O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 2049

I Série- Número 54

Sexta-feira, 24 de Abril de 1981

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1980-1981)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE ABRIL DE 1981

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmos. Srs. Cecília Pita Catarino
Alfredo Pinto da Silva
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.os 38 a 41 do Diário.
Deu-se conta da apresentação de vários requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Miranda , (ASDI) explicitou as razões e o conteúdo do projecto de lei de revisão constitucional apresentado em seu nome e no dos restantes deputados que integram aquela formação partidária. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Azevedo Soares (CDS), Amândio de Azevedo (PSD) - que suscitou um protesto do Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI), Santana Lopes (PSD), Costa Andrade (PSD) e Helena Roseta (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Joaquim Gomes (PCP) teceu criticas à política externa do Governo, nomeadamente no campo económico. Respondeu depois a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Tomé (UDP)- que também fez um protesto - e a um protesto do Sr. Deputado Ângelo Correia (PSD).
Após leitura pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho (ASDI), foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado do CDS.
Foi discutido e rejeitado um voto de pesar acerca do «síndroma de Oeiras» apresentado pelos deputados do PCP, tendo intervindo, a diverso título (incluindo declarações de voto), os Srs. Deputados António Vidigal (PCP), Jaime Ramos (PSD), Carlos Lage (PS), Henrique de Moraes (CDS), Henrique de Morais (CDS), Portugal da Silveira (PPM) e Anselmo Aníbal (PCP).

Ordem do dia. - Foram proferidas pelos Srs. Deputados Barrilaro Ruas (PPM) e Cabral Pinto (PCP) declarações de voto relativas às ratificações n.os 29/II, do PS, e 67/II, do PCP, relativas ao Decreto-Lei n.º 426/80, de 30 de Setembro, que reconhece a Universidade Livre como pessoa colectiva de utilidade pública, tendo por fim ministrar o ensino de nível pós-secundário.
Foi discutido e rejeitado na generalidade o- projecto de lei n.º 137/II, sobre o combate à imoralidade administrativa, fraude e corrupção, apresentado pelos deputados da ASDI, usando da palavra, a diverso título, os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Narana Coissoró (CDS), Fernando Condesso (PSD), Veiga de Oliveira (PCP), Aquilino Ribeiro Machado (PS), Costa Andrade (PSD) e José Luís Araújo (PS). Proferiram declarações de voto os Srs. Deputados Mário Raposo (PSD). Lino Lima (PCP). António Moniz (PPM) e Magalhães Mota (ASDI).
Após ter anunciado a entrada no Mesa do projecto de lei de revisão constitucional (n.º 1/II) subscrito pelo Sr. Deputado Jorge Miranda e pelos outros Srs. Deputados da ASDI, o Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Estão presentes 221 Srs. Deputados, pelo que temos quórum. Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 15 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Alberto Augusto Faria dos Santos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Augusto Ramos.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.

Página 2050

2050 I SÉRIE -NÚMERO 54

António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Benardino da Costa Pereira.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Daniel Abílio Ferreira Bastos
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José F. Fleming d'Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Aurélio Dias Mendes.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Manuel Cominho Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Adriano Gago Vitorino.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto de Oliveira Baptista.
José Augusto Santos da Silva Manques.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Júlio de Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Luís Fernando C. Nandim de Carvalho.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ribeiro Arruda.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rego C. Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Manuel da Cruz Roseta.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Emídio Teixeira Lopes.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Vieira de Freitas.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elisão de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
José Luís Ferreira Araújo.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Pátrio.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco da Coita.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel dos Santos.
Manuel Trindade Reis.
Maria Teresa V. Bastos R. Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de C. Azevedo Soares.

Página 2051

24 DE ABRIL DE 1981 2051

Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Mendes de Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro de Oliveira.
Daniel Fernandes Domingues.
Delfim L. Castelo Branco Ferreira.
Diogo Pinto Freitas do Amaral.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugênio Maria N. Anacoreta Correia.
Francisco Manuel L. V. de Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Paleio.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Isilda da Silva Barata.
João Cantinho M. Figueiras de Andrade.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Ferreira Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto de Faria Xerez.
José Duarte de Almeida Ribeiro e Castro.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Girão Pereira.
José Vicente de J. Carvalho Cardoso.
Luísa Maria Freire Cabral Vaz Raposo.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel A. de Almeida de A. Vasconcelos.
Manuel Eugênio P. Cavaleiro Brandão.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Ruy Garcia de Oliveira.
Rui Biscaia Telo Gonçalves.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José M. Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto do Carmo da C. Espadinha.
Carlos Alfredo Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Pimenta Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete Ferreira de Oliveira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Fernando V. Cabral Pinto.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odeie dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
Henrique Barrilaro Ruas.
José Victor M. Portugal da Silveira.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

António Luciano Pacheco de Sousa Franco.
Joaquim Jorge de Magalhães S. da Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António Manuel de C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
António César Gouveia de Oliveira.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

Helena Cidade Moura.
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DD DIA

O Sr. Presidente: - Estão em aprovação os n.os 38 a 41 do Diário.
Há alguma objecção?

Pausa.

Como não há, consideram-se aprovados.

A Sr.ª Secretária (Cecília Catarino): - Foram apresentados na última sessão os seguintes requerimentos: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa, António Mota, Carlos Espadinha, Rogério de Brito e Carlos Brito, respectivamente; ao Governo e aos Ministérios do Trabalho e dos Assuntos Sociais, formulados pelo Sr. Deputado António Mota; aos Ministérios dos Assuntos Sociais e da Agricultura e Pescas, formulados pelo Sr. Deputado Fleming de Oliveira; aos Ministérios da Reforma Administrativa, da Educação e Ciência e dos Assuntos Sociais e à Secretaria de Estado da Segurança Social, formulados pelo, Sr. Deputado António Moniz; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Justiça, formulados pelo Sr. Deputado Nandim de Carvalho; aos Ministérios da Habitação e Obras Públicas e dos Transportes e Comunicações, formulados pelo Sr. Deputado José Vitorino; ao Ministério da Agricultura e Pescas, formulados pelos Srs. Deputados Rogério de Brito, Álvaro Brasileiro, Carlos Espadinha e Ercília Talhadas; a diversos Ministérios e Secretaria de Estado, formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios das Finanças

Página 2052

2052 l SÉRIE - NUMERO 54

e do Plano e do Trabalho e às Secretarias de Estado do Emprego e da Comunicação Social, formulados pelo Sr. Deputado António Vitoríno; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado Vaz Freixo; ao Ministério da Integração Europeia, formulado pelo Sr. Deputado Marcelo Curto, e à Secretaria de Estado da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Jaime Ramos.
Foram também recebidas as seguintes respostas a requerimentos do Governo, aos requerimentos apresentados pelos Srs. Deputados Sousa Franco, na sessão de 9 de Janeiro último, José Ernesto Oliveira e Zita Seabra, na sessão de 15 de Janeiro deste ano, César Oliveira, na sessão de 10 de Fevereiro passado, Magalhães Mota e Vilhena de Carvalho, na sessão de 12 de Fevereiro último, Magalhães Mota, nas sessões de 12, 17 e 19, de Fevereiro, Jorge Lemos, nas sessões de 12 e 19, de Fevereiro do ano em curso, Victor de Sá, na sessão de 13 de Fevereiro passado, e Alfredo Pinto da Silva, na sessão de 19 de Fevereiro último.

O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, comunicaram à Mesa a intenção de produzir declarações políticas a ASDI e o PCP.
Dou a palavra, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (ASEM):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em meu nome próprio e no nome dos deputados Sousa Franco, Vilhena de Carvalho e Magalhães Mota, acabo de entregar na Mesa um projecto de revisão constitucional. A declaração política que vou proferir baseia-se no relatório desse projecto.
Sr: Presidente; Srs. Deputados: O projecto de revisão que ora se apresenta resulta do exercício de um direito constitucional de deputados, mas, mais do que isso é atitude política e cívica que se assume ao serviço, da liberdade, da democracia, do progresso social e da concórdia entre os Portugueses.
Manifestado pela vontade popular expressa em sucessivas eleições:, o apego à ordem constitucional, ultrapassados os acesos confrontos políticos vividos nos últimos meses, amadurecidos em debate, um pouco por toda a parte, alguns pontos mais centrais da problemática institucional do País para lá do primeiro período da vigência da Constituição, volvidos seis meses sobre o início dá II Legislatura e a menos de dois meses do termo normal dos trabalhos da sessão legislativa, é tempo de se desencadear o processo de revisão constitucional e de se organizar a Assembleia da República para o efeito. É tempo de se clarificarem posições. É tempo de a Assembleia, os deputados e ninguém mais, meterem mãos à obra.
Fiéis à participação que tiveram na feitura e na defesa da Constituição, identificados com o regime democrático que ela consigna, os signatários sentem-
se com plena autoridade moral e disponibilidade política para tomarem esta iniciativa. Firmes na convicção de que a Constituição «corresponde às aspirações do País», querem-na melhorada e aperfeiçoada, para que desempenhe tão cabalmente a sua missão nos anos que se avizinham como a que desempenhou nos cinco anos que leva de vigência.
Para os signatários a revisão configura-se como uma nova e responsável fase do processo de institucionalização da vida pública portuguesa iniciada em 25 de Abril de 1974, cujo 7.º aniversário saúdam. Não pode ser uma paragem ou um retrocesso. Encaram-na, pois, nem nos termos maximalistas dos que, a pretexto de revisão, desejariam quebrar o sistema constitucional ou substituí-lo por outro, nem nos termos minimalistas e defensivos dos que temem qualquer modificação; encaram-na com optimismo e confiança, voltados para o desenvolvimento e a concretização dos princípios constitucionais. É disso, e só disso, que se trata.
Na elaboração do projecto os signatários, deputados da Acção Social-Democrata Independente e eleitos pela Frente Republicana e Socialista, conformaram-se aos termos do acordo de revisão constitucional celebrado com o Partido Socialista e a União de Esquerda para a Democracia Socialista, aquando da formação da Frente, e tiveram largamente em conta o texto preparado pelo grupo de trabalho constituído no seu âmbito.
Em tudo o mais o critério político fundamental do projecto é, naturalmente, uma opção social-democrática, embora com a contenção de quem sabe que, neste domínio, o que importa, acima de tudo, é a adaptação das soluções constitucionais à necessidade de convivência pluralista e de preservação do regime democrático.
O facto de se tratar de um. projecto vindo apenas de um dos partidos da Frente. Republicana e Socialista não exprime menos empenho da Acção Social-Democrata Independente no aprofundamento e no reforço da Frente. Significa, uma manifestação da natureza eminentemente aberta é democrática da FRS e de como os seus deputados não aceitam esquemas rígidos definidos por órgãos de cúpula estranhos ao Parlamento. Significa ainda uma contribuição para uma diversificação e maleabilização das iniciativas de revisão constitucional.
Os signatários querem afirmar, entretanto, que estão prontos a subscrever um projecto comum de revisão, se for caso disso, e mesmo a retirar o presente projecto em benefício de um projecto comum; se tal vier a ser considerado necessário ou útil.
Em intervenções políticas proferidas nesta Assembleia já precisamos e formulamos com nitidez a nossa maneira de entender a revisão constitucional e as questões que lhe estão subjacentes. Para elas remeto aqui.
No acordo da revisão constitucional da Frente Republicana e Socialista, os partidos subscritores obrigam-se a preservar o «sistema fundamental de ideias consagradas na Constituição», o que entendemos, não num sentido cristalizador, puramente defensivo e imobilista, mas sim num sentido dinâmico e evolutivo. Só assim uma revisão exerce plenamente a sua função de garantia.
Este «sistema fundamental de ideias» é esboçado no artigo 2.º da Constituição, tal como consta do acordo, do seguinte modo:

A República Portuguesa é um Estado de direito democrático baseado na soberania popular, no respeito e na efectivação dos direitos fundamentais e no pluralismo de expressão e orga-

Página 2053

24 DE ABRIL DE 1981 2053

nização política democráticas, que tem por objectivo assegurar a transição para o socialismo mediante a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa.

No presente projecto, tomando os grandes princípios que assim se enunciam, procura-se imprimir-lhes um mais perfeito desenvolvimento e uma mais nítida harmonia, à luz dos valores primordiais ligados ao respeito pela dignidade da pessoa humana e pela vontade popular. Pretende-se por conseguinte, reforçar simultaneamente o Estado de direito, a democracia política representativa e pluralista, a democracia económica, social e cultural e a democracia participativa.
Em obediência ao acordo da Frente Republicana e Socialista, o projecto mantém o actual sistema de eleição do Presidente da República e o sistema semipresidencial, «definindo com maior rigor os poderes constitucionais do Presidente, alargando o âmbito da competência da Assembleia da República e articulando mais adequadamente os poderes dos órgãos de soberania, por forma a garantir a estabilidade das soluções governativas».
Os signatários estão convictos de que o sistema de governo semipresidencial -traduzido, designadamente, na existência de dois órgãos de soberania baseados no sufrágio universal e através do qual se impede a concentração de poderes- é o sistema ajustado ao presente momento histórico de Portugal e o que -com provas positivas dadas- melhor serve os objectivos da democracia.
Por último, uma alusão à forma, domínio de somenos importância do puro ângulo técnico -jurídico, mas de modo algum despiciendo do ângulo político- constitucional e da vontade de emprestar à Constituição o carácter de texto de consenso entre os cidadãos, sejam quais forem as suas ideologias.
O projecto - para parafrasear o acordo da Frente Republicana e Socialista- procura, por conseguinte, estabelecer um maior rigor conceptual e afastar proclamações que, além do mais, se revestem de duvidoso ou nulo alcance prático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de terminar aproveitando palavras ditas por mim noutra altura:

Reescrever a Constituição implica também conhecê-la melhor e avaliar mais claramente o significado de esperança que encerra. É para que esta esperança não se perca, antes frutifique em espírito de concórdia, que urge concertar esforços para a revisão a empreender.
Aplausos da ASDI, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, suponho, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Jorge Miranda, é com muita pena que registo não ter ouvido na íntegra a sua exposição de apresentação de um projecto de revisão constitucional, mas da parte que me foi dado ouvir, permito-me desde já formular-lhe alguns pedidos de esclarecimento.
Pareceu-me ouvir da sua exposição, pelo menos da parte que me foi dado ouvir, que a manutenção da actual Constituição tem para V. Exa. um sentido dinâmico e não estático. Isto é, não querendo atacar a fixidez da actual. Constituição na sua parte substancial, procura, no entanto, no plano das intenções e das suas posições pessoais, defender que essa Constituição deverá ter um sentido dinâmico. Isto, evidentemente, sem querer entrar na apreciação de outras questões, designadamente das referentes aos problemas de relação com os outros partidos da FRS, pois, para mim, V. Exa. e os outros partidos melhor os resolverão.
Mas pareceu-me, nesse aspecto da defesa do sentido dinâmico que pretende imprimir à Constituição, haver depois uma contradição ao referir o artigo 2.º do seu projecto de revisão, em que, para além de aspectos claramente positivos e com os quais concordo inteiramente, mantém como objectivo de toda a organização do poder político e de toda a fundamentação filosófica da própria Constituição a transição para- o socialismo. Isto é, não se ficará o Sr. Deputado apenas pelo plano das intenções, e neste caso, terei que lhe dizer, das más intenções? Porque V. Exa. sabe bem que o sentido dinâmico de uma constituição não pode ter, à partida, um sentido rígido e fixo que imponha o caminho para o socialismo, para o capitalismo, para o liberalismo, para a social-democracia ou para o que quer que seja, mas tem de, respeitando os quadros de valores historicamente adquiridos ou de valores que todos respeitamos, como seja a democracia pluralista, ter um leque de opções perfeitamente admissíveis. Há, portanto, uma contradição nessa posição de V. Exa. que me parece digna de realce.
Finalmente, queria referir ao Sr. Deputado que a sua defesa do sistema semipresidencial merece da nossa parte, aprovação. Mas é necessário ter em conta que o regime semipresidencial só terá virtualidades e só desempenhará cabalmente o seu papel se as funções e os poderes do Presidente da República e da Assembleia da República ficarem claramente definidos, de forma a que o semipresidencialismo não tenha apenas uma potencialidade de desenvolvimento num só sentido, mas sim nos dois sentidos próprios de um regime semipresidencial.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Miranda, há mais pedidos de esclarecimento. O Sr. Deputado certamente prefere responder no fim.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): -Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado Jorge Miranda, o tom que utilizou na apresentação do projecto denotou, a meu ver, estar já arrependido da sua iniciativa, assim como acontece com os seus colegas de bancada. As razões para apresentação do projecto de revisão constitucional surgem já completamente diferentes daquelas que adiantou ontem na televisão, em termos, realmente, muito pouco convincentes.

Página 2054

2054 l SÉRIE - NÚMERO 54

Surpreendentemente, anuncia que é o próprio Sr. Deputado e cada um dos deputados da sua bancada que apresentam, o projecto de revisão da Constituição. Já sabíamos que tinha sido impossível um projecto da FRS, confirmando, assim, aquilo que dissemos desta Frente na campanha eleitoral, ou seja, uma frente que não o é, que é, sim, uma divisão, porque se trata de forças políticas que nada têm a ver umas com as outras. Agora ficamos 9 saber mais: nem sequer é a ASDI, são os Srs. Deputados Jorge Miranda, Magalhães Mota, Sousa Franco e Vilhena de Carvalho que apresentam o projecto.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): -O Sr. Deputado Amândio de Azevedo não conhece a Constituição!

O Orador: - É tempo de, diz o Sr. Deputado, apresentar um projecto - é esta a grande justificação. Não: sabe o Sr. Deputado Jorge Miranda que a Aliança Democrática, anunciou há já largos dias a apresentação de um projecto de revisão constitucional para o próximo dia 25 de Abril?
Portanto, não é o problema desencadear o processo de revisão dá Constituição que faz com que á ASDI se apresse a apresentar o seu -a ASDI não, mas os deputados da ASDI.
Assim o que é que poderá justificar então a apresentação deste projecto de revisão da Constituição? Não vejo outra razão que não seja a vontade de as pessoas se mostrarem, de se porem em bicos dos pés para se arvorarem num determinado processo -que é realmente importante para o País-com um papel que à partida está excluído que possam vir a Ter.
A importância da ASDI na revisão constitucional é directamente proporcional ao número dos seus deputados nesta Camará. Isto é que tem de estar bem presente na mente do Sr. Deputado Jorge Miranda. E todas as vezes que um grupo como a ASDI pretende arvorar-se em líder de um processo desta natureza arrisca-se claramente a cobrir-se de ridículo e, no fundo, a tentar encher o peito de vento para mostrar, afinal de contas, a sua pequenez.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador - Não terá, realmente, o Sr. Deputado Jorge Miranda consciência de que é este o significado político da apresentação deste projecto: uma tentativa de ganhar importância que não tem nem poderá vir a ter? Não terá o Sr. Deputado Jorge Miranda consciência do que esta é realmente uma confissão pública de que a FRS, que já não existia, deixa agora claramente de existir, como, aliás, se deduz das declarações do Sr. Deputado Lopes , Cardoso!
Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Santana Lopes (PSD): -Sr. Deputado Jorge Miranda, tinha também alguns esclarecimentos para lhe pedir, mas antes de os colocar queria lembrar-lhe uma intervenção que fez aqui há algum tempo nesta Assembleia em que disse muito claramente que a oposição não tomava a iniciativa da revisão constitucional porque esperava que a Aliança Democrática o fizesse - Aliança Democrática, que era a força que mais tinha clamado pela necessidade de uma revisão profunda da Constituição e; por isso, seria a ela que lhe competiria apresentar o primeiro projecto de revisão constitucional.
Passado pouco tempo, vemos quê o Sr. Deputado Jorge Miranda mudou de opinião: é já a ASDI que resolve tomar a iniciativa desse processo. As razões poderiam basear-se, à primeira vista, na necessidade que a ASDI também sente de alteração profunda dessa Constituição. Mas essa impressão tem que ser desfeita depois de ouvirmos a intervenção do Sr. Deputado, na qual disse, entre outras coisas, que esperava que à Constituição continuasse a desempenhar cabalmente a sua função, como desempenhou até aqui. Era, pois, esse o primeiro esclarecimento que lhe queria pedir, isto é, se acha que a Constituição desempenha cabalmente a sua função quando coloca metade do País contra outra metade, quando a maioria governamental e a maioria parlamentar estão em muitos pontos essenciais contra essa Constituição. É esse o entendimento que o Sr. Deputado Jorge Miranda tem de uma lei fundamental, quando ela provoca essa divisão profunda no seio de uma nação?
Também lhe queria perguntar se não acha que é suficiente á experiência dos tempos que passámos para o levar a não incluir de novo no seu projecto a obrigatoriedade de busca de um socialismo que nunca foi encontrado e que nenhuma constituição pode impor. É que o seu projecto continua a reflectir essa inspiração dogmática, que tantas divisões cavou no seio da sociedade portuguesa. Perguntava-lhe se não seria tempo de todas as forças democráticas contribuírem para que isso terminasse.
Fica, assim, este projecto como ò projecto de revisão constitucional do 23 de Abril. A Aliança Democrática apresentará o seu projecto no dia 25 de Abril e cumprirá, assim, mais uma promessa, como aqui dissemos, quando o Sr. Deputado Jorge Miranda fez essa intervenção, apresentando um projecto comum de revisão constitucional.
O povo português fica a saber, mais uma vez, quem cumpre as suas promessas e quem as não cumpre. A FRS anunciou que apresentaria um projecta comum de revisão e não o apresentou. Sei que o problema é da FRS, mas não posso deixar de transmitir a alegria que nos vai na alma por vermos que a FRS também não cumpre essa promessa e que a Aliança Democrática, serenamente e com a consciência dos seus deveres, mais uma vez mostra que cumpre aquilo anuncia.
Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: -Pareceu à Mesa que o Sr. Deputado Magalhães Mota, após a intervenção do Sr. Deputado Amândio de Azevedo, tinha feito um gesto de pedido de palavra. Foi assim, Sr. Deputado?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Fiz sim, Sr. Presidente.

