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I Série-Número 21

DIÁRIO da Assembleia da República

14 de Julho de 1983

III LEGISLATURA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE JULHO DE 1983

Presidente: Exmº. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmº. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMARIO-O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 55 minutos.
Na primeira parte da ordem do dia, foi apreciado e votado, tendo sido rejeitado, um recurso interposto pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n.º 19/III, que concede ao Governo autorização para alterar parcialmente a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde.
Intervieram, a diverso titulo - incluindo declarações de voto - além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI) - que também fez a apresentação do recurso - Vidigal Amaro (PCP), Luís Saias (PS), Narana Coissoró (CDS), Fernando Condesso (PSD), Veiga de Oliveira (PCP), Nogueira de Brito (CDS), António Taborda (MDP/CDE), Gomes de Pinho e Basílio Horta (CDS), Hasse Ferreira (UEDS), Carlos Lage (PS), Lopes Cardoso (UEDS) e Carlos Brito (PCP).
Entretanto, após ter sido lido, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do CDS.
Foram também apreciados, em conjunto, e votados, tendo sido rejeitados, dois recursos interpostos pela ASDI: um, sobre a rejeição do pedido de urgência para o projecto de lei n.º 113/III (Defesa da Concorrência) e outro, sobre o pedido de discussão conjunta da proposta de lei n.º 7/III (Práticas Restritivas da Concorrência) e do referido projecto de lei.
Intervieram, a diverso título - incluindo declarações de voto - os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI) - que também fez a apresentação dos dois recursos - Carlos Brito (PCP), Luís Saias (PS), António Taborda (MDP/CDE), Narana Coissoró (CDS), Lopes Cardoso (UEDS), Carlos Lage (PS), Veiga de Oliveira (PCP), Cardoso Ferreira (PSD). Bento Elísio de Azevedo (PS) e Basílio Horta (CDS).
Na segunda parte da ordem do dia procedeu-se à apreciação e votação, na generalidade e na especialidade - tendo sido aprovada - da proposta de lei n.º 7/III, que concede ao Governo autorização para elaborar normas práticas restritivas da concorrência.
Intervieram, a diverso título - incluindo declarações de voto - além do Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Álvaro Barreto), os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Joaquim Miranda e Ilda Figueiredo (PCP), Basílio Horta (CDS), João Amaral (PCP), Furtado Fernandes (ASDI), Almeida Mendes(PSD), Hasse Ferreira (UEDS), Costa Andrade (PSD), António Taborda (MDP/CDE), Almerindo Marques (PS) e Nogueira de Brito (CDS).
Foi discutido o recurso apresentado pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n.º 20/III, sobre autorizações legislativas concretas em matéria penal e processual penal.
Intervieram a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete), os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), José Manuel Mendes (PCP), Marques Mendes (PSD), João Amaral (PCP), António Vitorino (UEDS), Costa Andrade (PSD) e António Taborda (MDP/CDE).
Procedeu-se em seguida à apreciação e votação, na generalidade e na especialidade, da proposta de lei n.º 20/III.
Intervieram a diverso título - incluindo declarações de voto - além do Sr. Ministro da justiça (Rui Machete), os Srs. Deputados Veiga de Oliveira e Odete Santos (PCP), António Taborda (MDP/CDE), Correia Afonso (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Fernando Costa (PSD), Narana Coissoró (CDS), José Magalhães (PCP), Nogueira de Brito (CDS) e Marques Mendes (PSD).
Finalmente, após ter anunciado a entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 190/III a 192/III e da proposta de lei n.º 34/III e de ter anunciado a ordem de trabalhos para a sessão seguinte, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 2 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 55 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.

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Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José dos Santos Meira.
António Jorge D. Rebelo de Sousa.
António Jorge Mammericky da Trindade.
Avelino F. Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto R. Santana Maia.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Luís Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá M. Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo C. Curto.
Frederico Augusto F. Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo C. Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel A. F. Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José dos Reis Borges.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Pessoa S. Loureiro.
Manuel Laranjeira Vaz.
Manuel Sousa Ramos.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria de Jesus Barroso Soares.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Maria Angela Duarte Correia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social- Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João M. Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.

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José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ferreira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Martins Adegas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Raul Gomes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete de Jesus Filipe.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Raimundo do Céu Cabral.
Raul Jesus Ferreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto de Sousa Gomes Almeida.
Adalberto Neiva Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
António Gomes de Pinho.
António J. Castro Bagão Félix.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Henrique Paulo das Neves Souto.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. C. de Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima. João Lopes Porto.
Jorge Manuel Morais Barbosa.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Tomaz Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Tomás Rebelo Espírito Santo.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
António Monteiro Taborda.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social - Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
José António Furtado Fernandes.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a primeira parte da ordem do dia diz respeito à apreciação do recurso interposto pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n.º 19/III, que concede ao Governo autorização para alterar parcialmente a Lei de Base do Serviço Nacional de Saúde.
Tem a palavra, para fazer a apresentação, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, são os seguintes os fundamentos do recurso interposto:
Entre as justificações apresentadas na nota que antecede a proposta de lei, diz o Governo ser forçado

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a rever a Lei dado que a mesma foi parcialmente revogada por simples decreto-lei. Fica assim evidenciado que o actual Governo não pretende simplesmente repor a situação anterior, revogando agora o referenciado decreto-lei.

A alteração desejada parece assim ter a ver com inovações a introduzir neste campo.

Só que assim sendo, como parece, estreitos hão-de ser os limites com que a Assembleia da República deve apreciar a proposta governamental.

Na verdade, a alínea f) do n .º 1 do artigo 168 º da Constituição da República inclui nas matérias de reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República o legislar sobre «bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde».
Ora, como o n.º 2 do artigo 115.º da Constituição estabeleceu claramente o valor subordinado dos decretos-leis de desenvolvimento das leis de bases dos regimes jurídicos, forçoso parece concluir-se estar-se perante uma importante restrição dos poderes legislativos do Governo, aliás, similar ao existente no caso das leis de autorização.
Assim sendo, forçoso será concluir que um Governo que pretende obter uma autorização legislativa para elaborar uma lei de bases - o que a Constituição permite nos casos das alíneas f), g) e n) do artigo 168.º - estará a ultrapassar ilegitimamente o controle constitucional se a autorização legislativa que pede não respeitar escrupulosamente o comando do n.º 2 do artigo 168.º.
15to é, se o Governo não definisse com muita rigorosa precisão o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, para além da inconstitucionalidade óbvia, haveria igualmente a tentativa de confusão de poderes e planos institucionais.
Ou, por outras palavras estaria a tentar-se interpretar como autolimitação do Parlamento a concessão da autorização legislativa, introduzindo, na prática, «a governamentalização do regime, tanto mais perigosa quanto maior a maioria» como escreveu o Partido Socialista francês denunciando a prática dos anos 60 da V República.
É evidente o carácter vago e impreciso patenteado pelo artigo 3 º da proposta de lei n.º 19/III.
Bem poderia, aliás, dizer-se que se este preceito fosse preciso e definisse com exactidão os contornos da autorização desejada, teriam sido inúteis os rios de tinta gastos com a discussão do Serviço Nacional de Saúde. O simples confronto com o disposto no artigo 64.º da Constituição mostra, à evidência, não estar definido o sentido da autorização legislativa pretendida.
Na verdade, o facto de se tratar de uma autorização para legislar sobre bases gerais, obriga a que lei de autorização fixe os princípios ou critérios que o Governo deve observar, «tal como a Assembleia os observaria caso as matérias viessem a ser objecto de lei formal».
Esta é a lição do Professor Gomes Canotilho, que se encontra na p. 637, 3.ª edição, do Direito Constitucional, é também a lição do Direito Comparado - especialmente dos comentários à Constituição Italiana - e é também a posição de todos os constitucionalistas portugueses sem excepção, visto que a única excepção que existiu antes da revisão constitucional é a do Dr. Cardoso da Costa e está definitivamente ultrapassada pela nova redacção dada ao n.º 2 do artigo 115.º.
De facto, se o objecto da autorização resulta claro dos artigos 1 º e 2 º da proposta de lei, a verdade é que a Assembleia da República não está habilitada a conhecer pelo texto da mesma proposta em que sentido vai ser alterada parcialmente a lei existente, em particular no que se refere aos órgãos centrais do Serviço Nacional de Saúde, que é um dos objectos da proposta tal como ela própria o identifica. Não se sabe em que sentido vai ser alterada a lei existente quanto à articulação entre os órgãos centrais e o sector privado, também objecto da proposta lei. Não se sabe nada sobre o sentido da autorização que é solicitada.
Tanto basta não só para que a Assembleia não possa votar favoravelmente a proposta, como que a mesma não devesse ter sido admitida por violar o n º 2 do artigo 168.º da Constituição da República e, consequentemente, a alínea a) do n.º 1 do artigo 130 º do Regimento.
Tais são os fundamentos do requerimento de recurso interposto e que me limitei a reproduzir.
Gostaria apenas de salientar que a simples leitura da proposta de lei - e convido os Srs. Deputados a fazê-la - especialmente o seu artigo 3.º, torna claro que se a Assembleia da República concedesse esta autorização, tal como ela é pedida, não saberia que autorização estava a conceder ao Governo. Estava a conceder-lhe uma autorização para alterar - sem lhe dizer como - não se sabendo se para mais, se para menos e de que forma. E tudo isso são características essenciais de uma autorização, tal como as define o n.º 2 do artigo 168.º da Constituição. Como tal, a proposta de lei é inconstitucional, por isso devia ter sido admitida. Esta Assembleia, na apreciação deste recurso, deve, pois, recusar o despacho de admissão da proposta de lei, sob pena de vir a conceder uma autorização que será naturalmente inconstitucional e, como tal, sujeita à natural impugnação.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Armando Lopes) e o Sr. Secretário de Estado do Comércio Interno (Carlos Antunes Filipe).

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Armando Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de informar a Câmara de que este recurso interposto pela ASDI a respeito da proposta de lei n.º 19/III chegou ao meu poder cerca da meia-noite de ontem, e só isso explica a impossibilidade de não se encontrar presente o Sr. Ministro Maldonado Gonelha. Foi totalmente impossível encontrá-lo àquela hora tardia.
Em todo o caso, o Governo não quer deixar de explicar o seu ponto de vista quanto a esta impugnação feita pela ASDI sobre a proposta de lei n º 19/III, que é o seguinte: se se acusa esta proposta de lei de não ter sentido nas alterações que pretende trazer à Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde, devo dizer

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que essa acusação não tem grande fundamento na medida em que, segundo o articulado, aparece um artigo 2 º que define exactamente o objecto da autorização pedida, e aparece um artigo 3 º que define também o sentido em que essa autorização pedida será feita. Diz-se no artigo 3.º que «a reformulação a efectuar tem o sentido de progressivamente garantir a todos os portugueses, independentemente da sua situação económica, o acesso aos cuidados de promoção e vigilância da saúde, de prevenção da doença, do tratamento dos doentes e da sua reabilitação médica e social». Sem ter elaborado um texto concreto que possa ser submetido a esta Assembleia como proposta de lei do Governo, é difícil dizer outra coisa senão isto. No entanto, isto mostra qual é o sentido das alterações que se propõem à Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde. Entende, por isso, o governo que esta proposta de lei contém não só o objecto referido no artigo 2.º, como, no seu artigo 3.º, contém o sentido das alterações que se propõem nesse mesmo artigo 2.º.
Esta é pois a explicação que pretendia dar ao Sr. Deputado Magalhães Mota e a esta Câmara.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A deficiência do conhecimento atempado do pedido de recurso não é da nossa responsabilidade, pois ele foi entregue na Mesa bastante cedo, durante a parte da manhã de ontem.
Em relação à explicação sobre o sentido da proposta de lei, é evidente, da própria leitura, que o sentido das alterações não está determinado. Não se sabe - e esta Câmara não o sabe - por que meios vai o Governo actuar, e é isso que é preciso definir numa autorização legislativa.
O simples confronto do dispositivo que o Sr. Secretário de Estado acabou de ler com o artigo 64.º da Constituição mostra que o texto constitucional do artigo 64 º é bem mais preciso do que a autorização legislativa que é solicitada. E passo a ler o n.º 3 do artigo 64.º, que é o do seguinte teor:

Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
b) Garantir uma racional e eficiente cobertura médica e hospitalar de todo o País.

Ora, se o sentido da proposta - e não acabo de ler todo o n .º 3 do artigo - fosse apenas o de dizer que a proposta de lei se vai confinar aos termos de Constituição, é evidente que todas as propostas, para serem constitucionais, têm de obedecer ao artigo 64 º da Constituição. Mas isso não define, de modo nenhum, nem o sentido em que o Governo vai legislar nem o sentido e a extensão da autorização. E a leitura da proposta patenteou que assim é.

0 Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado deseja responder?

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A Proposta de lei n .º 19/III, que concede ao Governo a autorização para alterar parcialmente a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde, sofre de flagrante inconstitucionalidade, como está bem demonstrado na exposição de motivos do requerimento do agrupamento parlamentar da ASDI, que interpõe recurso do despacho de admissão.
Na verdade, como foi demonstrado ainda agora, ao articulado da proposta de autorização legislativa deduz-se claramente que o Governo quer alterar a Lei n.º 56/79, do Serviço Nacional de Saúde, mas o que está claramente omitido é o sentido em que o pretende fazer.
Nem na nota justificativa da proposta de lei n º 19/III nem no seu articulado se poderá deduzir o sentido em que o Governo se propõe legislar. E é essa a questão central. Por que se omite o sentido?
Se o Sr. Ministro da Saúde pretendesse fazer uma política diferente e contrária à da AD, então tomaria medidas para repor em vigor, regulamentar e executar a Lei do Serviço Nacional de Saúde, aprovada por esta Assembleia da República em 1979, com os votos do PS e do PCP.
É para tentar esconder que a política que pretende prosseguir é uma política de continuidade da desastrosa política da AD, que se omite o sentido da autorização legislativa pretendida.
É facto assim, que a proposta é inconstitucional por violar o artigo 168 º, n. º 2, da Constituição, pois não define o sentido e extensão da autorização legislativa pedida. Mas, mais grave ainda do que isso, ela é inconstitucional pois prenuncia uma violação do artigo 64 º da Constituição da República, relativo ao direito à protecção da saúde e à criação de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito.
É a continuidade da política inconstitucional do desmantelamento e degradação do sector público, aliado à entrega ao sector privado de serviços que deveriam ser prestados pelo Estado, como foi a política constante e persistente dos sucessivos governos do PSD/CDS.
O povo português não esquece, e é bom relembrá-lo a esta Assembleia, que das primeiras medidas legislativas tomadas pelo primeiro governo AD - o Decreto-Lei n.º 81/80 - foi a revogação de todos os diplomas legais elaborados pelo V Governo Constitucional que regulamentavam a Lei do Serviço Nacional de Saúde.

Os Governos PSD/CDS não só nunca regulamentaram, não só não cumpriram a Lei n .º 56/79, do Serviço Nacional de Saúde como, de maneira encapotada, vieram revogar, com o Decreto-Lei n.º 254/82, de 29 de Junho, quase todos os seus artigos, assim a inviabilizando na prática. Era a liquidação do artigo 64 º da Constituição. Na linha desta política,

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assistimos desde então à construção de uma monstruosa mistificação, que invocando a designação de Serviço Nacional de Saúde nada tem a ver com o artigo 64 º da Constituição, nem com a Lei n .º 56/79; ao corte de verbas no OGE para a saúde e à imposição inconstitucional aos doentes do pagamento dos serviços de saúde. São os escandalosos aumentos das taxas moderadoras nas consultas dos serviços médico-sociais e a inconstitucional criação de novas taxas que vão desde o pagamento de análises e raio X ao pagamento de tratamentos de urgência e internamentos hospitalares.

Em terceiro lugar foi a criação da taxa/multa de 25$ sobre cada embalagem de medicamento prescrito pelos serviços médico-sociais (e agora atingindo também os beneficiários da ADSE). Considerado inconstitucional tal taxa moderadora, passa num malabarismo legislativo a chamar-se «contribuição fixa», ficando assim com tal manobra tudo na mesma.
Assistiu-se, por outro lado, à extinção do Serviço Médico à Periferia, sem ter sido criado em tempo útil a sua substituição por uma alternativa válida.
São criadas as administrações regionais de saúde, sem a participação dos utentes e nomeados para a dirigirem pessoas olhando apenas a sua cor política, e não os seus conhecimentos de gestão nos serviços de saúde ou provas anteriormente dadas na direcção dos serviços.

Outra medida é a extinção dos Serviços Médico-Sociais e a sua pretensa integração nos centros de saúde, sem ter sido criada legislação e regulamentação que permitisse uma continuidade na prestação de cuidados de saúde.
Finalmente mais dois escândalos: o pagamento de cerca de 1 200 000 contos anuais a título de indemnização pela utilização de instalações e equipamento e posteriormente o processo de entrega dos hospitais concelhios às misericórdias.
É a entrega ao sector privado de cada vez maiores privilégios nomeadamente nos sectores farmacêuticos, de meios auxiliares de diagnóstico e de meios de tratamento vitais como é um exemplo bem demonstrativo a hemodiálise.

É esta política inconstitucional que está subjacente à omissão da definição do conteúdo e da extensão da presente autorização legislativa.
Se se pretendesse no campo da saúde levar à prática uma política de acordo com a Constituição, então o que haveria a fazer era repor em vigor a Lei do Serviço Nacional de Saúde e cumpri-la, revogar de imediato os diplomas que criaram as ilegais e inconstitucionais taxas moderadoras, pôr em funcionamento os centros de saúde e as suas valências, nomear pessoas competentes para as direcções das administrações regionais de saúde e dos centros de saúde, revogar o diploma que cria os chamados medicamentos de venda livre, etc.
Mas não é nada disto que se pretende.
Por isso, e pela violação flagrante do artigo 168 º, n .º 2, da Constituição, votaremos favoravelmente a impugnação da proposta de lei n.º 19/III, agora em discussão.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece que nestes últimos tempos a ASDI se especializou em inconstitucionalidades. Na realidade, temos visto que a ASDI é fértil neste tipo de impugnações, pois quase nada para a ASDI deixa de ser inconstitucional.
Penso que a ASDI, nas alegações que acabou de produzir, está a deformar o problema em questão. Na realidade, trata-se, única e exclusivamente, do recurso interposto do despacho de admissibilidade da proposta de lei. E a admissibilidade da proposta de lei foi feita em termos correctos e em termos que não podia deixar de ser.
O artigo 168 º, n. º 2, da Constituição diz que «As leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada» e quem ler a proposta do Governo verifica que nela se define o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização. 15to quer dizer que a Mesa da Assembleia da República, ao admitir esta proposta, fê-lo cumprindo a lei. A Mesa da Assembleia da República não tem poderes para apreciar o fundo da questão. Portanto, será a Assembleia da República que, ao discutir o fundo da questão, ao discutir o conteúdo da própria proposta de lei, concederá ou recusará ao Governo a autorização pedida - e isto se entender que a autorização tem um objecto aceitável e um sentido com que concorde.
Em resumo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, parece-me que o recurso interposto pela ASDI não se destina a outra coisa que não seja a de dilatar os trabalhos desta Assembleia de uma forma que, na realidade, é inaceitável.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASD1): - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - O Sr. Deputado Luís Saias começou por dizer que nos tínhamos especializado em inconstitucionalidades. Não fomos nós que as fizemos e, portanto, devolvo o cumprimento a quem o Sr. Deputado entenda que se especializou em inconstitucionalidades ...

Vozes da ASDI e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A seguir, o Sr. Deputado entendeu que a Mesa da Assembleia não tem de aferir da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das propostas de lei. Peço-lhe pois que leia, com alguma atenção, o n.º 1, alíneas a) e b), do artigo 130 º do Regimento da Assembleia, e que depois rectifique a sua posição.

O Sr. Deputado Luís Saias diz que é perfeitamente claro a extensão e o sentido da autorização, é pois aqui que reside o meu pedido de esclarecimento. O Sr. Deputado comprovou, pela sua intervenção, o seu conhecimento sobre estas matérias; pedir-lhe-ia, portanto, que elucidasse esta Câmara sobre o sentido e a extensão da autorização. Se ficarmos convencidos, creio que poderemos dar por findo este recurso.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

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14 DE JULHO DE 1983

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Magalhães Mota continua a querer confundir os problemas que estão em discussão. Eu não disse que a Mesa não tinha que apreciar da constitucionalidade ou inconstitucionalidade das propostas de lei.
A alínea a), n.º 1, do artigo 130 º, do Regimento diz que: «Não são admitidos projectos e propostas de lei ou propostas de alteração que infrinjam a Constituição [...] ». Os projectos de lei que a Assembleia deve rejeitar são aqueles que formalmente infrinjam a Constituição. A Mesa da Assembleia, por si, não tem que apreciar se o projecto de lei, substancialmente, está ou não em desacordo com a Constituição, porque isso são poderes que só ao Plenário da Assembleia incumbe.
Quanto ao problema do sentido, julgo que o Sr. Deputado Magalhães Mota leu a proposta de lei e, no seu artigo 3 º - tal como o Sr. Secretário de Estado já realçou - diz-se que «A reformulação a efectuar tem o sentido de progressivamente garantir a todos os portugueses [...] », o que quer dizer que a proposta de lei refere o sentido das alterações que o Governo pretende fazer. Se este sentido agrada ou desagrada ao Sr. Deputado Magalhães Mota, isso é uma coisa que o Sr. Deputado terá oportunidade de dizer e explicar quando for discutido o próprio objecto do pedido de alteração. Não o pode fazer num pedido de impugnação ou numa interposição de recurso, porque senão estaríamos a duplicar a discussão. O Sr. Deputado Magalhães Mota discute agora, na altura do recurso, a substância da autorização. Quando formos discutir a autorização em si, V. Ex.ª torna a discutir, o que quer dizer que duplica o trabalho da Assembleia e faz perder o tempo que muita falta nos faz.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - O Sr. Deputado Luís Saias insiste na ideia de que se faz perder tempo à Assembleia discutindo questões. Faz-se perder tempo, isso sim, à Assembleia discutindo mal as questões. Portanto, o que eu gostaria de pedir ao Sr. Deputado é que discutisse este problema bem, e, para o discutir bem, que respondesse concretamente sobre qual a extensão deste pedido de autorização. V. Ex ª não respondeu nem discutiu. Registo o facto como protesto.
Registo também que para definir o sentido desta autorização legislativa o Sr. Deputado não encontrou mais nada senão dizer que ela tem o sentido de progressivamente garantir a todos os portugueses o acesso aos cuidados de promoção e vigilância, ou seja, menos do que consta do artigo 46 º da Constituição. Se o Sr. Deputado entende que isto é definir o sentido de uma autorização legislativa e que esta Assembleia fica assim habilitada a saber o que é que o Governo vai fazer, com certeza que o Sr. Deputado tem poderes divinatórios.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias, se assim o entender.

O Sr. Luís Salas (PS): - O Sr. Deputado Magalhães Mota disse, e bem, que é perder tempo discutir mal, e é paradigmático aquilo que o Sr. Deputado está a fazer: o Sr. Deputado Magalhães Mota está a discutir mal, está a insistir em discutir mal, e está a tornar a insistir em discutir mal. O Sr. Deputado Magalhães Mota neste momento apenas tem que discutir se a Mesa admitiu mal ou bem a proposta de lei.
Penso ter demostrado à sociedade que a Mesa a admitiu bem. Se a autorização vai ser concedida ou vai ser negada, isso é um outro problema que discutiremos bem noutra altura. Agora estamos a discutir mal.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, estão a fazer-se protestos e contraprotestos e, sob esta forma regimental, estão a esclarecer e a dar-se contra-esclarecimentos entre dois deputados. Portanto, eu também queria saltar para estas águas e fazer umas perguntas sobre este assunto que julgo serem pertinentes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, V. Ex ª neste momento não tem figura regimental para usar. Portanto, pode ficar inscrito para fazer uma intervenção a seguir à do seu colega de bancada, deputado Nogueira de Brito, que também está inscrito para esse fim, ou então o Sr. Deputado Nogueira de Brito pode ceder-lhe o lugar.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, eu cedo a palavra ao meu colega de bancada Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Então, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, o problema que aqui se está a discutir é muito importante porque é preciso saber se esta prática, que o Governo vem seguindo, de submeter a esta Câmara autorizações legislativas, que ele próprio entende estarem conformes com o dispositivo constitucional, abolindo uma velha prática de fazer acompanhar as autorizações legislativas de um articulado que em boa hora o Partido Socialista tinha introduzido como um costume parlamentar, é de manter ou de revogar daqui para diante.

Em segundo lugar, também se coloca o problema da admissibilidade ou não admissibilidade da proposta de lei, tal como disse o Sr. Deputado Luís Saias. Ora, o Sr. Deputado Luís Saias defende a posição de que basta o Governo dizer que alguma coisa preenche as palavras de sentido, extensão e objecto para toda a Câmara aceitar que a autorização legislativa tem o sentido, o objecto e a extensão que o preceito constitucional exige.
Porém, o Dr. Saias, como jurista que é, sabe que as palavras são conceitos jurídicos e têm que ser subsumidas aos factos. Não basta o Governo dizer que determinada maneira de apresentar uma autorização legislativa preenche o sentido, o objectivo e a extensão,

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nós temos que saber, que interpretar e que ver se estes conceitos estão ou não preenchidos.
O que é o sentido? O sentido é o Governo dizer, através de factos, de ideias, de noções precisas mas noções de facto - não são meros conceitos jurídicos da palavra «sentido» - o que é que pretende fazer com a autorização legislativa em relação à legislação anterior. Se quer inovar que inovações são, se quer revogar que aditamentos pretende fazer, se quer desviar que desvios quer fazer, tudo isto em relação à lei antiga.
Tal como o Sr. Deputado Luís Saias sabe, a própria disposição constitucional tem uma parte de fundo e outra parte formal. A parte de fundo é, na autorização legislativa, dizer claramente qual é a extensão e o objecto. Não basta simplesmente reproduzir um preceito constitucional, que até é mais preciso quanto ao sentido e ao objecto, e dizer que isto é que é autorização legislativa porque, tratando-se do Serviço Nacional de Saúde, a própria Constituição - como aqui já foi dito - fixa o sentido, o objecto e a extensão. Ora, estar-se pelo mero jogo de palavras a referir que aquilo que o Governo diz é sentido, objecto e extensão e não se ir discutir mais, é estar-se a escamotear uma verdadeira discussão que aqui deve ter lugar, e que é a de saber qual o sentido da autorização.
O Sr. Deputado é capaz de dizer qual o sentido em face do preceito constitucional? E capaz de dizer qual o objecto em face do preceito constitucional? É capaz de dizer qual a extensão em face do preceito constitucional? Ou simplesmente quer aqui esgrimir com as palavras «sentido, objecto e extensão» e, como o cão que morde a sua própria cauda, estamos à volta destas palavras?

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Narana Coissoró, como jurista ilustre que é, começou bem mas acabou mal. E começou bem quando disse que aqui se estava a discutir apenas o problema da administração da proposta. Trata-se do recurso de um despacho que admitiu uma proposta de lei, evidente que o recurso tem uma finalidade muito concreta, que é a de fazer com que o Plenário reaprecie a decisão da Mesa.
Ora isto coloca uma questão muito simples, que é a de saber se a Mesa decidiu legal ou ilegalmente. Na sua decisão de admitir a proposta de lei, a Mesa infringiu ou não qualquer norma? Se a Mesa infringiu uma norma, é evidente que o recurso deverá ser provido; se a Mesa agiu com legalidade, sem infringir qualquer norma legal ou regimental, o recurso dever ser indeferido. Julgo, pois, que é esta a estrutura e o esquema da discussão que aqui estamos a travar. Mas o que é que incumbia à Mesa? Incumbia-lhe apreciar o fundo da questão, o objecto do pedido de autorização, ou incumbia-lhe apenas verificar a regularidade formal do pedido do Governo, deixando que a Assembleia discuta o fundo? Esta é que é a questão. E a verdade é que tanto o deputado Magalhães Mota como agora o deputado Narana Coissoró pretendem confundir as duas questões. Pretendem, numa questão que é prévia, que é a da admissibilidade ou não admissibilidade da proposta de lei, começar desde já a discutir o fundo da questão.

Portanto, penso que esta discussão tem sido mal situada. E agora pergunto: mal situada por o assunto ser confuso, difícil ou melindroso? Creio que não. Julgo que o assunto é simples e que a situação em que a discussão tem sido posta se destina, no fundo, a arrastar um problema que em si mesmo é simples e que não tem que ser arrastado.

A Mesa admitiu bem. Se os senhores querem discutir o fundo da questão, vamos discuti-lo. No entanto, parece-me que não devemos fazer uma discussão prévia do fundo da questão e depois tornar a discutir novamente.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Cossoiró (CDS): - Sr. Deputado Luís Saias, naturalmente que estamos aqui para discutir coisas sérias. Dizer simplesmente que o Sr. Presidente ao admitir a proposta de lei, resolveu tudo e que aplicou a lei, não resolve problema nenhum porque o que aqui estamos a dizer é que a admissibilidade de um projecto ou de uma proposta de lei tem um juízo liminar. Ora, este juízo liminar tem pressupostos próprios que são diferentes dos pressupostos de fundo sobre a matéria de fundo. A mera apresentação da proposta de lei tem que satisfazer pressupostos de liminaridade, e estes pressupostos vêm de o Governo ter obrigação de declarar qual o sentido, qual o objecto e qual a extensão.

Porém, nesta autorização legislativa que é pedida, o Governo não diz qual o sentido, não diz qual o objecto, não diz qual a extensão, aquilo que diz é uma mera repetição daquilo que vem na Constituição. Desculpem-me este exemplo comezinho, mas, por exemplo, amanhã eu faço uma petição inicial, ponho como título «Causa do pedido» e deixo em branco a causa do pedido; depois ponho «Pedido» e deixo em branco o pedido, o juiz, pura e simplesmente, indefere-me a petição. Nessa altura o Sr. Dr. Saias há-de vir dizer que isso não pode ser porque lá está dito «Causa do pedido» e «Pedido», e portanto não interessa nada a matéria de fundo, não interessa nada que a causa do pedido e o pedido estejam em branco porque a própria parte já disse que aquela é a causa do pedido e que aquilo é o pedido. Basta o juiz ver que existem as palavras «causa do pedido> e «pedido» para dizer «cite-se o réu».

15so não pode ser, Sr. Dr. Saias, é preciso que se .diga qual é a causa do pedido. Ora, aqui nesta matéria também não basta dizer que tem sentido. Desculpe que lhe diga, mas o que V. Ex ª está a dizer é que não faz sentido, não tem sentido.

O Sr. Luís Saias (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

0 Orador: - Faça favor.

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O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Deputado, só lhe queria perguntar se realmente V. Ex.ª leu a proposta de lei. Leu-a?

O Orador: - Li-a, mastiguei-a e fiquei triste porque não esperava isto de um Ministro de Estado que se preza de ser um grande jurista ... lá esperava isto do Sr. Dr. Gonelha ...

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Doutor?!...

O Orador: - ... porque ele não tem obrigação de saber isso. Mas tanto o Sr. Ministro de Estado como o Sr. Secretário de Estado têm não só muito mais obrigação de saber isso como têm obrigação de respeitar esta Câmara, de respeitar a Constituição, de respeitar-nos a nós todos e não nos fazer perder tempo.
Tal como já referiu o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, eu reafirmo que violências baseadas numa maior maioria chega a ser pornografia. Vocês podem, Srs. Deputados, com a vossa força de número, fazer passar aqui tudo quanto querem, mas isto é pornografia, isto não é Parlamento.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a apreciar o recurso interposto pela ASDI que, no fundo, acaba por se reconduzir à questão de saber se a proposta de lei n .º 19/III cumpre o dispositivo constitucional que manda que nela mesma apareça o objecto, a duração, o sentido e a extensão.
Pelo debate aqui efectivado verificou-se que não é posto em questão que o objecto esteja fixado e quanto à duração nenhum problema se levantou. Portanto, passa-se tudo à volta do problema de saber se o Governo ao apresentar a proposta de lei fixa claramente a extensão e se aponta o sentido.
Os termos em que o Sr. Deputado Magalhães Mota apresentou o recurso - independentemente de não irem merecer por parte da nossa bancada um voto concordante, pois iremos votar a favor da proposta e, portanto, contra o recurso - foram feitos em moldes que poderão merecer por parte da nossa bancada algumas considerações em sentido positivo. O mesmo já não acontece em relação às intervenções, essas já mais extremadas, do Sr. Deputado do Partido Comunista, que vai mesmo ao ponto de dizer que há uma inconstitucionalidade por incumprimento do artigo 164 º da Constituição - provavelmente queria entrar no fundo da questão em termos que não aparecem aqui nesta proposta - e do Sr. Deputado do CDS, que também, numa linguagem que vai sendo característica, se refere às questões de fundo e às pessoas que aqui vêm trazer o diploma em termos que, segundo creio, acabam mesmo por ultrapassar a questão que neste momento é a fundamental e que é a de saber se está ou não aqui fixado o sentido da proposta de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao problema da extensão, parece-nos que o artigo 3.º da proposta de lei, ao reportar-se à alínea a) do n .º 3 do artigo 64 º da Constituição, não deixa de dizer para que é que as coisas apontarão. Não dizemos que o sentido possa estar claro. No entanto, gostaria de recordar que de há muito tem sido praxe desta Câmara não haver grande exigência na concretização do preceito que no fundo impõe a clarificação da extensão do pedido de autorização. Esta é uma praxe que nalguns aspectos e nalguns diplomas quase chegou a ser derrogatória da Constituição. Portanto, creio que por aqui a questão não se levantará.
Quanto ao problema do sentido, a questão será a de saber o que é que se deve entender por sentido, o sentido que o Governo pretende imprimir ao futuro diploma, neste caso ao decreto-lei. O que é o sentido? É o caminho a seguir, é a orientação a imprimir para obter o objectivo? Se assim é, há, efectivamente, alguma dificuldade em o perceber, dificuldade essa que não é só deste diploma, pois já a poderemos ter intuído noutros diplomas. No entanto, eu diria que no pensamento de quem reviu a Constituição, a injunção desta palavra «sentido» no dispositivo constitucional brotou de uma proposta do Partido Socialista que teve o nosso apoio. O sentido de quem realmente pretendeu a injunção desta palavra era o de que não se deveria ser demasiado exigente bastaria uma simples orientação.
Tal como o Sr. Deputado Magalhães Mota, reconheço que no caso em que está em causa um pedido de autorização em matéria que não é de legislação subordinada à lei de bases mas é ela mesma uma matéria sobre lei de bases, se poderá defender e se deveria caminhar numa perspectiva em que apareçam mais claramente fixados os princípios ou os critérios a descrever. Penso que todos devemos fazer um esforço no sentido de que as questões que chegam a esta Assembleia venham em termos perfeitamente claros, de modo a que o trabalho de colaboração entre o Parlamento e o Governo seja um trabalho profícuo e construtivo.
Porém, o meu grupo parlamentar não vê razões para que neste momento, numa altura em que estamos a começar a dar os primeiros passos na aplicação da Constituição tal como acabou por ser revista, se criem dificuldades ao Governo no sentido de pretender uma maior clarificação no que se refere a este artigo 3 º da proposta de lei.
Vamos, em conformidade, votar contra o recurso e, posteriormente, votar a favor do diferente articulado desta proposta de autorização legislativa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É um espanto. Esta intervenção nem merece um protesto!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que vem sendo característico neste Parlamento não é uma certa linguagem, mas a falta de argumentos e, ao mesmo tempo, um certo oportunismo para defender coisas impensáveis. Ontem defendia-se uma coisa, hoje defendem-se coisas exactamente contrárias, para depois de amanhã certas pessoas, segundo as coligações em que estiverem integradas, defenderem já a primeira solução e não a segunda ... Contudo, já nos vamos habituando a este malabarismo e a estes golpes de rins.

