a filosofia que conduz as opções políticas dos partidos da Aliança Democrática e que sustenta o Programa do Governo. E sentimos as nossas preocupações, para já relativamente ao sentido político de algumas medidas anunciadas pelo Governo.
Já as manifestámos quando comentámos as considerações do Programa sobre o Conselho Superior da Magistratura. E colocamos agora outra questão: como pensa o Governo fazer aquilo que ele chama a revalorização da família?
A nossa memória está fresca de um regime político que dizia assentar toda a sua filosofia social na família. Era o regime fascista! E sabemos o que de deixou à família portuguesa: a descriminação dos sexos, concedendo à mulher um estatuto diminuído, a mortalidade infantil, a ausência de assistência materno-infantil, os bairros de lata, o analfabetismo, o alcoolismo. Damos ao Governo o benefício de não supor que ele se proponha a atingir, especificamente, uma sociedade assim definida. Mas há que avisar dos riscos e também das intenções postadas por detrás das palavras. O que é a "revalorização" da família? O mesmo é perguntar: o que pensa o Governo da situação da família ilegítima, dos alimentos à companheira do homem que faleceu, do direito hereditário dos cônjuges, da paridade entre o marido e a mulher na condução dos negócios e assuntos do casal, nomeadamente no exercício do poder paternal?
O mesmo é perguntar: que pensa o Governo da reforma introduzida no direito civil e comercial que consagrou, na satisfação de exigências constitucionais e na filosofia de uma sociedade liberta, os grandes princípios da dignificação da mulher e assim do equilíbrio da sociedade conjugal?
Seria bom que o Governo oferecesse a este Parlamento uma informação precisa e lesto sobre este ponto.
São estas, Srs. Deputados e Srs. Ministros, as reflexões que o MDP/CDE houve por bem trazer ao Plenário.
Elas podem ter sido a denúncia de riscos mas foram, decerto, uma tentativa de contribuir para o debate e o esclarecimento das ideias.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Moreno.

O Sr. Luís Moreno (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O primeiro e verdadeiro sentido político do debate sobre o programa de um Governo oriundo de uma maioria estável -como é o caso do Governo que se apresenta perante esta Assembleia- é o de recordar a esse Governo - Se tanto fosse necessário- que a base democrática do seu poder se radica na Assembleia da República, na maioria que o sustenta e lhe empresta a legitimidade do voto popular.
É - permita-se-nos o uso da expressão - o primeiro acto de prestação de contas perante os representantes dos eleitores, fonte da sua indiscutível legitimidade democrática.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não se trata - bem pelo contrário! - de um acto despido de sentido político, como poderia depreender-se das palavras que, a propósito, proferiu ontem nesta Câmara o Sr. Deputado Carlos Brito. Tão-pouco se trata, como outros poderiam pensar, de uma mera cerimónia, mais ou menos formal, de apresentação pública de um documento fundamental, porque nele se definem as grandes prioridades e se baliza toda a actividade governativa!
Do que efectivamente se trata, para nós, Deputados da maioria democrática, é de emitir um primeiro juízo de adequação e de fidelidade entre o Programa agora apresentado e aquele que defendemos perante os Portugueses durante a campanha eleitoral, uma vez que foi nesse Programa que votaram os nossos eleitores e a esse voto estamos indefectivelmente ligados.

O Sr. Rui Pena (CDS.}: - Muito bem!

O Orador: - Seria de facto grave erro político se os Deputados que integram a Aliança Democrática não tivessem sempre presente esta verdade e dela não tirassem as evidentes consequências: a de que estamos aqui ao serviço de todo o povo português, mas por vontade expressa dos cidadãos que nos elegeram e o fizeram em função de um programa cuja realização lhes foi prometida.
Grande e grave é, pois, a nossa responsabilidade e a de V. Ex.ª, Srs. Membros do Governo, porque, uns e outros, teremos de ser escrupulosamente fiéis ao sentido das promessas então feitas, ao significado profundo do claro voto de mudança expresso pelo povo português aos 2 de Dezembro próximo passado e que aponta os caminhos novos que, no respeito do enquadramento institucional que nos rege, nos conduzirão na senda dos países progressivos e modernos em cuja comunidade legitimamente nos queremos integrar!

O Sr. Rui Pena (CDS}: - Muito bem!

O Orador: - Aquele primeiro juízo de adequação de que atrás falava é positivo, mas terá de ser complementado pelo acompanhamento cuidado e interessado da acção governativa. O que, longe de significar qualquer desconfiança, só exprime interessamento, sã colaboração, fidelidade ao mandato recebido!
Não temos dúvidas de que uma tal atitude não só será bem compreendida como desejada por VV. Ex.ªs, Srs. Membros do Governo!

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E se tivéramos dúvidas, aí estava a declaração do Sr. Primeiro-Ministro para as sanar ao afirmar expressamente, no discurso em que apresentou a esta Assembleia o Programa agora em debate, ser desejo do seu Governo a melhoria das relações orgânicas e funcionais entre o Governo e o Parlamento e confessando a disponibilidade do Governo para o contacto e o regular diálogo com a Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do Governo afirma claramente que toda a sua acção decorrerá no respeito pela Constituição que nos rege. Repete-o, aliás, várias vezes, por certo desnecessariamente, tão evidente tal facto aparece a quem sempre pautou a sua actuação pelo cumprimento escrupuloso da lei!
Não podem deixar, por isso mesmo, de soar estranhas as afirmações aqui feitas por vozes oriundas das bancadas da oposição, e que dramaticamente anunciam que a realização do Programa do Governo se traduzirá na subversão da ordem institucional!?! Mas, como assim? Se,, por hipótese que à partida consideramos impossível, tal se verificasse, não funcionariam os mecanismos constitucionais de defesa? Ou será que a oposição duvida agora dos próprios instrumentos que, de modo altamente discutível, mas com o seu apoio, se criaram, como guardiões da fé da sua "constituição perfeita e imutável"?

Vozes do PSD e do Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - A explicação é por certo outra. Tais afirmações grandiloquentes e dramáticas outra coisa não traduzem que o receio pelos ventos de mudança que sopram em Portugal depois de 2 de Dezembro de 1979...

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Muito bem!

O Orador: - ... pelos ventos que o povo, democrática e ordeiramente, mandou que soprassem para que, com urgência, começasse a obra de progresso, de ordem, de reconstrução e desenvolvimento que lhe foi prometida pela Revolução de Abril e que tantos tudo fizeram para tornar impossível.

Aplausos do PSD e do CDS.

O que teme a oposição é aquilo de que bem no fundo de si mesma não duvida: que no próximo e decisivo quadriénio que; se aproxima o povo português, restituído à sua identidade, postas de lado as peias que o têm vindo a instrumentalizar, dará nova vitória à Aliança Democrática, confirmando o caminho de mudança e de que essa mudança se projectará então na Lei Fundamental que nos rege e que a maioria democrática expressamente se comprometeu a respeitar até ao momento em que os mecanismos de revisão possam ser accionados, como na Constituição está previsto.

O Sr. Rui Pena (CDS}: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma das questões que mais controvertidas: tem sido peia oposição é a afirmação, ínsita no Programa- do Governo, de que este, citamos, "apresentará uma proposta de nova delimitação dos sectores público e privado no respeito das disposições constitucionais em vigor, abrindo progressivamente actividades à iniciativa privada, incluindo a banca e os seguros".
Houve alguns até que, a propósito da questão e do modo mais demagógico, afirmaram que mais não se tratava de que, cito, "um pretexto para abrir à iniciativa privada sectores que lhe estão constitucionalmente vedados". Outros, menos audazes ou mais conhecedores da Constituição, afirmaram que, com tais medidas, o Governo não pretendia outra coisa que não fosse criar "condições propícias a um certo número de empresários e empreendimentos" para se reinstalarem em Portugal, uma vez que só a esses e não à maioria dos outros empresários interessava um tal problema. Enfim, e numa palavra, com tais medidas, outra coisa não se pretenderia que construir o cavalo de Tróia de cujo bojo desembarcariam na praça lusitana os antigos grupos económicos portugueses que, movidos da "fúria demoníaca" da sua capacidade empresarial, levantariam novas fábricas e -oh desrespeito dos mais sacrossantos princípios colectivistas! - iriam concorrer com as empresas públicas que detêm hoje, em muitos desses sectores, o monopólio da produção dos bens!
Pondo de lado a questão - que cremos situar-se no foro das profundas e nem sempre lineares motivações psicológicas- do ódio cego que parece mover-se contra os empreendedores nacionais, uma vez que alguns desses sectores económicos já estão abertos à concorrência estrangeira e não deixarão de o estar os outros quando, como por certo acontecerá, ingressarmos no Mercado Comum, entendemos que o problema, longe de se tratar de uma mera querela artificial, envolve questões de fundo que merecem reflexão a que, por isso mesmo, devem ser desenvolvidas el explicitadas publicamente.
De facto, e embora não consideremos, salvo raras excepções, uma boa solução, a nacionalização das empresas, não nos repugna aceitar a existência de empresas nacionalizadas desde que se permita, ao seu lado, a existência de empresas privadas que com elas concorram.
Efectivamente, em tais circunstâncias, com tais nacionalizações, "não se introduz uma alteração substancial na estrutura do poder económico! No fundo, o que muda é tão-só o modo de designação dos dirigentes".

