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I Série - Número 63 Sexta-feira, 6 de Junho de 1900

DIÁRIO da Assembleia da República

I LEGISLATURA 4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1979-1980)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 4 DE JUNHO DE 1980

Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.

Manuel Henriques Pires Fontoura
Bento Elísio de Azevedo
José Manuel Maia Nunes de Almeida
João Daniel Marques Mendes

SUMÁRIO.- O Sr. Presidente declarou aberta o reunião às 10 horas e 50 minutos.
O Sr. Deputado Rui Pena procedeu à apresentação das conclusões da IV Conferência Internacional sobre a Cooperação e Segurança Europeias, realizada em Bruxelas.
Seguiu-se a apresentação, pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral (PPM), dos projectos de lei n.º 485/I e 489/I, respectivamente sobre os planos concelhios de ordenamento territorial e sobre a revisão do regime jurídico de protecção aos solos de aptidão agrícola, e a apresentação, pelo Sr. Deputado Gomes Fernandes (PS), do projecto de lei n.º 491/I, sobre a lei-quadro do ordenamento do território e da prática urbanística. Além dos oradores, também se pronunciaram a propósito destes diplomas os Srs. Deputados Veiga de Oliveira (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Sanches Osório (CDS), Manuel Pereira (PSD), Aquilino Ribeiro Machado (PS) e Adão e Silva (DR).
A requerimento do PS a Assembleia deliberou no sentido da publicação, em separata, dos projectos de lei n.ºs 485/I e 491/I.
Foi discutida e aprovada na generalidade e na especialidade a proposta de lei n.º 317/I (aprova para ratificação a Convenção n.º 151 da OIT, relativa à protecção do direito de organização e dos processos de fixação de condições de trabalho na função pública. Intervieram na discussão, além do Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa (Carlos Robalo) os Srs. Deputados Narana Coissoró (CDS), Marcelo Curto (PS), Nascimento Rodrigues (PSD), Adalberto Ribeiro (PCP), Amândio de Azevedo e Rui Amaral (PSD).
Seguidamente foi discutida e aprovada uma proposta de resolução, apresentada pelo Sr. Deputado Ferreira do Amaral (PPM), sobre o jardim da Fundação Calouste Gulbenkian. Intervieram no debate a diverso título (incluindo declarações de voto) os Srs. Deputados Adão e Silva (DR), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), António Reis (PS), Borges de Carvalho (PPM), Aquilino Ribeiro Machado (PS), Luís Coimbra (PPM), Azevedo Soares (CDS), Amândio de Azevedo (PSD), Zita Seabra (PCP) e Ferreira do Amaral (PPM).
Seguiu-se o debate conjunto na generalidade dos projectos de lei n.ºs 467/I - Impacte ambiental, apresentado pelo PPM, n.º 487/I - Lei-quadro do ambiente e da qualidade de vida, apresentado pelo PS, n.º 450/I - Deposição de resíduos nucleares em águas oceânicas, apresentado pelo PPM, e da proposta de lei n.º 280/I - Assistência ao Governo Regional da Madeira na defesa das Ilhas Selvagens como reserva natural. Votados separadamente na generalidade foram os dois diplomas apresentados pelo PPM e o diploma apresentado pelo Governo aprovados, tendo sido rejeitado o projecto de lei apresentado pelo PS.
Produziram intervenções a diverso título (incluindo declarações de voto) os Srs. Deputados Luís Coimbra (PPM), João Cravinho (PS), Sanches Osório (CDS), Aquilino Ribeiro Machado (PS), Gomes Fernandes (PS), Borges de Carvalho (PPM), Ramires Fernandes (MDP/CDE), Vítor Louro (PCP), José Maria da Silva (PSD), Cecília Catarino (PSD), Reinaldo Gomes (PSD), Marino Vicente (PCP), Amândio de Azevedo (PSD), Sousa Marques (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e João Marques Mendes (CDS).
De seguida foram votadas e aprovadas a proposta de resolução sobre a alteração do quadro de pessoal da Assembleia da República, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º da Lei Orgânica, e uma proposta relativa à nova composição da Comissão Permanente da Assembleia da República.
Procedeu-se seguidamente à discussão conjunta na generalidade dos seguintes projectos de lei n.º 463/I - Museu das Descobertas e do Ultramar n.º 463/I - Regime jurídico de património cultural e natural, n.º 452/I - Protecção do património cultural natural, n.º 454/I - Compra anual de património arquitectónico, histórico, artístico e cultural, todos apresentados pelo Agrupamento Parlamentar dos Reformadores; n.º 493/I - Associações de defesa do património cultural, n.º 494/I - Defesa do património arqueológico, apresentados pelo PCP, e n.º 432/I - Sobre a alteração pontual do Código do Direito de Autor, apresentado pelo PS.
Fizeram intervenções a diverso título os Srs. Deputados Vítor de Sá (PCP) Maria José Sampaio (CDS), Nuno Godinho de Matos (DR) Ilda Figueiredo (PCP), Vital Moreira (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), João Amaral (PCP), Ramires Fernandes (MDP/CDE), Natália Correia (PSD), José Ernesto (PCP) e António Reis (PS).

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Votados e aprovados os diplomas apresentados pelos Deputados reformadores, foi suscitada a questão da falta de quórum, pelo que os restantes projectos de lei não foram votados.
O Sr. Presidente, depois de ter dado conta da entrada na Mesa de vários projectos de lei, encerrou a reunião à 1 hora o 20 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à chamada.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Fez-se a chamada, à qual responderam os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Barros Marques de Figueiredo. Amândio Anes de Azevedo. Amândio Santa Cruz Basto Oliveira. Amélia Cavaleiro M. de Andrade de Azevedo. António Augusto Lacerda de Queiroz. António Duarte e Duarte Chagas. António José Ribeiro Carneiro. Arménio dos Santos. Carlos Manuel Pereira de Pinho. Cecília Pita Catarino. Cristóvão Guerreiro Norte. Daniel Abílio Ferreira Bastos. Eleutério Manuel Alves. Fernando Monteiro do Amaral. Fernando Raimundo Rodrigues. Germano Lopes Cantinho. Henrique Alberto F. do Nascimento Rodrigues. Jaime Adalberto Simões Ramos. João António Sousa Domingues. João Aurélio Dias Mendes. João Luís Malato Correia. Jorge Rook de Lima. José Baptista Pires Nunes. José Henrique Cardoso. José Luís Figueiredo Lopes. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel António Lopes Ribeiro. Manuel. Antunes Lomba. Manuel Bento Sousa Silva. Manuel Henriques Pires Fontoura. Manuel Maria Pereira. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Maria Adelaide Santos de Almeida Paiva. Maria de Lurdes M. Simões da Silva. Marília Dulce C. P. Morgado Raimundo. Mário Júlio Montalvão Machado. Mário Martins Adegas. Miguel Camolas Pacheco. Nuno Aires Rodrigues dos Santos. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Valdemar Cardoso Alves.

Partido Socialista (PS)

Agostinho do Jesus Domingues. Alberto Marques Antunes. António Fernando Marques R. Reis. Aquilino Ribeiro, Machado. Armando Filipe Cerejeira P. Bacelar. Armando dos Santos Lopes. Bento Elísio de Azevedo.

Carlos Alberto Costa de Sousa. Carlos Cardoso Lage. Edmundo Pedro. Eduardo Ribeiro Pereira, Fernando Alves de Almeida Miranda, Francisco de Almeida Salgado Zenha. Francisco Igrejas Caeiro. Francisco Manuel Marcelo M. Curto. Frederico A. F. Handel de Oliveira. Guilherme Gomes idos Santos. Herculano Rocha. Jaime José Matos da Gama. José Maximiano de A. Almeida Leitão. Luís Silvério Gonçalves Saias. Manuel Joaquim de M. Pires dos Santos. Manuel José Bragança Tender. Teófilo Carvalho dos Santos. Victor Manuel Gomes Vasques. Victor Manuel R. Fernandes de Almeida.

Partido Comunista Português (PCP)

Adalberto António de V. Casais Ribeiro. Alberto Jorge Fernandes. Álvaro Augusto Veiga de Oliveira. Álvaro Favas Brasileiro. António Dias Lourenço da Silva. António da Silva Mota. Carlos Alberto do C. da Costa Espadinha. Carlos Alfredo de Brito. Fernando de Almeida Sousa Marques. Francisco Miguel Duarte. Hélder Simão Pinheiro. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. Joaquim António Miranda da Silva. Joaquim Victor Baptista G. de Sã. Jorge do Carmo da Silva Leite. José António Veríssimo Silva. José Casimiro Sousa Correia. José Ernesto I. Leão de Oliveira. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Rodrigues Vitoriano. Josefina Maria Andrade. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Maria Alda Barbosa Nogueira. Maria da Conceição Morais Matias. Maria Ilda da Costa Figueiredo. Marina Grou Lanita. Octávio Augusto Teixeira. Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Ferreira Pereira de Melo,
Artur Fernandes.
Carlos Alberto Faria de Almeida.
Eduardo Leal Loureiro.
Domingos da Silva Pereira.
Isilda Silva Barata.
João Daniel Marques Mendes.
João José Magalhães F. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Eduardo Fernandes Sanches Osório.
Luís António Matos Lima.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

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Manuel Baeta Neves.
Maria José Paulo Sampaio.
Maria Tabita L. F. Mendes Soares.
Ruí Eduardo F. Rodrígues Pena.

Partido Popular Monárquico (PPM)

Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Henrique José Barrilaro F. Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Agrupamento Parlamentar dos Reformadores

Armando Adão e Silva.
Pelágio E. de Matos Lopes de Madureira.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Responderam à chamada 121 Srs. Deputados.
Temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena para a apresentação das conclusões da última Conferência de Bruxelas sobre a Cooperação, e Segurança Europeias.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No desempenho do honroso mandato que me foi conferido pelo grupo português da União Interparlamentar, presidi à delegação de Deputados desta Assembleia que se deslocou a Bruxelas a fim de participar na IV Conferência Internacional sobre a Cooperação e Segurança Europeias que ali se realizou de 12 a 17 de Maio último. Por considerar do maior interesse para todos os Srs. Deputados, e também para, dar sequência a uma das conclusões da Conferência, entendi dever solicitar, nos termos regimentais, o uso da palavra para relatar sucintamente o que ali se passou e dar a conhecer a súmula das importantes resoluções tomadas pela unanimidade dos delegados presentes - facto que importa realçar e que é elucidativo, só por si, de um esforço bem sucedido no diálogo que se travou, e em termos bem vivos, entre a maioria dos Deputados dos países ocidentais e os dos países do leste europeu.
Interessa aqui referir liminarmente ou reiterar
- até porque noto um deficiente conhecimento por
parte de alguns dos Srs. Deputados, da história, dos
objectivos, da cultura e das actividades da UIP-
um conjunto de informações gerais sobre esta organização internacional devida à iniciativa dos parlamentares William Cremer e Frédéric Passy, cuja
origem remonta a 1889.
De acordo com os seus estatutos, a União Interparlamentar tem por fim principal permitir e favorecer os contactos pessoais entre os membros dos Parlamentos de todo o Mundo e associá-los numa acção comum com vista a fazer colaborar os respectivos Estados no reforço e desenvolvimento das instituições representativas, bem como na consolidação dia paz e da colaboração entre os povos. Neste sentido, deve a UIP pronunciar-se sobre todos os problemas de natureza internacional cuja solução seja possível promover por via parlamentar e fazer as sugestões que entender com o objectivo, de desenvolver a instituição parlamentar, de melhorar o seu funcionamento e de aumentar o seu prestígio.
Parece-me útil neste sentido aditar quatro pequenas notas: a UIP é a única organização internacional existente que agrupa os Parlamentos de todo o Mundo. Com efeito, é composta por grupos nacionais que são, por sua vez, constituídos pelos membros do respectivo Parlamento. Integram actualmente a União noventa, grupos nacionais (número fixado depois da última Conferência de Oslo, em Abril passado). Para além de um secretariado e de uma comissão executiva, os órgãos da União são a Conferência 1nterparlamen-ta,r, que reúne uma vez por ano, geralmente em Setembro ou Outubro, e que debate os grandes problemas de ordem !internacional, exprimindo a opinião da organização e formulando recomendações, e o Conselho Interparlamentar que determina z orienta. as actividades da UIP e, verifica a sua adequação aos fins estatutários, e que também reúne anualmente em Março ou Abril. As actividades, da União são prosseguidas por comissões de estudo permanentes actualmente em número de cinco, a saber: a Comissão para o Estudo das Questões Políticas, da Segurança Internacional e do Desarmamento; a Comissão para o Estudo das Questões Parlamentares, Jurídicas e dos Direitos do Homem; a Comissão para o Estudo das Questões Económicas o Sociais; a Comissão para a Educação, Ciência, Cultura e Ambiente e a Comissão para os Territórios não Autónomos e Estudo dos Questões Étnicas.
Além das reuniões dos órgãos estatutários, a UIP organizou quatro conferências interparlamentares sobre a segurança e cooperação europeias no âmbito do CSCE, a primeira em Helsínquia, em 1973, a segunda em Belgrado, em 1975, a terceira em Viena, em 1978, e a quarta, recentemente, em Bruxelas. Organizou ainda um colóquio, em 1975, sobre um novo sistema de relações económicas internacionais e tem realizado esforços no sentido de lutar contra a poluição do mar Mediterrâneo e de preservar o respectivo meio ambiente.
Por outro lado, a UIP organiza periodicamente simpósios para permitir aos parlamentares confrontar os diversos pontos de vista, embuídos por vezes de ideologias tão diferentes, e as suas experiências nacionais sobre problemas de natureza parlamentar, conto sejam a relação do Parlamento com a opinião pública através dos meios de comunicação social ou a função legisferante no mundo actual.
Após a eleição do Conselho Directivo do Grupo Português em Março passado, participámos na reunião da Primavera que decorreu em Oslo e na referida TV Conferência Interparlamentar sobre a Cooperação e segurança Europeias, em Bruxelas. Na reunião de Oslo foram debatidas, nomeadamente, questões do desarmamento, es aspectos jurídicos e humanitários do problema dos refugiados, o 3.º decénio das Nações Unidas para o desenvolvimento e as questões da descolonização e do direito dos povos à autodeterminação. Os projectos de resoluções adoptados nesta reunião serão objecto de votação final na próxima conferência da UIP que decorrerá em Berlim, de 16 a 24 de Setembro próximo.
A reunião de Bruxelas teve por tema a contribuição dos Parlamentos dos Estados participantes na Conferência sobre a Segurança e Cooperação na

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Europa no reforço da promoção do desanuviamento universal e na realização de programas reais no domínio do desarmamento, isto é, no prosseguimento das aplicações do Acto Final de Helsínquia, das conclusões das reuniões ulteriores sobre o seguimento a dar à conferência bem como das resoluções das conferências anteriores. procede-se ao exame dos seguintes temas:

a) Questões relativas à segurança na Europa, em particular o desanuviamento e o desarmamento;
b) A cooperação nos domínios da economia, da ciência, da tecnologia e de meio ambiente;
c) A cooperação nos domínios humanitários e
outros;
d) finalmente, a prossecução dos objectivos definidos nesta. mesma conferência.

Importa assinalar, neste particular, a participação activa da delegação portuguesa nos trabalhos desta conferência. Foram feitas quatro intervenções nas sessões plenárias pelos Srs. Deputados Alda Nogueira, Adelaide Paiva, Rodolfo Crespo e por mim próprio. o mesmo sucedeu nas diferentes comissões, sendo de salientar o esforço efectuado pela delegação portuguesa no sentido de garantir novos direitos dos emigrantes ou de reforçar os existentes, face aos países hospedeiros e que se traduziram em algumas propostas de alteração dos projectos de resolução algumas das quais mereceram acolhimento unânime. O Sr. Deputado Rodolfo Crespo, foi ainda eleito vice-presidente da Comissão sobre a Cooperação Económica, Científica e Tecnológica, o que constitui distinção a sublinhar e prova a consideração de que aquele, Sr. Deputado goza entre os diferentes delegados.
Tendo sido acordado na Conferência de Viena de 1978 reforçar os contactos bilaterais entre os Parlamentos dos diversos países da CSCE, e na sequência das diligências iniciadas, tive a honra de assinar com o presidente do Grupo Nacional Espanhol, Alvarez de Miranda, um protocolo de intenção com vista à constituição de um grupo Interparlamentar luso-espanhol que será oportunamente submetido à consideração do plenário do Grupo Português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bruxelas conseguiu manter vivo, o espírito do Acto Final de Helsínquia, mau grado toda a conhecida deterioração das relações internacionais surgidas entretanto. Isso deveu-se à atitude construtiva de todas as delegações, irias também é um modo muito particular de estar no mundo e de analisar os problemas próprios dos Parlamentares diariamente ginasticados para o diálogo, a única via para um entendimento. Mas convém à manutenção deste mesmo espírito e ao seu reforço dar o máximo de publicidade às resoluções finais tomadas, e empenharmo-nos; no seu cumprimento,, designadamente no sentido de recomendarmos ao Governo que as tome em consideração quando da reunião da CSCE no próximo Outono, em Madrid.
Importa afirmar aqui e agora a validade absoluta dos dez princípios enunciados no Acto Final de Helsínquia, que constituem um verdadeiro padrão de conduta do Estado e a base para a democratização das suas relações com todos os outros Estados: a igualdade na soberania; a abstenção do recurso à

força ou à ameaça da força; a inviolabilidade das fronteiras; a integridade territorial dos Estados; a solução pacífica dos litígios; a não intervenção no assuntos internos, o respeito dos direitos do homem e das liberdades fundamentais incluída a liberdade de pensamento, de consciência, de religião ou de crença; a igualdade de direitos e autodeterminação dos povos; a cooperação entre os Estados, e o cumprimento da boa fé das obrigações contraídas de acordo com o direito internacional.
E importa também, aqui e agora, recomendar que, com a maior brevidade sejam estabelecidos os mecanismos necessários à regulação pacífica dos conflitos e criadas as bases circunstanciais para que seja restaurada a confiança recíproca dos Estados. Neste sentido depositamos a maior esperança na continuação a curto prazo do diálogo interrompido sobre a limitação dos armamentos e o seu contrôle internacional, pondo fim à corrida a que assistimos, e no acatamento por parte de alguns Estados do convite insistentemente formulado no sentido de tornarem efectivos o respeito e a prática dos princípios da abstenção de recorrer à ameaça ou ao uso da força e do respeito. pelas fronteiras e soberania. dos outros Estados.
A conferência reafirmou ainda a importância universal dos direitos do homem e das liberdades fundamentais cujo, respeito é factor essencial da paz, da justiça e do bem-estar, e convidou os Parlamentos e os Governos dos Estados participantes a cooperarem na luta contra a tomada de reféns e todos os outros actos de terrorismo.
No domínio económico-social, e tendo em atenção as crescentes dificuldades que se avizinham pira a Europa e para o Mundo, e o seu impacte sobre o bem-estar das populações e naturalmente sobre a sua segurança e tranquilidade, a Conferência convidou os Estados participantes e estabelecerem uma concertação e uma cooperação com vista a resolveram os diferentes problemas designadamente nos planos energético e das matérias-primas e nos plano, do financiamento e da tecnologia e a intensificarem os seus esforços com vista a assegurar o desenvolvimento dinâmico das trocas e a diversificação da sua estrutura.
Neste sentido, é do sublinhar e de aplaudir a iniciativa de convocar em 1981 uma conferência Interparlamentar sobre a energia.
Quanto à cooperação nos domínios humanitário e outros, a Conferência de Bruxelas quis sublinhar que os contactos entre as pessoas, a informação recíproca, as trocas culturais e os laços nos domínios da educação e da ciência constituem um aspecto fundamental do desenvolvimento das relações amigáveis e da confiança entre os povos.
Finalmente, e no que respeita aos trabalhadores migrantes, a conferência convidou os diferentes Estados a assegurar-lhes condições de vida adequada e a melhorar a sua formação profissional, a educação dos seus filhos e a sua vida cultural - redacção devida na sua maior parte à delegação portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A esperança que depositávamos nesta IV Conferência Interparlamentar sobre a Cooperação e Segurança Europeias não foi gorada. Depois de fazer um balanço objectivo sobre o conjunto do que me foi dado observar em Bruxelas, quero deixar aqui o meu depoimento: o es-

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pírito de Helsínquia não morreu - continua vivo -, e a grande maioria dos povos, como nós, Portugueses, deseja sincera e legalmente o desanuviamento e pretende assegurá-lo pela via do diálogo, o único meio de garantir a paz. Não há que alterar ou corrigir o conteúdo do Acto Final de Helsínquia, que correspondeu a uma nova etapa na marcha do Mundo contemporâneo. 0 que se torna necessário e urge fazê-lo é pô-lo em prática e já: todos os Estados e em todo o Mundo.

Aplausos gerais.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. - Presidente, Srs. Deputados: Se vamos passar já à apreciação e votação da proposta de resolução sobre o Jardim da Fundação Gulbenkian, pedimos para que este ponto seja passado mais para diante, na medida em que nem sequer ainda conhecemos a proposta de resolução.
Portanto, sugerimos à Mesa que estude a questão da proposta de resolução com o PPM, que passemos aos pontos seguintes da ordem de trabalhos, ou seja, ao ponto n.º 3, que consiste na apresentação de alguns projectos de lei, e que na devida oportunidade apreciemos esta proposta de, resolução.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, julgamos já ter presente a proposta de resolução. Contudo, como não é do conhecimento dos restantes partidos, cremos que realmente se poderia alterar a apresentação da nossa ordem de trabalhos, e seguir para outro ponto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, se o PPM não faz questão, e dado que vamos trabalhar durante a parte da tarde, agradecia que pudéssemos apreciar e votar esta proposta de resolução às 15 horas, na medida em que a queríamos estudar melhor.

O Sr. Presidente: - Então, se o PPM não se opõe, fica assim assente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para informar que ontem na conferência dos grupos parlamentares fomos confrontados com um projecto de resolução que havia tido o parecer favorável do Conselho Administrativo da Assembleia relativamente à alteração dos quadros do pessoal deste órgão de Soberania.
Acontece, pois, que nessa conferencia foi emitido parecer no sentido de que a proposta de resolução mereceria estudo mais aturado por parte dos diversos grupos parlamentares. Portanto, quero declarar que o Grupo Parlamentar do CDS, tendo estudado esta proposta de resolução, acha-a correctamente formulada e por isso está em condições de a debater logo que os outros grupos parlamentares acordem nisso.
É apenas para memória que quero fazer esta interpelação à Mesa e para desde já deixar manifesto o sentido da nossa posição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para dizer que embora não esteja aqui o Sr Deputado António Arnaut, estamos de acordo com esta proposta e que, por conseguinte, também a podemos votar, mas não fazemos nenhuma questão para que este assunto seja agendado para as 15 horas para dar oportunidade a quem quiser de a estudar melhor.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, pode esclarecer-me que ponto de agenda de trabalhos é que ficou adiado para a parte da tarde?
Julgo que foi o ponto n.º 2 e que, portanto, não vamos apreciar a proposta de resolução.

O Sr. Presidente: - Não é isso, Sr. Deputado Veiga de Oliveira. 0 que ficou para as 15 horas foi a proposta de resolução sobre o jardim da Gulbenkian.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, se V, Ex.ª ouvisse com mais calma aquilo que dizemos, chegaria à conclusão que estamos a falar de coisas completamente diferentes. Uma coisa é, realmente, a proposta de resolução do PPM acerca do Parque de Santa Gertrudes, matéria que foi devolvida para depois das 15 horas para dar tempo aos diversos grupos parlamentares de se pronunciarem, e outra coisa foi uma chamada de atenção que fiz, usando da forma regimental da interpelação à Mesa, para fazer sentir, contra aquilo que havíamos exposto ontem na conferência dos grupos parlamentares, que estávamos em condições de discutir - e até avancei, de aprovar - a proposta de resolução que havia sido apresentada ao Plenário pelo Conselho Administrativo.
Portanto, é essa proposta de resolução que estamos em condições de discutir e até de aprovar logo que a Mesa da Assembleia da República o determine.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, sobre esta proposta a questão que ontem foi posta foi a de se saber se era ou não preciso transformá-la num decreto-lei da Assembleia.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Não, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Deputado Rui Pena acaba agora de mo dizer que não.
Quanto ao conteúdo da resolução não temos dúvidas - já o tínhamos também dito ontem -, mas

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tínhamos a dúvida do que formalmente pode vir a ser a maneira adoptada pela Assembleia. Em todo o caso, uma vez que já está aqui a proposta do Conselho Administrativo, nós, daqui até às 15 horas, certamente teremos tempo de ver qual é a forma que deveremos adoptar.

O Sr. Presidente: - Então essa matéria ficará também para ser apreciada depois das 15 horas.

Srs. Deputados, há uma informação que já devia ter dado a todos os Srs. Deputados e que é a seguinte para a discussão de todos estes diplomas que estão agendados para hoje, foram atribuídos tempos globais aos partidos: aos quatro maiores partidos, uma hora e quinze minutos e aos quatro restantes partidos, metade do tempo, ou seja, trinta e sete minutos e trinta segundos para cada um.

Para além disso foram atribuídos mais quinze minutos ao PPM para a apresentação de dois diplomas.

Posto 15to, tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral para a apresentação dos projectos de lei n.º 485/I 489/I.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 PPM tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República alguns projectos de lei, entre os quais os n.ºs 485/I e 489/I, respectivamente sobre os planos concelhios de ordenamento territorial e sobre a revisão do regime jurídico de protecção aos solos de aptidão agrícola.

No que toca ao primeiro projecto de lei, consideramos que, em qualquer perspectiva é um diploma da maior importância para o País, e não apenas na perspectiva da defesa do ambiente que em especial hoje a Assembleia vai significativamente celebrar. Aliás, consideramos que este projecto de lei é dos mais importantes do "pacote" que hoje será aqui apreciado.
Na verdade, pode dizer-se que o território nacional caiu, num total desordenamento. Existem várias razões para isso e a principal é que nunca houve uma perspectiva integrada de ordenamento nacional. Os planos de fomento que foram feitos, onde se incluem os que foram feitos e já desejáveis após a instituição da democracia, são de qualquer maneira instrumentos apenas parcelares de intervenção no território nacional.
A sua perspectiva ou é apenas macro-económica ou então, no que toca a outro género de planos, como os de urbanização, de obras públicas, etc., tem essa respectiva perspectiva, e de forma nenhuma podem ser considerados integrados numa perspectiva de ordenamento nacional.
Por outro lado, e em consequência desta razão, a própria parcelaridade da formação dos homens que implementam e que têm a iniciativa destes planos limita-os também para a sua função de conduzirem a um verdadeiro ordenamento do território. Por outro lado ainda, esses planos - quer os económicos, quer os de obras públicas, quer os de urbanização - têm sido também insuficientes, haja em vista que ainda não foi possível fazer, por exemplo, um plano de médio prazo no capítulo económico. Portanto, não podemos considerar que o País está satisfatoriamente equipado com instrumentos dessa ordem que permitam a previsão, e a pré-fixação de condições para o futuro.
Ainda por outro lado - e isto é muito típico de Portugal -, as próprias intenções ou determinações que resultam desses instrumentos são na prática largamente ultrapassados, o país clandestino tende a transbordar do país desejado pelo legislador do país, do Diário da República, do país do plano. E talvez até por esses instrumentos estarem por vezes desajustados das realidades sociais, culturais e geográficas do povo, esse mesmo povo tende a ultrapassar esses instrumentos e a contribuir ainda mais para o desordenamento nacional.
Ora, é imperioso e urgentíssimo pôr cobro a esta evolução perigosa da nossa comunidade. Por um lado, é necessário o ordenamento para fins económicos e por outro, é necessário o ordenamento para fins culturais e de qualidade de vida.

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É necessário para fins económicos porque, como sabemos, os recursos do território nacional do continente são manifestamente exíguos e sob um ponto de vista, por exemplo, de produção de alimentos são hoje em dia unanimemente considerados mais do que parcos para o sustento da população portuguesa. A produção dos nossos recursos naturais e até mesmo energéticos é, de facto, insuficiente para as populações portuguesas e então chegamos à conclusão de que não obstante numa primeira aparência serem insuficientes, são os próprios portugueses, pelo seu desregramento e pelo seu desordenamento, que vão contribuir para tirar o menor aproveitamento possível desses recursos.
Assim, por exemplo, no capítulo do sector primário da actividade económica verificamos que os sistemas de produção, as culturas utilizadas são apenas por coincidência as mais adequadas a cada zona, a cada região, a cada condição geográfica. Fez-se a cultura de cereal onde não deve ser esse o sistema de cultura a utilizar, planta-se floresta onde deveria haver uma perspectiva de utilização agrícola, faz-se expansão urbanística nos solos dos poucos solos preciosos de alta aptidão agrícola e nas zonas que circunscrevem as grandes urbes, onde, portanto, se deveriam produzir frescos. Por outro lado, não se faz a cultura de cereais onde ela poderia ser feita com altas produtividades, próximas das produtividades europeias sabemos que aí a desordem é, de facto, a regra e a excepção, que só por acidente poderá aparecer, é exactamente a existência de algum ordenamento.
Ora, isto paga-se em termos económicos e é de muito maior gravidade do que fazer contas e modelos de crescimento económico muito bem calculados, em termos de máquinas de calcular, mas que depois são totalmente desrespeitados e contrariados pela realidade dos factos. E a realidade é esta: é que não houve até agora uma perspectiva de ordenamento, de reordenar a casa nacional, e de tirar o maior proveito possível em termos económicos dos recursos, que são escassos, mas que são mais bem aproveitáveis, de que dispomos.
Esta problemática torna-se agora especialmente agudizada porque a população do território aumentou de uma forma significativa, tendo aumentado também a sua capacidade do investir. Haja em vista, por

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exemplo, a capacidade de investimento resultante das remessas dos nossos emigrantes, que tão vilipendiados tem sido pela minoria desta Assembleia da República que não lhes reconhece o pleno direito de se inscreverem no recenseamento e que, no entanto, têm sido uma das principais fontes de alimentação financeira do nosso pais.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Pois bem, o ordenamento dos investimentos tornados possíveis pelas remessas dos nossos emigrantes, quer no investimento para construção de habitação, quer para fins industriais, etc., é, de facto, imperioso que seja realizado porque, se o não for, podemos assistir insensivelmente, sem darmos por isso, lentamente à proliferação de construções habitacionais, de construções para fins industriais de betão, exactamente naqueles terrenos que já vão escasseando e onde a produção de alimentos é imperiosa e mais do que nunca necessária para alimentar uma população ainda maior.
Portanto, no momento corrente, em que a população aumentou de forma significativa, e em que o território começa a ser insuficiente em termos quase geográficos para a população, é mais do que nunca imperiosa a necessidade de um rápido ordenamento do território nacional.
Por outro lado, no que toca à qualidade de vida, também não podemos deixar de referir que encaramos o território nacional não apenas como uma jóia, um objecto, um património cultural que devemos deixar aos nossos filhos e aos nossos netos. Para além desta visão, que é válida mas sem dúvida insuficiente, temos aquela que consiste em pensar que a população de um território é em grande parte expressão das condições geográficas e naturais desse território; há uma simbiose entre a cultura e as condições geográficas naturais de um território. São ambas causa e consequência uma da outra: o homem intervém na paisagem mas a paisagem é também causa do homem. Por essa razão não podemos deixar de pensar que se estivermos a ignorar os problemas de um correcto ordenamento do nosso território, se não estivermos a cuidar de preparar esse território em termos de pôr termo à anarquia crescente e preocupante que nele se gera, estamos afinal a liquidar não apenas o elemento geográfico natural, mas o próprio elemento humano futuro de Portugal,
Valorizar o território nacional é, em suma na nossa perspectiva valorizar o futuro homem português.
Por todas estas razões, consideramos - repito - imperioso abordar rapidamente no plano legislativo a matéria do ordenamento do território nacional E parece-nos que a melhor forma de o fazer será a criação de uma malha de ordenamento objectivada e pré-conhecida. "Objectivada" significará traduzida no concreto na carta de forma que possa saber-se qual a outra região, qual a parcela que deve ser destinada ao fim x, qual a outra parcela que deve ser destinada aos fins y e z, e "pré-conhecida" para que deixe de haver algo de arbitrariedade, para que deixe de haver a velha procissão junto dos poderes públicos e das instâncias, administrativa, para se obter - por vezes através da cunha - aquilo que não estaria correcto num critério objectivo e pré-conhecido.

É, pois, necessário e possível criar uma malha
objectivada e pré-conhecida de ordenamento do território. Por outro lado, essa malha pode perfeitamente assentar numa base concelhia ou de agrupamentos de concelhos - segundo a vontade dos respectivos órgãos autárquicos -, mas pode ter também, uma perspectiva de consideração num enquadramento nacional. Não é, evidentemente, do abordar uma problemática do ordenamento em termos meramente atomísticos de um mosaico de concelhos ou mesmo de agrupamentos de concelhos só por um acaso e que essa malha coincide com a malha geográfica e natural do território. Mas, por outro lado, também apenas uma perspectiva de enquadramento nacional, global é sem dúvida uma perspectiva demasiado centralizadora e talvez até numa escala demasiado insuficiente para que possa ser abordado com uma participação e um conhecimento das populações que lhe dê alguma aplicabilidade prática.

Assim, e com vista a, pela primeira vez, colocar no plano legislativo um ordenamento do território nacional, apresentámos o projecto de lei n.º 485/I, cujas características principais me permito resumir - e uma vez que o tempo me escasseia - do seguinte modo: o arranque para o ordenamento basear-se-ia nos planos concelhios de ordenamento territorial. Esses planos seriam - tal como a sua própria designação indica - elaborados com base no concelho, mas admitir-se-ia e até se consideraria desejável, se as condições naturais o aconselhassem, o agrupamento de concelhos para o efeito.

A iniciativa da aprovação desses planos seria das câmaras municipais, representantes ilegítimos dos interesses desses concelhos. Ao tomarem essas iniciativas, as câmaras municipais levariam a uma consulta e ampla participação das respectivas populações e dos respectivos interesses, das diversas actividades na preparação das propostas de planos concelhios de ordenamento territorial. Isso daria de tal forma um certo carácter basista e uma vida aos planos que eles não seriam apenas uma obra de homens de gabinete mas sim, resultante, de baixo para cima, de um certo pulsar do sentir das populações.

Por outro lado, não pode deixar de existir uma aprovação destes planos a nível central. Como já disse, uma perspectiva meramente concelhia atomística seria insuficiente. As regiões, sob o ponto de vista natural e geográfico, são de uma maneira geral muito mais vastas do que esse plano e não pode deixar de haver uma aprovação a nível nacional, um enquadramento, uma articulação, uma coordenação de todos esses planos concelhios a nível nacional.

Por isso, também a nossa proposta vai no sentido de que caiba à Administração Central a aprovação dos planos que resultem da iniciativa das câmaras municipais e das sugestões das populações dos municípios

Esta malha, que em nada interfere com as competências e as atribuições dos órgãos autárquicos, constitui apenas a regra do jogo, o limite objectivo, objectivado e pré-conhecido dos limites para as decisões que são tomadas no uso dessa competência e para as atribuições já constantes da lei. Trata-se apenas de uma regra de jogo que a partir daí os órgãos do poder autárquico ou central e os sujeitos económicos terão de respeitar, mas que conhecem à partida

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qual é. e dentro da qual terão de conduzir as suas actuações.

Apenas para concluir, e uma vez que não me sobra tempo para a apresentação do projecto de lei n.º 489/I, direi que aí me parece ser mais claro o nosso objectivo, que de resto não é novidade na nossa ordem jurídica. Trata-se, pois, de rever o regime da protecção dos solos de alta capacidade agrícola que, de facto, têm já neste momento uma protecção jurídica constante do Decreto-Lei n.º 308179, de 20 de Agosto. No entanto, a nossa ideia - além de algumas alterações de pormenor - vai no sentido da simplificação do sistema de licenciamento 4os projectos que possam afectar os solos de alta aptidão agrícola e também no sentido da inclusão no circuito decisório da Administração Central da Secretaria de Estado do Ordenamento Territorial, porque não deixamos de considerar esta problemática da protecção dos solos agrícolas e da reserva agrícola nacional como um aspecto da problemática, mais vasta, mais importante e mais grave, do ordenamento do território.

Aplausos do PPM, do PSD, do CDS e dos Deputados reformadores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes para a apresentação do projecto de lei n.º 491/I, que diz respeito à lei-quadro do ordenamento do território e da prática urbanística.

O Sr. Gomes Fernandes (PS.-. - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Partido Socialista apresentou a esta Assembleia da República um projecto de lei-quadro do ordenamento do território e da prática urbanística, por entender que é uma matéria extraordinariamente importante para a actuação das autarquias locais para a gestão dos territórios municipais e regionais, do território nacional, e, por outro lado, por entender que é uma matéria que precisa urgentemente de um enquadramento legal de carácter geral que permita regulamentações específicas sempre no sentido de reforçar e permitir às autarquias uma melhor gestão e um melhor exercício da sua autonomia e do seu poder local.
Nesse sentido, o nosso projecto de lei visa os seguintes objectivos: sobretudo consagrar a autonomia dos órgãos autárquicos no processo do planeamento municipal e regional; sistematizar os instrumentos de planeamento, identificando o seu âmbito e conteúdo; regular os regimes de execução das disposições dos planos de acordo com os agentes que tomem as iniciativas do uso dos solos e da realização e concretização dos equipamentos; aperfeiçoar e corrigir a legislação existente sobre expropriações e processos indemnizatórios sobre o direito de preferência, sobre excepções ao direito de superfície e sobre a cobrança de encargos de mais-valia.
nossa iniciativa, que é de âmbito mais geral, mais largo e também mais importante do que a iniciativa do PPM, não pretende, anular ou subalternizar essa mesma iniciativa do PPM mas, temos de o reconhecer, confere um carácter de enquadramento mais geral do que a iniciativa do PPM; sobretudo, permite encarar essa iniciativa numa perspectiva do território nacional e de ordenamento na base de uma grande autonomia e de uma grande participação das populações a nível local e regional através dos municípios, do poder local.
No nosso projecto de lei - que infelizmente, por dificuldades de outros partidos, não é hoje discutido mas que continuamos a considerar que é um projecto de, lei extremamente importante para os municípios- assinalámos como objectos principais a regulação da prática do ordenamento do território em geral, a regulação das relações entre as autarquias, a população e os agentes económicos e a adequação da base da política de solos aos objectivos do planeamento urbanístico e à realização programada dos equipamentos no território.
Nos artigos 2.º, 3.º e 9.º, o projecto de lei tem uma parte relativa às competências em que se especificam bem quais as competências das autarquias locais, quais as competências da Administração Central do Estado e quais as competências, quando existirem, das regiões administrativas.
No nosso projecto de lei entendemos como importante atribuir e conferir aos municípios o direito o a possibilidade de decidirem sobre os seus planos de urbanização e de aprovarem esses mesmos planos.
Entendemos também que es mecanismos actuais de elaboração, de apreciação e aprovação dos planos de intervenção urbanística e de ordenamento concelhio, neste momento considerados ainda planos gerais de urbanização, criam extremas dificuldades aos municípios e em muitos casos podem inviabilizar mesmo a aplicação efectiva da lei, das Finanças Locais Nesse sentido também uma das razões da apresentação deste projecto de lei.
Por outro lado, o nosso projecto confere um papel importante e específico à iniciativa privada, regulamentando essa mesma iniciativa no âmbito das acções dos municípios.
Confere também um papel importante ao sistema de planos, sobretudo definindo os diferentes tipos de plano e estabelecendo uma conexão, uma relação entre estes diferentes tipos de plano por entendermos - tal como já referimos- que sem planos de ordenamento do território, e sobretudo sem planos de ordenamento, dos territórios concelhios, não é possível às autarquias prosseguirem o caminho de autonomia do seu poder e, por outro lado, de darem concretização plena àquilo que a Lei das Finanças Locais lhes permite e àquilo que a generalidade dos autarcas espera que é a Lei de Delimitação dos Investimentos dos diferentes escalões de poder.
Relativamente aos tipos de planos, consideramos como planos territoriais os planos de ordenamento regional ou sub-regional e o plano director municipal, e como planos de urbanização o plano director municipal, nas suas disposições de carácter urbanístico - portanto, aplicado à gestão urbanística -, e o plano de intervenção urbanística geral, parcial ou de pormenor. Portanto, um enquadramento de carácter global, por um lado, e, por outro, de carácter mais pormenorizado e mais apontado a aspectos de pormenor e de gestão imediata.
Consideramos que com esta tipologia e sistematização de planos com esta classificação dos diferentes tipos de iniciativa e com a atribuição aos municípios do papel de deliberação e de determinação sobre a elaboração e a, aprovação dos seus planos, podem ser dados passos Importantes para o tal efectivo reforço e concretização de autonomia do poder local que,

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neste momento, efectivamente não existe ainda por falta deste enquadramento no domínio do planeamento e da gestão urbanística.
Pelo facto de hoje não se poderem discutir nem este projecto de lei nem o projecto de lei apresentado pelo PPM há momentos e a importância que eles assumem para o planeamento de gestão urbanística e para a vida dos municípios, queremos propor que estes documentos sejam objecto de uma publicação especial, sejam submetidos à discussão pública, sobretudo das autarquias, para que, efectivamente, representem um passo em frente nesta matéria e uma contribuição não só de iniciativa política dos grupos parlamentares, que a tomaram com os objectivos com que tomaram, mas sobretudo para que esses objectivos sejam plenamente atingidos por uma ampla participação na discussão destes projectos e ainda, para que deles resultem, mais tarde ou mais cedo, esperemos que seja o mais cedo possível, leis fundamentais para a vida dos municípios, para a vida descentralizada da democracia neste país e para que sejam dados os passos praticamente iniciais no ordenamento do território nacional, que constitui neste momento na Europa se não uma excepção grave pelo menos um caso já bastante notório de desarrumação e de desordenamento e desaproveitamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de 0liveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, devido à falta de tempo, farei uma breve nota sobre estes dois projectos de lei do PPM e do PS.
Em nosso entender - e avançamos já essa proposta em reunião dos grupos parlamentares e não só - esses projectos, pela sua matéria e importância para todas as povoações do País e para o funcionamento correcto da democracia e do poder local, devem ser publicados, em separata pela Assembleia da República, como foi proposto, para que, entre outras razões, os municípios, os órgãos do poder local se possam pronunciar sobre ele.
Em segundo lugar, entendemos que nestes projectos, e apesar dos projectos de descentralização e de descentralismo feitos por qualquer do apresentadores, há uma veia centralista muito forte que é preciso combater. Não podemos aceitar que seja em definitivo o que ficaria de leis saídas destes projectos, ficando no poder arbitrário central a decisão de aprovação ou não de um projecto destes. 0 que é necessário, é que haja leis reguladoras que sejam válidas e que possam ser de facto o critério para aprovar, ou não aprovar isto é, que haja normas. 0 que aqui, se propõe é simplesmente distribuir competências mas não se diz como serão exercidas, nomeadamente a competência do Poder Central. 15to acontece quer num projecto quer noutro e por isso nós insistimos em que eles não sejam discutidos sem haver uma consulta à opinião pública, nomeadamente aos eleitos dos municípios.
Finalmente, sobre outra questão que foi levantada pelo. Sr. Deputado Ferreira do Amaral, à laia de protesto deixo aqui numa nota. O Sr. Deputado disse que a minoria desta Câmara não quer reconhecer aos imigrantes, que, tão valioso contributo dão ao País, o direito de se inscreverem no recenseamento. O Sr. Deputado sabe que isso é falso e que o que nós não queremos é transformar um direito numa obrigação. E isto não tem nada a ver com coarctar esse direito. Reconhecemo-lo e propusemos e aprovámos a lei que o reconhece amplamente, mas o que não consenti-mos, pelo menos com o nosso voto, é que se transforme o direito numa obrigação.

E quanto à questão de "aproveitar os emigrantes", dir-lhe-ei que quem queria aproveitá-los, simplesmente como carne para fabricação de, Deputados, administrativamente, era a maioria desta Câmara.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - No que toca à intervenção do Sr. Deputado Gomes Fernandes e à sugestão que fez e que foi depois aprovada pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, de que sejam distribuídos e tenham divulgação, estes projectos de lei para ampla, consulta das autarquias locais e das populações, pensamos que é uma ideia feliz e que, de facto, a Assembleia deveria providenciar no sentido de os mesmos serem divulgados através do Diário da Assembleia, e de ser estabelecido um mecanismo para respostas e acolhimento de sugestões.

Quanto ao protesto do Sr. Deputado Veiga de Oliveira penso que é inteiramente descabido.

De facto, a partir do momento em que apenas esteve em causa, como sucedeu há dias, a prorrogação do prazo de recenseamento dos emigrantes e não qualquer espécie de regra de obrigatoriedade, em que apenas esteve em causa ampliar a facilidade para que eles se possam recensear - e não nos podemos esquecer que talvez de mais de um milhão apenas estão recenseados cerca de 170 000, o que é um escândalo para nós, portugueses, que nos, deve levar por todas as formas a facilitar esse recenseamento -, a partir do momento em que o seu partido - o PCP - votou contra a simples prorrogação desse prazo, o Sr. Deputado Veiga de Oliveira não pode vir aqui dizer que está a defender os direitos políticos dos emigrantes, não pode vir dizer que está apenas a evitar que se force os emigrantes a recensearem-se, mas, sim, confessar que o que querem é impedir que más emigrantes, sejam eleitores portugueses.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É falso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Passo a fazer uma pequena intervenção sobre os dois projectos de lei apresentados.

Quanto ao projecto de lei do Partido Socialista, parece-nos um projecto quase perfeito se realmente no inquérito não for esquecido o conselho municipal e se nos órgãos de aprovação não for esquecida mas antes valorizada a acção das assembleias municipais.
Quanto ao projecto de lei do PPM, fizemos um estudo apurado. Achei a exposição feita pelo

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Sr. Deputado Ferreira do Amaral, como sempre extremamente confusa, intrincada ...

O Sr. António Lacerda (PSD): - Não apoiado!