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Assim, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Fernando Condesso qual é a linguagem característica deste Parlamento. Se não é uma linguagem política, se não é uma linguagem de argumento e contra-argumento, será uma linguagem de atento, venerando e obrigado a tudo quanto se envia para ser votado e depois pôr a chancela?
Em segundo lugar, queria perguntar qual é a praxe desta Assembleia. Não é a de as autorizações legislativas virem acompanhadas do articulado? Não foi esta a prática da AD?
A maior maioria é o maior deserto que aqui está e não tem argumentos. Basta ver como é que V. Ex ª, Sr. Deputado Fernando Condesso, começou e como é que terminou. Foi em absoluta contradição com aquilo que começou por dizer, tirando depois conclusões que nada têm que ver nem com o começo nem com o fim. V. Ex ª começou a dizer mal, depois começou a dizer bem, primeiro disse que não era preciso o sentido, depois disse que era preciso o sentido, primeiro disse que não era preciso o caminho, depois disse que era preciso uma orientação, depois veio dizer qual era o espírito do legislador constitucional para dizer por fim que o legislador constitucional, em vez de restringir o conceito de autorizações legislativas, de ter posto aí algum sumo, que afinal tinha retirado para deixar o Governo fazer o que quisesse e apresentar as autorizações como quisesse. Realmente V. Ex ª não teve na sua intervenção uma linha de orientação para concluir aquilo que concluiu. De modo que as conclusões ficam para V. Ex.ª, devolvo-lhe a linguagem característica e mais uma vez lhe peço que quando argumentar o faça com prudência e com cuidado porque sabemos que aprova tudo quanto vem do Governo, seja este ou outro, mas isso nada tem que ver com este debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso, há mais um senhor deputado inscrito para lhe formular pedidos de esclarecimentos. V. Ex. ª pretende responder já ou no fim?

O Sr. Fernando Condenso (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - O Sr. Deputado Fernando Condesso fez um esforço muito grande para defender aquilo que não tem defesa. Nós, pelo nosso lado, quase nem estaríamos muito preocupados se se tratasse simplesmente de uma concreta autorização legislativa. Contudo, não é disso que se trata; trata-se, sim, de saber se estamos dispostos a toda a permissividade, a qualquer interpretação, para depois, na base do voto, votar aquilo que a maioria de momento entenda. 15so não é aceitável, Sr. Deputado.
Em relação à questão que nos prende, ou seja, a de saber se esta proposta tem um objecto, um sentido e uma extensão claros, além da duração, o Sr. Deputado não aduziu nenhum argumento que demonstrasse que essa proposta tem um sentido claro e que tem uma extensão bem definida. Ora, o sentido é essencial.
Sr. Deputado, a questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: quando ainda há bem poucos dias o Sr. Ministro Almeida Santos entendeu defender a não necessidade de apresentação do articulado do decreto-lei que se intenta promulgar e publicar fê-lo exactamente nestes termos:
Anteriormente fazíamos isso porque não era exigido que houvesse com rigor o objecto, o sentido e a extensão da autorização legislativa. De facto fomos nós próprios que introduzimos a prática de trazer aqui o articulado, mas agora não é necessário trazê-lo porque, cumprindo a Constituição, já está tudo certo, uma vez que o Governo dirá qual é o objecto, qual é o sentido, qual é a extensão e naturalmente fixará um prazo para a autorização legislativa.

Como é que o Sr. Deputado compagina aquilo que disse, e mesmo assim como contradições internas, com esta justificação clara - que pode ser boa ou má, mas que foi clara - por parte do Sr. Ministro Almeida Santos? Certamente não negará uma voz autorizada deste Governo nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condenso (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, quando se refere à linguagem confusionista, não vou concretizar aquilo que o Sr. Deputado disse antes porque, na última intervenção complementária à minha, ele baralhou quase tudo o que eu disse e voltou a concretizar essa linguagem confusionista. De qualquer maneira, dir-lhe-ei que aquilo a que eu me referi foi ao facto de, muitas vezes, em relação a uma questão bem concreta, vir para aqui com ataques a membros do Governo, quando, no fundo, até podem nem ser esses mesmos membros que têm sobre a sua mais directa responsabilidade a feitura de propostas de lei que, aliás, são da aprovação de todo o Conselho de Ministros. O que está em causa é o facto de saber se o Governo agiu melhor ou pior. Não há que concretizar, não há que estar a fazer ataques pessoais.
Quanto ao problema das contradições na minha intervenção, devo dizer-lhe que fui bem claro e, portanto, não houve contradições; eu disse que íamos votar a favor, disse que tínhamos dúvidas sobre se realmente o sentido era facilmente descortinável e que tínhamos dúvidas também se, em termos de futuro, o Governo não deveria puxar um pouco para que as coisas pudessem aparecer sempre mais claramente visíveis e, portanto, se gerasse menos polémica na Câmara.
Em relação ao problema de virem as autorizações acompanhadas do articulado, devo dizer-lhe que não me referi ao passado. Estou a referir-me ao presente e, em termos de futuro, creio que o Governo pode fazer acompanhar os pedidos de autorização do articulado do futuro decreto-lei mais ou menos elaborado, mais ou menos preciso, mas também pode não o fazer acompanhar. No Constituição nada obriga a que isso aconteça.
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira perguntou se estamos dispostos à permissividade. Em relação a este aspecto, devo dizer-lhe que, quanto às propostas de autorização legislativa, nós, deputados da maioria, estamos aqui em termos de alguém que viabiliza um

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Governo, em termos de alguém que tem confiança no Governo e na maneira como ele irá concretizar tudo aquilo que são as suas linhas programáticas. Contudo, isso não impede que não se possa desejar que muitas vezes questões como estas, que são formais, embora com algum conteúdo real, possam vir a ser melhoradas. Se V. Ex.ª entendeu o que disse, terá certamente verificado que houve da minha parte um nítido apelo no sentido de que isso possa acontecer. Referi-me apenas à questão da regularidade desta proposta de lei e, fazendo um apelo no sentido de que as coisas melhorem, eu disse que efectivamente não pensávamos que a proposta fosse inconstitucional e por isso iríamos votar contra o recurso.
Não me debrucei sobre a questão de fundo, sobre as questões relacionadas com o Serviço Nacional de Saúde. Sairá depois desta autorização um decreto-lei e poderemos voltar a debater estas questões em ratificação futura.

Voltou V. Ex.ª também a tocar no ponto da necessidade do articulado e do problema do objecto, do sentido e da extensão. Já referi que na Constituição nada obriga a que os pedidos de autorização venham acompanhados do articulado e que, em relação ao objecto, ao sentido e à extensão, a Constituição não diz que têm que ser aqui fixados com rigor. De qualquer maneira, fui claro, ou pelo menos intui-se da minha intervenção, que eu disse que havia uma certa dificuldade em descortinar, isto é, havia uma certa deficiência.
Sr. Deputado, eu não disse mais do que aquilo que disse, mas também não disse tão pouco como V. Ex.ª quis dizer que eu disse. Eu disse aquilo que me pareceu ser correcto. De qualquer maneira, estamos perante um pedido de autorização legislativa, vamos dar essa autorização no momento oportuno e vamos viabilizar para que ela seja aqui apreciada. E a questão de fundo, a que interessa aos diferentes grupos parlamentares - ao povo português-, será trazida à população em decreto-lei e poderá ser trazida à Assembleia por qualquer grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, certamente para um protesto.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - E sim, Sr. Presidente.
Tentei por várias vezes que o Sr. Deputado Fernando Condesso me permitisse uma pequena interrupção, o que teria poupado este protesto.
O Sr. Deputado Fernando Condesso invoca para a sua posição não a matéria em debate, mas a confiança que tem no Governo e, digamos, até quase a obrigação, como disse, de viabilizar este Governo.
Sr. Deputado, o meu protesto vai no sentido de que se o Sr. Deputado entende a palavra confiança no seu Governo como uma postura de viabilização desse Governo, por essa forma, o que o Sr. Deputado está a fazer é minar a confiança em qualquer governo e, mais do que isso, a minar as relações que devem ser límpidas e transparentes no quadro constitucional entre o Governo e a Assembleia da República.
O Sr. Deputado poderá mais tarde vir a julgar, mas não se esqueça do que eu lhe digo hoje: se prossegue por esse caminho tarde ou cedo descobrirá que destruiu completamente a confiança dos deputados da maioria no seu próprio Governo. E não só fez isso como inviabilizou relações correctas, verdadeiramente límpidas e transparentes, à face da Constituição, entre dois órgãos de soberania, tendo por essa via criado mais um condicionante que vai favorecer não a estabilidade que os senhores dizem defender, mas uma nova crise.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso, para contraprotestar.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquilo que o Sr. Deputado Veiga de Oliveira disse, usando palavras ou expressões que eu referi, como confiança no Governo, e outras que depois lhe juntou, mostra que está a tentar tirar certas expressões de um contexto, jogar com elas e tentar tirar conclusões que ultrapassam este debate.
No fundo, não pretendo protelar o debate e a minha resposta é apenas esta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Uma curtíssima intervenção para comentar duas afirmações que foram feitas no decurso do debate.
O Sr. Deputado Luís Saias falou em perder tempo. Suponho que seria um argumento que não deveríamos voltar a utilizar nesta Câmara, sempre que ele se aplicasse a discussões em que se está seriamente a debater questões postas por deputados, e que se destinam a esclarecer dúvidas que visivelmente subsistem na mente dos deputados.
Se ao falarmos em perder tempo queremos significar que a discussão é inútil, porque conhecemos o sentido de voto da maioria que, em última análise, irá decidir as questões num determinado sentido, então seria preferível não voltarmos aqui, seríamos informados previamente do sentido do voto que a maioria iria ter e realmente, nessa altura, escusaríamos de perder tempo. No entanto, estaríamos a dar ao país uma imagem do Parlamento profundamente negativa - uma imagem talvez definitivamente negativa.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Era esta a questão que, em primeiro lugar, queria colocar.
Em segundo lugar, Srs. Deputados, da proposta do pedido de autorização do Governo é óbvio, é evidente, que não se alcança minimamente o sentido com que pretende realmente utilizar o pedido de autorização legislativa.
Primeiro, a nota justificativa é contraditória em si mesma de um período para o outro - do segundo para o terceiro há uma contradição flagrante; do artigo 2 º, por comparação, como já aqui foi abundantemente feita, com o artigo 64 º da Constituição é evidente que não se pode alcançar minimamente o sentido com que se pretende alterar a Lei de Bases do Serviço Nacional de Saúde.
Em relação ao Sr. Deputado Fernando Condesso, queria apenas referir uma coisa sobre os estilos característicos ou incaracterísticos. Sr. Deputado, as pessoas utilizam os seus estilos pessoais e as intervenções são feitas com seriedade e com respeito pela Câmara.

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É isso que interessa e sem desrespeito pelas pessoas que aqui estão, o que queria registar é que a intervenção do Sr. Deputado Fernando Condesso serve para sublinhar, em nosso entender, que o PSD entende também que os pedidos de autorização não estão a aparecer nesta Câmara como deviam aparecer.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda, para uma intervenção.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema levantado pela impugnação do Agrupamento Parlamentar da ASDI suscita aqui um problema que, embora pareça ser idêntico aos das outras propostas de autorização que o Governo fez baixar a esta Assembleia, tem um cunho especial.
Trata-se aqui não de fazer legislação ordinária tout court, mas pretende o Governo alterar as bases gerais do Serviço Nacional de Saúde, pelo que estamos de acordo com esta impugnação da ASDI.
O sentido deste pedido de autorização tem que ser muito mais claro do que em qualquer outro pedido que revele tão-só de um simples decreto-lei ordinário, e isto por se tratar de bases gerais. Citando alguns juristas eminentes e até jurisprudência, diz-se na impugnação que é necessário e indispensável que o sentido aqui seja extremamente claro.
Parece inferir-se da conjugação do n.º 2 do artigo 168 º com o n º 2 do artigo 115º da Constituição que, neste caso, a clareza desse sentido só poderá ser dada através da apresentação simultânea do articulado das bases gerais que se querem alterar.
Ouvimos ontem aqui, pela palavra do Sr. Ministro da Administração Interna, a propósito de um pedido de autorização, que o Governo entende que não deve apresentar o articulado com os pedidos de autorização. Tive ocasião de dizer já ontem que isto era uma regressão, pois o Governo AD na anterior legislatura muitas vezes apresentou o articulado quando pedia autorização. Parecem-me muito mais correctas essas relações entre o Governo e o Parlamento, pois assim é que estaríamos numa relação transparente e clara em que o Parlamento podia votar em consciência aquilo que ia autorizar ou não. Mas neste caso concreto das bases gerais esta exigência do articulado é muito maior, porque efectivamente o artigo 3 º desta proposta limita-se quase, pura e simplesmente, a transcrever a alínea b) do n.º 3 do artigo 64 º da Constituição.
Ora, transcrever a Constituição para fazer o pedido de autorização não me parece que seja a indicação de qualquer sentido nesta proposta de lei.
Por isso, ela não devia ter sido admitida quando foi apresentada, por violar frontalmente os normativos da Constituição e do Regimento desta Assembleia.
É nesse sentido que iremos votar e era isso que queria anunciar à Câmara.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Gomes de Pinho pede a palavra para que efeito?

0 Sr. Gomes de Pinho (CDS). -Sr. Presidente, era para uma interpelação à Mesa, através da qual pretendia colocar uma pergunta ao Governo.

Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, penso que deste debate ficou claro, em primeiro lugar, que nós não estivemos aqui a perder tempo, como já foi salientado pela minha bancada e, em segundo lugar, persistem fundadas dúvidas da parte de vários grupos parlamentares, inclusive de alguns deputados que apoiam o actual Governo.
Penso, pois, que seria uma fórmula muito simplista colocar esta questão apenas entre a maioria que apoia o Governo e a oposição. Será, por ventura, uma maneira simples de resolver este problema, porque será uma maneira de o resolver de forma quantitativa, mas não é, com certeza, nem uma maneira inteligente nem uma maneira politicamente séria de o resolver.

Quando participamos neste debate, e estou seguro que todos os deputados que o fizeram estão no mesmo espirito, pretendemos, em primeiro lugar, contribuir para a dignificação desta Assembleia, dos órgãos de soberania em geral e da relação entre eles.

Pretendemos, em segundo lugar, esclarecer uma questão que se não afigura como fundamental para o próprio debate subsequente.
Neste sentido permitia-me fazer um apelo ao Governo, aqui na pessoa do Sr. Secretário de Estado, para que repensasse o modo como este pedido de autorização aqui foi apresentado. E se connosco partilha das mesmas dúvidas - que, aliás, creio que são partilhadas por uma grande maioria dos deputados desta Assembleia, para além da sua situação partidária relativamente ao apoio ao Governo - pedia-lhe que nos esclarecesse, antes de se proceder a esta votação, se o Governo está disposto a reformular esta proposta e a torná-la perfeitamente inteligível para os deputados desta Câmara.

Penso que isso introduziria um elemento positivo nas relações do Governo com esta Assembleia, e permitiria que o papel dos deputados não fosse o de automaticamente tomarem posição a favor ou contra as iniciativas do Governo. Não é com esse espírito que aqui estamos; temos um sentido bem mais alto da nossa responsabilidade e permitiria, por outro lado, que esse papel se exercesse de acordo com a nossa dignidade pessoal e política e de acordo com o que são os reais interesses do Pais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tomo a sua interpelação à Mesa como uma intervenção que tinha o direito de fazer.

O Sr. Secretário de Estado irá, provavelmente, responder à sua intervenção.

Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de toda esta discussão, e eu não acompanhei naturalmente todas as críticas feitas, à forma como o Governo apresentou esta proposta de lei, entendo que não é indispensável, em primeiro lugar, como aqui foi dito, por exemplo, pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, fazer acompanhar as propostas de autorização do articulado próprio, exactamente porque isso nunca foi feito como regra. Quantas e quantas vezes nos confrontámos apenas com pedidos de autorização que não traziam qualquer proposta a acompanhá-los e, portanto, não é qualquer novidade aparecer aqui uma proposta de lei sem

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ser acompanhada de um articulado próprio para que a Câmara se debruçasse sobre ele em concreto.
De resto, queria chamar também a atenção da Câmara para o facto de o Governo estar ainda há poucochinho tempo em funções, não ter tido ainda materialmente tempo de aprontar todas as propostas de lei que concretamente quer pôr em execução como decretos. Portanto, não tinha materialidade temporal para fazer as suas propostas de autorização desses mesmos projectos em concreto.

De qualquer forma, o que me parece é que ao estabelecer-se no n º 2 do artigo 168 º da Constituição que o Governo tem a obrigação de fixar, quando pede autorização legislativa, o sentido daquilo que pretende legislar não quer significar-se que o Governo tenha a necessidade de chegar ao extremo, como aqui foi referido pelo Sr. Deputado do MDP/CDE, de ser extremamente claro. Quer dizer, já não chegava uma exigência de clareza, pois agora na interpretação que lhe deu o Sr. Deputado António Taborda era uma clareza extrema, o que me parece exceder perfeitamente os limites fixados no n.º 2 do artigo 168 º da Constituição.

E preciso, sim, estabelecer o sentido. Mas o sentido, também já aqui foi dito, e repito, é a orientação, é o caminho que se pretende seguir. Esse é que me parece ser o sentido. Naturalmente que poderá haver outras interpretações, mas não se quererá naturalmente acorrentar uma interpretação do Governo a outra interpretação qualquer.

Parece-me, portanto, que ao estabelecer-se um sentido se quis significar uma orientação a dar às medidas legislativas que o Governo tem em vista aplicar, e esse sentido ou essa orientação parece-me constar perfeitamente do artigo 3 º da proposta de lei de autorização que o Governo aqui apresenta.

Mas isto dito, não significa que o Governo esteja alheio às dúvidas que muitos Srs. Deputados levantaram.

Portanto, aqui declaro, em resposta ao Sr. Deputado Gomes de Pinho, que o Governo aceita perfeitamente que qualquer grupo parlamentar, se assim o entender, faça um aditamento ou esclarecimento ou aclaramento à proposta de lei apresentada pelo Governo, para que todos possamos votar em sã consciência sem mais problemas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, era para, sob a forma de protesto, dar um esclarecimento à Câmara.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares afirmou aqui que nos governos anteriores não era regra as propostas de autorização legislativa serem acompanhadas do respectivo articulado. Como antigo Ministro de Estado encarregado das relações com o Parlamento, queria dizer ao Sr. Secretário de Estado que a regra era precisamente a contrária, isto é, que as propostas de lei vinham quase sempre acompanhadas do articulado e quando não vinha isso era a excepção. No último Governo da Aliança Democrática penso que essa regra nunca foi infringida e sempre o articulado acompanhou as propostas de autorização legislativa.

Sr. Presidente, se me permite talvez fosse bom explicar porque é que o Governo actuava dessa forma.
Sem dúvida por respeito pela Assembleia, sem dúvida por desejo de diálogo com a oposição, mas muito principalmente por respeito com a sua maioria. O Governo não se atrevia a pedir à sua maioria um cheque em branco. Tinha demasiado respeito por ela para vir aqui sem qualquer ideia sobre o que ia legislar, pedindo apenas na base da confiança uma autorização que não se sabia como ia ser utilizada.
15so não é desrespeito para com a oposição, isso é um profundo desrespeito para com a maioria e o Governo. Seguindo por este caminho, Sr. Presidente, está-se sem dúvida a alienar não apenas o respeito por esta Assembleia, como também a pôr-se nas mãos do Governo um poder que não se sabe, sequer, como vai ser exercido, como agora o Sr. Secretário de Estado acabou por confessar.
Não é aos grupos parlamentares que compete aditar e saber da vontade do Governo, é a este que compete vir aqui dizer o que quer, o que pretende, qual sua política, se a tem e se sabe o que quer e para onde vai.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, há outros Srs. Deputados inscritos. Provavelmente deseja responder no fim ...

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer um curto protesto em relação às palavras do Sr. Secretário de Estado.
Sr. Secretário de Estado, com pasmo ou sem pasmo, podemos ouvir qualquer argumentação em favor ou contra seja o que for. Mas o que não podemos ouvir é um certo tipo de, desculpe a expressão, ligeireza color que se trata uma questão tão importante como esta.
O Sr. Secretário de Estado, no fim da sua intervenção, admitiu claramente que a proposta de lei, afinal, não tinha o sentido fixado. 15so é uma evidência tão grande que nem admira que alguém o admita. Mas depois fez uma sugestão que para nós, eu diria, é perfeitamente incrível: a de que fosse um qualquer grupo parlamentar a fazer uma proposta que fixasse o sentido com que o Governo quer legislar.
Sr. Secretário de Estado, isto é perfeitamente inacreditável. 15to é o mundo de pernas para o ar. Quem pede a autorização legislativa é o Governo, porque quer legislar e quer fazê-lo num certo sentido, com uma certa extensão, ou não quer fazer nada ou quer, simplesmente, escamotear à Câmara o que quer fazer. Mas ninguém aqui nesta Assembleia estará certamente em condições de dizer ao Governo qual é o sentido que ele quer dar à sua lei, qual é o sentido com que ele pede a autorização legislativa. 15so, Sr. Secretário de Estado, é que é absolutamente impossível e seria pormo-nos todos com as mãos no chão e de pernas para o ar a fazer o pino, e isso é inacreditável.
Uma coisa resta, Sr. Secretário de Estado. Com a sua franqueza, com a sua seriedade, admitiu realmente

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que esta proposta de lei não tem, de forma alguma, explícito o sentido com que o Governo pede a autorização legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Queria fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado.
Começava por lembrar que efectivamente em vários debates, e designadamente ontem no pedido de autorização legislativa sobre as competências das autarquias locais, as coisas evoluíram no sentido que o Sr. Secretário de Estado referiu. O meu agrupamento parlamentar e outros deputados tinham várias dúvidas quanto a vários pontos, que foram ao longo do debate esclarecidas, e, por intervenção de um conjunto de deputados - o Sr. Deputado Walter Rosa e outros - chegou-se a uma maior precisão, que foi aceite pelo titular da pasta da Administração Interna que aqui se encontrava. Evoluiu-se, portanto, no sentido de uma precisão da autorização legislativa. Esse debate, embora longo, não foi uma perda de tempo mas foi um enriquecimento.
O que acontece hoje é uma situação bastante diversa. E que é difícil a qualquer grupo, agrupamento parlamentar ou deputado, com base no material estrito que aqui temos, na ausência do titular da pasta e contendo o artigo que refere ao sentido da autorização apenas uma repetição sintética do articulado do texto constitucional, fazer qualquer proposta, porque se ignora o sentido e nem sequer aqui está o titular da pasta para esclarecer qual é esse sentido.
Portanto, não há qualquer possibilidade de fazer isso.
Penso que, de facto, é extremamente bem fundada a intervenção que há pouco fez o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Queria fazer um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.
O Sr. Secretário de Estado disse que não era válido eu ter dito que neste caso se exigia uma total clareza no articulado do pedido de autorização legislativa.
Só queria perguntar ao Sr. Secretário de Estado, como jurista eminente que é, e tratando-se do único pedido de autorização que o Governo, apresentou que pretende modificar e alterar as fases gerais dó Serviço Nacional de Saúde, portanto numa lei de bases gerais, e tendo em atenção o n .º 2 do artigo 155 º e o n .º 2 do artigo 168 º da Constituição, se não é válida esta necessidade de total clareza, designadamente através do articulado que devia ter sido enviado pelo Governo à Assembleia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Era também para um pedido de esclarecimento.

Sr. Secretário de Estado, parte daquilo que queria perguntar já foi perguntado pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
Acho que, quando V. Ex ª disse que o Governo não tinha tido materialmente tempo para pensar no articulado, fez a confissão de que, realmente, nem sequer tinha pensado no sentido e objecto daquilo que vinha aqui pedir. E a confissão de que o Governo nem sequer teve tempo para discutir as soluções de fundo que aqui quer apresentar.
Em segundo lugar, perguntava-lhe o seguinte: se o Governo não teve tempo para materialmente pensar nos articulados, como é que pode pedir esta catadupa de autorizações legislativas para tudo legislar em 90 dias? Vai ter tempo material para em 90 dias fazer tantos decretos-leis, quando agora não tem tempo, sequer, para dizer qual é o sentido e objecto de cada uma destas propostas de lei?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para responder.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Efectivamente foi uma catadupa de pedidos de esclarecimento que caiu sobre o Secretário de Estado, e a que irei procurar responder.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Basílio Horta impugna a afirmação que eu fiz de que anteriormente os pedidos de autorização legislativa não eram, em regra. acompanhados com as propostas de lei em concreto. É um problema que deixo em aberto, já que isso é facilmente verificável através dos próprios serviços da Assembleia (quem tiver interesse nessa matéria e se quiser debruçar sobre ela, facilmente verificará qual de nós tem razão). Já estou aqui na Assembleia há muitos anos e lembro-me que é verdade que o Partido Socialista quando foi Governo apresentou, muitas vezes, com as propostas de lei os projectos de decreto que pensava pôr em prática e em execução, logo que fossem aprovados os pedidos de autorização legislativa. Mas também é verdade que muitas vezes isso não aconteceu e posteriormente à entrada nesta Assembleia dos pedidos de autorização vieram as propostas de lei concretas. Há, portanto, toda uma diversidade de tratamento deste problema que escapa naturalmente a uma visão esquemática e simples, para que neste momento se diga com toda a simplicidade, como afirmou o Sr. Deputado Basílio Horta, que a regra era num sentido ou noutro. Entendo que não, e da experiência que tenho é que, normalmente, não vinham as propostas de lei em concreto a acompanhar os pedidos de autorização legislativa. Mas o problema resolver-se-á com uma simples leitura dos arquivos desta Assembleia, onde o facto está devidamente tratado.
Gostaria também de dizer ao Sr. Deputado Basílio Horta que se fiz uma adesão a que, porventura - e isto responde a vários Srs. Deputados - pudesse ser aditado e esclarecido o sentido constante do artigo da proposta de lei, foi para corresponder a um apelo de um deputado da sua bancada, o Sr. Deputado Gomes de Pinho, que se tinha pronunciado nesse sentido.
Quero, no entanto, esclarecer melhor o meu pensamento. Não é neste momento em que se está a tratar de um recurso sobre a admissibilidade de uma proposta de lei que é a altura própria de alterar, de aditar ou esclarecer a própria proposta de lei em si. Será tal-

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vez depois quando se discutir a proposta de lei, entrando nessa altura em linha de conta com os esclarecimentos que o Sr. Ministro vier dar a esta Câmara.
Queria responder, também, ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira, dizendo-lhe que não era qualquer alteração - e disse em que termos o Governo poderia aceitá-la neste contexto - que eu tinha em vista, quando falei em aditamento ou esclarecimento à proposta de lei. Era naturalmente uma daquelas que se compaginasse com a própria proposta de lei, uma daquelas que se encaixasse no sentido que o Governo quis imprimir ao artigo 3 º da sua proposta de lei.
Portanto, não era qualquer uma, mas podia ser feita por qualquer grupo parlamentar, desde que estivesse imbuída do mesmo espírito e desde que as alterações fossem no sentido da proposta do Governo.
15to responde também à crítica que o Sr. Deputado Hasse Ferreira fez.
O verdadeiro sentido a atribuir a esta proposta e aquelas que posteriormente se viessem a fazer, é o de adaptar este pensamento às dúvidas que existissem por parte dos Srs. Deputados de forma a ultrapassá-las. 15to é, e repito, essa alteração tinha que se harmonizar com o espírito do artigo 3 º e com o espírito que os decretos-leis que o Governo se propõe legislar terão.
Ainda quanto ao Sr. Deputado António Taborda, volto a repetir que não me parece que o n. º. 2 do artigo 168 º exija uma abertura tão grande como aquela que o Sr. Deputado entende. Essa extrema clareza não está, a meu ver, compaginada com o texto da Constituição, em que se refere apenas, o sentido e que, segundo penso, deverá ser entendido como a orientação, isto é, será aquilo que se visa. E aquilo que se visa está dito com a clareza suficiente no artigo 3 º desta proposta de lei, para que se entenda o pedido de autorização legislativa.
Finalmente, quanto ao Sr. Deputado Narana Coissoró. Eu não afirmei que o Governo não tenha pensado naquilo que pretende. O que disse foi que o articulado não estava feito e dificilmente o estaria, visto que o Governo está ainda há poucochinho tempo em funções.
Sobre os 90 dias dentro dos quais o Governo teria que fazer as alterações por decreto-lei, de harmonia com esta proposta de alteração, quero dizer-lhe que 90 dias são muitos dias para uma equipa que vai trabalhar com o interesse de satisfazer as necessidades do país e corresponder ao manifesto eleitoral que o PS apresentou ao país. Esse tempo chega perfeitamente para se elaborar um projecto articulado que neste momento não existe. Os objectivos que o Governo se propôs com este pedido de autorização são perfeitamente claros para o Governo, e eu nunca disse o contrário.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - 40 dias não chegaram ao Governo para elaborar uma simples proposta de autorização!...

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós sublinhamos o espírito de abertura evidenciado pelo Sr. Secretário de Estado. Ele deve ser tomado no bom sentido e não ser aproveitado para uma série de ataques e de críticas desproporcionados à atitude que ele tomou, e que é de louvar.

Pensamos que há aqui uma questão relativamente pertinente que tem a ver com o sentido da autorização, pois, apesar de o sentido estar definido, poder-se-á dizer que ele é demasiado amplo ou genérico. Mas a proposta de lei tem um sentido e não há qualquer inconstitucionalidade, como é óbvio, neste pedido de autorização.
Como o Sr. Secretário de Estado já afirmou e numa atitude que reputamos muito válida, consideramos que deve ser rejeitado o pedido de impugnação da autorização, porque ela está conforme com a Constituição. No que diz respeito a ser o sentido demasiado amplo e genérico é desejável, e para isso apelamos, que até à data da discussão da proposta de lei de autorização legislativa o Governo possa precisar melhor esse sentido. Neste aspecto, os partidos que apoiam o Governo, o Partido Socialista e creio que também posso falar em nome dos Srs. Deputados do PSD, estão dispostos a dar toda a sua cooperação.
Em suma, a proposta nada tem de inconstitucional, tem um sentido eventualmente demasiado genérico e, daqui até à sua discussão, esse sentido pode ser melhor precisado, por iniciativa do Governo ou com a cooperação dos deputados que apoiam o Governo nesta Câmara.
Pensamos que assim o problema pode ser superado e não valerá a pena continuar a insistir numa discussão que, quanto a nós, está completamente esgotada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, era para sob a forma de um protesto em relação à intervenção do Sr. Secretário de Estado, esclarecer melhor qual tinha sido a minha proposta inicial, pois penso que o Sr. Secretário de Estado não a compreendeu totalmente.
Sr. Secretário de Estado, o alcance da minha proposta não era o de que o Governo ou os grupos da maioria viessem, no decorrer da discussão deste pedido de autorização legislativa, a precisar melhor 0 seu sentido e o seu alcance. Era, sim, de que, no momento anterior à votação do pedido de impugnação, o Governo precisasse, nos termos constitucionais, o sentido, o alcance e o objectivo da proposta, pois que nos pareceu resultar da generalidade das intervenções que esta situação não era clara para a maioria dos deputados desta Câmara. E isto não é apenas por razões formais.

