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I Série -Número 52

Sábado, 17 de Maio de 1980

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1979-1980)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE MAIO DE 1980

Presidente: Exmo. Sr. António Jacinto Martins Canaverde

Secretários: Exmos. Srs. Manuel Henriques Pires Fontoura
Bento Elísio de Azevedo
José Manuel Mala Nunes de Almeida
João Daniel Marques Mendes

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a reunião às 10 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado José Ernesto Oliveira (PCP) trouxe ao conhecimento da Câmara alguns dos mais graves problemas e deficiências com o que se debate o sector da saúde no nosso país, criticando a política do actual Governo neste campo. Referiu ainda algumas dos conclusões do recente encontro para os problemas da saúde organizado pelo PCP.
Foi votado e aprovado por unanimidade um voto apresentado pelo PCP, condenando os actos de terrorismo que ultimamente se têm verificado no País. Intervieram no debate, a diverso título (incluindo declarações de voto), os Srs. Deputados Zita Seabra (PCP), Castro Caldas (PSD), Herberto Goulart (MDP/CDE), Ângelo Correia (PSD), Carlos Brito (PCP), Armando Bacelar (PS}, Mário Tomé (UDP), Borges de Carvalho (PPM), Sanches Osório (CDS), Adão e Silva (DR) e João Amaral (PCP).
Ordem do dia. - Foi discutida e aprovada na especialidade a proposta de lei n.º 321/I.
Em intervenções, protestos e declarações de voto, usaram da palavra os Srs. Deputados João Amaral (PCP), Jorge Sampaio (PS), Amândio de Azevedo (PSD), Narana Coissoró (CDS), Castro Caldas (PSD), Igrejas Caeiro (PS), Ferreira do Amaral (PPM) e Borges de Carvalho (PPM).
Seguidamente iniciou-se a discussão na generalidade da ratificação n.º 319/I, relativo ao Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro, que revoga o Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto.
Verificaram-se intervenções dos Srs. Deputados Marina Vicente (PCP), Herberto Goulart (MDP/CDE) e Narana Coissoró (CDS).
O Sr. Presidente, após de ter dado conta da entrada na Mesa do projecto de lei n.º 478/1 e da ratificação n.º 326/I, encerrou a reunião eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 20 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade de Azevedo.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José Ribeiro Carneiro.
Amónio Monteiro de. Freitas.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel da Cunha Dias.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Mendes da Costa.
João António Sousa Domingues.
João Aurélio Dias Mendes.
João Baptista Machado.
João Vasco da Luz Botelho de Paiva.
Jorge Rook de Lima.
José da Assunção Marques.
José Baptista Pires Nunes.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Cochofel Pereira da Silva.
José Manuel Meneies Sampaio Pimentel.

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Júlio de Lemos de Castro Caldas.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Henriques Pires Fontoura.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira. Manuel da Silva Leça.
Mário Martins Adegas.
Miguel Camolas Pacheco.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Rui Alberto Barradas do Amaral.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
António Cândido de Miranda de Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz M. de Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Cardoso P. de Oliveira.
Francisco Igrejas Cueiro.
Frederico A. F. Handel de Oliveira.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rocha.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Joaquim de M. P. Tavares Santos.
Manuel José Bragança Tender.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Gomes Vasques.

Partido Comunista Português (PCP)

Adalberto António de V. Casais Ribeiro.
Alberto Jorge Fernandes.
Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do C. da Costa Espadinha.
Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Fernando Freitas Rodrigues.
Francisco Miguel Duarte.
Hélder Simão Pinheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José António Veríssimo Silva.
José Casimiro Sousa Correia.
José Ernesto I. Leão de Oliveira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria da Conceição Morais Matias.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Marina Grou Lanita Silva.
Marina B. de Vasconcelos B. Vicente.
Octávio Augusto Teixeira.
Rosa Maria Reis A. Brandão Represas.
Victor Henrique Louro de Sá.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS)

Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Ferreira Pereira de Melo.
António Martins Canaverde.
Artur Fernandes.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Eduardo Leal Loureiro.
Francisco António Lucas Pires.
Isilda Silva Barata.
João Daniel Marques Mendes.
João José Magalhães F. Pulido de Almeida.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Fernandes Sanches Osório.
Luís Filipe Pais Beiroco.
Manuel Augusto Couto de Azevedo.
Maria Tabita L. F. Mendes Soares.
Rogério Ferreira Monção Leão.

Partido Popular Monárquico (PPM)

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Henrique José Barrilaro F. Ruas.

Agrupamento Parlamentar dos Reformadores

Armando Adão e Silva.

Pelágio E. de A. Matos Lopes de Madureira.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

Helena Tâmega Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 114 Srs. Deputados. Temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se a leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte.

Expediente

Moções

Duas moções da Assembleia Municipal de S. Pedro do Sul: uma de apoio ao Governo e outra a exigir a aplicação integral da Lei das Finanças Locais.
Três moções de emigrantes residentes na República Federal da Alemanha, protestando contra a não realização do Congresso das Comunidades.

Ofícios

Da Câmara Municipal de Castelo Branco a enviar uma moção na qual expressa à EDP - Castelo

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Branco o seu protesto pela sua actuação, que tem condicionado negativamente o desenvolvimento do concelho.
Do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis dos Distritos do Porto e Aveiro, a enviar informações sobre os graves problemas dos trabalhadores das empresas têxteis Fábrica de Rendas e Bordados Primor, Lda., Fábrica de Tecidos S. Mamede, Lda., e A. C. da Cunha Morais, Lda.
Da secção de Santo Tirso do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis dos Distritos do Porto e Aveiro a enviar uma moção aprovada em plenário de reformados na freguesia de Roriz, na qual exigem sejam tomadas medidas diversas em relação à sua situação.
Do Sr. Governador Civil do Distrito de Portalegre a enviar fotocópia de um ofício da Câmara Municipal de Eivas, no qual transcreve uma moção de repúdio por, na distribuição de terras na Herdade da Comenda, terem ficado 120 ha por distribuir.
Dez ofícios de órgãos autárquicos com moções exigindo a aplicação da Lei das Finanças Locais.
Da Assembleia da Freguesia dos Prazeres a enviar uma moção em que se manifesta contra o aumento do custo de vida.
Do Sindicato dos Trabalhadores de Seguros do Norte a remeter exemplares dos comunicados que fizeram distribuir a classe e respeitantes à actuação do conselho de gestão Bonança, E.P., em relação aos delegados sindicais da empresa.

Telegramas

Da Câmara Municipal de Montalegre, reclamando a revogação imediata do Decreto-Lei n.º 39/76 e a entrada em vigor do artigo 109.º do Decreto-Lei n.º 79/77.
Três telegramas de órgãos autárquicos da Região Autónoma dos Açores, solicitando a rápida aprovação do Estatuto Definitivo para aquela Região.

O Sr. Secretário (Pires Fontoura):- Srs. Deputados, foram apresentados na última reunião os seguintes requerimentos: à Secretaria de Estado da Marinha Mercante e à Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, formulados pelo Sr. Deputado Daniel da Cunha Dias; aos Ministérios da Habitação e Obras Públicas e dos Assuntos Sociais, formulados pelos Srs. Deputados António Chaves Medeiros e Vítor Manuel de Almeida; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Handel de Oliveira; ao Governo Regional dos Açores, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; à Secretaria de Estado da Saúde, formulado pelos Srs. Deputados José Ernesto Oliveira e Zita Seabra; à Presidência de Conselho de Ministros e aos Ministérios da Agricultura e Pescas e da Administração Interna, formulado pelos Srs. Deputados Marino Vicente e Aranha Figueiredo; ao Ministério da Educação e Ciência, formulado pelos Srs. Deputados Alberto Jorge Fernandes, José Ernesto Oliveira e António Mota; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Ernesto de Oliveira.

O Sr. José Ernesto de Oliveira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se ,no plano da política geral se pode caracterizar a actual situação pela luta que o povo e a forças progressistas travam para suster e finalmente derrotar a direita e o seu Governo, no plano sectorial tal luta não é menos intensa.
Nas ilegalidades e brutalidades cometidas sobre a Reforma Agrária e seus heróicos obreiros; nas despudoradas tentativas para destruir as nacionalizações; na satisfação gulosa da reposição de privilégios perdidos; no ataque frontal à Constituição e seus princípios orientadores se corporiza a vasta operação em curso na nossa pátria e que visa o regresso ao passado.
Os mesmos traços essenciais, aqui como sempre embrulhados no celofane da demagogia eleiçoeira, encontram-se nas várias políticas sectoriais, nomeadamente na de saúde.
É neste contexto que se realizou nos passados dias 10 e 11 de Maio o encontro, para os problemas da saúde organizado pelo PCP e é acerca do seu significado e conteúdo que hoje aqui falamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São os actuais serviços de saúde rosário de múltiplas e dolorosas experiências, quando não dramáticas, experiências por que já passou a esmagadora maioria dos Portugueses. Não podia o PCP, partido das grandes causas populares e nacionais, que vive com o povo os seus problemas e anseios, deixar de dar o seu contributo à resolução de tão grave situação.
Trabalhamos desde há cerca de um amo em unidade com muitos e muitos democratas no levantamento de problemas, na análise de condicionantes, na elaboração de propostas capazes de responder aos problemas mais urgentes nesta matéria. Na sua organização e funciona manto caracterizam-se os serviços de saúde que remos pela descoordenação, desarticulação, excessiva centralização.
Os serviços de cuidados primários são manifestamente insuficientes ç em largas zonas do Pais praticamente não existem. São representados na sua globalidade pela acção dos serviços médico-sociais e estes são, por sua vez, sinónimo de ineficácia e inoperância que desalenta profissionais e desespera os utentes. A inexistência de uma carta sanitária nacional impede a formulação equilibrada de qualquer plano orientador global. O número excessivamente elevado de especialidades farmacêuticas, onde a cerca de 4500 especialistas correspondem mais de 20000 marcas, atestam a especulação desenfreada com que as multinacionais farmacêuticas negoceiam com a doença do nosso povo. O pluriemprego a que os profissionais da saúde, nomeadamente médicos e enfermeiros, se vêem obrigados é a enorme e hoje estimulada proliferação de actividades privadas no sector é também um aspecto que por toda a parte caracteriza os serviços de saúde que temos. E, por último, o enorme manto negro que cobre toda esta anquilosada e paquidérmica maquina. A desumanização e degradação que atinge humilhante e impiedosamente utentes e profissionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por todo o País são as vidas passadas na dramática insegurança na perspectiva da doença, na arrastada lentidão até chegar à vista apressada de um médico, na frustração dos custos da terapêutica para a qual não há dinheiro no medo de nos vermos naqueles seres humanos que

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atulham os bancos e serviços hospitalares, na impessoalidade de funcionários escondidos atrás da falsa indiferença que vestiam de branco, nas instalações e equipamentos há muito degradados, no grito contido na garganta de todo um povo que inscreveu o direito à saúde como uma das suas aspirações e objectivos essenciais, mas que a ganância desumana de uns poucos tem frustrado ao longo da história.
De entre a enorme riqueza em material técnico e humano que constituiu grande parte dos trabalhos do nosso encontro, trazemos-lhe aqui três aspectos demonstrativos da forma como a direita e o seu Governo tem trabalhado nesta matéria.
Da Madeira chegou-nos o retraio do que seria o sistema de saúde que o Governo Carneiro/Amaral, sob a estrita orientação da direcção da Ordem dos Médicos,, procuraria implantar no continente se para tanto lhe déssemos tempo. Infelizmente, tal exemplo tem custado ao povo madeirense um preço incalculável em sofrimento e abandono. O serviço regional de saúde em vigor na Madeira traduz-se por uma enorme frustração para a população, que de mudança apenas notou o local onde faz as bichas. Dantes, era à porta dos pontos médicos das Caixas, hoje é à porta de alguns consultórios privados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E a doença pública paga com dinheiros públicos a corresponder cada vez mais a enormes lucros privados. Há que dizer, no entanto, que se o utente quiser prescindir do recibo com o qual poderá ser em parte reembolsado, todo o processo se acelera e a atenção que merece passa a ser redobrada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ignoraram-se propositadamente os cuidados primários de saúde, nem se fala em saúde pública, em suma, estruturou-se um serviço regional da doença, pois é essa que dá lucro.

Aplausos do PCP e do PS.

Outro exemplo que assumiu aspecto relevante foi a experiência do encontro de saúde concelhio de Peniche. Demonstração cabal de como a população- desmente os falsos conceitos de que a preocupação com a saúde é área reservada aos técnicos. Foram pescadores, operários, professores, funcionários administrativos, enfermeiros e médicos que no seu conjunto analisaram a situação do seu concelho, apontaram as carências e reclamaram as soluções para os problemas de saúde da sua terra e, da sua gente.
E, por último, o que melhor traduz a forma hipócrita e desumana como o actual Governo trata a saúde do povo português. Foi inscrito e propagandeada pelos arautos do Governo e seus acólitos a humanização dos serviços como medida a privilegiar na sua política. Não se disse, que tipo de humanização se preparava, mas pela experiência que todos, já conhecemos seria certamente a que mais votos desse. Humanização do tipo da que é aconselhada para a CP, a humanização dos grandes cartazes «obras em Curso» para conforto dos doentes e visitantes!
Mas, Srs. Deputados, a realidade é outra! A realidade é o corte de verbas feito nos orçamentos de todos os serviços de saúde e de cujas consequências trazemos aqui dois exemplos em hospitais aqui bem perto de todos nós.
No Hospital do Desterro existe uma cozinha, que de cozinha tem o nome e o facto de ser lá que se confeccionam os alimentos para os doentes desse Hospital. Se os Srs. Deputados não conhecem a situação, ficarão com uma ideia se lhes garantir que depois de a visitarem, seriam talvez incapazes de comer uma única batata cozida em tais condições. Ao lado da cozinha são os sanitários de todo o pessoal e ao lado dos sanitários o forno de incineração. Estavam orçamentadas obras que poriam termo a esta situação para este ano, mas os malabarismos do Ministro Cavaco e a tabuada do Ministro Leitão cortaram 400 000 contos nos Hospitais Civis de Lisboa, o que impossibilita a modificação de qualquer coisa neste aspecto.
E o que dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da política de humanização de um Governo que priva o Hospital de Júlio de Matos, esse enorme escândalo quase vergonha de todos nós, em 46000 contos?
E mais, Srs. Deputados, para cúmulo do preciosismo em matéria de humanização tipo AD, vinha este corte orçamental acompanhado da orientação; expressa de que metade desta verba seria cortada no orçamento para a alimentação e um quarto no valor destinado ao vestuário.
Quem conhecer, e penso que todos conhecemos, o que é a alimentação e o vestuário dos doentes do Hospital de Júlio de Matos poderá facilmente concluir das consequências humanizantes de tal política. A demagogia tem limites, Srs. Deputados, e esses deviam ser em primeiro lugar o respeito a que todo o ser humano tem direito.