A Oradora: -... de muita coisa - não sei se será o seu subconsciente que ainda não está suficientemente liberto -, pelo que nos reservamos para outra oportunidade para não estarmos a perder tempo.
Quanto à discussão pública, tratando-se realmente de um projecto de lei que interessa sobretudo às autarquias, pois são elas que o vão levar à prática, pensamos que a sugestão do Partido Socialista é de apoiar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sanches Osório, para se pronunciar sobre a matéria em discussão.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Damos o nosso apoio à sugestão, do Sr. Deputado Gomes Fernandes e sem nos pronunciarmos sobre as apresentações que foram feitas dos dois diplomas, uma vez que, não é isso que está em questão neste momento, concordamos com a ampla discussão e a publicação dos dois projectos de lei, pois consideramo-los fundamentais para todo o povo português.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira.

O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queríamos também aplaudir a iniciativa do Sr. Deputado Gomes Fernandes no sentido de uma ampla discussão pública desta matéria.
Entendemos que realmente sobre os assuntos fundamentais do poder local é tempo de os municípios começarem a ser ouvidos. Relativamente aos projectos apresentados, penso que o do Partido Socialista representa um aglomerado de assuntos muito diversificados. Acho que a metodologia adoptada não terá sido a melhor. De resto a própria sistematização do diploma também não é adequada tendo que matérias tão importantes como a política a dos solos, com problemas relacionados com expropriações, com uma articulação de planos de ordenamento do território, planos globais e planos parciais, não pode conter-se assim em termos tão vagos como os que são apresentados no projecto de lei do Partido Socialista. Achamos mesmo altamente deficiente o sistema seguido, porque no fundo o projecto de lei, conforme se pode ver numa sua leitura, nem é uma lei-quadro, como se pretendia, pois não desce a pormenores bastante importantes e também não é suficientemente pormenorizada para poder ter valor. De qualquer maneira, no que toca ao princípio e à filosofia que estão incluídos nos dois projectos de lei, ou seja, a necessidade urgente de se fazer o ordenamento do território, começando para já pelo ordenamento do próprio território municipal, merece a nossa inteira concordância.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma breve referência às intervenções do Sr. Deputado Veiga de Oliveira e do Sr. Deputado Manuel Pereira.
Julgo que, por um lado, temos de nos entender à partida sobre o que é que está em apresentação, não em discussão. Penso que deve entender-se que o nosso projecto de lei é um projecto de lei-quadro, e não vamos estar aqui a definir o que é uma lei-quadro, qual o seu âmbito e quais as suas características e sintetismo. Nessa perspectiva não entendemos o tipo de crítica que o Sr. Deputado Manuel Pereira faz ao nosso projecto, uma crítica abstracta e vaga que dá a impressão de que não se entende ou, pelo menos, não se define minimamente qual o âmbito de uma lei-quadro sobre esta matéria. Nós achamos que este conjunto diversificado de assuntos que o nosso projecto aborda, é analisado de uma forma articulada, por um lado, e de uma forma diversificada, por outro, porque se trata de uma lei de grandes princípios que naturalmente toca uma problemática muito vasta. Aliás o projecto procura enquadrá-los e articulá-los de uma forma também genérica, remetendo naturalmente depois para regulamentações os aspectos particularizados.
Por outro lado, não entendemos que se faça assim de ânimo leve um tipo de crítica como fez o Sr. Deputado Manuel Pereira, que penso e faço justiça de julgar que conhece, por exemplo, a lei italiana e a lei inglesa que foram, aliás, dois documentos que serviram de base para a elaboração deste documento e que são bastante descentralizadoras, por um lado, bastantes completas, por outro, e que têm características relativamente idênticas na forma de abordar o problema e na forma de o enquadrar e inter-relacionar.
Relativamente à observação feita pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira que acusou de centralista o nosso projecto de lei, não a entendemos, na medida em que o artigo 9.º, por exemplo, que é uma das partes importantes deste projecto e que define as competências para a elaboração e aprovação dos planos, diz que a elaboração e a aprovação dos planos territoriais ou de ordenamento é da competência dos municípios no que respeita ao plano director do município, e assim sucessivamente. Portanto, começa por estabelecer e remeter uma competência que neste momento está no Poder Central, no Estado, nos organismos governamentais, para os municípios e depois transfere somente para a Administração Central as competências atribuídas num tempo intermédio às administrações regionais, e enquanto elas não existam. Por isso não entendemos nesse aspecto onde é que está a visão centralista do nosso projecto, porque com efeito se ela existe era bom que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira esclarecesse onde, pois a intenção do Partido Socialista foi a de dar um passo em frente, claramente, no sentido da descentralização nesta matéria de ordenamento do território e de prática urbanística.
Finalmente quanto ao apoio que mereceu a nossa sugestão da publicação destes documentos em separata, nós congratulamo-nos naturalmente com ele e pensamos que é fácil porque é já um mecanismo normal desta Assembleia. Pensamos também que daí advirá uma contribuição positiva para esta matéria pela participação das autarquias e das populações.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Pereira para responder.

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O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas esclarecer que não me referi nem a problemas de centralização nem de descentralização, como o Sr. Deputado Gomes Fernandes disse. Referi-me apenas aos aspectos metodológicos da apresentação do diploma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Deputado Manuel Pereira, não era concretamente a V. Ex.ª que eu me referia quando falei na visão centralista do projecto de lei.

Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, nós atendemos às suas observações quando lança a suspeição de um centralismo latente no projecto que apresentámos. Estamos, no entanto, de acordo quanto à explanação que fez acerca das necessidades de, ao sector público da Administração Central, caber sobretudo uma função normativa, mas relativamente à desconfiança que porventura nasceu no seu espírito, quando se fala na ratificação dos planos cuja competência é relegada para os municípios no tocante à sua feitura, deverá entender-se, por parte do sector central encarregado dessa ratificação, da verificação das normas pelas quais esses planos devem ser elaborados. É por conseguinte apenas dentro desse espírito, e não na forma por que actualmente eles são encaminhados pelos sectores centrais que os apreciam, que a configuração da nossa proposta terá de ser entendida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (DR): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: 0 Grupo Reformador saúda a apresentação destes projectos por os entender do maior interesse nacional. De resto está inteiramente de acordo com a necessidade de uma ampla discussão pública, que vai ajudar-nos a todos a assumir uma posição consciente. 0 Grupo Reformador estará atento e oportunamente também se virá a determinar relativamente a todos estes aspectos fundamentais.

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa (Carlos Robalo).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme várias sugestões feitas, serão dadas aos serviços as indicações necessárias para que os projectos de lei n.ºs 485/I e 491/I sejam objecto de publicação oficial, em separata.
Passamos agora à segunda parte da ordem do dia, deixando para as 15 horas a apreciação da proposta de resolução sobre o jardim da Fundação Calouste Gulbenkian e a proposta de resolução sobre a alteração do quadro do pessoal da Assembleia da República.

Vamos agora passar à apreciação da proposta de lei n.º 317/I, que aprova a ratificação da Convenção n.º 151 da OIT, relativa às condições de trabalho na função pública.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A protecção dos trabalhadores da função pública, ou seja dos agentes da Administração Central e Local, já foi objecto de debate quando há dois anos, esta Câmara aprovou o direito de grave deste importante sector social. 0 que hoje se vai apreciar não é, por isso, mais que a generalização dos princípios então conhecidos quanto às condições do trabalho contidas na Convenção n.º 151 da OIT. Aliás, na última semana, quando esta Assembleia concedeu ao Governo a autorização legislativa constante da proposta de lei n.º 316/I para definir o regime jurídico da função pública e nos termos em que a fez, deu um decisivo e importante passo para a aplicação da mesma Convenção no nosso país. Fica, assim, o Governo habilitado a cumprir um dos pontos cardiais do seu Programa, que é justamente de legislar no sentido de introduzir no Estatuto da Função Pública todas aquelas alterações que se mostrem necessárias para a imediata melhoria da sua situação jurídico-profissional.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 problema da fixação das condições de trabalho na função pública tem suscitado em diversos países da Europa as mais vivas e prolongadas polémicas, de que dá conta, por exemplo o V Relatório do BIT sobre a Liberdade Sindical e Condições de Trabalho da Função Pública. E não admira que assim seja: Existe actualmente em todo o lado, com a reserva de algumas excepções, a distinção fundamental entre a função pública e a função industrial e comercial do poder público, ou seja, entre o sector administrativo e o sector empresarial do Estado.
Para além da diversidade dos seus efeitos jurídicos, de um lado, quanto ao sector administrativo, temos o princípio da regulamentação por via do Estatuto, isto é, a possibilidade de as condições de trabalho poderem ser unilateralmente modificadas pelo Governo, do outro lado, o contralto, o mesmo é dizer a fixação do regime laboral por via da negociação e arbitragem. De um lado a rigidez do direito público, do outro o primado da diversidade do direito privado.
Cabe à função pública assumir a administração permanente da gestão quotidiana dos serviços públicos com vista à satisfação dos interesses gerais e/ou colectivos da comunidade, sendo sua característica essencial a subordinação ao poder político que tem como contrapartida as garantias legais que os colocam à margem das querelas ideológicas. Deve-se a Napoleão o principio, que ainda se mantém, da hierarquização da função - tal como no exército ou na Igreja. 0 seu prestígio, que foi uma das sólidas conquistas da burguesia triunfante em 1789 deveu-se a uma disciplina rigorosa e a austeridade das remunerações, que lhe davam a imagem de dedicação ao bem comum. É preciso esperar que decorra todo o século XIX para que aos inícios do actual o sindicalismo penetre e invada o sector abalando nos seus próprios fundamentos o sacrossanto princípio do "lealismo político", e "da neutralidade dos funcionários" face aos movimentos sociais. Seja como for, ainda persiste em todo o Mundo - incluindo a União

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Soviética - a ideia de que o funcionário público é um servidor do interesse geral e a - este título detentor de um estatuto especial.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Porém, a própria tendência para Superar a distinção clássica entre direito público e o direito privado e o advento do que se designa hoje por "Direito social" encarregaram-se de destruir os pilares em
que se assenta o edifício da carreira da função pública. 0 axioma da "continuidade de serviços públicos" elevado à categoria de condição da própria
existência do Estado-polícia, e este, por sua vez, como condição indispensável da existência do povo como nação ou sociedade organizada, começa rapidamente
a pactuar com a concepção do Estado-patrão, do Estado-gestor, ou do Estado-empresário, que são as sequelas do fenómeno, do comprometimento ou do
intervencionismo dos poderes públicos na esfera economia da colectividade. A "psicose contratual" do sector privado destrói, os últimos diques estatutários
dos agentes administrativos, e o conhecido retrato do civil servant britânico, de casaco preto, colarinhos engomados, e chapéu redondo vai-se tomando numa
relíquia de museu face à invasão do homem de fato
cinzento e do white colour.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da rápida evolução que acabo de esquematizar, no Estado moderno, não se perdeu ainda a noção nuclear, atrás referida, de que a função pública serve em primeira linha o interesse geral, e prioritariamente não os interesses particulares mas os interesses colectivos. Em primeiro lugar, ao Estado compete garantir a manutenção e o livre desenvolvimento das próprias regras do jogo económico - ou seja a manutenção do clima de segurança em que se possam desenvolver as actividades privadas. Depois, é a função púbica que permite e garante à totalidade dos cidadãos o consumo dos bens públicos pelo regular funcionamento dos serviços dentro dos critérios da estreita legalidade. E ligado a isto, o insubstituível principio da continuidade do serviço público que não é se não a única pelo menos a mais visível garantia da própria continuidade do Estado social de direito.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Em face destes princípios, ainda arreigados nas nossas leis e na opinião pública, é-se muitas vezes tentado a considerar o funcionário público como detentor de uma posição social, económica e "laboral" muito diferente dos trabalhadores por conta de outrém. Mas é hoje incontestável que o trabalhador da função pública, sociológica, económica e juridicamente pouco tem a ver com o seu antecessor de há duas dezenas de anos: o espírito corporativo do civil service, a sua segurança na velhice, o seu reduzido horário de trabalho, o seu prestígio na sociedade tudo isto está hoje ultrapassado na sociedade trepidante e massificada em que nos é dado viver, a ponto de o funcionário público se tem tornado hoje o irmão mais pobre face aos trabalhadores do sector privado e do sector empresarial do Estado. As exigências da justiça social, a crescente assimilação dos métodos de organização e de gestão dos serviços privados pelos públicos, o advento da tecnocracia, a ânsia de transformar o Estado, numa gigantesca empresa dominada pela informática e objectivos targets colocam hoje o agente da Administração Pública, sob o ponto de vista do direito laboral, em pé de igualdade com os demais trabalhadores. E como o direito tem de acompanhar a vida, temos a Convenção n.º 151 da OIT que vai ao encontro destas reivindicações e que vai ser hoje aqui ratificada por esta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A quase generalidade dos princípios consagrados na Convenção n.º 151 estão hoje consagrados na Constituição da República e alguns deles já se encontram firmados na legislação ordinária. Não posso deixar aqui de lembrar a notável actividade que na vigência do II Governo Constitucional o então Ministro da Reforma Administrativa e hoje o líder do meu grupo parlamentar, o Sr. Deputado Rui Pena, com a colaboração prestimosa de Maldonado Gonelha, desenvolveu, submetendo à apreciação do Conselho de Ministros um anteprojecto sobre os direitos sindicais na função pública. Este anteprojecto como tantas outras iniciativas daquele ,ilustre Ministro democrata-cristão no domínio da função pública ficaram infelizmente retidas nas gavetas da Presidência do Conselho por razões que são hoje de todos conhecidas e que tem directamente a ver com a continuação em vigor da lei sindical gonçalvista que é, em si mesmo, uma injúria ao verdadeiro movimento sindical português.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não apoiado!

O Orador: Se o Partido Socialista não tivesse posto o seu interesse partidário de se manter no poder a todo custo pactuando com o PCP a não modificar a legislação aplicável à função pública, as iniciativas desencadeadas pelos Ministros Rui Pena e Maldonado Gonelha constituiriam importantes avanços nesta matéria, tão carecida de reforma profunda e urgente, que é justamente a regulamentação dos direitos individuais e colectivos dos agentes da Administração, Central e Local.

Continua, pois, ainda por promulgar a legislação que uniformiza o mais possível os trabalhadores do sector privado, do sector empresarial do Estado e da Função Pública, o que vai ser acelerado com a ratificação da Convenção n.º 151/I e a autorização legislativa concedida ao Governo na última semana.
Contudo, o meu grupo parlamentar gostaria de perfunctoriamente chamar a atenção da Câmara para alguns pontos que consideramos merecedores de reflexão: Sabe-se que a interpretação de alguns preceitos da Convenção não é isenta de sérias dificuldades e tem provocado um certo clima de mal-estar entre os países que já a ratificaram. Assim, e sem sequer entrar agora na controversa questão dos agentes da confiança política, que debatemos aqui há bem poucos dias, o n.º 2 do artigo 1.º da Convenção deixa ao critério das legislações nacionais a própria definição de "trabalhadores de nível superior", apontando como princípio orientador serem aqueles normalmente considerados da formulação das políticas policies e "os trabalhadores cujas responsabilidades tenham um carácter altamente confidencial".
Naturalmente que os preceitos da Convenção n.º 151 têm de ser analisados à luz da Convenção

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n.º 98, sobre funcionários públicos, nomeadamente o seu artigo 6.º, que tanta celeuma tem levantado sobre, por sua vez, o próprio conceito de "funcionário público". A recomendação do Bureau é que cada Governo determine quais os órgãos e quais as instituições que devem ser consideradas como Função Pública, apenas com a conhecida reserva e que esta determinação, deve ser feita "de boa fé", em função dos objectivos visados pela Convenção. Numa segunda operação haverá que distinguir quais os agentes excluídos e, será o caso, entre outros, por exemplo, dos Deputados e outros titulares de cargos, electivos, magistrados, pessoal de gabinetes ministeriais, etc., que são discricionariamente nomeados, transferidos, e exonerados pelos Governos.
O artigo 8.º da Convenção, que prescreve que "a resolução dos conflitos surgidos a propósito da fixação das condições de trabalho será procurada de maneira adequada às condições nacionais", através de negociação entre as partes interessadas ou por um processo que dê garantias de independência, imparcialidade, tal como a mediação, a conciliação ou a arbitragem, instituídos de modo que inspire confiança às partes interessadas. Esta norma suscitou já sérias reservas e confrontos, quanto ao campo da sua aplicação. Assim, há países que expressamente declararam que não poderão aceitar esta disposição a não ser no entendimento de que certas condições de trabalho, que são estabelecidas por via estatutária, ou seja, por via da legislação, deverão estar regulamentadas e por isso excluídas da aplicação da Convenção n.º 151, havendo, quanto a alguns destes países, obstáculos de ordem constitucional para a execução tout-court do preceito referido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apontadas que ficaram duas ou três anotações que o meu partido não poderia deixar em claro, congratulamo-nos com a iniciativa da ratificação da Convenção n.º 151, que o actual Governo trouxe a esta Câmara. Ela completar-se-á com a legislação que a Secretaria da Reforma Administrativa vai em breve submeter à apreciação dos trabalhadores e esperamos que os trabalhadores da função pública vejam finalmente satisfeitas as suas legítimas e prementes reivindicações.

Por isso mesmo, este dia de hoje não é apenas um dia grande para muitos milhares de trabalhadores e suas famílias, é também um dia fausto para esta Câmara e para todos, nós.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr. Deputado Marcelo Curto para uma intervenção.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Convenção n.º 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que vem garantir aos trabalhadores da função pública o direito de se organizarem sindicalmente, de denunciarem as suas condições de trabalho e de utilizarem os meios adequados à solução dos conflitos de trabalho, culmina um longo processo de luta daqueles trabalhadores pelo reconhecimento internacional daqueles direitos.

Apesar de ter sido defendida por alguns a aplicação da Convenção n.º 87 da OIT sobre a liberdade sindical aos trabalhadores da função pública, o facto é que a Convenção n.º 98, de 1949, sobre o direito de organização e negociação colectiva, exclui da aplicação desta Convenção, no seu artigo 6.º os trabalhadores da função pública.
A determinação das condições de trabalho destes trabalhadores foi sempre considerada uma prerrogativa da autoridade estatal e o Estado foi sempre considerado um patrão sui generis com características paternalistas e fazendo aparecer a sua autoridade em nome do povo, extensiva aos seus funcionários ou agentes, atribuindo-lhes ou concedendo-lhes condições contratuais tendencialmente vitalícias e aparentemente mais seguras do que as dos trabalhadores do sector privado. As condições de trabalho destes trabalhadores estiveram sempre ligadas à experiência e consolidação democráticas e foi, pois, nos Estados em que a democracia primeiro se estabilizou que se passou a admitir o direito de os trabalhadores da função pública se organizarem em sindicatos e discutirem as suas condições de trabalho com o Governo.
Ao contrário, os sistemas autoritários resistiram até ao fim à equiparação sindical desses trabalhadores a todos os outros, procurando conservar o resto do poder de César nas mãos dos Governos, com argumentos mais que duvidosos.
Após longas consultas entre os Estados membros da OIT, promovidas por esta Organização e estimuladas sobretudo pelos países e sindicatos da Europa Ocidental, vem a realizar-se em Genebra, em Abril de 1975, uma conferência internacional a partir da qual se desencadeia a elaboração de textos que viriam a provocar o aparecimento da questão na agenda da Conferência Anual da OIT em Junho de 1977, para uma primeira discussão. Aí se chega ao primeiro texto de uma convenção e de uma recomendação que em 1978, quando as condições de pouco esclarecimento e o nosso próprio texto constitucional não permitiram mais do que a abstenção do delegado governamental português, em vistas de um melhor estudo e ponderação do problema.
Na verdade, como se vê, aliás, dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º da Convenção n.º 151, o vínculo que liga o trabalhador à função pública pode assumir natureza que imponha a exclusão de alguns trabalhadores do acesso aos direitos sindicais e de negociação das suas condições de trabalho. É o caso dos que exerçam funções de nível superior ou de formulação de políticas ou ainda de direcção que serão definidos por cada legislação nacional. É, por fim, o caso das forças armadas e da polícia que aguardarão também e, definição legal da medida em que a Convenção n.º 151 se lhes aplicará.
Ora, no que respeita à nossa Constituição, se o artigo 57.º não faz restrições quanto a quaisquer trabalhadores e reconhece a todos a liberdade sindical, já o artigo 270.º emprega terminologia e defende princípios que parecem conter restrições ao gozo e exercício pleno de iodos os direitos que a Constituição confere aos trabalhadores em geral relativamente aos trabalhadores da função pública.
E os Deputados da Comissão de Trabalho desta Assembleia não se esqueceram, decerto, das reservas

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levantadas por grupos parlamentares hoje da maioria AD quanto à formulação da garantia do exercício do direito à greve na função pública, previsto no artigo 12.º da lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, ou Lei da Greve.
E também não é sem alguma surpresa que vemos agora o Governo AD vir no final desta legislatura propor a ratificação da Convenção n.º 151, quando é certo que, na prática, as negociações salariais que estavam a decorrer se processavam sem admissão formal de propostas e contrapropostas típicas da negociação de uma convenção colectiva, como, aliás, nos foi afirmado por dirigentes sindicais nesta Assembleia, até chegarmos hoje à aprovação, por decreto, da tabela salarial da função pública, contrariando, pois, frontal e descaradamente os princípios da Convenção n.º 151, para a qual nos vem pedir a ratificação.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - Já não esperamos que após a ratificação, que sem dúvida aqui vamos votar positivamente, o Governo AD reconheça plenamente e sem quaisquer ambiguidades aos sindicatos dos trabalhadores da função pública o direito a negociar as suas condições de trabalho através de uma convenção colectiva, em vez de o fazer através de uma proposta de lei, por forma paternalista, para a qual, aliás, solicitou e obteve autorização legislativa desta Câmara.
Se assim fosse teria alguma coerência esta proposta do Governo AD para ratificação da Convenção n.º 151, sem que colha relevância o argumento formalista de que a Convenção só entrará em vigor doze meses após ratificação, de acordo com o seu artigo 11.º n.º 2. Julgamos, porém, que a pressa da AD em ratificar a Convenção n.º 151 é mera manobra eleitoralista laboral, pela qual os trabalhadores portugueses da função pública não se deixarão certamente enganar.
Tanto mais que decerto se "esqueceu" de traduzir a recomendação da OIT aprovada ao mesmo tempo que a convenção, pois que apresenta princípios necessariamente mais avançados que os da convenção. Porque é na prática que as boas intenções legislativas se demonstram e a luta dos trabalhadores da função pública pela recuperação mínima do seu poder de compra, neste ano de 1980, está longe de ter terminado, mesmo com a ratificação da Convenção n.º 151 da OIT.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa,

O Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa (Carlos Robalo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo pronunciar-me sobre a intervenção do Sr. Deputado Marcelo Curto, que me surpreendeu até porque penso que poderia ter tido influências na aprovação desta Convenção mais atempadamente. Surpreende-me porque faz afirmações que não são correctas, porque faz um processo de intenções que eu naturalmente seria capaz de transferir com alguma facilidade. Não é isso que faço, até porque o importante será a prática política e não as intenções ou as afirmações. E aqui, naturalmente, poderia referir vários aspectos ao Sr. Deputado Marcelo Curto, ligando, inclusivamente, a zonas executivas.
Também quero dizer que o que afirmou sobre a negociação havida com os sindicatos é destituída de toda a verdade. Se V. Ex.ª entende que negociar é aceitar exclusivamente a proposta de uma parte, V. Ex.ª tem, na realidade, um conceito específico, especial, unilateral de negociação. Quero dizer-lhe também que não tem qualquer complexo eleitoralista a aprovação da Convenção n.º 151 da OIT. Além disso ponho este problema: é ou não a esta Câmara que compete aprovar a convenção? E V. Ex.ª se vê mas intenções tem oportunidade de as contrariar votando contra essa mesma aprovação, votando contra um processo eleitoralista.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Era o votas ...

O Orador: - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não vou discutir um problema de prática ou não prática política. Foi no princípio da tomada de posse do cargo de Secretário de Estado da Reforma Administrativa que numa reunião havida com o representante internacional e com os representantes da UGT, e designadamente do Sintap, que eu afirmei, ainda no mês de Janeiro, a intenção de apresentar para ratificação a Convenção n.º 151 da OIT.
Falando em salários, digo-lhe o seguinte: os Governos em que V. Ex.ª participou jamais deixaram de fazer a aprovação da revisão salarial da função pública por decreto-lei do Governo. Jamais houve um consenso. E quero dizer-lhe mais, Sr. Deputado: posso dar-lhe os números quando quiser, sem roubar a esta Câmara, é que jamais a massa salarial da função pública foi aumentada como foi aumentada em 1980. Em 1975 houve um aumento de 19 %, com efeitos a partir de Maio, e a inflação nesse ano foi de 20%; em 1976, não houve qualquer revisão da massa salarial da função pública e a inflação atingiu os 25 %; em 1977, a inflação atingiu 25 % e o aumento foi de 15,3% da massa salarial; em 1979, o aumento da massa salarial foi de 14,7 % e a inflação situou-se nos 24,7 %; e neste momento, e por informação do Instituto Nacional de Estatística, a previsão da inflação situa-se ao nível de 16 % ou 17 %.

Protestos do PS.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Mas sempre anota...

O Orador: - Eu consigo, Sr. Deputado, discutirei o jogo do Algarve ou o jogo de Tróia, mas estes problemas discuti-los-ei com o Sr. Deputado Marcelo Curto.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Até como já disse nesta Câmara, eu não sou paternalista em relação aos trabalhadores e não tomo medidas defensivas de jogo clandestino para esses mesmos trabalhadores. Isso é um problema de V. Ex.ª Eu respeito demasiado os trabalhadores para pensar em termos de clandestinidade.
Mas, continuando a responder ao Sr. Deputado Marcelo Curto, dir-lhe-ei que o aumento da massa salarial este ano se situa nos 17 %, e V. Ex.ª terá todas as informações que quiser sobre este ponto de vista.

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O Sr. António Esteves (PS) - É falso!

O Orador. - V. Ex.ª, Sr. Deputado Marcelo Curto, não pode analisar uma revisão de uma massa salarial única e exclusivamente em termos de massa salarial; V. Ex.ª tem de pensar também em termos de salário familiar, e de facto, foi este Governo que sem complexos eleitoralistas - porque era-lhe relativamente fácil se tivesse esse complexo eleitoralista, que parece dominar o Sr. Deputado Marcelo Curto, fazer um aumento de 20 % ou 25 % e alguém pagaria no futuro - preferiu governar e não fazer demagogia como tem sido hábito na maioria dos Governos. Assim, V. Ex.ª não pode esquecer-se da revisão do abono de família, do subsídio de amamentação, do subsídio de nascimento e do subsídio de funeral feita por este Governo.

Risos do PS.

E só para que V. Ex.ª fique mais elucidado, quero dizer-lhe que só a revisão em termos de abono de família ultrapassará encargos superiores a 1 milhão de contos, mas se tiver algumas dúvidas tem a minha Secretaria de Estado, tem a Direcção-Geral da Função Pública, tem o meu Gabinete que lhe fornecerão estes dados para que V. Ex.ª não fique em dúvida.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - No que se transformou um bom Deputado!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, pedia a Palavra para prestar um pequeno esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado.
Gostava de muito brevemente dizer ao Sr. Secretário de Estado e à Câmara que as funções que desempenhei no Governo, na altura em que as desempenhei, não permitiam, por falta de condições - e o Sr. Secretário de Estado também deve saber isso - que houvesse negociações tal como hoje existem. Eu não enunciei e não acusei de nenhuma intenção o Governo. Limitei-me a analisar a prática de um Governo que propõe a esta Câmara a ratificação de uma convenção que prevê negociações das condições de trabalho dos trabalhadores da função pública e que ao mesmo tempo contraria essa prática, promulgando ou fazendo aprovar uma autorização legislativa para regular as condições de trabalho por decreto.
Foi, esta contradição que o Sr. Secretário de Estado não explicou e não colhem os argumentos de vir recordar quando o PS ou eu estávamos no Governo, quando essas condições não existiam. No entanto, lembrar-lhe-ei que relativamente ao primeiro texto da convenção que em 1977 foi apresentado à convenção anual da OIT, o sentido do voto governamental que eu não referi, pensando que o Sr. Secretário de Estado e a maioria não iriam aqui levantar esse problema, foi favorável. Só em 1978 é que ele, com efeito, não foi favorável, e penso que, melhor do que ninguém, o Sr. Deputado Rui Pena, que era nessa altura o Ministro da Reforma Administrativa, poderá esclarecer porque, é que em 1978 o voto governamental foi de abstenção quanto a esta convenção, tendo em 1977 sido favorável. Isso é que era bom que a maioria explicasse a esta Câmara.
Não interessa eu estar a dizer, porque não é a minha posição que está aqui em causa, se tenho ou não sido favorável às negociações. É mesmo irrelevante, porque, como o Sr. Secretário de Estado disse, não houve negociações sobre as condições, de trabalho da função pública no passado. Mas não se justificam as contradições e os erros actuais com deficiências que, tenham acontecido, no passado. Eu próprio posso reconhecer que os Governos anteriores deveriam ter acelerado a ratificação desta convenção, bem como as negociações salariais e as condições de trabalho na função pública. Mas não explica a sua contradição, Sr. Secretário de Estado, dizendo que não houve negociações no passado, propondo a ratificação de uma convenção que prevê negociações e impondo, paternalisticamente, as condições de trabalho aos trabalhadores da função pública através de um decreto-lei ou de uma autorização legislativa para um decreto-lei.

Aplausos do PS.

O Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa: - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me permite, peço a palavra só para dar um Ligeiro esclarecimento ao Sr. Deputado Marcelo Curto, tendo em conta que ele referiu aqui um voto de abstenção governamental.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa: - Eu gostaria de lembrar ao Sr. Deputado Marcelo Curto que, na realidade, esse voto existiu, mas acho que em termos democráticos será razoavelmente lamentável imputar esse voto a um Ministro, até porque o Governo era constituído na altura maioritariamente pelo Partido Socialista.
Faço até a justiça de considerar que esse Governo funcionava democraticamente e que, portanto, a decisão desse voto é da responsabilidade da maioria e não da minoria. Quero acrescentar que é assim que funciona o Governo da AD, democraticamente, e quem, com efeito, impõe a sua vontade é a maioria dentro do Conselho de Ministros. Faço, pois, a justiça de pensar que foi um Governo de maioria PS que se absteve e julgo que não há um problema de personalização na situação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, dado que o Sr. Secretário de Estado voltou ao problema da abstenção governamental, em 1978, na OIT, quero dizer-lhe, que essa decisão foi tomada pelo Sr. Ministro da Reforma Administrativa, actual Deputado Rui Pena, e não pelo Governo e se não é assim o Sr. Deputado Rui Pena que o explique porque nós estamos dispostos a debater a questão com ele. É que é a ele que cabe esclarecer este problema. Não se pode pois invocar a maioria do PS no Governo que formou com o CDS.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nascimento Rodrigues.

O Sr. Nascimento Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Creio que não serão necessárias muitas palavras para explicar e justificar a proposta do Governo que submete para ratificação a esta Assembleia a Convenção n.º 151 da OIT, à protecção do direito de organização e dos processos de fixação das condições de trabalho na função pública, aprovada em Genebra, na 64.ª sessão daquela organização internacional, em Junho de 1978.
Em termos muito sumários e de uma forma esquemática, poderá dizer-se que a Convenção n.º 151 aborda os seguintes aspectos principais e consagra os seguintes direitos fundamentais:
Em primeiro lugar, nela se estabelece que os trabalhadores da função pública devem beneficiar de uma protecção adequada contra actos de discriminação que acarretam violação da liberdade sindical em matéria de emprego;
Em segundo lugar, consagra-se o princípio da completa independência das organizações de trabalhadores da função pública face às autoridades públicas, e dispõe-se que aquelas organizações devem beneficiar de uma protecção contra quaisquer actos de ingerência das autoridades públicas na sua formação, funcionamento e administração;
Estipula-se, em terceiro lugar, o direito de os representantes da organização de trabalhadores da função pública beneficiarem de facilidades que lhes permitam cumprir, rápida e eficazmente as suas funções, quer durante as horas de trabalho quer fora delas, sem prejuízo, porém, do principio de que a concessão dessas facilidades não deve prejudicar o funcionamento eficaz da Administração ou do serviço interessado;
Em quarto lugar sugere-se a adopção de medidas adaptadas aos condicionalismos nacionais que encorajem e promovam o recurso a processos de negociação das condições de trabalho entre as autoridades públicas interessadas e as organizações de trabalhadores da Função Pública, ou o recurso a qualquer outro processo que permita aos representantes dos trabalhadores participarem na fixação daquelas condições de trabalho;
Em quinto lugar, a Convenção estabelece que a resolução dos conflitos surgidos a propósito da fixação das condições de trabalho será procurada através de negociações entre as partes interessadas, ou por um processo que dê garantias de independência e imparcialidade, instituído de modo que inspir confiança às partes;
Finalmente, a Convenção consagra o princípio de que os trabalhadores da função pública devem beneficiar, tal como os outros trabalhadores dos direitos civis e políticos que são essenciais ao exercício normal da liberdade sindical, com a única reserva das obrigações referentes ao seu estatuto e à natureza das funções que exercem.
Este breve enunciado do conteúdo essencial da Convenção permite concluir pela enorme importância de que ele se reveste. Em numerosos países os trabalhadores da função pública, por razões talvez sobretudo conexionadas com as concepções político-constitucionais de soberania do Estado, têm visto restringidos, circunscritos ou mesmo não reconhecidos de todo em todo direitos tão fundamentais como o são o direito de associação sindical, o direito à greve, e o direito de intervenção ou participação na fixação das suas condições de trabalho. É certo que nos últimos anos, devido fundamentalmente ao desenvolvimento da Administração, à atribuição a esta de tarefas que tradicionalmente não se lhe cometiam e sobretudo à circunstância de os trabalhadores da função pública se encontrarem sindicalmente mais bem organizados, se pôde assistir a alguns progressos, por vezes notáveis, na conquista de direitos sindicais no sector da função pública. Não obstante esta tendência, que aqui deixamos registada como factor positivo no estabelecimento de um são sistema de relações profissionais na função pública, a verdade é que em vários países, mesmo em alguns países industrialmente desenvolvidos e dotadas de um regime incontroversamente democrático, os trabalhadores da função pública deparam ainda com limitações ou com condicionalismos estreitos no campo do exercício dos direitos colectivos.
Serve isto, ao fim ao cabo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para pôr em destaque alguns aspectos positivos e certos aspectos negativos da situação portuguesa neste domínio.
Entre nós, como é sabido, os trabalhadores da função pública não puderam sindicalizar-se durante o longo período do Estado corporativo. Era-lhes vedado o exercício do direito à greve e o Estado reserva-se o direito de decidir unilateralmente das suas condições de trabalho.
Com o 25 de Abril os trabalhadores da função pública reconquistaram a sua liberdade sindical, impuseram uma prática saudável de discussões com os representantes do Governo para efeitos de determinação das suas condições de emprego e de trabalho, e não renunciaram ao exercício do direito à greve, que aliás lhes está constitucionalmente assegurado, não obstante não se encontrar ainda totalmente regulamentado.
Importa recordar, no entanto, porque a memória de certas pessoas é curta, por vezes, que se ficou a dever à Lei Sindical, aprovada em Abril de 1975 pelo Conselho da Revolução dessa época, a exclusão dos trabalhadores da função pública do seu campo de aplicação. E, não obstante as generosas boas intenções de Governos posteriores, o certo é que até hoje a regulamentação do direito de Associação Sindical na função pública se tem feito, por forma precária e de modo periclitante, através de circulares ou de orientações internas emanadas da competente Secretaria de Estado, por conseguinte sem a solidez e sem o valor jurídico que lhe deviam ser emprestados por uma lei.
Ao submetermos a esta Assembleia a presente proposta de ratificação da Convenção n.º 151, o Governo da AD manifesta concludentemente uma vontade política de se submeter, na ordem jurídica interna, ao cumprimento das obrigações decorrente daquela Convenção internacional e, consequentemente, dispõe-se a preparar os projectos de diplomas legais, que posteriormente esta Câmara terá de apreciar e de aprovar, se assim o entender, por forma que se empreste um perfil concreto às garantias instituídas pelo acto de ratificação da Convenção n.º 151.
Trata-se de uma vontade política que não seria justo deixar passar em claro, tanto mais quanto é

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certo, como há pouco referi, que nenhum Governo
anterior traduziu alguma vez em iniciativas legislativas concretas os piedosos votos, repetidamente formulados mas nunca consumados, de fazer beneficiar as organizações sindicais da função pública de uma regulamentação Ideal apropriada ao exercício dos direitos colectivos. E tanto mais isto é verdade quanto é igualmente certo que o representante do Governo Português à 64.ª sessão da Conferência da OIT, em que foi aprovada a Convenção n.º 151, se absteve no acto final da votação dessa Convenção com o argumento - melhor se diria, o pretexto falacioso - de que, sendo essa uma matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, não pretendia o Governo Português da altura influenciar esta Assembleia com a adopção de qualquer voto positivo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Mais importante do que tudo isso, porém, para nós, PSD, é que os trabalhadores da função pública, todos, sem qualquer distinção, merecem ser saudados pela obtenção de uma das suas mais legítimas reivindicações, que todos os sindicatos da função pública têm sucessivamente, embora baldadamente, apresentado aos sucessivos Governos com que se têm deparado.
Se nos é de algum modo legítima uma pequena parcela de satisfação por constatarmos que se deve a este Governo, com apenas cinco meses de governação, dar uma resposta francamente positiva àquela reivindicação sindical dos trabalhadores da função pública, maior satisfação sentimos pelo facto, em si, da certeza da ratificação da Convenção n.º 151, verdadeira Carta Magna das liberdades e dos direitos de exercício colectivo dos trabalhadores da função pública. Essa satisfação é acompanhada pela consciência de que aos trabalhadores da função pública, no seu conjunto, se fica devendo o resultado desta ratificação, visto que reconhecemos a legitimidade da luta que nesse sentido há longo tempo vêm desenvolvendo e dos processos democráticos com que souberam rodeá-la. E tudo isto é tanto mais importante quanto é certo que Portugal poderá ser dos primeiros países do Mundo a ratificar esta Convenção Internacional.
Com efeito, de acordo com informações que obtive e que se reportam a Janeiro deste ano, apenas a Suécia teria promovido junto do director-geral da OIT a comunicação formal da ratificação da Convenção n.º 151. Importa ter presente que, de acordo com o n.º 2 do artigo 11.º da Convenção, esta só entra em vigor doze meses depois de registadas pelo director-geral daquela Organização as ratificações de dois Estado membros.
Por aqui se aperceberá facilmente da extraordinária importância de que se pode revestir, quer no plano internacional quer no plano interno, a ratificação, por parte de Portugal, da Convenção n.º 151.
Por tudo isto, o PSD, ao votar favoravelmente esta proposta de ratificação, dirige uma saudação sincera, embora singela, a todos os trabalhadores da função pública no seu conjunto e convida todas as forças políticas, representadas nesta Câmara a associarem-se-lhe, numa manifestação de consenso em relação a valores democráticos tão elevados como são os inerentes à liberdade sindical. Desejaríamos que este acto de ratificação revelasse o sentido desse consenso e, com ele, exprimisse o voto claro, endereçado aos trabalhadores da função pública, de que saibam sempre, em todas as circunstâncias, utilizar as garantias e exercer os direitos da Convenção n.º 151, em total liberdade e também com inteira responsabilidade.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados; Pedi a palavra para justificar a nossa posição de voto em relação à proposta de lei ora em apreciação.
Em primeiro lugar, gostaríamos de chamar a atenção para o facto de a Convenção n.º 151 da OIT não ter sido submetida a um período de discussão pública, como nos parecia necessário ao abrigo da Lei n.º 16/79. Parece-nos que, para além do cumprimento de uma disposição legal, a natureza desta matéria, correspondendo a reivindicações legítimas dos trabalhadores da função pública, justificava que este período de audição pública tivesse de facto ocorrido antes deste debate na Assembleia da República.
Apesar disso, iremos votar a favor da sua ratificação, uma vez que reconhecemos que ela é apoiada por todos os trabalhadores da função pública, por intermédio do movimento sindical - aliás esta exigência dos trabalhadores da função pública consta mesmo da proposta reivindicativa comum que foi apresentada no início deste ano. Por tal motivo iremos dar-lhe o nosso voto favorável. E ao darmos o nosso voto favorável fazemo-lo também no sentido de que reconhecemos que a apresentação desta proposta de lei pelo Governo é de facto uma vitória dos trabalhadores da função pública, é o desejo dos trabalhadores da função pública de que tal matéria viesse a ser subscrita pelo Estado Português, que teve expressão aqui nesta Assembleia da República. Naturalmente só esta concepção de que de algum modo o Governo apresentou a contragosto à apreciação da Assembleia da República a Convenção n.º 151 da OTT tem a ver com o facto de ser completamente omisso e ter ignorado a recomendação também aprovada em Junho de 1978 e não ter portanto assumido, como lhe competiria, a decisão de efectuar a tradução desta recomendação simultaneamente com a da Convenção.
Certamente que podemos admitir que esta nossa interpretação é errada, que não é a contragosto que o Governo traz aqui à aprovação a Convenção n.º 151, que o faz no sentido que afirmamos de uma vitória dos trabalhadores da função pública, e que foi por um simples lapso do Governo a não tradução da recomendação. Mas se é assim o Governo tem, a oportunidade, se quiser, de em tempo oportuno, em tempo imediato, digamos, corrigir esse seu lapso.
E por estas razões e especialmente porque reconhecemos que isto é uma justa aspiração dos trabalhadores da função pública que o MDP/CDE irá votar favoravelmente a proposta de lei que apresenta a ratificação da Convenção n.º 151 da OTT.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Adalberto Ribeiro, informo a Câmara

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de que chegou à Mesa o requerimento do PS sobre a publicação em separata dos dois projectos de lei n.º 495/I e n.º 491/I.
Como certamente não há objecções, considera-se aprovado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adalberto Ribeiro.

O Sr. Adalberto Ribeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de começar a minha intervenção, quero lembrar que esta é efectivamente uma das reivindicações que consta da proposta reivindicativa dos sindicatos da função pública, e consta já desde 1978, desde a aprovação desta Convenção, e foi a única que este Governo satisfez.
Efectivamente, eu não sei, e terei de perguntar ao Sr. Deputado Nascimento Rodrigues, se acha que um Governo que tem cinco meses para satisfazer uma reivindicação deste tipo, que leva cinco meses ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Outros não fizeram grande coisa!

Vozes do PSD: - E os outros Governos tiveram
dois anos ...

O Orador: - Trata-se de traduzir e mandar para esta Assembleia, e mesmo assim, não o consegue e fá-lo de tal modo que não é possível a esta Assembleia cumprir os prazos de consulta pública. Parece-me realmente que isto não está a desfavor da boa vontade do Governo, mas dá uma imagem muito nítida da sua eficiência.
Posto isto, é evidente que nós não vamos aqui tecer loas à Convenção, cuja ratificação vamos votar favoravelmente. 15to porque ela é, antes do mais, o resultado da luta árdua e persistente desenvolvida elos trabalhadores da função pública a nível mundial e consagra uma prática, cada vez mais generalizada, e uma tendência para acabar definitivamente com as teorias do poder soberano e inalienável do Estado, em matéria de fixação das condições do emprego na função pública; uma tendência comum para o reconhecimento do direito à negociação colectiva aos trabalhadores da função pública, por parte da generalidade dos países da OIT; e uma tendência para a igualização progressiva do sector da função pública e do sector privado quanto aos sistemas de participação de trabalho nas suas condições de emprego.
Em segundo lugar, porque nós não podemos deixar de lembrar aqui o papel extraordinariamente relevante que os trabalhadores da função pública portugueses, e as suas organizações representativas fizeram nesta luta. E tiveram-no duplamente: tiveram-no aqui, em Portugal, batendo-se incansavelmente e na prática, desde o derrube do fascismo, pelos seus direitos de associação, livre actividade sindical, direito à greve e direito à negociação colectiva, na defesa legítima dos quais tiveram que recorrer à forma penosa de luta extrema que é a greve, por mais de uma vez; e fizeram-no na OIT, dando um contributo dos mais válidos na discussão e fixação do texto da própria Recomendação e Convenção. De tal modo que foi um trabalhador da função pública português, ou, mais precisamente, uma trabalhadora, o vice-presidente eleito do grupo de trabalho na Comissão à Função Pública. 15to em contraponto flagrante com as posições desprestigiantes tomadas pela delegação governamental obrigada a seguir, nesta matéria, as directivas retrógradas do então Ministro da Reforma Administrativa, Dr. Rui Pena.
Eu aqui metia-me um pouco nesta discussão entre as bancadas da AD e, do PS e diria que a directiva geral, a posição genérica naquela Conferência poderia competir ao Conselho de Ministros, mas não as directivas mais específicas, e essas, como por exemplo as propostas de alteração que a delegação portuguesa governamental fez na Conferência, eram de tal maneira retrógradas que não foram apoiadas por um único dos países, mesmo da Europa que está connosco, e com que os senhores sempre enchem a boca a todo o momento. Isso não competia certamente ao Governo, competia sim ao departamento do Governo encarregado desta matéria e que era o Ministério da Reforma Administrativa.
Aliás na OIT - já foi aqui dito - foi aprovada simultaneamente uma Recomendação, que é um diploma extraordinariamente importante, na medida em que concretiza ou indica as vias de concretização da matéria que está contida na Convenção. E o problema é que a Convenção, não obstante tratar-se de um passo inegavelmente importante, porque acaba com uma discriminação do sector ou caminha para isso, tem, como todos os instrumentos deste tipo, limitações que lhe advêm nomeadamente do seu carácter genérico e abstracto, que, só ele aliás, torna possível um tão largo consenso; ou seja, e aqui é que reside o problema, a Convenção prevê processos de determinação das condições de trabalho na função pública que vão da efectiva negociação a meras formas de consulta ou audição, que deixam ao Governo a decisão final, unilateral e inapelável. E não me venha o Sr. Deputado Nascimento Rodrigues, que eu sei que efectivamente se tem interessado especialmente por estas matérias, tentar dizer, como fez na última sessão, que a participação ou o conceito de participação inclui, engloba a negociação. Efectivamente, engloba, mas o Sr. Deputado sabe que quando se fala em participação e fala-se exactamente em participação e não em negociação nesta matéria, a conotação que se pretende dar é de oposição e não a conotação englobante. Concordará comigo?!
0 próprio Sr. Deputado Rui Amaral fez aqui, neste hemiciclo, no princípio da sessão legislativa, uma intervenção exactamente neste sentido, e disse que, por exemplo, o simples facto de o actual Governo usar a expressão "negociação" era uma prova do seu não complexo em relação a este problema magno dos trabalhadores da função pública. Depois na prática isto veio a revelar-se de outra maneira, mas já lá chegaremos.
Portanto o que é preciso é ver que a Convenção tem estas vantagens, estas limitações e que, como qualquer norma de direito internacional, tem de ser forçosamente adequada, ou tem de se ver a sua adequação, com as normas do nosso direito, do direito nacional. 0 que é que diz a nossa Constituição sobre isto? A nossa Constituição, no seu artigo 58.º, n.º 3, reconhece o exercício da contratação colectiva a todas as associações sindicais, sem excepção, e o

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que é verdade é que não contêm qualquer disposição que limite o exercício desse direito pelos trabalhadores da Administração Pública. Mais: parece-nos óbvio que, sendo reconhecido aos trabalhadores da função pública o direito de associação e o direito à greve, seria retirar conteúdo social aos sindicatos não lhes reconhecer o direito à negociação colectiva. E, seria mais, seria obrigá-los a impor constante e unicamente as suas reivindicações pelo recurso à greve. Mas o que é que diz esta própria Assembleia? Esta própria Assembleia, através da sua Comissão de Trabalho, já emitiu parecer por mais de uma vez sobre este problema, e nesses pareceres foi inequívoca também na admissão de que esse direito deveria ser reconhecido aos trabalhadores da Administração Pública - e aqui inclui a função pública e a Previdência, pois um deles referia-se à Previdência, eu lembro-me - e que era urgente reclamá-lo.
E o actual Governo o que é que fez? 15to que é importante, quanto a nós, desmistificar aqui. Na teoria o Governo propõe, nestas condições, já vimos que tardiamente, a ratificação por esta Câmara da Convenção sobre a negociação, mas na prática, por uni lado, não toma as medidas legislativas adequadas a que se possa dar concretização ao conteúdo da Convenção e, nomeadamente, da Recomendação. E eu aqui recordo que essas medidas, Srs. Deputados, essas medidas foram anunciadas, eu tenho aqui o Diário do Assembleia da República, em Março de 1978, pelo Sr. Ministro da Reforma Administrativa, Dr. Rui Pena, nestes termos: "Para a semana, o Governo apresentará a esta Câmara um projecto sobre direitos sindicais, direitos colectivos dos trabalhadores da função pública." Portanto, isto em Março de 1978. Portanto é ridículo que seja a AD ou um partido da AD a vir aqui arvorar-se no grande defensor dos trabalhadores da função pública, no garante dos seus direitos sindicais. 15to é o que não faz, na prática ao nível da legislação.