Desejava fazer um protesto, mas posso fazê-lo após o meu colega Jorge Miranda dar os esclarecimentos que lhe foram solicitados.

Página 2055

24 DE ABRIL DE 1981 2055

O Sr. Presidente: - Sendo assim, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao ver a zanga Que vai nas hostes da Aliança Democrática, sou eu que me devo felicitar por esta iniciativa que tomámos.

O Sr. Sr. Pedro Roseta (PSD):-Não há zanga nenhuma!

O Orador: - E gostaria de dizer, antes de mais, duas coisas ao Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Em primeiro lugar, de acordo com a Constituição, que o Sr. Deputado votou, são os deputados, e apenas eles, que têm direito de iniciativa de revisão constitucional. Não é nenhum grupo parlamentar que tem direito de iniciativa. Por isso citei os nomes de deputados. Nós, destas bandas, gostamos de valorizar os deputados.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD)c - Compreende-se!...

O Orador: - Em segundo lugar, quando diz que a ASDI tem necessidade, de apresentar um projecto para se pôr nos bicos dos pés e que a sua participação na revisão constitucional será proporcional ao número de deputados que tem, gostaria de lhe lembrar, apesar de tudo, que esta Assembleia ainda não é uma câmara corporativa de partidos. É uma Assembleia formada por 250 deputados, cada um dos quais responde perante o povo e cada um dos quais representa todo o povo, todo o país.

Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!

O Orador. - Naturalmente que temos consciência da diferença numérica que há entre o número de deputados da ASDI e o dos deputados do Partido Social-Democrata. O Sr. Deputado Amândio de Azevedo sabe muito bem quais os motivos por que não/estamos aí. E um desses motivos diz respeito precisamente à Constituição, porque o Partido Social-Democrata votou a favor da Constituição e agora tem deputados, como o Sr. Deputado Santana Lopes, que dizem que esta Constituição -que o seu partido votou - divide o País ao meio. Por esse motivo não podíamos estar no Partido Social-Democrata.
Aplausos da ASDI, do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Não foi por isso!

O Orador - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram-me feitas algumas perguntas a que irei responder rapidamente.
Relativamente à questão da transição para o socialismo, quero dizer, em primeiro lugar, que essa referência consta do acordo sobre a revisão constitucional da FRS, publicado em 30 de Junho de 1980 e submetido ao eleitorado. Nós, pela nossa honra, não poderíamos apresentar um projecto de revisão contrário ao acordo que subscrevemos.
Em segundo lugar, o socialismo, tal como nós o entendemos, é aquele que consta do programa do Partido Popular Democrático: o socialismo como desenvolvimento da democracia política, económica, social e cultural.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas que não tem que vir na Constituição!

O Orador - É o socialismo que o Partido Popular Democrático propôs que constasse da Constituição da República Portuguesa em 1975. E não era obrigado a isso. É esse mesmo socialismo não é outro. Quanto ao sistema semipresidencial, Sr. Deputado Azevedo Soares, depois de ler o projecto conversaremos. Antes suponho que é prematuro.
Quanto às razões por que apresentámos um projecto, já constam do texto que li e lá estão claramente enunciadas. Em primeiro lugar, é tempo de revisão. Porventura, Se não tivéssemos anunciado que iríamos apresentar o projecto, talvez a Aliança Democrática não conseguisse ontem chegar a acordo.

Protestos do PSD e do PPM.

Em segundo lugar, dissemos e queremos dizer que fazemos este gesto ao serviço da democracia e da Constituição e da ordem constitucional. E, sendo os senhores agora contra a Constituição, não poderiam ser os senhores a tomar a iniciativa de conduzir o processo, porque então iríamos ter um projecto de revisão contra a Constituição, e aí, sim, é que teríamos o País dividido ao meio. O nosso projecto visa, pelo contrário, refazer a unidade do País à volta da ordem constitucional. Por isso, ele é um projecto de revisão largo e profundo. O povo português e os deputados a esta Assembleia da República, cada um dos deputados, independentemente de cúpulas partidárias, avaliarão se esse projecto pode ser ou não uma contribuição para esse consenso nacional.
O Sr. Deputado Santana Lopes referiu-se a uma intervenção minha feita em 6 de Fevereiro - já passaram 2 meses e 17 dias. Nessa altura não disse que a iniciativa de revisão devia competir exclusivamente à Aliança Democrática. O que estranhei foi que, tendo a Aliança Democrática feito todas as campanhas eleitorais, e não apenas eleitorais, mas todas as campanhas de manipulação da opinião pública que foram feitas em Portugal desde 1979 até 1980 contra a Constituição, não tivesse logo no dia 13 de Novembro de 1980, quando abriu esta legislatura, um projecto de revisão. Ao fim e ao cabo, foram precisos seis meses de penosas negociações para que esse projecto aparecesse.
Protestos do PSD.

Referir-me-ei agora ao citado projecto comum da FRS. Em primeiro lugar, o nosso projecto baseia--se no acordo da Frente Republicana e Socialista. Em segundo lugar, nunca dissemos que iríamos apresentar um projecto comum de revisão. Seria desejável que assim acontecesse, estamos prontos para isso, mas nunca dissemos que iríamos fazê-lo. Pelo contrário, considerámos que para mais facilmente

Página 2056

2056 l SÉRIE - NUMERO 54

se alcançarem as maiorias de dois terços haveria toda a vantagem numa diversificação de iniciativas, que haveria toda a vantagem em que de diferentes lados haja contributos para a revisão. Se tivermos apenas dois projectos monolíticos em confronto, muito mais difícil será conseguir a revisão, a menos que tudo se faça num. novo pacto, que agora não será o Pacto MFA-Partidos, que o CDS e o PPD subscreveram entre cúpulas partidárias. Nós queremos a, transparência e a publicidade nesta Assembleia. É altura de os deputados assumirem com transparência a sua missão perante o povo português.
Já disse o essencial, e apenas...

O Sr. Pedro Roseta(PSD):- Não disse nada!

O Orador: -... gostaria de sublinhar um ponto que o Sr. Deputado Santana Lopes referiu: que esta Constituição não teria desempenhado a sua missão, que esta Constituição teria sido uma fonte de divisão do País. Pois, Sr. Deputado Santana Lopes, se não fosse esta Constituição, onde é que estaríamos? Estaríamos nós nesta Assembleia? Haveria Assembleia da República? Seria a Aliança Democrática governo? Haveria direitos, liberdades e garantias em Portugal? Haveria segurança neste país? Haveria autonomia dos Açores e da Madeira e autonomia do poder local? Preferiria o Sr. Deputado a Constituição de 1933?
Protestos do PSD.

Ou preferiria uma qualquer constituição ideal feita nas sombras dos gabinetes? Não considero que esta Constituição seja perfeita - nunca o disse. Tive à coragem de no dia 2 de Abril de 1976, quando tantos batiam palmas, afirmar com clareza as minhas distâncias em relação à Constituição. Houve pessoas que estão agora nesses partidos que tomaram posições muito mais a favor da Constituição do que as que eu tomei.
Mas para num, para lá da Constituição, interessa a ordem constitucional e a institucionalização da vida política, interessa a capacidade de ganharmos
tempo para, finalmente, termos uma constituição capaz de servir todos os portugueses.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Que não é a sua!

O Orador - A Constituição de 1976 ainda não é essa Constituição, mas com a revisão constitucional, no respeito das suas regras, Já chegaremos.
Aplausos da ASDI, do PSD e do MDP/CDE.

O Sr. Pedro Roseta (PSD):- Assim não se chega já!

O Sr. Presidente: - Estão; inscritos para usar da palavra os Srs. Deputados Santana Lopes, Costa Andrade e Azevedo Soares, suponho que para protestarem, visto que não há outra figura regimental sob a qual possam usar da palavra neste momento. No entanto, tenho de dar primeiro a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota, que a tinha pedido aquando da intervenção do Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI):- Sr. Presidente, Srs.. Deputados: É apenas para um protesto,
Naturalmente que os meios de comunicação social poderosos, como é a Radiotelevisão, apagaram as luzes no momento deste protesto,...

Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!
Risos da AD.

O Orador: -... com certeza por ordem dê quem os comanda, os dirige e os põe ao seu serviço exclusivo.
Aplausos do ASDI, do PS e da UEDS.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Sr. Pedro Roseta (PSD):- É ridículo!

O Orador: - O Sr, Deputado acha-me com certeza com cara de espelho!

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Era um espelho muito baço!

O Orador: - Mas eu gostaria de dizer ao Sr. Deputado Amândio de Azevedo que em democracia não é apenas a regra da maioria que importa. O valor dos homens também conta, e não há nenhuma possibilidade de haver democracia, em particular uma democracia humanista, se a responsabilidade de cada um for omitida. E o projecto que glorifica apenas o peso do número é um projecto ao mesmo tempo de irresponsabilidade e de totalitarismo!
Acredito que o Sr. Deputado não tenha tido sequer consciência de quer transformar um debate, em que a responsabilidade pessoal de cada deputado está envolvida, num debate diluído, em que, efectivamente, cada um de nós abdique da sua responsabilidade e do seu espaço de liberdade para ser apenas uma correia de transmissão.
Mas gostaria de dizer ainda ao Sr. Deputado Amândio de Azevedo que percebo a sua zanga, que percebo a sua irritação e que percebo porque é que, mais uma vez, a sua voz e as suas palavras traíram os princípios que diz defender.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo para contraprotestar.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Diz o Sr. Deputado Magalhães Mota que em democracia não é apenas a regra da maioria que conta. Naturalmente, que gostaria mais que fosse a regra da minoria!...

Risos do PSD.

Em democracia, penso eu, prevalece, exactamente a lei do. número, pois um projecto político tem validade e valor se é sufragado pela opinião pública.
Penso que é democrata, o facto de numa Assembleia como esta os problemas serem resolvidos em

Página 2057

24 DE ABRIL DE 1981 2057

conformidade com os pontos de vista da maioria, e não em conformidade com os pontos de vista da minoria.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Muito bem!

O Orador:-Por aqui se compreende muito bem que à ASDI, como a outros grupos parlamentares, convenha uma constituição -que é aquilo de que estamos a tratar- que em pontos fundamentais não é consoante com o entender da maioria, é consoante com o entender da minoria. Pêlos vistos, é esta a constituição que agrada ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
Queda ainda dizer-lhe, Sr. Deputado, que infelizmente para si, as suas declarações são um exemplo claro de confusão e de completa falta de sentido das realidades.
Eu não disse, de maneira nenhuma, que os deputados não têm a sua responsabilidade, que não têm o seu papel e, portanto, todas as considerações que fez são perfeitamente descabidas.
É evidente que um deputado pode: ter e assumir toda a sua responsabilidade - é esse o caso no meu grupo parlamentar-, mesmo quando, dentro de um espírito de liberdade, para a formação da vontade de um grupo chega ao fim e adopta uma posição uniforme. Isto não é a desvalorização da personalidade nem da importância individual, pelo contrário, é a valorização da importância individual dos seus elementos.
Não há, portanto, no Grupo Parlamentar do PSD pessoas que addiquem da sua responsabilidade, pois utilizaria ao serviço de um projecto, ao serviço de um país.
E quanto a traição a princípios, Sr. Deputado Magalhães Mota, se tivesse um bocadinho mais de senso político com certeza que não utilizaria esse argumento.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes para protestar em relação às declarações do Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Santana Lopes (PSD): -Sr. Deputado Jorge Miranda muito brevemente queria dizer-lhe que não pode ser invocado como argumento condenatório nós desejarmos uma revisão profunda da Constituição pelo facto de o PSD ter votado favoravelmente a actual Constituição em 1976.
Votámo-la favoravelmente, e já dissemos várias vezes que não estamos arrependidos desse voto, mas temos a consciência profunda do que é a evolução das realidades e temos inteligência suficiente para nos sabermos adaptar a elas, para procurarmos e sabermos identificarmo-nos com o sentir da maioria do povo português.
E é precisamente essa consciência e essa capacidade que nos distingue de outros que abandonaram o Partido Social-Democrata por razões que não foram ditas na totalidade, e seria bom que não se tivesse referido apenas a questão da Constituição e que se tivessem referido também outras questões de vassalagem excessiva em relação a poderes constituídos, que ainda estão na origem das divisões que grassam na FRS.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - É que hoje nós, Aliança Democrática, somos, podemos dizê-lo, a única força que tem plena consciência e que respeita integralmente o princípio de que é aos deputados que compete fazer a revisão da Constituição. E é pena que o Sr. Deputado Jorge Miranda, que é um respeitador tão escrupuloso do texto constitucional, não denuncie os autênticos abusos antidemocráticos que constituem algumas declarações dos seus colegas de bancada, que se preocupam excessivamente com a vontade de outros órgãos de soberania quanto à revisão da Constituição, órgãos esses que nada têm a ver com a revisão Constitucional.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Quanto às penosas negociações da Aliança Democrática - que demoraram seis meses e que podiam até ter demorado mais- ver-se-á o seu valor pelo resultado final, e esse resultado será claro para o povo português. Elas são um exemplo de espírito de consenso, de vontade de construção, e as vossas negociações com certeza que foram bem mais penosas, porque nelas se despenderam bastantes energias que para nada servirão.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Quanto à Constituição de 1933, Sr. Deputado Jorge Miranda, devo dizer-lhe que nunca me preocupei muito com ela porque em 1974 eu tinha apenas 18 anos e, assim nunca me preocupei excessivamente com ela.
A minha preocupação, como deputado, é só conseguir uma constituição que seja o fruto do consenso básico sobre o regime, a exemplo - e nunca é de mais repeti-lo- do que aconteceu com a nossa vizinha Espanha. Mantenho o que disse em relação à existência de divisores na sociedade portuguesa, pois é bem triste o que se passa em Portugal e é bem salutar o que se passa em Espanha,...

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Essa é boa!

O Orador -... onde, ainda na última crise que quase abalou a democracia espanhola, se ouviu gritar de todos os sectores «viva a Constituição».
É pena que os senhores não tenham capacidade para distinguir o que é uma constituição que divide do que é uma constituição de consenso!

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, também para fazer um protesto.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu queria também fazer um protesto em nome do Partido Social-Democrata contra uma afirmação feita pelo Sr. Deputado Jorge Miranda na sua intervenção.
Afirmou o Sr. Deputado Jorge Miranda que o socialismo que ele propunha era afinal o socialismo preconizado no programa do Partido Social-Democrata. Independentemente de saber se isto é possível, dentro da coerência dos acordos que diz ter feito dentro da Frente Republicana e Socialista - pois não nos esquecemos que este socialismo foi

Página 2058

2058 I SÉRIE - NÚMERO 54

aqui «bombo da festa» do Partido Socialista na altura em que fizemos a Constituição de 1976-, não sei como agora é possível sufragar este socialismo dizendo que afinal se continua fiel ao espírito da Frente Republicana e Socialista. Mas este é um problema deles.
Também não me preocupa de. sobremaneira a questão de o Sr. Deputado Jorge Miranda assumir sponte sua, como gestor de negócios sem mandato, o papel de mandatário do Partido Social-Democrata para ser. aqui o apresentador e o defensor do socialismo, que nós defendemos. É uma questão de certa maneira ilegítima, mas também, não nos preocupa de sobremaneira.
Mas o que já nos preocupa, porque já contende com os princípios fundamentais do Estado de direito, com os princípios fundamentais do pluralismo democrático, é que se queira, em nome de um programa de um partido -mesmo que no Partido Social--Democrata se trate.-, impor constitucionalmente o programa desse partido como bandeira de todo o País, como bandeira de toda a Nação que deve ser a Constituição.
Isto é contra os princípios fundamentais do Estado de direito, é contra os princípios fundamentais do pluralismo, e contra isto protestamos,...

O Sr. Santana Lopes (PSD):-Muito bem!

O Orador: - ... mesmo que do socialismo preconizado pelo Partido Social-Democrata se trate! Contra isto não podemos deixar de protestar. A Constituição Portuguesa há-de ser -para ser uma constituição, de consenso - uma constituição que permita que todas as forças democráticas, seja qual for o seu programa, tenham a possibilidade de ser poder neste país.

O Sr. Santana Lopes (PSD):-Muito bem!

O Orador: - Protestámos contra a imposição de um socialismo, mesmo que se trate do socialismo preconizado pelo Partido Social-Democrata! Por esse lutaremos, mas lutaremos, por via eleitoral, e não por via constitucional!
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares, também para protestar.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu tinha colocado uma questão muito simples ao Sr. Deputado Jorge Miranda, a que ele não quis responder. Está no seu direito! Mas não está no direito de utilizar, de forma demagógica - e permita-me que lho diga-, a acepção dinâmica da própria Constituição.
Ao procurar apenas justificar a razão por que inclui a via para o socialismo no seu projecto de revisão sem se debruçar sobre a contradição flagrante que existe entre essa imposição constitucional e uma concepção dinâmica de uma qualquer constituição, está a tentar atirar poeira para os olhos deste país, defendendo uma posição de abertura, de cordialidade, de consenso ao nível constitucional, quando, no fundo, vai agarrar essa constituição a preceitos e a situações fixas, rígidas, próprias de partidos que não são propriamente -julgava eu- aquele em que se insere. E é contra essa utilização abusiva que, em primeiro lugar, quero protestar. Em segundo lugar, Sr. Deputado, quero protestar porque na minha intervenção tive o cuidado de não me imiscuir em problemas da FRS, tive esse cuidado apesar de a intervenção do Sr. Deputado ser toda ela -ou pelo menos toda a parte que eu ouvi - dirigida exclusivamente ao Partido Socialista e à UEDS.
Tive o cuidado de não me imiscuir nesses problemas e não admito que o Sr. Deputado venha aqui dizer que é o «pai» da Aliança Democrática e que foi por acção da apresentação do seu projecto de revisão constitucional que a AD chegou a acordo.
A Aliança Democrática chegou a acordo muito antes de V. Exa. existir como deputado nesta Assembleia ...

Vozes do CDS: - Muito bem! .

O Orador: -... e como membro da ASDI, não precisa do seu paternalismo, rejeita-o, e também quanto a isso protestamos.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

Más, já que o Sr. Deputado enveredou por esse caminho, quero dizer-lhe também que, sendo uma pessoa que goza de uma reputação de homem de leis, de homem constitucional -pelo menos dentro de certos limites -, é lamentável que o Sr. Deputado venha aqui deturpar claramente o sentido das coisas, porque quem veio a reboque da Aliança Democrática foi o Sr. Deputado, quem procurou ser oportunista, politicamente, na apresentação de um projecto foi V. Exa., porque a apresentação do projecto de revisão constitucional da Aliança Democrática estava há pelo menos quinze dias anunciada para o dia 25 de Abril, e V. Exa., ao apresentá-lo hoje, procura, mais uma vez, atirar-nos poeira para os olhos, e é também contra isso que quero protestar.
Aplausos do CDS. do PSD e do PPM.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jaime Gama (PS): - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Jorge Miranda, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Nesta fase do debate já não pode pedir qualquer esclarecimento, Sr. Deputado Lamento, mas não é possível.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. José Luís Nunes (PS):-Peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Já dei a palavra ao Sr. Deputado Jorge Miranda. Se não se importa, interpela a Mesa depois de ele falar.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Não, Sr. Presidente, eu interpelo a Mesa quando quiser.

Página 2059

24 DE ABRIL DE 1981 2059

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): -Sr. Presidente, podia V. Exa. esclarecer esta bancada por que é que os semáforos modificaram o entendimento liberal, que era timbre nesta Assembleia, de que os Srs. Deputados podiam sempre fazer as perguntas que quisessem quando elas se revelavam oportunas e quando esses deputados mantinham durante o debate uma atitude de presença e de perfeita harmonia nas decisões?
Podia V. Exa. explicar-me por que não deu a palavra ao Sr. Deputado Jaime Gama?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nunca foi assim como está a expor. Após uma intervenção de um Sr. Deputado, os Srs. Deputados podem inscrever-se para fazer pedidos de esclarecimento e, uma vez feitos os pedidos de esclarecimento e dadas as respostas pelo deputado a quem eles eram dirigidos, não pode haver mais pedidos de esclarecimento sobre essa intervenção.
Sempre foi assim, e os semáforos não têm qualquer intervenção nesta questão.

O Sr. José Luís Nunes (PS):-Sr. Presidente, o pedido de palavra do Sr. Deputado Jaime Gama, que é um deputado conhecedor do Regimento, tem de ser entendido da seguinte forma: foram os acontecimentos posteriores à intervenção e o debate por ela gerado que lhe suscitaram a necessidade de fazer esse pedido de esclarecimento. Assim, eu instava junto da Mesa para que desse a palavra ao Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Presidente: - Não posso, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda, para contraprotestar.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria de notar que ainda antes de conhecerem o texto do projecto de revisão constitucional - porque duvido que tenham tipo tempo para o lerem e para o conhecerem nos escassos minutos que mediaram entre a minha intervenção e estas perguntas - já alguns Srs. Deputados vêm dizer que ele não serve, que ele não está ao serviço do País, que ele não pode ser uma constituição útil para a resolução da problemática constitucional do País. É bom que isto fique registado.
Pegou-se na citação que eu fiz do artigo 2.º do projecto, seguindo os termos do acordo de revisão constitucional da Frente Republicana e Socialista, e a partir daí veio dizer-se que todo o projecto estava infirmado do princípio ao fim, que era incapaz de prestar uma contribuição para a resolução do problema. Registo também este facto.
Quanto ao socialismo, que se menciona nesse artigo 2.º, deverá ser tido em conta no contexto global do projecto, e não isoladamente.
Tenho o maior gosto em discutir com os Srs. Deputados interpelantes -ou protestantes - aquilo que entenderam acerca do socialismo nesse contexto, mas, neste momento, julgo que não há possibilidade de se travar uma discussão útil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Deputado Costa Andrade em particular: Eu não quis dizer que era aquele socialismo que eu entendia que devia estar na Constituição, monoliticamente, por ser o socialismo que consta do programa do Partido Popular Democrático. O que eu disse foi apenas que, quando eu leio «social [...]»,, leio nesses termos, apenas isso. Portanto, o que eu quis dizer foi que, mesmo quando a Constituição de hoje fala em socialismo, é perfeitamente possível dar-lhe um entendimento pluralista, tal como o Partido Popular Democrático lhe deu ao votar, por exemplo o artigo 2.º do texto actual - e o Sr. Deputado Costa- Andrade votou-o-, o artigo 80.º, etc., etc.
É exactamente na mesma perspectiva em que o Partido Popular Democrático votou a Constituição e votou os artigos atinentes ao socialismo que eu leio o socialismo.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Isto é que é ser conservador!