O Sr. Rui Pena (CDS); - Muito bem!

O Orador: - Coisa substancialmente diferente ocorre quando, através da nacionalização de sectores de actividade, se subtraem as empresas à concorrência. Aí sim, existe: uma verdadeira novação estrutural do poder económico e há que ver o que ela verdadeiramente significa, as suas implicações na organização social e política.
"Uma sociedade em qua as empresas estão directamente sujeitas ao poder político e à sua burocracia cessa de ser uma sociedade pluralista", está em contradição com o princípio democrático da pluralidade dos poderes que, na nossa concepção política, é a pedra angular de ideia democrática, uma vez que nela repousa a estrutura pluralista do poder político, com todas as suas implicações: existência das liberdades,

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pluralidade de partidos, distinção efectiva dos poderes do Estado...

O Sr. Rui Pena (COS): - Muito bem!

O Orador: - Estamos então perante uma sociedade em que os poderes económicos se confundem com os poderes do Estado e o cidadão estará assim inerme perante os poderes económicos!
É por isso, por tudo isso, que nos repugna a admissibilidade, dessas "coutadas públicas" cujas consequências negativas, mesmo tão-só no plano estritamente económico, estão exemplarmente documentadas, para infelicidade. Se todos nós, no caso português.
Mas nós compreendemos bem que a oposição, defensora de uma outra ideia de organização social e política, de uma sociedade colectivista, em que impera o capitalismo do Estado e; o chamado centralismo democrático, pense de outro modo. Está no seu pleníssimo direito. Só que o devem declarar, claramente e sem rebuço, com dispensa do recurso a falsos argumentos económicos e jurídicos e da menção a "razões" que só encontram justificação nos "fantasmas" com que se debatem e que muito claramente os perturbam.
Nós somos defensores do controle do poder económico peio poder político, não da confusão do poder económico com o poder político! Nós somos claramente contra os monopólios, porque os consideramos atentatórios da democracia pluralista que defendemos!

O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!

O Orador - Posso anunciar até, e desde já, que o meu grupo parlamentar apresentará oportunamente a esta Assembleia da República um projecto de lei antimonopólios.

Risos do PCP.

Esperamos então que o PCP e o PS que tanto falam contra os monopólios, embora tenham sido os seus grandes defensores e instituidores em Portugal, não os venham então defender.
O controle do poder económico, sem dúvida tarefa difícil, faz-se através do estímulo à existência de uma são concorrência; do incentivo à criação e desenvolvimento de um sindicalismo independente das empresas, do Estado, dos partidos políticos; da criação e protecção à existência independente das associações de consumidores; do controle organizado da própria colectividade...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última e breve palavra, especialmente dirigida a VV. Ex.ªs Srs. Membros do Governo.
A tarefa que tendes pela frente não é fácil! As dificuldades são as mais diversas, árduos os caminhos a percorrer, nas ruas não correrá leite e mel, como poeticamente aqui foi lembrado por ilustre Deputado, bem conhecido pelo fino recorte literário das suas intervenções, mas é necessário, é urgente, que as coisas mudem em Portugal.
O povo português tem em vós os olhos, aguarda expectante a vossa acção!
Estamos crentes que os não desiludireis!
Felicidades para as vossas pesadas tarefas é o que os Deputados da maioria democrática muito sinceramente vos desejam.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aboim Inglês.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Ao apreciarmos o programa da política externa do Governo, poder-se-ia lamentar que a "montanha", de fama feita, que o antecedeu, viesse, afinal, a parir apenas um "rato" - tão falho de estatura e fôlego é este Programa, desprovido de uma visão minimamente global e realista do mundo em mutação onde vivemos e havemos de agir. Está escrito com míopes olhos fixos no restrito círculo de interesses de classe que representa; é surdo aos anseios e necessidades gritantes da Humanidade neste limiar da década de 80, mas dá voz pressurosa à última palavra de Cárter; move-se para o retorno ao passado com a pressa de quem sabe que tem contra si o sentido do desenvolvimento da realidade objectiva e a acção dos povos que constróem o futuro.

Vozes do POP: - Muito bem!

O Orador: - Em resumo: este Governo serve-nos requentado o mesmo Programa contra os "ventos da História" que outros escreveram já, e os ventos da História varreram. Não é o pior Programa desde o 25 de Abril - ele não é sequer um programa de política externa do Portugal de Abril.

Aplausos do PCP.

Poder-se-ia pensar que a intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros colmataria a lacuna do Programa, dando-nos a visão global que àquele falta. Aconteceu, porém, que o discurso do Sr. Ministro se limitou ao decalque do Programa. Teve, entretanto, o grande mérito de, com o seu desabusado acento straussiano, mostrar sem margem de dúvida que o "rato" do Programa de política externa deste Governo é portador da peste virulenta do belicismo, da guerra fria, dos planos sinistros dos meios internacionais mais reaccionários e agressivos, dos propósitos de completa submissão de Portugal ao imperialismo.

Aplausos do PCP.

Protestos do CDS.

Acautelemo-nos todos, os que amamos a paz, prezamos a independência nacional...

Aplausos do PCP.

...e temos a cabeça lúcida para não nos deixarmos intoxicar pelo terrorismo ideológico e a tacanhez política dos "ultras". Acautelemo-nos contra os actos insensatos dos que pretendem ser mais papistas que o papa, contra os cegos desesperados que nos querem arrastar com eles para o abismo.

Uma voz do PSD: - Para a Sibéria!

O Orador: - Linha saliente dos propósitos do Governo neste domínio é o que ele alcunha de "unidade da política externa" nacional, e se resume, efectivamente, em monopolizar para si a definição, condução ê representação dos interesses e acção de Portugal na arena internacional, reduzindo à ínfima espécie, constitucionalmente abusiva, a intervenção de

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qualquer outro Órgão de Soberania e o concurso das correntes político-sociais que constituem a integralidade do corpo da Nação.
Ora, os que hoje assim falam das cadeiras do Governo são precisamente os mesmos que, no próximo passado, foram activos protagonistas, no interior e no exterior do País, de uma "diplomacia" paralela e hostil à do Estado Português, em ligação, inclusive, com desclassificados mercenários e espiões estrangeiros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Defendiam então, contra a política externa do Estado Português, interesses de seita que se não confundem com os interesses nacionais.

Vozes do PCP: - Muito 'bem!

O Orador: - Agora, ocupado o Governo, querem transplantar para aí a defesa daqueles particulares interesses, pretendendo para tanto impedir a intervenção e concurso de outros Órgãos de Soberania e forças representativas do povo e Nação Portuguesa.
Não é este dos menores perigos que este Governo prenuncia. Não só pelo confronto institucional que traz no bojo, mas porque em política externa, mais talvez do que em qualquer outro domínio, exige-se a consideração de todo o diverso leque de forças da Nação e é desejável o consenso e o concurso de todos os Órgãos de Soberania e forças político-sociais para determinar quais os reais interesses nacionais e como agir. na complexa e perigosa realidade internacional de hoje.
Numa situação internacional que é, sem dúvida, perigosa para a paz e segurança, este Governo assumiu já posições em nome de Portugal que não tiveram o consenso das forças político-sociais da Nação nem dos seus Órgãos de Soberania. Comportou-se de modo que nos desprestigia como Estado livre, soberano e responsável. Defende opiniões, pratica actos e propõe-se objectivos que são contrários aos princípios por que se têm de reger as relações internacionais do Portugal de Abril, que são apenas os que estão expressamente definidos no artigo 7.º da Constituição e não os de sua invenção. Está a agir de modo que fere profundamente interesses vitais do povo e do País.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Referimo-nos, como é evidente, a actos recentes e propósitos anunciados do Governo - como notas "diplomáticas", chamadas de embaixadores, linguagem oficial desbragada, anúncio de "reexame global de relações", etc. -, que, a pretexto do Afeganistão e agitando o velho papão da "ameaça russa", sob a cortina de fumo do anticomunismo e anti-sovietismo mais primários, se empenha em agir, de certo não "desalinhadamente", mas servilmente ultra-alinhadinho com os ditames dos círculos mais reaccionários, agressivos e aventureiros do imperialismo, que nem sequer outras forças de direita, e nem sequer outros seus parceiros da NATO e da CEE, se curvam a adoptar.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD e do CDS.

Exigimos do Governo mais comedimento, menos irresponsabilidade; reclamamos das outras forças políticas democráticas, pacíficas, e simplesmente sensatas e patriotas, que elevem a sua voz contra a linha "ultra" deste Governo em matérias especialmente delicadas da. política internacional e de consequências bem sensíveis para os interesses, a segurança e a vida do povo português.
Quanto à "prioridade das prioridades da política externa" deste Governo, a adesão à CEE, não há inovações de fundo. O que há de novo é o forte acento na rapidez e o carácter universal da sua obsessão em moldar à força toda a vida nacional aos figurinos estrangeiros que são os seus.

Risos do CDS.