Vozes do PSD: - Juízo!!!

O Orador: - Mas há mais: este Governo, na prática, desobedece-lhe e neste momento infringe esta Convenção. Ao aprovar unilateralmente o novo aumento salarial - o menor desde o 25 de Abril e o único que deliberadamente não respeita a anualidade consagrada no Decreto-Lei n.º 204-A/79 -, recusando-se a negociar as outras reivindicações sobre as quais se limita a pedir meros pareceres por escrito, o Governo está a infringir, neste preciso momento, o artigo 8.º da Convenção. Nada fez até agora, nem nada faz para levar à prática o artigo 7.º; infringe o ponto 1 da Recomendação, contrariando frontalmente o seu 2.º parágrafo, nada faz para concretizar o ponto 2, no seu 1.º e 2.º parágrafos e infringe gravemente o ponto 3, recusando-se, nomeadamente, a satisfazer a pretenção dos sindicatos de estabelecer um período concreto de vigência para os novos salários.
15to é o que se passa, é a realidade. Nós pensamos que o Governo, depois de ratificada esta Convenção por esta Câmara, deverá, efectivamente, caminhar e caminhar rapidamente, para a elaboração da legislação sobre os direitos de exercício colectivo dos trabalhadores da Função Pública nomeadamente aquilo a que chama a lei da participação e que nós esperamos que vá até à negociação como acontece na generalidade ou numa grande parte dos países da Europa, onde efectivamente os trabalhadores da função pública já negoceiam, não só participam mas são ouvidas, as suas condições de trabalho. Parece-me que o que acontece aqui, é exactamente o que acontece em muitos outros domínios da política deste Governo: é que a política externa deste Governo pretende ser europeia, mas é a mais retrógrada de entre as europeias.

Aplausos do PCP.

E aqui também pretende ser europeia, mas é a interpretação mais retrógrada desta Convenção.

Aplausos do PCP.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Se o senhor é soviético, como é que pode avaliar europeus?!

O Orador: - Nós desejamos, pois, que este Governo rapidamente trabalhe, forneça aos sindicatos e a esta Câmara a regulamentação dos direitos de exercício colectivo e temos a certeza de que, quer o faça quer não faça, os trabalhadores da função pública conquistarão certamente neste país o seu direito à negociação, à negociação efectiva das suas condições de trabalho. Mas o que realmente eles não deixam que lhes façam é enganarem-nos, não deixam!!! Isso não pode continuar. Esta política de engano sistemático, tal como aconteceu com os salários, em que se disse que, era a esta Câmara que competia aprovar, e aqui se disse que não era aqui, que era a negociar com o Governo, não pode continuar. Ainda ontem o Governo fez isso numa nota oficiosa que veio cá para fora e que, realmente, só contém mentiras. Em primeiro lugar, essa nota diz que até hoje em Portugal nunca houve, nenhum aumento de vencimentos do funcionalismo, obtido por acordo com os sindicatos, negociado, portanto. Sobre isto pergunto ao Sr. Deputado Rui Amaral, que ainda há dias afirmou nesta Câmara o contrário, se é ou não verdade. Não. É mentira.

Mais: diz que, não se tendo chegado a acordo, o Governo decidiu por si, como lhe cabe e é prática de todos os países democráticos. Sobre isto tenho a dizer que não é prática de todos os países democráticos, ou então os países democráticos que o Governo conhece são muito poucos. 0 próprio Sr. Deputado Amândio de Azevedo, e, nós temos esperança nisso, disse aqui na última sessão, terminou a sua intervenção, e eu lembro-me dizendo: "Realmente, deveria seguir-se um processo de mediação ou um processo de arbitragem, que só não se segue porque não está ainda regulamentado. Nós temos esperança de que realmente o Governo da AD regulamente isso."
Mas são as próprias bancadas que apoiam este Governo a reconhecer que este processo é incorrecto se terminado desta maneira. Outra mentira contida nessa nota, e só para acabar, é quando se diz que os sindicatos tinham pedido ao Primeiro-Ministro uma entrevista que foi recusada porque já tinham sido aprovados em Conselho de Ministros os salários. 0

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que aconteceu foi que os sindicatos tinham pedido já três entrevistas anteriormente!!!
Portanto, isto é mentira pura, que os trabalhadores da função pública não podem suportar e o que não suportarão. E é nesta base que eles julgarão a acção deste Governo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nascimento Rodrigues.

O Sr. Nascimento Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que se torna necessário proceder a algumas correcções relativamente a afirmações aqui produzidas por alguns Srs. Deputados das oposições.

Em primeiro lugar, abordarei o aspecto da Recomendação n.º 159 que foi focado quer pelo Sr. Deputado Marcelo Curto, quer pelo Sr. Deputado Herberto Goulart, quer pelo Sr. Deputado Adalberto Ribeiro, e abordá-lo-ei apenas para dizer o seguinte: a Recomendação n.º 159 já foi enviada pelo Governo a esta Assembleia há muito tempo, pelo menos, que eu saiba, há duas ou três semanas, de modo que a única conclusão que eu posso tirar das referências feitas no sentido de que o Governo não se deu ao trabalho de enviar a esta Assembleia, com a tradução, a Recomendação n.º 159, é de que os Srs. Deputados da oposição são muito distraídos quando a Mesa dá indicações à Câmara sobre a documentação entrada nesta Assembleia.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao Sr. Deputado Adalberto Ribeiro, na referência que fez ao muito tempo levado por este Governo para apresentar a proposta de ratificação à câmara, devo recordar-lhe que qualquer convenção internacional, para que a sua ratificação seja proposta à Assembleia da República, carece necessariamente de um estudo prévio, de forma que se possa apurar totalmente da compatibilização do conteúdo da convenção com as normas constitucionais.
0 Governo seria sim irresponsável se tivesse apresentado a esta Assembleia uma proposta de ratificação sem previamente ter feito esse estudo. Além disso, o Governo apresentou a proposta de ratificação em Abril, e com certeza que o Sr. Deputado concluirá com facilidade, se não quiser ser demagogo, que um Governo, que começou a exercer as suas funções ao fim e ao cabo em Janeiro, que determina a elaboração desses estudos de compatibilidade entre a Convenção e as normas constitucionais e legais portuguesas, ao apresentar a proposta de ratificação em Abril é um Governo eficiente. Aliás há um facto, e são os factos que interessam, Sr. Deputado, que se não pode esconder: é este o Governo que até hoje apresenta concretamente a esta Assembleia a proposta de ratificação da Convenção n.º 151.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

Se nas anteriores sessões legislativas o PCP e o PS tiveram a maioria nesta Câmara, por que é que não apresentaram, então, a proposta de ratificação desta Convenção? Estavam à espera certamente que viesse o Governo da AD!!!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM,

Foram também aqui feitas referências ao voto de abstenção do representante do Governo Português, do II Governo Constitucional, no acto final da votação da Convenção n.º 151, na 64.ª Sessão da OIT. É evidente, julgo, para qualquer pessoa minimamente informada que Portugal está representado na OIT através do seu Governo. Não é um Ministro nem é um Ministério em concreto que representa Portugal na OIT. É o próprio país que lá está representado que assume a sua responsabilidade internacionalmente por meio de um acto de Governo.
Portanto o voto de abstenção na 64.ª sessão da Conferência Internacional do Trabalho foi um voto de abstenção do II Governo, que era um Governo de peso predominante socialista.

Finalmente, Sr. Deputado Adalberto Ribeiro, congratulo-me pela circunstância de ter reconhecido que na última sessão, ao falar no conceito de participação, não enganei ninguém, tendo-me referido correctamente ao sentido da participação. Também estou de acordo com o Sr. Deputado quando diz que efectivamente o conceito de participação é um conceito amplo, que abrange diversas formas, que vão desde a mera consulta até a negociação. Mas aí louvo-me da própria intervenção do Sr. Deputado, que teve aqui a oportunidade de trazer à memória desta Câmara a posição oficial tomada pelos trabalhadores sociais, democratas, salvo erro desde 1975, no sentido de que estes sempre defenderam o direito à negociação na função pública. Posso apenas acrescentar, Sr. Deputado, que não exigiremos direitos de autoria ao PCP pela circunstância de também hoje, a reboque dessa posição dos trabalhadores sociais-democratas, vir a defender o direito de negociação na função pública.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Reforma Administrativa: Sr. Deputado Adalberto Ribeiro: Naturalmente que eu não vou utilizar os termos que utilizou de "mentira", porque em debates deste tipo e em instituições com esta dignidade isso não faz parte do meu vocabulário. Substituo normalmente a "mentira" por dizer, com mais correcção e, digamos, com mais elegância, "é bem verdade" V. Ex.ª já me habituou a um savoir-faire indiferente, mas devo dizer-lhe que não vou embarcar nesse savoir-faire e que responderei às suas questões sem apelidar algo de "mentira", ainda que pudesse contrariar muitas das afirmações que V. Ex.ª proferiu.
Quero dizer-lhe que me congratulo extraordinariamente com o facto de V. Ex.ª considerar que é tardiamente que este Governo apresenta para ratificação, esta Convenção, até porque já foi referido neste Parlamento que no dia 1 de Janeiro de 1980 havia um único país que tinha aprovado esta Convenção, o que quer dizer que Portugal, mesmo tardiamente, é o segundo, e, que me conste, nenhum país em que normalmente se enquadrarão as suas relações ainda

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fez essa aprovação. Mas o que é certo, é que, de facto, esta Assembleia recebeu no dia 28 de Abril de 1980 o pedido de ratificação desta Convenção.

Também lhe quero dizer que sobre o conteúdo da Convenção eu poderia facilmente dizer que é da competência exclusiva da Assembleia da República legislar sobre esta matéria, mas não conheço nenhum projecto de lei que, tenha sido apresentado a esta Assembleia e que respeitasse a esta matéria, o que naturalmente, sendo a bancada do PCP a grande defensora dos trabalhadores ...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... e tendo uma grande capacidade de defesa dos trabalhadores ...

Aplausos do PCP.

... , naturalmente, seria lógico que a defesa não a fizesse só na rua e nestes momentos que o Governo lhe dá e que a concretizasse em projectos de lei!!! Isso seria, de facto, importante, porque é a esta Assembleia que compete aprovar esta legislação. Este Governo, não pedirá, como já foi afirmado, nenhuma autorização legislativa para legislar sobre este assunto. Serão efectivamente distribuídos aos representantes dos trabalhadores anteprojectos de propostas de lei.

Nós não temos maioria que nos permita arvorar em defensores de ninguém. Nós não temos esse direito, mas somos os verdadeiros defensores de uma maioria que nos pôs no Governo e nesta Câmara!!! 15to é, o voto democrático ...

Vozes do PCP: - Isso é falso!!!

O Orador: - Os Srs. Deputados obrigam-me a dizer que, efectivamente o processo de cálculo de Deputados, é da responsabilidade do PCP. O Sr. Deputado Adalberto Ribeiro está neste momento a utilizar um argumento que naturalmente, só porque está de novo aqui, não sabe, que já foi contrariado noutros momentos. Mas a realidade para os democratas é que existe uma maioria nesta Câmara que não tem de se arvorar em defesa dos direitos de ninguém, tem é que governar este país, que, é o que está fazendo, e mais nada. Quando o Sr. Deputado Adalberto Ribeiro referiu o Decreto-Lei n.º 204-A/79, esqueceu-se de dizer que, realmente, o princípio da anualidade é um princípio de intenção que consta no n.º 3 do preâmbulo, mas é do preâmbulo, Sr. Deputado, e como V. Ex.ª sabe um preâmbulo não tem propriamente a força do articulado. Portanto, quando V. Ex.ª invoca que o Governo infringe alguma coisa, V. Ex.ª é que está a infringir o entendimento de um diploma legal.
Sobre o problema dos aumentos, Sr. Deputado, quero dizer-lhe que não é verdade que este é a menor aumento. Devo dizer-lhe, aliás, que é o maior aumento da massa salarial para os trabalhadores da função pública desde 1975. 0 aumento da massa salarial, desde 1975, teve como valor máximo 19 % a partir de Maio, em 1975, neste ano, tem um valor de aumento de massa salarial anual de 17 %. É esta a verdade, Sr. Deputado. E se tem dúvidas volto a propor-lhe que vá à Direcção-Geral da Função Pública ou ao meu Gabinete, pois terei imenso prazer em lhe apresentar estes números, para que V. Ex.ª não possa dizer que isto é mentira ou que isto não é verdade.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não é, não senhor!!!

O Orador: - É, Sr. Deputado Vital Moreira ... Eu mostro-lhe as contas.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, façam favor de prestar atenção ...

O Sr. Vítor Louro (PCP): - O Sr. Secretário de Estado é que faz malabarismos, Sr. Presidente.

O Orador: - Eu fico enternecido cora o interesse do Sr. Deputado Vítor Louro, que normalmente eu ouvia só gritar em termos de Reforma Agrária e que agora já vejo noutras zonas, Quero dizer-lhe- que me enternece extraordinariamente essa sua colaboração e que me agrada bastante.
Continuando, devo dizer ao Sr. Deputado Adalberto Ribeiro que efectivamente o conceito de massa salarial diz respeito à verba recebida pelos trabalhadores durante um ano. É este o único conceito. Não nos vamos alongar nisso, até porque compete efectivamente aos funcionários da administração pública pronunciarem-se, e, eles até vão ter oportunidade de se pronunciarem nas próximas eleições. É um balanço eleitoral de peso, e nessa altura, em que os senhores talvez sejam maioria, é que eu quero ver a capacidade negociadora de qualquer trabalhador neste país, porque naturalmente eu não me atrevo a perguntar se em qualquer país integrado na Europa dita democrática, como os senhores dizem, tem, efectivamente, poderes de negociação. Eu gostaria de lhes fazer esta pergunta, mas não vou aqui entrar em processos de intenção. Os senhores têm a vossa Verdade, nós temos a nossa Verdade, mas temos também uma Certeza: é que, a nossa Verdade é maioritária neste país, razão por que estamos maioritários aqui e somos Governo!!!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra apenas para rectificar afirmações que me foram imputadas pelo Sr. Deputado Adalberto Ribeiro que utilizou, ou referiu com fidelidade, uma pequena parte das minhas declarações tendo feito depois as deturpações do costume.
0 que é certo é que eu disse que era desejável que viesse a evoluir o sistema da contratação, colectiva para a função pública, no sentido de, inclusivamente, se vir a admitir a arbitragem e a conciliação. Disse e mantenho. Mas não disse que este processo foi incorrecto. Pelo contrário, terei de dizer que este Governo tem de, ser louvado por toda a gente, porque foi mais longe do que ninguém na concessão do direito à contratação colectiva aos trabalhadores da função pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e conduziu durante um longo período conversações com esses trabalhadores, tendo

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tido com eles um diálogo que representa o reconhecimento na prática desse mesmo direito à negociação,.
15to foi exactamente aquilo que eu disse. Não venha, portanto, o Sr. Deputado atribuir-me o reconhecimento de que este processo foi incorrecto. É que nós temos a consciência de que as resoluções perfeitas não se conseguem rapidamente, de um momento para o outro. Por vezes têm de passar por uma certa evolução, coisa que, não há maneira de entrar na cabeça do PCP, que gosta de resolver tudo por golpes, de uma vez só, mesmo violando os mais elementares direitos das pessoas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente- - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Muito rapidamente, Sr. Presidente, para dar um esclarecimento à Câmara acerca da intervenção do Sr. Deputado Nascimento Rodrigues. Na verdade, o Sr. Deputado, levado, talvez pela fogosidade do triunfalismo da AD, um triunfalismo falso ...

Protestos do PSD e do PPM.

... - porque, tal como disse e reafirmo, efectivamente esta ratificação está a ser negada na prática, pela não existência das negociações para as condições de trabalho na função pública -, levado, dizia, por essa fogosidade, o Sr. Deputado Nascimento Rodrigues disse, e peço desculpa se estiver a cometer algum lapso, que é este Governo que ratifica a Convenção n.º 151 e perguntou-me porque é que os Governos do PS, ou onde esteve o PS, não ratificaram esta Convenção. O Sr. Deputado, com a sua fogosidade, esqueceu-se, com certeza que foi precisamente na altura em que esta Convenção foi votada na OIT que o PS deixou de ser Governo. Portanto, não podia um Governo do PS propor a esta Câmara a sua ratificação.
Mas isto inscreve-se na tentativa que a AD está a fazer de dizer que deve ser louvada, como disse agora o Sr. Deputado Amândio de Azevedo, que é ela que tem o mérito de apresentar esta Convenção. Eu já disse e, repito, que isto é uma mera manobra eleitoralista e que os trabalhadores da função pública não se deixarão enganar.
Quanto à questão de a AD ser vanguarda de qualquer coisa, ela que perca essas ilusões, porque nunca foi vanguarda de nada. Andou, sempre, isso sim, a reboque de alguém ou de alguns partidos, e também não será neste campo vanguarda de coisa nenhuma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adalberto Ribeiro.

O Sr. Adalberto Ribeiro (PCP): - Sr. Presidente, pergunto à Mesa se o Governo tem tempo limitado, como os partidos, em relação a esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que acontece é que em relação ao Governo nada está determinado. 15to é: em relação aos partidos, há limitação de Tempo, mas em relação ao Governo não há nenhuma resolução.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - 15to de facto é um governamentalismo absoluto e não um parlamentarismo.

O Sr. Adalberto Ribeiro (PCP) - Muito obrigado ,pela informação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nascimento Rodrigues.

O Sr. Nascimento Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para um brevíssimo e cordial protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Marcelo Curto.
Efectivamente, o Sr. Deputado Marcelo Curto entendeu mal aquilo que eu disse. Eu não disse que foi da responsabilidade do PS a não ratificação ou a não apresentação da proposta de ratificação da Convenção n.º 151. Tenho conhecimento, evidentemente, de que a Convenção foi aprovada em Junho de 1973 e que isso não seria possível. 0 que eu disse, foi que nas anteriores sessões desta Assembleia, o PS e o PCP, como agrupamentos parlamentais, constituíam uma maioria e tinham tido a possibilidade de ter sido uma iniciativa legislativa neste sentido.

Vozes do PS: - É falso!

O Orador: - Aliás, se assim não fosse e se porventura o PS tivesse continuado a ser Governo, eu só pergunto qual ser a coerência desse Governo, se depois de se ter abstido na Conferência Internacional do Trabalho viesse, por hipótese, apresentar aqui uma proposta de ratificação da mesma Convenção.
Quanto à manobra eleitoralista, Sr. Deputado Marcelo Curto, isto é como a história do estar preso por ter cão e estar preso por o não ter. Como este, Governo apresentou esta proposta de ratificação, ela é uma manobra eleitoralista, mas se este Governo não a tivesse apresentado, era evidente que isso era um facto de reaccionarismo e de expressão de uma posição contrária aos interesses dos trabalhadores. Em que é que ficamos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: ou desejava só esclarecer também muito brevemente que as propostas de ratificação têm de vir de Governo - o Sr. Deputado Nascimento Rodrigues esqueceu-se disso. Mas além disso, nós, depois de 1978, não fomos Governo e por isso, não podíamos apresentar uma proposta de ratificação.
Quanto ao problema da abstenção em 1978, peço ao Sr. Deputado Nascimento Rodrígues e à AD que não insistam nesse ponto. Afirmei que nós fomos Governo com o CDS em 1978, que somos co-responsáveis por esse voto de abstenção, mas que quem, efectivamente, dirigia o departamento era o agora Sr. Deputado Rui Pena. Não queremos atirar para cima do Sr. Deputado Rui Pena nenhuma responsabilização exclusiva por este acto e, portanto, acho

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que este assunto não deve, ou não tem interesse ser mais levantado nesta Câmara.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral.

O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu pretendo dar dois esclarecimentos ao Sr. Deputado Marcelo Curto, e começo por dizer o seguinte: penso que tem razão, o Sr. Deputado quando entende que este assunto deve ser abreviado, porque, de facto, ao PS não convém que este problema seja aqui levado mais ao fundo.

Vozes do PS: - Que, brincalhão!

O Orador: - Eu gostaria de dizer a este respeito aquilo que são factos e verdades relativamente conhecidos. Para além daquilo que alguns dos meus colegas de bancada já disseram, eu gostaria de acrescentar, porque talvez a memória das pessoas seja fraca, que o então Ministro da Educação e Investigação Científica, Sottomayor Cardia, em declaração pública à Televisão, aliás num debate transmitido à noite para todo o país, em determinado momento - eu não vou agora citar rigorosamente as palavras dele, mas posso citá-las noutra ocasião -, quando lhe foi posto o problema da negociação colectiva na função pública diria que isso seria o caos na administração pública de qualquer país do Mundo.
Quer dizer, a posição do PS sempre foi, a respeito do problema da negociação colectiva na função pública, uma posição de negação deste direito.

Protestos do PS.

Sempre foi, repito, uma posição de negação deste direito!!! Mas se agora essa posição evoluiu para uma posição de aceitação, como o Sr. Deputado Marcelo Curto pretende dizer, congratulo-me muito com esse facto, porque me parece que o PS terá finalmente aderido, digamos, a posição que é uma posição de defesa dos trabalhadores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente ao Sr. Deputado Adalberto Ribeiro, eu gostaria de o esclarecer, porque ele invocou aqui uma intervenção minha em que eu disse que de facto não havia neste momento condições legais em Portugal para se fazer negociação colectiva na função pública - isso está na minha intervenção -, que o conceito de negociação colectiva não é um conceito que meramente se plasme num diálogo entre duas partes potencialmente conflituantes. Para que haja negociação colectiva autêntica é necessário que haja um dispositivo legal que, independentemente do conflito aberto, permita um recurso a formas independentes das partes para a solução do conflito.
É evidente que este Governo, relativamente àquilo que agora foi feito em relação à tabela salarial, negociou, dialogou com os sindicatos nesse sentido, e nesse estrito sentido, porque, por ausência dos dispositivos legais, este processo não podia plasmar-se nunca num processo de negociação colectiva integral.
Do ponto de vista legislativo, em Portugal não existe nenhuma forma de solução do problema, salvo a autoridade do Governo. Esta é uma questão que este Governo herdou e que está em vias de alterar. De resto, é notável que nesta altura partidos como o Partido Comunista pretendam contestar um processo que de facto conduz necessariamente - mais tarde ou mais cedo - a um dispositivo deste tipo.
Queria ainda acrescentar que é muito provável que este conceito de negociação não coincida com o conceito de negociação do Partido Comunista. A contratação colectiva, talvez de uma forma mais completa, é, na perspectiva leninista do Partido Comunista e da Intersindical, um processo iminentemente revolucionário. Não é um processo de atingir acordos, mas sim de gerar conflitos, e é neste sentido, exclusivamente neste sentido, que o Partido Comunista Português, que, aliás, nunca negou - e ainda bem, porque é para nós sabermos exactamente as linhas com que se cose - a sua formação leninista, e naturalmente os sindicatos que controla, utilizam sistematicamente a chamada contratação colectiva em Portugal como processo revolucionário e desestabilizador. Quer dizer buscam na contratação colectiva um mecanismo iminentemente de criação de conflitos artificiais.
A perspectiva social-democrata - e creio que os senhores sabem perfeitamente isso - é exactamente a perspectiva inversa. Nós queremos negociação colectiva não como busca de conflitos mas sim como busca de acordos.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

Protestos do PCP.

O Orador: - A negociação colectiva, a não ser assim, é de facto um fenómeno de perversão completa.
Foi já aqui dito que na União Soviética não há nenhuma forma de negociação colectiva, mas na função pública, de acordo com os vossos próprios argumentos, ou melhor, de acordo com os argumentos que os senhores agora utilizam, até poderia haver, porque, de facto, na função pública a situação não é muito diferente da de aqui não se trata de empresários capitalistas, mas sim de um conflito de interesses entre o Estado e os trabalhadores. Assim, porque é que na União Soviética, nos países ditos socialistas, não há negociação colectiva, não há busca desse acordo?

Protestos do PCP.

Ora bem, a questão é que de facto existe uma diferença fundamental de conceitos. Tal como os senhores chamam democracia àquilo que se pratica na União Soviética e nós chamamos democracia àquilo que se pratica em Portugal, a mesma palavra significa coisas completamente diferentes.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Os senhores chamam contratação colectiva - como muito bem disse o meu colega de bancada - a reboque das posições que sempre assumiram os trabalhadores sociais-democratas e que não foram sempre assumidas pelos trabalhadores comunistas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Mas acordaram muito recentemente para isso, porque, de facto, existe aqui uma diferença conceitual fundamental: é que a negociação é um processo de resolver problemas sociais e não de alimentar conflitos sociais.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vejo-me obrigado a responder brevissimamente à primeira parte da intervenção do Sr. Deputado Rui Amaral, dizendo-lhe que não recusamos o aprofundamento do debate deste problema. Aliás, estamos com limitações de tempo que impedem que venham aqui documentos à coacção e convido o Sr. Deputado Rui Amaral a tomar conhecimento da posição que os trabalhadores socialistas tornaram no Verão de 1976, em que foi defendida, já então, a negociação das condições de trabalho na função pública.

Por outro lado, convido também o Sr. Deputado Rui Amaral a refrescar a memória e a lembrar-se de que o voto do Governo socialista em 1977, no primeiro texto da Convenção que aqui estamos a ratificar e da recomendação referida foi um voto positivo e não de abstenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à votação na generalidade da proposta de lei n.º 317/I, que diz respeito à ratificação da Convenção n.º 151 da OIT, relativa às condições de trabalho da função pública.

Submetida à votação, foi aprovado por unanimidade.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. Presidente: Para a votação na especialidade vai agora proceder-se à leitura do texto a proposta de resolução.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de resolução

Artigo único. É aprovada, para ratificação, a Convenção n.º 151, relativa à protecção do direito de organização e os processos de fixação das condições de trabalho na função pública, adoptada pela Conferência Internacional do Trabalho na sua 64.ª sessão, cujo texto em francês e respectiva tradução para português vão anexos à presente resolução.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Vamos votar na especialidade a presente proposta de resolução.

Submetida à votação foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se houver declarações de voto estas ficam reservadas para a parte da tarde.
Da parte da tarde, a reunião recomeçará às 15 horas e 20 minutos. Está suspensa a reunião.

Eram 13 horas e 20 minutos.

No recomeço da sessão, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Martins Canaverde.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a reunião.

Eram 16 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, de seguida, discutir a proposta de resolução sobre o jardim da Fundação Gulbenkian, apresentada pelo PPM.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral, para a sua apresentação.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este diploma vem na sequência da iniciativa, que foi objecto de apreciação quanto ao processo de urgência, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PPM. Dada a distância no tempo convirá fazer uma ligeira história dos factos que levaram a que ela fosse tomada.
0 Parque de Santa Gertrudes existia já antes de a Fundação Calouste Gulbenkian ter adquirido o imóvel onde ele se situa. No entanto, cobria apenas uma parte desse imóvel e estava paredes meias com, nomeadamente, a antiga Feira Popular, que contribuía para degradar e destruir as virtualidades que o parque apresentava. Com a aquisição, pela Fundação Gulbenkian, procedeu-se a uma reformulação do parque, que foi melhorado e, pode dizer-se, onde foi reconstruído o jardim que tem para a cidade de Lisboa um papel importantíssimo. Essa obra fica a dever-se, como tantas outras, à Fundação Gulbenkian que, de facto, valorizou e ajudou a dotar a cidade de Lisboa com um dos poucos espaços verdes de que ela dispõe. Acresce-se que esse jardim tem um significado não apenas paisagístico como urbanístico para a cidade e é de si uma obra digna de protecção, sob o ponto de vista do património cultural. De facto, foi melhorado reconstruído por especialistas, foi integrado no conjunto arquitectónico construído, faz com ele um todo harmónico e foi objecto, até, de um prémio Valmor.
Não tem sido hábito em Portugal a classificação de elementos naturais - embora com a intervenção do homem - em termos de património cultural. No entanto nada o impede e conheço, pelo menos, um caso em que tal ocorreu - é o exemplo do célebre "Negrinho", de S. Martinho da Anta, tantas vezes referenciado por Miguel Torga e, classificado, salvo erro, como imóvel de interesse público com vista a protegê-lo de quaisquer destruições. Não seria, portanto, inédito que a abordagem dos poderes públicos, no que toca ao património cultural, se fizesse em vista de elementos naturais, nomeadamente de um jardim.
Entretanto, a Fundação Gulbenkian, tomando mais uma das suas valiosas iniciativas no que respeita ao desenvolvimento da cultura em Portugal, resolveu instalar um centro de arte contemporânea no seu parque. É para nós indiscutível o alto interesse que tem esse centro, que é, de certa maneira, a coroação da valiosa actuação do Dr. Azeredo Perdigão ao longo

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de várias décadas, antes e depois da morte de Calouste Gulbenkian, no sentido de dotar Portugal com instituições e instalações de que Portugal não era especialmente dotado. Não discutimos, portanto, essa enorme valia do centro de arte contemporânea, no qual estarão representadas significativas obras de arte portuguesa do século XX. Pelo contrário, cabe-nos enaltecer essa iniciativa.
Pensamos, porém, que, tratando-se de dois valores culturais de grande interesse - a preservação do jardim no seu todo, como elemento importante não só urbanístico como, de obra de arte, e a instalação do centro em local onde seja viável a sua articulação com as outras instalações da Fundação Gulbenkian - é possível a conciliação de ambos. Nesse sentido tomámos a iniciativa de apresentar uma proposta de resolução que aponta na direcção dessa conciliação, da qual a cultura portuguesa, o património cultural português, a cidade de Lisboa e, de uma maneira geral, o desenvolvimento do nosso pais poderá beneficiar.
Eis fundamentalmente as razões por que apresentamos esta proposta de resolução. Entregamos ao Governo na qualidade de órgão executivo por excelência, a resolução do assunto na base da conciliação desses interesses, desejando que seja obtida uma solução da qual não saiam diminuídos nem o País nem a cidade de Lisboa, e que, pelo contrário, venhamos a congratular-nos pelo facto de ter sido possível salvaguardar a valia destes dois altos interesses.
Aplausos do PPM e do PSD.

Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (DR): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Agrupamento dos Deputados Reformadores sente-se muito feliz pelo facto do PPM, numa inteligência esclarecida e táctica, evolucionar no sentido do equilíbrio. Afinal serão as negociações, fiéis àquele princípio in medio virtus consistit virtus, que vão conduzir à defesa do património e ao respeito devido ao prestígio e à acção indiscutível da Fundação Gulbenkian. Por isso nos felicitamos.
Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente - Tem a palavra, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE)- Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 MDP/CDE considera prioritária, num país que atravessou mais de quarenta anos de fascismo e de obscurantismo, a construção de espaços culturais que possibilitem a dinamização de uma cultura participada e criativa. Consideramos que a soma de linguagens de vários museus isolados não é igual à força do discurso de museus que se contrapõem, se completam e mutuamente se dinamizam num mesmo espaço. 0 MDP/CDE entende, consequentemente, a vantagem de um espaço cultural no parque da Gulbenkian e pensa, também, que esse espaço depende muito da conservação do arvoredo, hoje pertencente à Fundação Vilalva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A resolução que o PPM acaba de propor a esta Assembleia representa, obviamente, um nítido recuo em relação à anterior iniciativa de apresentação de um projecto de lei sobre esta matéria. 15to significa que se está perante uma iniciativa que, à partida, foi reconhecida como contendo uma inevitável carga polémica no seio dos próprios partidos da maioria parlamentar desta Câmara.

O Sr. Luís Coimbra, (PPM): - É da oposição!

O Orador: - Acontece, porém, que esta resolução, longe de resolver o problema levantado pela iniciativa de apresentação de um projecto de lei sobre esta matéria, acaba por o manter. De facto, apesar de nos considerandos haver uma nítida intenção de apelar para a conciliação dos dois interesses culturais, - que estão aqui inevitável e inegavelmente em jogo - de preservação de um determinado património paisagístico, e ao mesmo tempo de abertura da possibilidade de Lisboa e o País virem a ser dotados com o tão necessário centro de arte contemporânea, verifica-se que na conclusão desta resolução acaba por se tomar uma efectiva posição em relação ao fundo da questão, na medida em que se afirma: "de modo que seja respeitado como imóvel de interesse público o referido jardim na sua forma e uso actuais." 15to significa que a Assembleia vai, efectivamente, de acordo com esta resolução, tomar uma posição sobre o fundo da matéria e não limitar-se, como aparentemente eu poderia julgar ao ler os considerandos, a remeter a questão para o Governo para que este tente chegar à necessária conciliação dos interesses. É isto que se afigura ao meu grupo parlamentar como absolutamente inaceitável.

Vozes do PS. - Muito bem!

O Orador: - Inaceitável por vários motivos: em primeiro lugar, porque esta Assembleia não dispõe neste momento da informação suficiente para se debruçar sobre uma matéria tão melindrosa. É lamentável que nem sequer a Comissão de Cultura e Ambiente se tivesse pronunciado alguma vez sobre esta questão, e assim acontece, como todos nós sabemos, porque as comissões não têm podido funcionar nas últimas semanas nesta Assembleia dada a sobrecarga de trabalho do Plenário. Lamentável, aliás - já agora -, que a mesma Comissão não se tenha pronunciado sobre a totalidade dos projectos de lei hoje apresentados - com a excepção do diploma apresentado pelo Partido Socialista sobre a revisão do código de direito de autor -, a fim de que a discussão que hoje aqui tivéssemos pudesse ser melhor preparada evitando apreciação precipitada que inevitavelmente iremos ter. Estamos mal informados, não há um trabalho preparatório prévio para que possamos tomar aqui uma decisão em consciência e, além disso - segunda ordem de motivos -, parece-nos perfeitamente descabido que esta Assembleia venha neste momento, através de uma resolução, tomar uma posição, interferir inevitavelmente numa decisão de um órgão autárquico.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Não nos parece aconselhável, pelo contrário, julgamos ser um péssimo precedente -, que esta Assembleia emita uma resolução que acaba por pôr em causa uma decisão já tomada por um órgão autárquico e ainda por cima uma resolução sobre um caso que, ainda que importante é pontual. 15to para nós é grave, abre um péssimo precedente e leva-nos à suspeita inevitável de que acabamos por estar na presença de um caso mais de ordem pessoal do que de ordem cultural, e isso lamentamo-lo.
Por outro lado, julgamos que esta questão tem sido excessivamente empolada, deformada e sobrevalorizada nalguns dos seus aspectos em detrimento de outros. Não vamos entrar aqui, no fundo da questão. Todos sabemos que não é propriamente a destruição do jardim da Gulbenkian que está em causa - há uma percentagem de 15 % da zona verde do parque que é afectada pela construção do centro de arte contemporânea - mas também temos a consciência de que, ao ponto que as coisas chegaram e tendo em conta a história desta decisão do centro de arte contemporânea na Gulbenkian - história antiga -, não há qualquer possibilidade de o País e a cidade virem a ser dotados do tão necessário centro de arte contemporânea sem o sacrifício efectivo dessa pequena zona verde do conjunto do parque da Gulbenkian, por razões de ordem financeira, por razões de ordem administrativa, por razões que têm a ver com a própria história que esta decisão tem no seio do conselho de administração da Fundação Gulbenkian. Um projecto que já deparou com muitos obstáculos correria o risco de ser inevitavelmente posto de lado se porventura viesse a deparar com mais esta contrariedade.
Julgamos, ainda, que uma tomada de posição deste
tipo constitui igualmente uma suspeita, absolutamente inaceitável,
sobre os critérios de ordem cultural de uma Fundação
que já tem provado ter contribuído para um real
desenvolvimento cultural do
nosso país e para uma vida artística rica e criativa.
Permita-nos, Sr. Presidente, que aproveitemos esta
oportunidade para expressarmos aqui a nossa homenagem
à Fundação Gulbenkian e em particular ao
seu presidente Prof. Doutor Azeredo Perdigão pela
meritória e excelente obra cultural e artística, para
além de outras actividades, desenvolvida, para que
fique bem expresso que consideramos que uma atitude deste
tipo, pelas motivações que lhe estão na
base, pelos objectivos que pretende pode
de algum modo ser interpretada como uma injusta
prova de desconfiança nessa meritória acção cultural da Fundação Calouste Gulbenkian e do seu presidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E é por entendermos que não compete a esta
Assembleia estar a pronunciar-se sobre
uma medida deste tipo, por entendermos que não
compete, a esta Assembleia estar a pronunciar-se
sobre um caso pontual que foi objecto de uma decisão
de uma autarquia, por entenderemos que uma
resolução deste tipo constitui um péssimo precedente,
por entendermos que esta solução já significa uma
tomada de posição sobre o fundo da questão que
merecia melhor informação e mais amplo debate,
é portanto por isto que o nosso grupo parlamentar vai abster-se na votação deste diploma apresentado pelo PPM.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, tivémos a notícia da abstenção do PS, o que aliás não nos surpreende, e ficámos a saber uma coisa importante no que respeita aos conceitos culturais do PS: para o Partido Socialista o parque Gulbenkian é uma pequena zona verde!

O Sr. António Reis (PS): - Não foi isso que eu disse!

O Orador: - O Sr. Deputado disse isso.

O Sr. António Reis (PS): - Não percebeu!

O Orador: -O Sr. Deputado disse que este projecto já vem de longe, que já tem muita idade e por isso eu gostaria que me esclarecesse qual é a idade do projecto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis para responder.

O Sr. António Reis (PS): - O Sr. Deputado Borges de Carvalho, de facto, esteve desatento em relação àquilo que eu disse, porque as duas questões que coloca partem de pressuposto ou de um mau entendimento daquilo que eu disse.

Em primeiro lugar, eu não disse que o parque Gulbenkian representa uma pequena zona verde da cidade. 0 que eu disse foi que a parte da zona verde do parque afectada pela construção do centro de arte contemporânea é uma parte pequena do parque porque representa 15 % da zona verde e 4 % da totalidade da zona abrangida pelo complexo Gulbenkian e respectivo jardim.
De facto, há uma grande diferença em dizer que o parque Gulbenkian é uma pequena zona verde e dizer que a parte afectada pela construção do centro da arte contemporânea e uma pequena parte do conjunto da zona verde que representa o parque Gulbenkian. Parece-me que esta é a verdade do que eu disse e a interpretação que o Sr. Deputado acabou de dar.
Em segundo lugar, eu não disse que o projecto do edifício em si era um projecto antigo; o que eu disse foi que o projecto de construção do centro e a história da decisão da construção do centro é já antiga, já se arrasta há vários anos e tem, como sabe, produzido várias dificuldades internas no próprio seio da Gulbenkian até a decisão ser tomada. Como Secretário de Estado da Cultura tive oportunidade de ter sobre esta questão vários debates com o presidente da Fundação, inclusivamente para se estudarem algumas hipóteses alternativas no sentido de o próprio Estado ser chamado a cooperar com a Gulbenkian na gestão e manutenção do centro de arte contemporânea. Felizmente, esses obstáculos acabaram por ser ultrapassados e o presidente da Fundação Gul

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benkian conseguiu ver vingar o seu projecto de criação do centro de arte contemporânea construído pela Gulbenkian e mantido pela Gulbenkian.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós estamos lembrados da posição que foi adoptada pelos partidos da maioria quando se discutiu aqui o problema da Universidade do Direito do Porto. Foi então considerado que se tratava de matéria da competência do Governo e que não caberia à Assembleia da República pronunciar-se sobre esse assunto, daí que se tivesse adoptado uma resolução que não tinha o carácter vinculativo de um projecto de lei.

Estamos a seguir um caminho idêntico, só que agora esta matéria não é da competência do Governo mas sim da competência do Município de Lisboa. Não quer isto dizer que a Assembleia da República se possa considerar indiferente ou insensível ao que se passa em qualquer sítio do território, mas há que definir e respeitar determinadas regras para que se não criem situações de grande incerteza e de grande perplexidade, sobretudo por parte dos municípios que poderiam ser objecto de, várias intervenções uma vez criado este precedente.

Para além disto, convém salientar que os socialistas, que se encontram presentes na vereação de Lisboa, acerca desta matéria tiveram oportunidade de assumir uma posição: reconheceram que o jardim da Gulbenkian representa, pelo seu valor próprio, uma peça de equipamento fundamental para a cidade, dada a, utilização de que é objecto por grande parte da população que vive nas proximidades, como também é uma peça de valor cultural pela forma como foi agenciada e pela composição de arquitectura paisagista que a integra,

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Todavia, não deixamos de reconhecer que para o património da cidade, como para o património do País, a construção do centro de arte contemporânea, ou de arte moderna - como também é chamado -, representa um contributo fundamental que o Estado não está em condições de substituir e que é uma iniciativa da parte de, uma entidade particular que, se encontrar obstáculos fortes para que ela se. realize, poderá prescindir da sua execução com grave, inconveniente para o País como já referi e, sobretudo, para Lisboa.

Assim, na Câmara Municipal de Lisboa nós sugerimos, porque se nos afigura que este caso, pelo adiantamento a que chegou, constitui já um facto consumado, que se tentasse ainda, mediante interferência do Município, oferecer à Fundação Gulbenkian, em condições gratuitas ou a preço simbólico, um terreno, com um mínimo de dignidade e num sitio com relevância urbanística, onde pudesse levar a efeito o centro sem prejuízo do jardim.

Se esta solução ainda puder vir a ser encontrada o que não representa de forma alguma uma coacção sobre a Fundação Gulbenkian mas sim, um apelo à sua natural compreensão face às dificuldades que o lançamento e a construção deste projecto levanta - estaremos todos de parabéns.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, chegou à Mesa uma proposta de eliminação, apresentada pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS, que visa a supressão no texto da proposta de resolução da frase: "De modo que seja respeitado como imóvel de interesse público o referido jardim na sua forma e uso actuais."
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra só para fazer um reparo muito pontual em relação às palavras, que goste de ouvir, do Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado. De facto, parece-me existir uma certa contradição, quando afirma que este assunto é da exclusiva competência da Câmara Municipal de Lisboa, com as palavras proferidas minutos antes pelo Sr. Deputado António Reis, que disse: "Se houver uma classificação de interesse público o assunto passa a ser da responsabilidade da Secretaria de Estado da Cultura, se é que não passa pelo ministério das Obras Públicas." Parece-me que há aqui dois conceitos divergentes na bancada do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado para responder.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Deputado Luís Coimbra, a classificação de um edifício, neste caso de um jardim, como de interesse público coloca-o sob a tutela da Administração Central, mas há que atender ao seguinte: estas iniciativas devem ser tomadas ex ante e nunca a posteriori; de outro modo têm o aspecto que tive ocasião de salientar.

O Sr. Avelino Zenha (PS): - Não há contradição nenhuma!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaríamos de
nos congratular pelo teor dos considerados e pela
parte inicial da proposta de resolução, visto que nos
encontramos inteiramente solidários com o seu conteúdo. 0 parque Gulbenkian e o centro de arte contemporânea têm um interesse cultural inestimável e
por isso há, que encontrar solução, para o problema,
No entanto, queremos desde à salientar o papel da
Fundação Gulbenkian na edificação dessas obras.
Aderimos à proposta de eliminação da parte final da proposta de resolução, porque nos parece ser do nosso âmbito manifestar o interesse que tem, quer o parque Gulbenkian quer no centro de arte contemporânea, para que o Governo, no uso das suas competências, possa providenciar nesse sentido, sem pôr minimamente em causa o Poder Local porque temos uma concepção de um poder local forte que sirva (conforme uma vez aqui, afirmei) de travão à tendência centralizadora do Poder Central, porque não está em causa a competência e a capacidade

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da Câmara Municipal de Lisboa e ,porque a frase que a Assembleia se propõe eliminar nos parecia imprecisa nos seus termos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, vamos começa por votar a proposta de eliminação apresentada pelos Grupos Parlamentares do PSD e do CDS que retira a frase final da proposta de resolução do PPM, eu seja, retira a frase: "de modo que seja respeitado. como imóvel de interesse público o referido jardim na sua forma e uso actuais."