Portanto, repito, este debate não foi improdutivo, não foi uma perda de tempo. Foi um debate extremamente importante, até por razões que têm a ver com a necessidade de nós aqui esclarecermos - e penso que este é o momento ideal - qual vai ser o comportamento futura do Governo e da maioria e, em geral, da Assembleia nas suas relações com o Governo sobre esta matéria.
Penso que isto é um pouco fundamental e que se hoje ficasse aqui esclarecido nos pouparia, com certeza, muito tempo para o futuro. O que me parece extremamente nefasto para a eficácia dos trabalhos parlamentares é que se insista num procedimento que, em substância, sabemos que não está correcto, Sr. Secretário de Estado. 15to é o que esta situação tem, talvez, de mais dramático, sobretudo para o Governo.
Penso que este é o sentimento genérico dos deputados desta Câmara. Aliás, o Sr. Deputado Carlos Lage

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acabou por reconhecer agora também, como o Sr. Deputado Fernando Condesso o tinha feito já, que esta proposta está insuficientemente fundamentada. Nós admitimos isso, embora consideremos que 40 dias já foram um prazo razoável, pelo menos, para definir, nos termos constitucionais, o sentido, o objectivo, o alcance e a extensão da proposta de lei. Admitimos que tal facto seja uma realidade e não estamos a criticar o Governo por isso. O que pedimos, o que temos, diria mesmo, de exigir do Governo é que manifeste para com esta Assembleia, pelo menos, o respeito que esta Assembleia tem por este Governo. E nós iríamos ao ponto de, sabendo que o Sr. Ministro da Saúde está neste momento no Ministério numa reunião de trabalho, esperar que o Sr. Ministro aqui viesse, se o Governo entender isso como necessário, dizer-nos claramente qual é o sentido, o objectivo e a extensão deste pedido.
Se assim fosse, creio que o debate partiria de uma base sã e não de uma base errada e não estaríamos apenas aqui a fazer um exercício de maiorias ou minorias. Se isso é importante, deixa de fora e escamoteia outras questões mais importantes.
É o último apelo que eu, em nome da minha bancada, faço ao Governo na pessoa do Sr. Secretário de Estado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, pois o Sr. Secretário de Estado responde no fim.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Creio que a certa altura se confundiram aqui dois planos da discussão e que, felizmente, o Sr. Deputado Gomes de Pinho recolocou problema no seu devido lugar.
A certa altura começámos a confundir a discussão da impugnação com a discussão da própria proposta de lei. Devo dizer que a mim, sensível à abertura manifestada pelo Sr. Deputado Carlos Lage, ela me importa pouco para a discussão que tem neste momento lugar. Pode importar para definir a nossa posição se, eventualmente, a impugnação vier a ser rejeitada e formos confrontados com a discussão da proposta de autorização legislativa.
Neste momento, estamos confrontados com uma proposta do Governo que entendemos que não respeita os normativos constitucionais a que deve obedecer um pedido de autorização legislativa, no que respeita á clarificação do sentido desse pedido de autorização legislativa. Não é em função de posteriores alterações, numa fase posterior do processo nesta Assembleia, que posso determinar a minha posição neste momento.
E fundamentar as razões que nos levam a afirmar a ausência de uma clara definição do sentido da proposta de lei seria perfeitamente inútil, dado que já foi suficientemente debatido.
Nós subscrevemos as intenções de todos os deputados que se pronunciaram nesse sentido. E mais: louvamo-nos na própria intervenção do Sr. Deputado Fernando Condesso que disse aqui, creio que não abuso numa interpretação das suas palavras, que o pedido de autorização legislativa não tinha um sentido claro. E louvo-me num outro aspecto muito importante: é que o Sr. Deputado Fernando Condesso disse que estávamos a ensaiar os primeiros passos na aplicação da nova disposição constitucional que regula os pedidos de autorização legislativa. É exactamente por isso que devemos ser exigentes e cautelosos para que se não criem precedentes de que amanhã nos venhamos a arrepender. É exactamente porque ensaiamos os primeiros passos que os devemos dar com cautela.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado, para responder.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Em primeiro lugar, em resposta ao que disse o Sr. Deputado Gomes de Pinho, gostaria de dizer que nunca afirmei que esta proposta de lei não estivesse fundamentada. Tenho repetido sempre que entendo que esta proposta vem, efectivamente, fundamentada em termos constitucionais. Refiro-me, mais uma vez, ao artigo 3 º, em que o sentido está perfeitamente indicado.
Poder-se-á dizer que o sentido é vago, poder-se-á não concordar que esse sentido seja o mais consentâneo. De qualquer forma, como o n. º 2 do artigo 168º exige apenas que haja um sentido da proposta de pedido de autorização do Governo, parece-me que essa exigência constitucional está perfeitamente defendida no artigo 3.º da proposta de lei que foi apresentada.
Portanto, eu não disse que a proposta de lei não estivesse fundamentada. O que eu poderia porventura, aceitar é que essa fundamentação devia ainda ser mais clara, devia ter ido mais longe, para que não houvesse as dúvidas que foram aqui levantadas pelos vários Srs. Deputados que intervieram.
Quanto ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, dir-lhe-ei que tem razão pois estamos aqui a discutir apenas o recurso interposto e não estamos a discutir o fundo da questão. Quanto ao recurso interposto divirjo da opinião do Sr. Deputado Lopes Cardoso, porque entendo que a proposta de autorização vem devidamente fundamentada. Nisso estamos em desacordo, mas este não leva a mais nada senão a isto: o Sr. Deputado entende uma coisa e eu entendo precisamente o contrário. Penso também, como o Sr. Deputado Lopes Cardoso, que tal deve ser feito na altura em que o Sr. Ministro vier a esta Câmara dar os esclarecimentos que os Sr. Deputados pretendem, e que ele queira dar. Coisa semelhante se passou, por exemplo, quando ainda ontem o Sr. Ministro da Administração Interna, após os esclarecimentos que deu, admitiu que, a uma das propostas de autorização que aqui apresentou, fosse completada, fosse aditada uma proposta, de forma a que não houvesse dúvida nenhuma sobre o sentido em que o Governo pretendia legislar.
Assim, entendo também que, quando o Sr. Ministro Maldonado Gonelha vier a esta Câmara prestar os esclarecimentos que entenda que deve dar e que a Câmara lhe pedir, nesse momento, poderá ainda ser melhor esclarecido e aclarado o sentido do artigo 3 º desta proposta de autorização e compaginar-se com ela qualquer aditamento que na altura seja sugerido.
Foi apenas nesse sentido que eu disse que se poderia adaptar e completar a proposta de lei com aditamentos futuros que viessem a ser feitos pela Câmara. Mas só nesse momento, não agora naturalmente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos, vamos votar o recurso que tem estado em apreciação.

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Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PSD e votos a favor do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Em reunião realizada no dia 13 de Julho de 1983, pelas 10 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputados:

1) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão (círculo eleitoral do Porto) por Adalberto Manuel da Fonseca Noiva de Oliveira. Esta substituição é pedida para o dia 13 de Julho corrente.

2) Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituído indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
3) Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
4) Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

5) O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) -António da Costa (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS)-Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD), substituído por Manuel Araújo dos Santos - Fernando José da Costa (PSD), substituído por Manuel Ferreira Martins - José Mário Lemos Damião (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - Á1varo Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Manuel de Menezes Falcão (CDS) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

O Sr. Presidente: - Dado que nenhum Sr. Deputado deseja usar da palavra sobre o relatório e parecer que acaba de ser lido, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa aos Srs. Deputados de, logo a seguir à votação do recurso, não ter concedido a palavra para declaração de voto a quem a solicitou.

Inscreveram-se, pois, para o efeito os Srs. Deputados Narana Coissoró, Magalhães Mota, Carlos Brito e Carlos Lage.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Votámos a favor do recurso porque os argumentos do recorrente convenceram-nos sobejamente, assim como os que foram depois aduzidos por outras bancadas, não nos tendo convencido, de forma nenhuma, os argumentos dos recorridos, ou seja, das bancadas que sustentaram o respectivo despacho do Sr. Presidente.
Entendemos que o problema é demasiado grave e desde já afirmamos à Câmara a nossa intenção de, quanto a esta proposta, levar o pedido de autorização legislativa ao Tribunal Constitucional para que esta matéria fique definitivamente resolvida nesta Câmara.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Numa curtíssima declaração de voto, direi que o debate evidenciou as nossas razões e tornou patente que, apesar do nosso desafio repetido, ninguém conseguiu justificar a extensão do pedido de autorização - e esse desafio só poderá ser respondido quando a legislação for publicada no prazo de 120 dias - nem foi definido o seu sentido.
As propostas que acabaram por ser feitas concretizaram a razão da nossa impugnação na medida em que esse sentido terá de ser fixado em propostas de alteração que irão ser introduzidas.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - A votação a que acabamos de assistir é a prova mais cabal da justeza da impugnação. Na verdade, só votaram contra a impugnação aqueles que, por obrigação de disciplina para com o Governo, não podiam votar de outra maneira.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - O Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou contra a impugnação não por simples dever de seguir o Governo, mas pelas razões que expusemos.
Consideramos que a proposta de lei está conforme com a Constituição na medida em que indica o sentido. Esse sentido pode não ter a precisão que os deputados desta Câmara, designadamente os da oposição consideram ser necessária, o que pode até levar à rejeição da proposta de lei, ou esse sentido pode ser precisado e restringido por iniciativa na Câmara, como já se fez em momentos anteriores, ou por iniciativa do Governo.

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Mas a questão fundamental, ou seja, a do objecto, da extensão e do sentido, não foi refutada. O sentido existe, pode é ter um grau de amplidão, com o qual os Srs. Deputados não possam conformar-se.
Essa a razão por que votámos contra a impugnação apresentada pela ASDI.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, de seguida vamos apreciar ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, fizemos já um breve contacto com todos os grupos parlamentares no sentido de o recurso interposto pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n º 20/III, que concede ao Governo autorização para legislar em matéria de delitos antieconómicos e contra a saúde pública e de os recursos interpostos pela ASDI e pelo PCP, sobre a admissão da proposta de lei n.º 26/III, que concede ao Governo autorização para, durante o ano económico de 1983, efectuar transferências de verbas com prejuízo do disposto no artigo 20 º da Lei n.º 64/77, de 26 de Agosto, serem transferidos para o início dos trabalhos da parte da tarde, dado só nessa altura os Srs. Membros do Governo respectivos poderem estar presentes, e tivemos a concordância de todos os grupos parlamentares.
Propúnhamos, pois, que se passasse, de imediato, à apreciação dos recursos interpostos pela ASDI sobre a rejeição do pedido de urgência para o projecto de lei n.º 113/III, e do pedido de discussão conjunta da proposta de lei n.º 7/III e do citado projecto de lei.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - É só para precisar que o MDP/CDE não foi contactado mas não tem objecções a fazer à proposta do Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Com efeito, não contactámos o MDP/CDE porque, na altura em que fiz um percurso pelas várias bancadas, não se encontrava presente nenhum deputado desse partido.
Peço, pois, desculpa de posteriormente não termos corrigido essa omissão.

O Sr. Presidente: - Passamos então à apreciação dos recursos interpostos pela ASDI sobre a rejeição do pedido de urgência para o projecto de lei n.º 113/III (Defesa da concorrência) e do pedido de discussão conjunta da proposta de lei n.º 7/III (Práticas restritivas da concorrência) e do referido projecto de lei.
Estão em discussão.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda que se trate de dois recursos, penso que poderemos tratar dos 2 conjuntamente pelo que faria a apresentação de ambos.
Trata o primeiro dos recursos interpostos do pedido oportunamente formulado por ofício, dirigido ao Presidente da Assembleia da República, no sentido de ser agendado o pedido de urgência do projecto de lei n.º 113/III, que trata da defesa da concorrência.
Como resulta da alínea b) do artigo 26 º do Regimento, as decisões tomadas pelo Presidente da Assembleia da República em relação à admissão de qualquer matéria são sujeitas, no caso de rejeição, a recurso para o Plenário, sendo pois nos termos deste artigo que o recurso está a ser interposto.

A fundamentação do indeferimento foi a de que não tinha havido consenso por parte dos grupos parlamentares no sentido de esta matéria ser agendada, e esse consenso seria exigido nos termos da deliberação sobre a prorrogação dos trabalhos da Assembleia da República.

Só que não é assim. A deliberação sobre prorrogação de trabalhos diz exclusivamente respeito às matérias a incluir na segunda parte da ordem do dia, visto que apenas nesse ponto se tratou de projectos e de propostas de lei, e só estes têm lugar de discussão nessa parte da ordem do dia.

O processo de urgência é tratado na primeira parte da ordem do dia e sobre este período não existe nenhuma deliberação desta Assembleia. Pelo contrário, o processo de urgência é um processo regulamentado no artigo 243 º e seguintes do Regimento e perante ele a Assembleia deve pronunciar-se, visto que poderá, face a essa deliberação, dispensar o exame em comissão, reduzir o respectivo prazo, reduzir o número de intervenções e o tempo de duração do uso da palavra pelos deputados. Trata-se, portanto, de um processo no sentido de introduzir celeridade no próprio processo da discussão e não de agendamento de um diploma.

A Mesa confundiu duas matérias inteiramente diversas e, só por essa confusão, não autorizou o nosso pedido de urgência. Aliás, a prática utilizada conduziria também a que, por falta de cumprimento da disposição regimental, que obriga os despachos de admissão ou rejeição a serem efectuados em 48 horas, este recurso ficasse deferido para o mesmo dia em que foi agendada a proposta de lei relativa à mesma matéria.
Esse é, precisamente, o segundo ponto em relação ao qual me queria pronunciar.
Quebrando uma praxe parlamentar de sempre, violando uma recomendação da Assembleia da República que consta do Diário, n º 73, de 9 de Fevereiro de 1977, a p. 2429, nos termos da qual se considera a conveniência de o Governo não legislar sobre matérias acerca das quais existam pendentes, na Assembleia da República, projectos de lei, propostas de lei ou requerimentos de sujeição a ratificação, violando esta deliberação, violando uma praxe parlamentar sempre seguida, e que ainda no ano passado determinou, por parte do então Ministro do Comércio e agora deputado, Dr. Basílio Horta, que retirasse uma proposta de lei e um pedido de auto

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rização legislativa, sobre defesa da concorrência, pela existência anterior, pendente nesta Assembleia, de um projecto de lei atitude pela qual lhe presto a minha homenagem, quebrando, portanto, tudo isto entendeu o Governo apresentar um pedido de autorização legislativa. Ou seja, por essa via entendeu impedir que o debate do projecto de iniciativa dos deputados tivesse lugar antes da sua iniciativa legislativa.
E mais: teve o cuidado de nem sequer formular uma proposta de lei, pediu uma autorização legislativa para impedir que o debate recaísse sobre o fundo da questão e, também violando uma regra regimental e uma praxe parlamentar, a Mesa entendeu não cumprir o artigo 145.º do Regimento, que sempre foi seguido nesta Câmara, pelo qual, precisamente para evitar que este processo enviesado de um pedido de autorização legislativa, de uma proposta ou de um projecto entrados depois impeça a discussão de uma iniciativa legislativa anterior, sempre se agendaram conjuntamente matérias conexas.
Esta é uma prática parlamentar de sempre, é uma prática aqui sempre seguida e essa prática parlamentar, que tem o seu assento no artigo 145 º do Regimento, foi também impedida pelo despacho do Sr. Presidente, que considerou não haver conexão entre um pedido de autorização para legislar sobre matéria de defesa da concorrência e um projecto de lei que trata igualmente da defesa da concorrência.
Creio que esta protecção das iniciativas governamentais excede completamente todos os princípios regimentais e todas as praxes em que assentámos e, como tal, mais do que um recurso esta é matéria que merece o nosso indignado protesto.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que, ao longo da discussão da proposta de lei do Governo, teremos ocasião de demonstrar como o Governo não tem razão para o seu pedido de autorização, como se deveria fazer a discussão conjunta, como com isso só se teria vantagens, como esta Assembleia e a Mesa, cobrindo essa atitude do Governo, que de facto viola todas as regras e todas as praxes, violou o Regimento e impediu uma discussão que sempre foi feita nos termos em que a ASDI a pretendeu fazer.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, quero começar por lhe dizer que apoio aquilo que reclamou e que me parece perfeitamente pertinente a argumentação que utilizou para demonstrar que a Mesa procede indevidamente quando recusa a urgência requerida pelo seu partido.
Terá, pois, o nosso apoio em relação a essa questão, assim como terá o nosso inteiro apoio em relação ao que referiu na segunda parte da sua intervenção, isto é, a sobreposição por parte do Governo a uma matéria que tinha sido objecto de iniciativa legislativa por parte dos deputados.

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De facto, desde há 7 anos - posso testemunhar que essa questão aqui foi debatida tendo sido objecto de aprovação de uma resolução de forma a que todos os governos, quando alertados e chamados à atenção dos deputados relativamente a essa situação, corrigiram a mão, retiraram e fizeram com que fossem discutidas em simultaneidade com as mesmas iniciativas dos deputados. Quanto a tudo isso estamos de acordo.
Simplesmente, nós abordámos essas questões quando aqui se debateu o prolongamento desta sessão legislativa; nessa altura estavam em confronto 2 propostas de resolução: uma, apoiada pela maioria governamental e também subscrita pela ASDI e outra, apresentada pelo meu partido.
Nessa altura tive ocasião de dizer - considero que a sua argumentação é muito boa e que a resolução não inviabiliza figuras regimentais que são da primeira parte da ordem do dia - que o Governo e a maioria governamental vão servir-se desta resolução para fazer discutir só aquilo que interessa ao Governo e para impedir tudo aquilo que não lhe interessa.
Não pensa, pois, Sr. Deputado, que essa nossa preocupação era legítima?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Agradecendo o apoio que manifestou em relação aos recursos interpostos, apoio que aliás advém do cumprimento das regras parlamentares e regimentais evocadas, diria ao Sr. Deputado Carlos Brito que, em relação à questão que me coloca sobre se nós não pensaríamos ser legítima a preocupação expressa de que o Governo e a maioria utilizariam a resolução para apenas fazerem discutir as suas propostas, continuo a pensar que tanto o Governo como a maioria aceitarão cumprir as praxes regimentais e parlamentares que darão cumprimento ao Regimento e que, como tal, aquilo que sempre se fez será feito de forma a que a discussão conjunta das iniciativas legislativas poderá ainda ser efectuada.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Magalhães Mota referiu o seu indignado protesto contra a resolução da Mesa da Assembleia da República ao não admitir a discussão conjunta do projecto, em tempos apresentado pela ASDI, e da proposta de lei do Governo.
Devo dizer aos Srs. Deputados, e em especial aos Srs. Deputados da ASDI, que o indignado protesto parte da nossa bancada contra a atitude agora assumida pela ASDI.
É ocasião de lembrar que esta Assembleia, em 1 de Julho, tomou uma resolução que diz o seguinte:
A Assembleia da República delibera prolongar os seus trabalhos até 15 de Julho de 1983. A agenda dos trabalhos limitar-se-á às seguintes matérias:
a) Propostas de lei de autorização legislativa apresentadas ou a apresentar pelo Governo;

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b) Proposta de lei relativa à organização e funcionamento do Conselho da Comunicação Social, já apresentada pelo Governo;
c) Eleições para órgãos externos à Assembleia da República e das representações internacionais da mesma.

E acrescenta ainda o seguinte:

A título excepcional, poderão ser discutidas e votadas matérias sobre cuja inclusão na agenda a conferência dos presidentes dos grupos parlamentares se pronunciar favoravelmente por unanimidade.

Esta resolução foi aprovada com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI. 15to quer dizer que o Sr. Deputado Magalhães Mota - penso que estava presente, mas mesmo que não estivesse de qualquer modo o seu agrupamento parlamentar estava aqui representado - aprovou uma resolução contra a qual vem agora litigar. Daí que se a alguém cabe o protesto indignado não é à ASDI, que nesta matéria não tem autoridade moral para fazer protestos, muito menos indignados, mas sim à nossa bancada.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Não apoiado!

O Orador: - Todavia, o fundo da questão também não dá razão à ASDI. A ASDI fundamenta o seu recurso no artigo 145 º, n.º 1 do Regimento que diz que, quando as propostas ou os projectos são apreciados em comissão, se houver outras propostas ou projectos sobre a mesma matéria serão remetidos para que haja um parecer. Antes de mais nada, esta proposta de lei do Governo não é apreciada em comissão - o Sr. Deputado Magalhães Mota sabe-o - trata-se de um processo de autorização legislativa, portanto é matéria que não está sujeita à apreciação em comissão.
Mas é evidente que podíamos seguir um esquema por semelhança, por analogia. Só que - e aqui é que o problema de fundo está perfeitamente falseado as matérias em discussão na proposta de lei do Governo e no projecto de lei da ASDI são matérias, do ponto de vista lógico e regimental, completamente diferentes.
A matéria em discussão na proposta de lei do Governo é - muito clara e directamente e sem subterfúgios - um pedido de autorização legislativa. Na proposta da ASDI a matéria em discussão é sobre concorrência. São, pois, matérias diferentes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - La Palisse é pior ...

O Orador: - E o Sr. Deputado Magalhães Mota, que sentiu isto, enquanto que no seu recurso escrito fala na mesma matéria de forma a encaixar a hipótese do artigo 145 º do Regimento, aqui, antes do seu indignado protesto, já falava em matérias conexas e por conexão.

Pergunto, pois, ao Sr. Deputado Magalhães Mota se o problema é o de matérias conexas ou em conexão ou da mesma matéria e neste caso que mesma matéria é que aqui há.

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Por estas razões que sinteticamente acabei de expor, nós entendemos que o despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República é perfeitamente legal e regimental. Mais: nós entendemos que qualquer outro despacho que o Sr. Presidente da Assembleia da República fizesse em relação a esta matéria é que seria um despacho ilegal.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao orador que acabou de intervir, os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Carlos Brito, Magalhães Mota, António Taborda e Narana Coissoró.
Entretanto, como estamos a atingir a hora regimental de interrupção dos nossos trabalhos, estes Srs. Deputados usarão da palavra no recomeço da reunião.
Porém, antes de interromper os trabalhos, sinto necessidade de prestar um esclarecimento à Câmara, que tive a intenção de fazer ainda ontem à noite, mas, dado que já não se encontravam presentes muitos Srs. Deputados, não o fiz.
Como sabem, a Mesa possui recursos técnicos muito limitados que a habilitem a apreciar todas as propostas de lei que são apresentadas na Mesa, sobretudo quando, como no caso presente, aparecem inúmeras propostas de apreciação.
No que se refere à proposta de lei que aqui foi ontem discutida e aprovada, devo dizer que não estive presente na parte da manhã porque estava ocupado com outros afazeres da Assembleia. Contudo, na parte da tarde foi-me chamada a atenção para um assunto que depois foi aqui muito debatido referente ao n.º 2 do artigo 231.º da Constituição, sobre a consulta às regiões autónomas de uma proposta de lei.
Esta proposta de lei foi agendada durante a conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, com o acordo estabelecido no sentido de ela ser discutida naquela altura e não me foi chamada a atenção para nenhum impedimento de ela ser incluída na ordem do dia.

Durante a parte da tarde da sessão de ontem um Sr. Deputado chamou-me a atenção para este artigo 231.º da Constituição e pareceu-me que a Assembleia, como aliás aqui foi referido, deveria pelo menos alertar os órgãos dos Governos Regionais. Trata-se de uma consulta que se podia fazer na medida em que a proposta de lei já estava agendada com a opinião de todos os presidentes dos grupos parlamentares.
Nesse sentido, enviei um telex aos órgãos regionais comunicando-lhes que essa proposta de lei estava em discussão na Assembleia da República. Evidentemente que não o fiz com a intenção de receber uma resposta a tempo para introduzir a referida proposta de lei no debate a que se estava a proceder.
Aliás, foi opinião da maioria e do Governo que essa consulta só deveria ser feita em face do decreto-lei que viesse a ser estabelecido. De qualquer forma, os órgãos dos governos regionais foram alertados para isso, foi-lhes transmitido, também por telex, o texto da lei pelo que, penso eu, ficariam habilitados a poder interferir no decreto-lei que vier a ser aprovado.
Chamo também a atenção da Câmara para que haverá, certamente, necessidade, na revisão que se irá fazer do Regimento, de modificar o sistema que agora está em causa porque é absolutamente impossível à Mesa, com os recursos de que dispõe, poder apreciar

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a constitucionalidade ou não constitucionalidade dos diplomas, o que dá lugar às discussões a que aqui estamos a assistir.

Também me parece que se existe um Tribunal Constitucional é porque a matéria em causa não é assim tão fácil de resolver que permita ao Presidente avaliar ou não da constitucionalidade dos diplomas.

Srs. Deputados, a reunião está suspensa até às 15 horas

Eram 13 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a reunião.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Entretanto, tomou lugar na bancada do Governo o Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Álvaro Barreto).

O Sr. Presidente: - Tinham ficado inscritos para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Saias vários oradores, mas acontece que o Sr. Deputado interpelado ainda não se encontra presente.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, faria então uma curta intervenção para esclarecer o seguinte aspecto: é evidente que, quando há pouco o Sr. Deputado Luís Saias se interrogava sobre a conexão ou a identidade das matérias em discussão, é fácil encontrar divergências; uma é proposta de lei e outra é projecto de lei, e aí temos 2 índices de distinção.
A verdade é que a proposta de autorização legislativa tem um objecto que é o de, claramente, tratar das práticas restritivas e da defesa da concorrência. E esse mesmo objecto dessa proposta de autorização legislativa e também o objecto do projecto de lei de iniciativa dos deputados da ASDI. Sempre assim foi entendido. Aliás, esta dúvida nunca tinha surgido antes e sempre se entendeu que não era necessária a rigorosa identidade do título do projecto ou da proposta para que pudessem ser discutidas conjuntamente matérias cuja correlação se torna evidente aos olhos de todos e que, no caso presente, tratam da defesa da concorrência.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Luís Saias já se encontra presente, pergunto aos Srs. Deputados que se encontravam inscritos para lhe formular esclarecimentos se ainda o desejam fazer.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu prescindo e, simultaneamente, inscrever-me-ia para uma breve intervenção.

O Sr. Presidente: - Com certeza. E o Sr. Deputado Carlos Brito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, eu não prescindo. Certamente o Sr. Deputado Luís Saias está na expectativa de ouvir o meu pedido de esclarecimento e eu não quero desolá-lo.

Risos.

Sei que o Sr. Deputado é um distinto e arguto jurista e é nesta qualidade que ouso dirigir-lhe o pedido de esclarecimento que vai seguir-se.
O Sr. Deputado Luís Saias não foi sensível à argumentação do Sr. Deputado Magalhães Mota quando distinguiu entre a primeira e a segunda parte da ordem do dia?

0 Sr. Deputado Luís Saias não é sensível à ideia de que na primeira parte da ordem do dia se tratam questões processuais, que nunca poderão ser postas em causa porque regulam o próprio funcionamento da Assembleia da República?

Não concorda o Sr. Deputado que, em caso nenhum, qualquer resolução - como aquelas em que baseou a sua argumentação - sobre o funcionamento da Assembleia pode, por exemplo, pôr em causa as impugnações? É uma figura regimental da primeira parte da ardem do dia.

Então se o Sr. Deputado aceita as impugnações e os recursos, como é que não aceita os pedidos de urgência? Qual é a diferença?

Estou certo de que o seu espírito de jurista nos vai brindar com um esclarecimento largo e profundo desta matéria e nós ficaremos todos satisfeitos, e então decerto que os nossos pedidos de urgência terão de ser discutidos porque penso que o Sr. Deputado vai decidir honestamente esta questão a contento da justiça do bom funcionamento da Assembleia da República e com respeito pelo Regimento.

Vozes do PCP: - Muito bem !

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Luís Saias, também eu fiquei um pouco perplexo com a argumentação de V. Ex. ª tratando-se, como se trata, de um jurista com responsabilidades.

Parece patente em todas as luzes que V. Ex ª confundiu, não sei se deliberadamente, a forma com o objecto. De facto, no caso da iniciativa legislativa do Governo trata-se de uma proposta de lei e no caso da iniciativa legislativa da ASDI trata-se de um projecto de lei. Mas o objecto de um e de outro é a defesa da concorrência. Será assim ou não, Sr. Deputado Luís Saias?

Uma segunda questão que lhe queria colocar diz respeito à resolução desta Assembleia sobre o elenco das matérias que podiam ser discutidas até ao fim.
Também aqui me parece haver um sofisma na sua argumentação na medida em que o que foi deliberado é que seriam discutidas as matérias cujo elenco consta da resolução, e nessas matérias está incluída a proposta de lei do Governo sobre a defesa da concorrência.

Se há conexão entre esta proposta de lei do Governo e o projecto de lei da ASDI parece que, logicamente, se está dentro do espírito e da própria letra da resolução desta Assembleia da República, que não foi violada, salvo - parece-me - se não se der essa conexão.

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Luís Saias, pareceu-me ouvir V. Ex. ª dizer que havia diferenças substanciais entre a iniciativa do Governo e a iniciativa da ASDI.
Não lhe farei a injúria de pensar que V. Ex. ª apenas quis distinguir um projecto de lei de uma proposta de autorização legislativa. Naturalmente que quis estabelecer diferenças substanciais que separam a iniciativa do Governo da iniciativa dos deputados da ASDI.
Como eu sou simplesmente um deputado da República e não tenho acesso aos segredos de Estado como os deputados do Governo têm, gostaria de perguntar a V. Ex. ª se nos pode dar uma ideia, mesmo que perfunctória, sumária, do articulado - que algum dia aparecerá mas que com certeza V. Ex. ª tem, dado ter feito a afirmação que fez - pois assim ficaríamos habilitados a saber o que trata o articulado do Governo para o compararmos com o da ASDI, que eu tenho na mão, que li com atenção e que estou disposto a discutir.
Como a autorização legislativa fala da defesa da concorrência e da defesa das práticas restritivas, com certeza que não há contradição entre as duas porque esta matéria é conhecida por vários nomes - leis antimonopólio, leis contra práticas restritivas da concorrência, etc. -, aguardava que V. Ex. ª nos desse essa ideia, mesmo que sumária, do articulado do Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Antes de mais, agradeço o elogio imerecido do Sr. Deputado Carlos Brito ao qualificar-me de jurista arguto. É evidente que não sou arguto, sou um pobre jurista que procura ir cumprindo e exercendo a sua profissão.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - Arguto deputado é o Sr. Carlos Brito que já tem dado sobejas mostras da profundidade do seu pensamento.
Pergunta-me se eu não seria sensível à argumentação do Sr. Deputado Magalhães Mota. Bom, parece que o PCP está a ser altamente sensível ou mostra-se muito sensibilizado com a argumentação dos Srs. Deputados da ASDI e, ao que parece, também agora com a argumentação dos Srs. Deputados do CDS.
Já várias vezes tem sido dito que os extremos se aproximam e na realidade parece que se vão aproximando.

Risos do CDS.

O que é certo é que na intervenção que fiz há pouco, deixei claramente dito que não sou sensível à argumentação expendida pelo Sr. Deputado Magalhães Mota em relação a este caso. Haverá outras alturas em que eu seja sensível - e, inclusivamente, até possa concordar- com a argumentação que o Sr. Deputado Magalhães Mota venha a expender sobre outros assuntos. Neste caso não sou sensível, disse das razões porque não era a dispenso-me de estar a repeti-las.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Deixe-me acabar, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado António Taborda disse que eu confundo a forma com o objecto. A realidade é que não se confundem. E se V. Ex. ª quiser pensar um bocadinho., com os necessários distanciamento e imparcialidade, logo concluirá que é completamente distinto - e aproveito para responder também ao Sr. Deputado Narana Coissoró - discutir uma autorização legislativa e discutir o próprio normativo que essa autorização pretende, ela sim, dispor e legislar.

Repare, Sr. Deputado António Taborda: se nós fôssemos aqui discutir a iniciativa legislativa da ASDI, isso consistiria em denegarmos a autorização que o Governo pede. O Governo pede para legislar e dessa forma nós iríamos aqui discutir o próprio objecto desta autorização legislativa, o que quer dizer que esvaziaríamos o pedido do Governo.
Na realidade, uma coisa é autorizar-se o Governo a legislar sobre qualquer coisa e outra coisa é discutir-se aqui o normativo dessa autorização. Portanto, se existe alguma confusão entre a forma e a substância ela vem dos Srs. Deputados António Taborda e Narana Coissoró e não da minha própria pessoa.
Antes de terminar, daria então oportunidade ao Sr. Deputado Carlos Brito de dizer o que há pouco pretendia.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito obrigado, Sr. Deputado.
O que eu queria observar ao Sr. Deputado Luís Saias e se não reconhece uma distinção entre a primeira e a segunda parte da ordem do dia, entre a natureza das matérias que se discutem numa e noutra parte da ordem do dia. E a natureza das matérias que se discute na primeira parte é tal, porque determina o próprio funcionamento da Assembleia da República, que não pode ser posta em causa por essa resolução, tal como o Sr. Deputado aceita que não é posta em causa em relação à figura das impugnações e dos recursos.
Pois também em relação às urgências não pode ser posta em causa, Sr. Deputado. Demonstre o contrário, se é capaz!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito disse que há uma distinção e que há matérias que terão de ser discutidas.

Simplesmente acontece que essa matéria, que o Sr. Deputado Magalhães Mota pretende ver discutida, não é daquelas que devem ser admitidas.

Por outro lado, o Sr. Deputado Carlos Brito, apesar de o seu grupo parlamentar ter votado contra, não pode de forma nenhuma ignorar que existe uma deliberação da Assembleia da República, que li esta manhã, que diz que, só a título excepcional, poderão ser discutidas e votadas outras matérias que não sejam as propostas de lei da autorização legislativa apresentadas ou a apresentar pelo Governo e a proposta de lei relativa à organização e funcionamento do Conselho da Comunicação Social.