O Orador:- Não se trata de arvorar o socialismo do programa do Partido Popular Democrático como único socialismo, trata-se de dizer que, mesmo que se mantenha na Constituição essa referência ao socialismo, ela não é, de forma alguma, uma referência monolítica, pois admite um grande leque de soluções, que permite, inclusivamente, que o Partido Social-Democrata ainda hoje continue a falar em socialismo no seu programa.
Foi apenas isto que eu quis dizer, e nada mais. Não quis dizer...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD):-Não quis dizer, mas disse!

O Orador: -... que a Constituição devesse impor um socialismo aos Portugueses.
Por outro lado, gostaria ainda de dizer ao Sr. Deputado Pedro Santana Lopes o seguinte: é certo que a respeito da Constituição de 1976 há polémica e divisão. Não o ignoramos, e eu tenho-o dito repetidas vezes ao longo destes anos, mas não podemos também esquecer o facto histórico de no dia 2 de Abril de 1976, aqui, todos os deputados, com excepção dos do Partido do Centro Democrático Social -ao qual presto homenagem, pois prestou um serviço à democracia dizendo «não» -, terem votado a Constituição; 90 % dos deputados à Assembleia Constituinte entenderam em 2 de Abril de 1976 -e não digo 2 de Abril de 1975, mas 2 de Abril de 1976 - que esta Constituição era boa.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Como transitória!

O Orador: - Além disso, em todas as eleições que se realizaram em Portugal, nunca quem era contra a Constituição teve a maioria absoluta, pelo contrário. Nas eleições de 7 de Dezembro de 1980, em que estava no centro a Constituição, claramente o povo português deu 56 % de votos ao candidato identificado com a Constituição! Convém não esquecer este facto!
Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

Disse ainda o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes que, se eu sou contra acordos de cúpula, deverei ser

Página 2060

2060 l SÉRIE -NÚMERO 54

também contra outros acordos. Pois, Sr. Deputado Pedro Santana Lopes, posso dizer-lhe que sou contra todos os acordos que, à margem desta Assembleia, tenham sido feitos ou venham a ser feitos a respeito da Constituição.
Aplausos da ASDI, do PS. da UEDS e de alguns deputados do PCP.

É aqui, e só aqui, que deve ser feita a revisto constitucional.
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e 4e alguns deputados do PCP.

Mas gostaria de lembrar ao Sr. Deputado Pedro Santana Lopes que o candidato presidencial que ó Sr. Deputado e o seu partido apoiaram se comprometeu, sem ter nenhum poder constitucional, para isso, a realizar um referendo se porventura houvesse um impasse no processo de revisão constitucional nesta Assembleia. Quer dizer, contra a Constituição, abusando das normas constitucionais,...
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e de alguns deputados do PCP.

.... esquecendo que a Constituição não admite o referendo ...

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Não grite, que não vale a pena!

Orador:- ... e esquecendo que o Presidente da República não tem interferência no processo de revisão constitucional; a não ser para promulugar a lei. O Sr. Deputado Pedro Santana Lopes e o seu partido apoiaram um candidato que se comprometeu, se fosse eleito, a promover esse referendo para ultrapassar um hipotético impasse.
Este é um facto histórico que não pode ser esquecido!
Aplausos da ASDI do PS é da UEDS.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Mas que poluição sonora!

O Orador: - Finalmente, em relação ao Sr. Deputado Azevedo Soares, que falou em oportunismo e em certos limites, devo dizer, Sr. Deputado, que exerci, juntamente com outros deputados, um direito constitucional que me assiste.
Entendi que era tempo de se fazer a revisão é, depois de numerosos apelos que fiz nesta Assembleia- e ninguém pode dizer que não os fiz- para que se desencadeasse o processo, entendi que era altura de o desencadear.
Além disso, no que diz respeito à Aliança Democrática, o certo é que os meios de comunicação social ainda há alguns dias falavam na subsistência de divergências, e eu ouvi pela rádio uma entrevista de um alto dirigente do Partido Social-Democrata, que falou exactamente a esse respeito.
Por conseguinte, não há oportunismo, há apenas oportunidade, há apenas a ideia de que o desencadear do processo de revisão é um facto político, que esse facto político está ao nosso alcance e que quem se identifica com a Constituição deve tomar nas mãos essa obra.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não toma coisa nenhuma!

O Orador:- Não estou a suscitar esse pedido para mim, estou a suscitar, o interesse dessa obra para todos nós, para todos nós, deputados!

A Sr.ª Helena Roseta (PSD):- Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito é, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - É para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada não pode protestar contra um contraprotesto.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD):- Eu lamento, Sr. Presidente, mas o contraprotesto do Sr. Deputado Jorge Miranda invocou novos factos que não podem ficar sem um reparo.

O Sr. Presidente: - Ó Sr.ª Deputada, o processo é o seguinte: houve uma intervenção de um Sr. Deputado que suscitou, vários pedidos de esclarecimento e respostas a esses pedidos, houve protestos contra as ; respostas aos pedidos de esclarecimentos, a que se seguiram contraprotestos, mas a Sr.ª Deputada não interveio no processo. Portanto, a Sr.ª Deputada Helena Roseta não pode agora fazer um protesto, pelo que não lhe darei a palavra para esse efeito.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, eu respeito a decisão da Mesa, mas não queria deixar de sublinhar que as declarações do Sr. Deputado Jorge Miranda extravasaram largamente do campo do contraprotesto.

O Sr; Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Roseta, eu só lhe podia dar a palavra se a Sr.ª Deputada se sentisse ofendida em nome do seu partido.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Claro que sinto!

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr: Deputado?

O Sr. José Luís Nunes (PS):- Sr. Presidente, eu desejava intervir neste debate.

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, pelas razões que conhece, não lhe posso dar a palavra. Mas penso ser necessário esclarecer o seguinte: este debate está terminado com a intervenção; os pedidos de esclarecimento, as respostas, os protestos e os contraprotestos dos Srs. Deputados que intervieram na altura própria, pelo que não pode haver agora novas intervenções.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr Presidente, eu não vou utilizar nenhum dos subterfúgios regimentais que me permitiriam intervir neste debate, se

Página 2061

24 DE ABRIL DE 1981 2061

quisesse. Assim, clara e frontalmente, depois de ter ouvido o debate que aqui se travou e que foi enriquecer e importante para esta Câmara, pergunto singelamente a V. Exa se posso ou não intervir neste debate. Se a Mesa declarar que eu não posso, intervir neste debate, não recorrerei da sua decisão e sentar-me-ei imediatamente, sem mais comentários.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, eu, em nome da Mesa, não lhe posso conceder a palavra. Se, entretanto, a Assembleia, por unanimidade, decidir que o Sr. Deputado deve usar da palavra, eu dou-lhe a palavra, aliás como a qualquer outro Sr. Deputado.

Uma voz do PSD: - Ponha à votação!

A Sra. Helena Roseta (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito é, Sra. Deputada?

A Sra. Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Miranda, nas considerações que teceu, ofendeu uma pessoa que não está presente para se defender e em nome da qual gostaria de dar uma resposta, em nome da bancada do PSD.

O Sr. Presidente: - Ó Sra. Deputada, mas em nome da bancada do seu partido já intervieram outros Srs. Deputados.

A Sra. Helena Roseta (PSD): - Invoco, portanto, o direito de defesa em nome da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, como uso do direito de defesa, concedo-lhe a palavra. Portanto, a Sra. Deputada Helena Roseta usará da palavra e depois decidir-se-á em relação ao Sr. Deputado José Luís Nunes.
Tenha a bondade, Sra. Deputada.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jorge Miranda veio aqui acusar o candidato da Aliança Democrática às eleições presidenciais por ter abusado da sua possibilidade ao invocar e ao comprometer-se com a iniciativa de um referendo no caso de a Aliança Democrática ganhar as eleições presidenciais.
Ora, eu protesto contra esta análise do Sr. Deputado Jorge Miranda, porque é tão legítimo a um candidato às eleições presidenciais, que foi o Sr. General Soares Carneiro, dizer ao povo português que, se ganhasse as eleições, a maioria parlamentar proporia na revisão constitucional a iniciativa do referendo como é legítimo aos senhores, que apoiaram o Sr. General Eanes, dizer que ele, se ganhasse as eleições, ia defender a actual Constituição.
Portanto, caiu em contradição grave, na medida em que o Sr. General Eanes não pode ter sido o candidato da Constituição se o Sr. Deputado não aceita que o Sr. General Soares Carneiro fosse o candidato do referendo. E, se assim é, o Sr. General Eanes foi apenas o candidato que era na altura Presidente da República e que, como tal, tinha jurado uma Constituição, mas jurá-la-ia como qualquer outro que tivesse sido eleito em 1976, já que para ser eleito Presidente tinha de o fazer.
Assim, peço ao Sr. Deputado para rever aquilo que disse, na medida em que a liberdade de propor questões sobre a matéria da revisão constitucional em plenas eleições presidenciais teve de ser igual para todos, ou então não foi nenhuma, ou então ainda o Sr. Deputado Jorge Miranda não sabe o que está aqui a fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - É que, a ser assim, o Sr. Deputado está a defender o seu Presidente da República, e não aquele que deveria ser o Presidente da República de todos os portugueses.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda, para responder, se assim o entender.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo dizer que a minha resposta é muito simples e baseia-se no artigo 130.º da Constituição, que qualquer Presidente da República, fosse ele qual fosse, no dia 14 de Janeiro de 1981, teria de jurar.

A Sr.ª Helena Roseta (PSD): - Isso é de criança!

O Orador: - Fosse o Sr. General Eanes, o Sr. General Soares Carneiro ou qualquer outro candidato, no dia 14 de Janeiro de 1981, só seria Presidente da República depois de dizer o que se encontra consagrado no artigo. 130.º da Constituição, e que: é o seguinte:

Juro, por minha honra, desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa.

Apenas isto, Srs. Deputados.

Aplausos da ASDI, do PS. do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Então, a Constituição não pode ser revista. Isso é ridículo!

O Orador: - Não é de modo algum um erro, porque mesmo a revisão tem de ser realizada nos termos da Constituição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de pôr à consideração da Câmara o pedido de palavra feito há pouco pelo Sr. Deputado José Luís Nunes. Se não houver oposição, eu daria então a palavra a este Sr. Deputado .por três minutos.

Pausa.

Como há oposição de alguns Srs. Deputados, não posso conceder a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, se me dá licença, quero apenas registar que neste

Página 2062

2062 I SÉRIE - NUMERO 54

debate o maior partido da oposição esteve em silêncio, em obediência, às normas regimentais. E não só é maior partido da oposição, como os seus deputados, que, como o Sr. Deputado Jorge Miranda lembrou, e bem, individualmente o constituem e são directamente responsáveis perante o povo português. Nada mais tenho a acrescentar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado José Luís Nunes, não fui eu que fiz o Regimento. O Regimento foi elaborado e aprovado na Assembleia da República, e eu apenas me limito a cumprir as suas normas, não sendo normalmente rígido no seu cumprimento. Mas esta é realmente uma questão que salta aos olhos de todos.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - É para interpelar a Mesa, na medida em que V. Exa. consultou a Assembleia, tendo deduzido a nossa posição pelo simples facto de eu ter levantado o braço.
Ora, queria dizer que, evidentemente, muito embora compreendendo a posição do Sr. Deputado José Luís Nunes e que o debate...

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado, pedia-lhe o favor, de não iniciarmos agora uma discussão sobre o pedido de palavra do Sr. Deputado José Luís Nunes, porque senão é pior a emenda que o soneto, como se costuma dizer. E nesse sentido pedia-lhe o favor de terminar rapidamente as suas considerações.

O Orador - Bom, eu em sonetos não sou perito... mas sempre gostaria de explicitar, as nossas razões. É que a nossa oposição a que o Sr. Deputado José Luís Nunes usasse da palavra vai apenas ao sentido de que efectivamente, à luz do Regimento, não havia qualquer hipótese, de o poder fazer neste momento. Por isso, concordamos com a posição da Mesa, muito embora lamentando que o Sr. Deputado José Luís Nunes não tenha intervindo em tempo oportuno, isto é, durante o debate, já que seria sempre com grande gosto que o ouviríamos nesta Assembleia.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Ó Sr. Deputado Amândio de Azevedo, peco-lhe o favor de não prolongarmos esta questão. Queira dizer para que efeito pede a palavra?

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, a Mesa permitiu ao Sr. Deputado José Luís Nunes que fizesse considerações que me obrigam a explicar as razões por que não concordei com a sua intervenção. Serei muito breve nas minhas considerações.

O Sr. Presidente: - Então, tenha a bondade, Sr. Deputado, mas peço-lhe que seja breve.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas dizer que não concordei com a (intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes neste momento apenas porque efectivamente nós entendemos que as regras regimentais devem ser cumpridas, mesmo num caso em que a minha bancada, teria imenso gosto em ouvir a intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes e acreditem que isto é verdade.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nós sabemos!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso até é verdade ...!

O Sr. Presidente; - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Gomes.

O Sr. Joaquim Gomes (PCP):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por diversas vezes temos trazido a esta Assembleia as nossas preocupações quanto à política externa deste e de outros governos de direita. De acordo com a Constituição da República e mesmo muito antes dela, já o PCP reivindicava a diversificação das relações diplomáticas, comerciais e culturais, com todos os, países, nomeadamente com os países socialistas.
É por isso que, ao verificarmos hoje que a política externa do governo AD se não diferencia muito daquela que denunciámos ao longo de dezenas de anos, não podemos deixar de o fazer uma vez mais.
O PCP continuará a bater-se por uma política de paz e amizade com todos os povos. Por uma política de desanuviamento e de boas relações com todos os Estados, pela independência nacional.
O PCP continuará bater-se por uma política de desenvolvimento económico e social, por uma política voltada para o aproveitamento máximo dos recursos nacionais, contra a subordinação da economia portuguesa aos interesses das potências, imperialistas e dos monopólios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política externa do governo AD no que diz respeito à política económica e sobretudo no que toca à entrada na CEE, é pouco menos que humilhante. Da prioridade das prioridades, das certezas, quase absolutas quanto à data da adesão, passou a afirmar-se, pela boca do Ministro da Integração Europeia, que Portugal não entrará a qualquer preço, e por sua vez o Primeiro - Ministro já vai dizendo que a data da entrada e de «somenos importância». Por outro lado, a confusão é tal, a nível do Governo, que os Srs. Ministros se chegam a desmentir mutuamente.
Sr. Ministro. Barreto, não seria importante dizer, aos agricultores portugueses que anualmente serão, esbulhados em S milhões e meio de contos no caso da adesão?
A nós parecia-nos também importante que fosse, dito que em alguns países, incluindo Portugal, políticos altamente responsáveis, bem, como muitos industriais, agricultores e comerciantes, vão chegando à conclusão de que a CEE não resolve mas agrava os problemas nos respectivos países.
É certo que os governos AD não têm defendido a entrada na CEE pôr desejarem resolver os graves problemas económicos do País.
O que se pretende com esta entrada é fazer dela uma arma política para atacar as conquistas dos tra-

Página 2063

24 DE ABRIL DE 1981 2063

balhadores e do povo português alcançadas com a Revolução de Abril.
De resto, a experiência da adesão ou a submissão da economia portuguesa ao poder das associações e mecanismos do grande capital internacional c extremamente negativa. Veja-se como o FMI decide não só sobre o que Portugal deve ou não fazer em matéria de desenvolvimento económico, mas até sobre os salários dos Portugueses. Embora se reconheça que os salários actuais já estão ao nível de 1973, os senhores do FMI decidem que os salários dos trabalhadores, desçam ainda mais. É evidente que o governo AD vai tentar cumprir a ordem do FMI, mas também é evidente que os trabalhadores se lhes vão opor firmemente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Se a política deste governo no que diz respeito à subordinação da economia portuguesa aos interesses do imperialismo atinge uma gravidade verdadeiramente preocupante, a política de subserviência aos planos belicistas do imperialismo e da NATO nunca foi tão vergonhosa como agora.
Nós, comunistas, estando contra a existência de blocos militares, não ignoramos que Portugal é, por obra e graça do antigo regime, membro da NATO. Porém, este facto não nos impede de denunciar os perigos de armazenar armas nucleares e outras de destruição massiva no nosso país. Pouco nos importa a opinião do Sr. Ministro da Defesa, ao considerar que a bomba nuclear é mais preocupante que a bomba de neutrões. Paca nós, Sr. Ministro, o mais preocupante são as duas.
Preocupante é também a opinião do Sr. Ministro quando afirma que «Portugal não poderá, por lei e pelos acordos com a NATO, prescindir da instalação eventual de armas nucleares no seu território».
Que lei, que acordos, Sr. Ministro, exigem que no nosso país se instalem tais armas? Sr. Ministro, o 25 de Abril abriu perspectivas de uma vida livre e mais feliz para todos os português. Se a participação na NATO só nos traz a perspectiva de morte e destruição, então torna-se urgente sair da NATO.

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, ainda que o Ministro dos Negócios Estrangeiros tente cobrir-se com a capa de uma diplomacia independente que, naturalmente, não pratica, afirma na entrevista ao Jornal que o Governo não é favorável à instalação de armas nucleares em Portugal, a verdade é que na mesma entrevista afirma «que o Governo está aberto a discutir com outros órgãos de soberania outras opções». Além disso, também não é muito reconfortante saber que não há pjrigo de instalar em Portugal mísseis Cruzeiro ou Pershing 2, portadores de ogivas nucleares, primeiro, porque os norte-americanos nunca fizeram nenhum pedido neste sentido, segundo porque os ditos mísseis, se instalados em Portugal, não atingiriam os países do Pacto de Varsóvia! (Entrevista ao Tempo, 2 de Abril de 1981.)
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A subordinação da política portuguesa ao militarismo agressivo da NATO tem outras expressões para que não podemos deixar
de chamar a atenção desta Assembleia. Referimo-nos à ampliação e criação de novas bases militares em território nacional.
Quanto à Base das Lajes, parece ponto assente que não só o acordo com os Estados Unidos vai ser renovado, como está assente que os Americanos a vão ampliar.
Ampliar para quê? Naturalmente para defender os interesses das grandes multinacionais do petróleo no Próximo Oriente.
Por outro lado, o Ministro dos Negócios Estrangeiros prometeu, antes da sua partida para os Estados Unidos, dizer alguma coisa no seu regresso sobre a possível utilização da Base de Beja pêlos Americanos. Até agora nada foi dito. Será que o governo AD entende que sobre um assunto de tanta gravidade nada tem a dizer no País? E pensará também o Governo que basta o Ministro dos Negócios Estrangeiros ou o Sr. João Jardim, negar a existência de compromissos com a NATO, em relação a Porto Santo, para que o País fique tranquilizado?
Em vez de desmentidos sem qualquer fundamento, porque não fazem os Srs. Ministros um desmentido formal às afirmações do Sr. Contra-Almirante Tylor Dedman, comandante do Ccmiberland, que, segundo a Capital de 21 de Março de 1981, confirmava estarem em curso obras na ilha de Porto Santo que envolvem a construção de um porto para petroleiros de 50 000 t, o prolongamento da pista do aeroporto com vista ao estacionamento de aviões supersónicos e a implantação de pipe-lines.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se vê, a diplomacia portuguesa nada tem de independente e muito menos tem a ver com a defesa dos interesses da Nação Portuguesa.
O caso concreto dos países africanos de expressão portuguesa, muito especialmente Angola e Moçambique, é por de mais significativo. Os responsáveis do governo AD com frequência falam da melhoria das relações com estes países. No entanto, os factos continuam a demonstrar que tudo isto não passa de palavreado. Além do mais, estes países para regularizar as suas relações com Portugal têm o direito de exigir posições muito claras para problemas muito concretos. Por exemplo, qual é a posição do Ministro dos Negócios Estrangeiros acerca da decisão da administração Reagan de prestar ajuda ao bando da Unita? Qual é a posição dós dirigentes da AD sobre as relações de elementos responsáveis desses partidos com o aventureiro Savimbi? E porquê até agora o Governo nunca achou oportuno condenar expressamente os ataques criminosos a populações indefesas, pelos racistas da África do Sul, nos territórios de Angola e Moçambique?
Quanto aos países da América Latina também a política do Governo português tem bem marcado o ferrete da administração Reagan seja no apoio a todas as ditaduras do continente americano, a começar por Pinochet, seja até na ajuda financeira da banca nacionalizada ao carrasco do povo chileno. Porquê até agora o governo Balsemão se recusa a esclarecer este escândalo?
Mesmo em relação aos países árabes era bom deixar claro que não é com uma simples viagem à Zona do Golfo que se faz a viragem que se impõe nas relações com os países árabes.