Aplausos do PCP.

O ataque feroz ao direito constitucional e legal que institui o Serviço Nacional de Saúde Universal, geral e gratuito, é, no seu aspecto global, a política do Governo. Sá Carneiro para a saúde. A mudança tem-se traduzido por:
Inverter e destruir o .edifício legislativo, que a unidade dos democratas; tornou possível e que se traduz na lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde e suas leis regulamentadoras;
Protecção descarada aos interesses dos que negoceiam com a doença do povo, desde as multinacionais farmacêuticas e de aparelhagem médico-hospitalar até aos grandes senhores da medicina;
Nada fazer para que se desenvolva uma política real de promoção da saúde do povo trabalhador, apesar da mascarada dos corta-fitas oficiais;
Desrespeitar os que sofrem, nada fazendo contra a má qualidade e crescente degradação dos serviços de saúde que temos.
Esta é no campo da saúde a política da reacção, dos negociantes com a doença do povo e do seu Governo e desrespeita a Constituição, não cumpre as bis e espezinha a democracia.
São nossas as preocupações do povo português. Com eles estivemos e estamos nos esforços para tornar realidade o direito á saúde que a Constituição consagra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concluiu o encontro de saúde promovido pelo PCP que para que a curto prazo» se modifiquem as condições de saúde e

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assistência do nosso povo algumas condições deviam ser garantidas. Assim, só um Governo democrático que- respeite Abril e- a sua Constituição e as leis «provadas na Assembleia da República pode melhorar as condições de vida e saúde do povo português.
Só um grande esforço conjugado dos trabalhadores da saúde, do movimento sindical unitário, das autarquias e da população organizada, pode conseguir racionalizar a orgânica e gestão hospitalar, regionalizar e descentralizar os serviços de saúde, elaborar a carta sanitária nacional, construir uma verdadeira rede de cuidados primários, garantir carreiras e estatutos aos profissionais de saúde, aplicar o formulário nacional de medicamentos, criar um organismo nacional que coordene a produção, importação e distribuição de medicamentos e equipamentos, reformular o ensino pré e pós-graduado de todos, os profissionais da saúde.
Concluímos ainda da nossa firme disposição para que rapidamente se humanizem os serviços, empenhando todos os nossos esforços para melhorar as condições de, conforto físico e moral devidas a todos os utentes dos serviços de saúde.
Sabemos que só com a unidade e os esforços de todos os democratas será possível levar à prática tais propostas. Reafirmamos por isso a nossa, firme disposição de nos juntarmos e cooperarmos com todos aqueles que queiram contribuir para a definição e concretização de uma política de saúde digna do Portugal de Abril, a política de saúde necessária para um país mais justo, mais próspero, e mais feliz que queremos construir.
Também na saúde, a doença AD será debelada, a reacção será derrotada. Abril triunfará.

Aplausos do PCP, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para apresentação de um voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que não serão precisas muitas palavras para apresentar este voto. Os democratas portugueses não podem deixar de estar seriamente apreensivos com o recrudescer dos actos criminosos, de banditismo e de terrorismo, que conduziram a várias mortes no nosso país.
É nosso entendimento que a Assembleia da República não podia ficar indiferente, deixando de condenar vivamente tais acto? praticados por grupos de terroristas e de exigir o seu julgamento e punição.
O PCP desde há muito que vem alertando para o perigo de tais actos terroristas e para o perigo iminente de- grupos organizados de provocadores.
Na última reunião do seu Comité Central dizíamos que «o Comité Central do PCP chama a atenção paira os perigos na situação presente de qualquer recurso a formas de acção fora do quadro constitucional. O lançamento por petardos de um manifesto das Forças Populares 25 de Abril, anunciando a criação de- um exército revolucionário para enquadrar militarmente as massas (trabalhadoras no assalto ao poder da burguesia, aparece como uma autêntica provocação. Pelo conteúdo, pelas consignas e pela linguagem (embora sendo de admitir tratar-se de uma provocação da extrema-direita), não se exclui tratar-se de grupos aventureiristas ditos de esquerda. De qualquer forma, o Comité Central adverte que quaisquer acções violentas, (actos terroristas, assaltos a bancos e ouros), ligados, aparentemente, como anuncia o manifesto, à Reforma Agrária, às lutas da classe operária e de pequenos agricultores, etc., assumem um carácter provocatório, servindo as forças reaccionárias».

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - No entanto, se é certo que os democratas deste país e o povo em geral condenam vivamente tais actos de banditismo e de terrorismo, também não podemos deixar de denunciar o que certa imprensa reaccionária está a fazer no sentido de confundir a opinião pública e de desacreditar as forças democráticas, procurando jogar com as palavras e com estes actos terroristas.

O Sr. Luís Moreno (CDS): - Não apoiado!

A Oradora: - Como exemplo, cito do jornal A Tarde, que punha há dias como titulo: «25 de Abril assassina GNR»; cito também o jornal Tempo, que na sua edição de anteontem dizia que «é o caso de vários decretos -que segundo este' jornal estão retidos pelo Sr. Presidente da República -, entre os quais o decreto para a criação da uma brigada anti-terrorista, que está na. sua posse desde 27 de Março. Este atraso de Eanes poderá ser o responsável pelo aparecimento de um grupo terrorista denominado Forças Populares 25 de Abril, no qual militam quatro homens ontem delidos pela Polícia e que, a julgar por informações que o Governo já possuía receberam treino, na Líbia do coronel Khadhafy. O Governo fora avisado, com antecedência de que havia quatro terroristas treinados na Líbia e que se encontravam no Algarve». É ainda o caso da nota do Ministério da Administração Interna que anteontem, referindo-se aos actos terroristas, dizia de forma propositadamente sinuosa e procurando identificar estes actos com «frentes e organizações de oposição ao Governo», procurando identificar desta forma os grupos provocatórios que têm reivindicado diversos actos de terrorismo com a oposição ao Governo. É uma manobra que visa tirar dividendos para a direita e para a reacção destes actos terroristas.

O Sr. Luís Moreno (CDS): - Não apoiado!

A Oradora: - O PCP reclama o rápido e completo apuramento das responsabilidades pelos actos de banditismo e de terrorismo, salientando que a desarticulação desses grupos, organizados e provocatórios e o desmascaramento do carácter inevitavelmente reaccionário das suas actividades, é do interesse da luta dos trabalhadores e dos democratas portugueses.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o PCP apresenta o seguinte voto, que passo a ler, para que a Assembleia da República se pronuncie inequivocamente e condene estes actos:

Voto

A Assembleia da República:

Condena energicamente os assaltos, atentados e outros actos de terrorismo perpetrados nos

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últimos dias e reivindicados por grupos que se reclamam aleivosamente do 25 de Abril, mas cuja actividade constitui uma clamorosa provocação ao 25 de Abril e às forças democráticas, só podendo servir os interesses dos inimigos do regime democrático-constitucional;
Manifesta o seu pesar pelas vítimas de tão graves atentados e exprime as condolências às famílias enlutadas;
Reclama que sejam rapidamente averiguadas as circunstâncias e responsabilidades, seja feito o necessário esclarecimento da opinião pública e tomadas as medidas indispensáveis ao desmantelamento dos grupos terroristas e ao pronto julgamento e punição dos culpados.

Aplausos do PCP, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o voto que acaba de ser apresentado.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Pressente, Srs. Deputados: O PSD votará a favor do voto apresentado pelo PCP, independentemente das razões que fundamentam a exposição que a. bancada do PCP acabou de fazer.
Lamentamos vivamente que o terror venha associado a uma data que está em Portugal e na Europa directamente ligada à derrota do grande terror que a devastou em 1938.
Antes de votar, porém, temos de fazer uma curta reflexão sobre o terror. Nada distingue este terror do terror dos convencionais, do terror dos processos de Moscovo, do terror das multidões que na Checoslováquia pediram a morte de Gustav Husak ou do terror que na actual Cuba é pedido pelas multidões que desejam exterminar aqueles que a abandonam.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Os comunistas votam agora contra esse terror, mas não votarão certamente contra o terror que legitimam se exercido em nome da eficácia na técnico da conquista do poder pelo partido demiurgo; na construção de um «homem novo» mítico.
Nós votamos sempre contra o terror. Porém, fazemo-lo em nome da fraternidade.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O terror é a arma mais eficaz contra a democracia e contra o compromisso democrático. O terror e a arma que corrói os conceitos da soberania vigente e que tenta convencer da sua incapacidade de proteger e que, consequentemente, leva aqueles que o sofrem a acabar por preferir a protecção do terror à protecção da legitimidade.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O terror impele a soberania democrática a socorrer-se de processos de contra terror que corroem as bases da sua própria conceptualidade.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O terror é o inimigo n.º 1 da democracia do compromisso democrático.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Se hoje em Portugal verificamos que o compromisso democrático sofre o assalto de tantas vicissitudes e de tantas dificuldades, hão poderemos deixar de dizer nesta Assembleia que não existe outra alternativa que não seja a de defender o compromisso democrático. À pergunta que se fazia na antiga Grécia sobre como é que se podia ser um persa, anteponho da modernidade a pergunta: como se pode não ser um democrata?

O Sr. Luís Moreno (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Esta Câmara tem de votar contra o terror, esta Câmara tem de condenar vivamente o terror, seja qual seja a sua fundamentação filosófica, seja qual seja a sua justificação, seja o terror exercido em nome da virtude dos convencionais, seja o terror exercido em nome da eficácia da conquista do poder pelo proletariado.
É isto o que é exigido aos democratas hoje e aqui. Nada mais poderemos fazer, porque a nossa Constituição consagra uma carta de direitos, liberdades e garantias que tem o germe da caria dos direitos, liberdades e garantias para 1984. É essa modernidade que nós temos de defender, contra todos os riscos, contra todos os assaltos e contra todos os inimigos do compromisso democrático.
Por isso, e só por isso, votaremos a favor do voto apresentado pelo PCP.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE irá votar a favor do voto apresentado pelo PCP, por considerar importantes os três pontos do voto. A saber: a condenação da Assembleia da República das formas de terrorismo que se vem verificando recentemente no País, a manifestação de pesar às famílias enlutadas e a reclamação de que rapidamente se criem condições para averiguar as responsabilidades e as circunstâncias em que estes actos têm sido cometidos. São matérias que impõem a sua aprovação por esta Assembleia, que é um órgão de soberania do Portugal democrático.
Naturalmente que o sentido democrático existente nesta Assembleia imporá a aprovação deste voto.
Complementarmente à nossa posição favorável ao voto, não queremos deixar de acentuar - e sem pretendermos entrar em repetição de considerações já feitas pela Sr.ª Deputada Zita Seabra- a posição do Ministério da Administração Interna que no comunicado ontem divulgado nos órgãos de informação

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tez um aproveitamento político e sub-reptício deste voto ao fazer a referência de identificação desses grupelhos, cuja origem nem é devidamente identificada no momento, com a oposição ao Governo.
Como partido de oposição ao Governo recusamos qualquer posição deste tipo, por considerarmos que tem fundamentalmente um carácter eleitoralista e o objectivo de virar a opinião pública contra as posições permanentemente democráticas que a oposição aqui apresenta nesta Assembleia. O MDP/CDE condena toda e qualquer forma de terrorismo, seja de carácter individual ou de qualquer outro aspecto.
Condenamos também qualquer forma de terrorismo que imane, inclusive, de órgãos de soberania ou de forças militares ou militarizadas.
Pensamos ainda que ao expormos esta nossa posição de condenação de actos de terrorismo, não podemos deixar de passar em claro o comportamento, com frequência, de responsáveis da Guarda Nacional Republicana nas zonas da Reforma Agrária que, em muitos casos se identificam com actos de terrorismo. Portanto, e embora não seja matéria deste voto, não podemos deixar de passar esta oportunidade para denunciar o comportamento, não permanente, mas acidental, de forças da Guarda Nacional Republicana em acções que em muito se assemelham a estas que a imprensa diária recentemente vem identificando.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Ângelo Correia (PSD):- Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Para fazer um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado que representa o MDP/CDE acaba de verberar parte de uma nota do Ministério da Administração Interna, em que se considerava que a acção dos grupelhos terroristas que actuaram nos últimos tempos em Portugal se inseria numa, posição de oposição a este Governo. Que o Governo o diga é legítimo, visto que este é um Governo democrático, respeitador das leis e eleito pela maioria democrática de opinião portuguesa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Não seja mentiroso!

O Orador: - O que é necessário fazer é quê aqueles que estão na oposição ao Governo e se situam num comportamento democrático se demarquem do comportamento terrorista daqueles que, estando na oposição ao Governo, não actuam por métodos democráticos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, a questão não pode nem deve ser colocada em termos de diferença entre o Governo e os grupos terroristas e em não os querer rotular de oposição ao Governo, mas, sim, em termos de diferença entre partidos da oposição que actuam legitimamente por métodos democráticos, e assim o devem e podem fazer, daqueles mesmos grupos que não actuam dessa maneira. Logo quem tem de fazer a demarcação é aquele ou aqueles que se sentem com responsabilidade na maneira como fazem oposição a este Governo, e não o próprio Governo em si.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a afirmação do representante do MDP/CDE, conotando eventualmente a actuação das forças da Guarda Nacional Republicana com um tipo de comportamento análogo ao que decorreu nos últimos tempos oriundo de grupos terroristas em Portugal, ó perfeitamente grave. E é grave, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque elementos da corporação da Guarda Nacional Republicana foram vítimas, alguns mesmos mortos, do comportamento desses grupos terroristas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A morte desses elementos não enluta apenas a Guarda Nacional Republicana, mas a democracia portuguesa e também esta Câmara. E quando nesta Câmara há um partido que ousa colocar em pé de igualdade o comportamento da GNR com o comportamento desses grupos terroristas, esse partido ou é insensato ou não sabe o que é a democracia.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Peco a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart, certamente que para contraprotestar.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Em relação à intervenção do Sr. Deputado Angelo Correia, quero contraprotestar quanto a dois aspectos.
Em primeiro lugar, parece-me que o Sr. Deputado Angelo Correia não tem razão ao querer associar com os actos de terrorismo os partidos da oposição com representação parlamentar nesta Assembleia - e já não me quero agora referir a outros pequenos partidos-, dizendo que estes não se demarcam dos actos de terrorismo a que vem assistindo-se nos últimos dias.
Penso que essa argumentação não é válida, na medida em que, pelo nosso lado, tem sido bem clara - e penso que o podemos afirmar- a permanente demarcação e denúncia de tais actos. O MDP/CDE tem sempre e em qualquer momento do processo político denunciado claramente estes actos hostis â democracia, que nada têm a ver com os interesses do nosso povo, nem com as formas legítimas de lula dos trabalhadores ou de outros camadas populares em rela-

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cão aos governos com os quais não estejam de acordo e em relação à justa luta pelas suas legítimas reivindicações.
Por outro lado, pensamos que invocar que compete aos partidos da oposição dissociar-se de Pais actos é escamotear a questão, posto que, na realidade, há um aproveitamento oportunista na nota do Ministério da Administração interna, associando estes grupelhos aos partidos da oposição, quando ê bem claro que os próprios partidos da oposição sempre têm denunciado tais comportamentos, independentemente de estar neste, momento em causa o VI Governo. Aliás, aproveito para lembrar que se tem verificado essa mesma denúncia em circunstâncias anteriores, ou seja, em momentos em que existiam outros governos que não eram Governos da maioria AD.
Em relação às afirmações que foram feitas quanto à minha intervenção em .nome do MDP/CDE relativamente à Guarda Nacional Republicana, naturalmente que não fazemos uma condenação em bloco da Guarda Nacional Republicana. O MDP/CDE identifica-se com o voto expresso no texto do PCP, que, será seguramente aprovado, em relação à manifestação dos nossos sentimentos de pesar às famílias enlutadas, o é óbvio que essas famílias enlutadas envolvem, inclusive as famílias dos domemos da Guarda Nacional Republicana. Pensamos que esta posição é uma clara expressão de solidariedade para com os elementos da Guarda Nacional Republicana vítimas destes actos de vandalismo e de banditismo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Espere pelo inquérito!