Ora, se é necessário, para que possam ser incluídas na ordem do dia outras matérias, unanimidade e se a unanimidade não foi conseguida, parece-me de todo em todo impróprio que se procure por esta via enviesada introduzir na ordem do dia uma matéria que não pode ser incluída.

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Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Luís Saias, embora use a figura do protesto, quero agradecer a resposta que V. Ex. ª me deu. Explicou cabal, justificada e substancialmente todas as diferenças entre o articulado do Governo e o da ASDI, as diferenças que separam os dois diplomas. Muito obrigado por isso!

Quanto aos extremos, queria esclarecer V. Ex.ª que realmente estamos no extremo. Estaremos sempre no extremo para defender a honra e a dignidade desta Câmara, a legalidade e a Constituição. V. Ex.ª pode sentir-se bem nas meias-tintas da sua bancada.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - E muito simples.

O Sr. Deputado Luís Saias, na sua argumentação, ignorou totalmente o artigo 67 º do Regimento e as prioridades das matérias a observar na fixação da ordem do dia. O Sr. Deputado não pode ignorar que se houvesse necessidade de discutir uma declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, se houvesse que apreciar a dissolução ou suspensão das regiões autónomas, se houvesse que apreciar uma moção de confiança ou de censura ao Governo, se houvesse que apreciar qualquer destas matérias, a "sua" Resolução teria de ser necessariamente preterida por força da própria Constituição da República.

O Sr. Deputado não pode ignorar estas circunstâncias e, por isso, o Sr. Deputado fez uma intervenção contra o Regimento e a Constituição.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção que, no fundo, ousaria classificar como um apelo ao Governo e às bancadas da maioria e que é o seguinte: não ponham em causa aquilo que é, para além de resultar de determinações regimentais, uma prática - que refuto como sã- seguida por esta Assembleia, ou seja, dissociar a discussão de matérias que são conexas.
Não vou invocar os problemas do Regimento, não vou dizer-lhe que aquilo que se pretende é, por uma forma enviesada, agendar, contra a Resolução desta Assembleia, uma matéria que não devia ser agendada. Da mesma forma que não quero utilizar esses argumentos, não lhe direi que o processo de autorização legislativa, no caso vertente, seria um processo enviesado de retirar a iniciativa legislativa já iniciada por um agrupamento parlamentar e por um deputado desta Assembleia.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Penso que teremos de encarar este problema com uma grande dose de bom senso e, sobretudo, com uma grande dose de respeito por esta Assembleia. O Sr. Deputado Luís Saias não nos convenceu do facto de se tratar de dois diplomas versando matérias distintas; é inegável que se trata de dois instrumentos diversos, no entanto, como versam matérias conexas, pode justificar-se a sua discussão conjunta.
Sinceramente não entendo as oposições do Partido Socialista, do PSD e do Governo quanto a este agendamento conjunto. No limite, o que é que poderia acontecer, Sr. Deputado? O que poderia acontecer é que esta maioria recusava a aprovação na generalidade do projecto de lei apresentado pela ASDI e aprovava a autorização legislativa, por preferir que fosse esse o processo legislativo a seguir. 15to traria uma grande vantagem para todos nós e até para o Governo: teria permitido, através da discussão do projecto de lei da ASDI, abordar matérias que serviriam para dar ao Governo um contributo positivo para a elaboração do decreto-lei.
Não havia nada a perder se os discutíssemos conjuntamente - talvez não houvesse nada a ganhar mas também não havia nada a perder - havia sim, na minha opinião, coisas a ganhar. Se a maioria e o Governo não tivessem, desde o início, tomado esta posição fechada, que eu sinceramente não entendo, já se teria ganho muito tempo e talvez neste momento já tivéssemos a proposta de autorização legislativa aprovada com o contributo de uma discussão baseada num projecto de lei, facto que certamente contribuiria para tornar mais útil esta discussão.
É, no fundo, este apelo que eu queria aqui deixar ao Governo e à maioria para que, de facto, não pusessem em causa essa praxe, vissem a vantagem da discussão conjunta e aceitassem que essa discussão se fizesse conjuntamente.

Aplausos da UEDS, do CDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, vamos proceder à votação de dois recursos interpostos pela ASDI: um, sobre a rejeição do pedido de urgência para o projecto de lei n.º 113/III e outro, sobre o pedido de discussão conjunta da proposta de lei n.º 7/III e do citado projecto de lei.
São dois recursos, vamos proceder às duas votações.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, por uma regra de prudência, recomendaria à Mesa que se certificasse se há quórum para votar. Evitávamos ter de anular a votação.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Vamos verificar, Sr. Deputado.

Pausa.

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Srs. Deputados, verifica-se que não há quórum, pelo que suspendo os trabalhos ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, agradeço que mande chamar os membros da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias. Essa Comissão está a funcionar na sala do Conselho de Ministros simultaneamente com o Plenário e, por isso, é da mais elementar elegância chamá-los para verificar se com eles há ou não quórum.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou tomar providências nesse sentido. Solicito à Câmara que aguarde os momentos necessários para que os nossos colegas membros da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias possam chegar à sala do Plenário.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos votar ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, para requerer à Mesa que sejam contados os votos de cada grupo e agrupamento parlamentar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado. Srs. Deputados, vamos votar o recurso interposto pela ASDI sobre a rejeição do pedido de urgência para o projecto de lei n.º 113/III (defesa da concorrência).

Submetido à votação, foi rejeitado, com 105 votos contra, 61 do PS e 44 do PSD e 33 votos a favor, 15 do PCP, 9 do CDS, 2 do MDP/CDE, 3 da UEDS, 3 da ASDI e 1 do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Cargos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só queria salientar que o partido que pediu a contagem dos votos deu uma preciosa contribuição para que houvesse quórum na sala.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há certas oportunidades em que - como o povo diz - mais vale estar calado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - E o caso!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Lage esqueceu-se de referir que do Partido Socialista só cá estavam 60 % dos deputados ...

Vozes do PS: - E falso!

O Orador: - ... e esqueceu-se de referir ...

Vozes do PS: - É falso!

O Orador - Srs. Deputados dão-me licença? Ouvi-os com muito silêncio e calma e peço, ao menos, que sejam recíprocos em relação à minha pessoa ... que do Partido Social-Democrata estavam mais ou menos os mesmos 60 % dos deputados em actividade de funções. Esqueceu-se também de referir que momentos antes, justamente quando se verificou que havia falta de quórum, estavam muito mais deputados do PCP e ...

Vozes do PS e do PSD: - E saíram!

O Orador: - ... que, em virtude de ter sido suspensa a sessão, ...

Protestos e risos do PS e do PSD.

... em virtude de ser necessário preparar os trabalhos da Assembleia e pelo facto de o bar, nestas condições de funcionamento, só abrir muito próximo das 15 horas, aproveitaram a interrupção para ir beber um café.

Risos do PS e do PSD.

Mas daqui a pouco a Câmara poderá verificar que estamos cá em percentagem superior, quer à do PS quer à do PSD. Não será por nossa causa que haverá falta de quórum.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que não vou lembrar ao Sr. Deputado Carlos Lage os passos que ele dava, quando era deputado da oposição, ao abandonar, com toda a sua bancada, este Plenário para não votar ou para não haver quórum.
Se lho lembrar, ele dir-me-á: "que vale a minha coerência perante milhões de votos que nos obrigam a dar cambalhotas".

Risos.

Portanto, registamos as cambalhotas do Sr. Deputado Carlos Lage e dos outros deputados e aguardamos, que as continuem a dar porque é um rico espectáculo!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente às tentativas de explicação do Sr. Deputado Veiga de Oliveira, eu e o meu

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partido acabamos de constatar que o bar abriu às 15 horas.

Risos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, que mais nos irá acontecer?

Criou-se agora uma nova figura regimental: não a da declaração de voto mas a da declaração de presenças!

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, V. Ex.ª na sua interpelação deu a resposta à pergunta que fez.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, sinto-me ofendido quando o Sr. Deputado do PSD diz que eu estive a dar explicações à Câmara ou, porventura, a si.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Foi o que fez!

O Orador: - Eu não tenho que explicar as presenças do meu grupo parlamentar, o que eu tenho é de protestar quando, por falta vossa, não há quórum e quando se pretende atribuir à oposição essa falta de quórum.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o recurso interposto pela ASDI respeitante ao pedido de discussão conjunta da proposta de lei n. º 7/III e do projecto de lei n.º 113/III.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PSD e votos a favor do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos a favor porque o recurso interposto pela ASDI vinha, mais uma vez, reforçar a prática regimental e também a dignidade desta Assembleia, ao sobrepor as iniciativas dos deputados às iniciativas do Governo.

A maioria, ao rejeitar este recurso e votar pela autorização legislativa, acaba de destruir uma das regras de ouro deste Parlamento e faz com que o Parlamento, daqui para o futuro, esteja sujeito ao Governo, isto é, à sua completa governamentalização.

O Sr. Bento Elísio de Azevedo (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Bento Elísio de Azevedo, para um protesto.

O Sr. Bento Elísio de Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estranhamos a declaração de voto do Sr. Deputado Narana Coissoró na medida em que, quando o CDS esteve no Governo, um ministro do seu partido apresentou aqui vários pedidos de autorização legislativa sobre a mesma matéria e nessa altura nenhuma das oposições - nem sequer o CDS levantou qualquer problema a respeito de inconstitucionalidades processuais, ao contrário do que acontece agora para - penso que só tem esse fim - boicote da acção governativa.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

Ó Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou favoravelmente o recurso interposto pelo Agrupamento Parlamentar da ASDI pelas razões que já expôs e ainda porque entende que a votação agora feita veio quebrar uma regra muito importante desta Assembleia e veio abrir caminho ao Governo para, daqui em diante, quando existir um projecto de lei de um grupo de deputados desta Assembleia acerca de um qualquer assunto, evitar as discussões dos projectos dos deputados através de pedidos de autorização legislativa acerca da mesma matéria.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar em relação ao protesto do Sr. Deputado Bento Elísio de Azevedo.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Basilio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria esclarecer o Sr. Deputado e a Câmara que a matéria cujo conteúdo ainda não começámos a analisar - ainda não passámos dos aspectos processuais - tem uma longa história.

Em relação à lei da concorrência, ela começou a ser elaborada em, suponho, 1977, vários textos foram produzidos e eu próprio tive ocasião de apresentar aqui, não apenas uma proposta de autorização legislativa, mas uma proposta de lei. No entanto, quando tive conhecimento que na Comissão estava a ser discutido o projecto de lei da ASDI acerca deste mesmo tema, imediatamente retirei a proposta de lei como, muito bem, o Sr. Deputado Magalhães Mota sublinhou.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Assim era a praxe parlamentar, Sr. Deputado, como era lógico que acontecesse, ou seja, se os deputados têm sobre uma mesma matéria uma iniciativa legislativa igual à do Governo, normal é que, pelo menos, se tente a conciliação entre os dois textos e não que um deles se venha sobrepor ao outro. Logo, o pedido que foi aqui formulado da discussão simultânea do eventual texto do Governo com o texto apresentado pela ASDI era mais do que legítimo, era de inteira normalidade, a não ser que o Governo tenha

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uma proposta em tudo nova que decida aqui apresentar, que vá contra tudo aquilo que foi apresentado até agora, e, nessa altura, ouviremos com maior atenção e suspense aquilo que o Governo certamente nos irá dizer sobre a matéria de fundo.

Aplausos do CDS.

O Sr. Bento Elísio de Azevedo (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Bento Elísio de Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As declarações do Sr. Deputado Basilio Horta não o, impediram, quando foi Ministro do Comércio, da Agricultura e Pescas, de vir a esta Assembleia, com grande cobertura dos meios de comunicação. social, solicitar uma autorização para legislar em matéria de delitos antieconómicos. Nessa altura esse pedido de autorização legislativa não estava devidamente fundamentado e a verdade é que o então Ministro Basílio Horta pediu uma autorização legislativa pelo período de 6 meses e nada fez sobre o assunto, servindo-se dele unicamente como matéria de propaganda.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que vergonha!

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para usar do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já nos começamos a habituar que o Regimento e as normas constitucionais não sejam acatadas, que as praxes também o não sejam, enfim, .tudo isso começa a ser o dia-a-dia desta Assembleia, e, realmente, não estamos habituados a esse tipo de procedimentos.

O Sr. Deputado Bento Elísio de Azevedo vem com afirmações que são totalmente falsas. Quando foi pedida autorização para legislar em matéria de delitos antieconómicos juntou-se o articulado do decreto-lei. Esse articulado foi aprovado em Conselho de Ministros e só o facto de o Código Penal ter sido aprovado previamente impediu que este articulado fosse publicado. Aliás, a Assembleia sabia, quando foi pedida a autorização, acerca do que é que versava a autorização legislativa, conhecia todo o articulado.

Mas, Sr. Deputado, não é essa a matéria que está em causa, nós estamos a discutir a lei da concorrência. Ainda bem que o Sr. Deputado surgiu à colação para ver bem a diferença de procedimentos que houve num e noutro caso.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos que respeita à apreciação do recurso interposto pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n.º 20/III, que concede ao Governo autorização para legislar em matéria de delitos antieconómicos e contra á saúde pública.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos termos do artigo 66 º do Regimento "A sequência das matérias fixadas para cada reunião pode ser modificada por deliberação da Assembleia". Nestes termos, o meu grupo parlamentar propõe que este recurso não seja apreciado neste momento, mas sim imediatamente antes da discussão da proposta de lei n.º 20/III a que o recurso se refere.
Penso que o Agrupamento Parlamentar da ASDI, que é o recorrente - o principal interessado na matéria - está de acordo.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, apenas para manifestar a minha concordância com o pedido que acaba de ser formulado e para dizer que a matéria já tinha sido objecto de consenso quando, hoje pela manhã, se organizaram os nossos trabalhos. Hoje de manhã fiquei com a ideia de que houve um pedido no sentido de que esta matéria fosse tratada da parte da tarde e antes de cada pedido de autorização.
Se não foi ,assim, o meu acordo está dado.

O Sr. Presidente: - Algum dos Srs. Deputados levanta objecções acerca da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Luís Saias?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, nós não levantamos quaisquer objecções e, naturalmente, importa que ninguém as levante [...] não basta que a ASDI esteja de acordo. O problema que eu coloco é o seguinte: há ainda 2 recursos para esta sessão e o entendimento, da proposta feita pelo Partido Socialista, através do Sr. Deputado Luís Saias, aplica-se aos 2 recursos, isto é, primeiro discutimos a matéria acerca do recurso que foi há pouco votado e só depois discutimos os outros recursos.
Se é isto, nós estamos de acordo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como está estabelecido o consenso acerca da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Luís Saias - nenhum grupo ou agrupamento parlamentar levantou questões - vamos passar à apreciação do recurso interposto pela ASDI e pelo PCP sobre a admissão da proposta de lei n. 26/III, que concede ao Governo autorização para, durante o ano económico de 1983, efectuar transferências de verbas com prejuízo do disposto no artigo 20 º da Lei n.º 64/77, de 26 de Agosto.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

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O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, não entendo nada. Acabei agora mesmo de dizer, toda a gente esteve de acordo ou pelo menos muito sensatamente ouviram e não disseram nada, que os 2 recursos seriam transferidos - foi o que se disse de manhã - para depois da discussão da proposta de lei n.º 7/III. Imediatamente após o acordo generalizado da Assembleia, para não dizer unânime, o Sr. Presidente começa, outra vez, pelo recurso pendente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Veiga de Oliveira tem razão em presença do equívoco de que eu fui vítima, na medida em que, segundo a ordem de trabalhos que eu aqui tinha, eu presumia que o acordo inicialmente estabelecido entre o Partido Socialista e a ASDI respeitava exclusivamente ao n º 1.2 da ordem de trabalhos, ou seja, ao recurso interposto acerca da proposta de lei n.º 20/III.
Verifico agora que, em presença da proposta feita pelo Sr. Deputado Veiga de Oliveira, esse acordo foi alargado ao outro recurso e a Mesa está de acordo com isso. Passamos então à segunda parte do período da ordem do dia, ou seja, à discussão da proposta de lei n.º 7/III, que concede ao. Governo autorização para elaborar normas práticas restritivas da concorrência.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos).

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Álvaro Barreto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O pedido de autorização legislativa que o Governo apresentou destina-se a dotar o nosso país com legislação que lhe permite fazer a elaboração de normas práticas restritivas da concorrência, ou seja, uma defesa clara de um sistema em que os delitos por abuso de posição dominante ou de práticas restritivas de concorrência sejam devidamente penalizados.
Acerca desta matéria, gostaria de começar por dizer que são para nós elementos valiosos os documentos elaborados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, através do projecto de lei da ASDI que foi apresentado nesta Câmara, em 23 de Abril de 1981 - e eu chamava a atenção para o facto de já terem passado mais de 2 anos desde que este projecto foi apresentado e que até hoje ainda não foi discutido - e a proposta de lei n.º 94/II, que entrou nesta Assembleia em Abril de 1983.

O Governo considera esta matéria como fundamental. É conhecido que não existem neste momento leis que façam a defesa de uma concorrência de modo a que sejam punidas e devidamente enquadradas as actuações restritivas da concorrência. Esta matéria parece-nos fundamental e de tal maneira importante que não se compadece com mais atrasos, a razão pela qual o Governo insistiu na discussão deste pedido de autorização legislativa baseia-se na grande importância que dá a este documento, que considera peça indispensável e base para evoluir noutros sectores.
É conhecido que todo o nosso actual sistema respeitante à situação de mercado está condicionado por uma excessiva intervenção administrativa e, por isso, urge caminhar no sentido de uma desburocratização e de uma melhor intervenção administrativa. Tal só é possível após termos ,devidamente legalizados, através de um enquadramento legislativo, os problemas da concorrência.
E essa a razão dá urgência do Governo de modo a ser possível criar condições que possam punir as práticas individuais, as concertadas, ou os abusos de posição dominante.
O Governo prepara-se para tomar como elementos de trabalho, para reformular a legislação existente, os documentos base da proposta de lei n.º 94/II, apresentada pelo anterior Governo, e as contribuições do projecto de lei apresentado pela ASDI, em 23 de Abril de 1981. Será na base destes 2 documentos e na base das consultas que entendemos fazer com as diversas associações interessadas nesta legislação que o Governo tenciona, durante o mês de Setembro, fazer sair, através de decreto-lei, esta legislação. Os Srs. Deputados terão ocasião, após a reabertura da Assembleia, de fazer o pedido de ratificação; no entanto, desde já os informo, é intenção do Governo utilizar os documentos que veio encontrar e até estabelecer consultas com o Sr. Deputado Magalhães Mota, que por isso lhe gostaríamos de prestar homenagem: foi a primeira pessoa que nesta Câmara, embora já há 2 anos - aspecto que lamentamos -, trabalhou neste problema.
O Governo considera absolutamente indispensável que se faça hoje a discussão desta proposta de lei de autorização legislativa de modo a começar a trabalhar nos 2 documentos - o do anterior Governo (que terá tido origem no Sr. Deputado Basílio Horta) e o do agrupamento parlamentar da ASDI - para, conjuntamente com as consultas a todo o conjunto de entidades interessadas nisso, durante o mês de Setembro - tomo desde já o compromisso - fazer sair um decreto-lei sobre esta matéria que, penso, conciliará e atenderá os diversos pontos de vista em discussão.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço as referências feitas pelo Sr. Ministro Álvaro Barreto.

Creio que o trabalho conjunto pode e deve ser efectuado - agradeço-lhe essa oportunidade - era esse, aliás, o sentido do pedido de discussão conjunta que tínhamos formulado nesta Câmara.
Em relação ao pedido de esclarecimento concreto, o que lhe pergunto é o seguinte: o direito comparado permite evidenciar, em matéria de concorrência, que as concepções que têm por base as diferentes legislações pressupõem uma certa concepção da estrutura do mercado e uma certa concepção dos benefícios e virtualidades da concorrência. É assim que, concretamente, há legislações que condenam aprioristicamente, independentemente da forma e da averiguação dos resultados da actividade, todos os acordos ou posições dominantes, enquanto outras legislações (estou a referir os 2 sistemas extremos) aceitam a licitude, em princípio, dessas práticas e só reprimem aquelas que se mostram lesivas para o interesse geral. Temos 2 sistemas extremos, temos um sistema misto, o Sr. Mi-

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nistro e o Governo apontam para o sistema vigente na CEE.
O pedido de esclarecimento concreto que formulo ao Sr. Ministro é o seguinte: no âmbito da CEE, temos as legislações próprias de cada país, temos o modelo da França, da Inglaterra, da República Federal da Alemanha (um modelo) e temos o modelo CECA, do próprio tratado de Roma, o modelo do regulamento sobre concorrência da CEE, aprovado em 1976-1977 e que foi actualizado em Dezembro de 1982, e temos também o modelo dos pequenos países, como o Luxemburgo, a Holanda e a Bélgica. Pergunto: dos vários modelos vigentes no espaço da CEE, qual é a concepção de fundo que vai enformar a proposta governamental?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, como há mais deputados inscritos, deseja responder agora ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - No fim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Ministro, a primeira questão que eu gostaria de lhe colocar é esta: se é verdade que o articulado da proposta de lei de autorização que aqui nos trouxe é extremamente falho de sentido e de extensão, a sua intervenção em nada melhorou esse mesmo articulado. Por aquilo que aqui nos trouxe, ficámos sem saber o que é que o Governo pretende com esta autorização legislativa.
O Sr. Deputado Magalhães Mota já colocou algumas questões que são pertinentes, no entanto eu poderia ir um pouco mais longe. O Sr. Ministro disse que teria como base de trabalho, quer uma proposta de lei já apresentada em tempos a esta Assembleia, quer o projecto de lei que foi apresentado pela ASDI, mas certamente não desconhecerá que entre esses 2 projectos de diploma há diferenças. Sendo assim, pergunto-lhe: em que sentido vai a intenção do Governo? No sentido da proposta de lei do anterior Governo? Ou no sentido do projecto de lei da ASDI? Esta é uma questão que desde logo se coloca.
Uma outra questão relaciona-se com o facto de o Governo afirmar que pretende elaborar normas. Perguntamos: mas que normas? Que normas é que o Governo pretende elaborar? Precisamos de saber quais são as normas, em que sentido é que elas vão e qual é a sua extensão.
No articulado da proposta de lei fala-se que se pretende aproximar a nossa legislação à legislação da Comunidade Económica Europeia. Sr. Ministro, qual é o sentido desta palavra "aproximar"? Aproximar mais, aproximar menos? Estar muito próximo? Estar relativamente distante? O que é que se pretende com isto, na medida em que existem na CEE diversas legislações sobre esta mesma matéria? Qual delas vai ter o Governo como parâmetro? Nenhuma, todas elas, qual é a mais próxima?
Há, no entanto, Sr. Ministro, uma questão fundamental que se coloca e que é esta: na verdade, esta proposta de lei de autorização legislativa que aqui nos apresenta o Governo é uma proposta de lei que não dá qualquer indicação da sua real extensão e por isso mesmo é uma proposta de lei, à semelhança de outras que aqui têm aparecido, que não se coaduna com os preceitos constitucionais. E sobre estes aspectos que gostaria de ter respostas muito claras. É que, Sr. Ministro, não basta vir aqui dizer que é necessário e fundamental - como foi referido- ter normas práticas restritivas da concorrência e que é necessário uma aproximação vigente na CEE, é fundamental definir qual é o sentido e a extensão desta proposta de lei.
É isso que penso que o Sr. Ministro deve fazer.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O Sr. Ministro referiu que iria ouvir até Setembro, não só os Srs. Deputados que apresentaram aqui um projecto de lei sobre o mesmo assunto (defesa da concorrência) - é o caso da ASDI e do Sr. Deputado Magalhães Mota - como também o Sr. Deputado Basílio Horta, do CDS, que foi um dos autores, creio eu, da proposta de lei n.º 94/II, apresentada pelo anterior Governo e que não chegou a ser discutida. Salientou igualmente que iria ouvir as posições das diferentes organizações patronais sobre este assunto.
Gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se não conhece uma série de pareceres de diversas organizações patronais sobre estes dois documentos - o projecto de lei da ASDI e a proposta de lei n.º 94/II. E que nós temos esses pareceres em nosso poder - foram enviados ao nosso grupo parlamentar e, creio, a todos os grupos parlamentares - e constatamos diferentes posições das diferentes organizações patronais interessadas neste problema. Creio que, se não os conhece, era bom que os lesse, na medida em que a Assembleia tem em seu poder uma série de documentação que fornece diferentes posições sobre este mesmo assunto, posições que permitiriam que, em vez de estarmos a debater uma autorização legislativa, estivéssemos a debater ou uma proposta de lei ou um projecto de lei. Assim devia ter acontecido como, aliás, já hoje de manhã foi suficientemente discutido.
De facto, pelas razões que o Sr. Ministro apontou, ficámos sem saber o conteúdo exacto e concreto do que é que pretende com a autorização legislativa que agora apresentou. No entanto, ficámos mais esclarecidos acerca da posição do Governo relativamente ao assunto, ou seja, o Governo não quer deixar que seja a Assembleia da República a legislar sobre a questão, na medida em que sabia que havia um projecto de lei, uma proposta de lei e posições de diferentes organizações patronais, e, mesmo assim, impediu que fosse a Assembleia a discutir o problema, chamando-o a si e dizendo que vai ouvir de novo todas as organizações e que vai ler toda a documentação.

Das duas, uma, Sr. Ministro: ou de facto não sabia nada acerca deste assunto, não tinha um dossier preparado com tudo o que existe sobre o problema, ou então está a passar um certificado de incompetência aos deputados desta Assembleia, reconhecendo-lhes incompetência para discutir este assunto, para serem eles a legislar acerca de uma questão importante.
Gostaria ainda de lhe dizer o seguinte: neste momento em que o Governo pediu uma autorização legislativa sobre um assunto tão importante como é o da delimitação dos sectores, é preciso que não se venha

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- Para pedir esclare utado Basílio Horta.

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1981. A proposta de lei da ASDI entrou nesta Assembleia em 81 e, passados 2 anos, ainda não foi discutida. O pedido de autorização legislativa do Governo já teve, portanto, a vantagem de demonstrar que a Assembleia considera esta matéria altamente prioritária. Fica-nos, no entanto, a dúvida em saber porque é que, sendo esta matéria altamente prioritária, não a discutiram ao fim de 2 anos!

Protestos do PCP.

Desculpem, mas a proposta do Sr. Deputado Magalhães Mota entrou na Assembleia no dia 23 de Abril de 1981, às 19 horas e 26 minutos. Lamento que não tenham tido ocasião de a discutir e que agora venha o PCP, muito pressuroso, dizer que deverão deixar os Srs. Deputados discutir este assunto. Tiveram todo o tempo para o discutir e não o fizeram, porque entenderam que não era urgente.

Protestos do PCP.

O Governo entende que é urgente, pelo que pediu autorização legislativa e vai legislar. E vai fazê-lo com base no documento que encontrou. O que eu disse é que, da leitura que fiz do documento preparado pelo Agrupamento Parlamentar da ASDI, haverá algumas ideias que me parecem que poderão vir a melhorar a feitura da actual lei. E nesse sentido que nós iremos trabalhar: é mais no aperfeiçoamento do que viemos encontrar (e, aliás, comecei por prestar, homenagem a quem preparou este documento) do que propriamente vir dizer que não concordamos com a sua filosofia.
Pergunta o Sr. Deputado Magalhães Mota qual dos modelos vamos seguir. Estou consciente de que na CEE não há um modelo único de lei de concorrência.
A situação portuguesa tem certos casos em que se justifica e até constitucionalmente se prevêem posições dominantes, posições de maioria total. A lei prevê que nesses casos, sempre que advenham benefícios para a comunidade, não poderão tais situações deixar de ser encaradas e devidamente regulamentadas.
Nós não iremos no sentido de condenar toda e qualquer posição dominante que possa ter um dano potencial em relação à economia; vamos, sim, adaptando essa legislação ao caso particular da vida portuguesa, que é diferente de todos os outros casos. Não podemos legislar no vazio, temos de legislar de acordo com a realidade nacional. É isso que nos propomos fazer.
Quanto ao facto de se dizer que a extensão e o sentido - da legislação não estão definidos, devo responder que, tal como disse logo na minha primeira intervenção o documento base é a proposta de lei n.º 94/II, sobre a qual vamos trabalhar. Ficam assim os Srs. Deputados a saber qual é o, sentido e a extensão da legislação que nos propomos elaborar.

O Sr. Presidente: - A Sr. ª Deputado Ilda Figueiredo pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É para protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O Sr. Ministro, nos seus esclarecimentos, não acrescentou muito àquilo que tinha dito inicialmente. Ou seja, continuamos sem saber até onde vai o sentido e a extensão da autorização legislativa, continuamos sem saber o que é que o Sr. Ministro considera importante na proposta de lei da ASDI, continuamos sem saber em que sentido é que este Governo vai legislar sobre matéria que tem certamente importância.
De qualquer modo, o meu protesto vai sobretudo noutro sentido. O Sr. Ministro criticou esta Assembleia por não ter ainda legislado sobre este assunto, tendo em conta que o projecto de lei da ASDI está aqui há mais de um ano ...

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Para ser mais preciso, já cá está há 2 anos e 2 meses!

A Oradora: - Exactamente. Mas o que lhe quero dizer, Sr. Ministro, é que o senhor foi, tal como nós, deputado dessa Assembleia da Republica, foi, além disso, deputado da maioria governamental de então, e sabe que na devida altura, a Assembleia esteve a discutir a revisão constitucional, tendo a maioria governamental impedido que outro assunto fosse discutido durante esse debate. E quando acabou o debate da revisão constitucional, a mesma maioria demitiu-se, foi-se embora, impedindo assim que assuntos importantes para o País fossem discutidos.
Esta é que foi a verdadeira razão.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Ministro do Comércio e Turismo.

O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr.ª Deputada, limitei-me a constatar que há 2 anos e 2 meses que esta proposta de lei se encontra aqui e que nunca foi manifestado pela bancada do Partido Comunista qualquer preocupação sobre o seu grau de urgência. Ora, o que hoje vejo é uma preocupação extrema, que não percebo, em querer discutir à minúcia todos estes problemas, não autorizando que o Governo, que quer andar depressa, possa fazê-lo, e impedindo que se deite cá para fora, de uma vez por todas, uma peça essencial de toda a legislação económica nacional. Não faz sentido que no nosso país não exista uma lei que, devidamente adaptada às nossas condições, proíba ou restrinja as práticas ilegais de concorrência. Foi isto que eu disse. E entendo que sem esta lei não será possível implementar todo um conjunto de medidas que são absolutamente essenciais para o desenvolvimento do nosso país.
É esta a razão porque nós insistimos em fazer hoje aqui a discussão da autorização legislativa, e não nos arrependemos de o termos feito.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Na minha intervenção quis simultaneamente prestar a homenagem ao Sr. Deputado Magalhães Mota porque, pelo menos, mostrou preocupação por estes assuntos, coisa que até agora a bancada do PCP nunca revelou!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - É para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - O meu protesto tem este sentido exacto: é, de facto, uma coisa espantosa, contra a qual devo protestar, o Governo aparecer aqui a imputar a esta Assembleia, que mudou de conteúdo político quando pôs a AD em minoria, os males da anterior Assembleia e a tentar ressalvar-se a si próprio dos males do Governo anterior (de que, aliás, é continuador). Ou seja, passa para a nova Assembleia, para a Assembleia que a partir de 25 de Abril deste ano tem uma composição diferente, os males de uma Assembleia de maioria AD que não soube resolver os problemas e também os males do governo AD que, neste momento, estão a ser assumidos por este Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Furtado Fernandes.

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Submeteu o Governo a esta Câmara uma proposta de autorização legislativa para elaborar normas sobre práticas restritivas da concorrência. Argumentou para tanto com os relevantes artigos da Constituição, com a nossa adesão à Comunidade Económica Europeia e poderia mesmo ter referido, como o tem feito a propósito de outras autorizações legislativas, o seu próprio Programa.
Assim procedendo não esgotou naturalmente o Governo o arsenal dos argumentos abonatórios, e muitos são, da adopção por Portugal de uma disciplina jurídica que defenda a concorrência: de facto, pensamos que esta matéria será comparativamente com outras, relativamente pacífica, sendo indubitavelmente possível formar a seu respeito um consenso razoavelmente alargado.
Efectivamente, ultrapassado que foi o mito da concorrência perfeita, caracterizada pelos seus 5 conhecidos princípios - atomicidade do mercado, homogeneidade do produto, livre acesso à indústria, perfeita transparência do mercado e perfeita mobilidade dos factores de produção - procuram hoje os países assegurar a chamada concorrência dinâmica. Este tipo de concorrência, como recentemente acentua o Dr. Simões Patrício no seu livro Direito da Concorrência, « [...] favorece a introdução do progresso técnico, tornando-se desse modo elemento fundamental do processo dinâmico de desenvolvimento. Nesta perspectiva, a concorrência já não aparece como um mecanismo de equilíbrio económico, mas como um processo dinâmico inecessante que se manifesta através da inovação técnica, da diferenciação de produtos, das modificações organizatórias, etc.».
É pois certo que o progresso económico passa por um adequado funcionamento dos mecanismos de mercado, apresentando-se cada vez como mais vital para assegurar a competitividade entre empresas, evitando-se do mesmo passo as práticas comerciais restritivas e os abusos cometidos por empresas em posição dominante.