Página 2064

2064 I SÉRIE - NÚMERO 54

Para que estas relações melhorem de facto e se estabeleça uma base sólida, é necessário que o Governo português sem ambiguidades defina a sua posição em relação à Nação Palestiniana.
Que defina igualmente sem ambiguidades a sua posição sobre a política belicista e expancionista de Israel, designadamente quanto à ocupação de Jerusalém,- bem como de territórios ocupados ilegalmente por este país.
As relações com os países socialistas vêm sendo calculadamente afectadas. As frequentes recusas de vistos a cidadãos desses países, de acordo, aliás, com a circular do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Abril de 1980 que dá instruções neste sentido, bem como as provocações não desmentidas do Sr. Sales Mascarenhas em Cuba mais a expulsão do embaixador deste país. São decisões cuja origem não deixam dúvidas a ninguém.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O 25 de Abril que está a ser comemorado por todo o País abriu a Portugal muitas portas que o regime fascista tinha fechado. O prestígio de Portugal cresceu em todo o Mundo. Porém, a imagem de Portugal de Abril está a ser destruída pela política do governo AD, quê em todos os domínios e em vários casos com os mesmos homens está a seguir os caminhos do passado. .Os caminhos dá dependência económica e política, os caminhos do retrocesso ê do obscurantismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É necessário afirmar aqui que tal como na política interna, também na política externa a alternativa é uma política democrática.
Lutaremos por ela.

O 25 de Abril vencerá!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Queria dizer que, de uma forma geral, estou de acordo com as afirmações feitas pelo Sr. Deputado Joaquim Gomes do PCP, acerca da política externa do Governo AD de subserviência à NATO e aos Americanos e de. apoio às políticas belicistas e imperialistas.
Quero «ioda referir o meu acordo com uma frase que proferiu quando disse que seria necessário providenciar quanto ao que está á acontecer no nosso país, nomeadamente em relação à possibilidade de instalação de armas nucleares em Portugal com todos os riscos que isso traz ao povo português, adiantando que a solução será a de ò País sair da NATO. Quero, portanto, salientar que estou totalmente de acordo com essa perspectiva: é necessário que o País saia da NATO ou que a NATO saia do nosso país.
No entanto, gostaria de perguntar se o Sr. Deputado considera que, preconizando-se a saída de Portugal da NATO, para preservar o nosso país da ingerência imperialista é belicista dos Americanos é da NATO e dos riscos que contemos com a instalação possível se não já concreta e concretizada algures - de armas nucleares no nosso país, se pode seguir a política declarada e proclamada do Presidente da República que é, ele próprio, um defensor da NATO e da ligação, a todos os níveis, com o imperialismo americano, portanto, iam defensor da ingerência dos Americanos no nosso país?
Perguntar-lhe ainda se pensa que é nessa perspectiva, que poderemos sair da NATO e prosseguir uma política de independência nacional, preservando o nosso país da instalação de armas nucleares.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Gomes, há mais Srs. Deputados que pretendem pedir esclarecimentos. Deseja responder imediatamente ao Sr. Deputado Mário Tomé ou apenas no final de todas as intervenções? .....

O Sr. Joaquim Gomes (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, eu não pretendo pedir esclarecimentos mas, sim, fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Então, tenha a bondade de fazer o seu protesto imediatamente, Sr. Deputado.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Deputado Joaquim Gomes, não houve o prazer de ouvir toda a sua exposição e por isso poderei eventualmente cometer alguns erros de análise. Mas pelas confirmações que o Sr. Deputado Mário Tomé fez à sua intervenção, ela carece de um protesto muito veemente da parte do Partido Social-Democrata: V. Exa. tem razão quando diz quê no anterior regime a participação de Portugal na Aliança Atlântica era uma participação cega e politicamente errada porque o regime português não tinha as condições políticas para ser membro da Aliança Atlântica. Simplesmente, V. Exa. escamoteia três considerações.
A primeira é a de que a participação de Portugal na Aliança Atlântica como a de outros países, foi, é e pode ser o meio de preservar a paz na Europa e noutras zonas do Mundo.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É mentira!

O Orador: - Nunca houve um período tão calmo e de não existência de conflitos potenciais em termos de iminência que de conflitos reais na Europa nos últimos vinte e cinco anos senão através da própria existência de dois blocos.
E quando V. Exa. fala da Aliança Atlântica sem fazer qualquer referência ao Pacto de Varsóvia e essa é a segunda consideração que V. Exa. omitiu isso é um erro de hipocrisia política, na medida em que V. Exa. vem falar do belicismo quando nos últimos 10 anos àquilo a que se assistiu na Europa é, acima de tudo, um acrescento extraordinário do aparelho militar do Pacto de Varsóvia, mormente da União Soviética, e quando o equilíbrio convencional e estratégico que existia, que hoje não existe, em prol da União Soviética que gasta muito mais em defesa do que a maior parte dos países ocidentais.
E vem agora o Sr. Deputado falar de belicismo quando é no âmbito dos meios convencionais e no âmbito dos meios nucleares de teatro que à União Soviética, através da sua política expansionista e agressiva no âmbito naval e nuclear, essa sim, constitui hoje o maior atentado e o maior perigo para a paz na Europa.

Página 2065

24 DE ABRIL DE 1981 2065

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Ora, essa segunda consideração que o Sr. Deputado Joaquim Gomes não fez apenas demonstra uma coisa: é que em Portugal, hoje em dia, a União Soviética não tem só um embaixador, que é o Sr. Kalinine, tem outros que são VV. Exas.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Mota (PCP): - Provocador!

O Orador: - Em terceiro lugar, a participação d« Portugal na Aliança Atlântica faz-se como se fez nos ultimes anos, e essa ratificação política é feita pêlos partidos democráticos no sentido de considerar essa Aliança como defensiva e não como ofensiva, isto é faz-se no sentido de preservar a paz e não de ameaçar a paz. E quem a faz no sentido de ameaçar a paz é o potencial armamentista da União Soviética e é, acima de tudo, a sua política expansionista e não a dos países da Aliança Atlântica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje somos mais responsáveis e mais independentes porque temos maiores meios, de decisão nos órgãos colegiais da Aliança Atlântica. Não estamos sós, mas numa situação de, co-decisão e o mesmo não >se 'poderá dizer de, outros países do Pacto de Varsóvia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por essa razão a exposição que V. Exa. fez sobre a política de defesa deste governo, além de hipócrita, é errada e é, acima de tudo, uma intervenção de má-fé que apenas releva, ao fim e ao cabo, da incapacidade, de se perceber o que é a realidade portuguesa e europeia e ainda de sermos eternamente fiéis a uma concepção extranacional. V. Exa. hoje nem sequer prestou um bom serviço à União Soviética; prestou, sim, um mau serviço aos militantes do seu partido e à opinião pública portuguesa peio seu unilateralismo, pela sua parcialidade pela sua incapacidade nacional e internacional.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. João Cravinho (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Simplesmente porque a intervenção do Sr. Deputado do Partido Comunista trouxe aqui a esta Câmara uma matéria de tanto interesse como é a das armas nucleares e dada a circunstância de na última sessão ter sido anunciada a entrada de um projecto do Partido Socialista sobre a mesma matéria, mas como os Srs. Deputados tinham praticamente saído da Sala, uso da palavra. com o fim exclusivo de dizer que o Partido Socialista tem uma posição muito clara sobre este assunto que em breve tratará nesta Câmara.
Era apenas isto que pretendia sublinhar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Gomes, para responder, se assim o entender.

O Sr. Joaquim Gomes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao Sr. Deputado Mário Tomé gostaria de dizer que não trouxe naturalmente nada de novo a esta Assembleia quanto à posição do meu partido em relação à NATO. O que temos declarado inúmeras vezes é que somos contra os blocos militares e que entendemos que a paz no Mundo e o bem-estar dos povos exige que se pare a corrida aos armamentos e que haja tranquilidade e paz. Quero, portanto, referir que não trouxe nada de novo a esta Assembleia.
Por outro lado, em relação à questão que me colocou sobre o Presidente da República podia dizer-lhe que só a ele poderia ser posta, na medida em que seria ao Presidente da República que competiria responder. Mas quero acentuar, para além do mais, que não é o Sr. Presidente da República quem dirige á política externa deste país. E se na verdade a minha intervenção se orientou no sentido de desmascarar a política deste governo é dessa questão que estamos a tratar e não de outra qualquer.
Em relação ao Sr. Deputado Angelo Correia gostaria dizer que a sua reacção confirma que aquilo que aqui se disse estava certo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Angelo Correia devia ter ouvido com atenção a minha intervenção e afinal parece que nem estava presente na altura em que a proferi. Portanto para a outra vez o melhor é estar na Sala e ouvir as intervenções para depois poder fazer os comentários como deve ser.

O Sr. António Mota (PCP): - É para aprender!

O Orador: - De qualquer modo não queria deixar de dizer ao Sr. Deputado Angelo Correia que no Partido Comunista não se têm opiniões por hipocrisia ou por cinismo; pelo contrário, as opiniões que se têm são claras. Com a minha intervenção não trouxe nada de novo e pretendi, sim, expor as preocupações não apenas dos comunistas mas de muitos portugueses que vêem nesta subordinação e nesta vassalagem do governo AD à NATO perigos muito reais para a segurança dos Portugueses e portanto de Portugal. É por isso que nos sentimos no direito de trazer este problema aqui à Assembleia que consideramos da máxima importância.
Por outro lado, em relação à sua segunda consideração em que me fez o reparo de eu não falar no Pacto de Varsóvia quero dizer que é evidente que não tenha de falar nele porque, como sabe, não é o Pacto Varsóvia que jamais teve a pretensão de instalar armas nucleares ou outras no nosso país, pondo em risco a vida dos Portugueses.

Risos do PSD.

Para além do mais quero lembrar-lhe que o cinismo vem da vossa parte ao dizerem que a NATO é um pacto defensivo quando na realidade o Pacto de Varsóvia apareceu porque a NATO se formou com intenções guerreiras e com intenções de praticar a

Página 2066

2066 I SÉRIE - NÚMERO 54

política dos Estados Unidos e de dominar os povos nas várias partes do Mundo.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Este é pior que o Brejnev!

O Orador: - Quanto ao facto de o Sr. Deputado Angelo Correia se referir aos membros desta bancada como embaixadores da União Soviética, quero apenas dizer-lhe que se falássemos de embaixadores, e à luz da intervenção feita pelo Sr. Deputado, os senhores ó que podem ser considerados como embaixadores e como pessoas, que estão autenticamente ao serviço de potências, que não Portugal; e os Estados Unidos são aqueles de quem os senhores são embaixadores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): -Nós não temos nenhum sol da Terra, Sr. Deputado!

O Orador: - E alguns, é certo, teriam muita coisa a explicar, se o quisessem fazer.
Finalmente queria, uma vez mais, reafirmar aqui a política do meu partido no sentido de que estamos absolutamente dispostos a denunciar todas as. manobras e toda a vassalagem dos partidos e do governo AD em relação aos Estados Unidos porque é essa potência que, na verdade ameaça a independência do nosso país e não qualquer país do Pacto de Varsóvia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Presidente, peço à palavra para um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado, V. Exa. fez um protesto ao qual respondeu o Sr. Deputado Joaquim Gomes.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, autoriza-me que dê um esclarecimento?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Exa. não pode invocar agora a figura do esclarecimento. Tanta paciência, não lhe posso dar a palavra.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, registo também que pedi várias vezes ao Sr. Deputada Joaquim Gomes autorização para o interromper e ele não mo consentiu.

O Sr. Presidente: - Isso já não é da competência da Mesa.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pode protestar, porque, fez um pedido de esclarecimento enquanto o Sr. Deputado Angelo Correia fez um protesto.
Tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer um protesto porque o Sr. Deputado Joaquim Gomes interpretou mal as minhas palavras. Quando afirmo que a política do Sr. Presidente dá República é uma política de submissão à NATO e o Sr. Deputado Joaquim Gomes me contrapõe que não é o Sr. Presidente da Republica que tem nas suas mãos á política externa do nosso país, quero esclarecer que não é assim, porque o Governo tem a confiança política do Presidente da República, que desde o dia 25 de Novembro demonstra, claramente, as suas intenções em relação à NATO.
Não podemos permitir que haja ilusões em relação a algumas pessoas ou órgãos de soberania dado que a AD e a sua política capitulacionista e de submissão ao imperialismo americano têm sido apontadas como inimigas do nosso povo -, e queremos ir mais longe. Queremos mostrar ao povo português que não é só o governo AD que tem uma política de submissão â NATO e ao imperialismo americano e que há outras pessoas e órgãos de soberania que também seguem uma política de submissão à NATO c ao imperialismo americano, entre os quais está o Presidente Eanes, que sempre que tem oportunidade demonstra as suas afinidades com o governo AD para além da confiança política que lhe deu -, como monstra os seus interesses totalmente de acordo com os interesses dos Americanos e da NATO. O Presidente da República disse, nomeadamente, que a permanência de tropas americanas no nosso país tinha a ver com os desejos, dos Americanos porque somos aliados e os Americanos certamente terão uma palavra a dizer.
Isto é. a total capitulação perante uma potência imperialista, é a total traição aos interesses do povo português, que quer uma política de independência nacional, uma política apoiada nas suas próprias forças, quer no campo económico, quer no campo social, quer no campo político.
É esta a perspectiva da UDP, é esta a perspectiva dos trabalhadores e é esta a perspectiva que devem ter todos os jovens, que. devem estar atentos à política que lhes ,está. a ser imposta a que os pode tornar em «carne para canhão» devido à política de submissão ao imperialismo americano, à NATO.

O Sr. Mário Lopes (PSD): - O senhor já foi carne para canhão!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim. Gomes.

O Sr. Joaquim Gomes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer um breve contraprotesto.
Parece que afinal o Sr. Deputado Mário Tomé não estava na Sala quando das bancadas da AD se atacou tão fortemente,, o Sr. Presidente da República, o que aliás é vulgar. Portanto o Sr. Deputado Mário Tomé tem as suas opiniões em relação ao Sr. Presidente da República, já lhes ouvi muitas vezes, é consigo, não tenho, nenhum comentário a fazer.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Desculpe, mas não lhe posso dar a palavra, Sr. Deputado.

O. Sr. Mário Tomé (UDP): - Desculpe, Sr. Presidente, mas peço a palavra alegando o meu direito de defesa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado sente-se ofendido?

Página 2067

24 DE ABRIL DE 1981 2067

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Absolutamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Exa. a palavra.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Joaquim Gomes, pelas considerações que fez, deu a entender que a UDP e eu próprio, quando definia aqui aquilo que considero como a política do Presidente da República, estaria porventura a cobrir posições da AD, da direita,, do Governo, que consideramos antipopulares e antinacionais.
Ora isto, no meu entender e neste momento, serve para confundir, porque não é por atacar o mesmo objectivo que há qualquer confluência de perspectivas.

Vozes do PSD: - Salvo seja!

O Orador: - Nós atacamos e denunciamos a política do Presidente Eanes numa perspectiva dos trabalhadores e não numa perspectiva de contestação com a da AD. A AD contesta o Presidente Eanes por uma luta de galos, por uma luta inserida, quer do lado do Presidente Eanes, quer do lado da AD, em perspectivas que interessam ao imperialismo, ao passo que a UDP quando ataca quer o governo AD, antipopular e antinacional, quer o Presidente Eanes, que fez o golpe reaccionário de 25 de Novembro contra o 25 de Abril (estamos em cima da data da comemoração do 25 de Abril e é preciso que isso fique claro), é numa perspectiva de luta dos trabalhadores, é numa perspectiva de defesa do 25 de Abril, naquilo que ele teve e não só (a isso todos batem palmas), da democracia, da liberdadezinha, que é a liberdade de ter cada vez menos liberdade. A UDP defende o 25 de Abril na sua perspectiva revolucionária e popular, na perspectiva de o povo impor as suas vontades. É esta a nossa posição e não permitimos que aqui se faça qualquer tentativa de a confundir com posições antidemocráticas, antipopulares e antinacionais.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vilhena de Carvalho vai proceder à leitura de um relatório a parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 23 de Abril de 1981, pelas 14 horas c 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputados, solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Manuel Rodrigues Casqueiro (círculo eleitoral de Portalegre) por Rui Biscaia Telo Gonçalves. Esta substituição é pedida para o período de 23 do corrente a 31 de Maio próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados todos os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade. - A Comissão: O Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Secretário, José Manuel Maio Nunes de Almeida (PCP) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Helena Tâmega Cidade Moura (MDP) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o relatório que acaba de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na última reunião dos líderes dos grupos parlamentares foi decidido que nesta sessão se discutiria um dos votos pendentes na Mesa.
Assim, vamos discutir o voto apresentado pelo PCP sobre o «síndroma de Oeiras».
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vidigal para uma intervenção.

O Sr. António Vidigal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na Quinta do Marquês encontram-se instalados vários organismos do MAP, dependentes da Direcção-Geral de Protecção da Produção Agrícola e do Instituto Nacional de Investigação Agrária (INIA), num complexo denominado «Estação Agronómica de Oeiras».
Em Maio de 1980 foi detectado o primeiro caso do já hoje conhecido e denominado «síndroma de Oeiras», que consiste no aparecimento de um conjunto de sintomas - vómitos, náuseas, cansaço, emagrecimento e, de uma tumefacção característica nos últimos arcos costais esquerdos.
Até à publicação num jornal diário da primeira notícia desta estranha doença, o MAP e a direcção da Estação de Tecnologia dos Produtos Agrários esconderam sempre o facto à opinião pública. Em outras ocasiões tentou-se até retirar qualquer importância ao caso.
Os trabalhadores desenvolveram então vários esforços, contactaram diversas entidades, designadamente os grupos parlamentares, entre eles o Grupo Parlamentar do PCP, após o que o meu camarada deputado Silva Graça visitou as instalações de Oeiras.

Página 2068

2068 I SÉRIE - NÚMERO 54

Em consequência dessa visita, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um requerimento em 19 de Fevereiro de 1981, em que se questionava o Executivo sobre o assunto.
As questões feitas no requerimento ainda não mereceram resposta. Igualmente não tiveram resposta as questões postas pela conferência de imprensa promovida pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, em 27 de Fevereiro passado.
Um semanário, em meados deste mês, caracteriza õ clima que reina na Quinta do Marquês como «tenso e mesmo irrespirável. As relações entre as pessoas estão completamente alteradas. Para além dos casos confirmados e duvidosos, encontram-se fora do serviço com atestado médico 92 pessoas».
«Doença política» rotulou o director-geral da Saúde o chamado «síndroma de Oeiras». Não sabemos se esta conclusão é a sua ou resultado de estudos efectuados pelos diversos departamentos nacionais e estrangeiros que até esta data e separadamente têm participado no assunto.
O surto epidémico está delimitado à Estação Agronómica de Oeiras, os doentes atingidos são do sexo feminino e apresentam uma sintomatologia comum. Todos reconheceremos quantas dificuldades surgem na investigação de uma nova doença e compreendemos á demora dos resultados. O que não se pode deixar de lamentar e condenar é que aos doentes, aos trabalhadores da Estação Agronómica de Oeiras, aos sindicatos e à opinião pública em geral não sejam dadas todas as informações e esclarecimentos que ò caso merece.
Lamentamos também que algumas das medidas tomadas -o encerramento de um dos edifícios do complexo da Estação, o rastreio (?) de todos os trabalhadores só o tenham sido por pedido e acções desenvolvidas pêlos trabalhadores. Esta incúria e á «não tomada de medidas enérgicas» pela parte do Governo levaram ao clima que nesta data se vive na Estação Agronómica.
Se, como afirma o director-geral da Saúde, não se trata «de um caso patológico», ou, como garante o Gabinete do Ministro dos Assuntos Sociais, «todo este caso foi montado pêlos jornais», como se explica quê os trabalhadores afectados continuem com «baixa»? Como se explica que as instalações encerradas ainda não tenham sido reabertas?' Como se explica que não sejam publicados todos os relatórios e pareceres médicos dos exames até agora efectuados?
Daí que entendamos necessário clarificar a situação.
O voto que apresentámos em. 17 de Março de 1981 sublinha à necessidade de serem tomadas medidas enérgicas e de ser feito um amplo esclarecimento público deste assunto.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um órgão de soberania, 'assente p«lo voto secreto, na vontade popular, só pode sedimentar e alargar a sua base de apoio quando exerce uma actividade que no aspecto quantitativo e qualitativo o dignifica e prestigia.
Sob pena de estarmos a transformar a Assembleia da República em mero órgão de debate ideológico é partidário, desenserido dos reais interesses dos Portugueses, semelham te, no seu funcionamento, a uma qualquer assembleia anarco-populista, urge que se modere a formulação de votos e que se deixe de consumir dias em estéreis debates estranhos aos interesses da população e que provocam sucessivos adiantamentos da discussão de processos legislativos urgentes.
Este voto é um claro exemplo de. desperdício de tempo e por esse motivo vou ser breve. Os deputados que defendem a democracia parlamentar devem defendê-la pela sua prática diária.
Felizmente este voto vem de um partido cujo chefe chegou a declarar (e talvez a desejar ...) que Portugal nunca viria a ter uma democracia parlamentar. Este voto é anti-regimental, foi pernicioso, inútil e hipócrita.
Anti-regimental, porque desrespeita os artigos 81.° e 86.° do Regimento, porque não foi classificado pêlos autores.
Pernicioso, porque, alarmista fomentava nos trabalhadores, nas famílias e na população um exagerar da natural ansiedade sentida pêlos trabalhadores da Estacão Agronómica de Oeiras.
- Inútil, porque para se enfrentar uma doença se devem utilizar os meios e as técnicas cientificamente correctas e este voto nada sugeria ou acrescentava ao procedimento que se estava a utilizar.
Hipócrita, porque se servia dos outros para bandeira política própria. Porque, se não fosse, assim; este voto teria sido retirado no momento em que se viu esclarecida a situação.
Votaremos contra por estes motivos e também porque os organismos de saúde pública estabeleceram e cumpriram unia metodologia correcta adequada à gravidade. Todos os esforços, foram feitos para solucionar o problema, sem limites em termos económicos, e na devida altura solicitou-se o apoio de serviços médicos estrangeiros especializados em saúde ocupacional, onde trabalhadoras foram devidamente observadas.
O Grupo Parlamentar do PSD quer vincar toda a sua solidariedade aos trabalhadores da Estação- Agronómica de Oeiras e muito principalmente às trabalhadoras que foram atingidas pelo síndroma.