O Orador: - Mas esta é uma coisa e outra é ter-se conhecimento de que na zona da Reforma Agrária se tem verificado que não apenas elementos de mais baixa patente, mas inclusivamente oficiais da Guarda Nacional Republicana, têm comportamentos perfeitamente provocatórios. E isso tem sido divulgado com muita frequência na imprensa diária, apresentando-se em actos repressivos contra os trabalhadores, inclusive em situações que evidenciam bem um claro estado de embriaguez. É para situações destas, em que se verificam perfeitas provocações, não só nos actos como nas palavras invocadas junto dos trabalhadores das UCPs, que não podemos deixar de chamar a atenção desta Assembleia, tendo naturalmente a consciência de que são situações objectivamente diferentes das situações de banditismo e de actos de terrorismo que estamos aqui neste momento a condenar.

Aplausos do MDP/CDE e de alguns Deputados do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Carlos Brito {PCP): - É para um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - As declarações do Sr. Deputado Ângelo Correia dão, a meu ver, uni conteúdo ainda mais grave à nota do Ministério da Administração Interna. Ao que decorre das declarações do Sr. Deputado Angelo Correia, então o Governo acusa em bloco todas as forças que se lho opõem de terrorismo, para que depois elas se sintam obrigadas a fazer uma demarcação. Isto é o que se chama chantagem, sobre as forças da oposição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Forças antidemocráticas da oposição!

O Orador: - E chantagem gravíssima sobre as forças da oposição que actuam no terreno do respeito pela Constituição e pela legalidade democrática. Isto é intolerável, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e creio que na Assembleia da República uma tal acusação e um tal estilo de actuação da parte do Governo é insuportável e não pode ser tolerado. Pelo contrário, o que se verifica da parte dos partidos da oposição é a pretensão de isolar o terrorismo como um mal extremamente perigoso para a democracia portuguesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Lágrimas de crocodilo! ...

O Orador: - Foi nesse sentido e com esse espírito que trouxemos o voto aqui à Assembleia da República. Foi, portanto, para isolar o terrorismo e para mostrar que não tem dignidade de existir dentro do regime democrático-constitucional português que defendemos e pelo qual lutamos.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Armando Bacelar (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª também pretende protestar?

O Sr. Armando Bacelar (PS): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Armando Bacelar (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria também, da parte da bancada do Partido Socialista, formular um protesto contra a intervenção do Sr. Deputado Angelo Correia pelas insinuações que fez pairar sobre toda a oposição, nomeadamente na parte que diz respeito ao meu partido.
Por outro lado queria também protestar contra a declaração do Sr. Deputado Herberto Goulart, quando, suponho que por lapso, disse que falava em nome de toda a oposição. Um Deputado com certeza que fala em nome do seu partido ou do seu grupo parlamentar e nós, Partido Socialista, não passamos procuração para ninguém falar em nosso nome. Certamente o que o Sr. Deputado Herberto Goulart pretendia dizer ara que nenhum partido da oposição poderia estar na situação de ter de se justificar perante factos como os que têm decorrido ultimamente

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e que, como todos sabem, não partem de nenhum dos partidos com assento nesta Câmara.

O Sr. Ângelo Correia (PSD):- Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Certamente que para contra-protestar, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: Julgo que, quer o Sr. Deputado Carlos Brito quer o Sr. Deputado Armando Bacelar, não interpretaram correctamente o sentido e o alcance daquilo que pretendi dizer.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É difícil!

O Orador: - A partir do momento em que alguns actos de terrorismo foram desencadeados, neste país e em que apareceram os panfletos do autodenominado grupo «Forças Populares do 25 de Abril», posicionando-se pelo seu comportamento e pelo seu discurso objectivo, não oral, mas escrito, como oposição a este Governo e lutando para o derrubar, esses grupos posicionaram-se objectivamente em oposição a ele. Que o Governo o lembre se o diga está correcto e está certo, porque 6 uni facto objectivo. Que todos os partidos da oposição se assumam e se queiram reflectir nessa posição é, a nosso ver, um erro por parle dos, próprios partidos da oposição. Isto porque todos eles, ou pelo mimos alguns deles, têm um comportamento de oposição em termos de luta democrática pelo Poder, e ainda bem que assim é -essa é uma das virtualidades da democracia -, porque, assim a democracia vivifica-se.
Agora que o Governo coloque o comportamento objectivo desses grupos terroristas em oposição ao próprio Governo e em oposição á própria democracia é ilegítimo, ê um direito seu e tem de o fazer. Que as pessoas e alguns partidos se auto-associem a essa situação, essa sim, a meu ver, é uma situação que decorrerá do próprio posicionamento que e os partidos querem manifestar em relação ao seu comportamento político na actual cena portuguesa. Não entendo, por isso que o Partido Socialista tenha necessidade de fazer esse protesto. Não entendo nem compreendo porque não entendemos o seu comportamento dessa maneira.

A Sr.ª Maria Emília de Melo (PS): - Não queremos lições de moral!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Há uma pequena nuance no que. acaba de dizer e que no«, dá ra/ão. Se o Governo dissesse «frentes e organizações que se opõem a democracia» estávamos de acordo. Mas o Governo não o fez e não o disse como o Sr. Deputado Angelo Correia há pouco sentiu necessidade de o dizer aqui no debata democrático na Assembleia da República. O Governo, em primeiro lugar, empregou a expressão «frentes» que, quanto a nós, tem já um sentido capcioso.

A Sr.ª Maria Emula de Melo (PS): - Sabem muito! ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Governo disse a frase «frentes e organizações que se opõem ao Governo» e tentou assim lançar a confusão e o equívoco. Proeurou, portanto, lançar um labéu sobre todas as forças oposicionistas.

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Brito, se as palavras «frentes ou associações» o melindra, V. Ex.ª terá os seus argumentos. Simplesmente essa é uma interpretação subjectiva e não é naturalmente a interpretação objectiva que o Governo quis dar. Essa é uma interpretação sua e não nossa. Que o Governo tem legitimidade para dizer o que disse, tal e qual como as próprias forças autodenominadas populares do 25 de Abril s« postulam como oposição a este Governo, é um facto. E que a oposição se quis demarcar aqui deste facto, a prova real é o voto apresentado pelo partido que V. Ex.ª aqui representa.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E não só aqui!

O Orador: - Não só aqui..., exacto. E quando V. Ex.ª fala «não só aqui» retraia um aspecto importante que é o de que muitas vezes a violência e o terror têm contornos específicos e muitas vezes há indução para o terror, para o terrorismo e para a violência.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

A questão que temos de colocar muitas vezes, como V. Ex.ª lembrou e bem, e até que ponto é que alguns discursos fora daqui não induzem a acções de violência e conduzem ao terror.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É um facto!

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É para protestar, Sr. Deputado?

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, penso que regimentalmente me assiste o direito de defesa em relação a uma pequena declaração do Sr. Deputado Armando Bacelar. E era só nesse sentido que queria usar da palavra.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE):- Em relação à intervenção do Sr. Deputado Armando Bacelar, queria apenas referir que ou provavelmente me exprimi mal ou o Sr. Deputado Armando Bacelar não entendeu o sentido das minhas palavras. De facto, não me recordo exactamente das palavras que utilizei

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e admito que me tenha exprimido de uma forma incorrecta, mas pensa que da linha da minha intervenção ficou claro que o que pretendi dizer -e isto é do domínio público- foi que a oposição aqui. representada nesta Assembleia da República tem sempre condenado quaisquer actos de terrorismo. E, por outro lado, penso que- o referi expressamente nesses termos e invoquei que o meu partido, como partido da oposição, se tinha sentido atingido pelos termos da nota do Ministério da Administração Interna. Parece-me que esse era realmente o sentido da leitura da minha intervenção, mas admito que possa ter havido, de facto, uma insuficiente expressão que tenha dado lugar à intervenção do Sr. Deputado Armando Bacelar.
De qualquer maneira, pareceu-me indispensável fazer este esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a UDP vai votar favoravelmente o voto apresentado pelo PCP. No entanto, não pode deixar de realçar o sentido angélico de determinadas declarações que foram feitas por Deputados da bancada da AD. Angélicas porque se esquece das implicações que a direita teve neste país no terrorismo pós-25 de Abril, ligada aos ataques a sedes de partidos de esquerda e ao bombismo que bastantes vítimas materiais e pessoais provocou.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - No Terreiro do Paço e em Belém!

O Orador: - Também não se pode esquecer o contributo dado na libertação dos pides que são profissionais do terrorismo e que andam à solta no nosso país.

A Sr.ª Emília de Melo (PS): - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Principalmente em Arraiolos!

O Orador: - Angélicas mas insidiosas ira medida em que também se pretende ligar as formas de terrorismo e de acção violenta marginal à luta do nosso povo, ã luta de massas e à luta que o nosso povo é obrigado a desenvolver contra o terrorismo organizado pela força de Estado da direita e do Governo da direita, pretendendo assim apagar da memória colectiva do nosso povo o sentido democrático e revolucionário do 25 de Abril que os senhores sempre combateram.
E aqui tenho a dizer que o Governo que tanto fala contra o terrorismo, ele próprio, tem montados os seus esquemas, quer ao nível ideológico, político ou repressivo, que se traduzem em verdadeiro terrorismo sobre as massas populares e sobre os trabalhadores. E é ver a actuação da GNR, e não de alguns elementos da GNR; a cooperação GNR está ao serviço da acção repressiva da direita, da AD e do Governo.

Vozes do CDS: -Não apoiado!

O Orador: - A GNR tem tido uma actuação no Alentejo que além de assassinar trabalhadores e de torturar, como torturou, o presidente da Câmara da Avis - é preciso que isso não seja esquecido -, mantém um clima ...

Protestos do CDS.

Sr. Presidente, eles não querem ouvir, mas eu quero que eles oiçam!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço que mantenham a calma. Queira continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Dizia eu que a GNR com a sua actuação no Alentejo mantém um clima de terrorismo e de intimidação junto dos assalariados furais, pela forma como avança para roubar as reservas para aqueles que as vão receber e que, esses sim, é que estão ligados a todas as formas de terrorismo e de repressão que desde o 25 de Abril têm assolado o nosso povo. Isto tem de ficar muito claro.
Também não nos podemos esquecer que nessa forma organizada de intimidação, de. repressão e de terrorismo estão os «choques» e está a forma como os «choques» assassinam as pessoas ma rua, a forma como intimidam e como se afiram sobre o povo que organizado em manifestações sofre, quer os espancamentos, quer os tiros da polícia de choque.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A polícia militar, quer o senhor dizer!

O Orador: - E nós vemos perfeitamente até que ponto isto é verdade, na medida em que os pasquins ligados à direita já estão a exigir e a reivindicar uma polícia política.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E o Copcon?

O Orador:- Isto mostra até que ponto estes actos terroristas e esta violência marginal, que nada tem que ver com o nosso povo, servem os interesses da direita, da reacção, da AD e do Governo. Temos aqui já a justificação para a criação da polícia política: é para o reforço da repressão. É por isso que estas acções são uma provocação que nada têm a ver com o povo e que estão a dar argumentos à direita, à AD e ao Governo...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): -Tu lá sabes!...

O Orador: - ...para reforçarem a sua actuação repressiva sobre as massas populares, sobre os democratas e os revolucionários antifascistas e sobre os trabalhadores.
E ao Sr. Deputado... desculpe mas agora não me lembro do seu nome...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Castro Caldas.

O Orador: - E ao Sr. Deputado Castro Caldas quero dizer também que é insidioso ligar estas formas de actuação àquilo que chamou, e muito bem, a tomada do poder pelo proletariado ou pelas massas

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populares dirigidas pelo proletariado. Não é a mim que incumbe falar disso, mas já agora quero dizer-lhe que quando isso acontecer - e vai acontecer - será Je uma forma muito clara e meio aberta de rebelião das massas contra aqueles que as querem manter na exploração indigna e pela conquista de uma vida justa a que têm direito e que os sectores reaccionários e da direita não lhes permitem alcançar. E é nesse caminho da luta de massas que a AD e o Governo serão derrotados.

Protestos do CDS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Queremos o Acácio!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se alguém nesta Câmara tem legitimidade para falar em nome do terrorismo, é realmente > Sr. Deputado Mário Tomé...

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

..e por duas ordens de razões: razões pretéritas e presentes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E futuras!

O Orador: - Razões pretéritas que, aliás, estão em acerta consonância com uma expressão adequadíssima que o Sr. Deputado utilizou, e que mantemos: apagar da memória do nosso povo.
Nós não apagamos da memória do nosso povo aquilo que o Sr. Deputado, como militar, em 1975, praticou violando os direitos do homem quando a Constituição portuguesa estava a ser celebrada!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Violação dos direitos do homem e derrube da ordem democrática, quando V. Ex.ª integrava a AD - aliás, em boa-companhia com outros partidos aqui representados e que, hoje em dia, choram lágrimas de crocodilo - ... ,

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Provocador!

O Orador -... e quando havia uma ordem democrática legitimada por eleições democráticas, que muitos não quiseram nessa altura. O seu comportamento concreto, profissional, era já um prenúncio daquilo que se impunha como forma de terrorismo m Portugal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Mas o seu comportamento e o das associações que o Sr. Deputado aqui representa tem hoje em dia o mesmo conteúdo. Quando: o eventual candidato a Presidente da República, apoiado por Ex.ª, lança chamas no Alentejo, invocando razões de marcha sobre Lisboa, em termos de apelo à violência - e a interpretação dessas frases, desse conteúdo, nunca foi desmentido em termos cabais-, esse é um comportamento presente, bem vivo na memória de todos nós.
Quando elementos do seu partido, em algumas localidades alentejanas - e cito o caso de Pias, que merece ser citado -, apelam à violência e à depredação dos bens das pessoas, das pessoas simples, destruindo objectos da sua vida pessoal, destruindo os seus bens de pequenos proprietários...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Isso é mentira!