Porém, nem a realidade histórica, económica, social e política de Portugal é a dos modelos estrangeiros que nos querem impor, nem a nossa lei fundamental é o Tratado de Roma, mas a Constituição da República Portuguesa - pelo que esse objectivo específico deste Governo de 280 dias não é realizável.
Estão, entretanto, para nós claras as consequências desastrosas desta política para largos sectores económicos e sociais do País, para os trabalhadores e as classes médias, para os interesses vitais do progresso e da independência de Portugal, e a ausência de escrúpulos e cuidados que a pressa obsessiva do Governo põe em relevo. Congratulamo-nos pelo facto de personalidades de outros sectores políticos e sociais, inclusivamente neste debate, levantarem hoje as mesmas questões pertinentes e fundadas preocupações que nós, comunistas, há muito vimos colocando, e que hoje, com a pressa cega de que este Governo faz programa, ainda mais prementes são.
Afirma o Governo a intenção de dar cumprimento à directriz constitucional de desenvolver "laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa", e naturalmente as relações com os Estados independentes de África que foram antigas colónias portuguesas. Mas temos fundadas dúvidas, já nem quero falar das intenções, mas sobre a idoneidade e capacidade deste Ministério, atenta a sua composição, para realizar essa directriz.
As actividades hostis e de ingerência que as mesmas pessoas fizeram nó passado quanto àqueles países irmãos, e a confusão que sempre fazem entre os interesses e "contenciosos" de grupos restritos de pessoas e os interesses da Nação e do povo português, não são penhor de confiança para o futuro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador - A ingenuidade ou hipocrisia de afirmar aqui que se pode ser provocatoriamente anti-comunista e anti-soviético no plano político e diplomático e, ao mesmo tempo, colher os frutos recíprocos de uma cooperação económica com a União Soviética e outros países socialistas - essa ingenuidade ou hipocrisia pode também neste caso verificar-se. Em ambos os casos é a paz, a coexistência pacífica, o desanuviamento que são prejudicados e, com eles, os interesses vitais - económicos, inclusive- de Portugal e do povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Ficam claras as nossas apreciações

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essenciais sobre o programa de política externa deste Governo. Governo e Programa que não servem os interesses do povo e de Portugal, como não servem a causa da paz, do desanuviamento, da cooperação e do progresso social no Mundo.
O PCP considera que uma política externa independente é essencial ao progresso e à democracia em Portugal. Por asso defendemos as seguintes linhas de orientação fundamentais: diversificação das relações externas de Portugal na base da igualdade, respeito pela soberania nacional, interesses mútuos, sem ingerência nas questões 'internas; desenvolvimento de relações de amizade e verdadeira cooperação com os países capitalistas, e acordos com o Mercado Comum, excluindo a adesão ou integração económica ou política; não incremento do empenhamento de Portugal na NATO e recusa aos seus novos planos, nomeadamente a instalação dos "euromísseis" e alargamento da área de, intervenção; desenvolvimento das relações de amizade e cooperação com os países socialistas e cessação das provocações e ingerências políticas para com eles desenvolvimento das relações de amizade e cooperação com Moçambique, Angola, Guiné-Bissau, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe; desenvolvimento das relações de amizade e cooperação com os países do chamado "Terceiro Mundo"; uma política de paz, favorável ao desanuviamento, ao desarmamento, à dissolução dos blocos, ao cumprimento dos Acordos de Helsínquia, com participação activa na ONU e suas organizações
A política externa portuguesa tem de assentar nas novas realidades do Portugal de Abril, no respeito pelos princípios da Constituição, na defesa intransigente dos interesses, do progresso e da independência do povo e da Nação Portuguesa, da paz e do progresso social no Mundo. Por isso lutamos e lutaremos, luta e lutará o povo português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As afirmações valem por aquilo que são, mas também por aqueles que as produzem.
Assistimos aqui ao agitar de todo o elenco de fantasmas do Partido Comunista no que respeita à política externa. E o valor das afirmações produzidas afere-se pela constatação de que para o Partido Comunista, de facto, Portugal só teve uma política externa válida quando vendia vinho a três mil réis o litro à União Soviética.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador - Afere-se também, por exemplo, no célebre problema do calçado, afere-se nas dezenas de acordos de pesca que se fizeram com países do bloco socialista, inclusivamente com acordos de permuta de pesca que se fizeram com a Checoslováquia, com certeza para irmos pescar ao Danúbio.
Portanto, Sr. Presidente, pedi a palavra a V. Ex.ª só para colocar as afirmações do Sr. Deputado Aboim Inglês na sua real dimensão.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - O Sr. Deputado Aboim Inglês veio aqui dizer que o Governo não teria legitimidade para tomar as posições que tomou, porque teria, para o efeito, de se pautar por um consenso com todas as forças políticas aqui representadas, Protesto, pois, contra esse entendimento, porque levaria a que aqui, na Assembleia da República, que é Portugal, nós fizéssemos o mesmo que sucedeu com o Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde, pelo veto soviético, foi possível perpetuar a invasão do Afeganistão contra a paz mundial e contra a Carta das Nações Unidas.

Aplausos da maioria parlamentar.

Esteja sossegado o Sr. Deputado Aboim Inglês, porque com certeza que nós nunca aceitaremos uma política de coexistência pacífica em que a coexistência pacífica seja de cá, mas que de lá estejam os 60000 soldados soviéticos a ocupar terras que não são as deles, Com essa não concordamos.

Aplausos da maioria parlamentar.

E mais do que isso ainda é que, enquanto a Assembleia das Nações Unidas, por esmagadora maioria, vota em determinado sentido e 18 votos contra apenas permitem essa situação, se o Partido Comunista Português se apoia no veto soviético, não obstante a continuação da situação de agressão, é, com certeza, porque uma vez mais não respeitará a lei das maiorias, pretendendo uma vez mais que haverá um "Sol no Mundo", ainda que minoritário, para dominar esse mesmo Mundo. Seremos sempre contra isso e declará-lo-emos sempre nesta Câmara.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.

Contudo, lembro aos Srs. Deputados do PSD inscritos que do tempo que lhes estava reservado dispõem neste momento apenas de quatro minutos e meio.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, desculpe, mas são catorze minutos.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª toda a razão. A informação resultou de um lapso da Mesa e os quatro minutos e meio são do PCP.

Risos do PSD e do CDS.

O PSD tem catorze minutos. Portanto, peço desculpa e fica rectificado o lapso. Tem então a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção é para lavrar um protesto, que é pessoal, é em nome da minha bancada e em nome da comunidade internacional que julgo neste momento poder interpretar.

Risos do PCP.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado, isso não será mania das grandezas?

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O Orador: - Sr. Deputado, não é mania das grandezas. A crise internacional desencadeada é uma crise que só tem semelhança histórica no passado mais recente com a crise dos Sudetas.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Aboim Inglês, foi o intérprete de uma mensagem que ontem o Partido Comunista aqui deixou de dar a conhecer ao País, a posição oficial do Partido Comunista sobre a invasão do Afeganistão.
Não me vou debruçar sobre as razões que levaram a União Soviética a invadir o Afeganistão. Simplesmente vou chamar a atenção do Sr. Deputado Aboim Inglês para o facto de, de uma assentada, o Partido Comunista Português se ter solidarizado com uma posição que rasga a carta de Helsínquia, com uma posição que destrói o neutralismo e todos os esforços que foram feitos na comunidade internacional para obter um equilíbrio entre as potências É de facto lamentável a solidariedade do Partido Comunista com a União Soviética no destruir do equilíbrio internacional entre as nações. Para que andou o Partido Comunista a passear o seu Conselho Permanente para a Paz e Cooperação?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para que andou o Partido Comunista a defender nos últimos dois anos os temas que foram caros aos corações de muitas nações, de que a violência não era o método de resolver conflitos internacionais? Vejo hoje, pela voz de V. Ex.ª, que realmente V. Ex.ª foi o intérprete de uma gerontocracia guerreira.

Risos do PCP.

Vejo, pois, que V. Ex.ª é hoje aqui o inimigo do interior.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Vai longe, Sr. Deputado!

Uma voz do PCP: - Fascista!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso deixar de começar por protestar contra um termo que ouvi dirigido a um colega da minha bancada chamando-lhe fascista. Quero, pois, dizer e reafirmar que os extremos tocam-se, e aqueles que utilizam esses termos, aqueles que não sabem ou não querem ver que estamos no Governo pela vontade democrática do povo português, esses é que se estão a ver ao espelho e dês é que, se não são fascistas, andam lá muito perto.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

Ò Sr. Vital Moreira (PCP): - Modere as palavras.

O Orador: - Mas o meu protesto é também contra um Deputado que veio falar na tacanhez dos ultras. Contudo ignorou que ele próprio é que é o exemplo vivo, o exemplo mais acabado da tacanhez dos mais que ultras, ele que se revelou aqui mais soviético que os Soviéticos, de uma fidelidade canina e vergonhosa à política exterior de uma potência estrangeira...

Aplausos da maioria parlamentar,

...ele que nos falou aqui de que defendíamos interesses ide classes. Mas não é ele que defende os interesses de uma classe 'burocrática e ainda por cima gerontocrática e estrangeira?

Risos do PCP.