Vozes do PCP: - Vê-se!

O Orador: - Compreendemos a sua ansiedade e desde o índice acompanhámos comi atenção o evoluir do caso.
O somatório dos dados obtidos, no País e no estrangeiro, aponta para uma situação benigna, em que que a primeira lesão - a tumefação - é apenas uma particularidade anatómica comum à generalidade das mulheres.
Todas as observações e meios complementares de diagnóstico confirmaram o carácter psicossomático e psicossocial do «síndroma de Oeiras». Felizmente a malignidade foi política, e assente, no presente. voto.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. a palavra.

Página 2069

24 DE ABRIL DE 1981 2069

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra para, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, protestar contra o facto de o Sr. Deputado Jaime Ramos insistir uma vez mais numa. calúnia contra o secretário-geral do meu partido mil vezes desmentida, ...

Risos do PSD.

... e, apenas oeste caso, como quase sempre, para justificar da parte do PSD uma atitude contrária aos interesses do povo português, contrário aos interesses dos trabalhadores.
Na verdade, na boca do Sr. Deputado, a calúnia tem um objectivo: silenciar o esclarecimento de uma questão que preocupa e que alarma a opinião pública portuguesa. Se a Assembleia da República interviesse no sentido de acelerar o seu esclarecimento, isso só prestigiaria a Assembleia da República e a democracia portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para. um contraprotesto.

O Sr. Presidente: - Tem V. Exa. palavra.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando referi aquela afirmação do secretário-geral do PCP, penso que estava a resumir aquilo que tem sido a prática do PCP após 1974.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não fiz aquela afirmação para silenciar o debate.
Problema que se põe com este voto é que, ou se enfrenta a situação, a doença o mal-estar das doentes, em termos cientificamente correctos em termos médicos, ou em termos de debate político.
Pensamos que a doença desses doentes, deve ser sempre analisada em termos médicos, em termos epidemiológicos, em termos cientificamente correctos. Não queremos de maneira nenhuma levar isso para a discussão política.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, uma vez que se demonstrou, no País e no estrangeiro, que uma das causas da doença era uma causa psicossocial, ao transformar-se o caso em bandeira política não se está a fazer mais do que a piorar as condições de saúde, de mal-estar, dessas trabalhadoras.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E o que não está a ser feito? ...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sra. Deputada Helena Cidade Moura.

A Sra. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da nossa presença num plenário de trabalhadores de Oeiras pudemos detectar das intervenções do subdelegado de Saúde de Oeiras, como resposta a questões postas pêlos trabalhadores o seguinte: incoerências que apontam para uma falta de critérios científicos no estudo do síndroma aparecido (há casos suspeitos que passam a diagnosticados, há casos diagnosticados que> passam a suspeitos; há casos que são considerados como defeitos físicos já existentes, há diferença de diagnóstico entre o próprio subdelegado e a equipa do Hospital de Santa Maria que tem examinado alguns trabalhadores atingidos) e a intenção de não ser revelado aos trabalhadores o que é sabido sobre o síndroma (afirmação de que certas questões só seriam discutidas com indivíduos com igual formação académica).
Por outro lado, intervenções dos trabalhadores deixaram transparecer o seguinte: grande angústia por falta de informação, que vai dando lugar a hipóteses desligadas ou não da realidade, por exemplo a afirmação de que o Governo receia que o conhecimento do síndroma afecte o turismo da Costa do Sol; dificuldades de relação entre os trabalhadores dos sectores não atingidos pelo síndroma & os trabalhadores dos sectores atingidos, nomeadamente do edifício já encerrado, que continuam ao serviço por não manifestarem sinais de doença (afirmação de que existem trabalhadores que não permitem mesmo a entrada destes nos seus gabinetes); grande receio de contágio e alastramento dó síndroma, dado o aparecimento do mesmo em trabalhadores de outros sectores (secretaria e laboratórios de genética); angústia redobrada por não serem, na prática, tomadas medidas preventivas já propostas, tais como: rastreio a todos os trabalhadores (afirmação de que há trabalhadores do sexo masculino afectados que nunca foram examinados), inspecção cuidada à Quinta do Marquês, integrada num plano de investigação de provável detecção do agente causador do síndroma; o funcionamento da cantina continua; preocupação pela permanência na creche e jardim-de-infância das crianças cujos pais não têm outros recursos; continuação ao serviço de mulheres grávidas, que, mesmo afastada a hipótese de doença contagiosa, vivem num clima emocional nada adequado ao seu estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O síndroma de Oeiras é um caso típico da falta de perspectiva democrática deste governo, da sua incapacidade de diálogo e de posicionamento racional face aos problemas dos trabalhadores.
- Deslocando os factos mais claros à consciência cívica de qualquer português para a zona cinzenta dos conflitos potenciais e das atitudes mais ou menos inconfessáveis, a actuação deste governo em tudo gera obscurantismo e insegurança.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora também tenhamos algumas reservas relativamente à apresentação deste tipo de votos no período de antes da ordem do dia das sessões da Assembleia da República, não podemos deixar de nos pronunciar sobre o mesmo e favoravelmente.
O voto favorável é sinal da nossa preocupação por uma doença ainda desconhecida, que está a provocar grande inquietação entre os trabalhadores da Estação Agronómica de Oeiras.
Exigimos que as autoridades tranquilizem a opinião pública, explicando inequivocamente as causas desta

Página 2070

2070 I SÉRIE - NÚMERO 54

doença, e dêem garantias de que serão tomadas providências para que não continue a fazer mais vítimas.

O Sr. Presidente: - Como não há mais intervém coes, vamos votar o voto apresentado pelo PCP sobre o «síndroma, de Oeiras».

Submetido a votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP e do MDP/CDE (nó momento da votação não se encontravam na Sala a ASDI, a UEDS e a UDP).

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes.

O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Sr. Presidente, Srs, Deputados: O CDS rejeitou o voto apresentado pelo PCP relacionada com aquilo que foi de há uns meses a esta parte conhecido pelo «síndroma de Oeiras».
Se o problema foi politicamente relevante há bastante tempo, hoje já não tem oportunidade. A responsabilidade desta demora não cabe propriamente ao partido que propôs o voto, mas, de qualquer maneira, o meu partido nunca iria colaborar em votações fora do tempo, o que teria pelo menos (e tem), o risco de ser ridículo.
Mas como, apesar de tudo, o problema foi mantido perante esta Câmara, tornando-se, por isso, este voto um voto sobre o passado, um voto histórico, é mister declararmos que não concordamos com a sua substância, pois consideramos que as atitudes do Governo não merecem reparo que justifique votos condenatórios da Assembleia da República.
A saúde é um bem precioso, mas não compete ao Governo interferir directamente em todos os casos patológicos, mesmo quando abrangem funcionários da Administração Pública.
A situação surgida na Estação Nacional de Tecnologia dos Produtos Agrárias, em Oeiras, teve o tratamento adequado por parte do Governo. A população e trabalhadores psicologicamente alarmados (e até talvez demagogicamente aproveitados) deu o Governo a resposta possível, que os últimos acontecimentos vêm mostrar que foi a mais oportuna.
A medicina teve algumas dificuldades em aclarar o assunto, mas não devemos confundir medicina è política, o que a ter acontecido, seria ou ingenuidade ou malévola intenção de explorar o sofrimento alheio. Os melhores serviços hospitalares foram postos ao dispor dos doentes, foram pedidas informações à Organização Mundial de Saúde e, para culminar, foram enviadas algumas doentes a Londres para observação hospitalar.
As conclusões a que se chegou em Inglaterra são reveladoras de que a nossa medicina não se tinha enganado, o caso não merece cuidados especiais e não se justificam, portanto, as críticas apresentadas neste voto.
Por isso não o apoiamos.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Silveira.

O Sr. Portugal da Silveira (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PPM votou contra este voto porque estive pessoalmente cm Oeiras na fase aguda da doença, visitei as instalações, 'falei com trabalhadores e acompanhei de perto o processo.
A verdade é que, se a medicina tem ou não tem meios para debelar este mal, esse é um problema que nos ultrapassa completamente. Todavia, há uma coisa que ficou perfeitamente clara, que foram as preocupações quer da parte dos dirigentes da Estação Agronómica de Oeiras, com quem falei, quer da parte do Governo, com. as medidas, que tomou desde o encerramento das instalações até ao envio a Inglaterra de três das doentes. A nosso ver, o Governo tomou todas as medidas que estavam ao seu alcance e fogem-lhe naturalmente aquelas que são do campo próprio da medicina.
Por estas razões votámos contra este voto.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: O voto que acabamos de votar, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP, estava redigido nos seguintes termos (e é bom que se lembre) depois de sete considerandos:

A Assembleia da República manifesta as suas profundas preocupações pelo evoluir da situação, já que as medidas tomadas estão longe de corresponder à gravidade da mesma.
Recomenda ao Governo, até ao completo esclarecimento da situação, a adopção de forma enérgica de todas as medidas adequadas ao pronto enfrentamento e resolução do problema.
É significativo que, perante um voto redigido nos termos, cautelares que acabo de citar, a posição dos deputados da AD seja a de rejeição pura e simples. Um dos Srs. Deputados falou mesmo de desperdício de tempo, há pouco, na sua intervenção. Ficámos a conhecer melhor mais uma vez a estreiteza de visitas dos Srs. Deputados da AD: recusam liminarmente as iniciativas legislativas vindas da oposição, rejeitam os votos, mesmo quando eles são o reflexo de uma situação anómala e grave, como é o caso que necessita de esclarecimento. Os Srs. Deputados da AD votaram contra por um tropismo mecanicista que os obriga a levantar, actuando da mesma forma que o Governo, que não responde aos requerimentos ou, quando, responde é tarde e a más horas.
Os Srs. Deputados da AD falam de alarmismo quando se quer o esclarecimento. Preferiam naturalmente que estas questões fossem silenciadas. Convinha-lhes o silenciamento. Não o terão.
Fica claro que a saúde dos trabalhadores da função pública atingidos por uma situação que qualquer pessoa não pode deixar de considerar anómala, reúne uma sintomatologia que apresenta «cansaço, náuseas, vómitos e perda de pesou, além da tumefacção dos últimos arcos costais esquerdos. Isto não preocupa o Governo. Há aqui uma certa lógica da parte da AD, porque se ela não se preocupa com o cansaço, com a náusea, com os vómitos e com a perda dê peso, com a tumefacção dos últimos arcos costais dos trabalhadores da Estação Agronómica de Oeiras, não se preocupa também com o cansaço, com as náuseas, com os vómitos. que apresentam centenas

Página 2071

24 DE ABRIL DE 1981 2071

de milhares de trabalhadores portugueses perante uma política de restrição e de empobrecimento da grande maioria da população, a par da restauração de situações de privilégios para uma minoria.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Consideramos inadiável este esclarecimento e esta clarificação acerca da Estação Agronómica de Oeiras. Não se pode brincar, Srs. Deputados da AD, com a saúde das pessoas. Queremos salientar-lhes que apesar do vosso voto contra, esta discussão vai fortalecer, mesmo assim, a razão dos que têm razão, vai obrigar ao esclarecimento e à resolução da situação existente.

Aplausos do PCP,

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos agora no período da ordem do dia com as declarações de voto relativas às ratificações n.ºs 29/II, do PS, e 67/II, do PCP, relativas ao Decreto-Lei n.° 426/80.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PPM votou a ratificação na generalidade do Decreto-Lei n.° 426/80, de 30 de Setembro, e subscreveu as propostas de emenda apresentadas à respectiva Comissão por iniciativa do PSD, isto por duas ordens de razões.
Por um lado, a recusa da ratificação desse decreto-lei teria agravado fortemente, a partir do plano jurídico, o estado de relativa indefinição e instabilidade em que, por um conjunto de factores que não são da nossa alçada, têm vivido as Universidades Livres de Lisboa e do Porto, troncos da mesma raiz. Desse modo se estaria a prejudicar milhares de estudantes a quem se criara uma expectativa de razoável segurança.
Por outro lado, o PPM entende que o decreto-lei que foi sujeito a ratificação desta Câmara corresponde na medida do possível e através da lícita aplicação do ordenamento jurídico geral às circunstâncias concretas cuja criação não dependeu nem depende do Ministério da Educação nem do Governo ou de qualquer outro órgão de soberania- a um princípio indiscutivelmente constitucional, o da liberdade de aprender e de ensinar, e a um princípio geral de ordem política, que é o da legitimidade da intervenção do Estado para tutelar e fiscalizar a acção das entidades de direito privado, designadamente nos domínios do ensino e da educação.
As considerações do âmbito da justiça social e do equilíbrio entre os diversos sectores da comunidade nacional, especialmente no que tem a ver com as normas vigentes para o ensino superior público, só podem reforçar a razão de ser da decisão do Governo. Embora fosse desejável que, tal como acontece na Bélgica ou na Holanda, o Estado pudesse garantir a todas as famílias o acesso dos seus filhos ao tipo de ensino por que optassem sem nenhuma discriminação económica- a verdade é que, na mediocridade do sistema português, herdado principalmente da II República e que a III República ainda não se propôs corrigir, é preferível que aqueles que podem pagar um ensino de sua escolha abram vagas cada vez mais numerosas aos que não podem (ou porventura não querem), fazendo, pois, intermináveis «bichas» à portas das universidades do Estado.
Bom seria que outras universidades livres, com esta ou outra designação, se fossem criando através do País e que o Governo para todas elas tivesse a mesma atenção tutelar e fiscalizadora, tornando possível a diversificação do ensino e, afinal, o cumprimento da regra, hoje impraticável, imposta pela Constituição ao Estado-professor: a neutralidade absoluta em termos ideológicos. Se algum dia esta norma for realmente aplicável, isso se deverá, ao menos em parte, à existência de escolas superiores de raiz não oficial, e, portanto, a intervenção do Governo no género do Decreto-Lei n.° 426/80. Com todas as imperfeições que nele se possam e devam descobrir...
Assim, o PPM votou a ratificação e espera que a Comissão de Educação, Ciência e Investigação, com base nas propostas já apresentadas ou em outras regimentalmente possíveis, venha a proceder aos retoques necessários. E assim não terá sido em vão a iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista...

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cabral Pinto.

O Sr. Cabral Pinto (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP votou contra a ratificação do Decreto-Lei n.° 426/80 pela razões várias que teve a oportunidade de expor durante o debate. São essas razões de ordem constitucional e legal, de ordem política e de ordem pedagógica. De facto, a criação da pretensamente chamada Universidade Livre reflecte a política de um Governo que desconhece o sector público da educação e os seus deveres constitucionais para privilegiar e devotadamente servir grupos minoritários de pressão ideológica e económica. Como dissemos na intervenção produzida na fase do debate, tal política ficou claramente desenhada no OGE, nas verbas aí destacadas para apoios e subsídios ao ensino privado.
Por outro lado, e também o dissemos, o Governo ignora a própria Lei de Bases do Ensino Particular e Cooperativo, pela qual estava obrigado a regulamentar per decreto-lei as formas da sua aplicação ao ensino superior. Em flagrante contradição com a lei, o Governo adoptou um comportamento casuístico, com dispensa de qualquer estudo e planeamento, só para responder aos interesses da sua clientela política.
O cães reinante nas estruturas de direcção da pretensa Universidade chamada Livre foi mais uma razão que levou o Grupo Parlamentar do PCP a votar contra a ratificação em causa. Como seria, de farto, possível reconhecer de utilidade pública uma instituição cujos dirigentes se degladiam despudorada e publicamente, chegando ao cúmulo de o fazer em plena Comissão de Educação, conforme aqui foi referido.
Acresce que não são garantidas no diploma as condições mínimas de âmbito pedagógico capazes de prevenir a qualidade e a seriedade do ensino que a dita

Página 2072

2072 I SÉRIE - NÚMERO 54

Universidade pretensamente. Livre se dispõe a ministrar. Os dados que nos foram, remetidos a pedido nosso pouco ou nada esclarecem sobre tal questão.
Outro dos factores que contribuíram de maneira decisiva para o sentido negativo do. nosso voto reside no carácter elitista desta pseudo-Universidade que se diz Livre mas que na realidade não o é pela ideologia que a informa e tem por fim veicular,- nem o é pela selecção económica a que sujeita os estudantes que possam pretender frequentá-la. É uma Universidade concebida para os filhos da mancha mais favorecida da nossa sociedade.
Mas o mais grave é que o Governo pertende que seja todo o povo a pagar os custos deste ensino. É o caso das isenções e dos subsídios que o MEC se propõe conceder à dita Universidade chamada Livre. Isto quando descaradamente se afirma não haver dinheiro para construir as escolas públicas de que há necessidade ou para melhorar as existentes.
Por tudo isto votámos contra, a ratificação. Fizemo-lo porque defendemos o cumprimento dos preceitos constitucionais; porque encaramos o ensino e educação como direitos impreteríveis de todo o povo português e não como privilégios! da minaria que o Governo protege; fizemo-lo porque, coerentemente, dize-lo mós não ao clientelismo partidário e político da AD.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs, Deputados, há mais declarações de voto?

Pausa.

Como, não há, consideramos encerrado este ponto do período da ordem do dia e vamos fazer o nosso intervalo regimental.
Está suspensa a sessão por trinta minutos.
Eram 17 horas e 30 minutos.

Após o intervalo assumiu a Presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.

Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos agora na discussão do, projecto de lei n.° 137/II - Combate à imoralidade administrativa, fraude e corrupção, apresentado pela ASDI.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda que o projecto de lei sobre o combate à imoralidade administrativa, fraude e corrupção tenha sido, oportunamente, apresentado perante o Plenário, afigurou-se-nos justificar-se que a abertura do debate, fosse também por nós efectivada.
Só se avança, só se reforma, só se progride, pela via democrática a que o debate é essencial. Sem debate, sempre haveria a tentação de continuar. Sempre existiriam «mandarins» a impedir a difusão das ideias que os perturbam.
Debate é convite para que as observações e propostas possam ser compartilhadas e discutidas. Para que cada um. não deixe de cumprir o dever de acrescentar
a sua parcela. Com o direito de pensar por si. O direito de olhar e reflectir. O direito de transmitir.
Pela nossa parte, acreditamos na importância deste projecto e do seu significado para a sociedade portuguesa. Temos, por isso, consciência de que vale a pena iniciar este debate.
Querer a começar por delimitar, com a possível profundidade e rigor, o âmbito do projecto em discussão. Sabemos todos como através dos tempos, e apesar de todas as interdições e perseguições, se formaram grupos humanos paira melhor prosseguirem os seus específicos interesses comuns. Grupo é precisamente isso: conjunto de indivíduos ligados por uma situação, interesses, ou sentimentos.
Podemos adiantar estar apenas em causa a actuação de grupos que defendem interesses particulares próprios. Nem se trata da conquista ou da luta pelo poder, que implica, ao menos formalmente, o interesse de todos.
Como é evidente, uma vez que, ao. menos em teoria, o poder político representa o interesse geral, os interesses, específicos de cada grupo ficam, de algum medo, limitados. O interesse geral sobrepõe-se, naturalmente, aos particulares, e bom é que assim seja.
Aos grupos defensores de interesses particulares resta, portanto, tentar ultrapassar essa posição para, influenciando o poder, o fazerem inflectir e agir, em consonância com eles, satisfazendo exclusiva ou prioritariamente os seus interesses: O modelo esboçado é naturalmente, reduzido aos seus traços mais salientes.
O que se pretende evidenciar por esta forma propositadamente simplificada é que qualquer poder político é objecto do que poderíamos designar por «manobras de captação» que visam impedir ou provocar as acções que melhor servem aos autores da pressão efectuada. Os processos de pressão varram de acordo com. a natureza do grupo que exerce pressão. E encontramos, sem precisar de buscar muito ou longe, pressões sobre a opinião pública que influencia o poder sobre-os partidos políticos, já que estes detêm ou controlam o poder, e sobre o próprio poder.
Melhor diria, sobre o centro de gravidade do poder, já que, uma vez que são decisões políticas que estão em causa, é sobre o sector do aparelho público que decide que as pressões se exercem, em cada caso concreto.
O traçar deste quadro, necessariamente esquemático e propositadamente impreciso, corresponde, ha economia desta primeira intervenção, a um duplo objectivo. Sabemos não esgotar o tema e acentuamos, muito claramente, o âmbito restrito do projecto em análise.
Estão em causa apenas as acções ocultas que, por formas ilícitas, determinam decisões, isto é, quando o interesse geral é subvertido porquanto se fizeram
prevalecer interesses particulares que, para tanto, se serviram, aviltaram e apoderaram do poder.
Mais ainda: não está sequer no âmbito do projecto - e somos os primeiros a lamentá-lo - apreciar das formas de pressão e compromisso políticos que podem levar ou ao escamotear das condições e pressupostos autênticos de decisões ou a que as instituições não sejam mais que cenário aparente que oculta e dissimula o autêntico jogo das forças reais.
Não se exceda, na verdade, no âmbito do projecto, o campo da corrupção individual, o campo em que, pondo as palavras claras e todas, as decisões são obti-