Vozes do PSD: - Ê verdade!

O Orador:- Só é mentira para quem desconhece o Portugal real, do qual, aliás, V. Ex.ª é um exemplo! V. Ex.ª é um exemplo do Portugal mítico, não é o exemplo de um Portugal real!

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador -. O seu comportamento presente e, sobretudo, da força que V. Ex.ª aqui representa...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A força não; a fraqueza!

O Orador: - ...é um comportamento evidente de que o terrorismo em Portugal existe e o seu discurso - aquele que acabou de fazer aqui - é uma comprovação directa e real de que o terrorismo, afinal, não está lá fora. O terrorismo também está aqui dentro, através do seu comportamento!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé prefere responder já ou no fim?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, queria protestar em relação ao ataque que o Sr. Deputado Mário Tomé me dirigiu, mencionando as minhas afirmações.
De facto, o Sr: Deputado Mário Tomé leve a coragem de reconhecer e de defender aquilo que ataquei; ou seja, teve a coragem de justificar, como comunista, que legitima o exercício do terror como metodologia da conquista do Poder.
E esta é a afirmação que não posso, como democrata, deixar de repudiar, porque está em flagrante contradição com os princípios que se encontram consignados na nossa Constituição. Mas teve a coragem de o dizer, quando o Partido Comunista não teve essa coragem, mas antes teve a coragem de o omitir.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Provocador!

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O Orador: - Nunca vi, por parte da bancada do Partido Comunista, fazer tão claramente a afirmação...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É ignorante e provocador!

O Orador: - Dizia eu que nunca vi o Partido Comunista fazer a afirmação clara e explícita do compromisso democrático, nos lermos em que é entendida a formação do Poder num Estado democrático ocidental e liberal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Isso divide, efectivamente, os comunistas portugueses dos comunistas italianos; isso divide a conceptualidade que se tem do Estado liberal; isso divide a conceptualidade da estratégia da conquista do poder dos comunistas portugueses daqueles comunistas que reconhecem o Estado liberal como a forma de organização mais moderna, a forma de organização que compatibiliza, o mais aproximadamente possível, os direitos, liberdades, e garantias de todos os cidadãos.
É isto que efectivamente os divide, e o Sr. Deputado Mário Tomé teve a coragem de vir a esta Câmara afirmá-lo claramente: afirmar que não repudia o terrorismo coma forma de actuação política, porque, no seu entender, existem formas de terrorismo que são legítimas. E é isso que da minha bancada lhe digo que não reconheço.
Não reconheço nenhuma forma de terrorismo que seja legítima, e volto a repeti-lo, porque voto contra o terrorismo em nome da fraternidade, porque voto contra o terrorismo tendo como fundamento filosófico a declaração de Jefferson de direitos, liberdades e garantias ...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - E vota contra o terrorismo que aqui denunciei?!

O Orador: - ...porque reconheço que a única forma de os homens viverem em liberdade é elevarem, acima de tudo, os valores da fraternidade. Isto porque o único problema que existe no mundo moderno é um problema de .raridade dos bens e a única maneira de administrar a raridade desses bens é repudiar conceptualmente as formas de violência organizada, quer seja a violência do Estado organizado, quer seja a violência marginal, quer seja a violência de aparelhos de partido, quer seja a violência de aparelhos policiais.
Isto é o que nos divide, Sr. Deputado Mário Tomé, e por isso V. Ex.ª representa nesta Câmara, com toda a frontalidade -e esse mérito lhe reconheço- o terror como forma de conquista do poder.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP) Sr. Presidente,

Srs. Deputados: O discurso do Sr. Deputado Angelo Correia foi uma provocação, ...

Risos do PSD e do CDS.

...uma aleivosia e uma imbecilidade!

Vozes do PSD e do CDS: -O quê?!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Está a fazer uma autocrítica!

O Orador: - O Sr. Deputado Ângelo Correia falou aqui directa e concretamente na minha actuação em 1975. No entanto, não disse qual foi essa actuação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O terrorismo!

O Orador - Vou dizer porque e que essa actuação tanto chocou o Sr. Deputada Angelo Correia ..

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Chocou o povo português!

O Orador: - ... e os outros Srs. Deputados da AD.
A minha actuação em 1975 choca-os principalmente porque de militar ao serviço dos interesses que os senhores representaram, representam e querem continuar a representar, de militar da guerra colonial, de militar de uma hierarquia vendida e sabuja aos interesses do grande capital e do imperialismo ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ao serviço do Kaúlza!

O Orador:- ..., me transformei num militar que decidiu cortar com essa actuação ...

Risos do PSD e do CDS.

... com esses interesses, com os quais eu servilmente concordava, para me pôr clara, directa e decididamente ao serviço dos interesses ...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Do KGB!

O Orador:- Não lhe admito provocações, Sr. Deputado!
Como ia dizendo, para me pôr clara e decididamente ao serviço dos interesses -e por isso os Srs. falam tão nervosamente - que vão cilindrar os interesses do capital e do imperialismo, ou seja, os interesses do nosso povo ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não defenda o povo!

O Orador: - ..., os interesses do povo na rua, os interesses dos soldados organizados democraticamente nos quartéis.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Os SUV!

O Orador: - É isso que os senhores - porque sabem que é por aí que podem cair e que podem ser derrotados - não podem suportar e é por isso

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que os senhores nem sequer se querem lembrar desses tempos. No entanto, lembro-me perfeitamente e continuo a lembrá-lo. E o nosso povo, os soldados que comigo serviram, os trabalhadores que viviam à volta dos quartéis, os trabalhadores das grandes fábricas, ;abem-no e reconhecem-no, e é por isso que aqui sou provocado e insultado pelos senhores...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É provocador!...

O Orador: - ...e sou fraternamente recebido...

Risos do PSD e do CDS.

... nas fábricas e nos campos onde me desloco.
Queria ainda dizer que a forma de violência - e isto é muito claro e não admito que deformem as minhas afirmações - que defendo não tem nada a ver com a forma de violência que os senhores realmente defendem, porque, como já disse há bocado, apesar das angélicas declarações do Sr. Deputado Castro Caldas, ele não se pôs, nem põe, contra a violência que já aqui apontei e designei, quer do ELP, quer dos bombistas, quer da GNR ou da Polícia de choque. É claro que estou contra essa violência, porque essa é uma violência contra o povo...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - E o terrorismo ião é contra o povo?

O Orador: -..., é uma violência contra a organização popular, contra as formas de organização democráticas do nosso povo, e é isso que tem sido mostrado e provado, principalmente desde o 25 de Novembro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como não admito que deturpem as muitas afirmações vou repeti-las.
O partido que aqui represento, e eu próprio somos da violência das massas para se oporem...

Protestos do PSD, do CDS e do PPM.

As massas, Srs. Deputados, têm todo o direito de e revoltarem, de se rebelarem e serem violentas contra os seus inimigos!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso é nazismo puro!

Vozes do CDS:- Não apoiado!

O Orador: - Os senhores é que não têm o direito e, através dos aparelhos profissionais da repressão, o terrorismo e da violência, achincalharem, espezinharem e tentarem prolongar e manter a exploração sobre as massas populares. Os senhores não têm esse direito e é por isso que ficam tão nervosos quando falo da violência das massas contra a violência que os senhores lhes querem impor.

Protestos do PSD.

Essa violência das massas na defesa dos seus interesses contra os interesses dos seus inimigos -que ao inimigos do povo - é legítima, e mais que legítima. Legítima não é, coro certeza, a violência da GNR no Alentejo.
Quero ainda deixar aqui uma coisa clara. O major Otelo quando apelou para os assalariados rurais do Alentejo se manifestarem em Lisboa, para aí congregarem o apoio da classe operária e resistirem política e fisicamente ao roubo das terras da Reforma Agrária, indicou um caminho de luta de massas, de luta contra a repressão, contra a exploração, contra os latifundiários que, repito, estão ligados ao terrorismo e cujos interesses estes grupos terroristas defendem. E nós vimos aqui, por aquilo que os senhores disseram, que é isso que está a acontecer e que vai continuar a acontecer.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Isto é uma Assembleia de democratas, não é uma Assembleia de revolucionários.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Estou aqui não por vossa vontade!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Peço também a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente voltei a ser frontalmente atingido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe mas a Sr.ª Deputada Zita Seabra quer também protestar e está em primeiro lugar.
Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejava fazer um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Castro Caldas e nele englobaria o sentido da discussão que estamos a travar.
Na verdade, o PCP trouxe aqui um voto para a condenação inequívoca dos actos de terrorismo que preocupam gravemente o povo português e os democratas portugueses e o que se está a passar é que se está a divagar, a filosofar -há mesmo quem traga para aqui as suas filosofias de cabeceira -, a caluniar, a provocar, a insultar, e está-se a fugir ao tema fundamental que hoje a Assembleia da República, seriamente e sem divertimentos, devia estar a condenar: os actos de terrorismo que tanto preocupam os Portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, apelávamos para que se passasse à votação, pois acharíamos lamentável que a Assembleia da República travasse todo este debate, toda esta discussão e que o voto ficasse por votar e a condenação inequívoca dos actos de terrorismo, que tanto preocupam os portugueses, acabasse por não ficar claramente demonstrada pela Assembleia da República.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria chamar a vossa atenção para o facto de além do Sr. Deputado Castro Caldas haver mais um Sr. Deputado inscrito para intervir, e estarmos em cima da hora regimental para o encerramento do período de antes da ordem do dia. Assim, ou as intervenções serão muito breves e votaremos a seguir ou então a Mesa tem que cumprir o Regimento.
Faça favor, Sr. Deputado Castro Caldas.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um direito regimental que me assiste o de me defender pessoalmente quando sou atingido. Assim, tenho o direito de responder à Sr.ª Deputada Zita Seabra.
Porém, como também concordo que deveríamos votar ainda hoje este voto, peço a V. Ex.ª que, se nenhum dos grupos parlamentares se opuser, se prolongue o .período de antes da ordem do dia pelo tempo suficiente para que se faça a votação.
Quero responder, com ioda a frontalidade, ao Sr. Deputado Mário Tomé que as posições que aqui defendi são posições que têm um fundamento ético e o meu fundamento ético é totalmente diferente do Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Que não tem!

O Orador: - Quando a Sr.ª Deputada Zita Seabra diz que eu trouxe para aqui divagações filosóficas de cabeceira, devo dizer-lhe que trago sempre comigo as minhas divagações filosóficas; elas não estão só à cabeceira - estão sempre presentes em todos os actos que imprimem conteúdo à minha vida.
E a minha superioridade moral ao discutir esta matéria como o Sr. Deputado Mário Tomé é a de que me congratulo por o ouvir, porque reconheço os fundamentos éticos que legitimam a sua presença nesta Câmara e lhe permitem desenvolver arrogantemente a teoria de que o terror é legítimo contra ela própria. São estes fundamentos éticos que me dão a superioridade moral, porque se ele estivesse no meu lugar não me reconheceria o direito que ele hoje tem.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE):- Queria usar da palavra para exercer o direito de defesa. Simplesmente não quero prejudicar esta votação, pois penso que é indispensável que ela seja feita hoje. Embora quisesse usar o direito de defesa em relação a declarações do Sr. Deputado Angelo Correia quando se referiu ao meu partido, penso que haverá oportunidade para o fazer, visto que não é a primeira vez que esta mesma ideia é aqui desenvolvida. Portanto, prescindo da palavra para não prejudicar a votação, uma vez que haverá oportunidade de voltarmos a este assunto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito curta, pois o meu grupo parlamentar não podia deixar de, perante um voto destes, exprimir a sua opinião, pública e claramente, em voz alta, nesta Casa.
É evidente que pelos argumentos que já aqui foram expendidos pelos vários grupos parlamentares - alguns dos quais nós subscrevemos, nomeadamente a intervenção do Sr. Deputado Castro Caldas - o nosso grupo parlamentar não podia deixar de votar favoravelmente este voto do Partido Comunista.
E queríamos aproveitar para juntar a este voto £ nosso voto de incentivo àqueles a quem compete a manutenção da ordem neste país a luta contra t terrorismo, chamando a atenção para os factos inquietantes que constituem a descoberta em Sesimbra de bidões carregados de armas possivelmente serão das tais armas que estavam em boas mãos...

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Algumas eram aí fabrico soviético e polaco!

O Orador: - ..., da descoberta de um outro arsenal em Queluz -possivelmente também ligado ao mês mo problema - e também para os «zunzuns» que existem da entrada de armas pela fronteira espanhola, nomeadamente pelo triângulo Couce, Ponte de Sor, Évora. Esta Câmara deve incentivar também as forças que se ocupam da luta antiterrorista pá n que continuem esta luta, porque, de facto, das nossa boas palavras, das nossas óptimas intenções, pode resultar uma manifestação clara perante a opinião pública, que é indispensável, mas não resultará aquilo que é fundamental e que é intensificação da lei antiterrorista em Portugal.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, esta encerrada a discussão e vamos passar à votação do voto apresentado pelo Partido Comunista Português.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voltem a palavra o Sr. Deputado Sanches Osório.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Demos o nosso apoio ao voto proposto pelo Partido Comunista. Não hesitaremos ter apoiar tudo o que possa contribuir para a segurança dos cidadãos e para o indispensável funcionamento das instituições democráticas, venha de onde vier!
Todavia, ao ler o voto que nos foi proposto, na conseguimos deixar de pensar que subjacente a el existia um certo remorso um certo peso na consciência. Muitos dos, Srs. Deputados aqui presentes se lembrarão de 1975 ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E de que maneira.

O Orador: - Trotsky há 70 anos dizia que «a intimidação é o mais poderoso meio de acção política tanto na esfera internacional como na esfera nacional». Sabemos que o Partido Comunista estuda bem as lições.

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Ora, Sr. Presidente, Srs. Deputados, nós somos defensores do personalismo e por isso combatemos o «terrorismo de Estado» corporizado na política do 24 de Abril, mas combateremos igualmente o terrorismo contra o Estado, porque ambos menosprezam o homem e os seus direitos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O acto terrorista traduz-se num crime de direito comum! Portanto, tem a ver com a ordem pública interna do Estado, os actos isolados estão previstos no Código Penal.
A diferença reside numa motivação servida por técnicas várias, tendo como base captar a atenção do público.
O Secretariado das Nações Unidas, em 1972, condenando-o, atribuía ao terrorismo a finalidade de captar a atenção pública e constranger o Estado a tomar certas medidas... que em extremo comprometiam as liberdades fundamentais.
Esta definição, Sr. Presidente. Srs. Deputados, merece ser meditada, pois o terreno que se pisa ao falarmos de terrorismo é movediço, é perigoso e nós permitimo-nos apontar à Câmara que não devem estes crimes comuns ser empolados, sob pena de estarmos todos a prosseguir os objectivos pretendidos pelos terroristas.
Termino, Sr. Presidente, Srs. Deputados, apelando para uma rápida promulgação do decreto-lei sobre a brigada antiterrorista. Só os votos e as boas palavras não chegam!
E, por outro lado, apelo à Câmara para que não mais se permitam nesta Casa apelos à violência e criminosas afirmações dirigidas às corporações que, entre outras missões têm a salvaguarda da segurança dos Portugueses e que (daqui saudamos com respeito e incentivamos a que exerçam redobrados esforços no cumprimento das missões que lhes estão consignadas que de alguma maneira também são responsabilidade desta Assembleia, se é verdade que todos nós aqui presentes estamos, de facto interessados na construção de um Estado livre e democrático.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Bacelar.