Ora, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, se é perfeitamente explicável em tese geral, a necessidade de promover a defesa da concorrência através de instrumento jurídico adequado, tais razões tornam-se ainda mais permentes quando nos debruçamos sobre o caso português. De facto, como sabemos, vigoraram entre nós, durante décadas, características de um acentuado proteccionismo económico. Caracterizado, na ordem interna, pelo condicionamento industrial e, face ao mercado externo, por medidas tais como as barreiras aduaneiras, as restrições quantitativas e outras de efeito equivalente, muitas vezes aplicadas de forma discricionária.

Na década de 70 uma cerca integração europeia, apesar da resistência de muitos, acabou por se impor aos destinos nacionais, tendo sido assinado em 22 de Junho de 1972, um acordo entre Portugal e a CEE, que se reportava a matérias de defesa da concorrência, no seu artigo 26 º

Também nesta linha de orientação foi promulgada a Lei n.º 3/72, intitulada de Fomento Industrial, onde na sua base IV se pode ler como finalidades da política industrial:

Garantir o equilíbrio entre os interesses económicos e sociais em causa nos processos de expansão industrial, designadamente prevenindo e reprimindo as práticas industriais que possam prejudicar a mobilidade social e económica necessária ao progresso da comunidade e da sua economia, a segurança e bem estar dos trabalhadores e os interesses dos consumidores.

Foi também, nesse ano de 1972, aprovada uma Lei de Defesa da Concorrência, onde se tipificavam as várias condutas isoladas ou concertadas, de uma ou mais empresas, individuais ou colectivas, que impedissem, falseassem ou restringissem, directa ou indirectamente, a concorrência efectiva.
Mas esta lei nunca foi regulamentada, não produzindo, por virtude disso, efeitos no nosso ordenamento económico.
A ditadura, nesta como em outras áreas, não se reformava, ditando os interesses instalados as suas regras de jogo, que não eram exactamente as regras da sã concorrência ...
Esta, pois, a situação que o regime anterior ao 25 de Abril nos legou, para a qual, no particular aspecto que temos vindo a analisar, ainda não se encontrou a disciplina jurídica adequada à sua substancial modificação.
Importa, aliás, e reforçando o argumento, citar uma passagem da intervenção do Sr. Hervé Gouyon, director da Direcção-Geral da Concorrência e Consumo de França, num colóquio realizado em Lisboa, pela Secretaria de Estado do Comércio, em Janeiro de 1982, sobre os objectivos e meios de uma política de concorrência:

Efectivamente, não será paradoxal pretender implementar uma política de concorrência. Numa economia de mercado a concorrência é a regra fundamental do funcionamento do sistema económico. Poder-se-á pensar que ela actua sozinha e portanto porquê ocuparmo-nos dela. Esta linguagem talvez alguns economistas a pudessem ter nos meados do século passado. Mas todos sabemos que, actualmente, estamos perante uma eco

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nomia moderna, complexa e que, com efeito, a concorrência é o estado artificial que devemos construir todos os dias, pois ela tem naturalmente tendência a destruir-se a si própria, e devemos reinventá-la e permitir o seu desenvolvimento.

Há, pois, um manancial de argumentos bastante significativo que justifica, só por si e independentemente da nossa adesão à CEE, a tipificação, prevenção e punição das práticas restritivas da concorrência.
É evidente, contudo, que a nossa perspectiva de inserção no Mercado Comum como membros de pleno direito, ainda mais reforça a necessidade de elaboração da já citada disciplina legal.
Atente-se para isso o disposto no n.º 1 do artigo 85 º do Tratado de Roma onde se declararam incompatíveis com o Mercado Comum e proibidos todos os acordos entre empresas, decisões de associações de empresas e práticas concertadas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados Membros e que tenham por objectivo ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do Mercado Comum; estabelece ainda o n.º 2 do referido artigo a nulidade desses acordos ou decisões.
O artigo 86 º do Tratado que instituiu o Mercado Comum declara também incompatível com a CEE e por isso proibida, a exploração abusiva, por uma ou mais empresas, de uma posição dominante no Mercado Comum ou numa parte substancial deste.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por todos os argumentos carreados ficam patenteadas algumas das razões em que a ASDI se fundamenta para considerar, ela também, a necessidade de uma Lei da Defesa da Concorrência.
Relembra-se a este propósito que o meu Partido apresentou na II Legislatura, mais precisamente em 23 de Abril de 1981, um projecto de lei sobre esta matéria. Iniciativa legislativa que oportunamente renovámos nos primeiros dias da presente Legislatura, por considerarmos que se mantêm obviamente os seus fundamentos.
Ora, é neste contexto e atendendo ao facto de não se nos afigurar imperioso que esta legislação seja aprovada nas férias parlamentares, que não entendemos a atitude do Governo. Até o próprio Executivo ao prever no artigo 2 º da proposta de lei um período até 120 dias para utilizar a autorização legislativa vem, e este é o nosso entendimento, dar-nos razão. Mas sempre haveria possibilidades noutro caso de anuir à proposta da ASDI de discussão conjunta do projecto e da proposta de lei.
Estamos, pois, perante uma proposta de lei de autorização legislativa que, obviamente e sem razões, impede que esta Assembleia faça um debate sobre a matéria de substância quando, ainda para mais, já dispunha de um projecto de lei para esse efeito.
Não consideramos correcto este procedimento, nem sequer aceitamos o argumento daqueles que invocam, como sucedâneo para a intervenção dos deputados na matéria substantiva, o accionamento eventual do instituto da ratificação.
As autorizações legislativas têm, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, um sentido preciso. Não é evidentemente lícito nem politicamente aceitável, que os deputados em matérias tão importantes como esta, em que já existe um projecto de lei na Câmara e em que a urgência não se pode considerar incompatível com a sua apreciação logo no reinicio dos trabalhos parlamentares, sejam defrontados com a necessidade de discutirem este tema por autorização legislativa. Mas, se assim não for, continua a valer o argumento e a sugestão feita pela ASDI da discussão conjunta da proposta de lei e do projecto de lei.
Estas são preocupações que não podemos deixar de expressar.
Votámos favoravelmente, como é conhecido, a moção de confiança apresentada pelo Governo a esta Câmara. Sempre dissemos, contudo, que a Assembleia da República tem de ser dignificada, qualquer que seja a dimensão da maioria em que o Executivo se apoie.
Pela nossa parte, continuaremos a orientar o nosso comportamento parlamentar pelos parâmetros que sempre adoptámos. Para quem como nós, deu a sua concordância ao Programa do Governo, deverá agora, e dessa função não nos demitiremos, criticar aqueles aspectos que se revelem negativos para a actividade do Executivo.
Pautamo-nos, pois, por uma posição de apoio crítico a este Governo, única forma que nos dá autoridade política e até moral para quando o apoiarmos, o que tem ocorrido na esmagadora maioria dos casos, ou seja por razões manifestamente consistentes.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Mendes.

O Sr. Almeida Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Poderá parecer tarefa difícil justificar a urgência na autorização legislativa que o Governo apresentou para legislar sobre as práticas restritivas da concorrência.
É que é bem longa a série de tentativas inconclusivas feitas para dotar o País com tal legislação.
Data a primeira tentativa de 1935, da iniciativa do deputado à Assembleia Nacional, Dr. João Garcia Pereira, que veio a culminar na Lei sobre as coligações económicas de 1936.
A lei em causa condicionava a sua entrada em vigor à publicação de um decreto que a regulamentasse, o que nunca se verificou, e fez com que não entrasse em vigor.
Passaram-se os anos e, em 1960, quando da nossa participação como membros fundadores da Associação Europeia de Comércio Livre, é encarregado o Prof. Pereira de Moura de elaborar um projecto de diploma sobre esta matéria, que só viria a ser concretizado pelo projecto de proposta de lei n º 508/VII, de Dezembro de 1964.
As reacções que este projecto provocou fizeram com que não viesse a transformar-se em lei.
E é só em Março de 1972 que a Assembleia Nacional aprova a Lei n.º 1/72, sobre a defesa da concorrência, assente em princípios doutrinários e legislativos marcadamente diferentes dos anteriores projectos.
Mas igualmente esta lei condicionava a entrada em vigor à sua regulamentação. Foi efectivamente regulamentada, em 1973, com a Regulamentação do Conselho Superior de Economia, mas a não implementação dos órgãos que a deveriam aplicar, fez com que continuasse letra-morta.

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De então para cá têm sido numerosos os projectos e tentativas, nenhuma delas coroada de êxito.
Salientamos só, na anterior legislatura, a proposta de lei n.º 94/II, que não veio a ser apreciada pelo Plenário.
O que se deverá inferir destas iniciativas e dos correspondentes recuos? A oposição triunfante dos sectores económicos e a falta de tenacidade dos poderes públicos?

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Julgamos que não.
Antes nos demonstra a extrema complexidade da matéria e a forma como ela está sujeita à evolução da conjuntura económica.
Mas não podemos esquecer que Portugal, em virtude dos compromissos internacionais assumidos, está obrigado a ter uma lei sobre esta matéria, que lhe permita, no mínimo, dar cumprimento a essas obrigações internacionais.

Com efeito, o artigo 15.º da Convenção de Estocolmo, que instituiu a EFTA, considera incompatíveis com os princípios fundamentais em que se baseia, as práticas comerciais restritivas que frustrem os benefícios esperados da eliminação ou ausência de direitos aduaneiros e restrições quantitativas ao comércio entre os Estados Membros.

Igualmente os acordos de comércio livre, celebrados com as Comunidades Europeias em 1972, contêm disposições semelhantes, nos artigos 26 º do Acordo da CEE, e 19.º do Acordo CECA.
No entanto - e saliento isto - se já fôssemos membros de pleno direito das Comunidades, poderíamos dispensar a publicação desta legislação, em virtude de as disposições comunitárias contidas nos Tratados e no direito derivado serem de aplicação directa no território dos Estados Membros. É o caso da Itália que ainda não dispõe neste momento de legislação sobre esta matéria.
Assim, e justificadamente, não é invocada a adesão no pedido de autorização legislativa.
Do que dissemos, conclui-se que a urgência desta lei não é para amanhã.
Era para ontem, tarda há 20 anos!

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Haja agora a coragem e a pertinácia de levar a bom termo, com sensatez e apurado sentido das realidades económicas e sociais, esta tarefa.
Quais as razões que justificam a necessidade e a oportunidade de uma lei de defesa da concorrência?
Em primeiro lugar, numa economia em que o mercado desempenha um papel fundamental na satisfação das necessidades individuais, a concorrência deverá ser o factor de racionalização na distribuição dos recursos.
Em segundo lugar, a sua contribuição para a eficiência da produção. E essa eficiência perde-se ou deteriora-se quando, à regra dinâmica da competição entre as empresas, se substitui o monopólio.
Por último, a protecção do consumidor contra altas injustificadas de preços. Pelo que é natural que, a par de outras políticas de combate à inflação, se procurem eliminar as situações de mercado que permitem ao vendedor fixar, arbitrária e artificialmente, os preços dos produtos.
Sendo assim, bem se compreende que os Estados não ponham em dúvida a legitimidade da sua ,intervenção, no sentido de assegurar as condições em que a concorrência se possa exercer, de um modo efectivo e actual, por via de leis de defesa da concorrência.
Foi nos Estados Unidos, pelo final do século passado, que teve início a actividade legislativa visando a protecção da concorrência, com a publicação da Lei Sherman em 1890, completada depois pela Lei Clayton e a lei que instituiu a Comissão Federal do Comércio, em 1914.
Estas leis constituem, ainda hoje, os textos básicos nesta matéria nos Estados Unidos e os documentos inspiradores de todas as outras legislações.
De salientar que, no início da sua aplicação, considerava-se o factor «dimensão» por si só susceptível de caber na alçada da lei. Dai a injunção de desmantelamento da Standard Oil of New Jersey, em 1911.
A partir de 1920, verifica-se uma transformação radical na jurisprudência, quando é recusada a dissolução da United Steel pedida pelo Governo dos Estados Unidos, considerando que a dimensão, por si só, não é uma infracção.
Os textos legais em vigor eram os mesmos. As decisões dos tribunais foram diferentes. O que justifica quanto estas leis e as suas interpretações estão dependentes dos condicionalismos sócio-económicos.
Os países europeus foi só no período após a Segunda Guerra Mundial que começaram a dotar-se de leis de defesa da concorrência.
Em 1953, a Suécia e a Noruega, em 1955 a Dinamarca, em 1956 a Holanda, a Inglaterra e a Irlanda, em 1957, a Alemanha, em 1959, a Áustria, em 1962 a Suíça e, em 1963, a Espanha.
Mas cabe agora fazer aqui uma referência especial ao caso francês, aliás já aqui focado.
Ao contrário do que se verificou na generalidade dos países europeus, a França não se dotou de uma lei especifica de tutela da concorrência, antes se orientou no sentido de assimilar a disciplina das práticas comerciais restritivas à regulamentação geral sobre os preços, introduzida no rescaldo da guerra, em Junho de 1945 e posteriormente completada.
É, com certeza, um exemplo a não seguir.
As filosofias que devem presidir a uma legislação de preços ou de defesa da concorrência são radicalmente diferentes.

As diversas legislações sobre práticas comerciais restritivas podem-se dividir em 3 grandes grupos:
O primeiro é constituído pelas leis que proíbem, declarando ilícitos, os acordos e práticas restritivas da concorrência ou tendentes à conquista de uma posição de monopólio, sem admitir excepções que não decorram de um princípio de razoabilidade na interpretação da lei.
No segundo, incluem-se os regimes pelos quais a lei limita a sanção da ilicítude ao campo dos acordos restritivos da concorrência, adoptando, porém, o critério do abuso relativamente às empresas dominantes e admitindo cláusulas de salvaguarda e excepção quanto aos próprios acordos.
Por último, os sistemas em que as restrições da concorrência e as formações oligopolistas e monopolistas não são consideradas danosas a priori, legitimando,

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contudo, a intervenção pública caso se revelem danosas efectivamente.
É no último grupo que se incluem as legislações dos países com mercados mais pequenos, como é o caso da Áustria, Dinamarca, Holanda e Suécia.
Estes grupos reflectem as duas grandes orientações: a teoria da in per se condemnation, pela qual as práticas que tenham por objecto ou efeito restringir a concorrência são proibidas e declaradas ilícitas independentemente de uma averiguação concreta dos seus resultados efectivos; e a teoria da rule of reason, pela qual as referidas práticas só serão ilícitas caso produzam efeitos negativos na concorrência e não sejam justificadas por sérias razões económicas e sociais.
Não nos fornece o pedido de autorização legislativa elementos suficientes para se analisar qual a teoria adoptada, pelo que haverá agora que considerar os aspectos essenciais que, em nosso entender, esta legislação deverá seguir.
Mas, num ponto, podemo-nos considerar esclarecidos. Não pretende o Governo, e bem, ocupar-se das fusões.
Com efeito, são pouco numerosas as legislações que se ocupam desta matéria, e principalmente as dos maiores países, com mercados de grande dimensão.
Cabe aqui sublinhar que, por efeito do factor inércia, existe ainda em Portugal uma disciplina jurídica para as fusões de sociedades anónimas.
Trata-se do Decreto-Lei n.º 1/71, de 6 de Janeiro, sobre a venda de lotes de acções das sociedades anónimas, cujo capital tenha sido total ou parcialmente constituído mediante subscrição pública, ou seja igual ou superior a 100 000 000$.
É um exemplo típico de uma lei geral para um caso especial, ou seja, de uma lei sem nome.
Estava em causa a venda de um lote de acções do Banco Português do Atlântico que transferia a maioria dentro desta empresa.
O negócio foi distratado, mas a lei permaneceu. Contudo, é um exemplo da forma como as fusões não devem ser tratadas.
São apenas os interesses dos corpos gerentes que estão em causa, nunca sendo equacionado o interesse público. Julgo que carece de urgente revisão.
Do que foi dito, algumas conclusões se podem retirar dos princípios e cautelas a que o legislador deverá obedecer.

Em primeiro lugar, haverá que ter a consciência de que, na grande maioria dos casos, estão em causa apenas agentes económicos, com interesses em alguma medida divergentes, mas nem por isso menos legítimos, em que cabe ao Estado intervir para valorizar esses interesses em função de um bem comum superior.
Num caso de recusa de venda ou da prática de preços discriminatórios, sem dúvida que o seu autor terá razões fundadas para assim actuar. Poderão é outras sobrepor-se às suas razões. Mas não esqueçamos que as empresas se constituem para vender bens ou serviços ou que certos descontos não serão, com certeza, liberalidades.

Assim, a legislação não deverá revestir uma forma meramente repressiva, antes se deverá impor pela justeza dos seus conceitos, como regra de conduta dos negócios e na sua aplicação deverá ser dada prevalência à conciliação e à persuasão sobre a aplicação de sanções.

Estas, só em caso de desobediência e contumácia deverão ser aplicadas.
Pela própria natureza dos factos que estão em jogo, será uma lei de difícil aplicação, pelo que em numerosos países se criaram órgãos especiais, com uma composição mista de juristas, economistas e agentes económicos, o que permite, a par do conhecimento das regras jurídicas, avaliar das consequências económicas dos factos e apreender as circunstâncias em que foram praticados.

Somos partidários da criação de um órgão deste tipo, que não poderia aplicar sanções mas, caso considerasse as práticas condenáveis e não conseguisse a sua eliminação, remeteria os autos para o tribunal comum.
O pior que se poderia verificar seria a elaboração de uma lei repressiva, policial, em que o objectivo da sua aplicação fosse o impor sanções e não restabelecer equilíbrios.
Seria o aumentar do peso das burocracias, entraves e peias que afectam os agentes económicos e que, em vez de revigorar a economia, contribuiria para o seu definhamento.
Haverá aqui que acautelar todas as tentativas de expansão do poder burocrático, irresponsável e sem rosto.
Pronunciamo-nos, assim, por um sistema do dano efectivo, com controle a posteriori e por uma enumeração taxativa das condutas anticoncorrenciais.
É o sistema adoptado pelos países com um mercado de mais reduzidas dimensões, como a Bélgica, a Dinamarca, a Irlanda, a Noruega, a Suíça e a Suécia.
É o sistema que, permitindo evitar as distorções da concorrência, melhor se coaduna com a certeza das relações jurídicas, princípio que importa salvaguardar.
Uma referência deverá ser feita aos compromissos internacionais assumidos por Portugal nesta matéria. A indicação de que serão consideradas práticas restritivas da concorrência as que, como tal, forem qualificadas nos instrumentos de que Portugal for parte, resolve esta questão.

Julgamos também que as restrições à sua aplicação deverão ser muito limitadas.
Em primeiro lugar, deverão ser sempre ressalvadas as práticas seguidas em virtude de legislação especial, o que abrange o domínio das relações do trabalho e outros sectores, nomeadamente no âmbito da agricultura e pescas, na parte aplicável.
Em segundo lugar, deverão ser abrangidas todas as actividades económicas dos sectores público, cooperativo ou privado, não havendo lugar a distinções consoante o estatuto do ou dos autores das práticas.
Por último, haverá que prever a situação de práticas restritivas, originais no estrangeiro, mas cujos efeitos se produzem em território nacional.
Um aspecto especificamente resultante da presente conjuntura económica cabe analisar, sem paralelo, ao que julgamos saber, na doutrina e jurisprudência estrangeira.

Trata-se do caso de empresas que praticam preços anormalmente reduzidos, em virtude de não cumprirem as suas obrigações fiscais ou laborais, ou ainda, de natureza financeira.

E uma situação perfeitamente anormal, mas que efectivamente sucede em Portugal e que cumpre acautelar, em nome dos princípios de uma sã concorrência.

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Ponto extremamente melindroso é o do abuso de posição dominante.
Refere-se às situações oligopolistas ou monopolistas que, envolvendo elementos de discricionariedade na fixação dos preços, são por natureza abusivos, produzindo um dano injustificado ao consumidor.
Neste caso, haverá que tomar em consideração o âmbito geográfico do mercado que se toma para análise, ou seja, o mercado relevante.
Não se afiguram correctas as soluções que consideram uma dada percentagem do mercado nacional de determinado bem ou serviço. Antes haverá que tomar em consideração para cada produto ou serviço a distância, os custos de transporte, o grau de liberalização internacional, pelo que o mercado relevante do ponto de vista geográfico pode delimitar-se a uma parcela do território nacional, mas também pode, outras vezes, abranger um território plurinacional.
E só após a avaliação ponderada de todos os factores em jogo se poderá determinar a existência de uma posição dominante e um eventual abuso dessa posição.
Uma especial atenção deve ser dedicada à questão da celeridade processual.
Estão em causa negócios jurídicos, transacções comerciais, em que o factor tempo é determinante.
Uma boa solução, fora de tempo, poderá nada remediar, pelo que será necessário prever medidas que possam evitar a produção de danos irreparáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ressalta do conteúdo desta intervenção uma extrema preocupação quanto ao equilíbrio de interesses que, numa legislação desta natureza, cabe assegurar a todos os intervenientes.
Uma cuidada ponderação será fundamental, bem como prudência e humildade por parte do legislador, que terá de estar consciente que não poderá captar toda a riqueza e diversidade da vida económica.
Só será feita obra útil se a opinião pública aderir, de pleno, aos seus objectivos.
As lições do passado são concludentes neste domínio.
Esta lei deverá ser um passo na modernização do País, insuflando na economia o salutar princípio de competir para ganhar.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.

Durante a intervenção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Prescindo. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Joaquim Miranda pede a palavra para que efeito?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, é para pedir um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça o favor.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado, queria pedir um muito rápido esclarecimento, talvez em contraste com a sua muito longa intervenção de natureza histórica.

A questão é a seguinte: depois de ter referido que na experiência da CEE consegue distinguir 3 tipos de legislação sobre esta matéria, pareceu-me ter o Sr. Deputado dito que esta lei não nos fornece uma indicação clara sobre qual o sentido em que o Governo vai legislar.
Gostaria que o Sr. Deputado confirmasse se foi isso exactamente que disse e, caso o confirme, se isso não lhe parece estranho, dado que a nossa Constituição impõe que uma lei deste tipo seja bastante clara sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Mendes, se desejar responder, tem a palavra.

O Sr. Almeida Mendes (PSD): - Julgo que o Sr. Deputado Joaquim Miranda levou longe de mais as minhas palavras.
O que queria dizer é que tendo aqui o texto completo haveria decerto muita coisa a dizer. Aliás, quem tem experiência legislativa saberá que, quando se trata de redigir, é com o papel à frente que se levantam a grande maioria das questões e a grande maioria dos problemas.
A matéria e o âmbito do pedido de autorização legislativa são suficientemente esclarecedores quanto ao objectivo último e à extensão que o Governo pretende pedir a esta Assembleia. No entanto, há com certeza muitos pormenores e muita matéria sobre os quais, na minha intervenção e dada a inexistênia desse texto, procurei indicar o sentido a dar na legislação a produzir pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, uma rápida intervenção, quase em jeito de declaração de voto.
Como por diversas vezes aqui foi referido, tanto durante o debate da própria autorização legislativa como antes dele, no recurso interposto, não é a primeira vez que esta Câmara é confrontada com um projecto de proposta de lei sobre a matéria a que se refere este pedido, da autorização legislativa, n.º 7/III.
Só que, e como já foi referido à sociedade, esta proposta introduz significativas e substanciais alterações àquilo que tem sido tradicional e praxe nesta Assembleia. Desde logo, esta iniciativa do Governo peca, mesmo em confronto com anteriores iniciativas de governos da AD, porque, ao contrário do que estes fizeram, esta proposta não vem acompanhada do projecto de diploma para que se pretende autorização legislativa. E tal facto é tanto mais grave quanto é sabido que nesta Câmara existe um projecto de lei com igual objecto.
Trata-se de um comportamento do Governo que, quanto a nós, é, menos inaceitável. E menos o podemos aceitar quando vimos que o Governo, ao solicitar esta autorização legislativa, o faz por um período de 120 dias. Em nossa opinião, esse tempo seria por demais suficiente para que o Governo elaborasse uma proposta de lei, a enviasse a esta Assembleia e aqui fosse discutida conjuntamente com o outro projecto de diploma já existente. Quanto a nós, a boa ética e o mínimo de respeito do Governo por esta Assembleia levá-lo-iam a assim proceder.

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1a SERIE - NUMERO 29

Hoje argumenta-se com uma questão de urgência. Bem, este Governo alicerça-se politicamente numa maioria que efectivamente tem na Assembleia da República. Ora, nós pensamos que, com o prazo pedido na autorização legislativa, fácil seria que, neste mesmo prazo ou em prazo muito aproximado, se agendasse aqui uma discussão não só de uma proposta do Governo, como também dessa proposta do Governo conjuntamente com o projecto de lei que aqui existe. Esse seria, em nossa opinião, o procedimento correcto, não prejudicando em nada a urgência que se pretende para esta legislação. Gostaria até de dizer aos Srs. Membros do Governo que, da nossa parte, não haveria qualquer oposição a um agendamento em tais condições.
Mas o Governo não entendeu assim; antes, pelo contrário, não enviou uma proposta para debater na Assembleia, não fez acompanhar este pedido de autorização de qualquer projecto do diploma que pretende fazer publicar e, para cúmulo, não dá sequer, ao contrário do que a Constituição dispõe, uma indicação minimamente aceitável sobre o sentido e a extensão da legislação que se propõe elaborar.
Mas, Sr. Ministro, não basta dizer que se irá tomar por base, tal como disse na sua intervenção inicial, o projecto de lei da ASDI e a proposta de lei apresentada pelo Governo anterior, ou que, como foi referido posteriormente, a base será só a proposta de lei do Governo anterior. E não basta porque é claro que o sentido desta legislação pode ser claramente diverso (como inclusivamente se retira da intervenção que o Sr. Deputado do PSD acaba da fazer). Daí o pedido de autorização legislativa pecar claramente por falta de sentido e de extensão.
Como, aliás, já referi num pedido de esclarecimento que formulei ao Sr. Ministro. Lê-se no articulado desta proposta de lei que o Governo pretende «elaborar normas sobre práticas restritivas da concorrência no sentido de garantir o seu não funcionamento». Mas, ao que parece, vamos terminar este debate sem que minimamente nos seja dito que normas, em que sentido e que práticas restritivas da concorrência vão ser tidas em conta. E que, tal como aqui foi referido, terá que haver uma certa preocupação e ponderação à volta desta matéria. Ora, isso vai naturalmente implicar com uma certa delimitação das práticas que vão ser abrangidas - quais vão ser abrangidas, quais não vão ser abrangidas, qual o período de tempo, etc.. Todas estas questões ficaram em aberto.
O menos que se poderá dizer, Sr. Presidente e Srs. Membros do Governo, é que este pedido de autorização legislativa constitui um atentado à dignidade desta Assembleia. Como já foi referido, foram apresentados um projecto de lei e uma proposta de lei anteriores. Existe nesta Câmara, portanto, um projecto de lei. Este facto indica claramente, quanto a nós, que é possível legislar de maneira diferente nesta matéria, facto este que deveria levar o Governo, por respeito com esta Assembleia, a fornecer, pelo menos, o sentido exacto das suas divergências ou das suas convergências perante a proposta de lei do Governo anterior e perante o projecto de lei que existe nesta Assembleia. Mas nem isso o Governo se dignou fazer - nem sequer nos deu a mínima ideia de quais as convergências e as divergências relativamente à proposta e ao projecto anteriores.

Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, face à pobreza do articulado que nos foi submetido à apreciação, tentámos ainda descortinar na nota justificativa alguma indicação sobre os propósitos deste Governo. Mas mesmo aí encontrámos contradições. Na verdade, é interessante verificar que certos aspectos, que são focados como prioritários na nota justificativa, não são depois retomados no articulado da proposta de lei. Fala-se, por exemplo, em garantir os direitos dos consumidores e em garantir uma melhoria de acesso dos consumidores, em termos de qualidade e de preço, aos produtos e serviços. Mas depois, ao nível do articulado, nada disso é referido, o que dá ideia clara de que esse não é para já um propósito do Governo.
No mesmo sentido, encontramos na nota justificativa uma série de propósitos e intenções que, precisamente por não serem retomados no articulado, somos obrigados a pôr em causa. Fala-se em reprimir os abusos decorrentes do poder económico, o que nos sugere uma questão: como é isto possível se é este mesmo Governo que pretende abrir as portas à reconstituição dos monopólios, particularmente através das alterações à Lei de Delimitação dos Sectores? Como vamos conciliar a seguinte questão: por um lado, o Governo apresenta-se com o propósito de reprimir os abusos decorrentes da concentração económica e, par outro, abre, escancara as portas à reconstituição dos monopólios através da alteração da Lei de Delimitação dos Sectores? Esta situação força-nos a concluir que o Governo se porta como um qualquer indivíduo que lança primeiro o fogo à mata e depois corre a alistar-se como bombeiro na primeira associação!
Gostaríamos de saber claramente como vai o Governo conciliar estas 2 questões.

E, quanto aos consumidores e ao bem-estar da população, quais vão ser os caminhos para conciliar os propósitos referidos na nota justificativa com a prática que o Governo vem seguindo há já algumas semanas? Então não é verdade, Srs. Membros do Governo, que temos vindo a assistir ultimamente a brutais aumentos de preços, nomeadamente de bens essenciais? Como se explica então que agora venha a nota justificativa dizer que com esta lei e por esta via vamos garantir os direitos do nosso povo nesta matéria?
Srs. Membros do Governo, não pomos em causa a oportunidade de debater e de legislar sobre práticas restritivas da concorrência. Pensamos é que o combate aos abusos decorrentes da concentração do poder económico se faz, antes do mais, impedindo essa mesma concentração e não, como pretendem fazer os Srs. Membros do Governo, abrindo as portas a essa concentração. A defesa da concorrência é uma questão que neste momento se coloca de forma premente, particularmente se tivermos em conta a situação extremamente difícil em que actualmente vivem as pequenas e médias empresas no nosso país. Mas, no sentido de uma eficaz defesa da concorrência, o que importa em primeiro lugar é dar condições a essas mesmas pequenas e médias empresas, condições que vão desde o apoio técnico até à concessão de crédito, etc.

A defesa dos direitos dos consumidores não é feita prioritariamente através de leis como esta, como perfeitamente sabem os Srs. Membros do Governo. Faz-se, sim, através de uma política correcta de rendimentos e preços. Só assim será possível defender de facto os interesse dos consumidores.

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14 DE JULHO DE 19

Para terminar, gostaria de reafirmar que, caso o Governo pretenda ver aprovada legislação sobre a defesa da concorrência, então deve apresentar a esta Assembleia uma proposta de lei para que aqui seja discutida juntamente com outros diplomas aqui existentes sobre a mesma matéria. Estamos dispostos a discuti-la, a apreciá-la em conjunto com as outras iniciativas já existentes.
Mas neste processo, tal como ele se nos depara, não podemos concorrer nem podemos ser cúmplices em casos que estão, tal como referimos, cheios de situações menos correctas e até mesmo gravosos. Por isso, não poderemos dar o voto favorável. Pelo contrário, votaremos contra este pedido de autorização legislativa do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, já ultrapassamos a hora regimental para o intervalo, pelo que suspendo a sessão por 30 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento julgo que se imporão algumas considerações que justificarão a nossa posição neste debate centrado sobre a proposta de lei de autorização legislativa n.º 7/III.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que terá resultado da intervenção inicial feita, em nome do Governo, pelo Sr. Ministro Álvaro Barreto, um núcleo de ideias que me parecem reter.
Uma delas, a sua abertura em relação aos trabalhos efectuados, não apenas quanto à proposta de lei elaborada pelos serviços, mas também o projecto de lei de iniciativa da ASDI. Tomando em consideração estes diplomas existentes, a metodologia do trabalho que foi esboçada consistiria numa consulta tão ampla quanto possível, mas garantindo que no mês de Setembro ou Outubro seria tomada uma iniciativa legislativa ao abrigo desta autorização. Creio que, postas as coisas neste pé, para nós o interesse mais relevante na discussão estará de algum modo contemplado. 15to é podemos dizer que se é certo que esta metodologia de trabalho e este processo de discussão não correspondem à urgência com que o pedido de autorização aqui foi apresentado, ele permite, no entanto, salvaguardar os aspectos essenciais, ou seja, os aspectos de uma discussão desta matéria tão participada e alargada, quanto possível. E posto isto, gostaria de colocar algumas questões que, do nosso ponto de vista ainda persistem relativamente a esta matéria. E uma delas é, curiosamente, em primeiro lugar, a questão da própria necessidade desta autorização legislativa.
Na verdade, a autorização legislativa só tem justificação nos termos constitucionais desde que entendamos que a matéria para a qual o Governo solicita esta autorização contende com matérias reservadas à competência desta Assembleia. E assim sendo, poderíamos perguntar-nos se a matéria da concorrência não seria matéria sobre a qual o Governo pudesse, de per si, legislar. Creio que o facto de este ponto não ter sido aclarado revela, no nosso entendimento, duas possibilidades de a lei, cuja autorização nos é solicitada, ir abranger matérias da reserva relativa desta Assembleia da República.

Uma primeira hipótese é, natural e evidentemente, o de ela prever a definição de crimes e penas, ou o regime geral de punição de actos ilícitos de mera ordenação social do respectivo processo, ou seja abranger as matérias referidas nas alíneas b), c) e d) do n.º 1 do artigo 168 º da Constituição. Pensamos que esta hipótese não é a mais provável, visto que depois da apresentação desta proposta não só surgiu uma outra proposta do Governo no sentido de pedir uma autorização legislativa para legislar sobre o ilícito económico de mera ordenação social, como a recente publicação do Código Penal também tornará, naturalmente, a matéria penal contida nesse mesmo Código Penal insusceptível de imediatos ajustamentos.