Página 2073

24 DE ABRIL DE 1981 2073

das, porque compradas ou em que, por protecção de interesses próprios, a imoralidade é, também, notória.
Não ignoramos que, como já lembrava Montesquieu, há corrupção quando o poder «julga que mostra o seu poderio modificando a ordem das coisas 'em vez de a seguir, quando usurpa as funções naturais de uns para a dar a outros, quando gosta mais das suas fantasias de que da sua vontade e quando se confunde a si e aos seus seguidores com o todo nacional «e chama Estado ao que é apenas a sua capital, capital à sua corte e corte a si próprio».
Sabemos que há corrupção, como lembrava ainda Motesquieu, «quando a honra é posta em contradição com as honras e se pode ao mesmo tempo estar coberto de infância, e de honrarias».
A metodologia que propomos é que, sabendo nós todos, como a corrupção, a fraude e a imoralidade administrativa não prejudicam apenas os cidadãos e corroem o aparelho de Estado mas impedem a prossecução do interesse público e desacreditam a ordem jurídica vigente, encaremos de frente, sem sobterfúgios nem portas falsas, um problema que todos conhecemos como real.
É esse e esse só o âmbito do projecto.
Ë também evidente que os meios propostos para o combate à corrupção, à fraude e à imoralidade administrativa, consistem no projecto em análise tão-somente na rigorosa e isenta averiguação de casos e nó apuramento dos responsáveis.
Muitas outras formas existem. Mas nenhuma exclui, antes todas pressupõem, que esta não seja esquecida ou sequer retardada, nomeadamente sob o falso pretexto de se procurarem soluções completas.
Não há democracia possível quando evita enfrentar os que a corrompem. Nem há cidadãos que possam considerar-se impedidos de ter os olhos abertos face aos problemas com que se defrontam.
Ninguém pode ser, nesta questão, uma espécie de estrangeiro, que não se sinta profundamente interessado na vida colectiva.
A escolha face à dimensão política da corrupção não é entre a apatia e a revolta. Consiste no assumir da responsabilidade própria e no exigir de responsabilidades a todos quantos, aos mais diversos níveis, detêm poder.
Nem há combate possível à fraude e à corrupção sem que se acabe, e ao mesmo tempo, também com. o rumor, a insinuação, o «diz-se», que são as formas larvares que todos conhecemos que acompanham, fatalmente, a ausência de informação objectiva. Surgem os boatos e aumenta a sua credibilidade sempre que escasseia a informação.
É, assim, a investigação -que determina a responsabilidade -, a pedra angular deste projecto.
É contra a «esponja» apagadora, a culpabilização difusa ou generalizante, o silêncio cúmplice, que pretendemos; - e de imediato - agir.
Dir-se-á que nada ou pouco se conseguirá apurar. Ainda que assim fosse, valeria a pena tentar.
Mas temos razões para acreditar que assim não será.
É sabido como nos Estados Unidos uma comissão de inquérito investigou durante um ano de Fevereiro de 1973 a Fevereiro de 1974 - o chamado acaso Watergate».
Mas sabe-se também que um ano depois em 1975 - a Câmara dos Representantes criava uma comissão de inquérito sobre as actividades dos serviços secretos e o Senado uma outra sobre os serviços de informações e em particular a CIA.
Curiosamente e anota-se que a referência se faz como parêntesis -, qualquer das comissões, quando o mandato era do republicano Ford, foi presidida por elementos da oposição...
Conhecem-se os resultados desses inquéritos. Sabem-se, por exemplo, as quantias gastas para tentar impedir a eleição e depois para derrubar Allende.
Mas, apenas para continuar a «ferir exemplos dos EUA, o inquérito sobre as multinacionais levado a efeito em 1976 é particularmente de assinalar. Por ele se ficou a saber das «luvas» pagas a altas personalidades europeias do Médio Oriente e do Japão para que nas suas encomendas - ou melhor, nas aquisições dos seus países- fosse preferida a Lockeed. Sabe-se que, na sequência de tal inquérito, sete países fizeram também averiguações, em consequência das quais o príncipe Bernardo da Holanda se demitiu das suas funções oficiais e o antigo primeiro-ministro japonês Tanak foi submetido a julgamento.
Mas também em Itália, no ano passado, o Parlamento quis averiguar se o Presidente do Conselho de Ministros então em exercício teria ou não avisado o secretário-geral da Democracia Cristã sobre as suspeitas que incidiram sobre um filho.
A comissão que propomos, com os poderes que lhe são atribuídos, com a sua relação directa com o Parlamento e os meios e condições que lhe são conferidas, pode, em nossa opinião, obter resultados similares. As garantias de isenção e rigor que se lhe conferem parecem também, como na apresentação do projecto tive ocasião de referir, suficientes, mas indispensáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não escondemos que um projecto desta natureza é também um teste. À nossa própria capacidade de enfrentar dificuldades. E do procurar a verdade. Custe o que custar. Doa a quem doer. No profundo respeito por todos os homens e por cada homem que nos leva a não aceitar, que, mesmo ao nível do rumor ou do boato, se generalizem acusações ou se levantem suspeitas.
Este é, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um projecto pelo qual passa de algum modo a forca e a honra das instituições.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador. - Nem há humanismo sem confiar no homem para merecer a liberdade a que o convidam a sua inteligência e a sua alma quando ele não consente no seu aviltamento. Não ha democracia que persista abafando erros e alimentando suspeições.
A democracia não subterrânea nem clandestina; exige a via política clara e aberta. Em pleno dia. Face aos cidadãos e ao seu controlo permanente. Não teme a verdade. Nem lhe convém a obscuridade e o mistério.
Silenciar pode ser cómodo. Mas significa ter medo ou desprezar o julgamento dos cidadãos. Como escreveu Zola: «Uma sociedade só é forte quando coloca a verdade à luz do Sol.»

Aplausos da ASDI e do PS.

Página 2074

2074 I SÉRIE - NÚMERO 54

O Sr. Presidente: - Também pára uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado. Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O combate à imoralidade administrativa, fraude e corrupção constitui hoje em dia a preocupação dominante dos regimes democráticos, e não é de estranhar que esta Câmara se debruce sobre a situação em que se encontra a nossa Administração e o sector empresarial do Estado e é sabido que o próprio Governo está, neste, momento, empenhado, em adoptar um certo número de providências legais e administrativas - para estancar e reprimir este verdadeiro flagelo social. Todavia se a iniciativa do Sr. Deputado Magalhães Mota é meritória pela sua intenção, como o nosso grupo parlamentar teve já ocasião de dizer pela palavra do Sr. Deputado Rui Pena, aquando da apresentação do projecto de lei, os objectivos propostos não são servidos devidamente pelo seu conteúdo.
Isto por cinco razões principais:
Em primeiro lugar, somos de opinião quê a criação de mais uma comissão no âmbito da Assembleia da República não vem contribuir grandemente para a resolução de desvios da actividade administrativa porquanto, como já temos a experiência de outras comissões já criadas, que não funcionam bem ou cuja criação parece, de duvidosa constitucionalidade, como, por exemplo é o caso da comissão eleita por esta Assembleia para apreciar os actos administrativos do Ministro da Agricultura.
Em segundo lugar, a criação de uma comissão de combate à fraude, corrupção, e imoralidade no âmbito da Assembleia da República não é consentânea com a natureza e a competência desta Câmara, que são eminentemente políticas. Na verdade, a própria Constituição prevê taxativamente os modos como o Parlamento exerce essa função de fiscalização! que são as perguntas e pedidos: de esclarecimentos dos deputados, formulados oralmente ou por escrito aos membros do Governo, as interpelações e a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre «assuntos de política geral e os inquéritos parlamentares: Por outro lado, os inquéritos parlamentares encontram-se regulados, tendo a Comissão dos Assuntos Constitucionais emitido o seu parecer vincando o carácter estritamente político desta actividade.
Por isso mesmo, a comissão proposta pelo Sr. Deputado da ASDI, quando pretende fiscalizar a actividade do Governo e da Administração, incidindo sobre a legalidade, a mérito e a oportunidade dos actos administrativos, está irremediavelmente ferida de inconstitucionalidade.
Também a comissão proposta perturba, para dizer o menos, o sistema de repartição de poderes prevista na Constituição, designadamente, quando no n.° 1 do artigo 6.° se consignam todas as prerrogativas das autoridades judiciais, embora não lhes caiba resolver litígios ou imiscuírem-se no exercício da função jurisdicional. Assim sucede quando 6 projecto permite à comissão poderes próprios das autoridades da instrução criminal, incluindo a obrigação de depor, como sucede no n.° 1 do artigo 12.° do projecto.
Também por este lado fica em evidência a inconstitucionalidade do projecto porquanto a comissão não poderá usurpar funções constitucionalmente reservadas aos tribunais, e por esta via Ter até acesso a matérias que estejam a ser dirimidas em juízo e cobertas pelo, segredo da justiça.
Em terceiro lugar, o projecto não é perfeitamente concludente sobre se os membros da comissão exercem funções remuneradas, tudo levando a crer quê prestam serviço em tempo integral porque detectar a fraude e corrupção demanda aturada investigação e utilização de técnicas sofisticadas. Simplesmente, nos termos do n.° 2 do artigo 170.º da Constituição os deputados não podem apresentar projectos de lei que- envolvam aumentos de despesas ou diminuição das receitas do Estado, previstas na- Lei do Orçamento. Por isso; a remuneração dos membros da comissão- só poderia ser contemplada por iniciativa do Governo, por acarretar aumento de despesa.
Em quarto lugar, a comissão vem de certo modo esvaziar de conteúdo as funções do Provedor de Justiça, criando um órgão paralelo e desviar o verdadeiro sentido dos inquéritos parlamentares. E isto porquê a comissão pode ser tentada a utilizar imoderadamente a sua competência de forma-a contribuir para a obstrução da acção política do Governo. E não se diga, ao contrário, que os seus membros são designados por consenso, porque se exige a maioria de dois terços das deputados em efectividade de funções, porquanto nenhuma dúvida pode existir que rapidamente a comissão, tal como sucede também com outros órgãos, será partidarizada. Tal como, aliás, transparece no próprio miolo do projecto da ASDI.
Finalmente, vem agora a talho de foice dizer que ò Supremo Tribunal de Justiça não .poderá designar três juizes para incorporar a comissão porque tal ofenderia o disposto nos artigos 222.°, n.° 2, e 223.°, n.° 2, da Constituição, na medida em que ó exercício de comissões de serviço estranhas à actividade judicial depende da autorização do Conselho Superior da Magistratura, que também é o órgão competente para a nomeação, colocação, transferência e promoções de juízes, como dispõe o artigo 52.° do Estatuto dos Magistrados.
Outras razões menores poderiam ser aduzidas para expressar as nossas críticas sobre as soluções propostas no projecto.' Julgamos, porém, que os vícios evidentes da inconstitucionalidade, que ficaram sumariamente expostos, que inquinam a iniciativa legislativa da ASDI, são suficientes para lhe recusarmos o nosso voto.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Deputado Narana Coissoró, creio que os argumentos invocados não colhem particularmente e antes tomaram, claro algo que eu suspeitava e que lamento. Isto é, que se quebram encontrar pretextos para se não averiguar da fraude, da corrupção e da imoralidade administrativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, cm relação às inconstitucionalidades que, invocou por pretensa usurpação dos poderes judiciais, o Sr. Deputado já terá reparado que o Provedor de Justiça dispõe, precisamente desses mes-

Página 2075

24 DE ABRIL DE 1981 2075

mos poderes? Declara o Sr. Deputado a actuação do Provedor de Justiça inconstitucional? É pelo menos estranho.
Ignora o Sr. Deputado que o preceito sobre a impossibilidade de se apresentarem projectos que signifiquem aumento, de despesas, está - e bem - ilidido neste projecto? É que nos lembrámos, que também, por exemplo, a antiga Assembleia Nacional recusou um projecto que considerava um feriado porque pensava que a existência de um feriado impedia a produção nacional e, como tal, implicava diminuição de receitas. Lembrámo-nos desse precedente e por isso não considerámos as remunerações pensando que esse poderia ser um dos pretextos a invocar. Mas, Sr. Deputado, é um mau pretexto, porque, como certamente também não ignora, nada obsta a que no projecto de orçamento, em que a Assembleia tem plenos poderes, esta matéria fosse devidamente contemplada.
Além disso, o Sr. Deputado também sabe como vários projectos têm sido apresentados prevendo que a inclusão das despesas seja feita no orçamento do ano
seguinte, ou por via de alteração orçamental.
Perguntar-lhe-ia, por exemplo, se não pensou nas despesas que provocam as múltiplas, criações de freguesias que inundam esta Assembleia da República. Finalmente, quando o Sr. Deputado fala na competência do Conselho Superior de Magistratura, pois esse é também um pretexto. Como V. Exa. não ignora, o Supremo Tribunal da Justiça pode indicar juizes, e isso nada obsta a que cumpra aquilo que está estipulado. Isso acontece, por exemplo, em relação à própria Comissão Constitucional e nos termos da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró:

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, no início da minha intervenção eu disse que, sob o ponto de vista da substância, a sua iniciativa era meritória e que era pena que estivesse viciada das inconstitucionalidades que não chegou a rebater. Eu mostrei-lhe mais de seis ou sete inconstitucionalidades das quais só apenas falou de três.
Quanto ao Provedor de Justiça, penso que o Sr. Deputado está a fazer é a querer esvaziar o órgão Provedor de Justiça para criar um órgão paralelo, exactamente para ter as mesmas atribuições e competências do Provedor de Justiça. Este caminho de diminuir o Provedor de Justiça é absortamente patente no miolo do seu discurso e da sua iniciativa e por isso mesmo nós não podemos deixar de reagir contra esta pretensa criação da comissão que, no fundo, tem as mesmas atribuições de um órgão constitucionalmente estabelecido. É preciso dizer que o Sr. Provedor de Justiça não tem quaisquer atribuições de intervir na investigação criminal, nem de solicitar depoimentos a quaisquer cidadãos, sob pena de desobediência quando estejam cobertos pelo segredo de justiça. É neste caso concreto, então. Foi para isso que eu pretendi chamar a atenção, dizendo que se trata de um caso nítido de usurpação dos poderes.
Em segundo lugar, penso que, dentro da Assembleia da República, criar comissões para avaliar do mérito legalidade, oportunidade e conveniência dos actos da Administração é o que há de mais perturbador para o sistema da repartição dos poderes; que conhecemos e que está consagrada na Constituição. Se, por causa disso, vamos agora subverter todo o sistema de equilíbrio de poderes que há na Constituição, não vejo razão para não se criarem comissões paralelas a todos os outros órgãos que existem na nossa Constituição.
Falando do aumento das despesa - o que penso que é perfeitamente ridículo -, o Sr. Deputado trouxe aqui um caso da Assembleia Nacional - em que V. Exa. foi um dos adornos - que eu não conheço. A única coisa que conheço é que o aumento das despesas não é, de forma nenhuma, uma prerrogativa dos deputados. O que eu disse foi que isto não mata o projecto de lei. Transfere as virtualidades do projecto de lei para iniciativa do Governo, isto é, fica o Governo com a possibilidade de aumentar a sua despesa - por acto seu - e os deputados não o poderão fazer. Eu não disse que o aumento das despesas era proibitivo pela sua iniciativa. A única coisa que eu disse foi que, por esta via, o Sr. Deputado transfere para o Governo - porque constitucionalmente assim é que terá de ser feito - o mérito da criação ou não desta comissão constitucional.
Em todo o caso, gostei de o ouvir porque me mostrou, como bom jurista e bom administrativista que é, e também como bom governante que foi, que, ao apresentar o projecto de lei eivado de tantas inconstitucionalidades, V. Exa. sabia que ele não poderia passar nesta Câmara, mas apenas quis tornar para si o mérito demagógico de ter aproveitado uma oportunidade de uma intenção louvável.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente projecto de lei pretende criar uma comissão para o combate à fraude e à corrupção, que ficaria dependente da Assembleia da República, coadjuvando-a no exercício das suas funções de fiscalização da actividade do Governo e da Administração.
Inspirada nas comissões especializadas do Senado dos Estados Unidos da América, conforme ficou patente na intervenção ora produzida pelo autor do projecto, onde o Governo não está dependente da confiança política das Câmaras, ela acabaria por ser, na prática, um órgão que substituiria o Provedor de Justiça e as comissões de inquérito parlamentar, porque a oposição usaria sempre e imoderadamente esta comissão.
Já os anteriores governos constitucionais se preocuparam com o problema da corrupção dos agentes da Administração, mas, contrariamente ao que agora se propõe, todos os estudos se centraram na procura de melhores soluções de combate em termos estritamente administrativos sem invadir as competências de outros órgãos de soberania, acabando por ser criada pelo IV Governo, através da Resolução n.° 78/79, de 21 de Fevereiro, uma assessoria especializada dependente do Primeiro-Ministro e com a qual, aliás, esta comissão agora também entraria em conflito de competência.
O projecto de lei atribui à comissão competência não só para promover e acompanhar os procedimentos legais relativos a fundadas suspeitas de compor-

Página 2076

2076 I SÉRIE - NÚMERO 54

tamentos ilícitos em que intervenham funcionários ou agentes do Estado responsáveis pela gestão e fiscalização ou trabalhadores do sector público empresarial no exercício das suas funções, mas também para actuar na detecção de actos corruptos relativos a concessões, contratos, transferências de propriedade, oneração de bens, retribuição e majoração de reservas, importação ou exportação de bens ou serviços, actividades de fiscalização económica e aduaneira, concessão de licenças e autorizações, matérias de requerimentos, de inquéritos parlamentares não aprovados e ainda investigação à actividade dos cidadãos que manifestem ter uma vida que exceda os seus rendimentos profissionais, como se não pudessem ter outros rendimentos!
Por outro lado, contrariamente à assessoria especializada, a comissão teria iniciativa própria, poderia investigar os denunciados, delitos, obrigando a depor sem que se lhe possa opor o segredo de justiça e beneficiando ainda do regime legal da publicação de notas oficiosas para a difusão de comunicados.
Os seus membros gozam de um estatuto igual ao dos juizes, designadamente em responsabilidade. Não poderia também aceitar-se que a proibição da prisão dos membros da comissão não sé restringisse à prisão preventiva por não poder aceitar-se que esses membros tivessem prerrogativas que nem os juizes nem os agentes do Ministério Público têm, tal como não poderia aceitar-se que a prisão hão conduzisse à demissão, dada a especial probidade exigida a membros de um órgão de tal natureza, bem como não se poderia aceitar a contagem de serviço nos termos propostos que apenas vigora para as forças militares e forças militarizadas em comissão de serviço em zonas operacionais de insurreição armada ou semelhantes.
Muitas outras considerações negativas se poderiam fazer ao projecto em cada um dos seus aspectos. Np entanto, não creio terem interesse porque é nossa intenção rejeitá-lo desde já. E isto porque a Assembleia da República - conforme, aliás, já aqui foi dito - não tem competência para criar a comissão proposta, desde logo porque os poderes de fiscalização da Assembleia da República são poderes de fiscalização política, sendo certo que todas as funções da Assembleia da República são funções políticas e esse poder materializa-se, sem dúvida, nas formas previstas na Constituição que são as interpelações ao Governo e os inquéritos parlamentares, sendo evidentemente inconstitucional a fiscalização da actividade governativa e da Administração sempre que essa fiscalização se possa traduzir na apreciação de legalidade, mérito, directa ou indirectamente, conveniência :ou. oportunidade dos actos administrativos. Por outro lado, o órgão criado pelo estatuto dos membros pelas suas funções exerceria investigação em matéria criminal, indo contra o princípio de que só existem os tribunais previstos na Constituição e contra a própria separação dos poderes, sendo certo que chega ao ponto de obrigar a depor de se imiscuir em processos judiciais, mesmo em, fase de segredo de justiça. E mesmo sem haver condenação pode, por denúncia ou por vontade própria, vir perante a opinião pública injuriar ou difamar, sendo certo que a irresponsabilidade para com que os cidadãos atingidos nem sequer se possam ressarcir dos danos morais ou patrimoniais sofridos.
Com este projecto teria a Assembleia da República uma polícia judiciária privativa e a Administração ficaria tremendo, sem nada fazer, com os seus agentes com medo de serem injuriados sem provas ou atemorizados pela ameaça da oposição de contínuas investigações paralisantes.
O Parlamento, esse quedar-se-ia transformado já hão em fiscalizador político do Governo e da Administração mas em policia dos próprios membros do Governo, da Administração e de todas as outras máquinas do aparelho do Estado - polícias, instituições fiscalizadoras, etc.
O Provedor de Justiça e os comissores de inquérito ficariam sem conteúdo e a oposição servir-se-ia sempre desta comissão porque não era controlada pela maioria parlamentar e porque, efectivamente, seria uma comissão com poderes tais que teria uma actividade, destruidora e arbitrária.

Risos do PS.

Preocupa-nos, sem dúvida, o problema da corrupção na Administração, preocupa-nos a nós, maioria parlamentar, preocupa o Governo, tal como preocupou os anteriores governos. E este governo continuará por certo a estudar a melhor maneira de
equacionar as melhores soluções, sendo embora verdade que ela passará pela dotação de mais meios humanos e materiais, pela assessoria existente e sobretudo pelo prestígio das instituições constitucionais competentes - a Polícia Judiciária, designadamente revitalizando a Brigada Central de Investigação de Práticas de Corrupção que tem competência para a investigação de factos que - envolvam o tráfico de influências, abuso e desvio do poder, e a Inspecção Administrativa, o Ministério das Finanças, o Tribunal de Contas, o Serviço do Provedor de Justiça -, pelo aceleramento dos processos de inquéritos e de sindicância e com a obrigação de publicação de resultados, pela procura de esquemas adequados de detenção de formas de corrupção intencional e, enfim, pela reformulação do Decreto-Lei n.° 256/77. Antes de terminar, gostaria de referir que para nós, mais do que o caminho da repressão, que não desprezamos numa sociedade organizada, contam as vias de supressão de condições que possibilitam
a oportunidade da corrupção.
Há que mudar, o sistema, há que mudar a sociedade.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador: -..., o que, contamos, o governo da AD conseguirá fazer a pouco e pouco pelo aumento de riqueza, permitindo assim aumentos de remunerações dos funcionários públicos.