O Sr. Armando Bacelar (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou favoravelmente não só porque o uso da violência como arma política, quaisquer que sejam os seus objectivos, é absolutamente antagónico os ideais que sempre, perfilhou e perfilha, como ainda
pelas considerações circunstanciais seguintes.
Nunca os princípios do 25 de Abril poderiam justificar quaisquer actos de violência ou terrorismo, dois são princípios de paz, de democracia, de progresso e justiça social.
Não temos como liquida a natureza realmente política dos assaltos, atentados e actos de criminalidade grave ultimamente perpetrados em várias partes do país. Só uma averiguação rigorosa e isenta poderá estabelecer a realidade, a natureza e as causas desses ciclos e dos fenómenos a eles subjacentes.
Qualquer maneira, interessa considerar que, numa democracia plena, em que os direitos, liberdades e garantias individuais, económicos e sociais dos cidadãos são efectivamente assegurados e praticados, o recurso à violência e ao terrorismo torna-se ainda mais condenável. Porém, os regimes ditatoriais e aqueles que cerceiam a democracia, coarctando os direitos dos cidadãos e das 'associações, das instituições e dos meios de informação, monopolizando a livre expressão de opiniões e interesse, e a cultura, criam um clima favorável à emergência de actos de violência e de terrorismo. Ora, a política do Governo AD, manipulando os meios de comunicação social, praticando saneamentos, favorecendo a reconstituição do poder económico e social das camadas exploradoras e parasitárias que dominavam a vida portuguesa antes do 25 de Abril, agravando a crise do emprego (com incidência particular nas camadas juvenis), apontando à bipolarização da vida nacional, a agudização dos conflitos sociais, ao aumento do custo de vida e à subversão da Constituição saída do 25 de Abril, é susceptível de criar um clima favorável à emergência de actos de violência e terrorismo de natureza política que- aliás nós, socialistas, sempre repudiaríamos, sem que contudo nada nos possa ser censurado, nem sequer ma prática dos Governos socialistas, que pudesse favorecer a emergência de um tal clima.
A confirmar tudo isto pode invocar-se o facto de os Governos da responsabilidade do Partido Socialista terem podido não apenas suster o aumento do terrorismo e dos assaltos a bancos, mas reduzi-los até níveis de criminalidade próximos da sua erradicação.
Conseguiram, aliás, travar o aumento da criminalidade em geral e até provocar uma redução dos seus níveis.
A então oposição, que hoje está no Governo, interpelou o I Governo Constitucional sobre esta matéria. Levou para tabaco. Mas fez então afirmações de capacidade própria e promessas que a sua actual política inteiramente desmente. O crime de grupos recrudesceu. O terrorismo e os assaltos a bancos regressaram. Também neste domínio o Governo se revelou incapaz.
Por isso aqui queremos deixar, com o nosso voto favorável, este alerta contra os sintomas inquietantes de afastamento dos princípios democráticos constitucionais por parte do Governo da AD e suas possíveis consequências altamente nefasta para o povo português.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apoiámos o voto do Partido Comunista. Simplesmente, já aqui nos manifestámos pela condenação de todas as formas de terror, venham de onde vierem e sejam quais forem os fins a atingir.
É evidente que todo o terror visa a destruição da ordem democrática que, nesta Câmara, a todos nós, sem excepção, cumpre intransigentemente defender, e a impulsionar e servir de suporte à implantação do totalitarismo, que não menos intransigentemente recusamos.
No anais, estamos com a esclarecedora primeira

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intervenção do Sr. Deputado Castro Caldas em representação do Partido Social-Democrata.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentámos este voto em perfeita coerência com as posições que sempre temos vindo a assumir.

Na reunião de 3 de Maio do Comité Central do meu partido alertávamos para os perigos, na situação presente, de qualquer recurso a formas de acção fora do quadro constitucional e chamava-mos a atenção para quaisquer acções violentas aparentemente ligadas à Reforma Agrária, às lutas da classe operária e dos pequenos agricultores, que assumiriam um carácter provocatório, servindo as forças reaccionárias. Devo, pois, recordar à Câmara que a primeira intervenção que produzimos na Assembleia da República suponho que foi em Junho de 1976, pelo camarada Carlos Brito, no período de antes da ordem do dia, em que referimos e condenámos o terrorismo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Esta posição que assumimos foi no quadro dos problemas que se colocam em Portugal. Consideramos que o terrorismo, hoje como sempre, após o 25 de Abril, aparece como um instrumento das forças reaccionárias contra a democracia e contra o 25 de Abril, e numa forma de atentar contra os direitos dos trabalhadores e contra o funcionamento das instituições.
Neste quadro, não podemos deixar de condenar o facto de alguns quererem escamotear o que verdadeiramente aqui se discutia.
Não referimos o terrorismo à escala internacional. Se o fizéssemos, muito haveria a dizer acerca de quem manipula e de, quem se serve do terrorismo, das forças do belicismo, do colonialismo, das forças que estão contra a paz, das figuras políticas - e recordo o Xá da Pérsia, o Sr. Samoza, o Pinochet e o regime racista da África do Sul que se aproveitam do terrorismo. Não deixaria de falar também dos seus agentes como Jonas Savimbi, e muito haveria a dizer acerca dos seus apoios.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Esqueceu-se do Brejnev!

O Orador: - Aliás, em aparte, devo dizer ao Sr. Deputado Sanches Osório que achamos natural que, quando se trata desta questão, as palavras que lhe vêm à memória são palavras como remorso e peso na consciência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação a toda esta questão assumimos uma posição de alerta: entendemos que no regime democrático existem mecanismos suficientes para averiguar, julgar e punir os responsáveis. E, no campo democrática, existem forças suficientes para isolar os inimigos da democracia.
Da nossa parte apresentamos aqui este voto. Contudo, a nossa condenação do terrorismo é uma prática permanente do meu partido. Aqui e lá fora condenamos e combatemos o terrorismo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Sanches Osório (CDS) : - Sr. Presidente, pretendia defender-me, porque fui nominalmente citado pelas palavras do Sr. Deputado João Amaral-

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria declarar ao Sr. Deputado João Amaral e em especial ao Partido Comunista que não tenho que pedir lições de democracia « ninguém, se se fala em remorso e peso na consciência, confesso que julgo que só o posso ver nessa bancada, se é que consciência e remorso são conceitos que ainda vos dizem respeito.

Aplausos do PSD. do CDS e do PPM.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - É para um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Sanches Osório não protestou, defendeu-se. Contudo, se e Sr. Deputado João Amaral se sente atingido...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não, Sr. Presidente efectivamente, não me sinto atingido. E realmente entendo que o Sr. Deputado Sanches Osório não tem lições de democracia a receber porque, de facto, não as pode receber.

Aplausos do PCP.

O Sr. Dias Loureiro (PCP): - Parece que nós até pertencíamos ao ELP!

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, está encerrado o período de antes da ordem do dia e vamos passa à discussão e votação na especialidade da proposta de lei n.º 321/I, sobre a alteração, da Lei n.º 2/80, de 14 de Março.

Vai ser lido o artigo 1.º

Foi lido.

É o seguinte:

ARTIGO 1.º

É prorrogado por cento e vinte dias o prazo referido no n.º 2 da alínea 2) da Lei n.º 2/80, d 14 de Março.

O Sr. Presidente:- Está em discussão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As razões da posição de voto do n.º

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partido já foram expostas aquando na votação na generalidade. Contudo, só queria referir que, de qualquer forma, fica mais claro que não há qualquer cabimento pana aprovar esta autorização legislativa porque, nas circunstâncias actuais, ou o Governo e os partidos que aqui vão votar favoravelmente a autorização legislativa entendem, com este voto, criar es condições para poder prosseguir a política de confronto ou então - e isso seria mais curioso - entendem que na situação que está criada, do ponto de vista togai, não existe cobertura para actos subsequentes no uso da autorização legislativa aqui concedida há mais de dois meses.
Quanto ao primeiro ponto, é evidente que não corroboraremos, e quanto ao segundo ponto fica registado- que essa falta de cobertura não vai ser resolvida porque, como já aqui foi afirmado, o hiato no tempo é insanável.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- Será?!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de justificar aquilo que se vai passar a seguir quanto à votação. Trata-se, efectivamente, de prorrogar o que é improrrogável. Na verdade, não vale a pena fazer o historial - e não o faço para poupar tempo a esta Assembleia pois ele já foi feito pelo meu colega de bancada Almeida Santos numa das madrugadas a que temos estado a assistir nesta Assembleia da República -, nem sequer vale a pena falar no destino que uma autorização legislativa aqui votada teve e a forma como por duas vezes foi utilizada.
O que há - e muito claramente -, é um princípio geral do direito português. E cito o artigo 331.º do Código Civil, o qual afirma textualmente que «só impede a caducidade a prática dentro do prazo legal ou convencional do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo».
Este princípio geral com a votação a que se vai proceder e com o destino óbvio que ela vai ter irá estar frontalmente violado porque, na realidade o Governo, por um lado, já utilizou uma vez a autorização que lhe foi concedida - e, efectivamente, esgotou esse direito -, e o prazo de utilização, qualquer que seja a interpretação que se tenha relativamente ao termo do processo, legislativo, terminou inexoravelmente no dia 13 de Maio. De resto, bastaria ler a justificação de motivos apresentada peto Governo para esta terceira, proposta para se ver que assim é. E é dia 13 de Maio, e não 14, porque a autorização teria de ser utilizada no prazo de sessenta dias, sob pena de caducidade - é o próprio artigo 2.º da Lei n.º 2/80-, a lei entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação: foi publicada a 14 de Maio, entrou em vigor a 15, e dezassete dias de Março mais trinta dias de Abril e mais treze de Maio faz, efectivamente, sessenta dias.
Contudo, o problema essencial e que aqui se tem estiado a disfarçar é que não> estamos perante um prazo que possa ser renovado, pois não se renova o que se esgotou nem aquilo que deixou de existir perante a ordem jurídica. O caso seria de prorrogação e só poderia existir prorrogação se mão existisse o princípio geral de direito que acabei de enunciar, e não pode ser prorrogado aquilo que, efectivamente, - caducou.
Portanto, é perante esta enormidade jurídica - porque, efectivamente, não há outro nome - que vamos presenciar daqui a momentos que o Partido Socialista votará contra o artigo 1.º desta proposta de lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio; de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de ser curioso que da bancada do Partido Socialista surja uma defesa tão extrema de meros; conceitos jurídicos, quando já aqui por vozes autorizadas desse grupo parlamentar se acusou a constitucionalite, a regimentalite e não sei que mais «te».
É evidente que não estamos propriamente numa Assembleia dominada por conceitos jurídicos, mas sim numa Assembleia dominada por valores e por razões e deliberações de carácter substancial. Se calhar, o Sr. Deputado ficava mais satisfeito se em vez de uma prorrogação de uma lei se visse aqui apresentar uma nova lei de autorização legislativa.
No fundo, o que estaria em causa, é apenas a forma de realizar uma determinada vontade da Assembleia da República. E aquilo que neste momento está em causa, é saber se uma. autorização legislativa, cujo conteúdo está perfeitamente definido, deve ser objecto de prorrogação no que respeita ao prazo durante o qual pode ser exercida, ou se, para dar exactamente a mesma autorização, é necessário apresentar unia nova proposta de lei.
Penso que quem não estiver demasiado agarrado a conceitos e, pelo contrário, estiver agarrado à vida e aos interesses que nela se jogam, reconhecerá facilmente que neste caso concreto não está em causa a apreciação de novo problema de autorização legislativa, quaisquer que sejam os conceitos jurídicos. O que está em causa é que em relação àquilo que foi autorizado, essa autorização possa continuar a ser utilizada.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Sampaio também não ignorará que a Assembleia da República concedeu ao Governo autorização para legislar num certa matéria, e não lhe concedeu autorização para fazer um decreto-lei, que se verifica, que não pode chegar ao termo, no que respeita ao acto legislativo porque entretanto surgiu um órgão que declarou esse decreto-lei inconstitucional.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - A lei somos nós!

O Orador: - Aquilo de que a oposição acusa o Governo, afinal de contas, volta-se contra a própria oposição. Se o Governo quisesse conflitos, podia, eventualmente, explorar politicamente a obstrução que outros órgãos procuram fazer à realização da sua política que, aliás, não é nova anãs foi previamente anunciada na campanha eleitoral que precedeu

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o acto eleitoral de 2 de Dezembro. Mas o Governo não está interessado em conflitos dessa natureza, aceita perfeitamente que haja opiniões diversas acerca do mesmo problema, que haja quem considere um decreto-lei perfeitamente constitucional, mas haja também quem entenda o contrário sem estar a explorar razões que podem estar na base dessas diversas opiniões. E com toda a naturalidade que é própria de autênticos democratas, naturalmente que elabora um novo diploma e o submete novamente à apreciação dos órgãos competentes. E se também é declarado inconstitucional, pote elabora um terceiro que, como a experiência demonstrou, acaba por ser declarado perfeitamente constitucional e pode ser levado até ao seu termo, se, efectivamente, o Conselho da Revolução não for de parecer diferente daquele que a Comissão Constitucional emitiu.
Portanto, está tudo claro e perfeito.
Trata-se é de levar a cabo a real autorização legislativa que foi concedida por esta Assembleia ao Governo para que seja emitida legislação em matéria de limitação dos sectores público e privado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, é evidente que não estão aqui em causa interesses de nenhuma ordem que. se verificam num domínio de direito civil, porque o direito é sempre uma análise de interesses e nunca é uma análise de conceitos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não está aqui em causa nenhum interesse que impeça a Assembleia da República de conceder um prazo mais amplo do que aquele que concedeu para que seja realizado um determinado acto legislativo e não há nada que impeça a Assembleia da República de atribuir - tal como pode vir a ser aprovada a proposta apresentada pelo PSD - efeitos retroactivos em relação a esta lei, de tal maneira que nem sequer haja qualquer hiato no prazo de prorrogação que. é concedido.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Muito bem!