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS e dos Deputados reformadores, o voto contra do PPM e abstenções do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de resolução apresentada pelo PPM.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e abstenções do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Estão abertas as inscrições para declarações de voto.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, importa, como um dever de justiça prestar homenagem, que é devida, ao Grupo Parlamentar do PPM por duas razões fundamentais: primeiro, porque foi o grupo parlamentar que tomou a iniciativa de chamar a atenção para o problema que poderia resultar da construção de um museu no jardim da Fundação Gulbenkian, procurando ao máximo preservar esse jardim como obra de grande interesse paisagístico, social e cultural, e, em segundo lugar, porque o PPM mostrou ser sensível a outros valores - mostrou-se mesmo altamente preocupado -, como seja o da preservação desse jardim.
Na realidade, não se pode deixar de reconhecer o grande interesse que tem para a cidade de Lisboa e para o País a construção de um museu, tal como não se pode deixar de ter em conta que esse museu é construído pela Fundação Gulbenkian. É por essa razão que se nos afigura que a forma de tutelar devidamente estes interesses é a de privilegiar o diálogo e a procura de soluções que possam representar a sua justa reconciliação.
A Assembleia da República acaba de tomar, depois da eliminação da parte final desta proposta de resolução, a posição que se nos afigura, a nós, PSD, como a mais razoável. 0 Governo procurará, com a sua autoridade e em contacto com a Fundação Gulbenkian, encontrar a solução do problema que esteja mais de acordo com a preservação dos interesses nacionais, quer no que respeita ao jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, quer no que respeita à construção do centro de arte contemporânea.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, e antes de justificar o sentido do nosso voto, gostaria de dizer que no entender do PCP é altamente positivo, talvez pela primeira vez nesta cidade e no nosso país, encontrar a população a discutir um problema que lhe diz respeito directamente, visto que se trata de matéria de defesa e enriquecimento do seu património cultural.

Nesse sentido creio que a questão é positiva, pois veio alertar a população no geral, o cidadão comum, para o facto de os aspectos de defesa do enriquecimento do património cultural lhe dizerem respeito ,e de terem qualquer coisa a ver com isso. Sendo assim, esta polémica, mais ou menos acalorada, mais ou menos quente, foi positiva, foi educativa, trouxe qualquer coisa de novo à nossa cidade.
Quanto ao sentido do nosso voto, o PCP desde sempre manifestou a opinião de que, por um lado, o jardim da Fundação Gulbenkian é uma obra de arte de grande valor que importa preservar e que, por outro, não nos parece inconciliável com a construção do centro de arte moderna - que está projectado -, que virá a enriquecer o património cultural da nossa cidade e do nosso país. Daí todo o interesse em que rapidamente ande para a frente, sem que seja entravado com outra ordem de factores.

Votámos a favor da proposta de resolução por nos parecer que ela procura conciliar as duas coisas. Procura apontar para uma medida conciliatória, sem, quanto a nós, e será essa a grande deficiência que a proposta contém, salvaguardar o respeito pelas atribuições e competências do Poder Local e deste caso do Município de Lisboa. Não creio, isso está no nosso espírito, que este Governo seja capaz de fazer o que quer que seja de bem feito ...

Protestos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Estragou tudo!

A Oradora : - É verdade. É a nossa opinião e temos o direito de a ter!

Está no nosso espírito que por detrás desta proposta de resolução a Assembleia da República deseje manifestar que respeita as atribuições e competências que, neste caso, o Município de Lisboa tem, deve ter e terá sempre uma palavra a dizer sobre o assunto - quando digo o Município de Lisboa, digo os órgãos autárquicos em geral.

Nesse sentido votámos a favor, pois parece-nos que é possível conciliar as duas coisas: a defesa de uma obra de arte, o jardim da Fundação Gulbenkian, o único construído de há muito tempo a esta parte na cidade de Lisboa, e a construção do centro de arte moderna, que virá enriquecer muito o património cultural da cidade e do País.

Daí o nosso voto a favor da proposta de resolução.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

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O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É de inteira justiça prestar a nossa homenagem ao Grupo Parlamentar do Partido Popular Monárquico, pois ficou aqui provado que é na liberdade do espírito de que estão verdadeiramente embuídos, é no seu contributo para respeito da preservação dos valores culturais de Portugal e dos Portugueses, é nessa permanente consciência nesta Câmara que a Aliança Democrática vai encontrar muito da sua força e capacidade de desenvolvimento de um verdadeiro projecto de futuro. É neste sentido que quero manifestar o nosso apoio a esta proposta de resolução e deixar expressa a nossa homenagem ao PPM.

Aplausos do CDS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 0 Grupo Parlamentar do Partido Socialista manteve a sua posição de abstenção apesar da significativa melhoria introduzida na proposta de resolução através da aprovação da proposta de eliminação da sua frase final. Mantivemos a nossa posição porque pensamos que ao remetermos a resolução desta questão para o Governo o País corre o risco de ficar sem o centro de arte moderna e de ficar sem o jardim.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa abstenção significa que, apesar da melhoria introduzida pelo PSD e pelo CDS no texto da proposta de resolução, o diploma continua a não nos dar garantias de servir os fins prioritários que entendemos deverem ser servidos. De resto, consideramos que a forma como o assunto foi trabalhado nesta Assembleia foi insuficiente e que a discussão pública que se fez, e estou de acordo com a Sr., Deputada Zita Seabra, embora seja um bom princípio de discussão dos problemas da cidade, foi mal conduzida, visto que foi dirigida a nível de pessoas directamente interessadas nos problemas. 0 assunto não foi suficientemente objectivado, as populações não foram informadas, por isso fez-se um falso debate público, porque foi um debate de ordem afectiva e emocional, e não um debate de ordem esclarecedora.
Uma recomendação ao Governo para nós não é significativa, em todo o caso se fosse mais explícita e mais dentro dos nossos critérios teríamos votado favoravelmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que nós não. nos podemos considerar satisfeitos com o resultado, da votação no que toca à alteração introduzida.
Não quero, no entanto, deixar de começar por agradecer as palavras que nos foram dirigidas pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo e Azevedo Soares que muito prezamos e que calam fundo no nosso coração.
Em segundo lugar, queria salientar que é altamente significativo, apesar de não nos termos considerado satisfeitos com a votação - do mal o menos - que na Assembleia da República, em vésperas do Dia Mundial do Ambiente, pela primeira vez tenha sido aprovada uma resolução, embora insuficiente a nosso ver, que presta homenagem ao "verde" deste país, que defende os elementos naturais de uma cidade e de um país, e que, sobretudo, presta a devida justiça ao que constitui obra do nosso património cultural: um espaço verde, um jardim, uma zona natural. 15to para nós é muito significativo e nunca será de mais enaltecê-lo.
Finalmente, cabe-nos manifestar a esperança, não obstante a resolução ter ficado uni pouco esvaziada ou pelo menos diminuída do conteúdo proposto, que o Governo, na sitia orientação sensata e ao mesmo tempo contempladora dos interesses culturais em causa, saberá conduzir as negociações com a Fundação Gulbenkian e tomar as medidas adequadas para que os dois objectivos - ambos valiosos - sejam inteiramente preservados para bem do povo da cidade de Lisboa e para bem do património cultural português.

Aplausos do PPM. do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à votação da proposta do resolução sobre a alteração do quadro da Assembleia da República, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º da Lei Orgânica, que já é do conhecimento dos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, nós há pouco dissemos que, estávamos de acordo, no essencial, com tudo que ai está proposto e que, suponho, merece um acordo mais ou menos generalizado. Tenho, todavia, a informação de que há algumas alterações de forma ao texto, quer no que toca a alguns parágrafos, quer no que toca ao aspecto como o quadro é apresentado. Por outro lado, há pouco, falando-se com alguns grupos parlamentares, viu-se que não haveria desvantagem em votar isso depois do intervalo, o que permitiria até uma troca de impressões sobre o assunto.
Se o Sr. Presidente quiser, não ternos nada a opor a que votemos a resolução depois do intervalo. Acho que seria melhor assim, para evitar grandes discussões.

O Sr. Presidente: Nesse caso, Srs. Deputados, passaremos à discussão do projecto de lei n.º 467/I, sobre o impacte ambiental, apresentado pelo PPM.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comemora-se amanhã o Dia Mundial do Ambiente. 0 PPM, ao requerer, ao abrigo das disposições regimentais, a marcação da ordem do dia para a sessão de hoje, abordando a temática do ambiente, no início de Abril, requerimento que apresentou, viu-se recentemente confrontado com a exiguidade de tempo e as necessidades de consenso, tendo em vista satisfazer os interesses quer da maio-

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ria quer da oposição em matéria de. iniciativas legislativas neste Plenário.

Acedendo progressiva e sucessivamente às necessidades dos restantes partidos, o PPM vê-se hoje limitado a sujeitar à apreciação desta Câmara os projectos de lei n.ºs 450/I, sobre deposição de resíduos nucleares em águas oceânicas, e 467/I, sobre impacte ambiental.
Lamentamos que, em especial, por exigências do PCP não tenha sido integrada na sessão de hoje a discussão do nosso projecto de lei n.º 485/I sobre a criação dos planos concelhios de ordenamento territorial, projecto esse que reputamos de extrema urgência, já que dele depende a possibilidade de os planos gerais de urbanização continuarem a ser ou não simples documentos sobre os quais, ou através dos quais se especula com os solos, as rendas de casa, a construção civil, se degradam os recursos, se constrói anarquicamente na lei da selva e aos desígnios dos grandes interesses financeiros e fundiários que se escondem muitas vezes sobre a capa protectora dos controleiros dos partidos políticos de todas as cores, ou até mesmo à sombra de um falso conceito de Poder Local.
Celebramos, pois, hoje o Dia Mundial do Ambiente, dia que muito custa a viver ao menos uma vez por ano a certas empresas ou empresários (públicos ou privados) e a todos os oportunistas que na sua visão tacanha do desenvolvimento e do progresso apenas vêem os benefícios materiais - quantas vezes hipotéticos - a curto prazo, esquecendo-se que a nossa pátria, o nosso território, continuam a caminhar para a degradação irreversível, de recursos, a aculturação, a penúria energética e o agravamento das iniquidades sociais se todos não soubermos em conjunto arrepiar caminho, e num esforço colectivo, sem hesitações, decidirmos do nosso futuro, salvaguardando os nossos interesses essenciais presentes e futuros mesmo que integrados em projectos internacionais como os da CEE, onde há que colher o maior número de benefícios e o menor número de prejuízos.
Para o Partido Popular Monárquico a celebração do Dia Mundial, do Ambiente é, porém, mais do que uma simples efeméride. Tem muito a ver com a nossa luta como partido, experiência única na Europa de hoje, com o pensamento inovador que temos vindo a incutir ria discussão pública de muitos problemas que afectam seriamente os Portugueses e o futuro de Portugal.
A ecologia, ciência que desponta no horizonte, indicando aos políticos, aos economistas, aos estudiosos, àqueles que querem pensar, caminhos possíveis que evitam ultrapassar a mais que previsível derrocada da sociedade industrial em que vivemos, é e será uma das razões do nosso combate. A sociedade economista não pode continuar a tratar o homem como um mero objecto de consumo e de produção à sombra e com a desculpa - permanente das metas idealistas que só são possíveis de atingir na mente daqueles que na sua visão ultrapassada ainda não quiseram compreender que o crescimento tem limites, os recursos naturais são finitos, as energias convencionais serão cada vez mais caras em termos absolutos e relativos, o homem não é, nunca será capaz de dominar ou compreender totalmente todos os fenómenos que acontecem à sua volta. A ecologia é, pois, para nós no PPM o combate de hoje, o combate da razão, da coerência possível contra a cegueira dos futuros utópicos.
0 impetuoso e irresistível impulso para as ciências da natureza - física, química, biologia - deu origem à convicção de um poder ilimitado do homem sobre a natureza graças às aplicações técnicas que têm vindo a nascer a partir do conhecimento científico. Desses métodos ergueram-se novas formas de sociedade e economia destinadas a crescer de maneira constante, num progresso permanente e infinito. 0 positivismo de Augusto Conte do séc. XIX, apoiando-se sobre o dogma da superioridade "material" e a infalibilidade da ciência confirmada na experimentação, tanto no domínio dos fenómenos da natureza inanimada como nos comportamentos: humanos e sociais, conduziu à criação de "princípios básicos" subjacentes às sociedades modernas de hoje, quer elas sejam de economia de mercado ou planificada.
Os projectos hoje apresentados dão-nos a nós PPM indiscutivelmente, o benefício da dúvida. Quanto ao primeiro, sobre a deposição de detritos nucleares em águas oceânicas, bastaria recordar as célebres palavras do comandante Custeau: "Os tecnocratas dizem-nos: motorista de táxi, prova-me que a energia nuclear é perigosa. Evidentemente que o motorista de táxi não pode provar. Mas pode muito bem dizer: prova-me tu, tecnocrata que ela não é perigosa! E isso também ele não pode fazer."
0 projecto de lei sobre impacte ambiental impedirá que se continuem a conceber e a concretizar em Portugal grandes projectos de desenvolvimento que não assentam nas realidades e nos condicionalismos que permitam a durabilidade dos sistemas de produção e a regeneração dos recursos naturais.
Impedindo que Portugal venha a ter de sujeitar-se a todas as arbitrariedades em que os grandes grupos económicos, a Leste ou no Ocidente nos pretendem envolver, construir um futuro melhor para iodos os Portugueses, é uma tarefa grandiosa em que não enjeitaremos responsabilidades.
É tempo de mudança. Pela nossa parte aqui nesta Câmara, lá fora com todos os Portugueses, manteremos a nossa luta que apenas agora começa. Portugal não será, para nós, nunca o cano de esgoto da Europa.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora fazer o nosso intervalo regimental. Os trabalhos reiniciar-se-ão às 18 horas.
Está suspensa a reunião.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a reunião.

Eram 18 horas e 10 minutos.

Continua em debate o projecto de lei n.º 467/I, sobre o impacte ambiental. Se não há inscrições, vamos votar.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente. - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Vítor Louro (PCP): - Queria sugerir que
- tal como era ideia previamente estabelecida, creio
eu - a discussão dos dois projectos de lei - este e o seguinte, apresentado pelo Partido Socialista - fosse feita em conjunto.

O Sr. Presidente: - É ao projecto. de lei n.º 487/I - Lei-quadro do ambiente e de qualidade de vida - que se está a referir?

O Sr. Vítor Louro (PCP): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Dá-me licença,
Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado,

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Penso que se não
houver nenhum Sr. Deputado interessado em discutir
estes nossos dois projectos de lei poderia passar-se à
votação.

O Sr. Presidente: - Pois é isso, vamos votar.

O Sr. João Cravinho (PS):- - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para uma breve intervenção relativamente à iniciativa legislativa do PPM, quanto
aos resíduos nucleares.
Em primeiro lugar, o Partido Socialista congratula-se pelo facto de esta iniciativa ter sido trazida a esta Câmara, na medida em que o problema dos
resíduos nucleares é de facto um problema de grande preocupação e, muito naturalmente, Portugal não poderia estar, de maneira nenhuma, afastado de uma
atitude que procurasse, defender sobretudo o futuro.
Devo dizer, em todo o caso, que a iniciativa do PPM tem...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpar-me-á,
mas creio que há um equívoco da parte de V. Ex. porque o projecto de lei, que está neste momento em discussão é o n.º 467/I, sobre impacte ambiental.
projecto de lei n.º 450/I, sobre disposição de resíduos nucleares em águas oceânicas - que era o que o Sr. Deputado estava a versar -, ainda não está
em, discussão.

O Sr. João Cravinho (PS): - Queira desculpar, Sr. Presidente, então farei a intervenção a seguir.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, até
pelas palavras que acabei de proferir antes do intervalo, propus a discussão conjunta dos nossos dois projectos para encurtar tempo.
Penso por isso que se justifica que o Sr. Deputado João Cravinho intervenha sobre qualquer deles.

O Sr. Presidente:- Os Srs. Deputados estão de acordo em que estes dois projectos de lei sejam discutidos conjuntamente?

Pausa.

Sendo assim, tem então a palavra o Sr. Deputado João Cravinho. Queira desculpar a interrupção.

O Sr. João Cravinho (PS): - Então, retomo as minhas considerações para dizer que nos parece extremamente interessante e oportuna a iniciativa do PPM.

Em todo o caso, temos alguns pontos de vista que supomos que deveriam ser discutidos mais aprofundadamente na especialidade, em comissão parlamentar. Assim, quanto, à iniciativa do PPM, se é certo que ela visa fundamentalmente defender o futuro, como eu dizia, visa também defender um recurso natural - os oceanos -, recurso natural esse que pode ser usado de tal maneira que, não só a presente geração, mas sobretudo as futuras gerações venham a sofrer graves inconvenientes. Apesar de se reconhecer que é essa a intenção que está na base da iniciativa do PPM queríamos dizer que sendo os oceanos um recurso comum da humanidade, pese embora a definição da zona económica própria, nos parecia também útil que este problema fosse visto numa perspectiva mais larga e não propriamente numa perspectiva exclusivamente nacional.
Assim, o artigo 1.º do projecto de lei de iniciativa do PPM é disso claro exemplo, na medida em que proíbe o lançamento de resíduos nucleares na nossa Zona Económica Exclusiva. Ora, se houver um lançamento no limite da nossa Zona Económica Exclusiva ou em qualquer outro ponto que por qualquer motivo venha a incidir sobre a costa portuguesa ou sobre a costa de qualquer outro país, muito naturalmente esta iniciativa é um bocado paroquial. Não se pode deixar de reconhecer isto. Há um efeito de externalidade, há um efeito de comunalidade de uso que não fica de maneira nenhuma acautelado pela simples proibição do lançamento na Zona Económica Exclusiva.
Naturalmente que o PPM visará, suponho eu, tomar uma iniciativa exemplar, tomar uma iniciativa que diga que um Estado soberano, no que lhe diz exclusivamente respeito, se acautela e previne contra a possibilidade de uni mau uso da Zona Económica Exclusiva. Se isso tem, de facto, uma intenção louvável por detrás, técnica e politicamente não podemos deixar de reconhecer que soa a um bocadinho curto, visto que o problema é internacionalmente reconhecido como um problema global que só pode encontrar soluções globais. Evidentemente que a caridade bem entendida começa em casa. Reconheço isso também, mas há uma excessiva tónica de soberania que neste caso talvez tenha uma boa intenção por detrás, mas não se encontra justificada totalmente pela natureza do próprio problema.
Dito isto, também nos parece que o artigo 2.º tem um conteúdo de recomendação ao Governo. 0 seu sentido provavelmente, segundo um esclarecimento que obtive do Sr. Deputado Luís Coimbra, é o de conformar a política do Governo a uma recomendação programática e portanto dar-lhe uma directriz segura em matéria de disposição de resíduos nucleares.

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De qualquer maneira, suponho que haveria melhor processo de conseguir, talvez, este desiderato. Não é o desiderato que nos repugna - antes pelo contrário, aceitamo-lo, perfeitamente -, apenas haverá aqui um problema de técnica, jurídica e de adequação das iniciativas que se imponham relativamente às finalidades em causa.
Finalmente, o artigo 3.º e o artigo 4.º parecem-nos razoáveis, mas não queremos deixar também de chamar a atenção para o seguinte: o próprio armazenamento terrestre ou subterrâneo põe muitos problemas de segurança, as populações em causa inquietam-se sempre que existe ou alguém ventila a possibilidade de fazer aqui e ali um determinado armazenamento. Ainda recentemente países como, por exemplo, a Grã-Bretanha, que tem um programa nuclear muito desenvolvido, viram que a solução marítima punha dificuldades. Não são totalmente seguras as tecnologias de que hoje se dispõem para obstar a efeitos de contaminação em tempo indeterminado. Em todo o caso, o próprio armazenamento em terra, nomeadamente na Escócia, também levantou as populações contra essa solução. E são estes problemas que nos levam a pensar que sendo útil a iniciativa, haverá algumas arestas - perdoem-se-me a expressão - a limar, o que poderá ser feito em comissão, requerendo nós na altura devida o debate na Comissão Parlamentar do Ambiente e Cultura.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, as quatro iniciativas legislativas que estão em apreço sobre ambiente deviam, por uma questão lógica ser discutidas conjuntamente. Não há nenhuma razão, nem lógica nem de qualquer outro tipo, creio eu para se fazer a discussão conjunta das duas iniciativas de um determinado grupo parlamentar e deixar as outras de fora. Por exemplo da parte do PCP, a sua intervenção sobre esta matéria está condensada numa só devido ao factor raro que é o tempo. De maneira que insisto com a Mesa, no sentido de assim se proceder.

O Sr. Presidente: - A Mesa não tem nada a opor desde que os grupos parlamentares estejam de acordo.
Há oposição?

Pausa.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Se for no sentido de acelerarmos os trabalhos, com certeza.

O Sr. Presidente: - Eu penso que é nesse sentido.
Há alguma oposição?

Pausa.

Como não há, assim se fará. Vamos discutir conjuntamente e votar separadamente os projectos de lei n.º 467/I - Impacte ambiental, 450/I - Sobre disposição de resíduos nucleares, em águas oceânicas e 487/I - Lei-quadro do ambiente e da qualidade de vida.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Sanches Osório.

O Sr. Sanches Osório, (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para uma curtíssima intervenção, fundamentalmente acerca do problema que o projecto de lei n.º 450/I, sobre disposição de resíduos nucleares em águas oceânicas, coloca.
É parecer do CDS que este projecto de lei terá o seu apoio na generalidade. Não obstante, hesitamos em tomar uma posição perfeitamente acabada, sobre u matéria em apreço, uma vez que os países mais desenvolvidos e com maior experiência, no domínio da energia nuclear, ainda levantam este mesmo problema sob a forma de interrogação. E assim acreditamos que é útil que ele tenha sido levantado e que o projecto de lei tenha sido apresentado. Consideramos que este problema - porque é um problema fundamental para o todo nacional - deve merecer um aturado estudo e uma reflexão profunda, que se poderá e deverá concluir por um largo consenso na Comissão de Cultura e Ambiente. É este, portanto, o sentido da nossa aprovação, na generalidade, do projecto de lei n.º 450/I.
Reservarei outro tempo para intervenção sobre os outros projectos de lei relativos ao ambiente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o, Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Algumas breves considerações sobre o projecto de lei n.º 467/I, referente ao impacte ambiental.
Nós, depois de termos ouvido a exposição do Sr. Deputado Luís Coimbra e depois de nos termos compenetrado da matéria que constitui este projecto de lei, tínhamos algumas considerações a fazer.
Antes de mais nada, no tocante ao prolegómeno, ao intróito que esclarece os objectivos, há algumas precisões que seria necessário salientar, muito embora, dado a matéria ser apenas introdutória, não se revestirem de grande importância, nomeadamente quando se afirma que há tendência para os projectos de investimento se canalizarem para os países menos desenvolvidos, no tocante àqueles que oferecem maior risco ambienta] e financeiro. Evidentemente que não temos qualquer dúvida quanto a esta consideração do risco ambiental - assim tem acontecido -, mas quanto ao risco financeiro parece-me que haver a aqui qualquer distorção que vale a pena corrigir.
No tocante à afirmação que se faz mais adiante quanto à preservação do modelo cultural agradável, parece-nos que esta afirmação é um pouco ambígua e imprecisa para compreender o significado que encerra.
Quanto à preservação a todo o custo - que também se assinala - dos aspectos históricos, culturais e naturais mais importantes da nossa herança nacional, evidentemente que não será preservar a todo o custo, senão não fazia sentido fazer análise de benefícios e custos. Mas, deixando estes aspectos e passando concretamente ao que no projecto de lei se propõe, nós temos uma objecção de fundo. Essa

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objecção de fundo é a seguinte: pretende-se que os projectos que se assinalam, que se descrevem e tipificam venham a ser objecto, uma vez apresentados e apreciados pelas instâncias competentes, de uma análise cuja realização e pagamento será imputado aos proponentes. Parece-nos que não será pela via desta resolução que entravará com certeza o processo de apreciação rápida que se deseja- que tal se alcançará. Seria conveniente, antes, que pela forma normativa se condicionassem os projectos a fazer. Os projectos deveriam ser informados com estes desideratos que aqui se indicam e que quanto a isso estaríamos de acordo. Parece um pouco deslocado que uma vez os projectos de lei apresentados venham submeter-se, por influencia de um sector de apreciação a cargo do Estado, a toda esta tramitação e, ainda por cima, a um pagamento que o Estado fixa, não se sabe bem como,

No artigo 2.º indicam-se quais os projectos que deverão ser submetidos a análise de impacte. Quanto à classificação de "impacte", ela já entrou nos costumes, muito embora semanticamente também seja bastante discutível. E diz-se que serão os portos, os novos aeroportos, as auto-estradas, etc., e também - aqui uma dúvida liminar- os projectos que de qualquer modo sejam motivo de controvérsia pública por razões ambientais. Não se tipifica que tipo de controvérsia pública. Será um simples artigo de jornal? Será uma simples objecção personalizada? Há um certo risco nesta matéria que é importante não ,ultrapassar. Relativamente ao artigo 4.º, isto são pequenas notas que talvez não correspondam a uma definição correcta do que se pretende quando se fala em todas as situações de irreversibilidade deve falar-se em todas as situações que produzam alterações irreversíveis, porque, uma vez realizado o projecto, na própria zona onde o projecto se implanta há com certeza uma irreversibilidade devida à própria natureza de alteração que o projecto introduz. Na tipificação da alínea b), quando se fala nos conjuntos históricos urbanísticos, estranhamos, que se não tenham inserido os conjuntos com valor arquitectónico e ambiental. Efectivamente são também valores a preservar e parece-me importante que sejam destacados uma vez que se desce a uma enumeração de minúcia. Relativamente ao artigo 6.º, diz-se que é necessário incidir numa asserção realista. Suponho que esta afirmação, "asserção realista", também não corresponderá bem ao que se pretende, mas deverá antes, traduzir-se por conter uma avaliação realista.
Finalmente e no que diz respeito ao artigo 7.º quando se estabelece que os projectos que não forem corrigidos no prazo de noventa dias não receberão licença, parece-me esta enunciação supérflua e desnecessária. Basta que se não seja entregue qualquer projecto de alteração, para que ele não possa ser licenciado. Agora no tocante às alterações, porque aqui há uma confusão que pode estabelecer-se por incorrecta definição, seria conveniente salientar que estas propostas de alteração não dizem respeito ao projecto em si, mas sim à alteração que é necessário introduzir-lhe para que ele não produza os efeitos negativos que se detectam. 15to porque as alterações do projecto serão da competência dos projectistas e não caberá àqueles que apreciam dizer como é que eles devem ser alterados.
São estas as observações que nós fazemos por esta dúvida de base que assinalei e pelos diferentes aspectos complementares, embora de pormenor, que também tive ocasião de sublinhar. Assim, porque reconhecemos o interesse e a finalidade louvável dos objectivos, não votaremos contra, mas também não poderemos dar o nosso voto favorável. Por isso nos iremos abster.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sanches Osório.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o projecto, de lei n.º 467/I não podemos dispensar-nos de fazer umas considerações prévias que reputamos de importantes.
Trata-se de um projecto de lei sobre impacte ambienta], trata-se do problema do ambiente. Eu gostaria, com o risco de escandalizar muitos dos Srs. Deputados manifestando a minha ignorância, de fazer aqui uma pergunta a cada um dos Srs. Deputados: o que é o ambiente? 0 que é que nós aqui presentes, como representantes do povo português, consideramos incluído no ambiente. Hoje, e ainda bem que, assim aconteceu, várias vezes nesta Câmara se falou em discussão pública, em debate público, de problemas trazidos aqui ao Plenário.
Ora, o problema do ambiente é um dos problemas fundamentais para o cidadão português e em boa hora o Partido Popular Monárquico aqui apresentou este projecto de lei. Simplesmente parece-nos que ele tem de ser enquadrado em toda a legislação já existente sobre o ambiente. Assim não sendo, corremos o risco de não saber que, objectivo pretendemos atingir em matéria de ambiente.
Damos a nossa aprovação, na generalidade, a este projecto de, lei, mas fazemos questão, e esse ponto é um ponto firme do nosso programa, é um ponto firme na ideologia democrata-cristã que defendemos e é a base fundamental da democracia que aqui nos trouxe, no respeito integral do, homem pelo homem. Nós consideramos que o ambiente tem a ver com e&% respeito e tem de ser tratado, quanto a nós, com um prévio debate da noção aprofundada que esta Câmara tem sobre o ambiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aqui fica a sugestão, como um ponto que mo parece. de grande utilidade, e que merece uma discussão e um debate público amplo, porque o consideremos fundamental.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Devo agradecer, desde já, a todos os Srs. Deputados que intervieram, pelas questões que foram levantadas. Consideramos que algumas delas são bastante pertinentes.
Começo até por agradecer e considerar também positiva uma proposta de aditamentos na especialidade, já apresentada por escrito, pelo Movimento Democrático Português. Quanto à intervenção do Sr. Deputado João Cravinho, é evidente que o problema não pode ser só resolvido por Portugal. Bastaria falarmos na possibilidade da continuação da cadeia alimentar para o problema dos despejos dos resíduos nucleares em águas oceânicas apenas ser totalmente resolvido no dia em que efectivamente

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todos os países, por comum acordo, deixarem de fazer esses lançamentos. No entanto, a tendência neste momento - mesmo nos países mais avançados e que têm estes problemas de despejo a enfrentar - é efectivamente para os armazenar em terra, seja pela forma contentorizada seja por formas ainda bastantes controversas de os colocar em determinadas situações, como em estratos geológicos longe das vistas e dos corações. Pensamos quanto às críticas que fez em relação ao artigo 2.º - que o problema não pode ser só do Governo e daí o sentido precedente já existente até nesta Assembleia, pois o próprio Dr. Almeida Santos levantou já este problema aquando da apresentação pública deste diploma. É evidente que esta recomendação ao Governo Português de nas instâncias internacionais propugnar para que se terminem com os despejos, é importante, mas julgamos que dará muito mais força ao Governo se por uma recomendação incluída numa lei da Assembleia da República.
Quanto às críticas que o Sr. Deputado João Cravinho faz em relação aos artigos 3.º e 4.º, pois é evidente que para nós a solução estaria encontrada, ou quase que encontrada, já que a herança de certos isótopos radioactivos é como sabe de milhares de anos, quando se acabasse definitivamente com o recurso ao nuclear. Na óptica do PPM, é evidente que a solução do recurso ao nuclear é uma utopia. Bastaria dizer que se todos os povos e nações do Mundo tentassem atingir até ao ano 2000 o nível de vida que os Estados Unidos tinham em 1970, seria necessário, Srs. Deputados, construir uma central nuclear de 1000 MW daqui até ao ano 2000, de quinze em quinze dias, o que é totalmente utópico. Daí o nós contestarmos que o progresso ou justiça social para este planeta seja possível através do recurso às energias duras. Quanto ao Sr. Deputado Sanches Osório, agradeço também os seus comentários e devo dizer-lhe que a tendência - e isto no seguimento do que acabei de procurar explicar quanto à intervenção do Sr. Deputado João Cravinho - dos países mais avançados, e que têm indústrias nucleares, é efectivamente acabar com os despejos nos oceanos.
Os Estados Unidos já os suspenderam a partir de 1962, salvo erro, o Canadá também já não utiliza essas práticas e a França também não. É apenas, segundo as últimas informações que tenho, um problema que diz respeito à Alemanha Federal, à Bélgica, à Holanda e à Inglaterra.
Quanto ao que disse o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado, em relação aos riscos financeiros, embora se trate de situações de investimentos estrangeiros, devo dizer - e ainda em relação às condições de licenciamento contempladas no artigo 7.º e às próprias situações irreversíveis- que o risco financeiro existe em Portugal antes e depois do 25 de Abril. Esses riscos dos financiamentos estrangeiros são, ou têm sido em muitos casos comportados, em caso de falhanço financeiro, pelo Governo Português. É contra a forma como determinados investimentos estrangeiros foram feitos em Portugal, inclusive a seguir ao 25 de Abril, que nos insurgimos, como por exemplo o caso do complexo petroquímico de Estarreja. Em muitos desses investimentos são concedidos determinados incentivos e isenções fiscais e feita a inclusão muitas vezes em termos perfeitamente ridículos de incorporação nacional, forçando-se ainda à participação de capital português em determinadas indústrias. Se elas fracassam, em termos de mercado, Portugal estará fatalmente envolvido nessa situação.
Quanto à questão de se considerarem de controvérsia pública ou não os projectos, devo dizer que nós entendemos que existirá controvérsia pública quando já existam queixas nos tribunais, de cidadãos ou de grupos de cidadãos, ou de comunidades contra determinados projectos. Faço lembrar que neste momento um exemplo típico da controvérsia pública que este projecto de lei irá provocar caso seja aprovado, é o de dar a conhecer às populações - através do estudo de impacte - determinadas situações que hoje já são uma preocupação permanente. Faço lembrar, por exemplo, o caso da Câmara Municipal de Sines e da própria Assembleia Municipal, que vieram já por várias vezes a esta Assembleia da República contactar o Grupo Parlamentar do PPM, extremamente interessadas em saber quando é que esta lei seria aprovada, na medida em que estão preocupadas com a central a carvão que será construída em Sines.
Ainda quanto ao Sr. Deputado Sanches Osório, é evidente que é difícil definir o ambiente. Nós temos procurado defini-lo. É difícil e é também um pouco subjectivo definir o que será um bom ou mau padrão de qualidade de vida. No entanto na situação em que nós estamos em Portugal e com os exemplos significativos que temos de outros países, em estádios de desenvolvimento superiores ao nosso, devo dizer muito simplesmente e - tentando ser o mais breve possível- que os objectivos em matéria de ambiente, ou seja, em matéria de desenvolvimento harmónico do País e das suas regiões, é exactamente atingirmos o contrário das situações que se passam hoje no Seixal, no Barreiro nos complexos petroquímicos de Estarreja, no complexo petroquímico de Sines e em muitas outras zonas do País que estão hoje totalmente degradadas.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: 0 Partido Socialista associa-se, à comemoração do Dia Mundial do Ambiente e fá-lo de um modo interveniente e particularmente responsável, através da apresentação de duas Iniciativas suas que podem considerar-se desde já e sem grandes margens de contestação as iniciativas mais representativas deste Parlamento democrático em matéria de ambiente e ordenamento do território. 15to qualquer que venha a ser a síntese final desta Assembleia da República sobre os documentos em causa mesmo que não permita que os nossos projectos de lei venham a dar lugar às leis-quadro do ordenamento do território e da prática urbanística e do ambiente e da qualidade de vida.
Concretize-mos as razões desta afirmação:
A problemática do ambiente em Portugal só começou a ser preocupação ao nível do aparelho de Estado no inicio da década de 70, com a criação da Comissão Nacional do Ambiente, sendo esta estrutura a responsável pela articulação das preocupações

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em matéria de Ambiente até ao 25 de Abril e só depois desta data foi criado no organograma do Governo um departamento responsável, Subsecretaria de Estado do Ambiente mais tarde Secretaria de Estado, no âmbito do Ministério do Equipamento Social e do Ambiente, sem contudo a sua estrutura assimilar convenientemente a Comissão Nacional do Ambiente, que durante algum tempo ainda se manteve, na prática, como estrutura paralela, com sérios inconvenientes para a operacional idade dos serviços da Secretaria de Estado e mesmo para a sua imagem pública.
Tem sido atribulada a vida do departamento governamental do Ambiente, nem sempre despida das fraquezas que a marca de nascença lhe emprestou, antes ou depois de Abril, permitindo no entanto, que hoje aqui, se retirem algumas conclusões:
1.ª É de que não está ainda feita a síntese, ao nível das estruturas, entre o que havia antes - Comissão Nacional do Ambiente - e o que se criou depois - Secretaria de Estado - e volvidos dois anos da passagem do PS por esta área governamental, alguns passos positivos dados nesse sentido, não só não foram seguidos como foi mesmo apagado o trajecto feito.
Ao actual Governo, que a avaliar pelo seu Programa no sector, indiciava algumas ideias e prometia muitas obras, nada foi visto fazer até agora para além de sacrificar um honesto e competente técnico que teve a ingenuidade de acreditar nas promessas dos responsáveis pelo Executivo da AD e aceitar o cargo de Secretário de Estado e somos levados a concluir que a articulação da Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente na Presidência de Conselho de Ministros não passou duma cínica manobra de diversão, para contentar no fundo as reivindicações dos que dentro da Aliança Governamental tinham uma imagem a defender nesta matéria e ingenuamente (concedemo-lhes o benefício da dúvida) acreditaram que o resto do Governo respeitava isso minimamente.
Os resultados estão à vista e se internamente os serviços da Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente dão a imagem da total desmobilização e descrença, externamente a política de ordenamento e ambiente do Governo AD não se vislumbra e o que se vai vendo contraria frontalmente a filosofia apregoada no Programa do Governo.
2.º É de que não chega, para fortalecer uma área política como esta, fazê-la depender directamente do Primeiro-Ministro, embora seja em nosso entender e já há muito o afirmámos publicamente, uma das soluções mais correctas para permitir o sentido de coordenação horizontal que a política de ordenamento do território e ambiente precisa de ter para se assumir com um mínimo de eficácia.
É preciso bastante mais e é preciso sobretudo que exista da parte do Governo uma visão política correcta do modelo de desenvolvimento do Pais e do papel dos cidadãos na sua construção, o que manifestamente não se passa com o Governo AD,
não faz mais do que colocar o homem ao serviço dos interesses económicos das suas clientelas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. António Lacerda (PSD) - Não é verdade!

O Orador: - 3.º É de que não é possível prosseguir com um mínimo de eficácia uma política correcta de ambiente sem a valorização da componente do ordenamento do território e para isso colocar ao dispor da respectiva área governamental os mecanismos necessários da Administração Pública. 0 PS fê-lo no II Governo Constitucional utilizando o aparelho da Direcção-Geral do Planeamento Urbanístico e o Governo AD disse que o ia fazer mas até hoje não deu um passo nesse sentido, o que, para além de politicamente ser mais um compromisso que a AD não cumpre, e grave pelo tempo que se está a perder, pelos vícios que fortalece na Administração e pela dificuldades de viabilização fácil dessa intenção no futuro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - 0 PS com as suas iniciativas pretende igualmente trazer uma contribuição cultural a este Dia Mundial do Ambiente. É lugar-comum dizer-se que um pais ou um povo só são pobres quando não têm ideias, quando não fazem da sua cultura, dos seus valores históricos e patrimoniais ou dos seus recursos naturais e capacidade de os aproveitar racionalmente a linha de força para a criação de riqueza, para a melhoria intelectual e material da vida dos cidadãos.
0 nosso país tem um riquíssimo património e o nosso povo uma enorme disponibilidade para participar culturalmente na sua revitalização, exigindo-se somente capacidade para equacionar os problemas, para sensibilizar os cidadãos para as soluções e para promover a sua aplicação democrática.
Uma política de ambiente e ordenamento do território tem de privilegiar essa riqueza de um povo que é o seu património cultural, natural ou construído, e também aqui, para além dos sinais, as actuações do Governo AD e de algumas das suas autarquias locais são preocupantes, dando só de exemplo os casos de Lisboa e Porto onde a demagogia barata, no primeiro caso, e a incompetência e irresponsabilidade, no segundo, se preparam para em nome da "mudança" cometer alguns graves atentados ao património cultural e arquitectónico das respectivas cidades.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em Lisboa é o Martim Moniz, as torres Tejo, as Amoreiras, a Feira Popular e outros casos bem significativos do reforço da concepção urbano-industrial centralizante e asfixiante da cidade e que já incomoda mesmo alguns sectores da AD; no Porto é o abandono a que está entregue a operação de recuperação urbana da Ribeira-Barredo, exemplo ímpar de urbanismo democrático reconhecido no País e no estrangeiro e que para tristeza e angústia da população e nossa e para vergonha do Governo e da Câmara está praticamente paralisada.
15to, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Jornalistas, que sentem estes problemas, é na verdade escandaloso mas impõe-se que hoje seja aqui de-

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minerado, quando se comemora o Dia Mundial do Ambiente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Voltando às iniciativas do PS, particularmente ao projecto de lei n.º 487/I, é altura de dizer que visa atingir, no essencial, os seguintes objectivos:
Dar satisfação ao que preconiza a Consumição da República nos artigo; 66.º e 91.º, em que é garantido a todos os cidadãos o direito a uni ambiente sadio e o dever de o defender e ao Estado a incumbência de assegurar os meios para o exercício real desse direito prevenindo e controlando a poluição e os seus efeitos, ordenando correcta e racionalmente o território, garantindo a conservação da natureza dos seus valores culturais, históricos e artísticos e promovendo o aproveitamento racional dos recursos naturais.
Estes objectivos constitucionais de desenvolvimento, na base da democratização das instituições, da participação activa dos cidadãos nos diferentes escalões de poder, da melhoria do nível e das condições de vida de toda a população, norteiam a política do Partido Socialista, que entende assim ser a problemática do ambiente entre nós uma questão essencialmente cultural, mas por isso mesmo profundamente ligada a um modelo de sociedade democrática, participada e de independência nacional, que se concretize em alternativos reais ao modelo capitalista de expressão urbano-industrial, nos domínios do ensino, da saúde, da habitação, das infra-estruturas e dos equipamentos, do crescimento económico subordinado a uma mais justa e regionalizada distribuição do produto.
A política de ambiente e qualidade de vida é para os socialistas ponto de partida para a construção de uma sociedade melhor, mais justa e equilibrada, que afronte e vença as actuais distorções do desenvolvimento regional através de um aproveitamento dos recursos existentes, na manutenção do equilíbrio dos ecossistemas de produção e protecção, e que promova o pleno desenvolvimento económico, social e cultural das populações.
Para que tal seja possível é essencial que o reforço das componentes política e económica da democracia se faca por uma participação cada vez mais activa dos trabalhadores e da população na vida das suas regiões e das soías comunidades, o que pressupõe uma dinâmica de autonomia progressiva das autarquias e uma intervenção destas na programação e execução das diferentes acções que impliquem com a afectação do território na sua área de jurisdição político-administrativa.
Só assim será possível prosseguir os objectivos que apontamos no artigo 2.º do nosso projecto de lei, n.º 487/I de:

Redifinição da actual hierarquia urbana, objectivo prioritário a atingir em conjugação com a política de ordenamento do território;
Defesa e aproveitamento racional dos recursos naturais, com especial destaque para a água e os solos aráveis;
Conservação da natureza pela criação de parques, reservas paisagísticas ou sítios, valores fundamentais do nosso património;
Incentivo das acções de investigação e dos estudos de impacte, lembrando aqui - e também a propósito do projecto de lei n.º 467/I do PPM sobre esta matéria - que reconhecendo como peça fundamental de qualquer grande projecto de intervenção no espaço biofísico, a necessidade de elaboração prévia de estudos de impacte ambiental, se torna necessário reestruturar e optimizar os serviços da Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente para tal fim, acção que o Governo AD, tendo embora prometido, ainda não deu qualquer passo visível nesse sentido;
A obrigatoriedade dos estudos de impacte ambiental constitui no entanto um elemento inovador importante no projecto de lei n.º 487/I, sendo importante caracterizar o seu enquadramento específico com a máxima urgência;
Melhoria da fertilidade dos solos agrícolas com a recuperação de solos degradados, o combate à erosão e à degradação da paisagem natural

Vem aqui a propósito perguntar ao Governo, ou a algum dos partidos que o apoiam se souberem, como vai ser aplicado o financiamento previsto para a florestação do País, em que zonas, com que espécies e com que fins. O PS vê este problema com apreensão e tem fundadas justificações para temer que o Governo AD oriente o financiamento em causa para a execução de uma política florestal ecologicamente desequilibrada virada para a destruição dos solos, para o aumento da erosão, para a alteração profunda dos ecossistemas, para a delibitação das economias regionais.
Ainda em ligação com este objectivo e com a política floresta e de implantação industrial do Governo AD, deixamos aqui outra pergunta: em que ponto de decisão está o problema da instalação da unidade de produção de pasta de papel da Suporcel, em dado momento prestes a cair em Muge - em plena reserva do estuário do Tejo -, posteriormente travada o agora, por informações que temos, já decidida, tudo isto nas costas da Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente? Seria bom que o assunto fosse esclarecido; em homenagem à data que comemoramos, para nossa tranquilidade e para informação da Secretaria de Estado do Ordenamento e Ambiente:

Definição de uma política energética, cada vez mais urgente face à crise em flecha do petróleo, à situação dramática da dependência externa que isso nos acarreta e ao papel decisivo que o traçado de um plano global de escolha de alternativos energéticos pode ter para a viabilização de uniu política coerente de ambiente e qualidade de vida e de ordenamento do território;
Empenhamento na participação activa das populações no traçado e concretização da política de ambiente e qualidade de vida criando fluxos contínuos de informação entre os dife-

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rentes escalões do poder democrático e a população que estes representam.

A participação dos cidadãos na defesa do ambiente e melhoria da qualidade de vida é outra das linhas de força inovadoras do nosso projecto de lei, por constituir um imperativo constitucional e uma baliza do modelo de sociedade democrática e participativa preconizado pelo Partido Socialista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Define ainda o projecto de lei n.º 487/I do PS os principais factores ambientais naturais e humanos e o conjunto de acções a cuidar na defesa e melhoria da qualidade do ar; da protecção das águas; da defesa e valorização do solo e exploração do subsolo; da proibição de poluir; da protecção da flora e fauna; da criação de reservas, parques, paisagens e sítios; da defesa e valorização da paisagem como unidade estética e do património histórico e cultural.
0 PS tem consciência de que o projecto de lei sobre lei-quadro do ambiente e qualidade de vida que apresentou não é isento de falhas nem avesso a melhorias que gostaríamos de as ver introduzidas, mas não pode deixar de salientar também que o âmbito da matéria abrangida e a diversidade de alguns conceitos ainda existentes, são por si só susceptíveis de justificar o sentido genérico mas também de síntese do projecto.
Um dado é contudo importante reter e isso o PS relembra-o por imperativo de justiça e para que conste: trata-se de uma iniciativa legislativa que só não teve concretização no II Governo Constitucional - tal como o projecto de lei-quadro do ordenamento do território e da prática urbanística - pela curta duração deste e trata-se sobretudo de documentos fundamentais para o reforço do Poder Local, na base do seu exercício efectivo. Como tal, para além da sua apresentação, batemo-nos pela sua aprovação, como a melhor contribuição que podemos dar para o reforço da autonomia do Poder Local nesta área e para a comemoração do Dia Mundial do Ambiente de 1980.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Ouvi com o maior interesse o Sr. Deputado Gomes Fernandes e a primeira coisa que se me oferece dizer - atendendo até à consideração e estima que tenho por V. Ex.ª - é que o Sr. Deputado não é de maneira nenhuma responsável pela política antiambientalista ou a ambientalista que o Partido Socialista seguiu depois do 25 de Abril, concretamente quando foi Governo. Se a memória não me falha, o Sr. Deputado Gomes Fernandes esteve apenas seis meses no Governo como responsável pelo sector do ambiente, enquanto outros governantes do Partido Socialista lá estiveram durante um ano e meio e nada fizeram.
As críticas que aqui vou fazer ao Partido Socialista, talvez defendendo o Governo da AD, não se referem de modo nenhum à actuação do Sr. Deputado Gomes Fernandes na área governativa e não é, de maneira nenhuma, um factor para ter em conta nas críticas que vou fazer. A análise global da política do PS neste campo faz-se ao longo dos dois anos e não ao longo dos seis meses que o Sr. Deputado esteve no Governo, porque quando lá esteve tentou fazer qualquer coisa na Secretaria de Estado do Ambiente.