Ou seja, do nosso ponto de vista não faria sentido que o Governo, tendo o Código Penal pouco tempo de vigência, viesse agora legislar sobre ilícitos penais económicos e legislação avulsa, quando há um Código recentíssimo, e também não faria sentido que o mesmo Governo, que nos pede uma autorização legislativa para legislar em matéria de contra-ordenações em matéria económica, viesse numa outra autorização legislativa tratar também de legislar em matéria de contra-ordenações económicas. Significaria isto uma evidente falta de coordenação de matérias, uma evidente dispersão de esforços, que, como tal, não nos parece ser a hipótese mais viável e mais provável.

A outra matéria que pensamos que poderia ser objecto de reserva relativa da competência desta Assembleia diz respeito à alínea v) do n.º 1 do artigo 168 º da Constituição, isto é, a matéria que se refere ao estatuto das empresas públicas. E aí, sim, pensamos que a legislação sobre concorrência poderá vir a ter a ver com o estatuto das empresas públicas e com a sua presença no mercado em termos concorrenciais. E neste entendimento, aliás, e também no entendimento de alguns problemas surgidos, que nos parece dever nortear o nosso pensamento nesta intervenção.

Quando falo em alguns problemas surgidos quero referir-me muito concretamente a 2 casos - sobre os quais, aliás, já questionámos o Governo - que dizem respeito à possibilidade de aplicação a uma empresa pública portuguesa de sanções em termos europeus sobre práticas lesivas da concorrência. De facto, é sabido que a PORTUCEL, E. P., empresa de celulose e papel de Portugal, está envolvida em 2 casos litigiosos ligados a práticas comerciais alegadamente ilícitas, que aguardam apenas uma tomada de posição da Comissão Europeia. No primeiro processo, a citada empresa pública aparece envolvida num caso de fixação concertada de preços em relação à pasta de papel e, no segundo caso, está em causa o apuramento dos prejuízos sofridos pelos produtores comunitários em virtude de práticas de dumping no domínio de exportação de papel kraft. São 2 exemplos sobre os quais, repito, já perguntámos ao Governo o que se passava e que revelam, portanto, o interesse e a actualidade desta disciplina legislativa.

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Assim sendo, estando de acordo sobre a urgência de legislar nesta matéria, pensando que a metodologia adoptada permite salvaguardar alguns aspectos essenciais, creio que poderemos entrar naquilo que poderíamos considerar o fundo da questão. Ele consiste, do nosso ponto de vista, no seguinte: a história das várias tentativas de legislação sobre concorrência feitas em Portugal demonstram como algumas das reacções verificadas em relação a essas iniciativas legislativas tiveram em vista uma circunstância cuja actualidade permanece, que é a da nossa débil estrutura industrial e da reduzida dimensão da maior parte das nossas empresas.
Ora, naturalmente que a disciplina legislativa que vier a ser considerada terá de atender à situação particular da estrutura económica portuguesa e dentro dessa estrutura atribuir um estatuto e uma medida especial em relação - e atrever-me-ia a acrescentar - não só às pequenas empresas como também às médias empresas. Ou seja, não é possível legislar em termos gerais e abstractos; será necessário que a legislação nesta matéria tenha em conta a estrutura da nossa economia e tome em conta disposições específicas adequadas às pequenas e médias empresas portuguesas.

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, temos uma situação em relação à concorrência que tem 2 vectores diferentes. Um primeiro aspecto é o do mercado interno e o da concorrência nesse mercado. O segundo é o da nossa situação económica, pois temos uma economia aberta, sujeita portanto à concorrência de empresas de praticamente o mundo inteiro e, como tal, também esta situação especial precisa de ser considerada. Não estamos apenas a legislar em relação ao mercado interno, em relação às práticas de concorrência internas, estamos a legislar também tendo em atenção esta situação especial da economia portuguesa. E, por outro lado, tendo em atenção uma característica - que foi, aliás, salientada na intervenção do meu companheiro de bancada Furtado Fernandes - que é a da situação especial da nossa economia, saída de uma longuíssima fase em que se não preparou para a concorrência, protegida como foi internamente pelo regime de condicionamento industrial e externamente pela existência de altas barreiras alfandegárias.
Outra situação que interessa considerar nesta problemática - e estou, portanto, a apontar apenas as grandes linhas do que poderia ser o sentido desta autorização legislativa - é a questão do controle e das práticas restritivas de concorrência. Adiantaria desde já que, do nosso ponto de vista, esse controle não deverá ser exclusivamente administrativo, não deverá ser nomeadamente um duplo controle administrativo, como acontecia na proposta de lei n.º 94/III. Pelo contrário, esse controle, a ser feito, não só deverá ser feito com participação dos parceiros sociais como também, necessária e obrigatoriamente, deverá introduzir na legislação portuguesa aquilo que é prática corrente na CEE, ou seja, o princípio - que já foi, aliás, destacado noutras intervenções - de haver primeiro uma intervenção administrativa no sentido de alertar para a prática considerada irregular e só depois de esse alerta não ser obedecido, haver então lugar a sanções.
Creio, ainda dentro deste aspecto do controle e da punição, que não se justificaria, pelas razões que comecei por aduzir no princípio desta intervenção, que houvesse uma legislação especial de contra-ordenação social em relação às práticas restritivas de concorrência, uma vez que temos um quadro genérico que vai ser definido em termos do Ministério da Justiça e em termos dessa legislação, creio que é nesse campo e nesse domínio que deveremos ter concentradas num único documento - já temos demasiada dispersão legislativa - toda a matéria referente a este tipo de punições.
Finalmente, destacaria desde já alguns aspectos de adaptação à regulamentação vigente na CEE.
Como todos sabemos, os regulamentos terão depois aplicação directa na legislação portuguesa e, como tal, creio que importa desde já tomar medidas de adaptação, não apenas no que respeita aos regulamentos, como também à prática jurisprudencial do Tribunal das Comunidades. E refiro-me, em especial, a 3 aspectos. São eles: a introdução na legislação portuguesa de uma cláusula semelhante à cláusula de mínímís da legislação comunitária, uma atenção particular aos acordos de especialização entre pequenas e médias empresas e uma atenção, também particular, em relação aos acordos de distribuição exclusiva e aos acordos de patentes. Estas são algumas matérias para as quais a disciplina comunitária oferece um quadro extremamente importante de reflexão e que a nossa legislação não poderá ignorar, sob pena de gravíssimos inconvenientes para o desenvolvimento económico e social em Portugal.
O último aspecto que queria focar é aquele que me parece estar em relevo neste pedido de autorização legislativa, qual seja o da situação das empresas públicas no mercado e, muito especialmente, o de saber como tenciona o Governo aplicar a legislação de concorrência que parece que terá de ser aplicada em pé de igualdade ao sector público, ao sector cooperativo e ao sector privado. E, como tal, isso, necessariamente, implicará, por parte do Governo e da legislação - uma vez que o quadro de referência indicado pelo Governo é o quadro comunitário - uma atenção especial aos chamados monopólios comerciais.
Creio que o problema dos monopólios comerciais não poderá ser ignorado neste quadro, quer em relação às empresas públicas - e refiro-me concretamente à empresa pública de abastecimento de cereais EPAC - quer aos antigos organismos de coordenação económica. Seria particularmente esclarecedor obtermos do Governo esclarecimento, se possível, aprofundado de qual o modo como tenciona aplicar esta legislação, quais as formas de transição que considera adequadas, de que modo vai enquadrar esta problemática.
Tais são as grandes linhas que nos parecem dever rechear este pedido de autorização legislativa, sob pena de esta Assembleia não dar, de facto, directrizes ao Governo sobre o modo como entende que ele deverá legislar. Sobre este aspecto gostaria, aliás, de adiantar que o agrupamento parlamentar em que me integro fará chegar à Mesa uma proposta de alteração ao pedido de autorização legislativa que foi apresentado, no sentido de restringir e precisar o seu conteúdo de modo a fazer contemplar, nas directrizes dadas ao Governo, a maior parte dos princípios que foquei na minha intervenção.

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

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O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Também tenho o máximo interesse em ouvir da parte dos representantes do Governo esclarecimentos sobre este ponto crucial em que o Sr. Deputado Magalhães Mota tocou, designadamente no que respeita à concorrência, envolvendo as empresas públicas, e ao aspecto dos monopólios de carácter comercial. Por outro lado, obviamente que as alterações que o Sr. Deputado especificou que o agrupamento parlamentar da ASDI iria entregar na Mesa ainda não são do meu conhecimento, pelo que também teria o máximo interesse em que V. Ex.ª pudesse, efectivamente, dar uma ideia como vê este tipo de transição, na medida em que esta é uma questão extremamente aguda, pelo menos a fazer fé nas palavras do Sr. Primeiro Ministro - e não as ponho em causa - que disse aqui, durante o debate do Programa do Governo, que em 1984 Portugal iria ingressar na CEE.
Gostaria, portanto, que o Sr. Deputado Magalhães Mota desenvolvesse um pouco este aspecto, ou que precisasse melhor o que pensa.
Faço agora esta solicitação porque não sei se terei outra oportunidade de a fazer no Plenário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quero fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Magalhães Mota que envolve também, de certa maneira, uma observação à sua intervenção e que serve também para justificar o nosso voto, o que já foi feito com grande desenvolvimento por outro colega de bancada.
Se bem entendi a sua intervenção, pareceu-me ouvir dizer, em desfavor do pedido de autorização legislativa, que ele não se justificava na medida em que não valia a pena estar a mexer no direito de contra-ordenação social, a propósito do regime da concorrência, porque havia aqui uma proposta do Sr. Ministro da Justiça no sentido de o alterar. Se ouvi bem, repito, devo dizer que não nos parece correcta esta crítica porque a alteração que vai ocorrer no domínio das contra-ordenações é uma alteração na lei quadro.
O regime das contra-ordenações tem uma lei quadro geral que regula os aspectos fundamentais, tanto do ponto de vista substantivo como do ponto de vista processual. É aí que vai haver alterações. Está pedida também uma autorização legislativa para alterações no domínio das contra-ordenações específicas da chamada criminalidade antieconómica. Penso que o Sr. Deputado Magalhães Mota, de resto como um cultor que vem sendo há longos anos, e que é, destas coisas - inclusivamente à frente do Ministério onde deixou um trabalho de investigação a todos os títulos meritório e promoveu trabalhos de interesse nesta matéria , não desconhece que a matéria da concorrência é um domínio muito específico e que as contra-ordenações a criar no domínio específico da concorrência não contendem com as contraordenações no domínio geral da criminalidade económica!
É, portanto, um domínio específico da concorrência - que, é evidente, a grosso modo e no plano conceitual se integra na criminalidade económica em geral - que obedece a normas e a princípios específicos e a exigências específicas.

É assim em todos os países que têm simultaneamente um regime de contra-ordenações e uma lei específica da concorrência. Lembrava, designadamente, o caso da República Federal da Alemanha.
Neste sentido não nos parece correcta a crítica feita ao pedido de autorização legislativa e da nossa parte aqui fica este esclarecimento e também o pedido de esclarecimento que está implícito nesta minha curta intervenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota também me suscitou algumas dúvidas que gostaria de colocar-lhe, embora algumas delas tenham mais a ver com o Governo e, nomeadamente, com o Sr. Ministro Álvaro Barreto, que neste momento não se encontra presente, o que lamento porque deveria ser ele, sobretudo também a esclarecer algumas destas questões.
O Sr. Deputado Magalhães Mota referiu de novo que, do debate que já aqui se fez e até das explicações que foram dadas pelo Sr. Ministro Álvaro Barreto, se verifica que afinal não havia necessidade de urgência no que respeita esta autorização legislativa! Também sou dessa opinião, aliás, já o dissemos hoje aqui por diversas vezes e a conclusão que se pode tirar do debate é exactamente a de que não há necessidade nenhuma de urgência desta autorização legislativa. O processo que foi aqui anunciado de estudo do debate, de aprofundamento da análise destes problemas se é que vai ser feito, como o Sr. Ministro anunciou -, mostra que afinal não há urgência, que afinal este é um problema que irá ainda fazer correr alguma tinta e que ainda teremos certamente ocasião de abordar algumas vezes nesta Assembleia.
Mas a questão que gostaria de lhe pôr refere-se à última parte da sua intervenção, nomeadamente à questão da situação das empresas públicas no mercado e, em especial, ao problema da EPAC e de outros organismos de coordenação económica. Também esta Assembleia já teve ocasião de debater aqui este problema e já sabemos que, a pretexto da concorrência ou da adesão de Portugal à CEE, aqui e fora daqui, sucessivos governos tentaram destruir algumas empresas do sector nacionalizado, nomeadamente a EPAC.
Gostaria de neste momento conhecer a opinião do Sr. Deputado Magalhães Mota sobre esta questão e também que esclarecesse melhor o alcance da proposta de alteração que vai fazer ao pedido de autorização legislativa apresentado pelo Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para responder.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Em relação à questão colocada pelos Srs. Deputados Hasse Ferreira e Ilda Figueiredo sobre a situação das empresas públicas e organismos de coordenação económica, distinguiria dois aspectos: um diz respeito às empresas públicas em geral e julgo que essa matéria deverá ser considerada no âmbito desta legislação, para o que chamei a atenção do Governo; outro aspecto específico, e tam

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bém a considerar no âmbito desta legislação, é o caso dos chamados monopólios comerciais, de que referi a EPAC e os antigos organismos de coordenação económica.
Ora, o regime é diferente porque - no caso das empresas públicas em geral aquilo a que obriga o Tratado de Roma é exclusivamente que essas empresas não beneficiem de um certo conjunto de privilégios. Em relação aos monopólios comerciais, e portanto ao da EPAC e dos antigos organismos de coordenação económica, creio que a posição portuguesa sobre a matéria é diferente. Pelo menos em relação aos trabalhos que são públicos e, concretamente, estou a referir-me a um trabalho publicado no Boletim do Ministério da Justiça pela Dr.ª 15abel Jales, considera-se nesse trabalho que os antigos organismos de coordenação económica e a EPAC são monopólios comerciais e, portanto, não recaiem no âmbito do artigo 37 º do Tratado de Roma, mas deixa em aberto a consideração da sua situação especial como «organismos», ou «institutos» - a fórmula agora pouco importa para o efeito - que actuam no âmbito dos produtos agrícolas, podendo a situação, aliás, ampliar-se à própria Comissão Reguladora do Comércio do Bacalhau, visto que, nos termos do Tratado de Roma, também os produtos de pesca têm o regime geral dos produtos agrícolas.
Ora bem, não sou eu o legislador e, portanto, não me compete mais do que chamar a atenção para o problema e interrogar o Governo sobre o modo como pensa considerá-lo. Creio que é um problema suficientemente importante dentro da economia portuguesa e dos parâmetros em que nos movemos para merecer um esclarecimento especial em relação a esta Câmara.
Foi esse o sentido da minha intervenção.
Não tenho que legislar sobre a matéria nem sou chamado a isso, não é a minha própria solução que poderá estar em causa neste momento, até porque, como é sabido, não fui negociador em termos das negociações europeias e, portanto, até nem conheço exactamente o âmbito das negociações levadas a efeito sobre esse ponto e qual a posição que o Governo Português adoptou em relação a esta matéria e ao seu enquadramento.
Há, aliás, antecedentes neste campo, por exemplo, no caso inglês, que tem um organismo que trata da batata, e no caso dos italianos e outros países, que optaram por introduzir adaptações no seu regime tradicional. É o caso da Alemanha, da Itália ou o próprio caso da França, que transformou o seu organismo cerealífero - que era um organismo muito paralelo ao nosso antigo Instituto dos Cereais - num organismo que é o actual ONIC, que tem um estatuto próprio também, em termos da legislação interna francesa.
Quanto ao Sr. Deputado Costa Andrade, devo dizer--lhe que me interroguei, de facto, quanto ao sentido da justificação deste debate sobre a presente autorização legislativa e pus 2 hipóteses: uma, tratar de penas e do regime de contra-ordenação, e outra, tratar de temas contendo com esta matéria do estatuto das empresas públicas. E disse que, naturalmente, seria mais a segunda hipótese do que a primeira porque admitia que a parte do ilícito penal já estivesse contemplada no Código Penal e em legislação avulsa e quanto à matéria das contra-ordenações, embora conheça a especificidade apontada pelo Sr. Deputado Costa Andrade em relação às matérias de concorrência, penso que se vamos alterar um quadro geral, quando muito, haverá remissões para esse quadro geral e, portanto, não haverá aplicações novas, nem ilícitos novos, nesta matéria específica. Em todo o caso reconheço que é uma matéria suficientemente complexa para justificar alguma ponderação.

Quanto ao problema da urgência colocado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, a minha conclusão é idêntica. O que deduzi da metodologia proposta pelo Sr. Ministro - embora com a promessa da legislação ser publicada em Setembro, salvo erro - é que essa própria metodologia explica que vai haver uma larga audição e um processo também pouco compatível com a primeira urgência alegada.

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, vamos proceder à votação na generalidade da proposta de lei n.º 7/III, que concede ao Governo autorização para elaborar normas práticas restritivas da concorrência.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O Governo não responde?!...

Pausa

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e da UEDS, votos contra do PCP e abstenções do CDS, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - O MDP/CDE absteve-se quanto a esta proposta de lei do Governo.

Não poderia votar favoravelmente por entender que este pedido de autorização continua a não ter, em si, o sentido da legislação que vai ser feita e também não poderia votar contra porque o Sr. Ministro prometeu aqui ter em conta, fundamentalmente, a audição de todos os interessados e, também, uma proposta de lei anterior e o programa de lei da ASDI.

Acreditamos que o Sr. Ministro é uma pessoa séria que irá cumprir a sua palavra. Entendemos também que esta é uma zona extremamente sensível e que existe nela um vazio legal que não interessa continuar. Daí a nossa abstenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques, também para uma declaração de voto.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Partido Socialista apoia este pedido de autorização legislativa exactamente porque ficou claramente demonstrado nesta discussão que é uma matéria que foi pacificamente aceite por todos como sendo urgente; apenas foi referido que essa urgência não se compatibilizava muito com o timing referido pelo Sr. Ministro.

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Sejamos claros: toda a demora é perda de tempo e se estiver pronto em Setembro é melhor do que começar a discutir-se em Setembro. No que diz respeito aos aspectos materiais focados, o próprio Sr. Ministro do Comércio e Turismo referiu que iria acolher não só os trabalhos que sobre esta matéria já existiam, mas também as próprias aportações que fossem dadas nesta discussão.
O Partido Socialista apoia esta proposta de lei, exactamente porque tem confiança política no Governo e está certo que a legislação que vier a sair acolherá, com a prudência e o senso necessários, a questão que está a ser legislada.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora formalmente o pedido de autorização legislativa que foi votado, designadamente no que ao articulado respeita, seja, em nosso entender, excessivamente sintético, não nos parece que resulte ambíguo o sentido e o objecto da autorização legislativa solicitada. Ou seja, nós interpretamos o artigo 1 º da proposta como visando designadamente a aproximação da legislação portuguesa ao corpo de doutrina comum que o Tratado da CEE e as decisões do Tribunal das Comunidades já produziram, interpretação essa que poderá ter força de lei se a proposta de alteração da ASDI vier também a ser aprovada. E, conquanto a UEDS não seja entusiasta da adesão plena à CEE, consideramos positivamente a necessidade de rapidamente dotar o País com uma legislação neste domínio que venha a permitir com menores custos a inserção das empresas portuguesas no espaço económico europeu, já que se perspectiva a adesão de acordo com as palavras proferidas pelo Sr. Primeiro-Ministro durante o debate do programa do Governo, para o próximo ano de 1984.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, igualmente para uma declaração de voto.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS, nesta votação, congratula-se com a urgência atribuída pelo Governo à legislação sobre esta matéria e com a adesão que o Governo fez, nas suas linhas gerais, à proposta de lei oportunamente apresentada pelo Governo AD nesta matéria, mas não pode aceitar o processo que tem vindo a ser seguido pelo Governo, em matéria de pedidos de autorizações legislativas, designadamente no que respeita a circunstância de não deixar completamente esclarecidas as suas intenções e de não juntar sistematicamente os projectos de diploma que vai publicar no uso das autorizações que lhe são conferidas. Por isso o CDS se absteve na votação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa uma proposta de alteração, da ASDI, que dá nova redacção ao artigo 1 º e propõe um artigo novo, portanto uma proposta de aditamento. De acordo com o artigo 153 º do Regimento sobre a ordem de votação na especialidade vamos primeiro votar a proposta de alteração do artigo 1 º e no fim a proposta de aditamento, que o proponente designa por artigo 1º- A.

Vai ser lida a proposta de alteração ao artigo 1.º e o novo artigo, designado por artigo 1º- A.

Foram lidos, são os seguintes:

ARTIGO 1

E concedida ao Governo autorização para, no exercício da competência legislativa própria e de que resulta da presente lei, elaborar normas sobre práticas restritivas de concorrência no sentido de:

a) Salvaguardar os interesses dos consumidores;
b) Assegurar a transparência dos mercados;
c) Favorecer objectivos gerais de desenvolvimento económico e social.

ARTIGO 1º - A

Para a prossecução das finalidades referidas no artigo anterior, a Lei:

a) Aproximar-se-á da legislação dos países que consagram o sistema chamado de «dano efectivo», apenas considerando como de «dano potencial» práticas constantes de inumeração taxativa;
b) Terá em conta os regulamentos da CEE em vigor e a jurisprudência do Tribunal das Comunidades, visando uma progressiva aproximação de legislações; nomeadamente introduzindo cláusulas de minimis e tendo em atenção a jurisprudência comunitária em relação aos acordos de distribuição exclusiva e aos acordos de patentes;
c) Determinará que o julgamento das práticas restritivas de concorrência será feito com participação dos parceiros sociais;
d) Estabelecerá um regime de deligências prévias no sentido de fazer cessar a situação julgada irregular;
e) Será aplicável ao sector público, privado e cooperativo;
f) Permitirá acordos de especialização entre pequenas e médias empresas.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, queria apenas solicitar que não se proceda à votação sem que primeiro seja distribuído esse novo texto, porque ele é relativamente grande e gostaríamos de o ver na sua globalidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, informo-o de que já mandei fotocopiar o texto. Não foi, no entanto, materialmente possível fazê-lo antes do início da votação, mas penso que poderemos votar a proposta de alteração ao artigo 1 º, depois votar o texto tal e qual é apresentado na proposta e, finalmente, o texto da proposta de aditamento que nessa altura já estará distribuído, penso eu.

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Srs. Deputados, vamos então proceder à votação na especialidade, começando por votar a proposta de alteração ao artigo 1.º, apresentada pela ASDI

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, também gostaríamos de ter um exemplar das alterações propostas, para podermos analisar o seu conteúdo e serra isso não gostaríamos de proceder à votação!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, então suspendo a sessão por 5 minutos, porque não tenho outra hipótese.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, acho que quanto aos artigos 2 º e 3 º não há quaisquer propostas e podemos votá-las enquanto não chegam os textos. Em relação ao artigo 1.º, introduzem-se grandes alterações e gostávamos de consultar o texto da proposta da ASDI.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, que a votação na especialidade tem de seguir a ordem por que está apresentada. Daí não ver hipótese de votarmos como sugere.
Suspendo pois a sessão por 5 minutos que penso serem suficientes. Está suspensa a sessão até às 19 horas e 15 minutos.

Eram 19 horas e 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação da proposta de alteração ao artigo 1.º apresentada pela ASDI e da qual os Srs. Deputados já têm conhecimento.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, queria fazer uma proposta em relação à orientação dos nossos trabalhos. E é uma proposta feita não só à Mesa mas a todos os grupos parlamentares.
Creio que a dificuldade com que todos estamos a trabalhar justifica que esta proposta tenha sido apresentada sobre a hora. É natural que para os grupos parlamentares que só agora a receberam ela tenha suficiente complexidade para necessitar de maior ponderação. Dentro desse espirito e depois de alguma troca de impressões muito rápida a que pude proceder, sem ter podido consultar todos os grupos parlamentares, parecia-nos que seria mais útil para a eficácia da nossa discussão transferirmos a discussão na especialidade para um período mais tardio da nossa sessão de trabalhos de hoje.
Entraríamos assim imediatamente noutra matéria e regressaríamos à discussão, na especialidade, desta proposta de lei dentro de alguns momentos, considerados úteis por todos os grupos parlamentares para a ponderação e apreciação da proposta de alteração que agora acabaram de ser apresentadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Pensamos que esta proposta de alteração da ASDI não devia ter a tramitação proposta pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Afirmamos - como aliás já foi referido pelo Sr. Ministro aquando da apresentação da proposta de lei que estamos abertos (e o Governo confirma e desde a primeira hora o disse) a todos os contributos, seja o da própria proposta da ASDI, seja o do próprio projecto de lei da ASDI, e viu-se já claramente que há zonas de completa convergência.
Pensamos, no entanto, que é mais eficaz e mais produtivo para esta Assembleia que se vote desde já, na especialidade, a proposta de lei do Governo, sem prejuízo da declaração de voto que faremos formalmente. assumindo a posição que agora aqui apontei com esta intervenção.
15to é, como já foi referido pelo Sr. Ministro, quero dizer que a colhereiros o que tiver de positivo - e é muita coisa - quer a proposta, quer o projecto de lei da ASDII.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, como é evidente não é naturalmente a mesma coisa!
Uma coisa é a Assembleia da República indicar no texto da lei a orientação segundo a qual o Governo deverá legislar, e isso é uma competência da própria Assembleia, que com isso estabelece as suas orientações; outra coisa, completamente diferente, é o Governo manifestar-se receptivo e os grupos parlamentares apoiaram essa orientação - que já foi, aliás, manifestada pelo Sr. Ministro do Comércio - no sentido de acolher propostas, sugestões, etc.
Trata-se da diferença que vai de a Assembleia assumir plenamente a sua função quando vota uma proposta de lei de autorização legislativa e em que lhe dá objecto, sentido, extensão e duração, dentro da sua competência soberana; outra coisa completamente diferente é o Governo - invertendo até um pouco a marcha deste processo e da relação entre 2 órgãos de soberania - dizer que acolherá as sugestões provindas da Assembleia da República. Quer dizer, a diferença qualitativa entre as duas posições é muito grande e daí que tenha feito a proposta que fiz sobre a orientação dos nossos trabalhos.
Aceito facilmente que ela não é muito ortodoxa, pois vamos quebrar a sequência natural de uma discussão, mas creio que é mais operativa e que permite uma melhor reflexão das situações. E este aspecto político é para mim extremamente relevante, pois deve ser a

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Assembleia da República a precisar o sentido das suas orientações e não ficarmos todos à espera da boa vontade, da boa disposição ou da abertura por parte do Governo, tudo isto com inversão da situação respectiva de 2 órgãos de soberania, como são a Assembleia a República e o Governo.

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a proposta que fez só poderia, eventualmente, ser aceite se houvesse um consenso unânime nesse sentido. Ora, esse consenso não se manifesta e como penso que ela está suficientemente discutida vamos passar à votação.
Vamos então votar a proposta de alteração do artigo 1.º, apresentada pela ASDI.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PS, do PSD e do PCP, votos a favor da UEDS e da ASDI e abstenções do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para uma curta declaração de voto no sentido de salientar o significado desta votação. Quer dizer, a Assembleia da República acaba de determinar pela negativa uma orientação ao Governo. Ou seja, derrotando uma proposta que determinava algum conteúdo ao sentido da autorização, considerou, obviamente e por exclusão de partes, que não era este o sentido pretendido para a autorização.
Portanto, a maioria que derrotou esta proposta entende que o Governo, ao ser autorizado para legislar, não deve salvaguardar os interesses dos consumidores, não deve assegurar a transparência dos mercados e não deve favorecer objectivos gerais de desenvolvimento económico e social. É pelo menos aberrante!
Creio que esta tomada de posição da Assembleia da República precisa, pelo menos, de um esclarecimento em termos de Diário da Assembleia da República, para que fique claramente entendido que não foi com certeza este o sentido de uma decisão maioritária da Assembleia.
É este o sentido da minha declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Mendes.

O Sr. Almeida Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Será uma curta declaração de voto.
Julgo que a proposta de lei do Governo contém elementos suficientes para a Assembleia estar perfeitamente esclarecida quanto ao sentido da utilização que o Governo pretende fazer da autorização legislativa que aqui pediu.
É que, efectivamente, qualquer objectivo ou mesmo qualquer intenção de fazer uma lei de defesa da concorrência será sempre, com certeza, no sentido da defesa dos interesses dos consumidores. E através da concorrência que eles irão ter produtos mais baratos e em melhores condições, não só de quantidade como de serviço.

Por outro lado, a própria transparência dos mercados é assegurada por esta lei, pois ela será a forma de evitar que as práticas comerciais distorçam o mercado. Por último, é através do eficaz funcionamento da concorrência que se poderão prosseguir os objectivos de desenvolvimento económico aqui apresentados na proposta da ASDI.

É, portanto, por estar já implícito na proposta do Governo o consignado na proposta de alteração da ASDI que o Grupo Parlamentar do PSD votou contra esta alteração e não no sentido que aqui foi atribuído de não concordância com eles. Estes princípios já estão implícitos na proposta do Governo e, portanto, a proposta de alteração da ASDI é desnecessária.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto contra não foi certamente pelas mesmas razões do voto contra do PPD e do PS. Votámos contra a proposta de alteração da ASDI, como votámos contra a proposta apresentada pelo Governo, porque consideramos que, apesar do alcance um pouco maior que é apresentado na proposta de alteração da ASDI, ela não nos garante que o Governo vá legislar no sentido que aí está implícito e muito menos nos garante qual o alcance e quais os interesses que a legislação do Governo vai salvaguardar.
Porque não confiamos nisso e porque o debate não clarificou a posição do Governo em relação a esta matéria, não pudemos votar favoravelmente a proposta de alteração apresentada pela ASDI.
Portanto, o nosso voto não tem a ver com os princípios que a ASDI pretende salvaguardar e que, naturalmente, são justos e têm razão de ser. O nosso voto contra tem apenas a ver com aquilo que o Governo pretenderá e poderá fazer com esta autorização legislativa e com isso nós não estamos de acordo. Aliás, o processo que foi aqui seguido hoje prova claramente que há, pelo menos, objectivos pouco claros, para não dizer obseuros, nas intenções do Governo em relação a esta matéria. Daí o nosso voto contra!

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para declarar que o Grupo Parlamentar do CDS considera louvável a intenção da ASDI neste debate e também a proposta de alteração que apresentou.
Porém, devo dizer que não considero legítima a interpretação a contrario que o Sr. Deputado Magalhães Mota fez. Não foi, de forma nenhuma, com esse sentido que o CDS votou abstendo-se, para permitir que se tirasse a conclusão contrária ao sentido da proposta de alteração, de forma nenhuma!
Também não é legítimo admitir os sentidos implícitos que foram há pouco aqui referidos, pois não pode

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haver sentidos implícitos nos pedidos de autorização que o Governo dirige a esta Câmara. Mas também não é de admitir que, sistematicamente, sejam os partidos aqui representados a esclarecerem, a completarem e a darem sentido às propostas do Governo. Foi por tudo isto que nós, uma vez mais, nos abstivemos.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo 1Mfatrqcaes (PS): - A nossa declaração de voto será brevíssima e em seguimento à declaração de voto que fizemos aquando da votação na generalidade da proposta de lei.
Pretende-se apenas pontificar que o PS votou contra a proposta de alteração exactamente porque considera que, havendo nela bastantes elementos que serão acolhidos na abertura já dada pelo Governo, nela também naturalmente pontos controversos e esses não poderiam ser acolhidos.
Por outro lado, é óbvio que não podemos aceitar a interpretação a contrario feita pelo Sr. Deputado Magalhães Mota. Independentemente do juízo do senso há o juízo do escrito, ou seja, há nesta proposta de alteração coincidência, inclusive de palavras, com a própria proposta do Governo.
Por último; é também óbvio que votámos contra porque temos confiança política no Governo, o que explica porque, votando do mesmo modo, votámos em sentido diferente do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Hasse Ferreira, para uma declaração de voto, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - A alteração proposta pela ASDI e votada favoravelmente pela UEDS vinha, de facto, em meu entender, dar força de lei à interpretação que, em anterior declaração de voto, fizemos da autorização legislativa solicitada, no que se refere ao artigo 1 º
A aprovação pela Assembleia da República da autorização legislativa com a alteração proposta pela ASDI garantiria, em nosso entender, a adopção de legislação com um sentido determinado e um objectivo preciso, que consideramos necessária e urgente neste domínio.
A votação feita pela Assembleia restabelece, assim, um certo carácter de ambiguidade, que se pode considerar que o texto inicial de autorização legislativa apresentado tem.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Taborda, tem V. Ex.ª a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - O MDP/CDE absteve-se exactamente por razões contrárias à ilação tirada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e ainda porque, embora entendendo que a alteração proposta é positiva, ela não contempla todas as funções da autorização requerida, designadamente quanto a práticas antimonopolistas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o texto do artigo 1 º da proposta de lei, que será posto à discussão e depois votado.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 1º:

E concedida ao Governo autorização para, no exercício da competência legislativa própria e da que resulta da presente lei, elaborar normas sobre práticas restritivas da concorrência no sentido de garantir o seu são funcionamento, evitando o seu falseamento ou restrição, tendo como objectivo a aproximação da legislação portuguesa à vigente nos países da Comunidade Europeia.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e da ASDI e abstenções do CDS, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr.. Magalhães Mote (ASDI): - votámos contra este artigo 1 º porque ele não define o sentido da autorização concedida. E para tornar patente que assim é, bastará o ter ficado no ar a pergunta que fiz ao Sr. Ministro do Comércio no início desta sessão, nos termos de tentar apurar o que significava a aproximação da legislação portuguesa à vigente nos países da Comunidade Europeia.