O Orador:- Portanto, se nos quisermos afirmar como políticos e, mais do que isso, até como juristas, se em vez de andarmos à procura e dominados por fórmulas vazias e por conceitos que nunca levaram a lado nenhum a não ser a ditaduras nos detivermos nos interesses reais em jogo, os argumentos do Partido Socialista perdem todo e qualquer valor e aquilo que aqui se está a fazer corresponde inteiramente aos interesses legítimos do País interpretados por esta Câmara e não viola qualquer espécie de interesse nem de princípios de qualquer sistema jurídico.
Mesmo que quiséssemos aqui pautando-nos por critérios jurídicos, nem sequer seria lícito dizer-se que aqui se podem aplicar as regras invocadas do direito civil, porque quando se estabelecem prazos no direito civil, normalmente, existem sempre interesses divergentes: há interesses que só são protegidos se, efectivamente, o prazo não for prorrogado, e há outros interesses que só são protegidos se o prazo for prorrogado. Portanto, tem de haver um equilíbrio e, naturalmente, não permitir que unilateralmente esse prazo seja prorrogado.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aqui não estão em causa interesses divergentes, mas sim interesses do País que importa salvaguardar. Está em causa a própria vontade da Assembleia da República, de um Governo: legítimo que importa salvaguardar para que sejam salvaguardados os interesses do nosso país.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- St. Presidente, peço a palavra para, em termos muito breves, justificar a razão do nosso voto a favor ao artigo 1.º da proposta de lei n.º 321/I.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que não há nenhum impedimento jurídico para não prorrogarmos o prazo, porque o argumento dos juristas da oposição, dizendo que se trata do prazo de caducidade, não nos convence. E não nos convence, porque está ainda por demonstrar que o prazo concedido ao Governo é um prazo substantivo e peremptório. Trata-se aqui de, por parte do Governo, executar determinado acto cujo tempo lhe foi fixado por esta Assembleia da República.
Trata-se, portanto, a nosso ver, mais de um prazo de natureza, que se aproxima de um acto processual de expediente, do que propriamente de um acto para ser praticado dentro de um prazo peremptório ou mesmo substantivo.
Assim como, quando um juiz ou uma autoridade administrativa fixa um determinado prazo para a prática de um determinado acto, mesmo depois de esgotado este prazo, pode o beneficiado pedir um novo prazo para a prática deste acto, se entretanto por motivos justificados não tiver podido aproveitar do decurso do tempo. Naturalmente que aqui não se pode falar de caducidade ou de o tempo estar caducado.
A oposição dá por demonstrado o que ainda está por demonstrar, dá por demonstrado o que é indemonstrável, argumenta em termos jurídicos o que é essencialmente político, e por isso mesmo nós não embarcaremos nesse tipo de argumentações, nem nesse tipo de discussões.
Votaremos calmamente, convencidos na verdade de que não violámos nenhum direito, não violámos a Constituição, não viajámos qualquer direito desta Assembleia nem da maioria pelo facto de dar o Governo a prorrogação do prazo para cumprir a autorização legislativa ou para promulgar o decreto-lei que entender. Por isso mesmo, esta discussão tem mais o aspecto de impedir o Governo de cumprir o seu Programa do que propriamente de utilizar uma autorização legislativa.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Espero que as senhoras dos serviços do Diário que estão aqui na nossa frente tenham tido a possibilidade de ouvir um aparte que veio, penso eu da bancada do PSD enquanto falava o Sr. Deputado Amândio de Azevedo. É um aparte extraordinário e altamente significativo e que é este: «a lei somos nós».
Penso que bastaria que este aparte ficasse devidamente exarado no Diário da Assembleia da República para que não pudesse haver dúvidas sobre o debate que estamos aqui a ter.
Não vou, Sr. Deputado Amândio de Azevedo, entrar com V. Ex.ª na velha questão, que normalmente aprendemos no 1.º e 2.º ano da Faculdade, sobre a jurisprudência dos interesses da escola de Coimbra, etc., pois sabemos muitas vezes a que é que isso levou.
A questão fundamental é esta: é que estamos a discutir um domínio de competência reservada da Assembleia da República « par isso mesmo as normas que estão em discussão e que, em nosso entender, estão a ser violadas com esta votação, são normas que rendem a preservar o interesse fundamental da Assembleia Legislativa que é esta. Por isso, a autorização legislativa é uma autorização com um tempo fixo, é uma autorização que tem de ser utilizada naquele tempo, porque se assim não for é uma autorização que caduca.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por mais voltas que dermos, por mais que se possa dizer que a legalidade somos nós, a legalidade somos nós todos, Sr. Presidente. E neste preciso momento a legalidade é aquela que decorre dos textos e não pode, sob pretexto algum, um programa eleitoral passar no crivo daquilo que é -.neste momento a legalidade vigente, ultrapassá-lo, violentá-lo para justificar o programa eleitoral. Não é isso que está em discussão neste momento. Não está em discussão a questão fundamental da defesa do sector público ou a do sector privado, sobre asso já tivemos e. certamente havemos ainda de ter muitas ocasiões para abordar esse tema; o que está em causa é saber que depois de uma distracção certamente notável, depois de ter acontecido o que aconteceu, os grupos parlamentares e o Governo pretendem de facto que aquilo que constitui a legalidade democrática seja efectivamente violada.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Este é o conceito fundamental e não poderemos, em caso nenhum, depois de tudo quanto se discutiu nesta Câmara, permitir que, com a nossa voz, se viole a legalidade democrática que, como todos sabemos, sempre foi pacífica sobre esta matéria.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Relativamente ao Sr. Deputado Narana Coissoró que não se aventurou, e certamente muito bem, por esta matéria da jurisprudência dos interesses, devo dizer-lhe que seria excelente quê pudéssemos renovar o prazo, seria até excedente que o pudéssemos prorrogar. O que não podemos prorrogar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é aquilo que efectivamente caducou.

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi também a palavra para intervir, com toda a serenidade, neste debate e para responder a alguns argumentos que foram adiantados pelo meu amigo e colega de escritório Dr. Jorge Sampaio, aliás, para responder com aquela serenidade com que usualmente fazemos debates sobre interpretação da lei e de normativismo jurídico.
Quero aqui realçar que naquela madrugada em que ouvimos a intervenção do Sr. Dr. Almeida Santos, já não nos encontrávamos em condições pata poder fazer uma análise suficientemente ponderada e correcta dos argumentos que o Dr. Almeida Santos expendeu.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Autocrítica, autocrítica!

O Orador: - Tenho pena que ele não esteja hoje aqui porque gostaria de lhe replicar. Em todo o caso, replicarei aos argumentos que foram retomados pelo Dr. Jorge Sampaio e que são no fundo a sequência do raisonnement do Dr. Almeida Santos.
O que aqui sucede é que estamos perante uma Câmara que legisla ei que legisla ordinariamente. Dai estarmos a contrapor dois ordenamentos jurídicos da lei ordinária. O Partido Socialista vem-nos invocar uma lei ordinária, que é uma lei que estipula uma determinada conceptualidade da caducidade, e nós vamos contrapor-lhe um determinado conceito que por determinação normativa o posterga. Ou seja, nós vamos, na génese da formação normativa, criar uma nova lei, e daí que a argumentação na base de um estrito positivismo jurídico caia por terra precisamente porque nós - e quando digo nós somos nós, Assembleia da República, e não nós, maioria, ou seja, somos nós, Órgão de Soberania, que vamos legislar ordinariamente e vamos produzir uma lei que produz os seus efeitos. Daí que caem por terra todos os argumentos no tocante à caducidade.
Para clareza dos princípios normativos, o meu grupo parlamentar introduziu um novo articulado que esclarece muito correctamente o momento em que os efeitos de aplicação desta lei se vão retrotrair ao termo do prazo consignado no artigo 2.º da Lei n.º 2/80. Portanto, toda a argumentação em redor da caducidade está rebatida na base de um estrito positivismo jurídico.
Mas o Dr. Almeida Santos levantou um problema que é constitucionalmente interessante e que tecnicamente merece a nossa meditação. Veio aqui dizer que o Governo já tinha utilizado a autorização legislativa, e o Dr. Jorge Sampaio voltou hoje a repeti-lo,

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uma, duas e até três vezes. O que importa saber é quando é que se considera que houve exercício de autorização legislativa. É quando o Governo apresenta a proposta para promulgação? Ou é quando o Presidente da República o promulga?

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador:- Porque de facto o que se pode verificar e o que se verifica na prática da nossa Constituição é que o exercício do pocket veto do Presidente da República poderá sempre impedir o Governo de utilizar as autorizações legislativas que esta Câmara concede. Ou- seja, a utilização do mecanismo constitucional de retardar a promulgação de um determinado diploma fará sempre postergar a autorização legislativa que esta Ornara concede ao Governo para que legisle num determinado domínio.
Ora, numa estrita interpretação do normativismo jurídico ter-se-á que chegar à conclusão de que o bloqueamento institucional que o pocket veto origina só pode ter uma saída: a de se interpretar o exercício da autorização legislativa concedida por esta Assembleia ao. Governo, única e exclusivamente no momento em que essa medida legislativa é publicada no Diário da República. Quando não, nunca se poderia dizer que o Governo usava autorização legislativa que lhe era conferida.
É esta a realidade: de facto a primeira e a segunda versões do diploma que o Governo apresentou foram corrigidas, recebendo o Governo a interpretação que foi dada pela Comissão Constitucional dos eventuais vícios de inconstitucionalidade de que as primeiras propostas do Governo estavam afectadas. A correcção dessas anomalias permitiu ao Governo adaptar a sua vontade política e legislativa ao estrito entendimento do Conselho da Revolução no tocante à constitucionalidade e, como tal, não se poderá dizer nunca que decorreu o prazo de caducidade. O prazo de caducidade não está, na estrita interpretação da Constituição, ainda decorrido.
Com isto julgo ter rebatido na serenidade do raciocínio jurídico os argumentos do Partido Socialista.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr., Igrejas Caeiro (PS):- Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para protestar em nome da defesa da língua portuguesa pelo uso abusivo de expressões estrangeiras que podem ser perfeitamente traduzidas para compreensão de todo o povo português.

Aplausos do PS, do PCP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Foi um lapso, Sr. Deputado.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aparte há pouco referido pelo Sr Deputado Jorge Sampaio foi meu, e não da bancada do PSD. E até que me mostrem o contrário, esse aparte é motivo de orgulho, porque quando falo em «a lei somos nós», estou a pensar que o «nós» é a Assembleia da República.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

Não perdi totalmente o sentido de solidariedade existente entre os Deputados e devo dizer-lhe que não interpreto que a Assembleia da República é apenas ou o meu partido ou a coligação que faz maioria ou qualquer outra parcela da Assembleia da República, mas é o órgão que está em causa. E esse órgão é genuinamente democrático, é eleito pelo povo português, é a consequência de um princípio que já é secular da divisão dos poderes, que se reconhece que o legislativo deve caber a uma Câmara de representantes de Deputados eleitos pelo povo pelo sufrágio universal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, não é de forma nenhuma esta interpretação e não me espanta que o Sr. Deputado Jorge Sampaio tenha dado esse sentido deformado, o que não é uma interpretação sem dúvida parcelar, como é afinal a interpretação do Partido Socialista, que chama para si o exclusivo da interpretação da legalidade: democrática e que pretende ser pai dessa legalidade, estando ainda por cima e para mais em minoria nesta Assembleia.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador:- Por outro lado ainda, penso que o Sr. Deputado Jorge Sampaio esteve aqui. a arguir com uma nova hierarquia de leis, uma nova hierarquia de disposições normativas inéditas em qualquer país e sobretudo no nosso.
Além do plano da legislação ordinária e do plano da lei constitucional, o Sr. Deputado Jorge Sampaio parece que descortinou um outro plano intermédio que seria o dos princípios de direito ou qualquer outra coisa semelhante ou aquilo a que chamou de «legalidade democrática».
Pensamos que esta distinção não é correcta. De duas uma: ou a lei - e quando digo lei refiro-me no plano da legislação ordinária e não no plano da legislação constitucional - que nós, Assembleia da República, estamos aqui a fazer e que vamos fazer é uma foi anticonstitucional, e então neste caso perde a validade, ou, se é constitucional e é, portanto, consentida dentro do âmbito admitido pela Constituição, então essa lei, qualquer que seja o sentido para que aponte, é uma lei totalmente válida. É inteiramente nessa acepção que consideramos que a lei somos nós - Assembleia da República- e o que estamos agora a discutir é inteiramente válido porque nada na Constituição lhe veda essa validade.
Finalmente, não posso deixar de chamar a atenção para um aspecto que considero importante e que não foi, segundo me parece, ainda ventilado, que é o facto de a proposta de lei teor sido já aprovada na generalidade.

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Disse há dias um ilustre Deputado da bancada socialista, numa votação também na especialidade de um outro diploma, que se se fosse negar na votação específica de um ou dois artigos importantes de uma o sentido de voto que tinha sido atribuído na generalidade, estaríamos a infringir a própria vota-o acabada de fazer na generalidade. Pois bem, se, por maioria de razão, formos agora, na votação especialidade, pura e simplesmente pôr sem sito todo e qualquer preceito da proposta de lei e aprovámos na generalidade, estamos a contradizermos e não sei se, interpretando bem a Constituição, não estaremos a violar até com isso o próprio princípio de direito constitucional. Porque não vemos, de facto, nesta redacção na generalidade qualquer princípio atentatório das decisões constitucionais em vigor e porque nós - Assembleia da República: - não podemos declinar o dever o direito que temos de fazer as leis ordinárias deste país. Por estas razões fundamentais, votaremos favoravelmente o artigo agora em debate.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Jorge Sampaio (PS) : - Peço a palavra, Presidente.

Vozes do PSD: - Outra vez?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, mo sabe já interviu duas vezes e como intervenção, o pode fazer a terceira.

Vozes do PSD: - Pois claro!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Faça uma declara-o de voto depois da votação, Sr. Deputado Jorge Sampaio!

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Oriente a sua bancada e eu oriento a minha!

O Sr. Presidente: - A não ser que queira fazer um protesto, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Não, Sr. Presidente, prescindo.

O Sr. Presidente: - Uma vez que não há mais Deputados inscritos, passamos à votação do artigo 1.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados formadores e votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados; Era só para dizer que o debate demonstrou que de facto a AD de todos os partidos: que impõem não têm argumentos a opor ...

Vozes do PSD e do CDS:- Oh, Sr. Deputado!