E fala ele nos anseios gritantes da Humanidade! Mas quais são para este Sr. Deputado os anseios gritantes da Humanidade? São porventura as avançadas dos tanques da União Soviética? É por isso que a Humanidade clama? Pela nova opressão, pelo novo hitlerianismo? Não, não é.
Agora o que de não tem - e nós não lha podemos reconhecer - é qualquer autoridade para criticar o belicismo, quando, no fundo, vem dar cobertura às mais incríveis posições bélicas condenadas pela comunidade internacional.

Aplausos da maioria parlamentar.

Sabemos agora que a União Soviética não tem apenas um embaixador em Portugal, o Sr. Kailine, tem também um segundo embaixador, que é o Sr. Aboim Inglês.

Aplausos da maioria parlamentar.

Vem este Sr. Deputado falar-nos aqui de guerra fria. Pasmem, Srs. Deputados! Não há dúvida de que este Sr. .Deputado ousa criticar a guerra fria porque prefere a guerra quente da União Soviética.

Aplausos da maioria parlamentar.

Para ele, a solução para evitar a guerra fria é que a União Soviética invada todos os países, a pedido dos seus agentes. Não sei se o Sr. Deputado se conta entre eles, mas é muito provável.

Protestos do PCP.

O Sr. Uno Lima (PCP): - Isto é miserável!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos o favor de conservarem a serenidade. Os Srs. Deputados terão depois oportunidade de formular os vossos protestos.

O Orador: - Não gostaram das verdades, mas vou concluir, Sr. Presidente.
Finalmente, o meai protesto dirige-se contra aqueles que perante a reprovação universal bem expressa na votação da Assembleia Geral das Nações Unidas, de mais de 100 votos contra 18 votos, ainda ousam querer aqui falar em nome da paz internacional e dos interesses do mundo, e até também em nome do povo português.
Que ridículo, Sr. Presidente e Srs. Deputados!

Vozes do PCP: - Ridículo é o Sr. Deputado.

O Orador: - Que ridículo que um partido que em coligação - e nem sequer sozinho - teve apenas

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18% dos sufrágios do povo português se arrogue o direito de falar nos interesses do povo português. Isto é inadmissível. Nos termos da Constituição que os senhores tantas vezes invocam, a política externa é conduzida pelo Governo, e não têm de invocar aqui outros Órgãos de Soberania - aliás, que eu saiba, o Partido Comunista ainda não é, nem será, Órgão de Soberania. Portanto, o Governo conduz - e muito bem - a política externa de acordo com a maioria do povo português e se o não fizesse traria o sufrágio dos portugueses no dia 2 de Dezembro, coisa que nós não podemos tolerar.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (ODS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao contrário do Sr. Deputado Pedro Roseta, creio que se efectivamente o Partido Comunista Português, pela voz do Sr. Deputado Aboim Inglês tivesse feito esta declaração antes das eleições, não teria certamente 18%, não teria nenhuma adesão do povo português, porque o povo português é extraordinariamente nacionalista, é defensor dos interesses primordiais da paz e não está de forma nenhuma de acordo com a política belicista que aqui foi produzida pelo Sr. Deputado Aboim Inglês.

Aplausos da maioria parlamentar.

Só podem causar espanto e admiração as palavras que acabámos de ouvir a quem não conheça o Partido Comunista Português e a quem não conheça os "eus membros - o único partido que tem como símbolo, como sua bandeira, a bandeira de uma nação estrangeira.

Vozes do PCP: - Provocador!

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que através da faia do Sr. Deputado Aboim Inglês chegou finalmente o telex de Moscovo que esperávamos ao discurso do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-primeiro-ministro do actual Governa Constitucional. Chegou o telex de Moscovo e chegou com uma ameaça de boicote económico à acção política do nosso governo.
Aquilo que quero perguntar à bancada do Partido Comunista - de frente, olhos nos olhos, para que todos os Portugueses nos oiçam e pana que saibam qual é a política externa que o Partido Comunista defende - é se realmente o Partido Comunista, que defende como princípio internacional a não ingerência de um Estado nos negócios de outros, se esse partido condena ou não - e que) o diga aqui .perante iodos - a agressão soviética ao povo afegão. É, pois, através dessa declaração que os Portugueses poderão ficar a conhecer amplamente o tipo de política externa defendida pelo Partido Comunista Português.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história da revolta pela liberdade e pela justiça na história do mundo foi sempre dos povos contra o poder da força e contra a tirania dos governantes.
Custa-me muito, ao fim de uma vida de combate pela liberdade e que travei ao liado de muitos comunistas, alguns dos quais, inclusivamente, estão aqui nestas bancadas, ver o cinismo e a hipocrisia com que o Partido Comunista neste momento trata a liberdade dos outros povos.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Aboim Inglês, que dispõe de quatro minutos e meio.

O Sr. Aboim Inglês (PCP): - Tenho 50 anos, fui preso oito vezes pela PIDE de Salazar...

Vozes do PSD: - Já sabemos!

Uma voz do CDS: - Já chorámos muito!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peco-vos o favor de se conservarem em silêncio para podermos ouvir o orador.

O Orador: -..., passei dez anos nas cadeias fascistas, conheço de sobra os insultos e as palavras que aqui acabei de ouvir. Não me vergaram durante uma vida inteira, não é agora que me vergam.

Aplausos do PCP.

Estive a falar de questões sérias e dirigi-me a democratas, a amantes da paz...

Risos do PSD.

...as pessoas sensatas e a patriotas.
Esses ouvir-me-ão, e o miserável espectáculo a que aqui assistimos apenas é uma confirmação vergonhosa da razão das minhas1 palavras.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para lavrar um pró testo, pois este Sr. Deputado nada mais merece do que isso.
Tratou-se de uma ofensa aos representantes do povo português feita por este Sr. Deputado, mas o povo português despreza estes que o ofendem.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Cale-se!

O Orador: - Não me calo, Sr. Deputado, porque falo em nome do povo português. Calem-se os senhores, que falam em nome de estrangeiros.

Aplausos da maioria parlamentar e protestos do PCP.

O Sr. Deputado Aboim Inglês devia ter vergonha de aparecer sequer aqui, ele que sabe com certeza

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o que foram os milhões de crimes feitos pelo regime soviético ao longo da História, de que não falou nos campos de concentração existentes na União Soviética, onde estão cinco milhões de russos, ele que sabe o que foram os crimes de Estaline... Então, se sabe disso, não fale e não se diga amante da paz e democrata sem ter a coragem de condenar a miserável política expansionista da União Soviética e a sua política opressiva do seu próprio povo.
Ele diz que, teoricamente, teria lutado pela liberdade do povo português, mas porque é que não fala da liberdade dos povos escravizados pela União Soviética que são em número de muitas centenas de milhões?
É verdadeiramente repugnante esta duplicidade de critérios daqueles que ousam condenar determinados actos que são feitos por uns, mas que não os condenam se são feitos por outros.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Isto foi realmente uma intervenção para esquecer, mas foi bom que tenha sido feita, porque é a prova do que é realmente o Partido Comunista... Português (com interrogação).

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Que baixeza, que repugnante!

O Orador: - Repugnante é você!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira questão que vos coloco é esta: esgotámos já o nosso tempo, autorizam-nos os Srs. Deputados que usemos da palavra para dizer também alguma coisa sobre este assunto ou não?

Pausa.

Uma vez que ninguém se opõe, vou usar da palavra, pois julgo que cabe ao Partido Socialista uma palavra de moderação que deve fundar-"e em duas realidades.
A primeira dessas realidades é esta: o princípio fundamental da liberdade dos povos, da autonomia dos povos foi grosseiramente violado pela invasão do Afeganistão pela União Soviética...

Aplausos da maioria parlamentar.

... tal como o fora pela invasão da Hungria e da Checoslováquia. É isto o mínimo que se exige que um socialista e um democrata diga.

Aplausos de alguns Deputados do PSD e do CDS.

E é preciso dizer-se que essas posições não são só possíveis de socialistas e de democratas. Há também comunistas. Por exemplo, os membros do Partido Comunista Italiano apresentaram no Parlamento de Estrasburgo uma moção pedindo essa condenação.
Todavia, é preciso dizer-se também que a União Soviética não tem o monopólio da violação dos direitos dos povos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É preciso dizer-se também que a História próxima regista a agressão americana ao Vietname. Ë necessário dizer-se que a História regista a agressão do Vietname do Norte ao Camboja. É necessário dizer-se que a História regista o massacre inominável do povo cambojano pela clique do Sr. PoliPot e dó Sr. Yeng-Sary. É necessário dizer-se que a História regista também o fim da democracia no Chile do Presidente Salvador Allende.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É necessário dizer-se ainda que no meio deste cortejo de ódios e de violências nós podemos, em nome da política ou da geopolítica, fazer uma política de realismo num sentido ou noutro, mas a nossa simpatia vai só para as vítimas.

Aplausos do PS e da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP)-Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que aqui acaba de se passar só remotamente tem a ver com a política externa e com a situação internacional.
O Governo da AD tomou posse há treze dias, mas é já visível o seu anticomunismo. O delírio anticomunista a que acabamos de assistir, em que aos comunistas foram dirigidas as acusações mais graves que podem ser dirigidas a patriotas, as acusações mais caluniosas...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Mas infelizmente verdadeiras!