Diz o Sr. Deputado que o actual Governo nada está a fazer sobre o Ambiente. Vou-lhe resumir o que o Governo da Aliança Democrática tem feito nos últimos cinquenta dias em matéria do Ambiente,

Nada fez, segundo o Sr. Deputado diz, a nível internacional. Pois bem, primeiro foi feita a adesão à União Internacional de Conservação da Natureza como Estado membro - tendo já sido ratificada tal adesão -, pois Portugal era o único país que não era membro. Segundo, foi aprovada em Conselho de Ministros a ratificação da Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies de Flora e Fauna Ameaçadas de Extinção. Esta Convenção esperava ratificação desde Dezembro de 1974. Fica desta maneira, e finalmente, feita em Portugal a protecção às espécies raras, como certas espécies da Madeira, as abetardas do Alentejo, etc. Terceiro, foi aprovada também em Conselho de Ministros, embora tivesse sido publicada, verdade seja dita, no V Governo Constitucional a ratificação da Convenção sobre Património Natural e Cultural da UNESCO. Quarto, foi proposta e agendada em Conselho de Ministros a ratificação da Convenção de Protecção às Espécies Migradoras de Fauna Selvagem - a chamada Convenção de Bona. Com esta lei poderá ser finalmente aprovada a protecção ao lobo-marinho nas ilhas Desertas é uma convenção que regulamenta a exploração com diferentes tipos e graus de condicionalismos da fauna migradora. Quinto, está agendada em Conselho de Ministros a ratificação da Convenção sobre Poluição Atmosférica e Transfronteiras a Longa Distância. Sexto, em 31 de Março de 1980 foi finalmente assinado o Acordo de Cooperação Nuclear entre Portugal e Espanha - acordo esse que o PPM, enquanto foi oposição neste país, durante largos anos, denunciou publicamente e que nenhum Governo teve coragem de assumir -, juntamente com o protocolo de intercâmbio de informação em matéria de segurança nuclear em geral e o protocolo de intercâmbio de informação no âmbito do acordo sobre instalações nucleares de fronteiras. Todas estas propostas foram já aprovadas em Conselho de Ministros.

Em matéria de parques e reservas, foi finalmente criado, isto também em cinquenta dias, o do paul do Boquilobo, o dos açudes de Coruche, o da serra da Malcata, o das ilhas Berlengas e o do estuário do Sado, estando a criação deste último em curso.

Está bem para discussão, em Conselho de Ministros um diploma sobre qualidade do ar que, como o Sr. Deputado Gomes Fernandes deverá saber, estava praticamente pronto na Secretaria de Estado do Ambiente, e o diploma sobre a qualidade da água estará concluído até aos finais de Junho.
Se muito do que referi não foi feito em menos tempo - friso, em cinquenta dias - foi porque o PPM, quando chegou à Secretaria de Estado do Ambiente, deparou-se com um mar de grupos de trabalho que se entrechocavam, era enfim a chamada herança gonçalvista e socialista que o PPM foi encontrar na Secretaria de Estado do Ambiente.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

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O Orador: - Um momento só, Sr. Deputado.
E digo-lhe mais, Sr. Deputado Gomes Fernandes: até ao Verão serão regulamentados os diplomas sobre a qualidade dos combustíveis e sobre a qualidade dos compostos químicos perigosos, pois até agora não existe para os locais de trabalho nenhuma normalização em Portugal que possibilite a regulamentação das emissões de produtos tóxicos perigosos ou cancerígenos. Um grupo de trabalho para este efeito iniciou a sua actividade em 1966, as normas estão extremamente actualizadas, com números de 1978 - é das informações mais recentes que existem -, mas entre 1978 até esta data ninguém foi capaz, a nível de Governo, de as pôr a circular através dos sindicatos, através da Direcção-Geral de Saúde, através dos organismos competentes para poderem ser publicadas como normas.
Faça agora o favor de usar da palavra, Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Era só para lhe perguntar se essa sua expressão do mar gonçalvista que o PPM encontrou na Secretaria de Estado é uma crítica ao ex-Secretário de Estado Ribeiro Telles.

Risos do PCP e do PS.

O Orador: - Não, Sr. Deputado. É que na época gonçalvista, como sabe, cada departamento nos Ministérios fazia a sua actuação partidária sem - perdoe-me a expressão - ligar cavaco a ninguém. Foi por isso mesmo que foi sonegado à Secretaria de Estado do Ambiente, o projecto nuclear de Ferrel assim como tantos outros exemplos de que poderia estar aqui infindavelmente a falar, como o complexo petroquímico, a lagoa de Óbidos, etc. Tudo isso passou por cima da Secretaria de Estado do Ambiente, a quem ninguém ligou nenhuma.
E é aqui que está a questão. É que o projecto de lei apresentado pelo PS vai exactamente de encontro àquilo que foi anunciado pela Aliança Democrática e que está já em fase de finalização de estudos. Até porque o Sr. Deputado Gomes Fernandes sabe muito bem que os estudos aqui apresentados pelo PS foram feitos de uma forma rápida, porque só há quinze dias atrás é que os senhores se lembraram que havia o Dia Mundial do Ambiente e portanto havia que preparar qualquer coisa para não ser só o PPM a apresentar nesta Casa projectos sobre o ambiente. A verdade é que vai ser elaborado até ao próximo Verão o Código dos Recursos Naturais e Ambiente, que já está em avançado estado de estudo, para o qual vai ser pedida uma autorização legislativa.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Deputado, muito rapidamente, queria dizer-lhe que referi claramente na minha intervenção que este diploma aqui apresentado é consequência de um trabalho que até nem foi realizado na área do ambiente e que foi iniciado não nos últimos quinze dias, mas, como deve calcular, há três meses.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Borges de Carvalho inscreveu-se para pedir esclarecimentos?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM) - Sr. Presidente, se o Sr. Deputado Gomes Fernandes quiser responder ao Sr. Deputado Luís Coimbra não tenho qualquer objecção a fazer. Aliás, a minha intervenção não é propriamente para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Presidente: - Então, Sr. Deputado Gomes Fernandes, se quiser responder ao Sr. Deputado Luís Coimbra faça favor. Como sabe tem muito pouco tempo.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Deputado Luís Coimbra, não tenho tempo para responder a V. Ex.ª...

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Deputado Gomes Fernandes, desculpe interrompê-lo mas como penso que vão ser feitas críticas relativamente ao projecto de lei do PS, pelo meu colega de bancada Borges de Carvalho, julgo que, para salvar tempo ao PS, seria melhor dar as respostas conjuntamente.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Com certeza, Sr. Deputado. Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ramires Fernandes.

O Sr. Ramires Fernandes (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consagração legal da obrigatoriedade da regulamentação de estudos de impacte ambiental é de aplaudir sem reservas.

É natural que antes da realização de grandes projectos se analisem previamente as consequências, isto é, os inconvenientes e as vantagens económicas, sociais e ambientais, ou seja, os custos e os benefícios de um projecto em causa. Tal não tem sido feito até agora de uma forma integrada e por falta de legislação adequada que, pela primeira vez, nos aparece no projecto de lei n.º 467/I. Regozijamo-nos assim com a iniciativa e, em termos genéricos, apoiamos o seu conteúdo.

Parece contudo haver alguns reparos de pormenor que gostaria de fazer.

No artigo 1.º parece haver contradição entre aquilo que se afirma no n.º 1 e no n.º 2 do projecto de lei. Diz-se no n.º 1 que "os grandes projectos ficam sujeitos à realização de estudos de impacte, como condição prévia para o seu licenciamento final [ ... ]" e no n.º 2 diz que "só serão submetidos a estudos de impacte os projectos que tenham sido previamente aprovados pelas entidades competentes [ ... ] ". Parece assim que esta "aprovação pelas entidades competentes", nos termos deste projecto, seria o licenciamento final. Neste sentido, já apresentámos uma proposta de emenda.
O artigo 2.º, alínea b), diz que se consideram abrangidos pela presente lei "os centros produtores de energia eléctrica a partir de qualquer tipo de carvão ou de urânio, natural e seus derivados". Parece que há aqui uma omissão no que diz respeito à referência ao fuel e de outros derivados do petróleo, que conviria talvez integrar nesta mesma alínea.

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A alínea d) do mesmo artigo contempla unicamente "Os processos industriais que envolvam a criação intermédia, final ou sob a forma de efluentes, de produtos tóxicos, ou sob suspeita, [ ... ] cancerígenos [ ... ]" Parece-nos que deveriam também ser contemplados todos os processos industriais poluidores que não sendo tóxicos ou cancerígenos, poluem, no entanto, o meio ambiente. Estou a referir-me muito concretamente a determinadas indústrias altamente poluentes, como, por exemplo, as indústrias de pasta de papel.
Finalmente e em relação à alínea f), do mesmo artigo 2.º, que diz que "projectos que, de qualquer modo, sejam motivo de controvérsia pública por razões ambientais", parece que seria de especificar melhor o que é que se entende por "controvérsia pública". E se esta "controvérsia pública" se der após o licenciamento da obra?.
Relativamente ao projecto de lei n.º 487/I, sobre lei-quadro do ambiente e da qualidade de vida da iniciativa do Partido Socialista, cabe-nos dizer o seguinte:
A apresentação de um projecto de lei sobre lei-quadro do ambiente e da qualidade de vida é um passo positivo no sentido, de preencher uma lacuna existente na legislação portuguesa com a finalidade de assegurar o cumprimento do artigo 66.º da Constituição da República.
Numa análise necessariamente, breve pelo tempo que dispomos do presente projecto de lei, dir-se-á que o mesmo nos merece inteiro apoio, realçando que o conceito de ambiente apresentado, que associa as condições físicas, químicas e biológicas do habitat do homem com as condições económicas, sociais e culturais da sociedade em que se insere e das quais resulta a qualidade de vida, se afigura, correcto e ajustado.
Devemos também realçar a nossa perfeita concordância com a interpenetração e inter-relação entre as condições físicas e sociais no desenvolvimento do modelo de sociedade para que aponta a Constituição e ainda com o "sistema de desenvolvimento integrado resultante da abordagem interdisciplinar e multissectorial dos problemas e, respectivas soluções" para que o projecto ora em apreciação clara e justamente aponta.
A qualidade de vida não aparece assim identificada apenas com as condições físicas e ecológicas do ambiente, como demagogicamente muitas vezes se quer fazer supor, mas tem em conta o nível de vida das famílias e os equipamentos sociais que a servem e a integram na sociedade.
No entanto, alguns reparos gostaria de fazer a este mesmo projecto de lei.
No seu artigo 6.º, n.º 1, o autor do projecto não define nem enumera quais são os factores ambientais humanos. Cabe perguntar quais são eles, até porque no restante articulado apenas são desenvolvidos os factores naturais. No n.º 2, o projecto de lei não define quaisquer critérios que, informem a regulamentação do ordenamento do território. Parece que também aqui o projecto de lei deveria consagrar os princípios reguladores do ordenamento territorial.
No artigo 7.º, o projecto de lei não faz referência ao ruído como fonte poluidora. Há quem o associe à qualidade do ar pelo facto de na maior parte das situações ser por ele propagado. Talvez houvesse que referi-lo aqui à falta de melhor sede.

Quanto ao artigo 8.º, salvo o devido respeito, a protecção das águas não poderá ser regulamentada apenas com base no conteúdo, das três alíneas do n.º 3 do artigo 8.º
A protecção das águas deve ser enquadrada na problemática global da gestão dos recursos hídricos em que a quantidade e a qualidade da água sejam entendidos como dos aspectos de um mesmo problema. Haverá pois que prever legislação especial que se apoie em princípios hoje universalmente aceites para a gestão de recursos hídricos que envolve naturalmente a sua protecção.
No n.º 5 do mesmo artigo há seguramente um erro quando se fala "a montante". Deve neste caso querer dizer-se "a jusante" ...
O artigo 11.º dá grande relevância à proibição das rejeições poluentes. Tal prática tem vindo a ser seguida por toda a legislação, desde o princípio do século e nunca conduziu a quaisquer resultados práticos.
Não seria conveniente, em vez da consagração da proibição das rejeições poluentes, impor-se a utilização racional dos recursos (ar, água, etc.) em termos de custos/benefícios, incluindo a capacidade dos próprios recursos para depurarem e eliminarem os inevitáveis resíduos das actividades humanas?
No artigo 13.º, n.º 2, alínea c), parece não fazer sentido que se proíba o combate ou destruição de animais prejudiciais com o emprego de métodos devidamente autorizados.
Estas as dúvidas e sugestões que o estudo do projecto de lei nos levantou e que nos levaram a propor algumas alterações de pormenor ao seu articulado.
Aliás, parece-nos que seria de toda a utilidade que o texto baixasse à comissão para um estudo e uma análise mais profunda e detalhada que em Plenário é impossível fazer.
Tudo isto sem embargo de darmos o nosso inteiro apoio não só à oportunidade do projecto de lei como aos princípios fundamentais que o informam e que por nós também são perfilhados.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo como ponto de referência quatro iniciativas legislativas de diferente relevância, objecto e natureza, o debate que hoje se suscita incide sobre a questão fundamental do ambiente.
Pena é que não tivéssemos tido oportunidade de fazer aqui, atempadamente, um debate à altura da Câmara político-legislativa que é a Assembleia da República, pois isso teria permitido mais facilmente à opinião pública aperceber-se da existência de duas atitudes completamente diferentes no campo aparentemente consensual da defesa do ambiente. É que também aqui há uma opção fundamental a fazer: ambiente como o meio em que se desenvolve a acção do homem como valor central, ou quadro intocável que tem o homem quase como inimigo. Pela nossa parte optamos decididamente pela primeira resposta ...

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Muito bem. Nós também!

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O Orador: - ... e dela extraímos todas as ilações. É para ela que aponta a Constituição da República e sem grande surpresa, encontrarmos as forças mais retrógradas dos mais diversos tecidos sociais apostadas na segunda das concepções.
Destas duas atitudes opostas saem também duas políticas opostas: enquanto uma utiliza o ambiente numa perspectiva dinâmica, a outra serve-se dele de maneira conservadora (no sentido de estática) e entra em choque com as necessidades do desenvolvimento inteligente.
0 homem - o elemento social - é um elemento específico do ciclo biogeoquímico universal; e a utilização que faz de todas as fontes naturais põem-no em relação com a totalidade do ambiente e não apenas com este ou aquele elemento isolado. Que importa, pois, querer defender isto ou aquilo, deixando fora dessa preocupação o resto? Ou proteger o ambiente deixando de fora o homem?
Vejamos um exemplo concreto da vida nacional.
A qualidade de vida em grande parte do Sul do
País está dependente da barragem do Alqueva: o
abastecimento de várias albufeiras para fornecimento
de água a numerosas povoações, à agricultura e à
indústria; a intensificação dos sistemas de cultivo,
com a transformação do sistema cultural latifundista,
o desenvolvimento industrial, com a transformação
consequente do carácter acentuadamente rural dessa
região; a criação de numerosos postos de trabalho,
com a consequente erradicação do cicio de pobreza
que os latifundiários e o fascismo ali instalaram.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Eis que contra a construção dessa obra se levantam as forças políticas defensoras dos interesses de umas centenas de ricas famílias, enquanto as forças representativas das centenas de milhares de famílias que sofrem as consequências desse domínio estreito e egoísta se levantam exigindo a construção da obra.
As forças conservadoras brandem argumentos pseudoecológicos de terrível impacte ambiental que terá a criação de uma tão grande massa de água, e umas frágeis razões economicistas. Mas não cuidam de se preocupar com o impacte ambiental que já tem tido a não criação dessa massa de água: porque as famílias que exploraram até à miséria o povo alentejano têm rendimentos que bastam, têm água em casa, não precisam de postos de trabalho para si nem os desejam para os outros; porque querem contrariar a erradicação do latifúndio; porque não querem ver o "doce" Alentejo alterado pela existência de indústria, de proletariado industrial, de opções de vida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Eis, pois, como o falso "ambiente" serve de capa a uma política reaccionária de impedimento da construção da obra do Alqueva, quando o verdadeiro "ambiente" a reclama e exige!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não diga asneiras!

O Orador: - Então cale-se!
Pois não é verdade que a Reforma Agrária teve já e terá cada vez mais um grande impacte ambiental?

Não transformou ela a qualidade de vida dos trabalhadores alentejanos e ribatejanos, a própria essência do sistema extensivo de cultivo ...

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Ena pá!

O Orador: -... nomeadamente com a introdução de novas culturas, construção de novos regadios, intensificação da produção pecuária? Seria então que esta realidade, se tivesse sido considerada ao nível de projecto pelas forças hoje no Governo, teria ido avante quando sujeita ao teste do impacte ambiental?!

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Não tinha, não!

O Orador: - Com o ambiente (segundo o conceito progressista que dele temos) têm a ver também a Lei do Arrendamento Rural, a Lei das Finanças Locais, a Lei de Delimitação de Competências entre o Poder Local, Regional e Central, a Lei da Delimitação dos Sectores, a Lei da Alfabetização, a Lei de Bases do Ensino, o Serviço Nacional de Saúde, a política de aceso ao ensino, a política de transportes, etc. Porque - Perguntarão alguns. E nós respondemos: porque de tudo isso depende fundamentalmente a maneira como o homem português está no seu país, está no seu ambiente português.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

E é assim, no concreto, que se vê que não faz sentido que as forças conservadoras falem na sua propaganda eleitoral de uma política de desenvolvimento das regiões do interior e de equilíbrio inter-regional, se na prática impelem o encerramento da linha do Tua, impedem o Alqueva, em obediência a interesses inconfessáveis limitam o plano siderúrgico e não aproveitam o minério de Moncorvo, congelam o plano de aproveitamento integrado das pirites alentejanas, desprezam a utilização dos carvões nacionais, nomeadamente os de Rio Maior ...

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É falso!

O Orador:- ...; não se interessam pelos sienitos e pelo gás natural algarvios; contrariam o Serviço Nacional de Saúde!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É falso!

O Sr. Sousa Marques (PCP): - É verdadeiríssimo!

O Orador: - Vão pô-lo em prática?!
Que sentido faz que as forças conservadoras falem de regionalização e de descentralização (na sua propaganda eleitoral), se na prática reduzem ilegalmente a capacidade de intervenção dos órgãos autárquicos e promovem uma acentuada inversão do processo, carreando para o Governo e para certos departamentos o poder que não têm, revestindo os projectos de lei de um cariz burocrático-centralizador?!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ao menos de vez em quando diga uma verdade!!

O Orador: - Também no concreto se pode avaliar a acção das forças progressistas. E essa - bem diferentemente - tem sido, entre muitos outros aspectos,

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a da dinamização dos estudos e projectos de exploração racional dos recursos e a luta por pô-los em execução; tem sido uma acção constante de desenvolvimento económico-social ordenado e profundamente respeitador dos valores ambientais,
Os órgãos autárquicos com maioria APU, nomeadamente as Câmaras de Montemor, Évora, Sesimbra, Vila Franca de Xira, Loures, Setúbal e tantas outras, têm elaborado desde o 25 de Abril os respectivos estudos e planos de ordenamento concelhios que sistematicamente, sem excepção, têm topado com a total paralisação do aparelho burocrático central, dominado por interesses distintos do desenvolvimento harmónico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Enfim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a perspectiva global que, temos dos problemas do ambiente desenvolvemo-la e aperfeiçoamo-la na prática através de uma política coerente com a defesa das condições de vida do homem. E assim tentamos que cada dia do nosso quotidiano seja dia do ambiente.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado do Partido Socialista Igrejas Caeiro.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra para prestar uns rápidos esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Quanto à oportuna intervenção do Sr. Deputado do MDP/CDE, que gostosamente ouvimos, devo dizer que no que se refere ao projecto de lei por nós apresentado não mencionámos expressamente o fuel e outros derivados do petróleo, porque eles caem dentro do âmbito dos processos cancerígenos. Daí não os incluirmos. Em todo o caso, aceito perfeitamente que essa inclusão possa ser feita.
Quanto à pasta de papel, acontece o mesmo devido aos efeitos do cloro, que o Sr. Deputado com certeza conhece, tão bem como eu. Cairiam portanto na outra parte do artigo.
Em relação aos protestos que eventualmente possam resultar de uma rejeição ou de uma aprovação, como está expresso no último artigo do nosso projecto de lei, haverá sempre recurso para os tribunais - quer seja pelos vencedores, quer seja pelos vencidos - dos resultados de todo o processo de licenciamento, incluindo os estudos de impacte.
O Sr. Deputado Vítor Louro acabou de fazer uma intervenção perfeitamente ridícula, Sr. Deputado, quem andou a "enterrar" o processo do Alqueva - e quanto a nós muitíssimo bem - foi o Governo do Partido Socialista, porque não pôs o visto para o lançamento de determinadas obras necessárias para o Plano de 1977. E devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que o que está aqui em causa não é o Alentejo não ser irrigado. 0 PPM demonstra, claramente que com metade do investimento se consegue irrigar a mesma área para fins agrícolas e que trará muito maiores benefícios a toda a população alentejana. Os senhores é que apresentam um projecto que não tem fundamento, para o qual já existe uma comissão que vai realizar um inquérito. No V Governo, da engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo, continuaram as dúvidas sobre esse mesmo projecto, voltaram a fazer-se novos estudos agrícolas e a apreciação desses que vêm agora a lume levam a concluir que o projecto não tem qualquer justificação. Os senhores estão a enganar os vossos votantes se continuarem a insistir no projecto do Alqueva.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - E o vosso projecto?!

O Orador: 0 nosso projecto é muito claro, já o apresentámos várias vezes...

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Dê cá então isso para a gente estudar. Até batemos palmas!

O Orador: - Quando o Sr. Deputado quiser. Terei muito gosto em o fornecer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vítor Louro, há um Sr. Deputado inscrito para pedir esclarecimentos. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. Vítor Louro (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sanches Osório.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria congratular-me por ter ouvido o Sr. Deputado Vítor Louro afirmar a sua fé numa política dinâmica do ambiente e numa política do ambiente centrada no homem, no espaço português. Pena é que na actuação prática a realização se cifre por um colectivismo, justamente alienante, desse mesmo homem que disse defender.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vítor Louro, quer responder?

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Não, Sr. Presidente. Não houve pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, tinha-me inscrito para dizer algumas palavras sobre o projecto de lei do PS. No entanto, não me posso eximir a fazer alguns comentários prévios à intervenção do Sr. Deputado Vítor Louro.
De facto, não há esclarecimentos a pedir; a posição aqui assumida pelo Partido Comunista foi bem clara.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Ainda bem que percebeu!

O Orador: - 0 Partido Comunista tem uma espécie de "duarte pachequismo" interno, inultrapassável. Para ele o que interessa são as grandes obras, não lhe interessando saber nem o que é que elas vão dar nem o que vão fazer. A protecção ecológica do Alentejo faz-se com a Reforma Agrária, com o arranque das azinheiras... etc. Ficou aqui absolutamente demonstrado que não há diferença nenhuma - e se a há é

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para pior -, entre a política de crescimento económico do regime fascista e a política de crescimento económico do Partido Comunista Português!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não seja provocador!

O Orador: - Apenas duas palavras sobre o projecto de lei do PS para justificar o sentido do nosso voto. Este projecto de lei é revelador de uma intenção legislativa a todos os títulos louvável, que nos cabe aqui neste plano elogiar. É, aliás, como foi dito pelo Sr. Deputado que apresentou o projecto de lei, fruto de diversos estudos que já vinham sendo conduzidos de há longo tempo. E será talvez o seu principal defeito precisamente ter querido juntar ou justapor diversas opiniões, diversas teorias, diversos estudos.
Assim, tenho também de reconhecer que a tarefa a que o Partido Socialista deitou ombros era extremamente difícil. É muito difícil fazer uma lei-quadro do ambiente. Antes demais porque o ambiente, como dizia o Sr. Deputado Vítor Louro, tem a ver com tudo. É, portanto, difícil limitar, balizar uma lei que para ter conteúdo normativo necessariamente precisa de uma certas baias, de umas certas limitações. Portanto, o primeiro grave defeito deste projecto de lei do Partido Socialista é a sua falta de normatividade.
0 diploma define, muitas vezes incompletamente, diversos conceitos, há outros que deixa por definir e outros anda que não seria necessário introduzir e que lá aparecem, incluindo-se esse tipo de definições de uma forma incompleta num sitio para depois vir a completar-se cinco artigos adiante. É um diploma que em si, é uma declaração de princípios. É como se fosse todo ele um preâmbulo de um projecto redigido em forma de lei e julgo que a colaboração de juristas na elaboração do diploma não terá sido tão profunda como seria de desejar.
De facto, o projecto de lei deixa tudo por regulamentar e não deixa pistas concretas para que se processe a qualquer regulamentação. Por isso, a sua aprovação redundaria não no conseguir da boa intenção que o diploma representa, mas, pelo contrário, no fomentar de uma confusão legislativa que não seria desejável.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Então vão votar contra?! ...

O Orador: - Julguei que o projecto de lei tinha sido apresentado pelo PS, Sr. Deputado Sousa Marques.
Portanto, não vejo que com a aprovação deste diploma, mesmo baixando à Comissão e sendo-lhe introduzidas grandes modificações, haja possibilidade de, com a estrutura que nos é proposta, conseguir o fim que pretende. É por isso que o meu partido, embora com mágoa, não terá outra solução senão votar contra.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Então não vai uma abstençãozinha! ...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Maria da Silva.

O Sr. José Maria da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz Edgar Morin: "A consciência ecológica ainda mal nasceu, e corre já grandes perigos. Antes de mais nada, o risco de tudo reduzir ao problema estritamente ecológico, quando a sua principal característica é a de ligar realidades não apenas complementares, mas também antagónicas e que levantam problemas terrivelmente complexos, quer dizer, ambivalentes: é o risco de ecodeformação, que passa por cima de tudo à força de só ver o verde.

Mas há também o risco de se reduzir a problema ecológico, até mesmo de o dissolver, em componentes unicamente técnicas, ou em fórmulas convencionais e rituais de salvação revolucionária."
0 homem é essencialmente história. E a história é a concatenação ordenada e causal dos factos humanos num evoluir contínuo. Para o homem, o que deve contar é o homem. E nisto consiste sempre o humanismo ou, se quisermos, o nosso antropomorfismo fatal.

Lançado contravontade, num ambiente hostil, o ,homem para subsistir e sobreviver teve necessidade de ordenar as componentes fundamentais das suas condições de vida.
Na época paleolítica, este ordenamento consistia unicamente em pôr a razão ao serviço da defesa natural contra os elementos adversos, naturais ou animais. Em termos ecológicos, poder-se-á dizer que o homem era apenas um componente, entre outros, dos ecossistemas no qual vivia, colhia, caçava e pescava. 0 drama do homem, porém, é que o seu crescimento como espécie implica, por questões de sobrevivência, o rompimento, a alteração e a absorção dos ecossistemas primitivamente existentes. Este drama inicia-se com a primeira revolução industrial do neolítico. A exploração primeira do solo implica a sua renovação contínua, e quando uma civilização não é capaz de tornar viável o ecossistema em que começou a influir, inviabiliza-se como sociedade - é o caso dos Maias, cujo desaparecimento se atribui à falta de criatividade e técnicas para repor a fertilidade dos solos que eles esgotaram inconscientemente.

Cada época histórica caracteriza-se por um fenómeno de aceleramento, que se traduz em alterações mais ou menos profundas no ecossistema existente e por fenómenos de travagem.
A primeira revolução industrial da Idade Média gerou, como fenómeno de travagem, o franciscanismo; a revolução industrial moderna, os vários fenómenos do romantismo e a nossa época (da terceira revolução industrial ou pós-industrial, como a quisermos chamar) os vários fenómenos hippies, por um lado, e ecologistas, por outro.
Até à chamada propriamente Revolução Industrial, estes fenómenos de alteração de ecossistemas encontravam-se localizados, particularizados e limitados nas suas consequências. A Revolução Industrial foi a primeira grande revolução também nos sistemas ecológicos em lenta Revolução. As descobertas científicas e a tecnologia introduziram-lhes intensificações e acelerações muitas vezes incontroláveis e motivaram o aparecimento de fenómenos novos, uns totalmente ignorados, outros que pouco a pouco começam a ser detectados.

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Esses fenómenos, porém, podem entrar em três categorias fundamentais:

a) O ambiente humano;
b) O ambiente - recursos naturais;
c) O ambiente - quadro de vida.

As condições técnicas (higiene, nutrição, controle das calamidades e epidemias, o fenómeno do urbanismo, etc.) fizeram aumentar rapidamente a população mundial, de 700 milhões por alturas da Revolução Francesa até aos cerca de 4000 milhões de hoje. População que há-de duplicar nos próximos trinta anos.
Por outro lado, há que ter em conta dois outros fenómenos, para além da álgebra da população, que é o d& preservação do património genético da humanidade, hoje perturbado por vários fenómenos também de população genética, e a melhoria contínua da qualidade espiritual da v da humana.
No que se refere aos recursos naturais, o solo é a mais importante das quatro fontes de recursos naturais que constitui o que, em economia, se designa por natureza. As outras três são: a água, a fauna e a flora. As suas qualidades são de uma extrema vulnerabilidade dependente de outros três factores:

a) Subsolo;
b) Clima;
c) Relevo.

E, mais do que tudo, das técnicas de renovação e dos cuidados do homem. O solo é algo de vivo, que não pode ser infinitamente desdobrado, infinitamente fertilizado e infinitamente explorado. A Terra -planeta vivo- distingue-se da Lua -já morta- por uma pequena camada de solo que não atinge muitas vezes mais do que algumas dezenas de centímetros de espessura e num diâmetro de apenas 12 700 km.
O quadro de vida do homem moderno também se alterou por virtude da Revolução Industrial: excrescências de produção e consumos que dão a poluição da atmosfera, das águas doces e marinhas, dos solos, a radioactividade. Isto tudo produz fatais rupturas de equilíbrio biológico e agressões no equilíbrio psicológico do homem.
Porém, a solução não será o retraimento; a volta ao grau zero do desenvolvimento como muitos preconizam, sob pena de acontecer a esta civilização, a esta sociedade evoluída, de consumo e pós-industrial o destino fatal da civilização Maia, ou seja, a morte.
A solução só pode esta no evoluir do processo, na descoberta de novos fenómenos, novas técnicas, novo sentido da evolução, numa palavra, no equilíbrio do ecossistema em que se introduziram alterações.
Os autores da revolução científica e da Revolução Industrial, o prosseguimento de uma civilização técnica e de produção de bem-estar criaram expectativas moralmente protegidas às gerações vindouras que nós não podemos defraudar.
Diz ainda Edgar Morim:
«A redução tecnologista, ou seja, tecnocrática, já está em acção. Resume-se à degradação do ecossistema, a questões de poluição. Cada poluição pode efectivamente ser considerada isoladamente e ter o seu remédio técnico; aqui emanações de motores e de fábricas, ali os detritos químicos, além a reforma dos pesticidas. Mas é exactamente assim que se mascara o problema geral, que não é um problema de caixotes de lixo mas de organização geral da sociedade, de relação homem-Natureza, de evolução industrial. A tecnologia está, decerto, apta para colmatar brechas, não está apta para repensar o sistema.»
O devir da história, como a evolução das espécies na Natureza, não se processa, muitas vezes, em continuidade, mas por saltos bruscos, por mutações.
A evolução dos transportes, por exemplo, do carro ao avião, não se deu por aperfeiçoamento indefinido da roda mas por introdução de um elemento novo, que foi a hélice.
O fundamento da civilização ocidental talvez provenha de três princípios organizativos que talvez também tenham esgotado hoje grande parte do seu conteúdo, ou seja:

a) A separação cartesiana do homem - sujeito dentro de um universo de objectos a manipular;
b) A ciência concebida como conhecimento objectivo que remonta pelo menos a Aristóteles;
c) O conceito burguês de que o progresso consiste na conquista da Natureza.

Este último elemento deu forma à noção do progresso hoje vigente. Mas, como diz Michel Bosquet, essa «é apenas uma entre os vários milhares que foram estudadas e desertas pelos etnólogos. Existe só há cento e cinquenta anos, ao passo que o homem anda na Terra pelo menos há 1 milhão de anos».
A ecologia tende, por vezes, a transformar-se em tecnocracia do verde, ou em anticultura dos movimentos revolucionários.
No primeiro caso, há que dizer que, isolando cada um dos problemas, não há problemas mas sim técnica! E a técnica é cega ao evoluir do problema central.
Michel Serres, num artigo intitulado «A Tanatocracia», supõe que a evolução é no sentido de dominar o domínio e já não a Natureza, e que isso leva à morte. A ecologia neste sentado pode estar também caricaturizada, tal como o capitalismo, num episódio da banda desenhada do americano All Cap, cujo tema é: um homem comprou um cheiroso animal. Esse animal polui de tal forma a atmosfera que o próprio dono do animal inventa um instrumento despoluidor, que vende ao presidente da câmara local, que por sua vez constrói uma fábrica de instrumentos despoluidores, que por sua vez cria novos postos de trabalho. O presidente da câmara é reeleito por criar objectos de despoluição e simultaneamente criar novos postos de trabalho. No entanto, todo o mundo passa por cima, ignora o animal causador do fenómeno que se pretende eliminar.
De qualquer forma, o problema não é o de documentarmos sobre o envenenamento do nosso planeta, mas si m o de evitá-lo.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Ou, como diz Robert Allen: «Quando se salta de um avião, mais vale estar-se equipado com um pára-quedas do que com um altímetro.»
O PSD vai votar favoravelmente na generalidade o projecto de lei n.º 467/I, sobre Impacte Ambiental, e contra o projecto de lei n.º 487/I, sobre Lei-Quadro do Ambiente e da Qualidade de Vida.
Isso significa que o nosso partido está de acordo com os princípios gerais expressos no projecto de lei apresentado pelo PPM, ou seja:

a) De garantir e promover, através das medidas adequadas, a qualidade de vida e do ambiente não só das gerações actuais, mas também das gerações futuras de portugueses;
b) De preservar a todo o custo os aspectos histórico, culturais e naturais mais importantes da nossa herança nacional;
c) De obter um equilíbrio entre a população e recursos que permita uma melhoria sensível no uso do território e da qualidade de vida das populações.

O projecto do PPM é de louvar sem reservas. Reservamo-nos, porém, o direito de sugerir alterações na especialidade. Alterações que garantam uma maior tipificação das situações por vezes vagas do projecto e, simultaneamente, também num sentido técnico e objectivo que não impeça a evolução das novas concepções do progresso, de ecologia, da Natureza, de paisagem, de ambiente e da qualidade de vida.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Porém, o tom genérico vazio de definição, a falta de articulado técnico leva-nos a recusar o projecto apresentado pelo PS, que à primeira vista nos pareceria poder ser aprovada na generalidade e alterado na especialidade. Propriamente o artigo 4.º do projecto é a sua anulação, uma vez que remete para o Governo a definição de uma política global, nos domínios do ambiente e da qualidade de vida, bem como a coordenação das políticas do ordenamento do território ...

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Muito bem!

O Orador: - ... do desenvolvimento económico e do progresso social, políticas essas que competida ao presente projecto de lei definir e ao Governo, isso sim. regulamentá-las.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de tecer algumas considerações acerca da proposta de lei n.º 280/I, sobre a assistência ao Governo Regional da Madeira na defesa das ilhas Selvagens como reserva natural.
As ilhas Selvagens são um pequeno agrupamento de ... ilhas, despovoadas, situadas a cerca de 250 Km sul da ilha da Madeira e que fazem parte integrante do arquipélago que constitui hoje a Região Autónoma da Madeira.
Foram sempre, tem tempos lidos, explorados para caça e pesca pelos seus proprietários e, embora, despovoadas e estéreis (apenas uma possui água salobra), constituíram ao longo dos tempos e ainda hoje constituem locais preferenciais não só para excursões de particulares que procuram conhecê-las e aproveitam para fazer piqueniques como também para exploração marítima pelos adeptos da pesca e caça submarina.
A flora existente, característica de zonas áridas, é diminuta. Por outro lado, a fauna terrestre não é muito variada não só por razões climáticas e por falta de água mas até pela caça sistemática a que foi sujeita, no passado, e a título de exemplo posso focar o caso de uma conhecida espécie marinha denominada «cagarra» que foi objecto de perseguição tal que pôs em risco a sua própria sobrevivência.
Porém, e em compensação, a fauna marítima é riquíssima pelas muitas e variadas espécies existentes na área marítima circundante.
Pelos riscos contínuos que sucessivas explorações particulares implicam na manutenção do equilíbrio ecológico e natural e que a distância a que aquelas ilhas se encontram do Funchal acrescenta, tornou-se necessário estabelecer disposições legais que possam pôr cobro a quaisquer tipo de degradação e de lapidação do meio ambiente assim como preservar o existente.
A Lei n.º 9/70, de 19 de Junho, constituiu um marco importante da concretização em Portugal de medidas de protecção e conservação da Natureza contra a degradação provocada, voluntária ou involuntariamente, pelo homem ao instituir a definição legal de reservas com diferentes objectivos específicos.
Foi, pois, para assegurar a protecção da Natureza que foram criados na altura vários tipos de reserva, nomeadamente as reservas naturais que são definidas como «territórios destinados, mediante adequadas providências, à protecção e conservação da flora e fauna naturais, bem como da paisagem».
E é nos termos desta lei que, em 29 de Outubro de 1971, é publicado o Decreto-Lei n.º 458, que instituiu como reserva as ilhas selvagens e a orla marítima que as rodeia até à batimética dos 200 m, ficando os terrenos submetidos ao regime florestal total e as águas e fundos submarinos adjacentes a esses terrenos ao regime de defesa no que se refere ao exercício da pesca e à exploração dos recursos geológicos.
De notar que no mesmo diploma se proibia, além de outros, que fossem praticadas quaisquer acções de pesca na área de 200 m, assim como a exploração submarina e lançamento de detritos no mar, interdições que, a não serem observadas, determinavam a aplicação de penas de multa.
Determinava-se ainda que as funções de fiscalização e policiamento da reserva eram da competência da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Agrícolas, do Instituto Hidrográfico e da Capitania do Porto do Funchal.
Com a criação, pós-25 de Abril, da Secretaria de Estado do Ambiente, perspectivada para uma acção integrada de todos os aspectos que influenciam o ambiente, foram definidos, como princípios básicos a ter em conta no ordenamento territorial, para além de outros, a conservação do ambiente e protecção de

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paisagens, mas também a gestão nacional dos recursos naturais e a salvaguarda da sua capacidade de renovação.
Assim, surge o Decreto-Lei n.º 613/76, que procurou estabelecer as bases indispensáveis a que numa política de desenvolvimento económico, baseada nas potencialidade do território e na sua população, fosse possível completar, a intervenção do ordenamento biofísico do território com a introdução do conceito e critérios de salvaguarda e racional gestão dos recursos naturais e alargar as intenções de conservação na Natureza e protecção das paisagens e planeamento básico.
Mas porque o citado decreto-lei revogou a Lei n.º 9/70, ao abrigo da qual as ilhas selvagens haviam sido declaradas (pelo já referido Decreto-Lei n.º 458/71) como reserva e instituídos os órgãos indispensáveis à sua administração, fiscalização e policiamento, havia necessidade de adaptar o regime das reservas, criado com base na Lei n.º 9/70, à configuração das instituições autónomas criadas pela Constituição de 1976, com respeito, evidentemente, pelos compromissos internacionais entretanto já assinados e pelos legítimos interesses a proteger. Compromissos e interesses que a Região Autónoma assumiu mas que não pode, sem a assistência e apoio do Estado, por si só, garantir, sobretudo por falta de meios adequados, nomeadamente barcos da armada e outros em número suficiente, e rápidos, além de pessoal devidamente habilitado, que permitam uma eficaz fiscalização e policiamento de uma reserva que fica, volto a frisar, a cerca de 250 km a sul da Madeira.
Eis a razão fundamental, Sr. Presidente e Srs. Deputados, da presente proposta de lei emanada da Região Autónoma da Madeira, pela qual mais não se pretende do que estabelecer as disposições básicas indispensáveis a uma real e efectiva protecção e conservação das ilhas selvagens.
Conservação e protecção para as quais é necessário que o Estado Português, através dos serviços competentes, nomeadamente Secretaria de Estado do Ambiente e Estado-Maior da Armada, preste assistência ao Governo Regional da Madeira.
Assim, para além da necessidade de haver uma colaboração mútua entre os órgãos dos Governos da República e Regional para a elaboração de um plano de ordenamento e regulamento da reserva natural, assim como para a sua administração é ainda necessária a mesma colaboração e assistência para efeitos de fiscalização e policiamento. Colaboração e assistência que será, nos termos da presente proposta, especificada por portaria conjunta da Secretaria de Estado do Ambiente e do Chefe do Estado-Maior da Armada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque se trata de uma proposta que se integra numa preocupação mundial de protecção e conservação do ambiente, numa defesa intransigente da boa qualidade de vida do homem, parece-me que devemos estar todos de acordo em aprovar a presente proposta de lei.

Aplausos do PSD, do CDS e ao PPM.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria dizer apenas que iremos votar favoravelmente a proposta de lei n.º 280/I, como não pode deixar de ser. E queria, ao mesmo tempo, anunciar à Sr.ª Deputada que agora interveio e à própria Câmara que foi recentemente assinado um protocolo de colaboração, em matéria de ambiente, entre o Governo Central e o Governo da Região Autónoma da Madeira e dos Açores, o que virá, com certeza, dar um grande impulso ao cumprimento da lei que hoje aqui vamos aprovar.

O Sr. Reinaldo Gomes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Reinaldo Gomes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para uma curtíssima declaração.
Como Deputado eleito pelo círculo de Leiria e residente em Peniche, queria aqui referir as grandes preocupações que neste momento existem nas populações locais em toda a região em face da pretensão de instalar uma central nuclear no lugar de Ferrei, lugar que pertence ao concelho de Peniche e que por virtude do seu eventual funcionamento irá influenciar negativamente toda a vida agrícola, piscatória e turística dessa mesma região.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Cumpre-me expressar o meu incondicional apoio ao projecto de lei ora apresentado pelo PPM, o que gostosamente faço.
Tem para nós igualmente particular interesse o sabermos que neste momento se encontra agendado em Conselho de Ministros, para a respectiva aprovação, o projecto de criação da reserva natural das Berlengas.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Com os seus quatro mil pescadores e as cerca de vinte mil pessoas úteis, sendo também, de há anos a esta parte, o primeiro porto de pesca do País, Peniche bem merece que assim aconteça.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais Deputados inscritos para usar da palavra relativamente a esta matéria, vamos proceder à votação na generalidade dos vários diplomas sobre o ambiente.
Em primeiro lugar, vamos votar o projecto de lei n.º 467/I - Impacte ambiental, apresentado pelo PPM.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PPM e do MDP/CDE e a abstenção do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Louro.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aduzimos as razões que nos levam a denunciar a mentalidade conservadora que informa

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c enforma a chamada política de ambiente dos partidos da AD.
Outro aspecto, porém, importa salientar. É que sendo o económico um factor essencial da vida - que em socialismo é posto ao serviço do homem, e em capitalismo se serve dele para proveito de alguns-, a avaliação do impacte ambiental não é inocente, asséptica e inodora. O Governo regulamentará a sua apreciação de acordo com os interesses que defende.
Por exemplo, como poderia este Governo AD apreciar um impacte ambiental de uma nova fábrica de celulose senão favoravelmente, uma vez que o imperialismo reserva a Portugal, no âmbito da CEE e no quadro da divisão internacional capitalista do trabalho, papel de fornecedor de matéria-prima para a indústria papeleira?!
Como não utilizaria este Governo pretexto desse tipo para contrariar o desenvolvimento da pesca artesanal de Sines, se já hoje considera as respectivas embarcações «poluidoras» das águas utilizadas pelos petroleiros, e não autoriza novas embarcações nem sequer transferência de propriedade?!
Não é verdade que à sombra de falsas razões ecológicas o Governo AD proíbe o normal corte de árvores nas UCPs/Cooperativas ...

Risos do Sr. Deputado do PPM Gonçalo Ribeiro Teles.

...e, com pretextos relacionados com a modificação permanente do terreno (que deseja devolver aos agrários), impede a construção de barragens!?
O ambiente tem de ser preservado em benefício do homem e isso exige uma acção progressista e dinâmica que permita às classes e camadas mais desfavorecidas libertarem-se de tudo o que as mantém nesse estado. O Governo AD, com uma lei que lhe desse o poder que este projecto de lei pretende, teria mais um instrumento para agravar as condições de vida do povo português e poderia inviabilizar a definição e execução ide uma justa política de ambiente.
Em soma, não votamos a favor porque ambiente é matéria profundamente política, e o texto apresentado pêlo PPM vem mais uma vez confirmar, como vimos, que em política esta maioria AD tem necessariamente: a nossa decidida oposição...

Uma voz do CDS: - Muito obrigado!

O Orador: - ...; não votamos contra porque defendemos intransigentemente a necessidade de submeter os grandes projectos a uma análise do impacte ambiental; abstivemo-nos por isso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E fizeram muito bem!