O Orador: -..., designadamente quando chegam ao ponto de utilizar como argumento que o momento de autorização legislativa é o momento da publicação, o que daria provavelmente uma situação que; não foi ainda pensada, mas que fica registada no Diário.
Devo ainda dizer que, em primeiro lugar, votámos contra os interesses que tanto aqui foram referidos, que se procuram vincular através desta alegada, prorrogação, e, em segundo, lugar, contra o interesse que aqui está subjacente, que é o de prosseguir o que aqui já foi definido como uma política de confronto e de chantagem sobre um órgão de soberania, conduzindo uma espécie dei processo die negociação a todos os títulos inadmissíveis.
Ouvimos aqui utilizarem-se algumas expressões como: «A lei somos nós», e até ouvimos justificá-la. Talvez na pobreza da justificação esteja bem caracterizada, até que ponto mal se, conforma, com a Constituição e com o. funcionamento normal das instituições democráticas quem as produziu e os que o acompanham.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra o artigo 1.º pelas razões já expendidas.
Se atribuía mal a citação que fiz dei um aparte, peço as minhas desculpas à bancada do PSD, mas essa interpretação vinha no contexto das afirmações do Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Todavia, fica muito mais claro, e porventura surpreendente, esta nova afirmação vinda de um Deputado do Partido Popular Monárquico e que de facto é um eco moderno do l'état c'est moi de tão triste memória.

Risos do PSD, do CDS e do PPM.

Mas esperemos que haja o devido aggiornamento nessa concepção.
Em relação ao Sr. Deputado Castro Caldas, devo dizer-lhe que a verdade é que -e isto para justificar mais uma vez e ainda em acrescento à votação que acabámos de fazer- mesmo que a circunstância decisiva fosse a da publicação, como pareceu depreender-se das afirmações do Sr. Deputado, parece-me que nesse caso a interpretação chocava com dois problemas intuito decisivos: por um lado, a publicação não se fez e a autorização caducou; por outro, o dispositivo do n.º 4 do artigo 122.º da Constituição, no qual se afirma que «A falta de publicidade implica a inexistência jurídica do acto», faz soçobrar também esta argumentação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, pedi a palavra para fazer um protesto em relação às declarações do Sr. Deputado Jorge Sampaio. Protesto

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em nome de língua portuguesa contra a utilização dos termos «aggiornamento» e «l'état c'est mói».

Aplausos do PPM, do PSD e do PS.

O Sr. Presidente:- Para uma declaração de voto, tem a palavra, o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados;: O CDS congratula-se .pela maneira, como votou, porque, depois de aduzir a nossa argumentação não vimos o Sr. Deputado Jorge Sampaio rebatê-la com aquela fogosidade que caracterizou a sua. intervenção. Esse facto reforçou em nós a dada de que estávamos no caminho certo.
Por outro lado, depois de ver a indigência dos argumentos aduzidos pela bancada comunista na sua declaração de voto, ainda mais satisfeitos façamos por termos votado como votámos.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma declaração de voto o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): -- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos a favor deste artigo 1.º em plena e perfeita coerência com a votação que já fizéramos ao conceder a autorização legislativa. Do que se trata é de manter a mesma posição e a mesma vontade de que o Governo legisle em matéria de limitação do sector público e privado.
Não nos surpreenderia que a oposição mantivesse igual coerência no que respeita ao fundo da questão, que votasse contra, surpreende-nos que não lhe chegando votar contra, pretendam introduzir aqui notas que são perfeitamente alheias e que revelam um mau perder e, no fundo, um mau respeito pelos princípios democráticos.

Risos do PS.

Essencialmente para o Sr. Deputado do Partido Comunista, quero dizer-lhe que nós não promovemos confrontações com ninguém, pena têm os senhores que nós não o façamos. Se o quiséssemos fazer, o Governo não repetia diplomas legislativos aceitando assim democraticamente e provando ter capacidade de encaixe de opiniões contrárias às suas, nomeadamente a de que os diplomas que ele pretende promulgar não são constitucionais; a nossa opinião é de que o primeiro diploma apresentado era perfeitamente constitucional, mas respeitamos opiniões diferentes sobretudo quando por elas se devem sobrepor àquelas que são as nossas. Nós não andamos a acusar publicamente outros órgãos de soberania, dizendo que estão a fazer confrontos com o Governo, e olhe que tínhamos razão para o fazer.
O Sr. Deputado mostra pouco apego a certos princípios que devem nortear os verdadeiros democratas quando faz as afirmações que há pouco fez. Nós somos coerentes, a vontade da Assembleia da República é de que o Governo legisle, não fazemos mais do que nos manter nesse caminho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Vamos agora discutir o artigo 2.º do referido diploma. Encontra-se na Mesa, oportunamente apresentada pelo PSD, uma proposta de alteração que adita à proposta de lei um novo artigo 2.º, que vai ser lida.

Foi lida.

É a seguinte:

Os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata abaixo assinados vêm apresentar a seguinte proposta de um antigo novo, como artigo 2.º, passando o actual artigo 2.º a artigo 3.º

ARTIGO 2.º

Esta lei produz efeitos a partir do termo do prazo fixado no n.º 2 da Lei n.º 2/80, de 14 de Março.

Pausa.

Como não há inscrições, passamos de imediato à votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Há declarações de voto?

Pausa.

Como não há, passamos à discussão e votação do artigo 2.º da proposta de lei que, conforme a proposta de alteração que acaba de ser aprovada, passa a ser o 3.º

Vai ser lido.

É o seguinte:

ARTIGO 3.º

Esta lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à votação do artigo 3.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Finda a discussão deste ponto da ordem ide trabalhos, votada a lei, e como não há inscrições para declarações de voto, passamos ao ponto seguinte, que diz respeito à ratificação n.º 319/I, relativa ao Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro, que revoga o Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto. Este pedido de ratificação foi apresentado pelo Partido Comunista Português.

Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP):- Sr. Presidente, não queria levantar mais uma vez esta questão, mas gostava de saber se o Governo está informado da ordem de trabalhos, uma vez que a discussão desfies diplomas lhe diz respeito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa informa que o Governo não foi avisado, no entanto pensa-

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mós que não tem necessariamente de ser avisado porque a ordem de trabalhos é conhecida.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marino Vicente.

O Sr. Marino Vicente (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Pela boca morre o peixe» - diz o velho ditado feito die sabedoria popular. O Governo Sá Carneiro/Freitas do Amaral, que do povo só conhece o voto, pretendeu camuflar-se numa lógica, que manifestamente não é a sua, e debitou:
Artigo 1.º É revogado o Decreto-Lei n.º 502-E/19, de 22 de Dezembro, e reposto sem vigor o Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto.
Nascia assim, com a parcimónia do ditador que é sereno porque lhe disseram que era firme, que é breve porque lhe disseram que eira infalível, que é lacónico porque lhe disseram que era inteligente, o Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista chamou a ratificação. Ficava assim reintroduzido na ordem jurídica o famigerado decreto de Mota Pinto, que pretendeu reinstitucionalizar no Portugal de Abril, e designadamente para os trabalhadores da função pública, a unanimidade do «calas-te ou comes».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 256-A/77, de 17 de Junho, mo quadro do novo ordenamento jurídico-constitucional, e na base de uma autorização legislativa, veio consagrar medidas de prevenção da legalidade dos actos administrativos, estatuindo a obrigação: de fundamentação clara dos actos que denegassem direitos e garantias dos cidadãos. E de entre os direitos e garantias, fundamentais dos cidadãos, consignados na Constituição; com eficácia imediata, ressalta o da segurança no emprego, com a sequente proibição de despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos [amigo 52.º alínea 6) ei artigo 17.º] e o da respectiva defesa mediante o acesso aos tribunais (artigo 20.º, n.º 1). Assim, ao estatuir a obrigatoriedade da fundamentação, o diploma assegurava, designadamente ao trabalhador da. função pública, .nomeado no exercício de poderes discricionários, a reacção contenciosa contra os actos de exoneração ou transferência, suscitando ao tribunal o confronto entre os fins dos poderes que a lei conferia à entidade tutelar e as motivações por e a expressamente invocadas no acto de denegação do direito à estabilidade de emprego. Havendo, inadequação entre os poderes e as motivações, facilmente indagava, o trabalhador podia obter a anulação do acto recorrido, designadamente por desvio de poder.
Tudo o que se disse constitui apenas um afloramento, dos princípios fundamentais de que o Estado, submetido, à Constituição e fundado na legalidade democrática, tem de conformar os seus actos pelo respeito dos direitos, e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, pela justiça e imparcialidade e de que, estes últimos, os cidadãos, sejam ou não funcionários ou agentes; da Administração, têm o direito a serem informados dos processos que lhes digam respeito, de conhecer as resoluções definitivas sobre eles tomadas e de reagirem contenciosamente contra os actos administrativos definitivos e executórios arguíveis de ilegalidade. Estas normas perspectivas da Constituição que citei (artigos 3.º, 267.º e 269.º) foram, necessariamente, acolhidas pelo decreto-Lei n.º 256-A/77, cujo preâmbulo referia explicitamente, cito: «[...] A falta de fundamentação das decisões da Administração dificulta, muitas vezes, a sua impugnação' ou sequer uma opção consciente entre a aceitação da. sua legalidade e a justificação do recurso contencioso.»
E o que fez o Governo. Mota Pinto perante isto e perante a anulação de vários actos pelo Supremo Tribunal Administrativo?
Sabendo que a matéria era da competência exclusiva da Assembleia da República [artigo 167.º, alínea b)] e que esta, na altura, não lhe concederia a autorização para aumentar a .perseguição aos trabalhadores, utilizou-se deste expediente grosseiro: contra o espírito e a letra do diploma anterior, disse «interpretar» e derrogou, sentenciando no Decreto-Lei n.º 356/79 que para os actos do Governo, relativos à transferência ou exoneração dos funcionários da Administração Pública e das empresas públicas, nomeados no exercício de poderes discricionários, constituía fundamento bastante a alegação: seca da mera «conveniência de serviço». Inibia-se assim a reacção contenciosa contra actos discricionários, reduzia-se a zero ou a muito pouco direitos dos trabalhadores, violava-se de forma absurda e absoluta a Constituição, erigia-se «a Lei de Pinto» em lei da República, a República em conveniência de Pinto e os trabalhadores em ex-trabalhadores, longe do Pinto e dos amigos do Pinto, isto é, da maioria eleitoralmente minoritária que hoje se pretende «alapar» no poder.
Tal diploma foi então revogado pelo V Governo Constitucional, mas o Governo Sá Carneiro/Freitas do Amaral recuperou-o, repescou-o e sem argumentos, que de resto cairiam no ridículo da tuberculose jurídica, fê-lo reviver, sob a designação de Decreto-Lei n.º 10-A/80, para gáudio da CAP e da CIP, para vergonha dos que, mesmo» no seio da AD, guardem o mínimo de dignidade cívica e consciência democrática, para repúdio generalizado: dos trabalhadores e do povo que luta, livre de tutelas aviltantes. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O diploma, ora em ratificação tem o recorte fascizante. Mudou-se a designação, manteve-se o perfil, viola-se de maneira absoluta e agora repetida a Constituição e a legalidade democrática. Com efeito, o Governo usurpa, de novo, poderes da Assembleia da República, legislando, contra o que dispõe o artigo 167.º, alínea b), da Constituição, em matéria de direitos, liberdades e garantias - o1 que configura uma inconstitucionalidade orgânica. Negou, de novo, aos trabalhadores o direito de participar no processo de elaboração de tal diploma, centra o que dispõe o artigo 58.º, n.º 2, alínea c)-, o que configura uma inconstitucionalidade formal. Viola, de novo e frontal mente, o. direito à segurança, no emprego [contra o que estabelece o artigo 52.º, alínea b)]; viola, de. novo e grosseiramente, o direito de acesso aos tribunais e o da reacção contenciosa contra actos administrativos definitivos e executórios [contra o que impõem os artigos 20.º, n.º l, e 269.º, n.º 1]; viola, de inovo e chocantemente, o direito, de os cidadãos serem informados e esclarecidos, objectivamente, sobre os actos das entidades públicas (contra o. que estatuem os artigos 48.º, n.º 3, e 269.º, n.º 2); restringe, de, novo

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e gravemente, direitos, e interesses legalmente protegidos, contra a norma imperativa constante do artigo 18.º, n.º 2; subverte, de, novo e totalmente, o .princípio da legalidade democrática, que deveria conformar todos os actos do Governo [como preceituam os artigos 3.º, n.º 4, 9.º, alínea b), e 207.º] -, o que configura uma inconstitucionalidade material. Isto é: a violação' da nossa Lei Fundamental não podia ser mais completa e grosseira, e em todos os seus aspectos- orgânica, material e formalmente. Mais: utiliza, de novo, o expediente interpretativos, o que significa a restrição, ou melhor, a destruição retroactiva de direitos, liberdades e garantias, o que é de todo em todo intolerável face ao ordenamento democrático-constitucional.
E é assim, Srs. Deputados, que, ao arrepio da legalidade democrática, se elege a lei de Carneiro em lei da República, as conveniências de Amaral em conveniências da República, as razões da CAP e da CIP em razões de Estado, a corrupção e o compadrio em prática de governação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face ao que se expôs, torna-se oportuno perguntar: um Governo democrático e transparente na sua actuação tem alguma razão para esconder as motivações dos seus actos discricionários? Um Governo honesto e respeitador da Constituição tem alguma razão para furtar os seus actos ao controle jurisdicional? Um Governo respeitador da legalidade democrática tem alguma razão para capturar os direitos dos trabalhadores, designadamente o de acesso à justiça?
Não, Srs. Deputados. Só um Governo que pretenda fomentar o apartheid político e ideológico tem necessidade de se esconder por detrás da alegação da «conveniência de. serviço». Só um Governo que pretenda espezinhar direitos dos trabalhadores, porque é contra os trabalhadores, pode abrigar-se sob a capa da «conveniência de serviço». Só um Governo, fiel serventuário do capital, porque pretende destruir o sector empresarial do Estado, tem necessidade de se camuflar sob as vestes da «conveniência de serviço» para criar um clima de instabilidade, exonerando trabalhadores e gestores competentes para os substituir por homens de mão ao serviço da plutocracia. Só um Governo que pretenda tomar de assalto o aparelho de Estado e a informação estatizada tem necessidade de se tapar sob a alegação da «conveniência de serviço». Só um Governo restauracionista e de recorte fascizante tem necessidade de se encobrir sob a alegação da «conveniência de serviço» para reviver práticas repressivas e arbitrárias do Estado corporativo.
É neste quadro negro que veio a público, veiculado por um semanário, um projecto de decreto-lei do Governo Sá Carneiro/Freitas do Amaral, com vista a alterar o Estatuto do Gestor Público, instituído pelo Decreto-Lei n.º 831/76, de 25 de Novembro. Denunciámos a maquinação desta tribuna. Ninguém o desmentiu. Segundo a versão referida, os gestores públicos seriam designados, com excepção do governador e dos vice-governadores do Banco de Portugal, por simples despacho do Primeiro-Ministro e Ministro da tutela, em regime de comissão de serviço, que poderia ser dada, por finda a todo o tempo, designadamente por «conveniência de serviço». Dir-se-ia, Srs. Deputados, que o próprio Estatuto do Gestor Público, derrogado e maltratado, « efeito mais que precário, porque não aplicado, ni chega a este Governo para intentar destruir o sector público. O Governo quis ver institucionalizada a perseguição política e legitimados os meios, não se ii porta se contra a Constituição, para desarticular et presas rentáveis, com vista a uma eventual reprivatização. O expediente não se fez M. Contudo, o Governo tinha já de reserva o famigerado Decreto-Lei n.º 10-A/80 e a sua «conveniência de serviço».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi no sentido repor a legalidade e de denunciar arbitrariedade que repugnam a consciência dos democratas, que Grupo Parlamentar Comunista chamou, a ratificação o Decreto-Lei n.º 10-A/80. Importa saber pç se os Deputados, individualmente considerados, opta pela indignidade cívica, pela perseguição cega obtusa, pelo exercício totalitário do poder, ou í bem ao contrário, optam pela legalidade democrática e pela justiça.