O Orador: - ..., as acusações mais torpes para quem tem uma vida de luta pelo nosso povo...

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Definam-se!

O Orador: - ..., as acusações que costumam usar-se quando a democracia está em perigo confirmam o facto.
E reflictam nisto, Srs. Deputados, porque a democracia .portuguesa está realmente em perigo.

Aplausos do PCP.

O ST. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Congratulando-me com o tom calmo e sereno desta intervenção do Grupo Parlamentar do Partido Comunista, que contrastou singularmente com as dos seus camaradas de bancada, e nomeadamente daquele que subiu infelizmente à tribuna, eu quero dizer muito simplesmente que diversas vezes tendo registado - e eu falo, como é natural e patente, da forma com que me falam - a estranha duplicidade de critérios que o Partido Comunista usa.
O Partido Comunista ainda antes de eu usar da palavra fez-nos acusações muito mais graves: chamou-nos fascistas, chamou-nos agentes do imperialismo americano - e se não disse "americano" disse outra coisa qualquer-, disse-nos que estávamos a

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soldo de forças europeias, americanas e outras. Ora, se nós, tirando as ilações necessárias de uma intervenção mais ou menos infeliz, fazemos algo que em nada se assemelha àquilo de que somos vítimas, aí aparece a duplicidade de critérios que é própria daqueles que estão convencidos que detêm o monopólio da verdade. Eles podem dizer dos outros que são agentes de quem quer que seja, mas ai dos outros se dizem qualquer coisa semelhante deles próprios!
Chamo para isso a sua atenção, Sr. Deputado Carlos Brito.
De resto, gostaria ainda de, numa palavra de serenidade, recordar a esta Câmara que todos nós somos representantes do povo .português e que é efectivamente pelos seus interesses superiores que devemos zelar, e a nossa reacção hoje aqui às palavras proferidas da tribuna foi porque do nosso ponto de vista, em contradição com a própria Constituição, com o sentido do voto do dia 2 de Dezembro e com o próprio sentido das resoluções da comunidade internacional, isso não sucedeu.
Foi apenas por isso que nós legitimamente expressamos a opinião daqueles que aqui orgulhosamente representamos.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (GDS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para descansar o Sr. Deputado Carlos Brito de que a democracia não está em perigo. E não está em perigo precisamente porque haverá, da parte dos democratas, daqueles que se consideram verdadeiramente democratas uma reacção forte, uma reacção viril sempre que realmente a democracia for posta em perigo, como mesmo agora se demonstrou pela palavra de um Deputado da sua bancada.
E aquilo que eu queria dizer mais, Sr. Deputado Carlos Brito, é que Portugal e os Portugueses tiraram necessariamente as devidas ilações do silêncio dessa bancada quanto à não condenação da agressão afegã.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pelágio Madureira, que dispõe de nove minutos.

O Sr. Pelágio Madureira (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: O tempo de que os Deputados reformadores dispõem é escasso e daí apenas algumas considerações pontuais.
Começaremos por falar na firmeza com que o Governo se propõe actuar. Como defensores da liberdade, que somos, nós, reformadores, preocupámo-nos com o respeito da legalidade democrática. Ora, é nosso parecer que sem firmeza não há legalidade e que sem legalidade não há democracia. Achamos, por isso, bem, muito bem, que o Governo seja firme.
Só nos preocupa como se propõe o Governo ser firme. O que entende por firmeza e onde vai aplicar a sua determinação? Na caça à multa por estacionamento proibido ou na caça e na repressão do crime generalizado e grave que vem aumentarão no nosso país? Na perseguição dos vendedores ambulantes de quinquilharias ou no combate aos mixordeiros, aos açambarcadores e aos intermediários que se vêm locupletando à custa da alimentação do povo?
Há que ser firme, mas há principalmente que saber onde e quando ser firme. Estamos seguros de que o Governo saberá fazer a necessária distinção.
Acentua-se a necessidade de polícias especiais com o fim de combater o terrorismo internacional. Mais uma vez não podemos deixar de estar de acordo. Essas polícias existem hoje em múltiplos países como consequência da invasão terrorista que alastra pelo mundo e que, infelizmente, parece também ter já lançado raízes entre nós. Que a polícia especial é necessária não se contesta. Preocupa-nos apenas a sua correcta utilização. Que ela seja, de facto, usada no combate ao terrorismo internacional (ou nacional) ou no combate ao crime grave, mas que se não transforme no despontar de uma nova polícia de choque. Gostaríamos, por isso, de ter a garantia solene de que esta polícia só será utilizada como referimos e nunca na repressão de trabalhadores em greve ou de quaisquer manifestações populares. E já que falámos de polícia gostaríamos de levantar aqui uma questão que nos parece pertinente: para quando um civil à frente da Polícia de Segurança Pública?
Esta polícia destina-se, como o seu próprio nome indica, a defender, a ajudar o cidadão. O seu propósito e a sua imagem foram totalmente deturpados durante a ditadura a que o 25 de Abril pôs fim. Com uma actuação mais correcta, aliás mais consentânea com as suas obrigações, melhorou a imagem da PSP após aquela data. Cremos que a colocação de um civil no comando daquela força contribuiria para lhe retirar o carácter excessivamente militarista que possui que deve perder. Aqui deixamos a sugestão.
Falámos, há pouco, ao referirmo-nos à polícia especial, de greves de trabalhadores, o que nos transporta para uma questão diferente: a política do Governo no campo do trabalho. Não gostaríamos de ver o Governo intrometer-se nos assuntos sindicais que, no entender dos reformadores, só aos trabalhadores dizem respeito. Sabemos que certas forças políticas detêm um determinado poder dentro do movimento sindical. No entanto, é da exclusiva competência dos trabalhadores a inversão de tal facto. Nunca através do cerceamento dos seus direitos por meio de decretos-leis. Nós entendemos que o Governo não deve intrometer-se em tal matéria, devendo, pelo contrário, respeitar em absoluto a liberdade sindical, de acordo com os estatutos da OIT que muitos dizem defender e talvez poucos cumpram.
Para terminar, gostaríamos de levantar a seguinte questão: há cidadãos que adquiriram andares para habitação própria por meio de empréstimos bancários, os quais foram concedidos a determinado juro e cujo encargo foi aceite por estar dentro das possibilidades financeiras dos interessados. Tal juro tem vindo a aumentar, o que transforma a sua satisfação num fardo pesadíssimo, muitas vezes quase impossível de suportar por muitos cidadãos, originando problemas de extrema gravidade em inúmeras famílias. Casos há em que os encargos mensais com tal compromisso subiram quase 50%; como os ordenados não acompanharam, na maioria dos casos, essa ascensão, podem facilmente compreender-se as situações desesperadas que este problema vem provocando.
Por um lado, não se permite ao senhorio que aumente as rendas, mas o Estado, por intermédio1 das

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instituições bancárias, está a fazê-lo, uma vez que, na prática, isto se traduz no aumento da renda mensal a pagar.
O problema da habitação já aqui foi debatido várias vezes e cremos ser daqueles a que, pela sua gravidade, urge começar a dar solução. Cremos bem que o futuro que todos desejamos é que cada um venha a possuir a sua própria habitação. Ora, uma vez que a maioria da população não possui dinheiro para a adquirir, terá, forçosamente, que socorrer-se do crédito bancário. Assim, parece-nos prioritário que se estude a questão de forma a serem criadas condições de crédito ao alcance dos salários nacionais e se reduzam os encargos a que nos referimos, pondo fim a situações de flagrante injustiça e extrema gravidade.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Abreu de Lima.