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação na generalidade do projecto de lei, n.º 487/I - Lei-Quadro do ambiente e da qualidade de vida-, apresentado pelo Partido Socialista.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos a favor do PS, do PCP e do MDP/CDE e votos contra do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Marino Vicente.

O Sr. Marino Vicente (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei- n.º 487/I mereceu a nossa aprovação na generalidade. Constitui um quadro correcto de objectivos consonante com o artigo 66.º da Constituição e desenvolve no plano dos princípios um direito fundamental que se prende com a própria realização Integral dos povos. No entanto, perpassa o texto a falta de audácia na consideração dos responsáveis primeiros pela denegação do direito ora em questão. Há, com efeito, uma contradição insanável entre o maior lucro e a apropriação privada dos principais recursos naturais e meios de produção e a efectiva elevação da qualidade de vida das populações.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vai tudo dar no mesmo!

O Orador: - Diga-se, à margem, que ecologismo e direita só podem ser concertáveis à mesa de um café ou no remanço de «chás-canasta».

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ou na Rua de António Serpa!

O Orador: - Consideramos pois que é possível na especialidade introduzir alterações que tendam ao efectivo controle dos verdadeiros agentes da degradação da qualidade de vida das populações, bem assim das actividades, mesmo que públicas, que a ponham em causa, por acção ou omissão.
São possíveis directivas mais precisas para que, por via regulamentar, se não inibam os princípios saudáveis e sérios que se contêm na iniciativa legislativa do PS e que determinaram o nosso voto favorável e a rejeição dos dito ecologistas de direita. O PPM sobretudo comportou se como um menino a quem se deu um rebuçado...

Risos do PCP.

...e que, cioso da sua «ecologia», sublime frustrações sentidas negando o seu voto a um projecto honesto apresentado pelo Partido Socialista e aumentando o seu rol de incongruência.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - A direita e a coligação governamental volta a desmascarar-se.

Aplausos do PCP, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção vai ser muito rápida, em estilo telegráfico.
A atitude da maioria com esta votação é uma atitude prepotente e de obstrução das iniciativas parlamentares.

Aplausos do PS.

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O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - É imoral e destituída de qualquer dignidade política.
Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Os Deputados da maioria não votavam contra o projecto por estarem em profundo desacordo com ele, mas por não- serem os seus autores.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não é verdade!

O Orador: - Votou contra por despeito e para dar ao Governo a oportunidade de vir à pressa apresentar a esta Assembleia uma proposta, esperando assim o PPM fortalecer a sua posição dentro do Governo através de iniciativas da frágil Secretaria de Estado.
Os discursos aqui feitos, sobretudo pelo PPM, em defesa do ambiente soam profundamente a falso, e a única coisa útil que poderiam fazer hoje aqui, em relação à defesa do ambiente, era a de votarem a favor ou a de se absterem no sentido de este projecto ir para a frente, introduzindo-lhe embora, possivelmente e com os seus votos, uma óptica que até aceitaríamos que fosse a deles.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas era muito!

O Orador: - Não o fizeram e antes se ficaram pelas discursatas. O Partido Socialista queria deixar aqui bem claro, sobretudo para a informação, que efectivamente o ambiente saiu daqui hoje um pouco mais poluído com esta atitude.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sanches Osório.

O Sr. Sanches Osório (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque acreditamos que, de facto, o homem deve ter, e tem, um papel central em todo o problema do ambiente, foi com júbilo que recebemos a ideia de um projecto de lei sobre o ambiente e qualidade de vida. Todavia, o seu conteúdo marcadamente colectivizante inibiu-nos, sequer, de nos abster.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente:-Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista pelas razões que apresentamos sucintamente e em aditamento às críticas feitas peto meu colega de bancada Borges de Carvalho ao «ferido diploma.
O artigo 1.º é ausente de definições. Falta definir todos os conceitos básicos sobre ambiente, qualidade de vida, ordenamento de território e poluição. O ponto n.º 2, alínea a), dá a impressão de que o PS defende o controle da natalidade, na medida em que admite que tem de haver uma adequação da população à capacidade do território.

Risos do PS.

Estão completamente deslocadas do contexto do artigo 1.º as alíneas b), c) e d).
O artigo 2.º está totalmente incompleto; falta mencionar todas as acções de prevenção e de controle da poluição e em matéria de cooperação internacional é omisso. Isto é, quais são as metas, quais são as referências e quais são as perspectivas?

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Veremos qual é a proposta do Governo.

O Orador: - Em relação à alínea d), os estudos do impacte, em nossa opinião, devem ser dissociados das acções de investigação permanente que devem ser realizadas.
Quanto ao artigo 3.º não se estabelecem vias para a intervenção dos cidadãos.
Em relação ao artigo 4.º não é contemplada a possibilidade, da existência da orgânica regional das estruturas de ambiente.
No capítulo II, artigo 5.º, a expressão «os factores ambientais» não é um tipo de terminologia, sequer, portuguesa. No n.º 1 as paisagens naturais, ...

Vozes de protesto do PS.

...não vale a pena ficarem preocupados, Srs. Deputados. Teremos muito tempo de falar de Ambiente nesta Casa.
Em relação ao artigo 6.º cabe perguntar se «quadro de vida» não é a mesma coisa que «factores ambientais humanos»? Na nossa opinião pensamos que não é. E então o património cultural e paisagístico?
No capítulo III, artigo 7.º, nada se diz quanto às questões de licenciamento.
No artigo 8.º, sobre a protecção das águas, falta toda a regularização do ciclo hídrico.
Quanto ao artigo 9.º queríamos saber se para o PS não contam as, instalações da população, pois no n.º 2 ignora-se a legislação existente. E este factor é repetidamente; omisso em todo o projecto de lei, o que, aliás, revela a pressa de o fazer para o apresentar neste dia. Ainda no n.º 2 falta o controle da poluição do solo, por contaminação directa, onde não existe qualquer menção a lixeiras, a depósitos de resíduos industriais, minas, ate.
Quanto ao artigo 12.º cabe (perguntar: e quanto aos espaços verdes urbanos? Foi tal a pressa dos Srs. Deputados em elaborarem este projecto que se esqueceram deles.
No artigo 18.º, quanto ao n.º 3, para a água a única divisão geográfica praticável é a das bacias hidrográficas. Não se estabelece neste artigo uma necessária independência da orgânica do ambiente em relação às autoridades regionais. Não se pode ser ao mesmo tempo juiz e parte interessada, e um exemplo flagrante disso é o Gabinete da Área de Sines.
Foi por todas estas razões que votámos contra o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista em tão curto espaço de tempo.

Risos do PS.

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O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Borges de Carvalho, pretende acrescentar mais alguma coisa?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É para um curtíssimo protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para protestar contra as afirmações do meu camarada Luís Coimbra, uma vez que não chegou, sequer, a produzir um décimo da argumentação que tínhamos contra este projecto de lei.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo para uma declaração de voto.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo fazer uma curta declaração de voto. Aliás nem teríamos necessidade de a fazer, porque as razões do nosso voto contrário ao projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista já foram largamente expendidas na intervenção do meu colega de bancada José Maria da Silva.
Uso da palavra para repudiar vivamente as palavras inaceitáveis em democracia do Deputado do Partido Socialista que na sua sanha de estar sempre contra os partidos de maioria não se limita a estar contra as suas iniciativas, porque está agora até contra os seus próprios votos.
Sr. Deputado Gomes Fernandes, em democracia cada .partido é livre de avaliar como entende os votos que vai emitir. Foram claramente invocadas as razões que tivemos para votar contra o projecto de lei socialista, que é péssimo e foca pessimamente os problemas que pretende resolver, como, aliás, é timbre do Partido Socialista. E é perfeitamente inadmissível que o Partido Socialista passe a sua vida a fazer processos de intenção e a julgar os outros de acordo com aquilo que costuma fazer.

Protestos do PS.

Sr. Deputado Gomes Fernandes, lembro-lhe que o seu partido já reprovou aqui projectos de lei do Partido Social-Democrata, tendo apresentado pouco tempo depois projectos de lei absolutamente iguais, como, por exemplo, o projecto de lei das associações sindicais. E se quiser até posso mencionai mais alguns, assim como provar que o Partido Social-Democrata em sempre votado os projectos de lei da iniciativa dos outros partidos de acordo com o que, do seu ponto de vista, entende ser correcto. Por exemplo, ainda há pouco votou favoravelmente a proposta de resolução apresentada pelo Partido Comunista relacionada com a Faculdade de Direito do Porto.

Risos do PS.

O PSD vota tudo o que entender que é correcto e contra tudo aquilo que entender que não merece nem o voto de abstenção nem o voto favorável.
Sr. Deputado, tenha um bocadinho mais de responsabilidade, não fechem tanto os olhos e, de uma vez por todas, convençam-se que o tempo em que dominavam este país e faziam o que queriam na Assembleia da República já lá vai e nunca mais voltará.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pretende usar da palavra para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - É para um brevíssimo protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É só para referir que as últimas palavras do Sr. Deputado Amândio de Azevedo são significativas e, no fundo, fundamentam a minha declaração de voto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Ramires Fernandes.

O Sr. Ramires Fernandes (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE analisa seriamente os projectos que são apresentados, nesta Câmara e não vota de acordo com a sua origem e foi nesse sentido que votou favoravelmente o projecto de lei apresentado pelo PPM. Contudo, assim não procede a maioria AD que votou com a única finalidade de boicotar a iniciativa legislativa da oposição, consubstanciada num projecto que era correcto e que servia de base a um estudo profundo sobre este mesmo assunto que poderia ser desenvolvido na respectiva comissão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, chama-se «pirataria parlamentar».

Aplausos do MDP/CDE, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar na generalidade a proposta de lei n.º 280/I - Assistência ao Governo Regional da Madeira na defesa das ilhas Selvagens como reserva natural.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Como não há inscrições para declarações de voto, vamos votar também na generalidade o projecto de lei n.º 450/I - Disposição de resíduos nucleares em áreas oceânicas.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Peço a palavra para Interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Sousa Marques (PCP): - É que já durante o debate de apresentação deste projecto de lei foi referido que o termo «disposição» era incorrecto. Trata-se de uma tradução do inglês feita à pressa e, portanto, em português deve-se dizer «deposição», e não «disposição».
Nós pensamos que antes da votação na generalidade deve ser feita esta correcção para não incorrermos todos no erro que incorreram os seus autores.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já durante a apresentação deste diploma tive a oportunidade efectivamente de referir que o termo correcto não é «disposição», mas «deposição».

O Sr. Narana Coissoró (COS): - Ele é que não sabia!...

O Sr. Presidente: - Bem, essa era realmente a designação utilizada no projecto de lei, mas, sendo assim, passa-se então a ler «deposição» em vez de «disposição».

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vítor Louro (PCP): - Sr. Presidente, já que estamos nesta maré era bom que se corrigisse também o título do projecto de lei sobre impacto ambiental, na medida em que a palavra «impacto» termina em o e não em e,

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vítor Louro, por acaso na ordem de trabalhos que a Mesa possui a expressão «impacto» acaba em o.
Srs. Deputados, vamos então agora votar na generalidade o projecto de lei n.º 450/I, apresentado pelo PPM.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenha-se em conta o que se passa com a deposição de resíduos de toda a espécie na nossa Zona Económica Exclusiva, de cuja defesa todos nós nos reclamamos.
Tenha-se em conta o que já hoje se pratica, pelos grandes complexos industriais monopolistas e belicistas, ...

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Muito bem!

O Orador: - ... com os resíduos de origem química, particularmente os utilizados para fins militares.
Tenha-se em conta, muito atenta e especialmente em conta, o que pode vir a significar e os riscos que pode provocar a extensão de toda esta prática aos resíduos nucleares.
Tenha-se em conta a necessidade de uma lei que abranja estas matérias e nos salvaguarde de todos os perigos.
Tenha-se em conta o tímido e pobre projecto de lei do PPM, em causa, e que, aliás, não responde completamente e eficazmente a esta situação, como já tornámos claro durante o debate de apresentação (apressado, como vai sendo agora hábito) que, há dias, aconteceu.
Vote-se favoravelmente na generalidade com a intenção de o melhorar profunda e significativamente na especialidade e aguarde-se serenamente um futuro debate enriquecedor.
Foi o que fizemos. É o que faremos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - É para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, mas há outros Srs. Deputados que se inscreveram antes para fazerem declarações de voto. Portanto, se não se importa, aguarde apenas alguns momentos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, eu queria saber qual é o tempo de que o PPM dispõe?

O Sr. Presidente: - O PPM dispõe de trinta segundos, Sr. Deputado.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, para uma declaração de voto.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os considerandos traduzem bem a realidade dos problemas postos pelo lançamento ao mar de resíduos radioactivos; os quatro artigos do projecto de lei apontam as grandes linhas que devem orientar a acção dos Governos nesta matéria.
É oportuno lembrar que os exames de contentores de resíduos radioactivos, retirados do fundo do mar depois de poucos anos de imersão, revelaram fracturas, fugas do conteúdo e perdas importantes da massa armazenada; e que a duração de intensos efeitos radioactivos se estende por milhares ou milhões de anos, conforme as substâncias.
Por tudo isto, o MDP/CDE aprovou o projecto de lei n.º 450/I, do PPM, pensando que ele poderá ser melhorado no trabalho da comissão especializada.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Marques Mendes.

O Sr. João Marques Mendes (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei em apreço,

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apresentado pelos Deputados do Partido Popular Monárquico, mereceu o nosso apoio.
De facto, os seus considerandos são pertinentes, não só quanto à fragilidade relativa dos recipientes em que esses resíduos são lançados, como também à impossibilidade de se detectarem fugas radioactivas, havendo ainda a probabilidade de contaminação da cadeia alimentar, nomeadamente nas espécies piscícolas, e a grande área de vigilância e de responsabilidade, decorrente do alargamento às 200 milhas do nosso mar territorial.
Razões mais que suficientes para que o projecto de lei, depois de ponderado e discutido, tenha obtido a nossa aprovação pela urgência que a gravidade da matéria impõe.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. (Deputados: O Grupo Parlamentar do PPM regozija-se pela aprovação deste projecto de lei por esta Câmara. Saudamos, igualmente, que versando ele a matéria que versa, seja um projecto pobre, porque isso só significa que por enquanto ainda somos muito pobres em matéria de arsenais nucleares e de resíduos nucleares nas nossas águas oceânicas.

Aplausos do PPM e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar rapidamente à votação da proposta de resolução sobre a alteração do quadro de pessoal da Assembleia da República, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º da Lei Orgânica.
A Mesa recebeu a informação de que há consenso e de que há mais uma alteração em relação ao cargo de assessor administrativo que, afinal, não é da letra B, mas da letra A.

Vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Há ainda uma outra proposta para votar que é feita ao abrigo do disposto no artigo 51.º e do n.º 2 do artigo 39.º do Regimento e que é do seguinte teor:
Proponho para a Comissão Permanente da Assembleia da República a seguinte composição: Presidente e Vice-Presidentes da Assembleia da República, sete representantes a designar pelo PSD, sete representantes a designar pelo PS, quatro representantes a designar pelo Partido Comunista Português, quatro representantes a designar pelo CDS, um representantes a designar pelo PPM, um representante a designar pelo MDP/CDE, um representante a designar pela UDP e um representante a designar pelo Agrupamento dos Deputados Reformadores. O Presidente e os Vice-Presidentes da Assembleia da República, enquanto membros da Comissão Permanente, poderão ser substituídos nas suas faltas ou impedimentos por Deputados designados pelo respectivo partido.
Vamos votar.

Submetida, à votação foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 20 horas e 15 minutos e neste momento faltam ainda três horas e 40 minutos de debate, o que significa que seria altura de pensar em irmos jantar e voltarmos às 22 horas. A reunião está suspensa até às 22 horas.

Eram 20 horas e 15 minutos.

No recomeço da sessão reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à discussão conjunta dos diplomas agendados sob a designação do chamado «pacote do património cultural» ficando de fora o relativo à votação final global do projecto de lei n.º 432/I, sobre a alteração pontual do Código do Direito de Autor, apresentado pelo PS.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Não, Sr. Presidente. Não se trata de uma votação final global. Aquando da elaboração da ordem de trabalhos fez-se uma confusão, da qual resultou o ponto da ordem de trabalhos que referiu e que não é uma votação final global, mas sim uma discussão na generalidade e em conjunto com os outros diplomas, sobre a qual aliás já existe um parecer, que se encontra na Mesa.

O Sr. Presidente: - E a discussão deste diploma ê feita «m separado ou também é englobada na discussão conjunta a que se vai proceder?

O Sr. Carlos Lage (PS): - É uma discussão conjunta, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, Srs. Deputados, vamos iniciar a discussão dos seguintes diplomas: projecto de lei n.º 453/I - Museu das Descobertas e do Ultramar; projecto de lei n.º 463/I- Regime jurídico do património cultural e natural; projecto de lei n.º 452/I - Protecção do património cultural e natural; projecto lei n.º 454/I - Compra anual de obras de arte pelo Estado; projecto de lei n.º 442/I - Regime jurídico do património arquitectónico, histórico, artístico e cultural; projecto de lei n.º 493/I - Associações de defesa do património cultural; projecto de lei n.º 494/I - Defesa do património arqueológico; projecto de lei n.º 432/1, sobre a alteração pontual do Código do Direito de Autor.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor de Sá.

O Sr. Vítor de Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste «pacote» de providências culturais de que hoje se ocupa a Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta dois projectos de lei: um sobre associações de defesa do património cultural e outro mais especificadamente sobre defesa do património arqueológico.

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Ambos os projectos de lei resultam da preocupação dos comunistas em salvaguardar e valorizar os testemunhos do nosso passado histórico, dispersos no território português, e em transformá-los em realidades vivas do quotidiano viver dos Portugueses. São elementos preciosos, que contribuem para a definição da entidade nacional. Esta e uma definição que nós, portugueses, temos procurado em todos os momentos de crise, ou de profunda transformação da sociedade.
Foi assim na sequência da Revolução Liberal quando, depois da descolonização do Brasil, tivemos de nos voltar para nós próprios e para a redescoberta do nosso país, da nossa cultura, das nossas tradições, enfim da riqueza do próprio território. De Herculano a Garrett, passando pelo estadista Mouzinho da Silveira, até Martins Sarmento e Alberto Sampaio, passando por Oliveira Martins, houve todo um esforço colectivo continuado, que havia de se revigorar já no final do século, face às arremetidas imperialistas contra a nossa soberania, que tiveram o seu momento mais vibrante aquando do ultimato britânico de 1890. É por essa altura que se gera uma nova vaga de investigadores em busca das raízes mais fundas da nossa nacionalidade e da nossa cultura. É a época de Rocha Peixoto, de Ricardo Severo e da revista Portugália, movimento que vai desaguar numa das grandes realizações culturais da I República, que foi a Renascença portuguesa, de cujo alfobre saíram um Jaime Cortesão, um Raul Proença, um António Sérgio.
Hoje em dia há quem sinta que precisamos de revigorar de novo a nossa identidade. Uma vez destinados de um factor persistente da nossa opressão, que foi o colonialismo, temos de promover um regresso consciente a nós próprios, às raízes mais profundas e mais remotas da nossa genuína nacionalidade. Nesse esforço nos devíamos aliás empenhar todos, mobilizando para isso as instituições políticas e estatais, as instituições escolares e científicas e os próprios órgãos de comunicação social. Encerrado um ciclo da nossa história, é tempo de voltarmos a nós próprios, e de redescobrirmos no nosso legítimo território as raízes determinantes e definidoras do nosso carácter colectivo, das nossas condicionantes históricas e geográficas, enfim, das nossas extravasantes potencialidades humanas.

lemento integrante da cultura nacional é a cultura popular, democrática, alimentada nas raízes de que se formou a própria nacionalidade. A identidade nacional resulta, ao fim e ao cabo, da capacidade de incorporação de novas influências ao longo do tempo, como a mais autêntica criação das massas, onde se refugiaram algumas das melhores tradições da luta do povo frente à política de penetração cultural estrangeira. Estes componentes populares da identidade nacional são geralmente esquecidos pelas oligarquias ao serviço de interesses imperialistas. Mas nós defendemos que os valores da cultura popular devem ser preservados como os mais genuínos elementos da nossa identidade nacional.

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os dois projectos de lei que hoje apresentamos representam a nossa contribuição positiva, ainda que modesta, no sentido de mobilizar factores que possam reforçar aquela identidade. Tudo o que entre nós se fizer com esse objectivo contribuirá de um modo construtivo até para a reintegração nacional de todos quantos, desalojados das ex-colónias ou expatriados na emigração, tiveram um dia de abandonar o solo pátrio para buscar em terras alheias a compensação para o seu trabalho, que o próprio país lhes recusava. E contribuirá também, talvez de um modo decisivo, para mobilizar a exaltação das camadas mais jovens e empenhá-las num projecto colectivo de redescoberta e valorização do património com vista à construção de um futuro integrado nas nossas mais lídimas tradições populares.
Sendo este um objectivo caro aos comunistas, cremos porém que nele se devem empenhar todos os portugueses. O sentimento de consciência nacional transcende as posições partidárias de quaisquer de nós. É por isso que, assim como nos batemos pelas iniciativas legislativas que nós próprios apresentamos, afirmamo-nos igualmente abertos às iniciativas de outros grupos parlamentares que visem os mesmos objectivos. Por isso, votaremos na generalidade a favor também dos projectos de lei que contemplam a protecção do património histórico, cultural e artístico ou o estímulo criativo no domínio das artes plásticas pela compra de obras de arte pelo Estado. Damos o nosso apoio a essas iniciativas legislativas e procuraremos melhorá-las com a nossa contribuição positiva aquando da sua discussão na especialidade no seio da respectiva Comissão Parlamentar.
No que toca ao nosso projecto de lei sobre Associações de Defesa do Património Cultural, foi preocupação do nosso grupo parlamentar corresponder à sensibilização crescente dos problemas de preservação do património revelada pelo rápido crescimento de associações daquele tipo. Nos últimos três anos criaram-se dezenas dessas associações, surgidas nas mais diversas regiões do País, e há uma manifesta tendência para a sua proliferação crescente. Já este ano promoveram um encontro nacional e afirmam-se cheios de dinamismo e criatividade. São constituídas por gente amante das suas terras, curiosas de desvendar os mistérios que os testemunhos materiais revelam. Nelas se polariza também o entusiasmo reflectido de muitos jovens estudantes e trabalhadores, com grande capacidade de iniciativa, de planeamento e de intervenção.
Essas associações promovem o levantamento de monumentos e tradições culturais das regiões onde estão inseridos e preocupam-se desde logo por mobilizar a opinião pública e os organismos locais, no sentido da sua preservação.
Importa por isso acolher e apoiar juridicamente esse valioso contributo da iniciativa popular, conferindo desde já a tais associações direitos eficazes de intervenção e reconhecer-lhes um conjunto de regalias adequadas à sua eminente utilidade pública. O apoio que o Estado lhes dê, no sentido de estimular a sua acção e de lhes reconhecer o direito de intervirem junto dos organismos com competência em matéria de património, parece constituir uma medida básica para tornar eficientes todas as deliberações oficiais sobre tal matéria. Além de que permitirá aos próprios organismos governamentais colher os impulsos de base que ao Governo compete veicular.
A dinâmica do movimento associativo de valoriza cão do património é tal que, já depois de elaborada

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e apresentado o nosso projecto de lei, tais associações aparecem agora a planear a criação da sua federação com vista a, entre outros objectivos, dar parecer ou promover a feitura de legislação para a defesa do património cultural. Assim, o nosso projecto de lei, sem se substituir à iniciativa dessa federação em embrião, vai desde logo ao encontro de tais aspirações e facilita até os objectivos enunciados.
Quanto ao nosso projecto de lei sobre o património arqueológico, ele assenta nas recomendações que autorizados especialistas na matéria dirigiram há três meses a esta Assembleia da República. Com a autoridade que lhes advém da direcção científica e coordenação de trabalhos prospectivos de diversas estações arqueológicas, nomeadamente as de Braga e Coimbra, esses especialistas pretendem responsabilizar quer o Poder Central, quer o autárquico, na salvaguarda do património no domínio da arqueologia.
O nosso projecto de lei procura, dentro desse objectivo, melhorar as condições jurídicas que permitam evitar destruições e depredações. A definição de regiões arqueológicas e a criação de assessorias junto de diversos organismos oficiais são as novidades essenciais que apresentamos. Às assessorias competirá nomeadamente a emissão de pareceres sobre acções de ordenamento do território e planeamento urbanístico, com repercussões nos bens de valor arqueológico.
O nosso projecto de lei visa, por essas vias, atender as necessidades mais instantes de que tem consciência os arqueólogos portugueses mais responsáveis. Mas não esgota a matéria legislativa que será necessário prosseguir.
As diferentes regiões arqueológicas precisarão, por exemplo, de dispor de equipas profissionalizadas com capacidade técnica e científica de intervenção. Mas a formação de profissionais dependerá, por sua vez, da criação de cursos especializados, matéria esta que compete já a outros órgãos, sendo necessário que as escolas superiores introduzam nos seus currículos uma tal especialização. A aprovação por agora do nosso projecto de lei irá necessariamente -cremos- provocar a criação desses cursos.
E então, sim, estaremos habilitados quer com dispositivos jurídicos, quer com quadros humanos, para satisfazer com eficácia as exigências do nosso tempo. t o caso, por exemplo, da arqueologia submarina, que nas costas do Algarve tem estado a ser explorada abusivamente por iniciativa de estrangeiros. Temos que nos defender desta depradação, mas não o poderemos fazer de um modo eficiente sem termos quadros humanos e instrumentos jurídicos de apoio. Ao prescrevermos no nosso projecto de lei que a presente lei será objecto de desenvolvimento legislativo no prazo de seis meses, nós estamos a contribuir, com a nossa iniciativa, para que esses casos apontados e outros possam ser contemplados por necessárias e urgentes medidas de preservação do nosso património arqueológico diversificado
Vê-se assim que os nossos projectos de lei não se sobrepõem nem competem com os que outros agrupamentos parlamentares apresentam. Contribuem, pelo contrário e de um modo positivo, para alargar o leque de providências legislativas tendentes a institucionalizar, de um modo cada vez mais exaustivo, a defesa e a valorização do nosso património cultural e histórico.
Porém, ao fazê-lo, nós comunistas perspectivamos a preservação no sentido não apenas de manter o culto das «pedras mortas», mas sobretudo no de fomentar a valorização das «pedras vivas», como preconizava António Sérgio. Isto é, o passado não nos interessa apenas como memória do que é morto, interessa-nos essencialmente pela força dialéctica que o passado como experiência colectiva projecta na acção do nosso quotidiano de intervenção na sociedade presente, com vista à sua transformação e à criação da sociedade do futuro. As gerações são solidárias e o viver dos nossos netos assentará em muito daquilo que façamos desde já.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE, do PPM e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente a Assembleia da República, o órgão mais genuinamente representativo dos Portugueses, ocupa-se hoje -infelizmente a esta hora- de um dos sectores fundamentais da nossa vida colectiva, a cultura, e de um dos símbolos e factores da nossa independência e identidade como Nação de oito séculos e de muitos mais, se Deus quiser: o nosso património cultural.
É de tal importância o assunto de que hoje nos ocupamos que pena é dispormos de tão pouco tempo, o que não nos permitirá o aprofundamento necessário dos múltiplos factores que envolvem a salvaguarda desse mesmo património.
Os vários diplomas em discussão não nos satisfazem completamente, no sentido de não cobrirem todos os problemas, mas são, no entanto, um ponto de partida para o trabalho da Comissão de Cultura.
Tentarei rapidamente indicar a posição do CDS quanto a cada um deles.
Começarei pelo projecto de lei n.º 451/I, que propõe a criação do museu das descobertas do ultramar.
Este diploma aponta e colmata uma lacuna clamorosa no panorama museológico português.
O País ainda não fez justiça, nesse aspecto, a todos aqueles que tornaram grande no Mundo, e para a História, o nome de Portugal. O CDS apoia com entusiasmo que no ano em que se celebra Camões - que cantou os que «deram novos mundos ao mundo» versos especialmente significativos depois do 25 de Abril -, se crie um museu que seja um centro de preservação, investigação e divulgação da presença de Portuga] em todos os continentes.
O Grupo Parlamentar Democrata-Cristão aprovará esse diploma na generalidade, propondo desde já que o museu a criar seja um museu nacional das descobertas e do ultramar e não simplesmente um museu das descobertas e do ultramar, tal como se encontra no projecto- de lei. Na especialidade, o CDS apresentará as propostas necessárias à alteração do texto, pois o articulado proposto nos suscita muitas dúvidas. Um museu nasce a partir de um núcleo de espécies museológicas e, escolhidos os técnicos competentes nessa área, constroi-se ou adapta-se um edifício já existente a essa colecção.

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Nesse caso, como não se sabe de que espécies se traia, como se poderá organizar o museu? Fala-se em «múltiplas instituições». No âmbito apontado é circunscrevendo-nos a Museus existem, nomeadamente: O Museu de Marinha, que pertence à Marinha e se situa em Lisboa; o Museu Etnológico do Ultramar, ao Restelo, que se deve ao saber, à energia e à persistência do professor Jorge Dias...

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Oradora: - .... em risco de graves deteriorações a partir do momento em que desapareça o »eu conservador e que bera poderia constituir o fundo do futuro Museu.

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Oradora: - Temos ainda o Museu Etnográfico do Ultramar, em Lisboa, que pertence a Sociedade de Geografia; o Museu Agrícola do Ultramar, também em Lisboa, e ainda os Museus de Chaves, Azambuja, Figueira da Foz, Lagos, Ovar e ilhavo, a colecção marítima do comandante Ramalho Ortigão, em Faro, o Museu e Laboratório Antropológico de Coimbra, o Museu Instrumental do Conservatório Nacional, etc. Isto só para falar e como exemplo de algumas conhecidas colecções ultramarinas.
Não se pretenderá reuni-las todas no museu nacional das descobertas e do ultramar, assim o espero. Mas qual será o fundo do museu? Tenciona-se pedir aos particulares doações ou depósitos para o novo museu, tal como se fez, por exemplo, para o Museu Nacional do Traje? Aponta-se para uma colaboração com os países de expressão portuguesa?
A criação de novos museus propriedade do Estado e de âmbito nacional deve competir ao Governo e integrar-se numa política cultural deste. Mas, como já disse, neste caso, sendo tal o seu interesse nacional, congratulo-me que seja a Assembleia da República - e espero que por unanimidade -, a criá-lo. Mas o projecto de lei levanta-nos outras dúvidas. Aponta a Cordoaria Nacional como o edifício a abrigar um museu criado no âmbito da Secretaria de Estado da Cultura. A Cordoaria é património da Marinha, que aí tem instalado o Instituto Superior Naval de Guerra, a Cordoaria propriamente dita, vários serviços sociais etc. Como pode a Assembleia transferir este património para a Secretaria de Estado da Cultora sem o consentimento prévio da Marinha? E onde vamos instalar os serviços que nesse momento aí funcionam? E como saber se a Cordoaria será o edifício adequado às espécies que o museu abrigará? Isto no que respeita a dimensões, à eliminação da poluição sonora, dos gases dos escapes dos automóveis (neste aspecto, ainda por cima, em contradição com a base 7 do projecto de lei n.º 452/I), à salinidade, aos problemas de humidade provocados pela proximidade do Tejo?
Pessoalmente, considerando o valor cultural do edifício e ultrapassados que sejam os problemas patrimoniais, veda antes a Cordoaria como uma galeria de exposições temporárias aberta a todos os museus, bibliotecas, arquivos, palácios e monumentos do Pais e a colecções particulares, para exposições retrospectivas ou de artistas vivos, nacionais ou estrangeiros.

O Sr. Laís Moreno (CDS): - Boa ideia!

A Oradora: - O projecto de lei n.º 454/I, que trata de «compra anual de obras de arte», vem ao encontro da necessidade imperiosa de garantir aos artistas plásticos o direito à criação, o direito a serem conhecidos dos Portugueses e a sua independência financeira. Garantir um direito; não dar um prémio. Mas para nós, além disso, esta compra anual de obras de arte obrigará o Governo, seja ele qual for, a pôr fim ao escândalo que é não haver em Portugal um museu de arte moderna.

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Oradora: - Aquilo que se chama hoje Museu Nacional de Arte Contemporânea, na minha opinião, pelas suas exíguas instalações sem possibilidades de alargamento, tanto da área de exposições permanentes, como de reservas, como de serviços de animação cultural, deveria ser transformado numa galeria de arte romântica e pensar-se rapidamente e de uma vez por todas na criação de um museu nacional de arte moderna.

Vozes do CDS, do PSD e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Assim entendemos este projecto de lei e assim o aprovaremos na generalidade.
Mas também neste caso o articulado nos suscita dúvidas. Por quê no artigo 1.º deixar de fora, por exemplo, o desenho, a faiança, a cerâmica, a tapeçaria? Quais os critérios de escolha e de aquisição? No júri estarão representados os artistas e artesãos? Neste caso, o artigo 2.º refere-se também aos artesãos? Quem inventaria, e com que critérios se fará a distribuição pelo País?
A Secretaria de Estado da Cultura organiza, designa, escolhe, adquire e distribui. Mas só a Secretaria de Estado da Cultura poderá fazer aquisições? Por exemplo, os museus não podem? E os particulares? E que significado se. atribui à «isenção em matéria artística»? Simples questão de gosto? Na Comissão e em sede de especialidade iremos, portanto, apresentar propostas de alteração.
Temos um outro grupo de projectos de lei que se referem não a casos particulares de uma política cultural, mas à salvaguarda do património cultural propriamente dito.
O projecto de lei n.º 442/I - Regime jurídico do património, apresentado pelo CDS na II sessão legislativa e reassumido em Abril deste ano, visa a inventariação e preservação do património, seja pertença do Estado 001 de entidades públicas, de particulares ou de entidades privadas, estabelecendo categorias e critérios de classificação de imóveis, traçando as linhas gerais de regulamentação do processo, atribuindo a classificação por portaria, a qual passa a ser objecto de registo predial. Contempla o problema de fixação das zonas de protecção e os trabalhos de restauro, conservação, consolidação ou alteração de imóveis classificados, concedendo isenções, reduções e taxas de juros bonificados aos proprietários, conforme se trate de contribuição predial, imposto de sucessões e

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doações e crédito para obras. Cria-se o fundo dos imóveis classificados e prevêem-se multas para os infractores, proibindo-se a transferência para o estrangeiro de todo e qualquer imóvel classificado.
Prevê-se ainda, quanto ao património imóvel ou móvel, o pagamento do imposto sucessório, através de dação em pagamento de bens culturais.
Passaram dois anos desde a apresentação deste projecto de lei na Assembleia da República e o CDS regozija-se por algumas das soluções por nós propostas já terem sido acolhidas na legislação actual, com destaque para a criação do instituto português do património cultural, embora com um âmbito mais restrito que aquele que desejaríamos e tínhamos proposto.
Quanto ao projecto de lei n.º 463/I, também sobre o regime jurídico de protecção do património cultural, já conhecíamos o seu texto na versão de um projecto de decreto-lei da Direcção-Geral do Património. Cremos ser um bom ponto de partida para uma discussão na especialidade. Recolhendo muito da legislação já existente e actualmente dispersa por vários diplomas, consideramos que precisa de ser completado nos domínios, por exemplo, da arqueologia e, nomeadamente, no que respeita à arqueologia subaquática e industrial e aos monumentos funerários.
Temos duvidas em relação a múltiplas soluções, como, por exemplo, quanto ao significado de os particulares detentores de imóveis classificados serem obrigados a manterem «serviços de vigilância e de limpeza». Consideramos que o artigo 29.º colide com a base 4 do projecto de lei n.º 452/I, também aqui apresentado pelo Agrupamento dos Reformadores. Não entendemos que os proprietários obrigados a executar as obras necessárias à conservação de um imóvel beneficiem de mm crédito e taxas de juro bonificados, mas que essa ajuda seja recusada quando a iniciativa das obras seja desses mesmos particulares.
Temos dúvidas também quanto à constitucionalidade do artigo 61.º
Intimamente ligado a este, o projecto de lei n.º 452/I - Lei de Bases da Protecção ido Património Cultural, que iremos também votar favoravelmente na generalidade, terá de ser completado, nomeadamente na área do restauro, da investigação (em especial no que respeita às Universidades), na formação e reciclagem dos técnicos, na área dos jardins zoológicos e parques naturais, da arqueologia industrial e subaquática - lembro a necessidade de regulamentação da participação dos desportistas de caça submarina nesta área -, cemitérios, etc.
Consideramos também fundamental que numa lei de bases se consagre no princípio da responsabilização penal e administrativa relativamente a infracções cometidas por órgãos autárquicos e ou departamentos governamentais.
E não será de introduzir também o princípio de um acordo com a Igreja, nos termos ida Concordata, no que respeita à salvaguarda do seu património cultural?
Quanto aos dois projectos de lei do Partido Comunista levantam-nos vários problemas.
O projecto de lei n.º 494/I, sobre a defesa do património arqueológico, não contempla, na nossa opinião, áreas fundamentais já apontadas quanto a outros diplomas e levanta-nos problemas, pois colidem com a legislação existente, a composição das comissões directivas das regiões arqueológicas e das assessorias. No entanto, embora esteja a ser feita a carta arqueológica, consideramos importante o princípio consagrado no artigo 2.º
O projecto de lei n.º 493/I, sobre as associações de defesa do património, suscita-nos objecções inultrapassáveis. Consideramos que se intromete no âmbito das atribuições das autarquias, ferindo a competência dos respectivos órgãos e criando duplicidades no âmbito do poder local.
Nós somos pela descentralização, não pela descentralização com finalidades manifestamente políticas, mas por uma descentralização ordenada e democraticamente estabelecida.

Vozes do CDS: - Muito bem!

A Oradora: - Respeitamos o direito de associação, mas não consideramos razoável legislar privilegiando umas associações relativamente às demais. Por isso, votaremos contra.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Pois fazem mal!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por fim, gostaria de levantar outro problema, que me é suscitado por essa discussão.
Como é possível executar uma correcta política cultural, integrada e descentralizada, e ao mesmo tempo coordenar e melhor aproveitar os recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis, para podermos acudir e salvaguardar o nosso património se este depende de catorze ou quinze serviços, dispersos por vários Ministérios, isto sem contar com os serviços existentes no âmbito da Marinha, Exército e Força Aérea?
Proporia que a Comissão de Cultura e Ambiente da Assembleia da República estude com o Governo a reorganização de 'todos esses serviços, para que seja possível criar um Ministério da Cultura, de tal maneira que uma área ião importante como esta esteja representada no Conselho de Ministros.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

A Oradora: - Deixamos esta sugestão à consideração de quem no nosso país tem a seu cargo a. difícil tarefa de promover a tão necessária Reforma Administrativa.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Também para um intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, gostaria que V. Ex.ª me desse um esclarecimento. É que eu gostaria de saber se os Srs. Deputados reformadores irão fazer alguma intervenção de apresentação dos diplomas em discussão e que são da sua autoria.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, estão já em discussão todos os diplomas constantes dos n.ºs 8 a 15 da ordem de trabalhos.

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A Oradora: - É que pensei que os Srs. Deputados reformadores quisessem apresentar os seus diplomas.

O Sr. Nuno Godinho de Matos (DR): - E quero, Sr. Presidente,

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não estava inscrito e a Mesa não sabia de nada.

A Oradora: - Sr. Presidente, gostaria nesse caso de intervir após a intervenção dos Srs. Deputados reformadores.

O Sr. Presidente: - Nesse caso e porque há troca de inscrições - a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura cede o seu lugar ao Sr. Deputado Godinho de Matos-, tem a palavra o Sr. Deputado Godinho de Matos.