O Sr. Narana Coissoró (COS); - Como estamos longe do gonçalvismo!

O Orador - A escolha cabe a todos e a cada u de nós. Os trabalhadores, esses, condenarão, e severamente, os que votarem contra Abril.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Durante esta intervenção assumiu a Presidência Sr. Vice-Presidente António Arnaut.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 256-A/foi um passo importante na moralização da Administração Pública ei na garantia de igualdade perante lei daqueles que, de uma maneira ou de outra, vê a sua esfera jurídica influenciada por actos da Administração. Foi uma lei de garantias, uma lei que proclamou, defendeu, e rodeou de garantias as relações dos cidadãos com a Administração Pública, que investiu cada um a sua qualidade eminente de cidadão de uma República quando trata com o imenso aparelho administrativo que os órgãos políticos executivos centrais, regionais e locais encabeçam. As garantias dos cidadãos perante a Administração são par integrante, do universo dos direitos humanos, são e pressão de um estatuto, dei uma dignidade e de uma soberania que cada um de nós é. O «Estado Novo considerava os, direitos e garantias individuais cor limitação ou espartilho, pois à discricionariedade. Ao Executivo caberia reconhecer perante as circunstâncias como melhor regulamentar os direitos e sabemos nós como fazia e fez até à libertação de 1974, destruindo o seu conteúdo, aniquilando dia a dia a dignidade dos Portugueses.
Esta mesma incomodidade perante as garantias legalidade e dos direitos individuais foi sentida por um Governo do Portugal democrático - o IV Governo Constitucional, em cruzada de discriminação política contra funcionários qualificados da Administração Pública, dos institutos públicos autónomos

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das empresas públicas, suportando mal a exigência do Decreto-Lei n.º 256-A/77, de fundamentação dos actos de transferência e exoneração de funcionários. O IV Governo produziu um extraordinário documento, o Decreto-Lei n.º 356/79 que «.interpreta» o artigo 1.º do Decreto-Lei: n.º 256-A/77 e considera a vaga «conveniência de serviço» como fundamento suficiente! Na República do 25 de Abril um Governo tentou impor como lei a infundamentação de um desvio dado do poder, que diariamente praticava. A saída desse Governo ei o alívio que se lhe seguiu em todos os sectores da vida nacional, salvo naqueles cujos propósitos, eram de facto servidos pelo Governo deposto, veio a criar condições para que a normalidade, jurídica e a blasfémia às liberdades individuais que era o Decreto-Lei n.º 356/79. viesse a ser revogada.
Do facto o Decreto-Lei n.º 502-E/79, de 22 de Dezembro, reconhecendo, com simplicidade que o Decreto-Lei n.º 356/79 contrariava o espírito e a letra do n.º 256-A/79 e a orientação jurisprudencial dominante, correu com o Decreto n.º 356/79 como o País já correra com o Governo que o segregara. Mas que pensar agora de um novo Governo, que repõe em vigor, que ressuscita, o diploma morto e enterrado?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O decreto-lei ora em processo de ratificação não é uma explicitação do alcance do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 256-A/77, como pretendia fazer crer o diploma seu antecessor. Pura e simplesmente, visa liquidar o princípio da fundamentação dos actos da Administração no que a exonerações e transferências de certos funcionários se refere. A «conveniência de serviço» é um conceito vago, arbitrário, impróprio como base de qualquer fundamentação, propiciador de saneamentos políticos que há que exigir cessem, de uma vez por todas, como forma de domínio partidário da máquina administrativa e executiva do Espado. É bem verdade que não pode fechar-se os olhos à realidade; ignorando que os funcionários nomeados para postos superiores de Administração Pública ou para a gestão de empresas públicas venham a manifestar dificuldades para atingir o grau de, eficiência profissional que lhes é de exigir. Mas em regime democrático - e queiram ou não alguns, é em regime democrático que vivemos-,.. no respeito da opção e valorização profissional dei cada indivíduo, item de ser actos de clareza e transparência os que hão-de resolver tais situações. Em regime democrático, planificada, no mínimo, a actividade da Administração e respeitados os princípios de justiça e equidade que devem presidir às relações sociais entre o Estado e os administrados, alcançaremos decerto as vias que afastem de vez os critérios de arbitrariedade característicos de executivos autoritários.
Por quanto dissemos -mas é óbvio que bastava apenas, fundamentarmo-nos nas nossas convicções democráticas-, o MDP/CDE vai votar pela não ratificação do Decreto-Lei n.º 10-A/80.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente:- Chamo a atenção dos Srs. Deputados de que esta reunião deverá acabar, segundo foi estabelecido, às 13 horas. Faltam, portanto, sete minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 10-A/80, de 18 de Fevereiro, cuja ratificação agora se debate, veio a revogar o Decreto-Lei n.º 502-E/79, de 22 de Dezembro, repondo em vigor o .Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto.
Como é conhecido, dentro da pletora de decretos-leis fabricados pelo Governo Pintasilgo depois da derrota do seu projecto político no dia 2 de Dezembro, ou seja, do projecto até ali desesperadamente acalentado pelo PCP e integrado no plano de subversão das instituições jurídico-administrativas que o mesmo projecto pressupunha, o Decreto - Lei n.º 502-E/79, de 22 de Dezembro, invocando uma corrente minoritária da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo - a que falsamente chama de «dominante» -, veio revogar o referido Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto, que, este sim, consagrando a interpretação maioritária que sempre fora acolhida pelos melhores administrativistas do nosso país, afastara legislativamente as tentativas políticas por parte de alguns funcionários, para continuarem nos seus lugares a fim de sabotarem a acção dos ministros de quem se presumiam directos e imediatos colaboradores.
Não era, pois, outro o alcance do decreto-lei do Governo Pintasilgo. Tendo previamente inundado o aparelho de Estado de funcionários, controleiros e serventuários do Partido Comunista e seus companheiros de jornada, pretendia-se, com este diploma golpista, perpetuar a permanência daqueles «homens de mão» nos lugares cimeiros das hierarquias administrativas, para, assim, dificultar, entorpecer, inutilizar ou impedir a actividade governamental, o mesmo é dizer a execução do Programa de Governo da AD.

O Sr. João Morgado (CDS): -- Muito bem!

O Orador. -O Decreto-Lei n.º 502-E/79, de 22 de Dezembro, constituía, por isso mesmo, um instrumento 'importante colocado nas mãos do Partido Comunista para a prossecução da sua política de subversão do Programa do Governo saído do voto popular de 2 de Dezembro. Representava uma arma apontada contra todos os Ministérios e Secretarias de Estado, os serviços periféricos e empresas públicas, com vista a minar por dentro a política do VI Governo. Em suma, com a farisaica invocação de pseudo-argumentos jurídicos, o Decreto-Lei n.º 502-E/79 era uma escandalosa jogada política para tentar transformar a derrota eleitoral numa vitória da oposição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tratando-se de altos funcionários da Administração Pública -os directores-gerais -, dos institutos autónomos, dos embaixadores políticos e muito especialmente dos colaboradores dos gabinetes ministeriais, discricionariamente nomeados, merecendo, portanto, a confiança política, repito, a confiança política de quem os nomeou, seria de todo em todo incompreensível que os mesmos indivíduos não pudessem também ser exonerados do mesmo modo como ingressaram na Administração ou nas empresas, ou seja, por virtude de um acto discricionário paralelo.
Na verdade, embora formalmente tais actos apa-

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rentem a natureza de actos administrativos, há-de-se convir que, não estando tais nomeações ou exonerações sujeitas a quaisquer critérios vinculativos, predeterminados na lei e dependendo unicamente da vontade política por isso que se trata de actos discricionários, estamos em face materialmente de «um acto de Governo», político, que deverá ser, em rigor, subtraído até ao controle contencioso dos tribunais.
Bastará dizer que na terminologia do direito administrativo estes são os agentes de confiança. De confiança do Governo, não do PCP, certamente. Não vale a pena invocar aqui a abundante doutrina, neste sentido, dos administrativistas portugueses e estrangeiros, porque os juristas têm-nos debaixo dos olhos.
Não está em causa, como é evidente, e como o PCP pretende fazer crer, o interesse privado deste ou daquele funcionário em ocupar determinado cargo, mas o interesse público em que o Governo possa contar com colaboradores imediatos, integrados no seu Programa de Governo. Não está em causa o direito deste ou daquele agente a um posto concreto de prestação de trabalho, mas a confiança política entre o Ministro e certos colaboradores directos para a fixação das suas directivas. Não está em causa -contrariamente ao que o PCP aqui disse- a continuidade e permanência deste ou daquele trabalhador, porque não se trata aqui de cargos de mera execução de uma política, antes da escolha de indivíduos que participem na própria definição das políticas -policies- dos dirigentes dos sectores governamentais.
Nenhuma ofensa se comete, pois, contra as garantias individuais ou os ditames basilares do Estado de direito, que exigem que os actos administrativos sejam necessariamente sujeitos ao controle jurisdicional e sejam transparentes mediante a conveniente fundamentação. Porque, como se referiu já, materialmente estamos em face de actos políticos e a fundamentação possível para preencher o requisito formal só pode ser a conveniência do serviço.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreendemos que o PCP esteja muito empenhado em conservar os seus serventuários declarados, clandestinos ou encapotados nos pontos cruciais do aparelho do Estado. Ao contrário do que se pretende fazer crer, não se trata aqui de agentes de Estado meramente executivos face aos quais o Governo da AD tem praticado uma rigorosa política de evitar qualquer tipo de saneamento, diametralmente oposta à fúria perseguidora conhecida tristemente por «batalha do saneamento», que o PCP desencadeou durante a maré alta do gonçalvismo,

Vozes do CDS:- Muito bem!

O Orador: - Basta folhear a colecção dos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo para nos inteirarmos de centenas de despachos ministeriais dessa época, relativos às demissões arbitrárias dos trabalhadores da função pública, que vêm sendo diariamente anulados por aquele alto tribunal.
O que não se compreende - ou compreende-se até demais - é que o PCP, que move uma cega e sectária oposição, melhor dizendo, autêntica obstrução antidemocrática ao actual Governo, entre agora no caminho da desmiolada irracionalidade jurídica, ao querer manter os seus militantes e simpatizantes como os mais íntimos colaboradores dos Ministros e Secretários de Estado do actual Executivo.
O nosso voto não pode, pois, ser outro, senão o de total rejeição pelos propósitos- subversivos acalentados pelo PCP com esse pedido de ratificação.

Aplausos do CDS, do PSD, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. João Amarai (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, chegados ao fim dos nossos trabalhos, informo VV. Ex.ªs de que a próxima reunião será na terça-feira, às 15 horas, com a continuação da discussão do pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 319/I e com o resto da matéria contida na ordem de trabalhos de hoje.
Entretanto essa ordem do dia pode ser alterada em conformidade com a reunião dos representantes dos grupos parlamentares que hoje, terá lugar.
O Sr. Deputado João Amaral pediu há pouco a palavra, para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - É apenas para dizer que eu e os meus camaradas Marino Vicente e Adalberto Ribeiro nos inscrevemos para na próxima reunião pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. E V. Ex.ª, Sr. Deputado Herberto Goulart?

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - É também para me inscrever para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Fica também inscrito, Sr. Deputado.
Ainda antes de encerrar a

Está encerrada a reunião.

Eram 13 horas.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Américo Abreu Dias.
António Alberto Correia Cabecinha.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António José dos S. Moreira da Silva.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Armando António Correia.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Pereira de Pinho.

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17 DE MAIO DE 1980 2299

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Germano da Silva Domingos.
Henrique Alberto F. do Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Luís Malato Correia.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Marques Gaspar Mendes.
José Angelo Ferreira Correia.
José Bento Gonçalves.
José Henrique Cardoso.
José Maria da Silva.
José Teodoro da Silva.
Luís António Martins.
Manuel Luís Fernandes Malaquias.
Maria Manuela Simões Saraiva.
Marília Duke C. P. Morgado Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques Antunes.
Amadeu da Silva Cruz.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Fernando Marques R. Reis.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando Filipe Cerejeira P. Bacelar.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Alberto Costa de Sousa.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Fernando Alves de Almeida Miranda.
Francisco Manuel Marcelo M. Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maximiano de A. Almeida Leitão.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Victor Manuel R. Fernandes de Almeida.

Partido Comunista Português (PCP)

António Dias Lourenço da Silva.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge do Carmo da Silva Leite.
José Manuel Aranha Figueiredo.
José Manuel do C. Carreira Marques.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Vital Martins Moreira.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Alfredo Albano de C. de Azevedo Soares.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Domingos da Silva Pereira.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Francisco Gonçalves Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João J. S. Fernandes Homem.
João da Silva Mendes Morgado.
José Manuel Macedo Pereira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís António Matos Lima.
Luís Carlos C. Veloso de Sampaio.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Gomes Moreno.
Manuel António de A. e Vasconcelos.
Manuel Baeta Neves.
Manuel Cunha Mota.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão
Maria José Paulo Sampaio
Narana Sinai Coissoró.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges G. de Carvalho.
Augusto Martins Ferreira do Amaral.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Germano Lopes Caminho.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Maria Adelaide Santos de Almeida Paiva.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Partido Socialista (PS)

Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António Fernandes da Fonseca.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António José Vieira de Freitas.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Fernando Luís de A. Torres Marinho.
Herculano Rodrigues Pires.
João Joaquim Gomes.
José Gomes Fernandes.
José Luís do Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo.

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Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Manuel Ribeiro Constando.
Rui Eduardo F. Rodrigues Pena.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Joaquim Victor Baptista G. de Sá.
José Rodrigues Vitoriano.
Maria Aida Barbosa Nogueira.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Henrique José C. de Meneses P. Moraes.

Agrupamento Parlamentar dos Reformadores

Francisco José de Sousa Tavares.
José Manuel Medeiros Ferreira.
Muno Maria Monteiro Godinho de Matos.

Movimento Democrático Português

Luís Manuel A. de Campos Catarino.

OS REDACTORES DE 1.º CLASSE: José Diogo - Armindo Augusto Afonso.

PREÇO DESTE NÚMERO 28$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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