O Sr. Abreu de Lima (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O Governo refere no seu Programa e no capítulo da administração interna que, no "âmbito da administração regional e local e dentro dos municípios constitucionais de autonomia e participação democrática do poder local", fundará a sua política no reforço do sistema autárquico, desenvolvendo s concretizando esta política que indica no Programa os objectivos a realizar.
Faz mister concretizar e assegurar por forma clara, eficiente, prática e actuante, a efectiva descentralização administrativa e a real autonomia do poder local, sem eufemismos ou fingimentos, por forma que as autarquias possam não só funcionar de facto, autónoma e livremente, mas também conhecer com rigor e exactidão as áreas e as matérias em que podem e passam a exercer, sem entraves nem delongas, a sua competência.
O primeiro mandato & o exercício democrático das autarquias locais, que terminou em 31 do passado mês de Dezembro, após três anos de duração, caracterizou-se por uma prática e vida. administrativas amplamente dependentes do poder central e a ele configurado.
Com efeito, tanto a carência dá disponibilidades financeiras dos municípios como a falta de competência para aprovar projectos, para reestruturar os quadros e suprir as insuficiências de funcionalismo constituíram barreiras e entraves intransponíveis ao desenvolvimento da descentralização administrativa e ao reconhecimento prático da autonomia do poder local.
A Lei n.º 79/77 constituiu, independentemente dos seus erros e das suas imperfeições -a eliminar e a suprir com rapidez e urgência - o primeiro passo no sentido de uma descentralização ao definir as atribuições das autarquias e ao estabelecer as competências dos seus órgãos. Se aquela é realmente imprescindível para concretizar e pôr em prática o princípio da descentralização democrática e administrativa, consagrada no n.º 1 do artigo 6.º, no artigo 239.º e no n.º 2 do artigo 268.º da Constituição da República, não é, contudo, instrumento bastante e suficiente para garantir na prática e no desenvolvimento da vida autárquica aquela mesma descentralização.
Sucede, porém, que o poder de agir, a faculdade de actuar, o dever de gerir, o direito de optar da grande maioria, se não dá totalidade dos órgãos das autarquias locais, estiveram completamente limitados e coarctados pela insuficiência e incapacidade financeiras dos municípios, encontrando-se até meados do ano passado condicionados e subordinados ao querer ou não querer do poder central, na medida em que foi este poder que, até meados do ano findo, forneceu, como entendeu e quando quis, sem normas e sem qualquer controle, os meios financeiros insuficientes às autarquias locais.
E não se argumente, como por vezes se ouviu, que, em homenagem, em respeito ou em cumprimento do princípio constitucional da descentralização administrativa ou em satisfação da autonomia do poder local, se atribuíram e concederam aos municípios do País "verbas livres" para que eles as aplicassem pela forma que melhor entendessem e em função das necessidades mais prementes dos respectivos concelhos.
É fundamental que o Governo se empenhe na aplicação integral da Lei das Finanças Locais em 1980, cumprindo e respeitando pelo menos as percentagens mínimas nela mencionadas para a definição das verbas provenientes das alíneas b) e c) do seu antigo 5 e que constituem a parte substancial das receitas correntes e a totalidade das receitas de capital das autarquias1 locais.
Não pode repetir-se a comédia do último ano, em que o Governo proeurou por todas as formas fugir à aplicação naquela Lei, acabando os municípios por ver, já com meio ano decorrido, as suas receitas de capital reduzidas a cerca de um terço do montante mínimo que lhes competia.
E como se isto não fosse bastante, depois de a Assembleia da República ter autorizado que os compromissos assumidos pelo Governo para com as autarquias para o ano de 1979 fossem descontados nas receitas de capital dos respectivos municípios, algumas câmaras municipais ainda assistiram à dedução ou comparticipações fantasmas que não tinham qualquer razão de existir, que não eram consentâneas com a Lei, que não tinham sido aceites pelas câmaras, que nem eram do conhecimento dos municípios.
Infelizmente, o aparelho burocrático e funcional da Administração Central, em grande parte, ainda não entendeu ou não quis entender que a par da Administração Central, existe já com a mesma legitimidade constitucional, uma administração local, que não uma qualquer administração de segunda classe ou um mero mandatário e executivo daquela: a administração local é tão legítima como a Administração Central e embora tenha poderes, faculdades e áreas de actuação diferentes isso não implica, nem significa, nem impõe que seja de menor qualidade ou se encontre em condições fe subalternidade ou de subordinação.
É dentro deste espírito e mercê deste conceito que têm de ser entendidas as finanças locais, advindo as receitas às autarquias por direito e legitimidade próprias.
É o poder económico das autarquias, resultante ou proveniente das suas receitas, garantidas e asseguradas por via não subordinada à Administração Central, isto é, por força da aplicação pura e simples da Lei das Finanças Locais, que assegura e realiza a descen-

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tralização administrativa e garante a autonomia do poder local.
O Governo da Aliança Democrática terá, portanto, de se empenhar no cumprimento mais rigoroso e na execução mais rápida e urgente da Lei das Finanças Locais para que as autarquias - fundamentalmente através das câmaras municipais- possam servir com eficácia as populações das respectivas áreas de jurisdição, planear com realismo as suas actividades e assumir em tempo útil os seus compromissos e responsabilidades.
Uma vez publicada a lei que define, anualmente, a formação das receitas das autarquias locais e não havendo motivos nem razões para que ela não se aplique integralmente, pelo menos em relação às percentagens mínimas que ela estabelece, torna-se imperioso e urgente que seja definida e estabelecida a delimitação das actuações da Administração Central, Regional e, Local relativamente aos respectivos investimentos, uma vez que a lei aprovada por unanimidade nesta Assembleia da República, no mês de Julho do ano passado, foi considerada inconstitucional pelo Conselho da Revolução.
A delimitação e distribuição de competências entre a Administração Central, Regional e Local é fundamental para definir as esferas de acção e concretizar as respectivas competências e para compatibilizar e coordenar os interesses e os objectivos do poder local com o planeamento e a integração dos investimentos públicos, tanto no âmbito como na perspectiva dos interesses regionais e nacionais.
Se a Lei das Finanças Locais foi a peça e o instrumento indispensáveis para assegurar e efectivar a descentralização administrativa e a autonomia do poder local, a delimitação de competências é fundamental para uma efectiva coordenação a todos os níveis da Administração Pública, de modo que se retire da acção e actividade de todas elas o melhor rendimento e o mais amplo serviço.
Os órgãos autárquicos têm uma missão importantíssima a desempenhar na vida do País: a eles incumbe atenuar as enormes carências que afectam e afligem a grande maioria da população portuguesa: a falta de vias de comunicação rurais; a inexistência de condições primárias de saneamento básico; a carência de energia eléctrica em muitas freguesias e aglomerados populacionais; o estado degradado em que se encontram muitas escolas e as más condições em que se ministra o ensino nos estabelecimentos escolares; o esquecimento do desenvolvimento cultural das populações; a delapidação, o abandono e a deterioração do património cultural e artístico; a falta de apoio, de estímulo e de condições favoráveis ao desenvolvimento económico dos concelhos, o que provoca a fuga para os grandes centros urbanos e para as cinturas e cidades industriais dos elementos humanos locais mais válidos e mais hábeis, porque não têm estabilidade económica nem encontram emprego nos municípios donde são naturais.
Para que as autarquias possam desempenhar, com segurança e satisfação, as competências que lhes são atribuídas e para que as populações, principalmente as rurais, principiem a dispor de alguns benefícios e bem-estar social e económico é necessário que o Governo acelere a criação de plataformas, legais e processuais, indispensáveis para uma completa descentralização e para a necessária coordenação de competências da Administração Central, Regional e Local.
Outro problema importante a .resolver é o das dificuldades com que a maior parte das câmaras municipais se debate no que se refere à insuficiente estruturação e dimensão dos seus serviços e, muitas vezes, à exiguidade dos seus quadros onde faltam elementos humanos, administrativos e técnicos, para uma actividade mais ampla, complexa e diversificada - sobretudo no campo e domínio da realização de obras-, que hoje é exigida aos municípios.
Neste aspecto, e dadas as carências estruturais e de funcionalismo da maioria dos municípios, assume particular relevância a acção que os grupos de apoio técnico aos agrupamentos de concelhos (GATS) podem vir a dar às câmaras municipais.
Os GAT'S, adequados às características e tipicidade dos municípios agrupados já têm proporcionado à maioria das câmaras municipais que servem o auxílio técnico de que carecem a muitos níveis e que os seus serviços técnicos próprios, mesmo quando existem, não podem na maioria dos concelhos realizar e levar a cabo.
Em boa parte dos concelhos rurais, as câmaras municipais não dispõem de quadros técnicos necessários à inventariação das suas necessidades, à definição das suas prioridades, à programação lógica, possível e realista de planos de actividades, à execução de muitos projectos de que carecem nos diversos sectores da sua competência.
Se tivermos agora em linha de conta que um novo período vai surgir para a administração local por força de uma ampla aplicação da Lei das Finanças Locais, circunstância que vai permitir às autarquias sair do período de estagnação em que têm vivido, do estado de esquecimento em que se têm mantido as populações rurais, que são a grande percentagem dos Portugueses, da situação de acefalia e abulia em que se têm colocado e considerado os autarcas deste País, mais necessários, mais urgentes, mais amplos e mais capazes, mais dependentes e correlacionados com as autarquias têm de ser os gabinetes de apoio técnico às autarquias locais, para mais pronta, fácil e cabalmente poderem corresponder às solicitações dos municípios.
Temos as mais legítimas razões e as fundamentadas esperanças para crer que o Ministério da Administração Interna, por intermédio da Secretaria de Estado da Administração Regional e Local, virá a dar aos GATS as estruturas adequadas para servirem, com eficácia e eficiência, os municípios que abrangem, atenuando-se, assim, temporariamente, muitas das deficiências em orgânica, estruturas e quadros que afectam e afligem uma grande parte dos nossos municípios.
Um outro problema que afecta o poder local, principalmente na acção e no funcionamento de um grande número de juntas de freguesia, e que não quero deixar de focar aqui, para que venha a ter a indispensável correcção, é a existência das chamadas comissões de compartes, a quem está confiada a administração dos baldios e que constituem poderes paralelos ao poder local, originando com muitíssima frequência desentendimentos, conflitos e disputas graves nas freguesias.
Não há razão para que os baldios não sejam administrados pelos órgãos autárquicos que as respectivas populações elegeram para defenderem, zelarem e

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administrarem os seus interesses fundamentais. Assim sendo, os mesmos órgãos autárquicos deverão ter também competência, idoneidade e legitimidade para administrarem os baldios que pertencem às populações das freguesias onde "se enquadram.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Quando os baldios estiverem confia-nos aos órgãos autárquicos das freguesias, sabe-se que a sua administração está entregue a elementos que foram livremente escolhidos pelo povo, com eleições claramente conhecidas, correctamente convocadas, em que todos os eleitores constam de cadernos eleitorais, seriamente - elaborados, e que esses órgãos autárquicos provêm de um acto eleitoral que foi rigorosamente fiscalizado e cujos resultados são possíveis de recurso judicial.
A mesma garantia de seriedade e veracidade não se pode obter nem assegurar com o sistema em vigor para as eleições dos órgãos que administram os baldios.