O Sr. Nuno Godinho de Matos (DR): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As funções da Assembleia da República são, sobretudo, funções de controle político e legislativas. Tanto nas primeiras como nas segundas os reformadores entenderam dever participar.
Assim o entenderam, têm participado e irão continuar a participar até ao final da presente sessão legislativa no que refere ao controle político, concedendo o seu apoio crítico ao actual Governo. Este apoio tem-se manifestado constantemente em todos os actos em que nós, por compromisso político livremente assumido, ,nos comprometemos a apoiar este Governo. Este facto foi patente na moção de confiança, nas moções de censura e nas interpelações, bem como em muita legislação que temos votado, com o Governo e com a maioria. Tem sido um apoio crítico, pois em alguns aspectos, dentro do domínio da liberdade consagrada no nosso estatuto político bilateral -assinado entre nós e o PSD, também não abdicamos de manifestar as nossas divergências. Assim tem acontecido, designadamente no domínio da Lei Eleitoral.
Se pensamos que esta nossa actividade política tem sido nessa primeira função da Assembleia da República- bastante clara, criadora e afirmativa, não queríamos de modo algum abandonar a segunda função desta Câmara, que é a função legislativa. Por isso, desejamos tomar iniciativas legislativas próprias.
Acontece ainda que, no presente caso concreto, verifica-se a circunstância, para nós agradável e gratificante, de que estas iniciativas resultam de um trabalho conjunto, celebrado entre o Manifesto Reformador e a Secretaria de Estado da Cultura. Neste trabalho avolumaram-se as contribuições do nosso companheiro e amigo António Barreto - que não sendo Deputado é um co-autor do Manifesto Reformador- e de diferentes técnicos da Secretaria de Estado da Cultura.
Portanto, trata-se de um trabalho conjunto, realizado em equipa, mas que quisemos apresentar, porque entendemos que não seria completa a actividade parlamentar dos reformadores se ela se limitasse à função política tout court.
Apresentámos um conjunto de iniciativas legais que tentam abordar os problemas do património cultural nacional.
É de todos conhecida a situação de degradação em que se encontra o nosso património, quer público, quer mesmo privado. Isso resulta de se verificar uma inexistência de incentivos à conservação e ao acautelamento deste património cultural São os particulares que não têm meios económicos para proceder ao restauro das peças que virtualmente possuam, são as autarquias locais que podem ter verbas ou meios ou até não estarem especialmente vocacionados quando têm meios para promover o restauro e a conservação dos bens de valor local ou nacional que se encontrem sediados na sua área. Também, se me for legítimo fazer esta afirmação, é uma certa inércia quanto ao tratamento dos problemas desta natureza por parte da rotina e da prática da nossa própria Administração Pública.
Por isso, pensamos que iniciativas legais neste domínio são necessárias e são indispensáveis, embora não sejam suficientes.
Por entendermos que era necessário apresentar iniciativas legais neste domínio, apresentámos o projecto de lei n.º 452/I, que trata da protecção do património cultural.
Este projecto de lei, se não é radical e exclusivamente inovador, é-o porém em alguns, domínios. Pelo menos estamos convictos de que é um diploma seriamente inovador e que pode produzir frutos. Assim ele encontra condições para ser posto em prática.
Na sua base I, introduz-se o princípio de que tanto as entidades públicas, começando no Estado e passando pelas autarquias locais, como os cidadãos particulares são responsabilizados pela manutenção, restauro e conservação do património. Este princípio parece-nos importante, porque tratando-se o património cultural de um bem que, podendo ter uma propriedade pública ou privada -que não se discute-, no qual se alicerça a nossa cultura e no qual enterram a& suas raízes as nossas próprias tradições, pensamos que os nossos valores culturais devem ter defendidos ou salvaguardados por iodos os cidadãos que para isso manifestem interesse e que russo se empenham.
Por isso, julgamos que este princípio não deverá ser um simples novo princípio que se aflora e que cai como uma letra que morre. Pelo contrário, tem o intuito de nos dar a todos nós a noção de que a cultura portuguesa constitui também uma das nossas obrigações, designadamente a sua preservação.
Apresenta-se depois uma noção ampla de património que nos parece rigorosa, sem prejuízo de estarmos imediatamente abertos e predispostos a introduzir nela todas as correcções, que sejam apresentada-- o CDS já apresentou algumas -, de forma a ampliá-la e a dar-lhe unia maior forca e uma maior eficácia. Mas pensamos que a nossa noção revela já uma amplitude capaz de satisfazer este objectivo essencial. Porém, se ela for melhorada e enriquecida, tanto melhor. É esse o nosso desejo.
Supomos que este projecto de lei é particularmente inovador e esclarecedor na matéria dos incentivo que se prevêem para a conservação do património. Esses incentivos estão enunciados indicativamente c

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base IV. Parece-me ser importante referi-los com pormenor.
Como primeira medida que se enuncia surgem os «subsídios financeiros cobrindo parcial e totalmente os encargos e custos de obras de protecção, restauro e valorização de bens patrimoniais». Estes subsídios serão concedidos não só a quem seja confrontado com uma decisão administrativa de realizar obras de conservação ou de restauro, mas também -e é este o aspecto mais importante - a todos aqueles que por iniciativa própria queiram realizar essas obras, mas que par carência de meios económicos e financeiros não o podem fazer.
Esta situação de carência de bens económicos, que pode limitar o cidadão particular ou mesmo uma autarquia na promoção da conservação do seu património cultural, pode e deverá ser superada por esta via dos subsídios financeiros que serão concedidos pelo Governo.
Prevêem-se também «isenções ou reduções fiscais no âmbito dos impostos complementares, sucessões, e doações, de capitais, sisa, contribuição predial e industrial relativas às despesas com protecção, conservação, restauro ou valorização».
Uma terceira medida que nos parece de particular relevância é a previsão de um tipo de crédito bonificado especial, com uma taxa de juro particularmente reduzida. Esta taxa de juro não poderá exceder a quantia de 20% sobre a taxa de redesconto do Banco de Portugal. É possível que esta medida possa confundir com algumas sensibilidades mais económicas e financeiras. Simplesmente, pensamos que dada a natureza social e o interesse cultural das obras que irão ser realizadas ou favorecidas com a concessão deste tipo de e reduto especial e dadas as garantias que oferecerá o processo administrativo que é carreado pela Secretaria de Estado da Cultura para que se possa conceder este crédito, não deveremos ter dificuldade em aceitar um crédito bonificado de forma tão ampla. Esta medida parece-nos ser bastante importante, para que seja possível -sobretudo a entidades particulares que sejam detentoras de solares, de alfaias antigas em degradação, de utensilagens industriais já absolutas e não utilizadas, mas que se perderão para a nossa história se não forem sujeitas a tratamento de conservação - recuperá-las, o que não se conseguirá se não tiver este apoio económico para promoverem estas obras.
Prevê-se ainda a colaboração na protecção, nomeadamente através de adequado policiamento e recepção de bens em depósito, bem como a atribuição de «subsídios para trabalhos de investigação que contribuam para o conhecimento e valorização dos bens» e, como é evidente, a «assistência técnica, peritagem, estudo e acompanhamento de obras».
Este domínio da assistência técnica parece ser bastante importante e até talvez de difícil execução. Todos nós sabemos que hoje em Portugal são escassíssimas as pessoas habilitadas, por exemplo, à realização de obras de restauro, seja em pinturas, seja em edificação, seja de outra ordem. Se casas antigas, designadamente solarengas, antigas pontes ou monumentos dessa natureza não forem restauradas, vão-se progressivamente degradando e destruindo. Sendo tão escasso e tão pouco volumoso o número de técnicos habilitados a desempenhar essas funções não podem, quer as Câmaras, quer as associações de defesa do património, quer as entidades privadas, promover por sua exclusiva iniciativa e com o recurso exclusivo aos seus meios essas mesmas obras.
Prevê-se ainda a elaboração de planos no domínio da defesa do património, visando a utilização social do mesmo. Pensamos que também esta medida é importante e tem alguma expressão e fôlego. Com efeito, pensamos que o património cultural é importante como marco, como base de definição e reflexão sobre tudo o que é a nossa cultura e as nossas tradições. Pensamos que é necessário que os elementos que integram todo esse património estejam patenteados, designadamente em museus. Mas isto só por si não chega e não é suficiente.
Assim, naqueles casos que seja possível dar a esses bens de riqueza nacional e da nossa cultura uma utilização normal e social pela generalidade dos cidadãos, isso deve ser promovido, facilitado e facultado. Por isso se indica como primeira medida a implementação de uma rede nacional de pousadas e outras unidades turísticas e o alargamento da cobertura a rede de museus, no intuito claro e manifesto de descentralizar e de alargar os pólos e os centros onde se pode verificar o encontro do cidadão particular com a sua cultura e com a sua riqueza tradicional e cultural.
Avança-se também com a ideia da recuperação de conjuntos urbanos, com a ideia da sua defesa, da sua conservação e da recuperação de áreas de protecção, bem como de proibição de construção industrial ou da instalação de quaisquer unidades que possam vir a poluir ou a pôr em causa esses mesmos centros e essas áreas.
Parece-nos também que esta ideia tem o seu cabimento e a sua dignidade, na medida em que há conjuntos urbanos e zonas, quer em cidades, quer em vilas, que, pela sua traça característica, pelos seus elementos urbanísticos próprios e antigos, devem ser conservadas e mantidas, não podendo ser violentadas por hipotéticos planos de urbanização que, pura e simplesmente, venham a demoli-las e arrasem o que foi feito algumas centúrias atrás, para depois se edificarem imóveis de dez, quinze ou vinte andares. Isto passa-se em cidades como Lisboa ou o Porto, embora a necessidade de conservação soja sentida em agregados populacionais mais pequenos, onde surge a necessidade de salvaguardar uma casa, uma rua ou um conjunto de ruas que têm um traçado característico e típico e que deve ser mantido, sob pena de se perderem essas marcas históricas e culturais.
Simultaneamente, consagram-se neste projecto de lei as zonas verdes e os jardins no interior das cidades, como consequência da base VIII, como elementos já integradores do património.
Isto significa que para terraplenar hoje um jardim, para meter o bulldozzer num jardim que existe numa cidade ou numa vila, a partir da aprovação deste diploma, é necessário primeiro um processo administrativo que autorize essas acções.
À primeira vista, isto poderá parecer exagerada? mente pesado. Nós não entendemos assim, porque, em primeiro lugar, isto se restringe às cidades e vilas e, em segundo lugar, porque sendo as nossas cidades e vilas já tão pobres ou mesmo paupérrimas no que se refere às zonas verdes e à existência de arboriza-

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c3o no seu interior parece-nos ser necessário haver uma lei que proíba que tal aconteça e que tal se verifique. Talvez seja pena que esta lei não tenha sido já aprovada há mais tempo. Mas, enfim, o que interessa e prevenirmos o futuro. Porém, supomos que esta medida de salvaguarda das zonas verdes e dos jardins nos centros das cidades e das vilas é bastante importante, pois que esses jardins são um elemento de património cultural, pelo menos na nossa concepção.
Com a apresentação deste projecto de lei, não quisemos ficar pela definição das regras substantivas, isto é, não quisemos ficar somente pela apresentação dos princípios de filosofia e de direito subjectivo. Tentamos pelo menos, fazer um esforço, o qual, como é evidente, não é acabado nem é perfeito e está aberto a todas as correcções que qualquer Sr. Deputado lhe queira fazer o favor de vir a introduzir. Assim, apresentamos também o processo, ou seja, a regulamentação processual desta mesma defesa de património. Isto porque, se é certo que é necessário definir os princípios substantivos e apresentar primeiro as regras gerais para que elas tenham substância, importa depois automaticamente apresentar as regras adjectivas de funcionamento, bem como -e essa é uma das nossas lacunas- as regras sancionadoras, isto é, aquelas que estabelecem as sanções, as penas -no caso de se tipificarem crimes- para a circunstância de não serem cumpridos os princípios definidos na lei substantiva.
O projecto de lei n.º 463/I, que se refere à tramitação do processo, infelizmente, por deficiência nossa na redacção e na revisão das provas, apresentou algumas distorções, das quais queremos desde já dar notícia ao Plenário. Designadamente no anterior projecto de lei de defesa e conservação do património cultural prevê-se que o crédito bonificado nunca possa ter uma taxa superior a 20% em relação à taxa de redesconto do Banco de Portugal e neste diploma prevê-se um crédito bonificado de 8%, o que não coincide e não é rigoroso com a proposta na lei substantiva.
Procuramos neste diploma processual definir toda a classificação do património cultural, dividido em património imóvel e móvel. Aí se define a inventariação desse património. Depois definem-se as regras de alienação do património, tanto imóvel como móvel.
Devo dizer que não nos reclamamos de uma originalidade absoluta neste diploma, porque, como é patente, ele tem sobretudo o mérito de refundir, sistematizar e reunificar todo um conjunto de legislação avulsa que se encontrava dispersa. Portanto, não pretendemos apresentar aqui créditos que são exclusivamente nossos. Pretendemos que se saiba que fomos beber em muita legislação que ainda está em vigor e que não é da nossa iniciativa.
Apresenta-se, portanto, o regime de alienação, a qual é sempre condicionada e está sempre sujeita a autorização administrativa, assim como o regime da exportação de bens que integram o património e que estejam inventariadas como tal.
Prevê-se também um regime de obras e regulamenta-se o desenvolvimento deste regime. As obras podem ser facultativas, embora também se possa verificar a obra imposta. Mas neste caso prevê-se que a obra de conservação, restauro ou de manutenção deve ser imposta por despacho administrativo do Secretário de Estado competente. Se a entidade sobre quem impende essa determinação não tiver meios económicos para realizar essa obra o Estado poderá subsidiá-la, inclusivamente na sua totalidade.
Parece-nos que este segundo diploma vem preencher uma matéria que era importante para que o primeiro diploma tivesse vida e força e possibilidade de aplicação. Não temos a pretensão de ter produzido um diploma totalmente acabado. Estamos desejosos de receber contribuições para o seu melhoramento e para a sua correcção. Desde que elas o melhorem e o fortaleçam, pois terão imediatamente a nossa aprovação e a nossa concordância.
Para além destes dois diplomas, apresentámos ainda o projecto de lei n.º 453/I, relativo ao Museu das Descobertas e do Ultramar.
Já algumas críticas lhe foram tecidas, não sei se todas precedentes ou não. Tão-pouco julgo que seja importante entrar em polémica neste domínio. Penso, sobretudo, que o que interessava era definir o princípio e a necessidade de não se deixar perder e valorizar o património cultural, que é composto por elementos decorrentes do percurso ultramarino que Portugal teve. Este percurso teve aspectos políticos contestáveis - e por nós contestados-, mas que não vem ao caso discuti-los. Mas, quer se queira quer não, esse percurso faz parte da história portuguesa, está documentado por escritos e por outros documentos históricos e é importante que esses elementos não se percam. Pensamos que eles devem ser salvaguardados e, se possível, concentrados num museu.
Posta a questão de saber se deve ser um único museu sediado em Lisboa ou se deverão ser diferentes instituições, é uma questão a discutir. Mas parece-nos que esse museu -como resulta da nossa proposta - deverá existir em Lisboa. Essa ideia não preclude nem é conflitual com a sugestão de esses elementos também poderem ser guardados noutras instituições, desde que públicas como é evidente. Parece-nos que a criação deste museu tem sobretudo o fim de salvaguardar e patentear elementos que também integraram a nossa cultura e que hoje fazem parte da nossa história.
A última iniciativa refere-se à compra anual de obras de arte pelo Estado. É o projecto de lei n.º 454/I. Penso que também esta iniciativa é transparente nos seus objectivos e nos seus propósitos. Pretende-se garantir, com uma forma sistemática e regular, a obrigatoriedade de o Estado adquirir anualmente obras de arte produzidas por artistas vivos. Julgamos ser importante esta referência de se tratarem de obras produzidas por artistas vivos, pois julgamos ser necessário contribuir um pouco para o combate da noção de que cultura e património cultural se refere única e exclusivamente ao passado, como já brilhantemente foi aqui dito por um Deputado da bancada do Partido Socialista, que «a consagração histórica só surge com a morte». Parece-nos pois que talvez seja possível contribuir para que a consagração histórica -sem prejuízo de surgir com a morte quando com ela deve surgir- possa surgir mesmo enquanto aqueles que a merecem sejam vivos. Esse é um elemento importante para o fomento e para a dignificação da arte traduzida pelos autores nacionais e também para o próprio fomento e para o próprio estímulo da actividade e da criação artísticas.

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Julgamos que é vantajoso -e esse é outro elemento que admitimos ser salutar do nosso projecto de lei - que essa compra esteja subordinada a regras. E, por isso mesmo, prevemos um júri e prevemos que esse júri não poderá funcionar mais do que dois anos consecutivos, pois terá de haver depois alteração na sua composição, devendo existir um concurso, ou seja, elementos públicos que permitam avaliar a forma como se procedeu à selecção dessas mesmas obras. Isto, pura e simplesmente, para evitar a discricionariedade personalística no domínio da escolha de peças artísticas, a qual por vezes também se verifica, e que com medidas desta natureza é, pelo menos, amplamente dificultada, se não mesmo impossibilitada.
Portanto, são estes os projectos de lei que apresentamos e que são da nossa responsabilidade.
Quanto ao projecto de lei apresentado pelo CDS, não há nada nele que nos choque e que nos contrarie. Por isso, também pensamos votá-lo favoravelmente na generalidade.
Quanto às iniciativas apresentadas pelo Partido Comunista Português e, designadamente, quanto ao projecto de lei relativo às associações de defesa do património cultural, com excepção do artigo 3.º, que se refere ao direito de acção administrativa que é atribuído a estas associações e de algumas correcções no seu artigo 2.º, as quais pensamos que podem ser introduzidas na especialidade, pensamos que o projecto de lei deve ser votado favoravelmente. Isto apesar de acharmos que o artigo 3.º ou deverá ser eliminado ou passível de uma grande correcção. Não aceitando os princípios nele previstos, pensamos que o projecto de lei pode ser votado favoravelmente, pois trata-se de uma votação na generalidade e, além disso, não encontramos aqui elementos que nos choquem. Portanto, repito, referimos que não aceitamos o consagrado no artigo 3.º, mas pensamos que as deficiências que este projecto de lei do Partido Comunista Português tenha -e entendemos que tem algumas - podem ser corrigidas em sede de especialidade. Por isso, votá-lo-emos na generalidade, deixando desde já anunciado que entendemos que ele deve ser corrigido na especialidade.
O mesmo se passa com a outra iniciativa apresentada pelo Partido Comunista Português, ou seja, cora o projecto de lei n.º 494/I, que também na generalidade nos merece a aprovação, pois nele não encontramos elementos que justifiquem a sua reprovação total. Não existe aqui um elemento de filosofia geral no articulado que - exclusivamente no nosso ponto de vista - mereça uma rejeição e uma desconfiança possível.
Contudo pensamos que se deve corrigir o n.º 2 do seu artigo 1.º, designadamente onde se fala numa «comissão directiva» e que nós propomos que seja antes uma «comissão consultiva», e que se deve também dar uma grande correcção ao artigo 3.º, onde se prevê a assessoria arqueológica e talvez mesmo a sua própria eliminação. Mas, também estes aspectos são passíveis de correcção na especialidade. E como julgamos ser patente que todo os conjunto de diplomas, uma vez aprovados na generalidade, têm de baixar à comissão competente para que ela por sua vez, na especialidade, harmonize os textos, virtualmente faça textos sucintos e introduza as correcções que justificarem, pensamos poder também votar as iniciativas legais do Partido Comunista Português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: São estes os projectos que apresentámos e é esta a nossa posição quanto aos projectos do ODS e ido Partido Comunista Português.
Julgamos que com estas iniciativas, mais uma vez, os Deputados reformadores estão a contribuir de uma forma activa -como, aliás, têm feito ao longo de toda a sua actividade parlamentar- para a valorização dos trabalhos da Assembleia da República, tendo a capacidade de afirmar a sua autonomia própria como entidade política, mas também a sua capacidade de compreensão de todos os seus compromissos.

Aplausos dos Deputados reformadores, do PSD e de alguns Deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na cidade do Porto, há mais de um quarto ;de século que. muitas pessoas ligadas às mais diversas actividades culturais da cidade têm vindo a lutar para que haja alguns espaços cénicos, já que neste sector é uma região de profundas carências.
Na região do Grande Porto, com mais de 1 milhão e 200 mil habitantes, há zonas onde os anos se passam sem qualquer animação sócio-cultural.
Entretanto, o Governo anterior e na sequência d& resoluções de outros Governos, tinha dado luz verde para a criação do Teatro Nacional Almeida Garrett que, provisoriamente, funcionaria no Cine-Teatro Carlos Alberto, estando prevista a expropriação por utilidade pública do Teatro de S. João, onde funcionaria em definitivo o Teatro Almeida Garrett do Porto. O Cine-Teatro Carlos Alberto passaria então a ser explorado como espaço polivalente, mas destinado apenas a actividades de reconhecido mérito artístico cultural, declaradamente de interesse público.
Mas com o actual Secretário de Estado da Cultura tudo ficou parado. Por isso, enquanto durar este Governo, ninguém acredita que a tão desejada Companhia Nacional do Teatro Almeida Garrett do Porto venha a ser formada!
E a Secretaria de Estado da Cultura e a Câmara Municipal do Porto ainda continuam interessadas na expropriação, por utilidade pública, do Teatro de S. João?
Ainda no Porto existe um projecto para a recuperação e transformação do antigo Mercado das Frutas Ferreira Borges, projecto este que já esteve exposto ao público e que mereceu os maiores elogios das pessoas interessadas e especialistas da cidade.
Foi mais do que provado que a transformação daquele espaço num verdadeiro centro cultural, implantado no centro da zona histórica da cidade, irá trazer excepcionais vantagens para a cidade e a região.
Entretanto sabe-se que a Fundação Calouste Gulbenkian concedeu para já um importante subsídio de 20 000 contos.
Por se tratar de um imóvel classificado de interesse público, por ser um edifício concebido e realizado por técnicos locais que ocupam lugar ímpar

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na arquitectura do ferro na cidade do Porto (para não falar do País) este projecto deve ser concretizado urgentemente. O projecto está pronto e apenas aguarda directrizes para o seu arranque. Mas a Secretaria de Estado da Cultura e a Câmara Municipal do Porto continuam silenciosos sobre a sua concretização.
Falando ainda da zona histórica da cidade do Porto, é preciso, é urgente que a recuperação das zonas da Ribeira e do Barredo sejam uma realidade num curto espaço de tempo. Para isso é preciso dotar o respectivo comissariado de recuperação daquela área de todos os meios para poder eficazmente cumprir com os seus objectivos.
O Governo deverá apoiar incondicionalmente este plano como um imperativo nacional atendendo às características daquelas zonas e, portanto, à riqueza do património cultural e até turístico que urge defender e recuperar.
Torna-se igualmente urgente que os diversos equipamentos e espaços que integram a recuperação destas zonas, nomeadamente o lar para a terceira idade, ginásio, biblioteca e museu, sejam postos ao serviço da população. E isto para que a recuperação destas zonas não sejam meros bilhetes-postais para turistas verem ...
A cidade do Porto espera ansiosamente que este plano seja extensivo àquela parte histórica onde se incluem áreas de S. Nicolau, Vitória, Miragaia, Sé e Massarelos.
Existem também projectos para o alargamento do Museu Nacional Soares dos Reis e a valorização e integração do próprio parque, construção de um centro de restauro da região Norte e de um museu nacional de arte moderna. Pela harmoniosa integração do interior com o exterior e riquíssimo património artístico já existente no Museu Soares dos Reis, tudo indica poder haver uma perfeita ligação para o funcionamento de um museu de arte moderna. Também para tratar da instalação deste museu já existe a respectiva comissão. É imperioso que estes projectos sejam concretizados e que todas as partes interessadas (Secretaria de Estado da Cultura, Câmara Municipal do Porto e comissão instaladora) desenvolvam uma permanente articulação e simultaneamente vão ouvindo os restantes organismos e animadores culturais da cidade.
Há igualmente perspectivas para a utilização das instalações da antiga Cadeia Civil do Porto e do Convento de S. Bento da Vitória para fins culturais.
Falou-se no Convento de S. Bento da Vitória para um museu de literatura, mas até à data um silêncio absoluto caiu no aproveitamento destas instalações.
E qual será o destino das instalações da antiga Cadeia Civil do Porto, na Cordoaria?
Sendo o Porto uma cidade com uma história riquíssima, é digna de possuir um museu histórico da cidade. E por que não destinar as instalações da antiga Cadeia Civil para um projecto semelhante?
Na visita à cidade do Porto que o actual Secretário de Estado da Cultura fez, entre várias lamentáveis afirmações, anunciou que o destino da casa de Ramalde seria um .parque museológico. Mas reunirá este espaço condições mínimas para esse fim, tendo em conta a sua proximidade, da zona industrial da cidade? E será que foram ouvidos os organismos, agentes culturais da cidade e especialistas sobre u assunto?
Mas na cidade que temos, de uma forma insensível, ou quase, para muitos, o ambiente com o qual nos identificamos vai sendo destruído como se fosse essa a condição de o transformarem.
Se a transformação da cidade é fenómeno natural, só será prova de vitalidade $e tiver em conta as necessidades colectivas do cidadão, e uma das principais consiste ma vivência quotidiana do nosso passado histórico de que é feita a cidade e a região onde vivemos e trabalhamos.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A destruição sistemática do antigo tecido urbano, para além de uma perda cultural irreversível, é uma forma de desenraizar culturalmente amplos actores da população.
As velhas fábricas e máquinas também são património cultural, como o são igualmente a habitação operária, o artesanato e as tradições populares.
Na região do Porto algo foi tentado pelas populações de algumas zonas, como em S. Pedro da Cova, com o Centro Revolucionário Mineiro, que, aproveitando as velhas instalações da mina, construíram um museu do trabalho dos mineiros.
Mas muito está por fazer e a falta de apoio dos organismos oficiais é um travão a qualquer projecto de defesa do património cultural.
E as velhas fábricas, autênticas peças de arqueologia industrial, vão sendo arrasadas para dar lugar a imóveis que não respeitam o ambiente da zona onde se inserem.
A defesa do património cultural passa por medidas eficazes de apoio oficial e pela participação das populações na conservação e ordenação do meio natural, já que a qualidade do meio natural se torna indispensável para o pleno desenvolvimento da pessoa humana.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns Deputados do PS.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - E sobre os projectos?

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Já lá vamos!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Até parecia que estávamos no período de antes da ordem do dia!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Está incomodado, Sr. Deputado Amândio de Azevedo? Não gostou que se falasse do património cultural do Porto? Ainda vai ouvir falar porventura de mais locais, f não só do Porto.
Mas, para já, vamos à legislação!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos perante nós vários projectos de lei que visam melhorar a cobertura jurídica de defesa do património cultural português, ma« será conveniente começarmos por ter consciência das nossas limitações, dos objectivos e do que podemos tirar desta discussão.

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Na realidade, seria estulto da nossa parte supor que a questão do património cultural e, sobretudo, uma. questão de armadura jurídica e que depois de aprovados estes projecto», como esperamos q>ue o sejam, tudo se modificará para melhor.
Mas não foi certamente a falta de legislação que permitiu, por exemplo, a destruição da Igreja cê Joane e também não será a legislação que esteiará as paredes, os muros, as igrejas e os palácios, que caem por todo o país e um pouco por toda a parte. Não é a lei que faz com que, por exemplo, 90% dos nossos arquivos não tenham sequer defesa contra incêndios ou contra roubos, não é a lei que faz com que o Instituto de Restauros José de Figueiredo - o único instituto público de restauro, que funciona junto do Museu Nacional de Arte Antiga - não tenha meios nem, sobretudo, pessoal para responder às necessidades do País.
E falo com conhecimento de causa, tanto quanto é certo que há dias, eu e o meu camarada Vítor Sá, pudemos apreciar o esforço e a dedicação com que o pessoal deste Instituto leva a cabo as suas tarefas de restauro do património artístico português.
É de meios, é de pessoal, é de instalações, é de técnicos1, é, enfim, de dinheiro e é, sobretudo, de sensibilização e de mobilização popular de que carecemos para defender o património cultural.
Mas se em grande parte não é a legislação que falta, não pode, contudo, desconhecer-se que a legislação é em muitos aspectos deficiente, que está desactualizada - nomeadamente no que respeita a penalidades- e é, em outros aspectos, lacunosa. É altura pois de rever, aperfeiçoar e sistematizar toda essa mesma legislação.
Os projectos apresentados pelos Deputados reformadores, e também pelo CDS, para além dos projectos parcelares que nós mesmo apresentamos, são uma contribuição positiva para esse objectivo.
A aprovação dos projectos pendentes propiciará, sem dúvida, uma ocasião favorável para esse desiderato e, portanto, vale a pena apreciar na generalidade os vários projectos, avançando desde já algumas contribuições que, por nossa parte, julgamos serem susceptíveis de os aperfeiçoar.
A primeira questão que desde logo se coloca em matéria de defesa do património cultura] é a seguinte: defender, salvaguardar o quê?
O conceito de património cultural - mesmo quando restrito ao património objectivizado, como é o destes projectos-lei - tem-se ampliado bastante nas últimas duas décadas.
Por um lado, já não é apenas - e provavelmente nem sobretudo, em muitos aspectos - o património histórico monumental e o património artístico erudito que são e devem ser objecto de salvaguarda. É o também - e deve sê-lo cada vez mais - o património da arquitectura e dos equipamentos funcionais, sobretudo industrial, e o património de índole popular, quer se trate da arquitectura, quer dos instrumentos de trabalho, isto é, de todos os elementos que testemunham a memória colectiva do povo, a identidade histórica e cultural da nossa colectividade. A Central Tejo, por exemplo, não é menos sjgnificativa dessa memória do que o Castelo de Lisboa, nem o barco rabelo ou o moliceiro da ria de Aveiro são menos património do que uma filigrana de ouro. Infelizmente os projectos parecem não ultrapassar a perspectiva tradicional, historicista e culturalista no pior sentido da palavra.
Em segundo lugar, o património não é hoje apenas o monumento ou a peça isolada. É também, e cada vez mais, o conjunto, o complexo integrado, é o centro histórico das cidades ou a aldeia inteira, por exemplo de Linhares, ou o que resta dos palheiros da Costa Nova ou de Mira, em ambos os casos com a gente que lá mora, não com cidades ou aldeias fantasmas, conservadas em redomas, com um cordão sanitário à sua volta, como aconteceu, por exemplo, em Sortelha.
Ora os projectos presentes à discussão acolhem, sem dúvida, esse alargamento do âmbito do património - no seguimento, aliás, das recomendações da UNESCO-, acrescentando aos monumentos mais duas novas categorias: os conjuntos, por um lado, e os sítios ou lugares, por outro.
Todavia quanto ao regime concreto de salvaguarda do património, os projectos parece não terem tirado as ilações necessárias, já que eles continuam virados fundamentalmente para o monumento ou para o elemento artístico isolado.
Quanto aos tipos de protecção do património objectivizado, os projectos não inovam em relação à legislação existente, embora, positivamente, sistematizem, clarifiquem, preencham lacunas.
Reproduzem-se três formas de protecção existentes: «monumento nacional», «imóvel de interesse público» e «imóvel de interesse concelhio», ou melhor, «local» como diz o projecto dos Reformadores.
É de duvidar que estes três tipos dêem uma resposta razoável às necessidades contemporâneas de salvaguarda do património, tendo em conta o alargamento do âmbito de protecção que indiquei. Por um lado, esses três tipos são inadequados para a protecção dos «conjuntos» e dos «lugares» ou «sítios»; em segundo lugar, se não estou em erro, existe nas regiões autónomas já uma nova categoria: os imóveis de interesse regional e ninguém certamente pretenderá duvidar da correcção desta categoria de protecção patrimonial!
Em terceiro lugar, a designação de «imóveis de interesse concelhio», que o projecto do CDS mantém, é ele menos inadequado, dado que a própria designação de concelho deixou de existir. Monumento municipal, ou imóvel de interesse municipal, seria, a meu ver, a designação correcta, talvez melhor até do que aquela que os Reformadores propõem.
Uma questão de interesse primordial é a seguinte: a quem compete proteger? Cada vez menos a responsabilidade e a competência para a salvaguarda do património cultural pode caber apenas a administração central do Estado. Cada vez mais é às autarquias locais, às associações cívicas, às associações, aos possuidores de valores patrimoniais - sejam instituições como a Igreja ou como a dos cidadãos privados- devem caber responsabilidades e atribuições.
Ora, também aqui os projectos não são, a nosso ver, inteiramente satisfatórios, embora avancem positivamente nesta direcção. Referindo embora, por exemplo, as associações de defesa do património não as valorizam suficientemente. Sobretudo mantêm-se uma grande centralização administrativa nesta matéria:

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Tudo depende da decisão do Governo, embora condicionada por parecer do Instituto do Património. Até a classificação de imóveis de interesse concelhio parece competir ã Secretaria de Estado da Cultura. Aliás é isso que diz expressamente o projecto do CDS.
Não pode, pura e simplesmente, ser assim. Há que atribuir aos municípios uma ampla competência neste sentido, sob iniciativa e fiscalização popular.
E há aqui que responder, entre parêntesis, que a crítica que o CDS dirigiu ao nosso projecto sobre associações de defesa do património não tem razão de ser. As atribuições que conferimos às associações de defesa do património são as de associações de defesa, de fiscalização, nomeadamente judicial, conferindo-se-lhes, aliás, poderes que hoje os próprios cidadãos têm em relação a actos da administração municipal como é, por exemplo, o de impugnar actos administrativos ilegais ou o de reivindicar para o património municipal bens ou património ilegitimamente detidos por particulares.
É isso que fazemos em relação ao património cultural, e não vemos que uma casa ou uma terra de um município deva merecer mais protecção -já hoje merece através da acção popular- do que um monumento, um solar ou um conjunto de azulejos; é isso que agora propomos. A própria classificação de imóveis, como já disse, de interesse concelhio parece competir à Secretaria de Estado da Cultura e isso não pode ser, como também já referi.
Aliás, nenhum dos projectos encara frontalmente uma das maiores dificuldades hoje existentes para a defesa do património: a dispersão de atribuições e responsabilidades a nível governamental.
Mais de uma dúzia de instituições, desde a Secretaria de Estado da Cultura, passando pelo Ministério das Obras Públicas, pelos Monumentos Nacionais, pelas Finanças, pela Direcção-Geral do Património, pelos departamentos militares, pela marinha, etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só se pode salvaguardar o que se conhece. Por isso mesmo, a primeira tarefa de qualquer política de salvaguarda do património é o inventário do que possuímos, o conhecimento e a documentação (sobretudo fotográfica) do que existe. Isto é válido, quer para o património arquitectónico, quer para o artístico e para o documental, sobretudo de natureza gráfica.
O inventário é, aliás, decisivo para decidir acerca do que se pode salvaguardar. Na verdade, temos de partir do princípio de que não temos, recursos, infelizmente, para salvaguardar tudo. Temos de tomar opções, mas estas só podem ser tomadas com o conhecimento de tudo. Só poderemos salvaguardar o melhor se conhecermos tudo. Depois há que rodear de medidas de segurança aquilo que inventariarmos. Um recente inquérito aos arquivos do nosso país deixa-nos estarrecidos quanto à falta de segurança da maior parte desses arquivos.
Herculano escreveu uma vez, com o erro de perspectiva em que também podem incorrer os grandes espíritos, que, em relação às pedras, o melhor era de «deixá-las era paz». Só que deixá-las em paz era deixá-las à depredação dos homens e dos tempos.
Em relação aos quadros e aos arquivos certamente que não podemos restaurá-los todos ao mesmo tempo, mas podemos classificá-los e catalogá-los e ao menos
temos o direito de os guardar contra a chuva, os ratos, o calor, o roubo, o fogo, etc.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma outra questão a que os projectos não dão resposta significativa é a que se refere à necessidade de medidas cautelares durante os processos de classificação de bens do património.
O que acontece é que hoje, quando se chega à decisão que classifica um bem de patrimonial, já este não existe ou não existe na mesma situação de conservação.
Há que prever a possibilidade de medidas cautelares promovidas, seja .pêlos municípios, seja pelo Governo1, a partir do início do processo de classificação, garantindo, naturalmente, nos casos de interrupção de obras as indemnizações pelos prejuízos causados.
A salvaguarda do património, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nomeadamente o arquitectónico e artístico, implica a sua valorização como bem colectivo. Isto implica que todos os cidadãos podem e devem 'ter acesso a eles. Mas como pode acontecer isso se museus e monumentos estiveram encerrados aos fins-de-semana, para não falar daqueles que estão encerados há vários anos? Como pode isso ser eficaz se, em muitos casos, não existem roteiros nem guias? Como pode isso ser profícuo se todos os entraves existem à utilização de arquivos?
A questão do património cultural em mãos particulares assume, aliás particular relevo neste campo. Aqui os projectos eliminam algumas das dificuldades da actual legislação, estabelecendo compensações para os encargos que a conservação e salvaguarda de imóveis ou bens patrimoniais classificados podem (implicar para o detentor desses valores. É uma ideia justa que importa considerar e importa aprovar.
Mas, em contrapartida, é de evidente justiça que os valores classificados, em mãos particulares, possam ser usufruídos pela colectividade. A abertura ao público, par exemplo, de casas e palácios durante certos períodos por ano, a obrigatoriedade de exposição em museus das peças móveis durante algum tempo por ano, eis soluções que, a nós, se nos afiguram correcta? Aquilo que é criação colectiva não deve ser objecto de fruição apenas para alguns!
O património cultural é, por natureza, herança colectiva, memória da criatividade popular, testemunho de identidade de um povo. Assim deve ser entendido e salvaguardado.
O património deve ser defendido com o povo e para o povo, e oxalá que esta discussão para isso contribua.

Aplausos do PCP, do PS, do MDP/CDE, do PPM e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio, para pedir esclarecimentos.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Sr. Deputado Vital Moreira, o projecto de lei do Partido Comunista sobre a defesa do património arqueológico aponta a criação de regiões arqueológicas, enquanto não existirem regiões administrativas. Mas qual é exactamente o âmbito geográfico dessas regiões arqueológicas? Como é que o Partido Comunista emende as

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funções das comissões directivas dessas regiões arqueológicas?
Gostava muito de obter uma resposta a estas questões.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira para responder, se assim o desejar.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr.ª Deputada Maria José Sampaio, agradeço a sua pergunta até porque ela me permite esclarecer um ponto que se me afigura importante.
Na realidade, temos para nós que também no domínio da salvaguarda e da defesa do património a descentralização é um valor a cultivar. Estou de acordo com a afirmação, que já foi produzida, de que em Portugal a degradação dó património se deve também, em grande parte, aos municípios. Mas isso acontecia quando os municípios não tinham responsabilidades nessa defesa.
Hoje, o meio de conferir eficácia à defesa ao património é responsabilizar as entidades locais, por um lado, e regionalizar ou descentrar os poderes de defesa do património, por outro. O que nós propomos através das regiões arqueológicas é uma desconcentração, em formas que depois competirão ao Governo, através do desenvolvimento legislativo que indicamos no projecto de lei. Devo dizer que neste aspecto não vamos muito longe, ficamos bastante aquém daquilo que, por exemplo, se propôs em França com a criação de circunscrições arqueológicas, e ninguém certamente considerará que a França é um país particularmente propício em matéria descentralizadora. Não o é e certamente não o será durante muito tempo.
É uma forma que, portanto, e para já, nos pareceu ser de avançar, enquanto não houver as regiões administrativas. Consideramos que esse é um ponto, entre outros, do nosso projecto, e não o consideramos sequer o mais importante, embora considerássemos uma perda se, porventura, ele não viesse a ser incluído na lei ou no conjunto de leis que vierem a sair daqui.
Em todo o caso, eu consideraria, digamos, uma pena, que no momento em que a descentralização e a desconcentração são valores aos quais todos nós prestamos homenagem, tendêssemos, em matéria de património cultural, para a mais estrita das centralizações em termos tais que chegássemos àquela situação que indiquei e que é a de competir ao Secretário de Estado da Cultura classificar como imóvel de interesse concelhio um bem de um determinado município, seja ele o das Lajes das Flores, seja ele o de Mogadouro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - O MDP/CDE louva as iniciativas legislativas do PCP e não poderá passar em vão, nesta Assembleia, a figura nacional do apresentador desses projectos, prestando homenagem ao Prof. Vítor de Sá, historiador, investigador, grande pedagogo, grande combatente antifascista, que pôs na apresentação destes diplomas a imagem da sua experiência, da sua sensibilidade e do seu saber.

Aplausos do MDP/CDE, do PS e do PCP.

Os projectos apresentados pelo PCP dizem respeito a uma realidade existente, a acções que foram brotando e vão crescendo espontaneamente. São, portanto, acções legislativas urgentes.
As pesquisas arqueológicas precisam de regulamentação para satisfazer as necessidades presentes e para abrir campo a actividades futuras, precisam de ser organizadas para poderem ampliar o campo da investigação à participação dos jovens estudantes, em acções pedagógicas de que tanto necessitamos para o equilíbrio da nossa juventude.
A actividade das autarquias é um factor predominante neste campo, como já se verifica em muitas regiões do nosso país.
O MDP/CDE entende também que sem associações de defesa do património cultural não e possível a conservação desse mesmo património e, portanto, se não é inútil a sua legislação será, pelo menos, uma legislação morta.
O povo é herdeiro do património cultural, é ele o personagem activo do futuro e é na dinâmica das forças democráticas que persiste à possibilidade de protecção desse mesmo património cultural.
Quanto à criação do museu das descobertas e do ultramar, proposto pelo Agrupamento Reformador, ele merece-nos algumas observações. Na leitura e no trabalho que fizemos à volta dele surgiram-nos dúvidas quanto à sorte do Museu de Etnologia. Não nos foi possível contactar com o Dr. Fernando Veiga de Oliveira, figura que todos os intelectuais portugueses estimam e que a este Museu tem consagrado toda a sua vida. Também não sabemos qual seria a sorte, por exemplo, da colecção de louças portuguesas e orientais do Museu Nacional de Arte Antiga. Quer dizer, não ficou, para nós, esclarecido qual seria o âmbito desse Museu.
Para além disto, o MDP/CDE está de acordo com um museu dos Descobrimento» que ré ú na unias as colecções, não expostas ao, público, peças e documentos relativos aos descobrimentos portugueses, que sejam significastes dos factos acontecido e traços de união com aqueles povos que pela primeira vez- ligámos à Europa através do mar.
Esse museu deverá ser, como é sugerido no projecto do Grupo Reformador, ... ligado ao ensino, à investigação à cooperação entre os povos, não um museu que constitua mero depósito de objectos».
Não concordamos com a designação de Museu das Descobertas e do Ultramar, por não respeitar a imagem que, entendemos, deverá ter esse museu, mas penso que esta e uma divergência que poderá ser ultrapassada com facilidade.
Para o MDP/CDE o que está em causa e o esforça do nosso povo c. a fraternidade e a interpenetração de culturas fruto desse esforço, e por isso propomos que o museu se chame Museu dos Descobrimentos, que a sua localização seja da escolha dos técnicos e que os contactos previstos no projecto de lei se alarguem não só aos países que utilizam a língua portuguesa mas também àqueles onde a língua portuguesa se perdeu mas persistem marcas da nossa passagem.
Lembro, por exemplo, o nosso Arquivo em Goa, que foi oferecido ao nosso Governo, através da Embaixada do Brasil em Portugal, e que foi recusado por Salazar, e lembro ainda o Forte de S. João

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Baptista de Ajuda, que foi oferecido para Museu da Cultura Portuguesa e nós perdemos cisa possibilidade por se acreditar que havíamos de conquistar aquilo que perdemos.
O MDP/CDE entende que esta ideia não se deve perder, que é uma ideia útil, mas poderá ser formalizada em novos moldes e estudada mais profundamente.
Quanto ao projecto de lei sobre a compra anual de obras de arte pelo Estado, nós consideramos muito importante o artigo 1.º deste projecto de lei. onde se indica Que a Secretaria de Estado deverá reservar anualmente uma verba para a compra de obras de arte.
Entendemos, no entanto, que esta ideia, louvável em si, se encontra num contexto que nos merece vários reparos.
Durante todo o ano há inúmeras exposições com venda de peças de artistas vivos. Os artistas vivos que não expõem dificilmente se sujeitariam a essa feira oficial ou semigovernamentalizada - é da tradição da história de arte.
Pensamos que mobiliário e obras para edifícios públicos e edifícios de prestígio, tais como embaixadas, etc., poderiam ser um bom objectivo dessas compras da Secretaria de Estado da Cultura e deixar-se aos museus a iniciativa das suas próprias aquisições.
Caberia à Secretaria de Estado visitar oficinas e ateliers e fazer as suas aquisições, que, essas sim, seriam objecto de uma exposição anual aberta ao público.
Pensamos que a inversão do circuito previsto neste projecto de lei tendia ã criação de um espírito não mecenático e se traduziria num aumento de espaço aberto à criatividade dos nossos artistas.

Aplausos do MDP/CDE, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de constituição de mais um museu nacional a implantar em Lisboa chama vivamente a atenção para os problemas e graves carências que se vivem de uma forma geral no interior do País.
Vejamos, por exemplo, o caso do distrito de Castelo Branco.
A população do distrito segue hoje com particular atenção tudo o que se refere à preservação, defesa e valorização do seu vasto e riquíssimo património cultural.
Imagem desse interesse são as associações de defesa do património que existem e se vão constituindo por todo o distrito. Serei necessariamente injusto em não as referir a todas, mas cito, entre outras, a Associação Cava Juliana, o Grupo de Estudos do Património Artístico e Arqueológico de Castelo Branco e a Associação de Estudos e Defesa do Património Histórico-Cultura da Covilhã. Isto para não referir as numerosas «ligas de amigos» e instituições semelhantes e que vêm inscrevendo como um dos seus objectivos principais precisamente a defesa do património.
Exemplo ainda são as campanhas que frequentemente agitara a opinião pública do distrito. Recordemos o que se tem passado recentemente com a igreja da Misericórdia na Covilhã e referência especial merece aqui a defesa e preservação dos portados quinhentistas de Castelo Branco, campanha em que a juventude tem assumido papel relevante.
Também a imprensa regional reflecte este interesse e muitas vezes o antecede.
Cinco exemplos, respigados ao acaso da imprensa regional:

Da Reconquista: «Está por fazer o tombo classificado das imagens existentes nas igrejas de Castelo Branco»;
Do Jornal do Fundão: «Do Castelo de Penha Garcia, o que resta está em perigo [...]!»;
Do Notícias da Covilhã: «Como se não bastasse já a destruição do riquíssimo património que existia na cidade da Covilhã, como as suas fortíssimas muralhas, o espaço arquitectónico do pelourinho», etc.;
Da Comarca da Serio: «Em 1680, o velho castelo da Sertã estava quase inteiramente demolido [...] hoje o local em nada condiz com as tradições do nosso povo e se as gerações passadas foram relapsas, não devemos endossar tal indiferença»;
Do Raiano: «Quem visitar hoje o que resta do Castelo de S. Miguel de Acha não pode deixar de sentir profunda desolação.»

Na prossecução da legítima aspiração das populações de ver defendido o seu património cultural, o museu regional, o museu de implantação local, pode e deve ser não um depósito de coisas velhas, mas um centro activo e um instrumento de intervenção que conserve os objectos, mas que fundamentalmente estimule o visitante na «compreensão da evolução e no encontro da sua própria identidade».

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador. - O distrito de Castelo Branco é exemplar nos problemas, nas carências e também no apontar de soluções.
Além dos problemas que já se referiram, incidentalmente, recordam-se muitos outros:

A defesa e o apoio aos estudos de investigação da torre de Centum Cellas, em Belmonte;
A preservação e valorização do conjunto arquitectónico do castelo/igreja de Santiago de Belmonte;
A defesa da «judiaria» da Covilhã e dos portados quinhentistas que aí existem;
A pesquisa, preservação e valorização de todo o património de origem romana, e quero aqui salientar o que se passa com o castro de Orjais;
A preservação da Rua da Cal, no Fundão, e do seu riquíssimo património, bem como o de Alpedrinha e de Alcaide;
A preservação da fisionomia da verdadeira jóia, que constitui o conjunto de Castelo Novo;
A preservação do burgo medieval de Castelo Branco;
A preservação do património e fisionomia de Álvaro;

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A pesquisa do património cultural da zona do Pinhal, de Oleiros, Sertã, Proença-a-Nova, Vila do Rei;
A defesa do património da área de Penamacor.

Estas e múltiplas outras iniciativas serão o mínimo de resposta à defesa e valorização de um património tão rico e tão degradado como é o do distrito de Castelo Branco.
Isto para não falar de outros aspectos de defesa de um património que não se esgota na presença histórica, mas que vive também de ricas tradições em outros domínios: recordemos a tecnologia do fabrico de queijo, tão diversificada em toda a área e que não se pode perder! Recordemos o bordado de Castelo Branco e a renda de Malpica, recordemos a latoaria, a olaria, o fabrico de instrumentos musicais, como o adufe, e até a doçaria!
Recordemos, finalmente, tradições e festas como a Romaria da Senhora de Almurtão ou a espantosa manifestação de ritmo e força dos zabumbas e bombos de Lavacolhos.
Neste quadro de carências, ressaltamos dois pontos:

1.º A situação de Idanha-a-Velha: Coração de um mundo de permanentes transformações, sucessivamente pátria de povos primitivos, de romanos, de bárbaros, de árabes e de cristãos, hoje injustamente reduzida à situação de terra esquecida e inaproveitada; a secular Egitânia (com Monsanto, Penha Garcia e todas as povoações da área em que se insere) deve ter a curto prazo a atenção que se impõe e merece. As soluções são múltiplas, mas, entre outras, a criação do museu da Egitânia, de um museu vivo, cuja actuação se estendesse a toda a área, poderia ser talvez a forma imediata de intervenção que se impunha. Crimes como o da construção, no meio da povoação, da Casa Marrocos não se podem repetir!
2.º A preservação e valorização do património industrial da Covilhã: a história da indústria da lanifícios na Covilhã, o resto da Fábrica de D. Pedro V, a Fábrica Pombalina, a arquitectura industrial do século XIX e começo do século XX, os instrumentos dê trabalho e máquinas, a tecnologia, a história do nascimento e vida das empresas e, além de tudo isso, a história impressionante da classe operária do concelho - nada disso se pode perder, Também aqui, a solução pode eventualmente ser a de criar urgentemente o museu têxtil da Covilhã, um museu vivo, onde se guarde a memória de todo esse tempo e o reconhecimento e identificação das gerações presentes com o seu passado, não só pela recolha de objectos como pela reprodução de técnicas e pelo trabalho criativo em que seguramente os habitantes da Covilhã se empenharão.

Falámos do que é preciso num distrito em que muito se está a perder. Mas importa também salientar o que está feito. Duas notas:

1.º O ecomuseu da serra da Estrela: os esforços que item sido feitos merecem sor salientados e constituem um exemplo que se deve afirmar em todos os seus aspectos positivos. A vida transforma-se e transforma os homens, mas a serra (como é e como foi a sua presença humana) tem de se transmitir por inteiro para as gerações futuras;

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!

O Orador: -

2.º O Museu de Tavares Proença Júnior, de Castelo Branco: não pode deixar de se realçar a acção positiva que tem vindo a desenvolver.

Em 1979, no capítulo de exposições, e só aí, contámos quinze. Destacamos três: uma sobre a preservação da identidade cultural .em aldeias do concelho de Castelo Branco outra sobre o espaço urbano - Exposição fotográfica sobre Castelo Branco e uma terceira sobre as Colchas de Castelo Branco.
Nos quatro primeiros meses de 1980 (e sob reserva de falhas), contámos cinco concertos, quatro conferências, quatro exposições, várias sessões de animação cultural (com escolas e não só) numa área alargada que abrangeu o Fundão e Idanha-a-Nova. Isto ao mesmo tempo que o museu se Ingá no seu dia-a-dia à escola e à cidade, isto enquanto numa sua dependência trabalhadoras mantêm viva a tradição dos maravilhosos desenhos dos bordados de Castelo Branco.
Exemplo vivo do museu «transmissor de uma tradição», o Museu de Tavares Proença Júnior insere-se perfeitamente num distrito onde à defesa do património passado se liga, indissoluvelmente, a construção de um presente de cultura.
Os grupos de teatro (de Alcains, Gente Nova, de Castelo Branco, os Fantoches de Belmonte...), a Orquestra Típica Albicastrense, o Grupo de Intervenção Cultural da Covilhã, os Orfeãos da Covilhã e de Castelo Branco, as filarmónicas e bandas, os ranchos, designadamente o de Silvares, os festivais de teatro, a Feira do Livro de Castelo Branco, que agora decorre, estas e outras associações, iniciativas e actividades mostram que só por falta de meios e apoios é que se chegou à situação actual em matéria de património cultural.
O empenho da população - esse está fora de questão e não será regateado.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ramires Fernandes.