Risos do PS.
Importante nesta perspectiva será ainda a regulamentação de carreiras com a dignificação das funções, a adequada reestruturação da Administração Pública, o estabelecimento pronto e eficaz de canais de contacto entre, a administração e os cidadãos através de equilibrada e moderna legislação sobre processo admi-

Página 2077

24 DE ABRIL DE 1981 2077

nistrativo contencioso e gracioso, e de muitos outros meios.

A Sra. Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sabemos que a oposição vai usar o nosso voto de rejeição ...

Vozes do PD: - Claro...! Vê-se logo! ...

O Orador: -..., para construir slogans, também corruptos, contra a maioria parlamentar, porque esta não apoia este projecto.
Não tememos esses argumentos nem esses slogans porque estamos certos de que estamos no caminho que pode levar à procura da melhores soluções para acabar com a corrupção, para acabar com a imoralidade na Administração Pública.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Este projecto não tem o fim que diz propor-se. É uma capa, tal é a inadequação aos objectivos que nele se consignam e, acima de tudo, é inconstitucional por não respeitar as diferentes funções dos órgãos de soberania.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós, Partido Social-Democrata, vamos votar contra.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 137/II, em apreço, designa-se por «combate à imoralidade administrativa, fraude e corrupção».
Em termos de generalidade supúnhamos que ninguém, e muito menos os deputados do Grupo parlamentar do PCP, se manifestaria contra. Supúnhamos também que todos diriam - como disseram em certa medida - que eram boas as intenções e oportuna a iniciativa. Teremos, pois, de centrar as nossas opiniões e o nosso contributo não sobre os objecticos do projecto de lei n.° 137/II, que parece que não são questionados, ou seja, o combate à imoralidade administrativa, à fraude e à corrupção, mas antes nas formas concretas que são avançadas para esse combate. Importa sublinhar desde logo que um tal combate, que vivamente apegamos, tem a sua sede principal e determinante não no terreno da repressão e condenação a posteriori mas antes no domínio da prevenção, da educação e motivação cívicas, da deontologia estatutária e do estilo das instâncias dirigentes.
Mal iríamos nós se pensássemos que não existem raízes sociais, económicas e políticas que determinam e condicionam em cada momento as práticas administrativas imorais, a fraude e a corrupção.
Ainda assim é possível e oportuno considerar autonomamente a condenação e as medidas repressivas de tais práticas, como são tratadas no presente diploma.
Em primeiro lugar, queremos sublinhar que a constituição de semelhante comissão terá de enquadrar-se por forma a serem garantidos os preceitos constitucionais, nomeadamente no que concerne à independência dos tribunais e à separação e ao equilíbrio dos poderes dos órgãos de soberania, desde logo nos parecendo que nem uma nem outra estão convenientemente salvaguardadas no texto em discussão.
Assim são demasiadamente vagas e, logo, de arbitrária latitude as definições dos artigos 1.° e 2.°, quer quanto a objectivos quer quanto à competência da comissão para o combate à fraude e corrupção.
Falar-se em, cito, «promover ou acompanhar, directa ou indirectamente, os procedimentos legais relativos a fundadas suspeitas de comportamento ilícito», etc., sem outra precisão, pode implicar, ou implica mesmo já potencialmente, a subversão das garantias do cidadão previstas na Constituição e nos Códigos Penal e do Processo Penal. Porque só um juiz de instrução, e nos precisos termos da lei, pode determinar haver «fundadas suspeitas» de comportamento ilícito que justifiquem o prosseguimento de procedimentos contra os cidadãos; e porque as investigações de polícia, cabíveis e precedendo a intervenção de juiz de instrução, estão clara e obviamente no domínio do poder judicial e sem outra justificação não devem ser transferidas para a órbita desta Assembleia.
Sem querermos antecipar a discussão na especialidade, valerá ainda dizer que paradoxalmente seriam os procedimentos restringidos aos casos em que houvesse contrapartida patrimonial.
Mas as competências a que se refere o artigo 2.° são ainda mais questionáveis. Não só a latitude de algumas fica mal definida como se torna claramente insustentável que seja a própria comissão a julgar os fundamentos da sua acção sem o risco de a transformação num supremo tribunal e numa suprema política sem fundamento constitucional e contra a Constituição.
Procurando ainda não descer demasiadamente à especialidade teremos de questionar quer a sua composição, por não oferecer garantias de são pluralismo democrático, quer as garantias previstas para os seus membros.
De facto, submetidos estes ao império do mesmo combate a que são submetidos os juizes, ou talvez ainda pior, verdade seja que tudo o que se lhes oferece tem a duração, como garantia, por quatro anos.
Após os quatro anos, seriam sujeitos, os membros que não são eles próprios juizes, a todas as consequências de se terem empenhado contra os poderes do grande capital, dos grupos de influência e de toda a casta de clientelas e caciques que pululam no sistema económico e social em que nos movemos.
Sistema que, por acréscimo, é a origem profunda dos males que se procuram visar com o combate às práticas administrativas imorais, à fraude e à corrupção, e que não perdoa, sempre que pode, àqueles que, com coragem e honestidade, se insurgem e combatem tais práticas.
Isto significa que a dar-se a uma comissão, no âmbito da Assembleia da República, algumas das competências previstas, e nunca todas, isso implicaria encontrar formas de garantia que nos pusessem a coberto da inversão do sentido do funcionamento de uma tal comissão. Por outras palavras, a falta de garantias ou a sua insuficiência poderiam transformar rapidamente um tal órgão em capa para a corrupção e práticas administrativas imorais, quando não

Página 2078

2078 I SÉRIE - NÚMERO 54

o transformassem em instrumento com fins políticos inconfessáveis ao sabor de quaisquer interesses dominantes de momento.
E nesse aspecto eu devo dizer que não seria certamente a oposição em minoria que, colheria esses benefícios.
Nem seria nova uma tal situação; são conhecidos exemplos nacionais e internacionais que não deixam dúvidas.
Eu não quero aqui falar de comissões de inquérito com poderes sem limite, porque certamente todos os Srs. Deputados as conhecem. O desenvolvimento dos poderes da comissão nos artigos 10.°. e seguintes vêm acentuar as nossas reservas, críticas e às dúvidas, de constitucionalidade atrás mencionadas; para só referir algumas das mais importantes.
Os aspectos instrumentais só terão naturalmente, oportunidade de ser analisados em comissão, por isso e num balanço geral diremos que votaremos na generalidade a favor do projecto, mas isto significa tão-só que aprovamos as intenções, que achamos o projecto admissível, mas que entendemos serem obrigatórias profundas modificações na especialidade para que ele possa merecer a nossa aprovação final global, e possa conformar-se com a Constituição da República.
Reservamos, pois, a nossa contribuição mais concreta para os trabalhos da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, à qual deverá baixar o projecto, se merecer na generalidade a aprovação da Câmara.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que agora está em discussão visa quebrar o elo que se estabelece entre aquele que corrompe e aquele que é corrompido.
Este sistema, que subsiste dentro de uma sistemática que tem as suas leis próprias e que tem o seu funcionamento semelhante a certo tipo de sociedades secretas com as suas leis de silêncio, como a Ormeta da Mafia, há que quebrá-lo. Há que introduzir a capacidade, de, através de poderes suficientes, desligar a solidariedade que liga o corruptor ao corrompido.
Nós sabemos que a corrupção no sistema público, na Administração em geral, se traduz sempre por um esbulho do património colectivo. É, efectivamente, através de uma apropriação do bem comum que o corruptor e o corrompido repartem os benefícios do seu procedimento. É, por conseguinte, em nome do interesse colectivo que há que introduzir. mecanismos fortes para que o interesse de ordem geral não seja, sistematicamente, prevenido. Nós sabemos que este tipo de actuação se traduz na generalidade dos casos por prejuízos directos de ordem patrimonial, por prejuízos indirectos no que toca à qualidade dos serviços que o sector público deve prestar à generalidade dos cidadãos, ou pela qualidade das normas que o sector público tem obrigação de fazer velar....
Assim, no primeiro caso, podem citar-se, a título meramente exemplificativo, as situações que resultam, por exemplo, nos casos dos concursos públicos
para fornecimento de materiais, em que o sector público é prejudicado, e por conseguinte a comunidade, na medida em que a escolha recai, pela corrupção, dos intervenientes, em escolhas que não seriam as melhores.
No tocante à qualidade dos serviços é, por exemplo, o que acontece com os loteamentos urbanísticos quando a qualidade de vida vem a ser prejudicada para que o promotor, se já beneficiado.
As condições da fraude e da corrupção decorrem, substancialmente, de duas ordens principais de factores: uma delas, a complexidade e o emperramento do sistema administrativo - já Casamayor falava como sendo um sintoma fácil de detectar os locais onde a, corrupção eclude,- pela circunstância de o processo burocrático se transformar, subitamente, em extremamente difícil, complicado e inacessível ao cidadão. Também, por outro lado, pela autocracia, pela discricionariedade e pela capacidade de tomada de decisões, por parte dos responsáveis, sem que para tanto tenham de prestar contas ou justificar fundamentalmente as razões que assistem nas suas escolhas.
A corrupção, como sociedade secreta, tem as suas regras e tem a sua bolsa de valores: tanto mais baixa quanto generalizada e acessível à maioria dos cidadãos, tanto mais alta quando individualizada ou localizada.
A capacidade para não agir neste sector leva ao descrédito da Administração e, por conseguinte, à perda de autoridade do Estado, na medida em que o Estado também se consubstancializa na Administração, sobre que superintende. E isto, progressivamente, conduz a um lascismo generalizado no plano social, que é importante combater.
Em face deste sistema, que determinadas situações políticas provocam e facultam mais facilmente do que outras, é indispensável que exista um controle. E por conseguinte, o princípio dá constituição de uma comissão dependente desta Assembleia da República, parece-nos uma ideia norteadora, aceitável e bem inspirada. Parece-nos, no entanto, que o projecto é susceptível de aperfeiçoamentos significativos, para lhe limar algumas arestas é para o tomar, consensoalmente aceitável. Nesse sentido, nós iremos votar, na generalidade, favoravelmente o projecto, e estamos dispostos a contribuir significativamente para a sua melhoria na especialidade.
Gostaria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de referir que as fontes longínquas desta preocupação, de responsabilizar penalmente, os membros do poder executivo e os seus agentes se encontram, segundo o entendimento de muitos juristas, ainda em vigor numa lei de 1914, mais precisamente, de 25 de Julho daquele ano, Lei n.° 266, que foi promulgada pelo governo de Manuel de Arriaga, ao qual pertencia como Ministro Bernardino Machado. É acerca do efeito e da extensão que esta lei podia ter na moralização da coisa pública que ele e ela se refere num dos seus manifestos da clandestinidade sobre o militarismo. Diz a certo passo, e eu peço vénia para ler:

Para sanearmos a administração dos serviços públicos, e nada mais instante, cumpre exigir na responsabilidade, já legislada durante o meu governo de 1914, a todos os funcionários, desde o ministro ao menor continuo.

Página 2079

24 DE ABRIL DE 1981 2079

Hoje a infracção da lei começa logo pelo facto da irresponsabilidade da ditadura. Se na velha moral absolutista, os imperantes do direito divino eram naturalmente só responsáveis perante Deus, que os investia na dignidade majestática, a base da moral na democracia é essencialmente a responsabilidade do poder para com a sociedade. E como hão-de os chefes supremos tomar contas ao funcionalismo a quem presidem, quando as não prestam a ninguém e até repelem e castigam quem ouse dirigir-se-lhes, criticando-os e advertindo-os? Como hão-de punir os infractores das leis, se nenhuma respeitam e cumprem? Os governos probos não temem a fiscalização.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - A AD, que aqui representa o actual governo, não terá com certeza, julgo eu, dúvidas em que este princípio poderá ter cabimento na comissão que agora se propõe.

Aplausos do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, ouvimos a sua intervenção na qual louva-se das virtudes do combate à corrupção e inversamente, dos males da corrupção. Quanto a isso, ninguém parece estar em desacordo.
Simplesmente - e talvez o Sr. Deputado me responda que eu deva procurar os autores do projecto -, uma vez que surge mais uma voz em favor do projecto de lei n.° 137/II, aproveito a oportunidade da sua intervenção para lhe perguntar o seguinte: toda a economia desta lei assenta no artigo 1.° É aí que se definem os objectivos. Depois, aparece um conjunto de medidas destinadas à prossecussão desses objectivos. Diz o n.° 2 do artigo 1.° que «a comissão tem por missão promover e acompanhar, directa ou indirectamente, os procedimentos legais relativos a fundadas suspeitas de comportamentos ilícitos em que mediante contrapartida patrimonial [...]»; portanto, pressuposto da intervenção desta comissão, a existência de fundadas suspeitas de comportamentos ilícitos. Esta comissão actua no pressuposto de que há uma fundada suspeita de comportamento ilícito. Pergunto-lha pois se é assim, se este é o pressuposto e quem define esta fundada suspeita de comportamento ilícito, e com que garantias.
Em segundo lugar, pergunto-lhe se a existência, a verificação, a comprovação deste pressuposto, não desencadeia, de imediato, aquilo que afinal vem a acontecer no fim do processo de intervenção desta comissão, que é comunicar ao Ministério Público, às autoridades disciplinarmente competentes e eventualmente ao Governo, se a simples verificação deste pressuposto não faria intervir, logo, estas autoridades? Para quê, afinal, o parêntesis da comissão de inquérito? Qual a sua utilidade? Em que é que as virtudes do combate à corrupção podem coonestar, no campo da adequação e da praticabilidade num projecto de lei como este?

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado Aquilino Ribeiro Machado.

O Sr. Aquilino Ribeiro Machado (PS):- O Sr. Deputado fez-me uma pergunta que logo à partida entendeu que teria sido mais bem dirigida ao autor do projecto. Reconheço que sim, na medida em que discuti o fundamento da intenção que o ordena e não os seus articulados em particular. No entanto, não queria deixar de me referir a uma circunstância, que de algum modo poderá esclarecer o meu ponto de vista, e contribuir também, eventualmente, para o seu esclarecimento.
Fiz parte, depois do 25 de Abril, de uma comissão que se constituiu a nível interministerial para inquérito à prática urbanística. E era do conhecimento corrente que toda a prática urbanística antes do 25 de Abril se encontrava inquinada, os responsáveis designados a dedo e conhecidos por notoriedade pública.
No entanto, a comissão que para o efeito se constituiu, e que não tinha esta extensão de poderes de actuação, que se encontrava bastante coarctada, não pôde levar por diante todo o processo de clarificação do processo da prática urbanística porque, efectivamente, ias pessoas que a ela recorriam, nela não acreditavam. E não acreditavam porque ela não tinha os poderes, nem a capacidade de intervenção que a uma comissão deste tipo e com esta solenidade, em principio, se lhe atribui.
Julgo, por conseguinte, que a especialização nesta matéria é importante e constitui já um factor positivo para a obtenção dos resultados que se visam. O recurso aos tribunais a partir dos indícios seria uma fórmula de diluir, à partida, um processo de inquirição que através de um órgão especializado, no qual a população confiasse, podia ter outra eficiência. E a importância de que se reveste no plano social a corrupção, justifica a actuação que aqui se propõe.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Araújo.

O Sr. José Luís Araújo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz-se, com toda a propriedade, no preâmbulo do projecto de lei n.° 137/II que aã imoralidade administrativa, a fraude e a corrupção não só prejudicam os cidadãos e degradam e corroem o aparelho de Estado», como ainda «impedem a prossecução do interesse público e desacreditam a ordem jurídica vigente». Todos sabemos que é assim; como sabemos que o mal não é só de hoje, nem constitui atributo específico deste ou daquele sistema de organização política; o mais que a tal respeito se poderá dizer é que os sistemas concentracionários fornecem, em regra, àqueles vícios melhores condições de florescimento do que os modernos sistemas democráticos participados.
Mas não pode pôr-se em dúvida que o exercício de qualquer poder decisório, como o mero desempenho de função ou cargo, mesmo que de índole acentuadamente técnica, desenvolvido em serviço público ou até em organização empresarial privada, pressupõe sempre uma margem de discricionariedade c de juízo próprio, que, mal entendido ou deficientemente exercitado, facilmente conduz a abusos, prepotências e discriminações.

Página 2080

2080 I SÉRIE - NÚMERO 54

Há, assim, no quadro de atribuições e competências de qualquer órgão ou agente, não apenas uma fisiologia própria, como, potencialmente, uma patologia da função. Pelo que cumpre definir uma política profiláctica e, complementarmente, uma criação terapêutica. Ora, cabe reconhecer que tanto num como noutro domínio se não fez tudo o que se impõe e se torna agora urgente fazer aplicar.
Na verdade, a Administração está ainda muito longe de se desenvolver inteiramente no interior de um palácio de vidro, como todos, por certo, desejaríamos. E, se não se apresenta já manda a verdade reconhecê-lo - entrincheirada numa casamata, bem pode dizer-se também que nada se perde com a abertura, no pesado edifício em que se instala, de rasgada varanda sobre a vida e para dizer como agora é moda - sobre a sociedade civil.
Entre nós, aliás, não há nem mais nem menos motivos a justificar uma providência deste tipo que aqueles que consabidamente existem nos mais diversos países, às mais variadas latitudes.
Em Portugal, de facto, foi tempo em que o cidadão procurava na função pública o estatuto e a sobrevivência que o denominado livre jogo do mercado, pelas mais distintas razões, lhe negava. E, se a força asfixiante da rotina e a fria desilusão das repetidas injustiças foram embotando a sensibilidade do agente, não é menos verdade que este soube, na generalidade dos casos, manter-se digno e exemplar. Quando a situação se tornava insustentável, restava-lhe a fuga para o sector privado; se a retribuição não era equitativa, facilmente encontrava compensações fora da repartição a que pertencia e para além das horas de serviço. Funcionavam, enfim, os habituais mecanismos compensatórios, figurando-se que tudo estava bem. E, no entanto os problemas agudizavam-se. Porque, não há que ter dúvidas: a moralidade da Administração ganha ou perde corpo e credibilidade - tanto junto dos respectivos agentes quanto no espírito dos seus quotidianos utentes - na razão directa da retribuição que o funcionalismo aufere e justifica.
Não estamos, porém, em tempo de ficções. É, se o comportamento da esmagadora maioria dos agentes da Administração Pública, das empresas públicas e do demais sector empresarial do Estado se assumem, quando em função, por forma a merecerem o nosso maior respeito, certo é também que é logo essa mesma conduta a exigir de nós que se evite, a todo o custo, venha o justo pagar, o que deve o pecador.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Foi por assim ter entendido - e, naturalmente, por ter desejado assumir de forma plena a defesa da legalidade democrática, defendendo, em, conformidade com os atinentes normativos constitucionais, a prevenção e repressão de todas as práticas lesivas do interesse, geral que o II Governo Constitucional tomou a louvável iniciativa de criar uma comissão de combate à corrupção. Foi assim, possível sensibilizar a opinião pública para o problema, desenvolver estudos preliminares e até, num ou noutro, caso, accionar os mecanismos que ao circunstancialismo mais adequados se configuravam.
Tal orientação foi aplaudida pelo III Governo e retomada pelo IV. Este, na verdade, dedicou ao assunto a Resolução n.° 18/79, de 21 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.° 66, de 20 de Março de 1919. Só que, entendida como simples expediente técnico-processual «orientado para o combate contra determinados comportamentos ilícitos que ocorram na Administração, nas empresas públicas e no demais sector empresarial do Estado», a Assessoria Especializada para o Combate à Fraude e à Corrupção ficou ainda, e desde logo, adstrita ao Gabinete do Primeiro-Ministro e na sua directa dependência, o que não parece ser a melhor solução. É que, e feita a devida vénia, não se entende que seja o Governo o melhor fiscalizador de si próprio ou, dizendo talvez melhor, dos agentes que dele directa e forçosamente dependem. Poderá entender-se que não cabia, é certo, ao Executivo ir mais longe. Cumpre agora a esta Assembleia então suprir o que nos parece grave lacuna.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, a criação, na dependência directa da Assembleia da República, da proposta Comissão para o Combate à Fraude e à Corrupção não irá apenas permitir, relativamente aos casos que tal mereçam, a desinibida e célere promoção e adequado desenvolvimento dos convenientes procedimentos, quer do foro disciplinar, quer do foro civil ou mesmo criminal, como oferecerá aos cidadãos a prova irrefragável de que os poderes públicos estão atentos aos problemas ligados ao que há de mais sério no interesse geral da comunidade. Nem poderá ser de outro modo, atento o disposto na alínea g) do artigo 81.° da Constituição da República. Estatui, com efeito, aquela norma: «Incumbe prioritariamente ao Estado [...] reprimir [...] todas as práticas lesivas do interesse geral;» E é preciso ter a coragem de reconhecer que há praxes, hábitos e procedimentos, um pouco por todos os níveis da Administração, a que importa pôr cobro: Não necessariamente de forma repressiva; talvez mesmo, o fundamental, se imponha a intervenção suasória e o procedimento preventivo. E daí, logo, o largo alcance profiláctico da providência que irá submeter-se, pela iniciativa do Sr. Deputado da ASDI, à vontade soberana desta Câmara.
Nem se diga que, face às disposições da Lei n.° 81/II, de 22 de Novembro, a Comissão de Combate à Fraude e à Corrupção, na conformação e estrutura que nos são propostas, concorrerá, de modo incompatível, com a função essencialmente inspectiva do Provedor de Justiça, porque tal não é motivo de afastamento do projecto em apreço.