Uma voz do CDS: -Muito bem!

O Orador: - Estas eleições são muitas vezes aproveitadas por certas forças políticas para conquistarem, enviesadamente, posições de relevo em freguesias onde as não conseguiram por força dos resultados das eleições para as autarquias locais.
Como não se justifica quer pelo próprio conceito de baldio, quer pela natureza da sua exploração, quer por não serem exigíveis qualidades de administração mais especializadas do que as precisas para o exercício do poder local, não se deve admitir a existência de um órgão diferente da própria junta de freguesia para administrar os baldios, devendo evitar-se um poder paralelo ao poder local, que tem sido em muitas freguesias motivos e origem de graves perturbações e querelas.
Será uma legislação para rever, será um problema a normalizar.
Temos a convicção de que o Governo, que agora se apresenta à Assembleia da República com um Programa para cumprir, irá também mudar a vida e acção da administração local, descentralizando de facto e reforçando a autonomia do poder local em íntima colaboração e sintonia com esta Câmara. Os instrumentos legais indispensáveis à instalação de uma correcta e esclarecida descentralização administrativa e ao funcionamento de- um poder local autónomo terão que ser aperfeiçoados e aplicados: a revisão da Lei de 79/77; a aplicação integral da Lei n.º 1/79; 01 reestudo e discussão da Lei da Delimitação e Coordenação da Administração Central, Regional e Local que o Conselho da Revolução considerou inconstitucional e o Presidente da República não promulgou; tudo da competência desta Assembleia.
Por seu lado, espera-se do Governo, e nele confiamos, uma reformulação urgente e indispensável dos quadros e das estruturas administrativas das autarquias, bem como do estatuto dos funcionários administrativos, da real institucionalização e do adequado apetrechamento aos GATS para que sejam instrumentos válidos e úteis da administração local e nunca pontas de lança ou órgãos locais de descongestionamento e de actuação do poder central.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Godinho de Matos, que dispõe de quatro minutos e meio.

O Sr. Godinho de Matos (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Dada a escassez de tempo, vou ser particularmente breve e limitar-me a uma ideia ou duas.
Consta do Programa do Governo, no capítulo relativo à administração interna, um conjunto de ideias das quais destaco as seguintes: o reforço do sistema autárquico, alargando as atribuições das autarquias e a competência dos seus órgãos; a melhoria da Lei das Finanças; a equiparação do estatuto dos funcionários do aparelho autárquico aos dos departamentos centrais; o fomento do associativismo voluntário entre autarquias; e, por último, a criação de um projecto de regionalização antecedido de debate público...
Porque concordamos com estes princípios e com estes objectivos, entendemos dever dar o expresso apoio e concordância a esta teoria e filosofia, não nos pronunciando, como é óbvio, sobre as omissões.
Estamos particularmente interessados no projecto de regionalização e no projecto de descentralização do Poder Político e da autoridade administrativa porque pensamos que estes dois elementos são essenciais ao aprofundar e ao enraizar da realidade democrática no nosso país e, da experiência de liberdade em Portugal.
Por isso apoiaremos sem qualquer dúvida tudo o que possa fundamentar e tudo o que possa desenvolver a prática da democracia e do pluralismo aos níveis regional e municipal e iremos acompanhar com a maior atenção e interesse a actividade governativa neste campo.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados1: Há quem diga que1 o direito de propriedade é sinal característico da direita. O decurso deste debate tem evidenciado o contrário. Os partidos da oposição agem segundo mecanismos psicológicos, típicos do proprietário.
Alguns deles ainda não se habituaram à ideia de que não são donos do País. Todas as intervenções vão no sentido de considerar a AD e o Governo um corpo estranho, que uma terapêutica dos seus antibióticos tenderia a segregar. Esquecem-se de que este Governo é um Governo normal, de que é mesmo o Governo mais normal que Portugal teve desde que reiniciou a era democrática; que é um Governo que está em funções por vontade do povo, escolhido com base numa maioria parlamentar claramente resultante de leis, que por acaso não foi ela quem fez e muito menos para seu próprio uso, e que isso ocorreu depois de uma campanha eleitoral em que a AD não atropelou os adversários, nem os difamou, nem mistificou as realidades, nem ocultou os projectos que se pró*

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punha levar a cabo. Maioria que foi conseguida contra o poder instalado nos vários Órgãos de Soberania, alguns dos titulares dos quais parecei terem até surpreendentemente ficado surpreendidos, de tão distraídos andavam nas suas deambulações pela Fundação Gulbenkian em 2 de Dezembro.
Triunfou a oposição. O povo fez ouvir a sua voz por forma concludente em paz e normalidade. O Governo é inteiramente legítimo, pode e deve governar. Não precisa de vir de chapéu na mão, aos "Passos Perdidos", pôr em leilão as medidas que vai tomar.

O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Também o PCP, o MDP e até o PS se pretendem proprietários dia Constituição. A todo momento, perante cada tema, a cada esquina, surge o espantalho. E com isso se inflaciona a invocação e se faz perder dignidade à lei fundamental, como se esta fosse uma arma de ataque ou de defesa de um ou mais partidos, e não -como é irrecusável que seja - a regra de jogo profunda de todos os portugueses; como se a Constituição esgotasse todo o ordenamento jurídico do País, dispensando a lei ordinária e a regulamentar; como se ela, em vez de base da liberdade, fosse o espartilho desta!; Como s(c) ela em vez de pedestal fosse canga! Por este andar, e tendo presente o que parece desenhar-se em pontos muito revolucionários deste mundo, talvez não espante que alguns pretendam dar às suas normas uma amplitude tal que permitisse a resposta a problemas higiénicos ou a dúvidas sabre comportamento sexual...
É por isso que, quando alguns pretendem ver nela, entre outros fantasmas, a proibição do referendo, cuja lei-quadro o Governo, com a confiança do eleitorado, vai promover, pasmamos. Assim como pasmamos quando ouvimos que, segundo esta Constituição, se proíbe tudo o que nela se não permite. E mais pasmamos ainda com o afã dos que assim tentam apoderar-se da Constituição, quando eles são os mesmos que se apressam a propalar que este Governo não conta com a maioria do eleitorado, mas tão-somente com a maioria dos representantes.
Por um lado, o que vala são os votos e não a representação obtida com estes, o que vale é a expressão directa e não o leque das representantes parlamentares, mas, pelo outro, o que se pretende é exactamente cortar-se a possibilidade de obtenção dessa expressão directa dos votos do eleitorado, à qual a maioria se dispõe voluntariamente a submeter pelo referendo, para tomar grandes opções em conformidade, com a vontade dos cidadãos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os partidos da oposição pretendem-se proprietários do Serviço Nacional de Saúde. Tudo o que o Governo ou a maioria da Assembleia pretendam, no sentido de melhorar, na prática, nos factos, a saúde, de forma a dar cumprimento ao imperativo constitucional, é furiosamente alvejado por diatribes da oposição. É que tudo será possível menos fazer serviço nacional de saúde sem reconhecer os direitos de autor ao Sr. Deputado Arnaut, que toda a gente sabe que resolveu os problemas da saúde nacional, e que o fez por meio da redacção, do português aliás brilhante, de uma lei que não fica atrás da tal outra que o camarada Augusto guindou à imortalidade nos amos 20, como há pouco o Sr. Deputado Sousa Tavares recordou.
É tempo de abrir mentalidades e desbloquear espíritos. E é nessa perspectiva que importa sublinhar alguns pontos que dizem respeito ao Programa e à futura actuação do Governo e que na nossa perspectiva, nem por serem parcelares ou concretos, assumem menor significado.
Em primeiro lugar, diga-se de uma vez por todas que o Governo não vai governar para fazer fretes a ninguém, sejam grupos económicos portugueses ou estrangeiros, sejam eles interesses constituídos de uma nova classe dirigente, tecnocrática e burocratizada, à sombra, da hipertrofia do sector público, ou lobbies subterrâneos que acaso imaginassem propício o clima para actuações menos transparentes, sejam interesses de cá de dentro ou de lá de fora, ainda que - como hoje pareceu vislumbrar-se se desenhe uma santa aliança entre a tecnoestrutura estatizada e as multinacionais ou para nos manterem a leste do progresso efectivo, ou para explorarem impune e desordenadamente os escassos e preciosos recursos naturais e humanos.
Lembro que foi o Governo Pintasilgo que suspendeu os trabalhos para implantação de uma fábrica de automóveis em Portugal, o mesmo Governo que parece ter achado por bem voltar a arrancar com o projecto Alqueva, sem que este haja sido inteiramente avaliado e revisto, face até aos estudos recentemente efectuados sobre os perigos sísmicos.
Ora, sobre os automóveis, que representam uma indústria possível, importante e acertada ao alcance do nosso desenvolvimento e que apenas carece agora da aprovação ministerial dos contratos para que se de cumprimento, até ao fim do mês, ao protocolo que em boa hora o Sr. Ministro Álvaro Barreto assinou em anterior Governo, é preciso que o Executivo rapidamente desbloqueie a situação e evidencie como os interesses nacionais se sobrepõem aos desejos de multinacionais exteriores de automóveis, interessadas em manter-se na simples situação de importadores.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): -Muito bem!