Tive o cuidado de salientar que dentro da Comunidade Europeia há o Tratado de Roma e o Tratado de CECA, há um regulamento comunitário aplicável a esta matéria - que se tornará depois directamente aplicável na legislação portuguesa - chá ainda a legislação interna dos vários países da CEE, que se reparte por 3 grandes grupos de posições - um consagrando o sistema do dano efectivo, outro consagrando o sistema do dano potencial e outro ainda optando por um sistema misto.

Creio que o facto de esta matéria não ter sido esclarecida e termos ficado apenas com a expressão «a aproximação da legislação portuguesa à vigente nos países da Comunidade Europeia» nos permite considerar que qualquer destes sistemas poderá ser adoptado sem que a Assembleia tenha sabido exactamente aquilo que determinou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser tido o artigo 2 º da proposta de lei.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 2º

A autorização legislativa concedida pela presente lei cessa decorridos 120 dias sobre a data da entrada em vigor desta lei.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos votar.

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Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e abstenções do CDS, da UEDS, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o artigo 3.º da proposta de lei.

Foi lido. É o seguinte:

ARTIGO 3 º

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e abstenções do CDS, da UEDS, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lida a proposta de aditamento de um novo artigo, apresentada pela ASDI.

Foi lida. E a seguinte:

ARTIGO 1.º-A

Para a prossecução das finalidades referidas no artigo anterior, a lei:

a) Aproximar-se-á da legislação dos países que consagram o sistema chamado de «dano efectivo, apenas considerando como de «dano potencial» práticas constantes de inumeração taxativa;
b) Terá em conta os regulamentos da CEE em vigor e a jurisprudência do Tribunal das Comunidades, visando uma progressiva aproximação de legislações, nomeadamente introduzindo cláusulas de minimis e tendo em atenção a jurisprudência comunitária em relação aos acordos de distribuição exclusiva e aos acordos de patentes;
c) Determinará que o julgamento das práticas restritivas de concorrência será feito com participação dos parceiros sociais;
d) Estabelecerá um regime de diligências prévias no sentido de fazer cessar a situação julgada irregular;
e) Será aplicável ao sector público, privado e cooperativo,
f) Permitirá acordos de especialização entre pequenas e médias empresas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na opinião da mesa este artigo 1.º-A está prejudicado, pois não foi aprovado o artigo 1º da proposta de alteração apresentada pela ASDI. Contudo, ponho isso à consideração dos Srs. Deputados.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que normalmente seria esse o meu entendimento, ou seja, em circunstâncias normais estaria de acordo com a Mesa.
Porém, há pouco fiquei um bocado confuso porque, quando foi derrotada a nossa proposta de alteração do artigo 1º, houve bancadas que a consideraram implícita no sentido da autorização pedida pelo Governo e, portanto, parece que, dentro desse sentido implícito, o consignado nesta nossa proposta de aditamento a poderia complementar.

Por outro lado, verifiquei também que mesmo as bancadas que votaram contra a proposta de alteração estavam, afinal, de acordo com os objectivos nela expressos.

Em todo o caso, para poupar tempo à Câmara, penso que é preferível considerar a proposta prejudicada.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 7/III.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS e do PSD, votos contra do PCP e abstenções do CDS, da UEDS, da .ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, é apenas para avisar que enviaremos para a Mesa, por escrito, a nossa declaração de voto.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Peço a palavra para uma declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Era apenas para uma curtíssima declaração de voto no sentido de suplicar porque nos abstivemos nesta votação final global. Aliás, penso que o nosso voto é claro, já que a evolução do debate no seu final em vez de representar um enriquecimento da proposta de autorização legislativa, significou apenas um empobrecimento, na medida em que este Plenário, no pleno uso dos seus direitos, optou pela ambiguidade nesta concessão de autorização legislativa
De qualquer maneira, o facto de pensarmos que é urgente a adopção de legislação neste domínio justifica o nosso voto de abstenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entramos na discussão do ponto seguinte da ordem de trabalhos, isto é, da proposta de lei n.º 23/III, que autorizou o Governo a legislar sobre a criação...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

0 Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, há pouco nós concedemos que fosse alterada a ordem de trabalhos, isto é, que em vez de se seguir à discussão e votação da impugnação do pedido de autorização legislativa que acabamos de votar as 2 impugnações que lhe sucediam na ordem de trabalhos - por comodidade do Governo suponho, embora ela não tenha sido alegada - se passasse de imediato à discussão da proposta de lei de autorização legislativa que acabámos de votar, que tem o n.º 7/III, e sobre a qual foi interposto recurso.
No entanto, nós concedemos apenas este entorse à ordem de trabalhos e não mais do que este entorse. Portanto, devemos agora regressar às impugnações que, obrigatoriamente, por acréscimo, têm de ser feitas hoje.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, para esclarecer a Câmara de que nós estamos de acordo em que agora se discuta a impugnação que vem a seguir e depois então a respectiva proposta de lei.
Foi essa a ideia com que ficámos e parece-me que este é o método correcto, ou seja, fazer suceder à impugnação a discussão da proposta de lei respectiva e ainda nos é possível, naturalmente, tratar outras impugnações. Mas, na verdade, já não existem mais impugnações, porque havia uma proposta de lei impugnada que foi retirada pelo Governo e, por conseguinte, essa impugnação deixa de ter objecto.
Assim, neste momento, temos apenas para discutir a apreciação do recurso interposto pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n.º 20/III, que concede ao Governo autorização para legislar em matéria de delitos antieconómicos e contra a saúde pública, sendo esta impugnação o ponto que se segue. Depois entraríamos imediatamente na discussão da proposta de lei propriamente dita. 15to por uma lógica de sistema, de economia de tempo e de unidade na própria discussão.
Depois disso não temos mais nenhuma impugnação porque o ponto seguinte da ordem de trabalhos - o n.º 1.3 - refere-se à impugnação da proposta de lei n.º 26/II1, que concede ao Governo autorização para, durante o ano económico de 1983, efectuar transferências de verbas no interior do Orçamento Geral do Estado, e esta proposta foi retirada, logo, a impugnação não tem sentido.
Creio que os Srs. Deputados têm conhecimento de que a proposta foi retirada porque circulou pelas bancadas a comunicação do Governo no sentido de que a proposta de lei n.º 26/III tinha sido retirada. Logo, por consequência, já não há mais nenhuma impugnação!
Depois disso, entramos na segunda parte da ordem dos trabalhos inicial, ou seja, nos n.º 2.2 e 2.4. Julgo que esta é não só a ordem lógica mas também, neste caso, a ordem cronológica de prosseguimento dos nossos trabalhos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, comunico desde já que, em relação à eventual - só foi anunciada agora - retirada da proposta de lei n.º 26/III, ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eventual não, está consumada!

O Orador: - ... cuja impugnação estava interposta quando lá chegarmos logo se verá e o meu grupo parlamentar terá certamente observações a fazer.
Neste momento estamos a discutir outra coisa, mais simples, que é o seguinte: vamos discutir a impugnação do recurso interposto sobre a admissão da proposta. de lei n.º 20/III e depois deste recurso discutiremos a outra impugnação, mas quando lá chegarmos logo veremos como é! Em seguida continuaremos com a ordem de trabalhos conforme estava antes da alteração.
Quanto à alegação de lógica, o Sr. Deputado desculpar-me-á mas não só não encontramos lógica nenhuma, como até pensamos que esse método seria prejudicial, porque a discussão em sucessivo de um recurso de admissibilidade e da própria matéria só faz é contribuir para que se misturem duas coisas que são, em qualquer caso, muito distintas e para que se perca tempo desnecessariamente, que foi o que se passou com a discussão anterior, como o Sr. Deputado deve ter reparado. O facto de termos juntado uma coisa à outra acabou por misturar a discussão do recurso com a da matéria em concreto e isso é negativo para a Câmara, não é lógico, porque não tem lógica nenhuma, e prejudica os trabalhos da Assembleia.
Portanto, peço ao Sr. Presidente que regressemos à boa ordem e quanto à eventual retirada de uma proposta de lei do Governo, quando lá chegarmos logo se vê. O Sr. Presidente anunciá-la-á quando entender, no momento próprio, e, nessa altura, nós teremos, naturalmente, direito à palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa sobre uma questão que acaba de ser suscitada pelo Sr. Deputado Carlos Lage e agora pelo meu camarada Veiga de Oliveira: a questão da retirada da proposta de lei n.º 26/III.
Gostava de perguntar à Mesa quando e em que termos é que tenciona anunciar formalmente ao Plenário essa retirada e qual foi o processamento que lhe deu, porque o meu grupo parlamentar insistirá sempre em fazer uma curta declaração. Consideramos inaceitável que a retirada não fosse seguida - uma vez que houve impugnação - da possibilidade de exprimirmos, sobre a matéria, o juízo político que nos merece o acto que foi praticado pelo Governo.
Portanto, perguntávamos à Mesa quando é que tenciona proceder a esse anúncio, porque, quando o fizer, nós insistiremos em usar da palavra para, sobre a matéria, tecer algumas considerações ainda que curtas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não estava presente quando foi aceite penso que por unanimidade - e, aliás, só assim poderia ser- a alteração da ordem dos trabalhos.
A informação que a Mesa tem - e foi por isso que se alterou a ordem de trabalhos - é de que deveria ser apreciado, antes do debate da proposta de lei n.º 20/III, o recurso interposto e depois, logo em seguida, dever-se-ia proceder ao debate da própria proposta de lei. Esta é a informação que tenho e isto

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justifica, a meu ver, a alteração da ordem de trabalhos, isto é, o retirar da primeira parte da ordem do dia a apreciação de um recurso, passando-a para a segunda parte.

Em relação à retirada da proposta de lei n.º 26/III, ela foi comunicada à Mesa e distribuída por todos os grupos parlamentares, segundo tenho conhecimento. Uma vez retirada a proposta de lei, penso que não há lugar à discussão do recurso que tinha sido interposto.

De qualquer maneira, Srs. Deputados, creio que, para bom andamento dos trabalhos, não se vai alterar novamente a sua ordem e que deveremos discutir, em primeiro lugar, o recurso interposto pela ASDI quanto à proposta de lei n.º 20/III e, em seguida, a proposta de lei n.º 20/III, propriamente dita: depois continuaremos com a discussão das outras propostas de lei constantes da segunda parte da ordem do dia.

Se não for assim, não vejo como é que se pode justificar a retirada da primeira parte da ordem do dia, onde devia ter sido discutida, a apreciação do referido recurso. Não me parece que isto tenha lógica mas o Sr. Deputado Veiga de Oliveira dirá.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, antes de mais queria separar 2 questões para que não nos atrapalhemos uns aos outros. A primeira questão é saber como é que vamos continuar a proceder, qual é a ordem dos nossos trabalhos; a segunda diz respeito à retirada de uma proposta de lei do Governo. Mas deixemos esta segunda questão de lado, para já, e vamos ver só a primeira.
Sr. Presidente, é que ninguém retirou nada da primeira parte da ordem do dia, passando-o para a segunda, porque ninguém o pode fazer. A discussão de qualquer recurso tem sempre lugar na primeira parte da ordem do dia e o que a Assembleia fez, por unanimidade - porque só desta forma o pode fazer, como só por unanimidade pode fazer seja o que for que não seja seguir a ordem de trabalhos estabelecida - o que a Assembleia fez, insisto, a pedido do PS e do Governo, salvo erro, foi permitir que se discutisse a proposta de lei propriamente dita imediatamente a seguir ao debate da impugnação da proposta de lei n.º 7/III, apresentada pela ASDI.
A partir daí, o que estava assente era que voltaríamos novamente às impugnações - e agora não importa saber se são 1, 2, 3 ou 4 ou se não é nenhuma. 15to significa que demos um salto à segunda parte da ordem, de trabalhos e agora regressamos à primeira parte, porque a discussão da impugnação terá sempre lugar na primeira parte da ordem de trabalhos.
Foi isto que ficou estabelecido. Eu insisto que só isto é que pode ter acordo e, realmente, qualquer mexida mais na ordem de trabalhos exigiria unanimidade, que não haverá.
Portanto, o que propomos, para evitar mais perda de tempo, é que se faça aquilo que tinha sido aceite. isto é, que agora se retome a ordem de trabalhos quanto à apreciação do recurso interposto pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n.º 20/III, seguindo-se tudo o resto, apesar dos incidentes que venham a suceder.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, esta discussão poderia eternizar-se e, portanto, aquilo que propomos é que se inicie imediatamente a discussão da impugnação, ou seja, o n.º 1.2 da ordem de trabalhos, e depois ver-se-á!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então iniciar a apreciação do recurso interposto pela ASDI sobre a proposta de lei n.º 20/III.

Porém, faltam 5 minutos para as 20 horas e está na Mesa um requerimento, que deve ser votado imediatamente e que diz que «os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento desta sessão até à 1 hora e 30 minutos da manhã». Penso que isto não prejudica o intervalo para jantar.

Vamos votar o requerimento que acabei de ler e, como estamos praticamente na hora do intervalo para jantar, faremos em seguida a interrupção. Depois do jantar discutiremos o recurso apresentado pela ASDI.

Vamos votar o requerimento de prolongamento da sessão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS, da ASDI e do MDP/CDE e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 19 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 16 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar a apreciação do recurso interposto pela ASDI sobre a admissão da proposta de lei n.º 20/III, que concede ao Governo autorização para legislar em matéria de delitos antieconómicos e contra a saúde pública.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mote (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os fundamentos do recurso apresentados pela ASDI são conhecidos e, como tal, penso poder abreviar estas considerações iniciais remetendo-os para a formulação escrita. Assim, limitar-me-ei a resumi-la tão rapidamente quanto possível e a introduzir-lhe algumas actualizações entretanto impostas pelos conhecimentos que vimos adquirindo.
Em primeiro lugar, fundamentava-se o recurso numa disposição regimental, que implicava o cumprimento do n.º 3 do artigo 135 º do Regimento da Assembleia da República de modo a suprir-se aquilo que era uma falha da proposta, tal como foi distribuída às várias bancadas, ou seja, o facto de não ter uma designação que traduzisse sinteticamente o seu objecto principal.
A este respeito devo dizer que o pedido de autorização legislativa que foi presente a esta Câmara tinha ele próprio um título, que era demasiado genérico, falado apenas em normas concretas; os serviços apuseram-lhe uma outra designação, a designação de uma proposta que autorizava o Governo a definir certos ilícitos e, finalmente, o Diário da Assembleia da Repú

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blica, 2.ª série, n.º 18, de 9 de Julho, de que tivemos conhecimento do sumário, tem um texto que é bastante mais completo, visto que diz sobre a proposta que esta «concede ao Governo autorização para legislar sobre infracções antieconómicas e contra a saúde pública, delitos de corrupção, tráfico e influências e outras fraudes que ponham em causa a moralidade da Administração Pública, consumo e tráfico ilícito de drogas e responsabilidade dos membros dos órgãos de Estado e dos agentes da administração central, regional e local e dos órgãos das empresas do sector empresarial do Estado. São quase 2 páginas!
Como designação sucinta não será a ideal mas penso que este pequeno defeito da proposta será facilmente rectificada e, aliás, ele não provoca nenhuma espécie de problema que não seja o do suprimento desta deficiência de ordem regimental.
Em segundo lugar, partimos do anotamento desta deficiência para dizer que ela nos parecia patentear uma certa dificuldade de concretização do objecto da proposta.
É evidente que poderá dizer-se, em resposta a isto, que estamos a tratar de um conjunto de matérias conexas.
Bom, é certo que assim é, só que nós gostaríamos que o Governo, nos seus pedidos de autorização legislativa, tivesse alguma moderação no modo como junta várias propostas, visto que conexão terão todas as propostas do mesmo ministério, conexão terão também todas as propostas de normativos e, finalmente, conexão terão ainda todas as propostas do mesmo Governo e, deste modo, cairíamos facilmente numa só autorização legislativa, com variadíssimas alíneas, tendência que nos parece de evitar e de corrigir.
Entrando propriamente nas matérias fundamentais do recurso, eu diria que aquela que nos parece mais importante é a que é sintetizada a partir do n.º 2 da alegação do recurso.

Na verdade, pensamos que um dos problemas fundamentais que esta proposta coloca se refere às infracções antieconómicas e contra a saúde pública.
As referências constantes da exposição de motivos não eram para nós perfeitamente esclarecedoras. Admitimos que os esclarecimentos que possam resultar desta própria discussão venham a precisar o sentido da autorização pretendida. Aliás, creio que não consistirá inconfidência para a Câmara, que assistiu a uma troca de impressões pública com o Sr. Ministro da Justiça e com alguns Srs. Deputados que estavam à volta - fizemo-la aqui à vista de toda a gente e, portanto, não penso que seja segredo - dizer que dessa troca de impressões resultaram algumas precisões, que, naturalmente, a Câmara poderá ouvir do Sr. Ministro da Justiça e que, no nosso entendimento, precisam e esclarecem realmente as dúvidas que a exposição de motivos sobre esta matéria nos tinha colocado.
Do mesmo modo, penso que a situação em relação à orientação do Governo em matéria de revisão do ilícito penal económico e das contra-ordenações económicas poderá ficar perfeitamente esclarecida nessa intervenção.

Quanto ao ponto relativo ao combate do tráfico de influências, aos delitos de corrupção e a outras fraudes que ponham em causa a moralidade da Administração Pública, mantemos a nossa observação no sentido da qual nos parecia importante precisar o sentido da autorização que está em discussão.

Finalmente, e quanto ao último ponto deste recurso, eu diria que nos parece também importante que seja caracterizado, de modo particularmente evidente, aquilo que constitui a alínea c) do artigo 1.º e a alínea c) do artigo 4.º da proposta de lei.

Creio que a simples leitura evidencia que o carácter vago e genérico do pedido que é formulado, torna indispensável, para uma definição no sentido da autorização pretendida - e, como é óbvio, já nem me refiro à obrigatoriedade constitucional de definir a extensão dos pedidos de autorização legislativa solicitados - que esta matéria seja precisada.

Por último, há, no entanto, um aspecto - e queria salientá-lo- que nos parece de louvar e, como tal, eu diria que, ao contrário de pedidos de autorização legislativa anteriores, nós não seremos tão rigorosos na apreciação deste porque, do nosso ponto de vista, não é pelo menos inteiramente líquido que o Governo tivesse obrigação de solicitar uma autorização legislativa para legislar sobre estas matérias.

Ora, havendo lugar a uma dúvida e havendo lugar a uma posição do Governo que utiliza essa dúvida em benefício da Assembleia da República, vindo aqui solicitar uma autorização, essa atitude merece-nos respeito e destaque e, como tal, determinará, naturalmente, da nossa parte, uma menos exigência nos critérios concessionais exigíveis a um pedido de autorização, pois temos dúvidas que ela fosse exigível nos precisos termos da Constituição.

Assim sendo, apraz-nos salientar a atitude do Ministro - da justiça, e do Governo em geral, solicitando uma autorização legislativa a esta Assembleia sobre matéria que não era exactamente líquido - ou que, pelo menos, oferece algumas dúvidas- se seria obrigatório solicitar.

E tudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, para que efeito deseja usar da palavra?

O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): - Sr. Presidente, se não houver mais intervenções sobre a impugnação, gostaria de responder ao Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, estão já inscritos outros senhores deputados, mas a Mesa anota essa sua pretensão.

O Sr. Deputado José Manuel Mendes pediu a palavra para uma intervenção?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.

De qualquer modo, pensamos que é de toda a conveniência que o Sr. Ministro produza desde já a sua intervenção, uma vez que ela poderá, naturalmente, trazer importantes contributos ao debate que estávamos a travar e, pela parte da nossa bancada, não vemos objecção a que o Sr. Ministro fale de imediato, ficando a minha intervenção para ulterior momento.

E claro que é uma sugestão à Mesa. A Mesa dirige os trabalhos como muito bem entende.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tinha pedido a palavra. Está a dizer-me que é para uma intervenção ...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É verdade.

O Sr. Presidente: - Então, se quer usar da palavra ...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Pedi a palavra e mantenho o pedido, Sr. Presidente.
Fiz, no entanto, uma sugestão à Mesa.

O Sr. Presidente: - Então se mantém o pedido de palavra, faça favor de intervir.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Vai-se perder muito tempo.

O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado José Manuel Mendes. E que o Sr. Deputado Marques Mendes tinha pedido a palavra e eu não reparei.
Para que efeito está a pedir a palavra?

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Faça favor de pedir o esclarecimento, embora ele já seja um bocadinho atrasado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Não é não, Sr. Presidente. Peço desculpa mas já estava a pedir a palavra há muito tempo, a Mesa é que não se apercebeu.

O Sr. Presidente: - A Mesa não se apercebeu, efectivamente. Peço-lhe desculpa, Sr. Deputado.
Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Eu queria perguntar ao Sr. Deputado Magalhães Mota apenas uma coisa muito simples.
No fundo, a impugnação e o recurso que interpôs da admissibilidade desta proposta de autorização legislativa, tanto quanto se depreendeu da sua exposição, e aliás consta do papel, não contém, no fundo, nenhuma inconstitucionalidade. Conterá talvez algumas deficiências de técnica legislativa, digamos assim. E isso que pretendo dizer, Sr. Deputado Magalhães Mota?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, se deseja responder, tem a palavra.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que eu tentei dizer na minha intervenção foi que alguns elementos que foram fornecidos pelo Sr. Ministro da Justiça - e que penso deverá ser ele próprio, numa intervenção, a tornar explícitos para toda a Assembleia - nos permitem deduzir que a dúvida que tínhamos expressa em relação a algumas matérias, poderá ficar esclarecida com a intervenção do Sr. Ministro da Justiça. Pela minha parte, se essa explicação for tornada pública, não tenho dúvidas nenhumas em dar-me como esclarecido.

Em segundo lugar, salientei, também, que nesta matéria - e fiz essa declaração - nós seríamos bastante menos rigorosos do que em relação a qualquer outro pedido, visto que tínhamos dúvidas, que admitimos fundadas, quanto à necessidade de o Governo vir aqui apresentar um pedido de autorização legislativa sobre estas matérias.
Assim sendo, considerando que é uma atitude de respeito para com a Assembleia da República vir aqui apresentar um pedido de autorização sobre uma matéria que é duvidoso que seja da reserva desta Assembleia, é evidente que, tendo essa dúvida, não seremos tão exigentes quanto ao rigor da definição do sentido, objecto, extensão e duração das autorizações legislativas como tentamos ser em relação àquilo que são as autorizações legislativas sobre as quais não temos nenhuma dúvida de serem da competência reservada desta Assembleia da República.
Foi esse o sentido da minha intervenção. Agora, o que pediria era que, de facto, a intervenção do Sr. Ministro da Justiça fosse produzida, visto que, do nosso ponto de vista, ela permitirá resolver esta questão. Mas, naturalmente, isso depende da Mesa que dirige os trabalhos, e bem.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro pediu a palavra para uma intervenção?
Em caso afirmativo fica inscrito, uma vez que outros Srs. Deputados pediram anteriormente a palavra. No entanto, se esses Srs. Deputados desistirem da inscrição - e eu, vou consultá-los neste sentido - dar-lhe-ei de imediato a palavra, Sr. Ministro.
Sr. Deputado José Manuel Mendes, não deseja intervir agora?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, como há pouco declarei, não desisto da minha intervenção. Neste momento, porém, tenho todo o interesse em ouvir o Sr. Ministro antes de produzir a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - Mas nesse caso inscreve-se outra vez.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Está correcto, Sr. Presidente. Inscrevo-me novamente logo a seguir ao Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Está muito bem, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Costa Andrade inscreveu-se depois do Sr. Ministro, pelo que dou, de imediato, a palavra ao Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção refere-se à impugnação que o Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente interpôs.
E muito embora, naturalmente, venha a ser forçado a tratar de algumas matérias que depois - se a impugnação não vingar - iremos analisar aquando da discussão substantiva, digamos assim, eu penso que isso se torna desde já necessário para um melhor esclarecimento dos problemas que foram levantados na referida impugnação.
Quanto à primeira questão suscitada, penso que não valerá a pena perdermos muito tempo com ela. Dizia respeito ao problema da forma como o despacho que

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admitiu a autorização legislativa foi redigido e, na medida em que esse ponto foi esclarecido, parece-me desnecessário perdermos mais tempo.
Do mesmo modo, no que se refere a uma outra passagem da, aliás, brilhante alegação que introduziu a impugnação - ela respeita à circunstância de o Partido Comunista ter pendente, quanto a um dos pontos, um projecto de lei, penso que será suficiente, do ponto de vista do Governo, é evidente, explicar que as posições expendidas nesse projecto serão devidamente tomadas em consideração, aquando da elaboração do diploma que resultar do exercício da autorização legislativa.
A meu ver, o ponto mais importante desta impugnação diz naturalmente respeito à questão de saber em que medida é legitimo ao Governo apresentar num único pedido de autorização legislativa aquilo que a ASDI considerou ser uma série de matérias, dizendo até que quase poderíamos pedir uma autorização legislativa para o Programa do Governo.
Mas, como um porco sangrando sem saúde - já o Sr. Deputado Magalhães Mota o referiu, a verdade é que, por esse critério, o Governo teria de pedir vinte ou trinta autorizações legislativas se estivesse a legislar em matéria da parte especial do Código Penal. Efectivamente, o que une este pedido de autorização legislativa, lhe dá coerência e justifica a sua unidade é a circunstância de se tratar de matérias penais e de processo penal. Matérias penais que poderiam constar da parte especial do Código Penal senão fosse a circunstância de mutabilidade dos interesses que aqui são considerados do ponto de vista da sua protecção penal. E aí suponho que esse problema não se teria suscitado.
Aliás, creio que toda a argumentação deduzida em relação a pretensas inconstitucionalidades assenta numa consideração que não tem fundamento, que não tem justificação. Ora, o Governo entendeu, justamente, que era esta conexão das matérias que justificava o pedido de autorização legislativa. Se se entender que ela é incoerente ou desconexa, pois, naturalmente, restará à Assembleia denegá-la, precisamente porque é incoerente, ou porque não é conveniente. Mas não me parece é que se possa colocar um problema de inconstitucionalidade.
Para nós, portanto - e repito - a ideia que presidiu à apresentação desta alteração legislativa foi a defesa, em matéria penal, dos interesses que aqui estão considerados relativos às 4 alíneas do artigo 1.º desta autorização. Por ser uma consideração de defesa penal e processual penal meramente adjectiva, ela representa, precisamente uma posição perfeitamente articulada, coerente e unitária.
A seguir - e aí penso que os problemas colocados já se encontram suficientemente esclarecidos entre nós, todavia, penso que merecem ser publicados - na verdade, no que se refere aos ilícitos de contra-ordenação social, o que a Constituição reserva para a Assembleia é o regime geral desses ilícitos e não a parte especial, isto é, a consignação, em particular, dos tipos concretos de ilícitos aqui e além. Daí que não fosse, em rigor, necessário pedir à Assembleia uma autorização legislativa nesta matéria.
Por outro lado, gostaria de esclarecer que não é intenção do Governo proceder a um amplo movimento de despenalização. Pelo contrário, e no que se refere a estas matérias, a ideia será, em função da análise e do juízo que fazemos da situação, agravar, dentro da dosimetria do Código Penal, a maior parte das sanções penais previstas.
Mas afigurou-se que era útil, numa matéria tão delicada como esta, não estar a estabelecer distinções que poderiam, nos casos marginais, tornarem-se difíceis. E, por outro lado, pensamos que a Assembleia certamente compreenderia que, no uso desta autorização, ao elaborar os diplomas legislativos, irão realizar-se, certamente, determinados afinamentos. Em determinados casos, poderá mesmo acontecer que certos aspectos de menor relevância venham a ser despenalizados e considerados meros delitos de contra-ordenação, embora, pelo contrário, noutras zonas, a ponderação dos interesses em jogo e da actual situação nesse campo, leve a penalizar, digamos assim, esses outros sectores.
15so conduziu, portanto, à justificação de, apesar de se nos afigurar não ser exigível em termos estritos a inclusão na autorização legislativa da parte relativa aos ilícitos de contra-ordenação, a virmos, todavia, a incluir.
No que se refere às outras matérias a única referencia concreta foi feita agora durante a intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota e diz respeito - se eu ouvi bem - à parte relativa aos delitos em matéria de corrupção, tráfico de influências e outras fraudes e, suponho que mais concretamente, ao problema do tráfico de influências.
No fundo, o que o Governo pretende dizer é essencialmente que a legislação que se encontra publicada em matéria de corrupção - de resto, como sabem, estão previstos na parte especial do Código Penal alguns artigos que incriminam crimes de corrupção - não parece ter abrangido uma forma particularmente subtil de corrupção, em termos de administração pública e que resulta da circunstância de o funcionário público, ou de outrem que já foi funcionário público, ou que exerceu cargos políticos significativos, obter por essa circunstância determinadas vantagens para si ou para quem representa, vantagens essas que, por isso mesmo, não são lícitas e que levam naturalmente a opinião pública a interrogar-se sobre a correcção desses comportamentos.
É um problema que tem delicadezas de tipificação e, por isso mesmo, me pareceu aconselhável rotular sob a designação genérica de tráfico da influências. 15to não significa necessariamente que o tipo penal que venha a ser criado se designe exactamente assim; pode ser e deve ser, de acordo com o princípio da tipicidade, especificação ou tipificações mais concretas destes fenómenos.
Mas, a ideia básica é a de que, para além dos tipos de corrupção que estão previstos no Código Penal, se venha a alargar e a especificar este fenómeno da luta anticorrupção, através de uma malha mais miudamente concebida. Através do sancionamento penal, naturalmente que outros aspectos serão considerados noutra sede. Mas aqui é do problema da sanção que estamos a tratar e, por isso, pareceu conveniente dar esta designação.
Portanto - e resumindo- diria que a questão principal levantada pela ASDI na impugnaçâo é a da junção num único pedido de autorização legislativa de matérias que a ASDI considerou díspares e com pouca conexão entre si. Ora, nós pensamos, pelo contrário, que essa justificação é dada exactamente nos

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mesmos termos em que se apresentam como matérias conexas e articuladas aquelas matérias que são reguladas na parte especial do Código Penal. E justamente esta perspectiva da defesa penal, nestas zonas tão sensíveis e tão importantes - como, aliás, esta Câmara conhece - que constitui um dos pontos importantes do Programa do Governo e que justifica a unidade com que a proposta foi apresentada. Refiro-me, pois, à luta contra a corrupção e aspectos conexos.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para pedir esclarecimentos Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Eu suponho que não considerará um exagero da minha parte dizer que, de alguma maneira, se está aqui, neste debate e nos debates que o têm antecedido, a fazer doutrina em torno de preceitos constitucionais da maior relevância. 15so é extremamente importante. Digo-lhe, com toda a franqueza, que tenho muito gosto em colocar-lhe seriamente duas ou três questões, a si, concretamente, Sr. Ministro, com toda a franqueza também lhe digo que isso se deve ao termo medido e sereno que pôs na sua intervenção e porque me parece que é bom que chegue um momento em que seja possível falar franca e lealmente nalgumas questões que aqui se levantam.
Sr. Ministro, a questão é esta: está fora de dúvida que quando o Governo, no uso da sua competência própria ou, melhor dizendo, da que é concorrente com a Assembleia, tem necessidade de prevenir infracções e estabelecer penas criminais ou doutro tipo, nomeadamente contra-ordenações, etc., precisará de vir à Assembleia. E também está fora de dúvida que é extremamente difícil ao Governo, tendo em consideração o tempo de suspensão dos trabalhos da Assembleia, dizer em concreto para que é que precisa dessa autorização, pelo que suponho que podíamos excluir essa questão deste debate.
Vamos, então, em concreto, às questões que obrigam o Governo, já com configuração material, a vir aqui.
E pergunto-lhe, Sr. Ministro: não é altura de nós dizermos com clareza que é bom que fique esclarecido que quando na Constituição se fala em sentido, é mesmo isso que se quer dizer? O que se quer dizer com essa expressão é que, por exemplo, quando 0 Sr. Ministro fala em corrupção e noutros crimes, na dosimetria de penas e na configuração de outros ilícitos, se deve é esclarecer qual o sentido exacto e não falar num sentido tão abstracto que leve apenas a dizer: nós estamos a lutar contra a corrupção, pois se nós temos isso no programa.
Sr. Ministro, diga-me com toda a franqueza pensa que isso chegará? Acha o Sr. Ministro que estamos a fazer boa doutrina, uma doutrina que nos ultrapassa e ultrapassa esta situação, em que estamos aqui com um Governo que foi formado depois das eleições de 25 de Abril, a 2, 3 meses das eleições? Acha que é boa doutrina, que é suficiente chegar aqui e dizer «nós queremos combater a corrupção para resolver o problema?
Estou a falar-lhe com muita franqueza e com todas as dúvidas que tenho em torno desta questão. E quando lhe estou a dizer isto, penso no Sr. Ministro como interlocutor convicto da necessidade de fazer boa doutrina, boa paz parlamentar, bom relacionamento entre o Governo e a Assembleia.
Nesse sentido, vamos então fazer alguma coisa que seja, por um lado, o cumprimento da Constituição - e isso não é de somenos - mas que seja também uma forma correcta de todos nós, de todos os grupos parlamentares do Governo, podermos discutir aquilo que é essencial no que toca à reserva da competência da Assembleia, em tais termos que não fiquem dúvidas, nem para os que votarem a favor nem para os que votarem contra - ou, dito ao contrário, se quiser e talvez mais significativamente, nem para os que votarem contra nem para os que votarem a favor. Neste contrário está uma ideia que me pareceu importante: é que nós não temos qualquer dúvida que nas questões equacionadas na proposta de autorização legislativa existem preocupações do Governo e existe uma intenção legislativa. Mas, sendo assim, porque não explicitá-la?
Sabe o que me fez confusão Sr. Ministro? E que eu comparo esta proposta de lei n.º 20/III com a proposta de lei n.º 33/III, e começo a ter uma certa dúvida. O que é que não está coberto na proposta de lei n.º 33/III? Porque é que nesta proposta não caba a proposta de lei n.º 20/III?
Sr. Ministro, acho que o seu gesto foi significativo. A proposta de lei n.º 33/III é, exactamente, a do leque, a do leque máximo, é o leque todo aberto. E a proposta de lei n.º 20/III é realmente uma pequena parte do leque.
Mas o Sr. Ministro quase que poderia obter com a proposta de lei n.º 33/III tudo o que quer. E, assim sendo, eu fico com esta dúvida: para que seriem estas autorizações legislativas? Nós temos aqui um diálogo de surdos. Nós temos aqui um diálogo simpático que ficará registado no Diário, um diálogo que seguramente não dará uma indicação clara de qual é o sentido das autorizações legislativas que o Governo pretende introduzir. Em minha opinião não dará essa indicação e - permita-me que lho diga - não permitirá ao Governo dizer que saiu daqui com a configuração clara daquilo que é o sentido da autorização legislativa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, já excedeu o seu tempo, por isso peço-lhe que conclua.