O Sr. António Esteves (PS): - Muito bem!

O Orador: - De alguma maneira, aliás, isso mesmo se reconhecia na introdução preambular justificativa da decisão governamental constante da Resolução n.° 78/79. E é, por outro lado, líquido que há toda; a conveniência em colocar tal Comissão na dependência da Assembleia, com mandato coincidente com a própria legislatura: a total independência do poder. executivo e a completa liberdade de movimentos e de pressões que um tal órgão demanda assim o aconselham.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que atrás ficou consignado vale por dizer que o projecto de lei

Página 2081

24 DE ABRIL DE 1981 2081

n.º 137/11 tem, quanto a nós salvo pormenores a corrigir na especialidade, a maior relevância e oportunidade. É indesmentível que na economia geral do processo de desenvolvimento e prossecução dos fins próprios do Estado assume, dia a dia, maior peso e relevância aquele corpo de tarefas que corresponde, para dizer de forma imperfeita, às funções da Administração interventora e gestora de largas faixas da vida de uma comunidade organizada e votada à consecução d& ura certo projecto de futuro e de bem-estar. Tornaram-se, assim, quotidiano labor das repartições os trabalhos quis preparam e informam as decisões respeitantes .à atribuição de concessões da mais variada índole, à formalização de contratos de empreitada e de fornecimento de materiais, à aquisição e alienação de bens e até de serviços, etc., etc. De mero regulador da actividade dos entes privados, o Estado tornou-se interventor .interessado, gestor responsável e, hoje, de longe o maior consumidor de bens (c) serviços. Natural é que no intrincado labirinto de tão complexo conjunto de poderes e funções se detectem faltas, omissões e erros, involuntários uns e intencionais outros. Cumpre, pois, agir em conformidade.
De resto, mesmo quando, através do seu menos qualificado agente, a Administração se limita a exercer a sua tradicional função policial -concedendo ou denegando um simples alvará de licença -, ainda aí a intervenção preventiva e repressiva dos responsáveis se torna e se. manterá necessária.
É que, em qualquer dos casos, o cidadão sente e pressente -'Com a sensibilidade de quem é administrado - que o mero exercício de um direito em conformidade com as normas regulamentares em vigor pode, a todo o momento, apresentar-se bloqueado pelo compadrio das amizades, pelo nebuloso jogo de influências dos grupos de pressão ou mesmo pelo descarado clientelismo partidário.

O Sr. Carlos Lage (PS):-Muito bem!

O Orador: - Dir-nos-ão talvez que carregamos nas tintas; responderemos que a mulher de César não pode satisfazer-se com as privadas virtudes. É que ainda hoje o simples acto material de entregar a quem legitimamente requereu a licença camarária para venda de quinquilharias numa feira de província assume, não raro, equivalência ao soberano acto do poder mais discricionário.
Por outro lado, num sistema administrativo ainda fortemente burocratizado, como é o nosso, onde a responsabilidade e fundamento da decisão final se esvai ou esbate na complicada rede de avisto » e pareceres» que mecanicamente se lançam e acumulam nos dossiers, mais oportuna e justificada emerge a presente iniciativa.
Não se pretende, bem entendido, que o aparelho administrativo se torne numa máquina. Bem ao contrário o que se deseja é que se apresente como um grupo de homens dignificados, qualificados e responsáveis.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Homens que respondem perante outros homens. Para tanto, repete-se, é do mesmo modo imprescindível garantir meios e condições de digno exercício de funções. A isso não poderá, aliás, o
Governo esquivar-se. O presente projecto de lei oferece, 'também ele, um meio de dignificação da função pública, tomada esta no seu mais lato sentido. Por isso, o Partido Socialista o vai votar favoravelmente. Com a serena convicção de que estará prestigiando as instituições, promovendo a modernização do nosso funcionalismo, defendendo o interesse geral. Razões de sobra para quem, como todos nós, outros objectivos não quer prosseguir.

Aplausos do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma segunda intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que neste momento é fácil fazer o balanço das várias posições que foram apresentadas em relação a este projecto de lei.
Curiosamente, ou talvez não, iniciou-se um debate na especialidade anunciando que se recusaria a aprovação na generalidade. É, com certeza, alguma coisa que cumpre salientar e alguma coisa que merece a pena registar. Na verdade, muito dificilmente creio que alguém poderia aqui sustentar não pretender o combate à fraude, à corrupção ou à imoralidade administrativa. Por isso, e naturalmente, seria necessário encontrar outros caminhos para obter o mesmo resultado.
Foi por isso que se ignoraram todos os mecanismos de correcção que o debate no seio de uma comissão permitiria, que o processo de discussão na especialidade naturalmente permite, e foi por isso que esses mecanismos foram todos eles ignorados e esquecidos, porque, efectivamente, havia um único, claro e evidente objectivo: era preciso reprovar uni projecto desta natureza.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de tudo, é importante que se faça uma apreciação, ainda que sumária, sobre os vários argumentos que foram sendo invocados para justificar a rejeição que acaba de se tornar patente.
Disse-se, em primeiro lugar, que este era um interesse generalizado, e nós sabemos como várias iniciativas que foram tomadas com início numa iniciativa do II Governo Constitucional não foram por diante e não encontraram condições de aplicabilidade. Isso também era importante que se acentuasse e bom é que se tenha salientado também que a fórmula adoptada pelo IV Governo, ou seja, criar uma comissão na dependência do próprio Governo para fiscalizar este e os seus agentes, era necessariamente um contra-senso.
O que está em causa, muito simples e claramente, são poderes de fiscalização da Assembleia da República, e esses poderes são extremamente amplos porque à Assembleia da República compete vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração;» - diz a alínea a) do artigo 165.º da Constituição. Vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração é qualquer coisa que se exerce com muito grande latitude e sem grandes peias, porque essa é uma função que interessa a todo o povo português. E, quando se cria uma comissão subordinada a esta Assembleia para a coadjuvar no exercício desta missão de fiscalização,

Página 2082

I SÉRIE - NUMERO 54 2082

não está obviamente a interferir-se na área de qualquer outro poder, porque a Assembleia da República tem competência para vigiar pelo cumprimento da Constituição e tem competência para apreciar o cumprimento das leis, e é isso que está em causa.
Não se diga também, e por outro lado, que, ao estabelecer poderes tão latos para uma comissão parlamentar, se estão a invadir poderes que podem ser exercidos por outra forma regimental. Creio, alias, que só por ironia se puderam invocar os inquéritos parlamentares, que nem têm a mesma amplitude nem a mesma capacidade de isenção e de actuação e que, por outro lado, têm sido, como se sabe, sistematicamente reprovados pela mesma maioria, ...

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... ou seja, não há comissão de fiscalização em relação à fraude, à corrupção e à imoralidade, porque há inquéritos parlamentares, e provavelmente os inquéritos são reprovados porque não há uma comissão para apreciar da imoralidade, da fraude e da corrupção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nós não conseguimos romper um círculo que é vicioso em duplo aspecto porque é, perfeitamente, um círculo cheio de vícios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Invocou-se que os direitos dos cidadãos poderiam ser de algum modo limitados e é verdade, mas eu gostaria de salientar que me parece que nenhuma lei pode colidir com o respeito pelos direitos individuais tal como estão na Constituição e que, por exemplo, no artigo 19.º, alínea b), da lei que estabelece o Estatuto, do Provedor de Justiça -Lei n.º 81/77- se lhe atribui o direito de proceder a todas as investigações que considere necessárias ou convenientes, podendo adoptar, em matéria de produção de prova, todos os procedimentos razoáveis. Ora bem, creio que aqui a latitude também é muito grande e também está salvaguardada para que não colida com os direitos e os interesses legítimos dos cidadãos. Disse-se, por outro lado, que a Comissão ia interferir com poderes jurisdicionais de averiguação e esqueceu-se o artigo 4.º do projecto de lei, no qual se diz que, no exercício da sua missão, incumbe à Comissão encaminhar 'os dados e informações recolhidos para as entidades competentes procederem à sua investigação judicial, policial ou disciplinar. Sr. Presidente e Srs. Deputados: Creio que, pelo menos, há argumentos que só devem ser invocados quando a simples leitura do projecto de lei não permite rebatê-los com tanta facilidade.
Falou-se também de que esta comissão aumentaria necessariamente as despesas. Bem, creio- que assim é, mas ponho num prato da balança, e gostaria que o puséssemos todos em termos de interesse nacional, para verificar qual será a melhor maneira de salvaguardar os interesses públicos: se será criando uma comissão que gaste algum dinheiro a averiguar a fraude e a corrupção, se será deixar que a fraude e a corrupção existam. Qual será o processo, Srs. Deputados, pelo qual os dinheiros de uma nação, os dinheiros públicos e o interesse geral sejam melhor salvaguardados? Será por esse pretenso aumento de despesas ou será pela existência da corrupção, da fraude e da imoralidade
Creio ainda que se falou na existência de vários organismos que interessa reforçar: a Brigada Central da Polícia Judiciária, o Tribunal de Contas e a Inspecção Administrativa. Pois com certeza! Mas que nada disso exclua a possibilidade de uma fiscalização política, porque é de um acto político e de actos políticos que estamos também aqui a tratar, e a separação das responsabilidades de uns e de outros organismos deve existir para salvaguarda dos cidadãos, e, repito, no tal artigo 4.º do projecto de lei há entidades competentes para proceder à investigação judicial, policial ou disciplinar, mas isso não tira nem pode roubar a competência para a fiscalização política, que essa, sim, é importante. £ a competência para essa fiscalização política pertence à Assembleia da República, e era a Assembleia da República que deveria ter assumido esta missão para que pudéssemos dizer, e dizer todos -e tivemos ocasião de o dizer aquando da apresentação do projecto de lei -, que estaríamos abertos a todas as propostas de alteração e a todas as sugestões que pudessem melhorá-lo e que pudessem significar o enriquecimento deste projecto de lei. Era a Assembleia da República que deveria assumir esta responsabilidade fiscalizadora intensa, tão ampla e tão fortemente estabelecida como a nossa responsabilidade perante os cidadãos e perante a moral pública o exigiam. Assim, continuaremos provavelmente a pretender inquirir de vários casos a ver como o silêncio é a resposta comprometida que para essas coisas se costumam obter.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Vamos então votar na generalidade o projecto de lei n.º 137/11 (combate à imoralidade administrativa, fraude e corrupção), apresentado pela ASDL

Submetido à votação, foi rejeitado com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, da ASDI, da UEDS, do PC P e do M DP/CDE (não se encontrava presente a UDP).
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo, para .uma declaração de voto.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Partido Social-Democrata votou contra o projecto de lei porque entende que a moralidade da Administração, o humanismo» administrativo, deverá e poderá ser enfrentado pelos mecanismos institucionais existentes, não pelo canal, fácil e politicamente sensacionalista, de criar novos órgãos, entidades, ou comissões.
Seriam novas malhas burocráticas a tornar mais densas as que já existem. E é nas malhas da burocracia que, por via de regra, se resguardam os comportamento ilícitos, inadequados ou contrários à dignidade do poder democrático.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD):-Muito bem!

O Orador: - Sofre o projecto de ler1 da subtil tentação - e eu diria que, na circunstância, não tão

Página 2083

24 DE ABRIL DE 1981 2083

subtil como permitiriam os méritos pessoais do Sr. Deputado seu subscritor de fazer substituir à acção a palavra, de querer resguardar os males reais deste mundo pelas excelências abstractas de um projecto normativo sem sentido prático e sem aplicabilidade detectável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sofre, em síntese, daquela tentação que tem levado sucessivas vagas de legisladores deste país a resolver as crises por meio de decretos, como no esquema daquele legislador francês que aconselhou o Parlamento a decretar que a França iria ser doravante um país honesto ou como na mais desculpável intencionalidade dos constitucionalistas românticos que proclamavam, nos alvores do século XIX, que os cidadãos não poderiam deixar de actuar em conformidade com as boas leis.

O Partido Social-Democrata entende que esta Assembleia em caso algum se deverá demitir do seu direito-dever de controlar os actos do Governo e as actuações da Administração, em todos os níveis e sem qualquer reticência, pessoal ou política.
Mas entende também que esse poder de controle se deve inserir nos quadros da Constituição, nos ditames do bom senso e das leis gerais do País.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Façamos leis, mas que essas leis sejam feitas pelo claro ânimo de se melhorar o ordenamento legislativo existente.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos, na generalidade, a favor do projecto de lei n.° 131/II, sobre o combate à imoralidade administrativa, fraude e corrupção. Mas, devemos dizê-lo, o nosso voto teve um forte cunho ético-político. Isso mesmo se deduz claramente da intervenção da meu camarada Veiga de Oliveira.
Com efeito, para o PCP questões como esta têm a sede principal e determinante não no terreno dai repressão e condenação, mas no domínio da prevenção, da transformação social e política, da motivação cívica, da alteração da natureza do Poder, do estilo e da essência das instâncias dirigentes. Há raízes sociais, económicas e políticas que determinam e condicionam a prática administrativa, a fraude e a corrupção. Estados há aos quais é inerente a corrupção. A corrupção é o estilo e a essência mesmo de certos dirigentes. E sistemas há que segregam a fraude e ai corrupção até deixarem de ser.
Mas mesmo com estas limitações seria possível e necessário configurar medidas de combate à fraude e à corrupção, na linha do projecto de lei que acabar de ser rejeitado, projecto este que necessitaria de importantes aperfeiçoamentos. Nomeadamente, seria necessário garantir que a definição das atribuições e competências da comissão não violasse a separação constitucional dos diversos poderes nem os direitos dos cidadãos. A comissão não poderia implicar riscos de subalternização ida acção dos 'tribunais, a começar pelos juizes de instrução criminal ou do: Ministério Público, das entidades policiais e ainda do Provedor de Justiça.
Por outro lado, a definição dos poderes não podia compadecer-se com imprecisões de conceito ou de linguagem, a fim de evitar que não houvesse latitude para actuações eventualmente arbitrárias. Finalmente, ainda que preenchidos estes requisitos na delimitação das atribuições e competências, fundamental se tornaria estabelecer uma composição adequada e sólidas garantias de independência da comissão, sob pena de que, à míngua de garantias para firme combate à corrupção, ela se visse transformada no seu contrário.
Mas a AD rejeitou o projecto de lei, votou contra o combate à imoralidade administrativa, à fraude e à corrupção. A maioria podia dar-lhe o seu acordo, na generalidade, e depois, na especialidade, melhorar o projecto, aperfeiçoá-lo, torná-lo uma lei que ajudasse-a moralizar a Administração. Podia usar o seu poder da maioria para expurgá-la mesmo de alguma das características que mereceram as críticas que aqui hoje lhe ouvimos. Mas não. A AD não foi sequer receptiva às razões morais que claramente ressaltam do projecto por ela rejeitado. E isto é perturbador. Mais: é significativo de uma política.
Não vou, porém, tirar ilações políticas do voto que acaba de ser proferido nesta Câmara. Elas são claras. Quem tem medo de que se combata a imoralidade, a fraude e a corrupção? Mas é impossível deixar de assinalar a insensibilidade ético-política que o voto da maioria revelou.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para uma declaração de voto, o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM):-Sr. Presidente, Srs. Deputados: o PPM lamenta que propósitos tão louváveis como os referidos no projecto de lei apresentado viessem a ser concretizados com meios tão inadequados aos fins propostos. Essa a razão por que votámos contra.
Constitucionalmente, a fiscalização da Assembleia da República sobre a actividade do Governo e da Administração tem carácter político. Não podemos de maneira alguma aceitar uma comissão de combate à fraude, como instrumento parlamentar de fiscalização, nos termos do projecto apresentado, sem estarmos a ofender gravemente o principio da separação de poderes estabelecido na Constituição, pois essa comissão vai intrometer-se, forçosamente, nas funções do poder judicial. O projecto de lei em questão acaba com o próprio segredo de justiça, que é oponível à actuação do Provedor de Justiça e das comissões parlamentares.
Não podemos admitir a criação de um mero tribunal especial - se é isso que se pretendia - ou então de uma simples comissão, que, por não ter capacidade de actuação, apenas viria onerar burocraticamente o Parlamento e servir interesses demagógicos que não satisfazem os fins propostos pelo projecto de lei;

Página 2084

2084 I SÉRIE NÚMERO 54

O combate, à corrupção, à fraude e à imoralidade impõe-se, mas pelo prestígio das instituições existentes e competentes constitucionalmente e que são a Polícia Judiciária, a Guarda Fiscal, o Ministério Público, as inspecções administrativas e do Ministério das Finanças, a Tribunal de Contas e o Provedor de Justiça. É na dinamização e moralização da actuação 'destas entidades que se fará um combate eficaz à fraude, à corrupção e à imoralidade , e não na criação de organismos paralelos.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, faltam apenas três minutos para a hora regimental do termo da sessão. V. Ex." prevê que a sua declaração de voto exceda esse tempo? Pergunto isto, apesar de ser evidente que as declarações de voto na generalidade não têm tempo marcado, pelo que o Sr. Deputado usará da palavra pelo tempo que quiser.
Contudo, ponho à sua consideração se pretende usar da palavra ainda hoje ou se o prefere fazer na sessão de amanhã.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, eu suscitaria uma outra hipótese.
Eu não poderei esgotar a minha declaração de voto em dois minutos. Mas penso que talvez pudéssemos prolongar um pouco mais a sessão para terminarmos as declarações de voto. Penso, aliás, que não será por muito tempo. Desta forma, este assunto ficaria encerrado.

O Sr. Presidente:-Sr. Deputado, a Mesa poderá fazer o seguinte: como não há nenhum requerimento formal para se podei prolongar sessão, V. Ex.º usará dá palavra por alguns minutos, encerrando-se em seguida a sessão.
Sendo assim, tem V. Exª a palavra.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Aliás, penso que até este momento não há mais oradores inscritos para produzirem declarações de voto.

O Sr. Presidente: - A Mesa não tem mais inscrições, mas, a haver novas inscrições, elas serão produzidas na sessão de amanhã.

O Orador: - Bom, eu tinha sugerido que todas as declarações de voto fossem produzidas ainda hoje, se é quee há mais inscrições para tal
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos, naturalmente, a favor do projecto de lei de que fomos subscritores. Aliás, tivemos ocasião de salientar os antecedentes desta matéria. Pudemos, muito gostosamente, ouvir um descendente do Dr. Bernardino Machado, responsável pela lei de 1914 que cria a fiscalização e a punição dos responsáveis por crimes, bem como pudemos ouvir o Dr. Mário Raposo, que, como Ministro da Justiça do III Governo Constitucional, também está envolvido numa resolução desta natureza.
Nenhum objectivo demagógico esteve na apresentação deste diploma. Se quiséssemos fazer demagogia, poderíamos aqui invocar facilmente casos concretos, levantar suspeições, suscitar qualquer tipo desses problemas. Não foi esse o nosso objectivo e creio que
o deixámos suficientemente claro, de forma a não permitir que essa argumentação possa agora vir a ser sustentada.
Também não cremos que seja possível sustentar-se que os meios que propusemos eram meios inadequados. Inadequados se revelaram -e se têm revelado- todos os outros meios que até à data têm sido tentados. E nem se diga que é no reforço das polícias que existe a garantia contra a fraude, contra a imoralidade e contra a corrupção. Quem guarda os guardas?» - também nós poderíamos perguntar.
Essa era a questão política que aqui estava em causa. Por isso, era a Assembleia da República -e só ela - que deveria proceder a esta fiscalização, que é política e de processos políticos, que é genérica e que, inclusivamente, envolve os processos administrativos que facilitam a prática de imoralidades e corrupção e vários foram aqui destacados.
Ora, isso foi impedido. Ë mais confiar em que as malhas burocráticas, como aqui foi dito, impedem o conhecimento das várias situações.
A tal respeito, bastaria focar o silêncio, que é sempre esclarecedor, com que têm sido respondidas muitas questões e o modo como têm sido evitadas muitas averiguações para termos a certeza de que assim é.

Aplausos da ASDI e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como já é do conhecimento de VV. Exª, deu entrada na Mesa o projecto de lei de revisão constitucional subscrito pelo Sr. Deputado Jorge Miranda e pelos outros Srs. Deputados da ASDI.
Entendeu a Mesa que, tratando-se de um diploma com a dignidade de revisão constitucional, deveria ser objecto de numeração autónoma. Como tal, recebeu o n.º l/II.
Parece ser dever da Mesa anunciar também que, nos termos do artigo 288.º, n.º 2, da Constituição, se abre assim o prazo de trinta dias para a apresentação de quaisquer outros projectos de revisão constitucional. Assim, o prazo terminará a 23 de Maio.
Srs. Deputados, os nossos trabalhos continuarão amanhã, às 10 horas da manhã, com o prosseguimento da ordem do dia estabelecida para hoje, que se não esgotou.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.
Deputados que faltaram à sessão:

Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
António Augusto Lacerda de Queiroz,
Fernando José da Costa. José Theodoro de Jesus da Silva.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.

Partido Socialista (PS)
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Azevedo Gomes.

Página 2085

24 DE ABRIL DE 1981 2085

António José Sanches Esteves.
Francisco de Almeida Salgado Zenha,
Joaquim José Catanho Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Raul de Assunção Pimenta Rego.
Virgílio Fernando Marques Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS)

Emílio Leitão Paulo.
Francisco António Lucas Pires.
Maria José Paulo Sampaio.
Rui Eduardo Ferreira Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

António Dias Lourenço da Silva,
António José de Almeida Silva Graça.
Armando Teixeira da Silva.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Josefina Maria Andrade.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.

Partido Popular Monárquico (PPM)

Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.

A REDACTORA DE lª CLASSE, Ana Maria S. Santos Marques da Cruz.

Página 2086

PREÇO DESTE NÚMERO 38$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×