O Orador: - E quanto ao Alqueva, já sobejamente dissemos que se tornam imperiosos os estudos de impacte e de completa avaliação, a fim de que a perspectiva distorcida do abastecimento de água ao colosso de Sines ceda o passo à prioritária consideração do progresso verdadeiro, nomeadamente no tocante à componente agrícola, à estrutura agrária e ao equilíbrio ecológico.
Por outro lado, a tecnoestrutura estatal não pode impedir que a parte maior das terras agricultáveis da Companhia das Lezírias, extenso e mal aproveitado latifúndio do Estado, seja entregue em exploração a pequenos agricultores e aos seus próprios funcionários, o Governo terá de fazer reestruturação fundiária também quanto a esta sua propriedade de milhares de hectares, resolvendo o que constitui hoje um grave problema financeiro e um tumor social e económico, no qual o Estado tem sido o principal protagonista.
Estes exemplos são apenas pincelados do que a visão pragmática, desideologizada e, sobretudo, independente de complexos de direita ou de esquerda, que

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é, estamos certos, a mentalidade do Governo, poderá levar a cabo nas suas tarefas. E para estas, sendo como são tão árduas como imperiosas, desejamos as maiores felicidades e oferecemos o mais franco apoio e a mais empenhada confiança.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É verdade que desde o 25 de Abril a agricultura, mais do que nenhum outro sector, tem merecido lugar de relevo em debates e referências. Mas é igualmente verdade que, infelizmente, não se foi além de promessas aos rurais, a quem cada vez se deparam mais dificuldades e maior abandono.
Constitui a agricultura um dos problemas mais importantes, para o qual urge encontrar as soluções adequadas, e isto por algumas razões fundamentais:

a) A esmagadora maioria dos que estão ligados à terra por esse país fora, cerca de 30 % de população activa total, debatesse com carências de toda a ordem, trabalhando de sol a sol, com deficiente segurança social e deficiente assistência na doença e com baixíssimos níveis de rendimento. E é um facto que no pós-25 de Abril o "fosso" entre os rendimentos dos que trabalham a terra, agricultores e trabalhadores rurais e os dos que estão ligados às restantes actividades económicas tem-se agravado. Isto é, os Portugueses em geral vivem mal, mas os agricultores sentem as dificuldades com particular gravidade;
b) Também preocupante é o facto de Portugal importar do estrangeiro cerca de metade daquilo que os Portugueses comem, tendo o que comprámos e vendemos em 1979 em matéria alimentar originado a saída de mais de 30 milhões de contos, o que agrava progressivamente a nossa dependência externa, aumentando as dificuldades internas;
c) Muito importante ainda para Portugal é a sua integração na Comunidade Económica Europeia, que também no domínio agrícola por certo nos trará vantagens de vária ordem, desde apoio técnico, tecnológico e científico até apoio financeiro, beneficiando Portugal dos fundos agrícolas da Comunidade.
Mas para isso impõe-se a tomada de medidas que orientem e incentivem desde já os agricultores em direcção a empresas agrícolas dinâmicas, competitivas e com índices de produtividade e volumes de produção muito superiores aos actuais. Só assim o País recuperará e os agricultores terão o nível de vida que merecem.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador - Sr. Presidente e Srs. Deputados: E é perante este quadro gorai que se integram as medidas aqui claramente expostas pelo Governo e que os partidos apoiantes da AD sempre têm vindo a reclamar, tais como: melhorar o funcionamento dos serviços oficiais e sua regionalização e dos técnicos, base fundamental de qualquer acção; incentivar o investimento, para que a formação bruta de capital fixo (F.B.C.F.) no sector agrícola não continue a decrescer em relação ao crescimento médio anual da F. B. C. F. total, como até agora se tem verificado; adequar o ensino em matéria agrícola; garantir, na medida do possível, o escoamento da produção, sendo intolerável que se continuem a importar produtos quando por vezes os temos em excesso; desburocratizar o sistema de crédito, para que com rapidez se possa satisfazer as necessidades; acelerar a regulamentação e a entrada em vigor do seguro agrícola, para evitar que os agricultores fiquem abandonados à sua sorte, seja nos incêndios da zona centro do País verificados em 1979, e até agora sem apoio, seja para a geada negra recentemente ocorrida no Algarve, etc.
Muito mais se podia enumerar, e é de todos conhecido, mas o que não há dúvida é que, embora o essencial fosse abordado pelo Governo e até medidas concretas já tenham sido tomadas, apareceram os partidos da oposição procurando denegrir e diminuir. Mas o facto é que o PS e PCP até agora nada foram capazes de resolver no sector da agricultura, e os Portugueses sabem-no bem. No debate têm sido pródigos nas acusações e a fazer processos de intenção, levantando espantalhos contra os quais esgrimiram de seguida.

O Sr. Pedro Roseta (PSDO: - Muito bem!

O Orador: - Falaram de repressão, da entrega de Portugal à CEE, do fim das conquistas dos trabalhadores, etc. Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é convicção do Partido Social-Democrata que, na linha do que sempre se defendeu, a agricultura seguirá um caminho de melhoria, com base na adaptação das leis às realidades e necessidades nacionais e com a garantia do seu total cumprimento, seja em relação a quem quer que seja.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Assim, será possível desmistificar de vez os que têm prometido e enganado; assim arrancaremos a agricultura às "garras" de um fatalismo injustificado; assim, na agricultura, como noutros sectores, o Governo por certo não fará tudo o que é preciso nos poucos meses que vai estar no poder mas fará o suficiente para demonstrar que a mudança na agricultura será uma realidade e merecer a confiança maioritária da população rural em próximas eleições. Nós assim o esperamos.

Aplausos da maioria parlamentar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais oradores inscritos.
Antes de encerrar a sessão, cumpre à Mesa informar que deram entrada umas largas dezenas de pedidos de ratificação de diplomas legais e que constam de uma lista já distribuída a todos os grupos parlamentares, bem como à Imprensa. Por necessidade de respeito dos prazos regimentais, esta informação tinha de ser dada na sessão de hoje.
Se os Srs. Deputados, que já receberam fotocópias com a lista dessas ratificações e, como tal, estão no seu pleno conhecimento, entenderem que a leitura que deveria ser feita, pela Mesa pode ser dispensada, eu dispensaria a sua leitura.
Há alguma oposição?

Página 241

17 DE JANEIRO DE 1980 241

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dispensamos a sua leitura, embora não estejamos no seu pleno conhecimento.

O Sr. Presidente: - Mas há conformidade entre a relação que lhes foi fornecida t os pedidos de ratificação apresentados pelo vosso partido?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Certo.

O Sr. Presidente: - Os restantes grupos parlamentares nada têm a opor?

Pausa.

Visto não haver oposição, considera-se dispensada a leitura.

Srs. Deputados, a sessão de amanhã terá início às 14 horas e 30 minutos.

Está encerrada a sessão.

Era 1 hora e 25 minutos.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alcino Cabral Barreto.
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Armando Adão e Silva.
Arménio dos Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Francisco José de Sousa Tavares.
Germano Lopes Cantinho.
Henrique Alberto F. do N. Rodrigues.
João Baptista Machado.
José Angelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Medeiros Ferreira.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
Maria Helena do Rego da C. Salema Roseta.
Maria Manuela Simões Saraiva.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António José Vieira de Freitas.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Manuel Natividade da C. Candal.
Fernando Luís de Almeida T. Marinho.
Francisco Cardoso P. de Oliveira.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Joaquim Gomes.
José Gomes Fernandes.
José Luís do Amaral Nunes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Partido Comunista Português (PCP)

Domingos Abrantes Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Joaquim Gomes dos Santos.
Lino Carvalho de Lima.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS)

António Martins Canaverde.
Domingos da Silva Pereira.
Eduardo Leal Loureiro.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Gonçalves C. de Ferreira.
João Gomes de Abreu de Lima.
José Augusto Gama.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís Carlos C. Veloso de Sampaio.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Gomes Moreno.
Manuel António de A. e Vasconcelos.
Manuel Baeta Neves.
Narana Sinai Coissoró.
Nuno Krus Abecasis.
Rui Eduardo F. Rodrigues Pena.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Socialista (PS)

Jaime José Matos da Gama.
Jorge Fernando Branco Sampaio.

O DIRECTOR DOS SERVIÇOS DE APOIO PARLAMENTAR, Januário Pinto.

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PREÇO DESTE NÚMERO 80$OO

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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