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872 I SÉRIE -NUMERO 24

O dever de, por essa forma, vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis, cabe a todos os deputados e se, em primeiro lugar incumbe ao Presidente da Assembleia da República, aqui o estamos, por via de recurso, a exercer.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Aos argumentos aduzidos, de ordem jurídico-constitucional, outros acrescem de natureza política.
Não especularemos com base no programa do PSD do qual se deduz que cabendo ao Plano assegurar a subordinação do poder económico ao poder político, a inexistência do Plano -aliás tema essencial dos liberalismos do século XIX e do neoliberalismo «à Friedman» - significaria a predomínio do sector económico.
As opções fundamentais que, por parte do Governo, presidiram à elaboração do Orçamento para 1983, seriam, assim, deixadas no mesmo esquecimento onde jaz o Plano para 1982 que o Governo se «esqueceu» de elaborar.
Como dizia Mendes France:

O Plano? Os nossos actuais governantes são-lhe hostis; não ousam confessá-lo abertamente e adoptam um plano de tempos: a tempos. Lembram-se disso de repente quando surge um acidente imprevisto. É um pouco» a homenagem do vício à virtude. Mas, na sua prática governamental, não procuram verdadeiramente executar o plano que adoptaram.
O discurso aqui recentemente feito pelo Governo é o de uma gestão caracterizada, para utilizar de novo uma expressão de Mendes France, «pela demagogia liberal», contentando-se com medidas «homeopáticas» sem definir - e sendo incapaz de definir - uma vontade clara imposta aos interesses particulares e sem criar uma visão, uma linha de conduta.
A AD já teve 4 ou 5 políticas económicas. Só que nesta, como em matéria de palavra, quem tem muitas, não tem nenhuma.
Quando um Governo anda, antes de mais, ao acaso, segundo as pressões que recebe, como poderá sentir-se armado contra qualquer perigo de crise, sequer acidentes meteorológicos?
A ausência de Plano ganha assim todo o seu peso político.
Este governo não sabe para onde vai, nem para onde quer ir. Só governa porque se apega ao nome.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - A proposta de lei orçamental inclui, uma vez mais, uma imensa série de pedidos de autorização legislativa.
Adianta-se desde já que é, pelo menos, duvidoso se por força da lei de revisão, tal sistema poderá sobreviver em futuras leis orçamentais.
Abstraindo por ora dessa discussão, parece entretanto claro que as autorizações legislativas terão de submeter-se ao disposto no n.º 2 do artigo 168.º da Constituição da República, isto é, terão de «definir o objecto, sentido e a extensão da autorização, bem como a sua duração».
Começando pelo último ponto.
O prémio do n.º l do artigo 108.º da Constituição, é claro quanto à consagração da regra da anualidade orçamental.
Só que, assim sendo, uma de duas: ou o Governo considera, tacitamente, que as alterações legislativas a introduzir pelas alterações que solicita, porque integradas na lei do Orçamento, se destinam a uma aplicação anual, ou está, .por esta via indirecta, a infringir a regra da anualidade constitucionalmente fixada.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Não julgamos possível que o Governo aceite a interpretação da anualidade das alterações legislativas que pretende introduzir... mas temos, por certo, que procurou, por esta forma, ultrapassar o próprio crédito de confiança da sua maioria: pela introdução de um sistema pouco transparente, e, por isso, também pouco democrático.
Por via de - procurar confundir os deputados, introduzindo numa lei de vigência anual pedidos de autorização legislativa em que as iniciativas a autorizar se 'destinam, a vigorar «para além do período anual do Orçamento, esqueceu-se o Governo de que a Constituição o obriga a definir, no pedido, a duração da autorização legislativa solicitada.
Esquecimento que poderia traduzir-se, até, numa autorização a conceder pela Assembleia e a ser usada - ou não - como ao Governo» aprouvesse no Decreto-Lei do Orçamento, podendo ser usada depois.
A «habilidade» é evidente... Mas sabe-se que os gatos não se escondem totalmente, tal como os deputados da maioria quando se fecham nos Gabinetes para «salvar» o Governo com faltas de quorum...
Não definindo a duração das autorizações legislativas solicitadas, o Governo violou o artigo 168.º da Constituição, pelo que a proposta de lei não deveria ter sido admitida, foi-o com violação da alínea a) do n.º l do artigo 130.º do Regimento e, assim, o presente recurso é inteiramente procedente, também por este fundamento.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador - Acresce que o citado artigo 168.º da Constituição obriga à definição do objecto, sentido e extensão da autorização.
Trata-se, bom é não esquecê-lo, de matérias de exclusiva competência da Assembleia. Como é evidente, esta só concede autorizações desde que saiba, com rigor, o que lhe é pedido.
A autorização legislativa não é, apesar de tudo, escreve um constitucionalista contemporâneo, «um processo de abdicação do Parlamento».
Por isso, a lei de revisão estabeleceu já matérias de reserva absoluta de competência.
E quem não recordará, perante o atraso de meses com que o Governo enviou ao Parlamento a sua proposta e a pressa com que foi admitida -no dia e hora em que estava a ser apresentada pela televisão mas os deputados a desconheciam - e se pretende fazê-la votar, o desabafo de Peyrefitte que se lamentava em Lê Monde, de 14 de Julho de 1971:
Tudo se passa como se certas estruturas tecnocráticas entendessem encerrar o Parlamento