O Sr. Ramires Fernandes (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas um breve comentário ao projecto de lei n.º 442/I.
Sendo indiscutivelmente louvável o objectivo que através dele se pretende alcançar, e que, aliás, corresponde ao imperativo expresso na Constituição, no seu artigo 76.º parece lícito pôr em dúvida que os mecanismos adoptados sejam os mais idóneos para que aquele objectivo seja atingido.
Por um lado, o diploma é restritivo na medida em que apenas prevê a protecção de monumentos, imo-

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véus e valores concelhios, não obstante a formulação genérica e ampla do artigo 1.º Com eleito nem as espécies bibliográficas, nem as obras de arte, plásticas e figurativas (pinturas, gravuras, desenhos, esculturas, etc.) são objecto da protecção que visa estabelecer.
Por outro lado, tem-se em vista a conservação de valores do património cultural mas não há em todo o projecto uma única referência à sua fruição pela colectividade, que é a destinatária desses valores.
Isto é, a concepção subjacente ao projecto é a de uma cultura estética e elitista, nunca uma cultura dinâmica e democrática, como é aquela para que aponta o artigo 73.º dia Constituição da República.
Por último, e articuladamente com esta concepção, há no projecto ruma excessiva preocupação em salvaguardar interesses privados, quando são interesses de ordem pública que neste caso estão em jogo.
É significativa a posição tomada no preâmbulo em relação à recusa de aceitar a expropriação por utilidade pública como solução normal para casos em que os detentores do imóvel não podem assegurar a sua conservação, posição que se reflecte no artigo 16.º, n.º 3, em que se opta pela hasta pública. E embora no preâmbulo se diga que é reconhecido ao Estado um direito de preferência, a verdade é que em parte alguma do diploma é esse direito consignado.
Entendemos que monumentos e imóveis de interesse público devem pertencer ao Estado e que é a este que compete não só providenciar e zelar pela sua conservação e integridade, mas ainda promover que sejam fruídos por todos os cidadãos, como pane do património cultural da Nação, isto é, do povo português.
Por todos os motivos atrás expostos, votaremos contra o projecto de Lei n.º 442/I.
Relativamente ao projecto de lei n.º 463/I, cumpre-nos dizer que são inúmeras as tarefas cometidas pelo projecto ao Instituto do Património. No entanto, tendo este uma existência legal, não passa ele de uma direcção-geral em fase de remodelação. Dada a escassez de verbas, de pessoal, de estruturas e organização, não pode ele de imediato responder minimamente às solicitações e competências que por este projecto de lei lhe são confiadas.
A entrada em vigor deste diploma criaria um caos burocrático que, por um lado, paralisaria os serviços que ainda funcionam e, por outro, nada poderia resolver dentro dos prazos previstos relativamente a este projecto de lei.
Têm de se criar as condições mínimas para um crescimento e uma descentralização gradual do Instituto, antes de se lhe poderem cometer as funções e competências que este projecto de lei lhe confere, pois que, de outro modo, estaremos a paralisar o Instituto do Património e a aprovar um projecto de lei inexequível.
Estas as observações que se nos afiguram pertinentes e, sem embargo de concordarmos na generalidade com o regime jurídico proposto, vemo-nos, pelos motivos atrás expostos, forçados a abster na sua votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não 'posso isentar-me de lastimar a frouxa presença de parlamentares neste momento em que se discute a cultura portuguesa. Mas, evidentemente, trata-se de cultura e não de política nem de economia!
É pena que a discussão sobre a cultura tenha sido relegada para um horário que classificarei de hora morta, um horário pouco convidativo, e torna-se impossível não protestar contra esta minimização que fatalmente pesa sobre a cultura portuguesa até a nível parlamentar.

O Sr. Luís Filipe Madeira (PS): - Muito bem!

A Oradora: - Mas apraz-me sinceramente que o PCP, no seu interesse pela defesa dos bens patrimoniais, esteja bem longe, bem afastado, dos tempos gonçalvistas que muito lesaram o património da Assembleia da República.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Ó Sr.ª Deputada!...

A Oradora: - Sem ironia, ou talvez com alguma mas sincera.
Passo, portanto, à apreciação do projecto de lei n.º 453/I.
O objectivo de fundar um museu das descobertas e do Ultramar vem preencher uma lacuna indesculpável num País que cultural e civilizacionalmente se afirmou pelo grande impulso que deu ao Renascimento, ao experimentalismo, ao naturalismo, aos conhecimentos sobre flora, fauna e antropologia e outros domínios do saber que as navegações oceânicas e a exploração de territórios desconhecidos, como a África e o Brasil, proporcionaram.
Concomitantemente, a continuidade da mossa cultura nos novos países de expressão portuguesa é motivação decisiva para que na sua matriz -que é Portugal- sejam patrimonialmente enaltecidos pressupostos dessas novas culturas.
Sobre as actividades culturais que estarão ligadas a esse museu, a nível de estudo e investigação, é pertinente propor-se a ligação a organismos como o St. Xavier's Institute, de Goa, ao Gabinete Português de Leitura, do Brasil, e a outros organismos congéneres, assim como às associações culturais das comunidades portuguesas no estrangeiro. Eu proporia também: a atenção para que nesses estudos se integrassem matérias que hoje estão em decadência escolar no nosso país, tal como a investigação sobre os Descobrimentos e a camonologia.
Sobre a compra anual de obras de arte pelo Estado, ou seja, sobre o projecto de lei n.º 454/I, pensamos que ele é de aceitar, embora o consideremos incompleto.
Proveitoso será que as criações artísticas que o Estado adquirir, mediante o processo adoptado no artigo 4.º deste projecto de lei se concretizem. No entanto, não se considera neste projecto de lei que essas obras de arte possam não ser adaptáveis aos edifícios, às estruturas para que são adquiridas. Por isso, propomos que, além da compra efectuada por este meio, se tome em conta o que está no próprio Programa Eleitoral do Governo -e que até hoje ainda não foi concretizado - ao domínio ida cultura

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e que passo a citar: «criar condições para que na construção e decoração de edifícios públicos a participação de artistas plásticos se faça de forma adequada.» Quer dizer, que haja ab initio uma percentagem da. verba destinada) aos artistas para que estes de uma forma integracionista, participem nesses trabalhos. Creio que isto é mais eficaz e mais prático e- não sairia do âmbito deste projecto de lei.
Vou agora referir os projectos de lei de bases de protecção do património cultural e natural e do regime jurídico do património arquitectónico, histórico, artístico e cultural.
É indiscutivelmente meritória a apresentação destes projectos de lei, que assumem, finalmente, o programa de mudança que teve a adesão dos reformadores e do CDS. Com efeito, não é concebível que se mude para melhor o ritmo de uma sociedade sem considerar como motor dessa mudança a vivificação dos seus bens culturais.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Assim entenderam os reformadores e assim entendeu o CDS, e por isso os louvo.
O PSD regozija-se com as propostas dos reformadores e do CDS sobre a legislação no âmbito do património - e até com algumas achegas do PCP e com outra a que farei referência, e que foi esquecida, do PS-, até porque no nosso Programa do Governo havia uma particular atenção relativa à legislação sobre património, e é bom que ela surja finalmente.
Mas tenho que fazer algumas reservas, pois esses projectos; apresentam uma certa desactualização. Hoje não me parece muito curial separar património cultural natural.
A Carta de Nairobi e a de Veneza pressupõem a junção do património cultural e natural, a integração na paisagem. A concepção conjuntura] é hoje uma norma assente quanto ao património cultural.
Notam-se nestes projectos de lei omissões, algumas das quais já foram aqui referidas, sobre etnografia, arqueologia industrial, alfaias agrícolas, sobre o valor regional, sobrestimando-se o valor concelhio, e não o regional, obliterando-se o valor patrimonial em áreas interconcelhias e isso itera de ser corrigido. É também esquecida a importância e utilidade pública e cultural das associações de defesa do património cultural.
Nós estaremos, portanto, abertos a uma proposta de uma nova base e nela deverá ser reconhecido o carácter específico das associações de defesa do património cultural, no sentido de estas serem obrigatoriamente consultadas, nomeadamente nas seguintes matérias: classificação e inventariação, apreciação de processos relativos a obras ou fixação de zonas de protecção e de escavações arqueológicas. Isto, evidentemente, não está completo, são apenas sugestões que terão de ser desenvolvidas.
Passo agora a referir especificamente o projecto de lei n.º 442/I, do CDS. Este projecto de lei apresentado pelo CDS merece a nossa aprovação, considerando que nele se nos apresenta uma achega muito positiva para a defesa e salvaguarda do património histórico, cultural e artístico. Mas sobre ele algumas reservas haveremos de lazer, as quais, desde já, se resumem no seguinte: este projecto de lei incide mais sobre os edifícios em si. do que nas zonas de protecção, nos conjuntos históricos, nos centros e aglomerados urbanos.
O que se patenteia logo no artigo 1.º, em que não se define o âmbito do património, onde não está considerado eficientemente o conjunto e a sua preservação.
O artigo 17.º proíbe transferências para o estrangeiro de bens do património, mas como nesse mesmo projecto o âmbito do património não está realmente muito definido, quer dizer, os bens imóveis «não estão talvez bastante considerados, bastante tidos em conta, não estamos a concebei que um palácio seja transferido para o estrangeiro! No entanto, consideramos muito positivo este projecto de lei.
Quero agora referir-me ao projecto de lei n.º 432/I, apresentado pelo PS. Este projecto de lei vem colmatar uma grande lacuna que é a, questão do direito dos tradutores.
Nós damos inteira aprovação a este projecto de lei sobre a alteração pontual do Código de Direito de Autor e congratulamo-nos porque desta Assembleia sairá finalmente legislação ide que os direitos dos tradutores estavam francamente carecidos.
Os tradutores haverão sempre de nos merecer o maior apreço, porque, realmente, eles são os transmissores da cultura através das fronteiras. Se não fossem eles quantas obras fundamentais da literatura mundial não ficariam no esquecimento ou meramente cingidas às suas fronteiras. Não esqueçamos também que Baudellaire, se não fosse o extraordinário poesia que foi, ter-se-ia notabilizado só como tradutor de Edgar Allan Poe.
Por tudo isto, parabéns ao autor deste projecto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Falarei agora sobre o projecto de lei n.º 494/I, relativo à defesa do património arqueológico, apresentado pelo PCP.
Surge-nos, quanto a este projecto de lei, uma grande dúvida, embora ele seja parcialmente aceitável, que é a de saber se este projecto de lei não será descabido, vasto que não está articulado com o Decreto Regulamentar n.º 18/80, de 23 de Maio. Segundo este decreto foram criadas delegações regionais da Secretaria de Estado da Cultura no Norte, Centro e Sul. Estas delegações compreendem conselhos regionais que se organizam em plenários e em secções. Além disso, estes conselhos regionais são consultivos e não directivos, ao contraio do que se propõe no projecto do PCP. A componente directiva terá de resultar da descentralização do Instituto do Património através de delegações regionais.
Apesar destas reservas, nós não deixamos de considerar passíveis de merecerem a nossa atenção os artigos 2.º e 3.º, pelo que pedimos que este projecto baixe à Comissão de Cultura, aliás como os outros projectos de lei.
Passo agora ao projecto de lei n.º 493/I, também do ÍPCP. É evidente que seria uma grande injustiça não reconhecer às associações de defesa do património cultural um grande mérito, não só pela sua quantidade e eficiência, mas .também pela sua reafirmada qualidade. Temos de reconhecer que essas

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associações estiveram presentes onde o Estado muitas vezes pecou por omissão. E, ao encontro disto, o facto é que nas alterações que concebemos, e que iremos apresentar aos projectos de lei ora em discussão, esteve sempre presente no nosso ânimo que as associações de defesa do património cultural tivessem um valor consultivo permanente e mesmo obrigatório.
Contudo, surgem-nos muitas dúvidas sobre este projecto de lei. Assim, no artigo 2.º onde devia estar: «devem-se ouvir», lê-se: «direito de participar e intervir na definição de todas as medidas».
No antigo 4.º, alínea b), que terão presente, diz-se: «terão estas associações o direito de reivindicar a expropriação dos bens patrimoniais quando em posse ilegítima». Mas eu pergunto: reivindicar para quem? Para o Estado? Mas o Estado tem capacidade jurídica para ele próprio reivindicar.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Dá-me licença que a interrompa, Sr.ª, Deputada?

A Oradora: - Faça favor.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Creio que pode ser útil o meu esclarecimento, porque isso não tem qualquer novidade.
Na realidade, hoje qualquer cidadão a nível local pode reivindicar para um município ou para o Estado um bem público ou municipal ilicitamente possuído por particulares. Portanto, a questão é se eu, como cidadão, posso reivindicar uma casa, um prédio ou um bocado de terra, porque não dar a uma associação de defesa do património o direito de ir perante um tribunal e pôr uma acção de reivindicação de um bem patrimonial classificado que esteja ilegitimamente na posse de particulares? É essa a questão que se põe aqui, Sr.ª Deputada, e não há mate nada do que isso.

A Oradora: - Está certo, mias a isso responderei que as próprias associações, no encontro de Santarém, apresentaram as suas reivindicações e eu acho que elas têm de ser, de certa maneira, respeitadas por nós. E o vosso projecto afasta-se do que ali foi decidido.
Foi pedido em Santarém, num encontro das associações de defesa do património, que elas tivessem representação nos organismos de Estado e autárquicos e também que fossem ouvidas em matéria de legislação, inventariação, classificação, obras e urbanismo. Não foi sequer abordado o que é referido na alínea b) do artigo 4.º do vosso projecto de lei. Só pediram para serem declaradas como instituições de utilidade pública.
Penso que vamos tomar isto em consideração.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS e do PPM,

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para prestar um breve esclarecimento à Sr.ª Deputada Natália Correia.
Relativamente ao artigo 17.º do projecto que nós apresentámos, que fala da proibição da transferência de imóveis para o estrangeiro, queria só lembrar à Sr.ª Deputada o que se passou com os famosíssimos cloisters do Museu Metropolitano de Nova Iorque, por exemplo, e com o Skensem na Suécia.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - E os castelos da Escócia e dos Estados Unidos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Eu sei que os cloisters foram formados pedra a pedra, tal como uma personagem de Wilde poderia trazer um castelo de Inglaterra para a América, por saudosismo genealógico frustrado. Mas a verdade é que eu não me queria referir a isso, Sr.ª Deputada Maria José Sampaio.
Eu estabeleço uma relação entre esse artigo e o artigo 1.º do vosso projecto de lei, que é, de resto, muito louvável. Eu faço uma restrição, pois acho que tudo merece que se façam restrições ou então morreu a nossa capacidade de criticarmos até os nossos próprios actos. Assim penso que no vosso projecto de lei não se encontra bem definido o conceito de património.
Nele também não se fala de móveis, embora a minha querida amiga preveja animosamente que a batalha possa ser transferida pedra a pedra para a América, mas eu espero que isso não aconteça.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Esperamos todos!

O Sr. Presidente: -- Tem a palavra o Sr. Deputado José Ernesto.

O Sr. José Ernesto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos por inúmeras as vezes que trouxemos a esta Câmara os problemas e dificuldades do Alentejo, na luta heróica de todos os dias da sua gente pelo direito a uma vida digna e à condição de homens inteiros.
Dessa realidade trazemos hoje outra faceta que se integra na defesa dos dois projectos de lei que aqui apresentámos. Trazemos a imagem clara de que em matéria de cultura e preservação de um património grandioso se está a fazer na terra alentejana e, em particular, nesse museu vivo da nossa história, a cidade de Évora.
O centro histórico e cultural que Évora representa é, antes do mais, fruto do imenso amor que a sua gente lhe dedica. Foi esse povo que soube resistir de pé aos que durante séculos o quiseram vergar, que fez também resistir a sua cidade e o seu Alentejo aos que o quiseram corromper.
E é hoje possível, a esse profundo sentimento colectivo de defesa do património cultural, encontrar eco no poder autárquico que Abril permitiu e no qual o povo se reconhece por inteiro.
Neste domínio começou a Câmara Municipal de Évora por ceder a plena utilização do magnífico Teatro novecentista de Garcia Resende a uma companhia profissional de arte, constituída num dos prin-

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cipais agentes da intensa vida cultural que a cidade vive.
Ao mesmo nível vamos encontrar, numa atitude de verdadeiro pioneirismo inscrito no plano de actividades da Câmara de Évora, todo um capítulo dedicado à cultura e onde se define a conservação, divulgação e aproveitamento das riquezas do património histórico, artístico e arqueológico como elemento vivo dessa cultura.
Constituiu também esta Câmara, por sua iniciativa, a Comissão de Arte, Arqueologia e Defesa do Património, com base em cujas propostas apoia muito do seu trabalho. Nesta Comissão participam, de entre outros, a igreja católica, a Universidade, o Centro Cultural de Évora, a museu, colectividades culturais e personalidades que se destacam pela competência e dedicação à protecção do património histórico-cultural de Évora e da sua região. É um esforço colectivo de pessoas de espírito aberto, profundamente eivadas do firme propósito de defenderem a sua cidade, o que pode constituir exemplo da forma cristalina como aí se trabalha.
Está ainda esta autarquia em contacto com a UNESCO para que se torne possível a esta organização colaborar e apoiar um vasto programa de recuperação de toda a parte velha da cidade, inscrevendo-se no mesmo sentido ainda a recente participação no congresso das cidades históricas realizada em Bruxelas no passado mês de Março.
Preservação do património cultural e artístico faz-se também quando se promovem e incentivam realizações como a que hoje mesmo se iniciou em Vila Viçosa. O Encontro Regional da Olaria Alentejana, que daqui saudamos. Este Encontro conta com a realização de vários colóquios, exposições e espectáculos populares e pretende-se como ponto de reflexão dessa maravilhosa arte de trabalhar o barro que o povo alentejano preserva com tanto carinho. Dele deverá sair uma exposição itinerante, que percorrerá o País divulgando o encanto dos barros do Alentejo.
Está-se também, e desde já, a preparar a realização, em Agosto próximo, na Vala. de Reguengos de Monsaraz, de um encontro regional, que se propõe fazer o levantamento do artesanato de todo o Alentejo. É de realçar que todo este trabalho se faz em colaboração com muitas pequenas colectividades, sendo inúmeras as manifestações da cultura popular que se realizam por todo o Alentejo e só possíveis com a participação e colaboração das autarquias, nomeadamente as de maioria APU. São muitos os grupos corais criados, os grupos de teatro e outras formas de manifestação da criatividade do povo, que o poder local democrático tem permitido e a que só agora a população tem acesso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A história e cultura alentejana, de que Évora é depositária de alguns dos mais importantes documentos, é uma realidade viva que transborda da maquina fotográfica dependurada ao pescoço do turista, não cabe nas mentes empoeiradas de alguns eruditos e tão pouco se restringe às seculares pedras de um passado mais ou menos remoto.
A história e cultura alentejana é uma realidade viva que continua a ser feita por essa gente de tez morena e mãos calejadas que semeia a terra, e de cujas gargantas brota o amor que canta no trabalho e na luta.
Esta é a grande realidade a que a cidade de Évora e a sua gente dão corpo no seu dia-a-dia. É a profunda ligação do povo àquilo que é seu.
E é esse povo que, tal como tem sabido defender a terra que é sua, porque é ele que a trabalha, também sabe e saberá defender a história e a cultura, porque é ele que a faz.

Aplausos do PCP, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tempo é extremamente escasso para o meu partido, pelo que não poderei fazer uma intervenção mais desenvolvida. Apenas algumas breves notas sobre este: conjunto de diplomas que aqui foi apresentado hoje, nesta Câmara.
Em primeiro lugar, lamento que esses diplomas não .tenham sido objecto de um trabalho prévio da Comissão de Cultura e Ambientei, que decerto poderia ter trazido a esta Câmara um texto alternativo em relação a alguns dos projectos que aqui foram apresentados, que obviamente, se sobrepõem, se repetem nalguns casos, se completam noutros ou até se incompletam. Infelizmente, não é esse o método com que estamos a trabalhar. Oxalá possamos suprir esta carência de base no trabalho que se seguirá durante a discussão na especialidade no seio da respectiva comissão.
Em segundo lugar, queria dizer que não podemos sair daqui com a ilusão de que, com este chamado «pacote» sobre questões do património cultural, teremos dado um passo decisivo na resolução dos nossos problemas. Infelizmente não será assim, porque, mesmo do ponto de vista legislativo, nenhum destes diplomas traz as soluções mais eficazes para a resolução urgente dos problemas que se. nos deparam nesta área.
Diria que, do ponto de vista legislativo, faz sobretudo falta -e oxalá em breve ele venha a ser apresentado ao País- um diploma que estruture convenientemente o Instituto Português do Património Cultural. Há dois anos que existe elaborado um anteprojecto desse diploma, lamento que ao fim de dois anos nenhum Governo tivesse sido capaz de o pôr cá fora com as alterações que entretanto se tivessem querido nele introduzir.
Efectivamente, o problema central é um problema de meios administrativos, de medos técnicos, de meios humanos e de meios financeiros. E faria já a sugestão - num espírito, como vêem, altamente construtivo- de que se torna urgente elaborar um verdadeiro plano de emergência para acudir aos casos mais sensíveis e mais graves de deterioração do nosso património.
Esse plano de emergência poderia ser executado por um conjunto de brigadas técnicas de especialistas, que com uma preparação básica intensiva pudessem acorrer a vários pontos do País através de um plano hierarquizado de prioridades, de forma a, com o máximo de rapidez possível, tentarem resolver e salvar aquilo que ainda é possível salvar. Não é difícil, não é pedir a Lua; é possível, está ao alcance

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deste Governo, está ao alcancei da administração pública, ponto é que haja vontade e dinamismo para rapidamente se actuar através de. um esquema extremamente simples de brigadas que possam, com o devido apoio técnico, sem fazerem, obviamente, um trabalho precipitado, resolver estes problemas urgentes que se nos deparam nesta área.
Além disto queria, numa breve apreciação destes projectos, dizer ainda que o único que nos- merece algumas reservas é o projecto apresentado pelos Deputados reformadores sobre a criação do museu das descobertas e do Ultramar. Essas reservas não se dirigem em relação à intenção de fundo subjacente à decisão dei apresentar um projecto de lei desta natureza, decisão que é louvável, dirigem-se, sim, ao facto de recearmos que a concretização desta atenção -porque, infelizmente, o projecto não .passa de uma vaguíssima intenção - não venha a efectuar-se da melhor maneira.
Efectivamente, foi aqui já levantado o problema do museu de etnologia. O meu partido receia -e tem razões para isso- que a iniciativa, em si louvável, da criação do museu das descobertas e do Ultramar possa de algum modo acarretar prejuízo ao projecto que está subjacente ao actual Museu de Etnologia. E temos razões para acreditar nisso, porque partiu da iniciativa desta maioria a decisão de sujeitar a ratificação desta Assembleia o decreto-4ei do anterior Governo em que finalmente se reestruturava o Museu de Etnologia e se lhe concediam condições efectivas de funcionamento. Por outro lado, o decreto-lei, apesar de ainda não ter sido sujeito a ratificação desta Assembleia, continua por ser aplicado e já verificámos que o Dr. Fernando Veiga de Oliveira, numa entrevista que concedeu a um semanário, se queixou amplamente dos prejuízos que esta situação estava a acarretar para o Museu de Etnologia. Aqui chamo a atenção do Governo, aqui chamo a atenção da maioria para esta situação que nos parece insustentável.
Por outro lado, este projecto relativo ao museu das descobertas e do Ultramar não é inteiramente novo no que toca à sua intenção. Já a anterior Câmara socialista de Lisboa havia proposto e havia apresentado à Secretaria de Estado da Cultura um projecto de criação do Museu do Oriente a instalar na Casa dos Bicos. Daqui perguntamos também à actual Câmara Municipal de Lisboa, da AD, que pensa em relação a esse projecto. Pensa ou não levá-lo para a frente? Ou pretende porventura dar à Casa dos Bicos uma outra utilização quando nos parecia que ela estava especialmente vocacionada para albergar o Museu do Oriente?
Por outro lado ainda, este projecto de lei sobre o museu das descobertas e do Ultramar item um articulado tão vago que mais nos parece ser um simples voto desta Assembleia e não tanto um verdadeiro diploma legislativo. Os Deputados reformadores nem sequer tiveram o cuidado jurídico, digamos assim, de acrescentar um artigo em que ao menos se remetesse para o Governo a obrigatoriedade de legislar num determinado prazo sobre a estrutura do museu, o programa do museu -que não está minimamente indicado neste projecto de lei-, o seu quadro de pessoal e o seu modo de funcionamento. Ao menos que se acrescentasse este antigo, pois de outro modo estamos perante num projecto que não tem quaisquer condições de ser levado à prática tal como está redigido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe o favor de abreviar porque já ultrapassou o seu tempo.

O Orador: - Eu vou abreviar, até porque sei que ainda estou a falar por expressa generosidade doa restantes grupos parlamentares, o que desde já agradeço.
Diria apenas, para concluir, que os projectos apresentados, pelos Deputados reformadores, em matéria de regime jurídico e defesa do património, me parecem, altamente positivos, embora, obviamente, como aqui também já foi! reconhecido, lacunares e imperfeitos. Por outro lado, o projecto apresentado pelo CDS sobre esta matéria parece-me que foi retomado, desenvolvido e altamente melhorado pela iniciativa legislativa dos Deputados reformadores. Em comissão, na especialidade, leremos certamente ocasião de lhe introduzir as necessárias melhorias.
Entretanto, não gostaria de deixar de referir, aliás na sequência do que já aqui fez a minha colega Natália Correia, que o projecto de lei que o meu partido apresentou a esta Assembleia é o único do conjunto destes projectos de lei que foi discutido* na Comissão de Cultura e Ambiente, onde foi objecto de um parecer favorável, aprovado pela unanimidade dos partidos representados nessa Comissão, projecto esse que também visa defender um outro género de património: as traduções e os autores dessas traduções1, os tradutores, que tão esquecidos e tão aviltados têm sido até hoje.

Aplausos do PS, do PCP e de alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Só queria recordar ao Sr. Deputado António Reis que, achando muito positiva essa ideia do Museu do Oriente, das descobertas ou dos descobrimentos na Casa dos Bicos, eu própria, na declaração de voto que fiz aquando da discussão das comemorações do IV Centenário da Morte de Camões, aderi a essa ideia, mas com a diferença de que se pudesse chamar Museu de Camões* ideia essa que continuo a perfilhar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Godinho de Matos.

O Sr. Nuno Godinho de Matos (DR): - Sr. Presidente, irei tentar responder a algumas das objecções colocadas pelo Sr. Deputado António Réus.
De facto, nós não definimos no nosso projecto o quadro do pessoal do museu das descobertas e do Ultramar, mas também não me parece que isso fosse ...

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O Sr. António Reis (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Com certeza.

O Sr. António Reis (PS): - O Sr. Deputado Nuno Godinho de Matos entendeu mal. Não pedi, nem isso é da competência desta Assembleia, que se definisse o quadro de pessoal do museu, neste projecto de diploma. O que simplesmente sugeri é que houvesse um último artigo neste projecto que remetesse para o Governo a obrigatoriedade de, num determinado prazo, legislar sobre esses aspectos práticos indispensáveis, sem os quais o projecto não pode ser levado à prática.

O Orador: - Bem, isso é uma lacuna que nós constatamos e aceitamos e estamos imediatamente dispostos a introduzir esse novo artigo em especialidade. Agora, a razão por que não se prevêem todos esses pormenores, como o Sr. Deputado também referiu, é que isso não cabe numa lei da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como só podemos prever o património que conhecemos, também só podemos legislar sobre aquilo que na realidade conhecemos.
E foi porque hoje no nosso país se fala muito, felizmente, em defesa do património, mas infelizmente se conhece muito pouco dele, que entendemos ser útil trazer à Assembleia um conjunto de realidades regionais importantes para quem sobretudo vê o património à escala de Lisboa e para quem se esquece, muitas vezes, de que há muito mais em matéria de património para além de Lisboa e dos grandes centros urbanos.
Cada região, aliás, tem os seus problemas específicos no que respeita ao património cultural, especificidade que depende da riqueza desse património, das suas características, do grau da sua conservação, das possibilidades da sua valorização. Toda a visão centralista de património cultural é limitadora da cultura, toda a visão abstracta é castradora dessa valorização.
É por isso que me permito falar de Aveiro e da sua região que têm também a sua história particular, que merece ser mencionada para ilustração e exemplo do que há-de fazer-se para salvaguarda do património cultural, mesmo tendo apenas em conta o património objectificado como aquele que estamos aqui a tratar.
Vale a pena, por isso, referir alguns casos.
No campo do património monumental não precisamos de sair da cidade para ilustrar o muito que há a fazer porque se está a perder. O Convento das Carmelitas, obra dos séculos XVII e XVIII - que nem Ramalho Ortigão impediu que fosse mutilado-, encontra-se em estado de profundo abandono, com os tectos infiltrados pelas chuvas e, daí, que as telas valiosas, encaixadas aias molduras douradas dos tectos, se encontrem profundamente danificadas, algumas provavelmente totalmente perdidas. Sendo imóvel classificado, urge proceder às imprescindíveis obras de restauração.
A «Casa do Despacho», que é uma dependência da Misericórdia, monumento igualmente classificado, ameaça ruína. O próprio conjunto da Misericórdia está em relativo abandono. Isto no centro do tecido urbano da cidade.
Um conjunto de valiosas fontes encontra-se igualmente em perigo. Na Esgueira toa duas, ambas dos finais do século XVII, abandonadas, desenquadradas do ambiente por efeito de demolições dos edifícios que as sustentavam. A da Benespera, ou dos Amores, dentro da cidade (do século XVI), várias vezes transplantada, está rodeada de entulho e desprezo.
Aliás, o caso das fontes de Aveiro, mostra muito claramente a necessidade de inventariar -e, se necessário, classificar- todo o vastíssimo património que no campo das fontes o nosso país possui.
O património imóvel - é conhecido e é sabido - não consiste apenas em monumentos isolados, na perspectiva tradicional da cultura. Cada vez mais importa preservar os conjuntos históricos e tradicionais, que só como conjuntos integrados podem ser defendidos.
Em Aveiro e na sua região é de realçar, como conjunto que reclama desde logo protecção a zona dentro da cidade da beira-mar pela específica arquitectura popular urbana que ostenta, conjunto que, de resto, integra alguns monumentos de valor, a necessitarem eles mesmos de protecção, como acontece com a Igreja de S. Bartolomeu, que, aliás, é propriedade particular.
Conjunto igualmente a proteger como tal é o das fachadas da Rua do Cais, junto ao canal central, já aqui referido há tempos na Assembleia da República, quando, juntamente com a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio, denunciei o projecto de demolição de uma delas.
Fora de Aveiro existem outros conjuntos que merecem referência. É o que acontece com o que resta dos palheiros da Costa Nova, do pouco que a incúria e a incompetência deixaram subsistir (depois da destruição dos do Furadouro, da Torrara e da Cortegaça ...), e com os azulejos das vilas ribeirinhas, sobretudo os de Ovar, que é um autêntico museu do azulejo exterior e onde há ruas inteiras que só por isso mereciam ser classificadas.
Aliás, urge inventariar toda a riqueza azulejista das povoações ribeirinhas, desde Ovar até ílhavo, sem esquecer os belos painéis da estação ferroviária de Aveiro.
Mas se quiséssemos sair para fora da cidade de Aveiro e passar para conjuntos urbanos que mantêm carácter, que dizer de Arouca, da Feira, de Águeda, que dizer de sítios e paisagens que merecem classificação como, começando a partir do Sul, o Buçaco, o Monte Crasto, em Anadia, o Monte de La-Salete, a via da Feira e a Pateira de Fermentelos ou a Barrinha de Esmoriz, todas elas ameaçadas de pan-tanização e de desaparecimento por incúria, desleixo e falta de meios.
O conceito de património -é sabido- amplia-se cada vez mais. Património cultural é também a herança da cultura industrial, da civilização da pró-

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dução mecânica, de que somos herdeiros do século passado. A arquitectura industrial tem em Aveiro um notável exemplar na conhecida Fábrica Campos, junto ao canal do Cojo, imponente nos seus três andares com paredes de tijolo vermelho do princípio do século a que não falta, inclusive, uma torre a servir de sinalização., Urge salvaguardá-la e valorizá-la como elemento cultural, centro de dinamização ao serviço da cidade. Paira este conjunto chamou recentemente a atenção a Aderav - Associação de Defesa do Património Cultural de Aveiro e da sua região -, uma associação à qual Aveiro e a região circundante e os concelhos do distrito devem muito esforço na defesa desse mesmo património.
Em matéria de museus não se pode dizer também que as coisas corram bem. O próprio Museu Regional de Aveiro, apesar de dotado de um recheio riquíssimo, está completamente estagnado, «fechado» à comunidade, carecido de meios e de pessoal; não desempenha hoje qualquer função cultural ou simplesmente pedagógica - é quase um simples armazém onde não há sequer um simples catálogo para seguimento do Museu.
O Museu de Ovar, conhecido pelo seu riquíssimo espólio etnográfico e outro, está mal instalado, à procura de novas instalações, tendo já terreno oferecido pela respectiva Câmara mas sem os recursos suficientes para edificar a sede.
O Museu Marítimo e Regional de Ilhavo (conhecido pela sua rica colecção de etnografia marítima) tem novo edifício (aliás a carecer de correcções e aperfeiçoamentos), mas falta-lhe mobília e pessoal, pelo que se encontra encerrado.
Às casas-museu do distrito não se encontram em melhor situação. A de Egas Moniz, em Avança - Município de Estarreja -, sofre de insuficiência de recursos da fundação que a alimenta e encontra-se, aliás, encerrada para obras. A de Ferreira de Castro, em Ossela (Oliveira, de Azeméis), está também em dificuldades. Aqui, cumpre recordar o projecto de constituição da Casa-Museu de José Estevão, em Aveiro, que o fascismo impediu de ser levado avante e cujo recheio se encontra disperso em vários sítios em risco de extravio.
De inestimável valor é o património cultural popular, aquele que se exprime entre outros nos instrumentos e meios de trabalho. Basta lembrar o moliço e o sal, como dois motivos que só por si valem uma inventariação rigorosa e uma recolha e protecção imediatas. Além do moliceiro estão em desaparecimento todos os barcos típicos da ria (barcas saleiras, ilhava, bateira galega, erveira, caçadeira, labrega, a marinhoa, o mercante!), sem esquecer a xávega da pesca junto à costa. Se aos instrumentos da ria e do sal juntarmos os do trabalho dos campos (cangas vareiras e murtoseiras, etc.), teremos um conjunto notável de eminente valor cultural, no mais lídimo sentido do termo, que poderá servir de suporte a um museu popular vivo, aberto, um museu da ria, um museu das artes e tradições populares, um reportório de memória e de identidade culturais das populações da ria, desde os vareiros aos Ilhavos, que poderia funcionar como elemento de dinamização cultural, para dar a conhecer não só essa identidade mas inclusive para relançar algumas dessas actividades.
Importa recolher urgentemente todos os exemplares de barcos abatidos ao activo -incluindo, por exemplo, o bacalhoeiro que se encontra hoje encalhado junto à Torreira - sob pena de ser tarde e de quando quisermos não restar nem sequer um exemplar do moliceiro; urge proceder igualmente à colecção das cangas e outras alfaias da zona. Importa sobretudo apelar para a contribuição popular, para a sua sensibilização e para a sua mobilização.
O património cultural existe, sobretudo, para valorizar a herança e a identidade popular.
Só com o povo se pode fazer a salvaguarda do património cultural, e só para ele vale a pena fazê-lo. Por isso vale a pena homenagear Aveiro e a sua região que, mas do que muitas outras, tem contribuído paira a defesa não só do seu património cultural, mas também daquele que, por acaso, e da sorte da história caiu sob a sua alçada, sob os seus museus, sob as suas tradições.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

Vozes do PSD e do CDS: - Oh!

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Serei muito breve. Eu não vou dizer nada contra a AD.

Risos.

De qualquer maneira tem sido notável a participação dá esquerda neste debate, sobretudo por parte dos nossos amigos do Partido Comunista.

Aplausos do PCP.

Risos.

Eu quando digo bem do Partido Comunista não é por maldade. Essas confusões são os senhores que as fazem.
O grupo de trabalho interministerial, nomeado em 1977, tem sido demasiado lento numa actualização do Código dos Direitos de Autor que traduza a nossa adesão às Convenções de Genebra, à Convenção de Berna (1886) e à Convenção Universal (1952), só possíveis, depois da Revolução do 25 de Abril.
Nós pensamos que a introdução nesse grupo de um representante da Sociedade de Autores e da Sociedade de Escritores poderia dinamizar talvez esse trabalho.
Perante esta situação lesiva dos trabalhadores intelectuais o projecto lei n.º 432/I, apresentado agora pelo Partido Socialista e aprovado já na Comissão de Cultura dia Assembleia da República tem em atenção um problema real.
O editor que contrata com o tradutor a tradução de uma obra, paga-lhe uma importância fixa por essa tradução (geralmente muito reduzida) e adquire assim todos os direitos sobre ela, de que passa a dispor como quer e entende, reeditando, quantas vezes entender ou cedendo-a a terceiros, auferindo direitos das suas eventuais adaptações (ao teatro, ao cinema, à rádio, à televisão) ou gravações mecânicas, sem que o tradutor participe, de qualquer modo, na continuidade da exploração, económica, dessa edição.
Sabe-se que há editores que, tendo pago aos tradu-

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tores quantias irrisórias, continuam a reeditar as suas traduções mais de uma dezena de vezes, realizando avultados lucros, sem pagarem aos tradutores o que quer que seja! Tais casos, que são frequentes, representam formas escandalosas, intoleráveis e inconstitucionais da exploração do trabalhador intelectual.
Por isso a revogação desse antigo, e a equiparação do regime de publicação de traduções ao regime geral do contrato de edição, é um acto de elementar justiça, e só é de lamentar que não tenha sido levado a efeito há mais tempo.

Aplausos do MDP/CDE, do PS do PCP e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mate oradores inscritos, vamos votar na generalidade os diplomas que aqui têm estado a ser discutidos.

Vamos então começar por votar o projecto de lei n.º 453/I - Museu das descobertas e do Ultramar-, apresentado pelo Agrupamento Parlamentar dos Reformadores.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e com a abstenção do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - É para uma brevíssima declaração de voto e é a única que faremos especifica, porque não tivemos oportunidade de nos referirmos a este projecto durante o debate.
Na realidade), votámos a favor, porque entendemos que a ideia è, em si mesma, no fundamental e do nosso ponto de visita, estimável e merece ser apoiada.
São, no entanto, de considerar as reservas ou as preocupações que aqui foram trazidas em relação, designadamente, àqueles museus que hoje cobrem pelo menos em parte a área que viria a ser coberta por este museu, designadamente o Museu de Maninha, o Museu de Etnografia e vários museus espalhados ao longo do Pais que têm espólio que, se me permitem, o imperialismo de este museu se centrar em Lisboa correria o risco de tentar expropriar em seu benefício.
São preocupações que também fazemos nossas, que a nosso ver devem ser tidas em conta na especialidade, mas que não são suficientes para nos levarem a não dar apoio a um projecto que corporiza uma ideia na sua essência justa.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar o projecto de lei n.º 463/I - Regime jurídico do património natural e cultural apresentado pelo Agrupamento Parlamentar dos Reformadores.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e com a abstenção do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o projecto de lei n.º 452/I - Protecção do património cultural e natural, apresentado pelo Agrupamento Parlamentar dos Reformadores.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e com a abstenção do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Vai agora votar-se o projecto de lei n.º 454/I - Compra anual de obras de arte pelo Estado, também apresentado pelo Agrupamento Parlamentar dos Reformadores.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP. do CDS. do PPM e dos Deputados reformadores e com a abstenção do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Segue-se o projecto de lei n.º 442/I - Regime jurídico do património arquitectónico, .histórico, artístico e cultural, apresentado pelo CDS.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do CDS, do PPM e dos Deputados reformadores e votos contra do MDP/CDE.

O Sr. Presidente:-Vamos agora votar o projecto de lei n.º 493/I - Associações de defesa do património cultural, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do CDS, votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE e dos Deputados reformadores e a abstenção do PPM.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, requero a repetição da votação e a respectiva contagem.

O Sr. Presidente: - Vamos então votar de novo.

Submetido de novo à votação, foi rejeitado, com 63 votos contra do PSD e do CDS, 46 votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE e dos Deputados reformadores e 3 abstenções do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta votação está anulada por falta de quorum, o que quer dizer que não podemos acabar de votar os restantes projectos.

O Sr. Nuno Godinho de Matos (DR): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Nuno Godinho de Matos (DR): - Eu desejava explicar o sentido do nosso voto.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, isso já não se justifica, dado a votação ter sido anulada.

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O Sr. Nuno Godinho de Matos (DR): - Então considero reproduzido aquilo que já disse na minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os requerimentos pedindo a baixa à comissão dos diplomas já votados ficam para a próxima sessão.
Deram entrada na Mesa e foram admitidos os seguintes projectos de lei: n.º 500/I, apresentado pela UDP, sobre a interrupção voluntária da gravidez, que baixa à 2.ª Comissão; n.º 501/I, apresentado pelo Agrupamento Parlamentar dos Reformadores, cobre a lei-quadro do referendo, que baixa à 1.ª Comissão; n.º 502/1, apresentado pelo PS, sobre a criação da freguesia do Pó no concelho do Bombarral, que baixa à 16.º Comissão.

A próxima reunião terá lugar no dia 11, as 15 horas, e terá como ordem do dia a interpelação do PCP ao Governo.

Está encerrada a reunião.

Era 1 hora e 20 minutos.

Declaração da voto sobre a proposta d& lei n.º 317/I, ao abrigo do artigo 100.º do Regimento.

O CDS vota favoravelmente a proposta de lei n.º 317/I que ratifica a Convenção n.º 151 da OIT, porque entende que aos trabalhadores da função pública, tal como aos restantes trabalhadores deste país, também lhes cabe o direito de se organizarem e participarem na fixação das suas condições de trabalho.
O CDS sempre teve e continua a ter como um dos pontos fundamentais da sua acção político-sindical a defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores da função pública.
Por isso encara sempre, com total abertura o sentido das responsabilidades, todas as iniciativas que visem melhorar as condições que os mesmos possam ter à sua disposição para defesa dos seus legítimos interesses.
João Fernandes Homem.

Declaração de voto sobre o projecto de lei n.º 463/I, ao abrigo do artigo 100.º do Regimento

O projecto de lei n.º 463/I do Agrupamento dos Reformadores, que merece a nossa concordância de princípio, necessita de alargar o conceito de património cultural e natural às paisagens naturais e primitivas.
A política de salvaguarda nele expressa deverá, por outro lado, incluir a defesa do espaço cultural e do ambiente em. que estão incluídos os monumentos, conjuntos históricos e sítios e de. que a paisagem é a mais forte e palpável expressão.
Na actualidade, não é possível uma política eficaz de salvaguarda do património cultural sem esta se integrar no ordenamento do território, .pelo que há que incluir o espírito e conteúdo do Decreto-Lei n.º 613/76, de 27 de Julho, no projecto n.º 463/1, alargando a competência da Secretaria de Estado do Ordenamento Físico e Ambiente ao campo da salvaguarda do património cultural. Por estes motivos votei na generalidade os projectos de lei n.º 463/I, do Agrupamento dos Reformadores, e n.º 442/I, do CDS.

Gonçalo Ribeiro Teles.

Deputados que entraram durante a sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Afonso de Sousa Freire de Moura Guedes.
Alcino Cabral Barreto.
Américo Abreu Dias.
António Alberto Correia Cabecinha.
António José dos S. Moreira da Silva.
António Maria de C. Ourique Mendes.
Armando António Correia.
Daniel da Cunha Dias.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel A. Cardoso Perneira.
Fernando Reis Condesso.
João Baptista Machado.
João Vasco' da Luz Botelho de Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Manuel Gaspar Mendes.
José Angelo Ferreira Correia.
José da Assunção Marques.
José Bento Gonçalves.
José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
José Maria da Silva:
José Teodoro da Silva.
Manuel Luís Fernandes Malaquias.
Mário Dias Lopes.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Rui Alberto Barradas do Amaral.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Albano Pereira da Cunha Pina.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Amadeu da Silva Cruz.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António Francisco Barroso Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz M. de Almeida Cal Brandão.
Carlos Manuel Natividade Costa Caudal.
Fernando Luís de A. Torres Marinho.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Meneses.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Manuel Nisa Antunes Mendes.
José Maria Parente Mendes Godinho.
Júlio Francisco Miranda Calha.

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Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Maria Emília de Melo Moreira da Silva.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Nobre Lopes Soares.
Raul da Assunção Pimento Rego.
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos Alberto do Vale G. Carvalhas.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Fernando Freitas Rodrigues.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Aranha Figueiredo.
José Manuel do C. Carreira Marques.
Lino Carvalho de Lima.
Marino B. de Vasconcelos B. Vicente.
Osvaldo Alberto R. Sarmento Castro.
Rosa Maria Reis A. Brandão Represas.
Victor Henrique Louro de Sá.
Vital Martins Moreira.

Centro Democrático-Social (CDS)

Alfredo Albano de C. de Azevedo Soares.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Martins Canaverde.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Henrique José C. de Menezes P. Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Fernandes Homem.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
José Manuel Macedo Pereira.
Luís Carlos C. Veloso de Sampaio.
Luís Filipe Pais Beiroco.
Luís Gomeis Moreno.
Manuel António de A. e Vasconcelos.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges G. de Carvalho.
Augusto Martins Ferreira do Amaral.

Agrupamento Parlamentar dos Reformadores

Francisco José de Sousa Tavares.
José Manuel Medeiros Ferreira.
Nuno Maria Monteiro Godinho de Matos.

Movimento Democrático Português

Helena Tâmega Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.
Manuel José Ramires Fernandes.

Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)

Germano da Silva Domingos.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Maria Helena ido Rego da C. Roseta.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.

Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga dei Carvalho.
António Cândido de Miranda de Macedo.
António José Vieira de Freitas.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Francisco Cardoso P. de Oliveira.
Gualter Viriato Nunes Basílio.
Herculano Rodrigues Pires.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Maria de Jesus Simões Barroso Soares.
Victor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Francisco Gonçalves Cavaleiro Ferreira.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Ruy Garcia de Oliveira.

OS REDACTORES DE l .ª CLASSE, José Diogo e Maria Leonor Caxaria.

PREÇO DESTE NÚMERO 74$00 IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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