O Orador: - Conclui neste momento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, responde já ou só no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ministro da justiça: - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Dou a palavra ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, também para pedir esclarecimentos.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro, ouvi, com natural interesse a intervenção que produziu. Merecerá, noutra sede, alguns comentários, que, de momento, não irei configurar. De todo o modo, há uma questão que desde já se me suscita e que é a seguinte: a dado momento, afigurou-se-me ter dito que, muito embora tivesse dúvidas quanto à necessidade da trazer a esta Assembleia o presente pedido de autorização legislativa, o fazia - e se não é correcto o que eu estou a entender terá, evidentemente, oportunidade de me corrigir - porque lhe parecia que, apesar de tudo, era útil que esta Câmara se pronunciasse sobre matérias da delicadeza, de relevo e da importância de que estas se revestem.
Estou de acordo quanto à segunda parte dessa asserção, e, por isso, permitia-me, desde já e antes de mais, perguntar, tendo em conta que é de cento e vinte dias o prazo pedido na proposta de lei n.º 20/III, se não pensa que, dadas as considerações que aduziu, teria muito mais dignidade que tudo isto fosse debatido nesta Assembleia, depois da apresentação, por parte do Governo, de um articulado, de uma proposta de lei material, substantiva, em que estivesse figurado todo o seu pensamento em termos já normativos e não apenas, digamos, de pura doutrina ou de intenção legiferante.
Esta é uma questão que, desde já, lhe coloco. Outras, que me foram suscitadas pela intervenção que produziu, serão por mim consideradas daqui a mais algum tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Mendes, está a pedir a palavra para um pedido de esclarecimento?

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, quero dizer-lhe, desde já, que compreendo perfeitamente que nesta matéria tivesse de avançar algumas explicações que se prendem já com a própria proposta em si. Eu não queria entrar, ainda, nesse domínio na medida em que estamos apenas no aspecto da impugnação e entendo que é só nesse sentido que temos agora de fazer o debate e neste caso concreto os pedidos de esclarecimento.
Diz V. Ex.ª, e bem, que, no fundo, o que se colhe da alegação do recurso ou da impugnação é, efectivamente, estarem contidas na proposta de pedido de autorização legislativa várias matérias. Matérias que, segundo o Sr. Ministro, têm conexão, são todas elas de domínio penal ou processual penal e o Governo, ao pretender legislar na parte especial do Código Penal, certamente o faria através da autorização legislativa.
No entanto, permito-me desde já, para depois poder avançar outros comentários quanto ao domínio da proposta, perguntar-lhe o seguinte: sendo esta matéria, efectivamente, uma matéria conexa, toda ela ilícito penal ou de contra-ordenação social, mas incluindo várias matérias - há matérias de corrupção, delitos económicos, à saúde pública, droga, etc. - poderá o Sr. Ministro, neste momento, dizer se a intenção do Governo é utilizar um só diploma legislativo ou mais que um, isto é, se porventura, irá conter toda a legislação num só decreto ou em vários decretos?
Este era um ponto que me interessava para depois poder avançar na própria proposta.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Vitorino também retende pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro?

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: O recurso de impugnação de inconstitucionalidade interposto pelo Agrupamento Parlamentar da ASDI suscita-me dois tipos de questões.
Um diz respeito ao sentido das alterações a introduzir e o outro diz respeito à conexão das matérias sobre que versa o pedido de autorização legislativa.
No que concerne ao primeiro tipo de questões, ao sentido das alterações, o Sr. Ministro adiantou alguns esclarecimentos que me parecem importantes e úteis. Exprimiu que era intenção genérica do Governo agravar as sanções de determinados ilícitos, e reconheço, logo à partida, que é difícil, quando se trata de agravar sanções, fornecer num pedido de autorização legislativa critérios gerais que permitam aquilatar das diferenças de dosimetria das sanções que vão ser introduzidas. Tarefa difícil e insana. Provavelmente nunca nenhum governo conseguirá apresentar a esta Câmara um critério geral de dosimetria de alteração das penas e das sanções.
Mas o que em matéria de sentido das alterações talvez pudesse ter sido feito, é, como, aliás, o Sr. Ministro referiu - atendendo a que considera que algumas questões de menor relevância, que hoje caem sob a alçada do ilícito penal, vão ser transferidas, digamos assim, para o ilícito de mera ordenação social e vão penalizar (utilizando a sua própria expressão) algumas questões particularmente gravosas que hoje em dia estão sob a alçada do ilícito da mera ordenação social e que passarão a ser introduzidas no domínio da punição de natureza criminal - o que talvez pudesse ter sido feito, repito, era dar a esta Câmara uma ideia sobre que tipo de disposições de natureza penal e processual penal o Sr. Ministro entende devermos autorizar, neste momento? A transformação no sentido de abranger matérias que estão sob a alçada do ilícito da mera ordenação social e que passarão, em virtude da intenção governamental, a estar sujeitas a punição de natureza eminentemente criminal?
Este sentido não é totalmente despiciendo, na medida em que, se o Governo avançasse com essa ideia, estaria afastada automaticamente a objecção quanto à conexão. De facto, deve reconhecer, ao contrário dos argumentos invocados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, que a sua intervenção me convenceu. Existe uma conexão real, nomeadamente quando se trata de definir zonas de fronteira entre ilícito - de mera ordenação social e ilícito de natureza penal.
Mas, já agora, permitia-me fazer-lhe - uma pergunta em sentido exactamente contrário, isto é; se não haveria

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também uma conexão evidente, clara e inegável de outros campos que caem sob a alçada do ilícito da mera ordenação social e cuja regulamentação me parece urgente, pelo menos tão urgente quanto aqueles domínios que vêm referenciados nesta proposta de lei.
E refiro-me, por exemplo, ao ilícito da mera ordenação social referente à protecção do ambiente, que, em meu entender, constitui um dos instrumentos fundamentais de actuação, por exemplo, das próprias autarquias locais, cuja urgência ê gritante e face à qual o Estado e a colectividade, em geral, estão manifestamente desprotegidas.
Não seria, Sr. Ministro, uma boa ocasião de, segundo o princípio da conexão, aditar a este pedido de autorização legislativa matéria deste teor?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Apoiado!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostava de tentar esclarecer algumas das perguntas que me foram feitas.
E começava pela questão que me foi apresentada pelo Dr. João Amaral e que, no fundo, começando por colocar o problema em termos de referir a gravidade ou a importância da questão das autorizações legislativas e porque, de algum modo, estamos a fazer doutrina, acabou por concluir que o problema ficaria, de certa maneira, esclarecido se se conseguisse perceber a razão porque é que - evidentemente nesta sede e quanto a este caso - o Governo pediu, para além de uma autorização genérica em matéria penal, esta autorização especial, chamemos-lhe assim.

Bom, a razão é simples. Nessa autorização de carácter genérico há uma limitação da dosimetria penal - para usar a expressão que utilizei há pouco no sentido de não se ultrapassar os três anos, como aliás tem sido tradição neste caso, visto que o Código se inclina nesse sentido, isto é, se inclina para aquilo que é, digamos assim, a zona de fronteira entre crimes menos graves e os crimes mais graves. Como sabe, anteriormente, na vigência do Código anterior, era de 2 anos o limite inferior das penas maiores.

Nestas circunstâncias, pelo contrário, nós pensamos que se poderá ter de ir - nalguns casos, bastante mais além. Portanto, não teria sentido estar a incluir tal matéria nessa autorização de tipo geral, precisamente porque se trata de matérias onde a ilicitude penal atinge, em certos casos, graus preocupantes, pondo em causa valores extremamente sensíveis da sociedade - pense-se no caso da droga. Por consequência, não nos pareceu que fosse útil limitarmo-nos àquilo que é uma ilicitude penal de carácter nitidamente meros grave. Essa, digamos, a explicação subjectiva da razão dos dois pedidos de autorização.
Mas, já agora, gostava de acrescentar - porque ao princípio pensei que fosse esse o problema que o Sr. Deputado ia pôr - que me parece importante começar, de algum modo, a contribuir - e cada um poderá, naturalmente, lançar uma pedra para a construção - para o esclarecimento do que vem a ser, efectivamente, uma autorização legislativa, na medida em que o seu colega, e já agora - aproveito para passar a responder também ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, me vem por a questão de ser preferível que o Governo pedisse uma autorização legislativa já com o texto preparado.
Ora bem, eu julgo que é claríssimo na Constituição que a autorização legislativa não se trata de um reconhecimento receptício de normas já elaboradas pelo Governo. Trata-se de delegações, de autorizações, que envolvem algum grau de discricionaridade quanto à maneira como são executadas, desde que se contenham em determinados limites que são dados pela Câmara através, designadamente, do instrumento que é a ratificação dos decretos-leis publicados no uso de autorizações legislativas, como dos outros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, isto significa claramente que, muito embora eu possa adiantar desde já que em determinadas matérias me parece um esquema útil, uma vez que não é de modo nenhum imposto pela Constituição apresentar um texto que traduza o pensamento do Governo já precipitado ou concretizado em articulado. Pelo contrário, a natureza da autorização legislativa leva a pensar que o processo normal não seja esse, mas seja, isso sim, o de que o Governo tenha uma dose de discricionaridade controlável, e controlável numa maneira muito diferente do que é a discricionaridade administrativa - essa só é controlável, como sabe, com fundamento num desvio poder - controlável em todos os seus aspectos pela Câmara, pela via da ratificação, quando esta quiser utilizar processo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Marques Mendes põe o problema de saber se nós vamos utilizar um único ou vários diplomas. Eu dir-lhe-ei que penso que vamos usar vários diplomas e que o processo é exactamente paralelo àquele que vai ser utilizado em matéria de autorizações genéricas, onde também não vai ser um único diploma que vai utilizar essas autorizações, na medida em que, precisamente, se trata de uma autorização que abrange as penas até 3 anos. Só que nesta zona, e justamente porque se pensa poder ir - ou melhor, ter de ir por sermos obrigados a isso mais além na gravidade das sanções que venham a ser cominadas, pareceu-nos que tal matéria não se deveria limitar a uma autorização de tipo genérico, mas, pelo contrário, deveria ser claramente especificada. E, aliás, quando na discussão chegarmos ao ponto substantivo, espero ter oportunidade - de dar à Câmara os esclarecimentos que me forem possíveis para que não restem dúvidas acerca da intenção do Governo.
O Sr. Deputado António Vitorino pôs uma questão que reconheço ser muito importante em matéria de ambiente. A dúvida que tenho, e que me levou a não a incluir nesta autorização, é se vai ser necessário tipificar crimes contra o ambiente, digamos assim, para usarmos uma expressão genérica, para além, justamente, da tal dosimetria dos 3 anos.
Se também não é exacto que o actual Código Penal não preveja nenhuma defesa de alguns dos valores que são habitualmente designados por defesa do ambiente, em todo o caso, e se isso for assim, naturalmente que teremos de pedir, oportunamente, à Câmara uma auto-

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rização legislativa. Mas na fase actual dos nossos trabalhos, em que, infelizmente, não estamos tão adiantados que possamos apresentar articulados, não se nos afigurou que isso se tornasse necessário.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, para que efeito está a pedir a palavra?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Brevíssimo protesto, aliás, Sr. Presidente.
E só para dizer que ouvi com muita atenção o que o Sr. Ministro disse. Suponho que a questão central ficou por tratar. E a questão central seria, de facto, a de considerarmos as consequências do que aqui estamos a fazer como doutrina porque nessa questão central está, justamente, a margem de discricionariedade de que o Sr. Ministro falou e também a de saber o que é que isso significa face ao artigo 168.º, n.º 2. Mas já que - é isso que tenho de lhe dizer muito brevemente vamos tratar dessas questões numa intervenção autónoma, ficava por aqui neste momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Começarei por sublinhar aquilo que é, da parte da minha bancada, uma óbvia discordância com algumas leituras já aqui enunciadas, quer por parte da ASDI, quer por parte do Governo, quanto à necessidade ou não necessidade de o Governo submeter a esta Câmara, sob a forma de pedido de autorização legislativa, toda a presente matéria.
Com efeito, entendemos que, à luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 168 º da Constituição da República, e tendo em conta que na proposta de lei n.º 20/III, logo no seu artigo 1.º, se prevê a tipificação de novos ilícitos penais e não apenas contravencionais, estamos em sede de clara obrigatoriedade da existência do pedido de autorização legislativa, uma vez que extrapolaria em muito o conjunto das competências do Executivo a produção legiferante, sem ela, neste domínio.
Mas, aceitamos até, como hipótese de trabalho, que, eventualmente, não coubesse ao Governo trazer a esta Câmara o pedido de autorização legislativa, como aqui foi dito. Só que, então, a questão que se colocava era outra, ou seja, uma vez que o submete à apreciação da Assembleia, esta Câmara, ele terá de vir conformado com as leis e, designadamente, com a Constituição naquilo em que ela é bem clara, isto é, o n.º 2 do artigo 168º, o que, a nosso ver, não acontece.
Esta proposta é, de certa maneira, amalgamática. Contém aquilo que podemos designar por um objecto plúrimo; não direi que o Governo pretendeu exactamente consorciar a galinha dos ovos de ouro com diamante, mas, de todo o modo, essas amplas conexões que aqui foram visionadas por alguns dos senhores deputados do nosso ponto de vista não existem, a não ser numa leitura eminentemente formalista, que não subscrevemos.

Assim sendo, resta saber, no tocante aos outros requisitos do n.º 2 do artigo 168º da Constituição, se o Governo as cumpriu ou não cumpriu. A nosso ver, o Governo cumpriu um, de modo inequívoco, irreticente - o que respeita à duração: o prazo de 120 dias que lá se prescreve. E cumpriu um, porquanto no que toca à extensão e no que toca ao sentido isso não acontece.
Suponho que não valerá a pena reproduzir agora algumas das considerações que a bancada do PCP tem vindo a enunciar aqui ao longo destes debates. Mas não posso deixar passar em claro um conjunto de argumentos verdadeiramente espantosos que foram artilhados, por parte das bancadas da maioria, em debates similares durante a tarde de hoje.

Foi dito, com toda a desfaçatez, que não havia uma praxe segundo a qual os pedidos de autorização legislativa viessem a esta Câmara fundamentados no que toca ao requisito constitucional do sentido e indicando a extensão daquilo que se pretendia.
Em primeiro lugar, essa praxe existe. Claramente, existe. Mas, ainda que a praxe fosse um pouco de acordo com o que aqui se aduziu, a verdade é que nenhuma praxe releva face às prescrições da Constituição. E a Constituição é bem clara neste domínio, é bem claro que, em sede de revisão constitucional, ao introduzir-se-lhe o requisito do sentido, se não pretendeu apenas proceder a uma beneficiação de carácter literário. Não estamos no domínio da anomia constitucional, não estamos no domínio da polissemia do discurso normativo. E isto é muito importante, Srs. Deputados, pois trata-se de um comando imperativo.

A Constituição é um conjunto de dispositivos em si mesmos balizados pelo rigor. Pretender estabelecer, a propósito de tudo e de nada, o regabofe interpretativo, ultra-conjunturalizado, esvaziado de sentido, quando não mesmo invertido de sinal em face do que está estatuído, é, no mínimo, uma manobra de diversão que nós, a bancada do PCP, não podemos de modo nenhum, coonestar.
Direi mais, que não obstante fazer-se expressa referência ao requisito constitucional do sentido na proposta de lei n.º 20/III, ela é tão-só formal, uma vez que, na prática, se fica sem saber o que na realidade se pretende.
Por exemplo, o artigo 4 º diz: «o sentido das autorizações constantes dos artigos anteriores é:...». Esta referência epigrafática não basta. Há, indubitavelmente, para além da semântica corrente, uma necessidade de preenchimento, com conteúdo concreto, da conceptologia constitucional que, em nosso entender, não foi cumprida.
Face ao que se diz na alínea b) do mesmo n.º 4, que aquilo que se pretende é combater em geral a fraude e moralizar os comportamentos, efectivando a responsabilidade pessoal e civil dos agentes administrativos em adequação ao grau da sua responsabilidade funcional, ocorre-nos perguntar se estamos, ou não, no domínio das puras enunciações programáticas, com sede própria num programa do Governo, num artigo de jornal, num discurso, num comício, perante as câmaras de televisão, e, concomitantemente, se, de facto, estamos ou não perante um vazio de sentido, perante formulações que, não obstante serem categóricas ao nível da sua estrutura significante nada têm a ver com a conformação aos requisitos constitucionais.

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Portanto, Srs. Deputados, Sr. Ministro, do nosso ângulo, continuamos a entender que a regra do n.º 2 do artigo 158º não foi, de forma alguma, respeitada.
Não queremos acreditar, apesar de tudo, e embora ponderosas razões militassem nesse sentido, que a maioria tenha necessidade de votar às cegas ...

Uma voz do PSD: - Já chega!

O Orador: - ... quaisquer propostas deste género que aqui se suscitem, uma vez que, se o não fizesse, e o Governo ficaria desmuniciado para o próximo tempo de trabalho legiferante que o espera no período de férias do Parlamento.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas aquilo que é indubitavelmente mais graus é que, na nossa óptica, tudo isto pode constituir um conjunto de verdadeiros pródromos de uma concepção governamentalista do regime, na justa medida em que, não se privilegiando relações não patológicas entre os órgãos, designadamente entre o Governo e a Assembleia, se está a desvalorizar a componente parlamentar, reduzindo-o a um instrumento dócil das opções do Executivo, que não acolhe, nem no fundo nem na epiderme, os argumentos que são produzidos pela oposição.
Este tipo de argumentação - o Sr. Ministro compreenderá - nada tem de ominoso. Tem a ver com o puro tecido normativo que nos é proposto e tem a ver também com os comportamentos genericamente utilizados nesta Assembleia durante o dia de hoje e em circunstâncias análogas.
Pensamos, com efeito, que nada há que justifique a retirada dos argumentos aduzidos contra a inconstitucionalidade da presente proposta e que, portanto, a impugnação formulada colhe inteiramente.
Diremos também - e o Sr. Ministro certamente não deixará de o reconhecer - que o Governo foi, não apenas comedido, mas largamente insuficiente em matéria de definição da extensão do seu próprio pedido.

Gostaria que algumas das pessoas que se sentam nas bancadas da maioria - já que em relação ao Sr. Ministro não coloco a questão - e que tenham ainda um mínimo de interesse pelos debates e um mínimo de dignidade intelectual não deixassem de considerar que aquilo que aqui vimos afirmando nada tem a ver com posições de pura matriz sistemática e se fundamenta em razões de ordem opcional e em razões de ordem teórico-jurídica e jurídico-constitucional.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se trata de dizer desta proposta de lei o que Mafoma não disse do toucinho.

Risos do PSD.

E com esta imagem, que agora trago à colação, consabidamente cara a alguns dos seus colegas de Governo, pretendemos verdadeiramente qualificar as incongruências, as insuficiências e os erros de uma proposta sem estarmos movidos, é óbvio, de intuitos maníqueístas.

Há nesta Câmara quem seja totalmente incapaz de o compreender. Espero que o Sr. Ministro não se associe a esses que assim procedem.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Queria ainda fazer uma última análise relativamente a uma questão que foi abordada em termos particularmente ligeiros e que respeita à existência, já nesta Assembleia, de diplomas com matéria afim à da presente proposta de lei.
O Sr. Ministro disse: «Serão tomadas em consideração as posições expendidas nesse projecto de lei.»
A nosso ver, o problema não pode colocar-se nessa base. Há normas regimentais a respeitar. O artigo 145º do Regimento consagra, expressamente, que estes tipos de propostas de lei deverão ser debatidos, em sede de comissão, paralelamente a todas as outras iniciativas que já cá existam. Não devem esmagá-las, não devem impedir que elas desenvolvam o seu processo normal de produção legislativa.
É bom que a Câmara não abdique, pois, daquilo que lhe é próprio, que a Câmara não se submeta inteiramente à vontade de um qualquer governo, por muito que essa vontade seja justificada em alguns domínios.
E não nos custa reconhecer que o é, em certa medida já o disse o meu camarada João Amaral, numa intervenção feita há momentos, e eu volto a fazê-lo sem nenhuma dificuldade.
É bom que esta Assembleia assuma as suas inteiras responsabilidades. A nós - compreenderá o Sr. Ministro - não nos basta a sua palavra, a palavra do Governo, no sentido de que serão tidas em consideração as posições expendidas no projecto de lei que aqui está pendente. Nós queremos é fazer uso dos nossos direitos regimentais e constitucionais, assim como, ao contrário do que aqui foi longa e chatamente dito durante a tarde, não estamos, de modo nenhum, dispostos a aceitar o preenchimento da ausência de sentido de uma proposta de lei com aquilo que seja dito pelo Sr. Ministro ou por um qualquer senhor ministro da bancada do Governo.
O sentido, na concepção constitucional, tem de estar expresso na própria proposta de lei. Não é algo que lhe seja exterior, não é algo que possa ser verbalizável numa intervenção, porque as intervenções não têm nenhum carácter vinculante e nós estamos no pleníssimo direito de nem sequer darmos algum crédito de confiança a este Governo, do mesmo modo que a maioria faz jus a sistematicamente reiterar, nesta Casa, que uma das razões pelas quais vota os pedidos de autorização legislativa que nos são submetidos é o facto de apoiarem politicamente o actual Executivo.

Risos do PSD.

Ainda uma questão, que tem a ver com a seguinte ideia: é defendido o princípio da celeridade na produção legislativa. E proclamado, com veemência e com recorrência, que é preciso, de modo expedito, fazer face à mutabilidade dos interesses que esta proposta de lei visa tutelar.
Mas esta celeridade encontra obstáculos óbvios, pois está limitada pela legalidade. E quando a celeridade vence a legalidade, ou visa torpedear os princípios da legalidade, converte-se perigosamente no puro arbítrio.

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Por isso nós, compreendendo a celeridade que o Governo quer dar ao cumprimento do seu programa ou pôr no atendimento de apelos palpitantes da nossa realidade social ao produzir propostas de lei deste género, não podemos deixar de dizer que só acolhemos essa celeridade se conformada aos princípios constitucionais e legais em vigor.
Esta proposta de lei não é, de resto, frugal. 15so já aqui foi dito e amplamente documentado. Ela inclui vastas matérias e todas essas matérias requerem a dignidade de um tratamento autónomo.
Nós entendemos que o furor prescricional, volume dos apetites legiferantes, o afã de mostrar trabalho por parte deste Governo é perfeitamente legitimo do ponto de vista de quem o apoia.

Risos do PS e do PSD.

Do nosso, chegámos a pensar se, perante propostas de lei que têm vícios de inconstitucionalidade como esta, não será urgente aplicar uma droga de tipo anorexizante a quem as submete com tal facúndia e esta Câmara ...

Risos do PSD e do CDS.

... e, com isso, impedir que a fome patológica se agrave para além do limite.
Fá-lo-emos pois, com a votação a que vamos proceder, naturalmente a favor da impugnação aqui apresentada pelo Agrupamento Parlamentar da ASDI e de acordo com aquilo que pensamos e defendemos nesta matéria.
Antes de concluir a intervenção que venho produzindo queria «congratular-me» com o analfabetismo de que têm dado provas alguns dos senhores deputados que se sentam nessas bancadas e dizer que tais manifestações me são particularmente gratas na medida em que se enganam se julgam que conseguem fazer-me confrontar com eles.
Situo-me num plano de dignidade cultural, pessoal, político e institucional em que não admito sequer aos Srs. Deputados ...

Risos do PS, do PSD e do CDS.

Aplausos do PCP.

... perante reacções desse tipo, o privilégio de as não considerar oriundas, como há pouco dizia, de um analfabetismo político lamentável a todos os níveis.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia o favor de manterem um certo silêncio na sala, porque é impossível à Mesa prosseguir com os trabalhos se o ruído que se tem estado a sentir nestes últimos momentos continuar.
De forma que eu atrevo-me a pedir aos Srs. Deputados que mantenham o silêncio necessário para se poder continuar com o debate.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para uma intervenção.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata vai votar naturalmente contra esta impugnação de inconstitucionalidade da proposta de lei em causa.
Falo por um conjunto de razões que passarei sinteticamente a explicitar e com boa consciência que nos advém de termos sido - e sem imodéstia o dizemos o partido que, nesta matéria, mais coerência tem demonstrado.
Já estivemos na oposição, já apoiámos uma maioria governamental e a nossa atitude foi sempre de extrema cautela no que toca à invocação da inconstitucionalidade nesta fase de admissibilidade de uma proposta de autorização legislativa.
Entendemos que só razões particularmente ponderosas e só em casos de inequívoco afrontamento literal e material ao ordenamento jurídico-constitucional é que seria de recusar a admissibilidade de uma proposta.
Pela nossa parte, se não em 100%, pelo menos na esmagadora maioria dos casos, temos estado, na oposição ou no Governo, a favor da admissibilidade das propostas de lei nesta fase.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que toca à proposta de lei em causa, começaria por recordar algumas coisas que me parecem importantes e decisivas.
Desde logo, e para falar de constitucionalidade, começaria por recordar o artigo 88º da Constituição da República, que diz o seguinte:

As actividades delituosas contra a economia nacional serão definidas por lei e objecto de sanções adequadas à sua gravidade.

É imperativo da ordem jurídico-constitucional portuguesa que o regime jurídico português disponha de um ordenamento repressivo adequado às práticas contra a economia. Ora, compete naturalmente à Assembleia da República, como poder legislativo ordinário, desincumbir-se deste dever. Compete ao Governo, por autorização legislativa, coadjuvar ou fazê-lo autonomamente.
Desde a aprovação da Constituição da República Portuguesa, em 2 de Abril de 1976, nunca Portugal dispôs de um ordenamento repressivo coerente em matéria de criminalidade económica. Várias tentativas foram feitas, deixando rasto de trabalhos legislativos difíceis de compulsar, até pelo carácter praticamente monstruoso no que toca à sua dimensão.
Mas a verdade é que ainda não foi possível dotar este país de um ordenamento coerente em matéria da repressão das práticas delituosas contra a economia nacional.
Ora, sabe-se que o problema da repressão contra a criminalidade económica aflige hoje todos os Estados do mundo, quer se trate de países de economia capitalista, quer se trate, por maioria de razão e com maior gravidade, de países de economia dirigida.
Não é por acaso que os países de economia dirigida tratam a criminalidade económica e como um dos raros casos em que este tipo de crimes é punido com pena de morte, não só na letra de lei, mas também na prática dos tribunais e dos carrascos.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os crimes contra a economia constituem também uma afronta nos países de economia livre.

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Já passou, naturalmente, o período em que, no fim do século passado, a criminalidade contra a economia foi recusada e a luta contra ela tinha apenas em vista assegurar o livre jogo das forças da concorrência.
Já, passou também o tempo do Sherman anti-trust Act, já aqui citado esta tarde a outro propósito, e a verdade é que, depois dos dois conflitos mundiais, sobretudo do segundo, por força do intervencionismo crescente em todos os Estados, a luta contra a criminalidade económica é um imperativo fundamental dos Estados modernos, do Estado de direito e do Estado social.
A criminalidade provoca distorções gravíssimas do ponto de vista do sistema económico e, sobretudo, põe em crise valores fundamentais da justiça e da igualdade.

E inaceitável, segundo os velhos princípios igualitários da revolução francesa, que a lei criminal continue a punir o peixe miúdo e a deixar passar impune, pelas redes, o peixe graúdo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por todas estas razões, e cientes delas, a nossa Constituição no artigo 88º impôs-nos este imperativo, mas até agora o poder legislativo ainda não foi capaz de se desincumbir desta tarefa. De qualquer modo, nós sabemos das dificuldades e dos esforços que foram feitos.
Permito-me aqui citar a acção particular de 2 ministros, designadamente o Sr. Dr. Magalhães Mota e o Sr. Dr. Basílio Horta, quando foram Ministros do Comércio. Ambos deixaram um trabalho que merece ser estudado e merece ser tomado em conta.
No entanto, a verdade é que ainda não temos essa legislação nem é fácil tê-la. E nem. E nem é fácil tê-la porque não é por acaso que a criminalidade económica é também chamada, nos manuais de criminologia, de criminalidade de inteligentes. É a criminalidade onde é mais fácil, depois de ler as tipificações da lei, o agente económico driblar esses princípios.
É extremamente fácil furtar-se aos imperativos legais nesta matéria. E daí me permito, desde já, fazer uma curta reflexão no que toca a um ponto em discussão nesta matéria, e que é o excessivo mérito que o Sr. Deputado Magalhães Mota atribuiu a um eventual alargamento do ilícito de ordenação social nesta matéria, em detrimento, porventura, do ilícito criminal em sentido estrito.
Não tem razão o Sr. Deputado. Pelo contrário, posso dizer-lhe que o ilícito de ordenação social é muito mais eficaz na luta contra a criminalidade económica.
E é muito fácil compreender isto, e é muito fácil explicar e ter conhecimento de que, normalmente, os representantes dos autores potenciais destes crimes querem que estas actividades constituam crimes, porque como o direito criminal é a Magna Carta dos criminosos, também o é para os criminosos económicos.
O direito de ordenação social por força da sua particular elasticidade em matéria de culpa ou em matéria de prova, por exemplo, é muito mais adequado a uma luta eficaz contra este tipo de criminalidade económica. E preciso que o legislador saiba adequar os instrumentos deste particular domínio que é o direito de ordenamento social.
Por todas estas razões, parece-me, que esta Assembleia, dadas as dificuldades desta matéria, tem particulares razões para se congratular com o Governo porque este se propõe, no prazo de 120 dias, a ter um diploma definitivo ou transitório e bem ou mal conseguido - depois se verá.
A verdade é que o Governo deixa aqui solenemente a promessa de que no prazo de 120 dias terá um diploma de lei, que nós assumiremos como definitivo ou como transitório, mas que será, seguramente, uma base muito útil de trabalho.
Do ponto de vista jurídico-constitucional, do ponto de vista da verdadeira Constituição, da constituição material, daquela que releva dos valores fundamentais da igualdade, daquela que releva dos valores fundamentais do Estado de direito material, daquela que releva expressamente do artigo 88º, tínhamos boas razões para louvar, do ponto de vista constitucional, a actuação do Governo e não para a sindicarmos como alguns acabam de fazer.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas também do ponto de vista formal temos boas razões para apoiar o Governo.
Dos vários argumentos que foram aduzidos não podemos deixar de louvar a dignidade do Sr. Deputado Magalhães Mota que revelou a sua capacidade de convencimento face aos argumentos dos outros, tendo atenuado, nessa medida, com grande generosidade e com grande justiça - diga-se, também, em abono da verdade - a sua censura à proposta de lei.
De tudo isso fica-nos muito pouco no que à inconstitucionalidade formal respeita. Fica-nos a ideia de que a proposta de lei trata de muitas coisas.
Por amor de Deus, Srs. Deputados, a proposta de autorização legislativa trata de matéria criminal em 3 ou 4 pontos. Uma autorização legislativa para fazer um Código Penal, por exemplo, trata de milhentas coisas e é apenas uma proposta de autorização legislativa.
Tipificar crimes em matéria de liberdade sexual, de corrupção, de protecção do património ou de protecção da vida através do crime de homicídio é coisa muito mais díspar e muito mais distante do que aquela que une e liga entre si as matérias em causa nesta proposta de lei.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, sobretudo o Sr. Deputado do Partido Comunista José Manuel Mendes, criticou o ponto de vista do sentido e fez uma intervenção onde apelou para os conteúdos ínsitos de sentido da própria Constituição.
Concordo inteiramente com a premissa que elaborou do ponto de vista constitucional. Só que não posso concordar com a premissa menor, chamemos-lhe assim. É que esta proposta de lei tem o quantum de sentido mais do que suficiente para satisfazer as exigências do artigo 168º e eu digo-lhe porquê: é que esta proposta de lei vem dizer que vai criminalizar ou descriminalizar, porventura, em determinadas matérias. E dizer isto é qualquer coisa de diferente de dizer que vai ensinar, por exemplo, os elefantes a dançar a valsa.
Criminalizar não é uma coisa muito vaga. É o grau máximo de responsabilidade que confronta um Estado com um seu cidadão. O crime é a chamada à responsabilidade de um cidadão perante o Estado.

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Portanto, parece-me que dizer que se vai criminalizar é o máximo de precisão e de sentido. A palavra crime tem, tanto no vocabulário, como no consciente colectivo das pessoas, como, inclusivamente, no inconsciente colectivo - para nos recordarmos das teses ainda vivas de Freud no seu livro Totem e tabu - o quantum de sentido suficiente para acreditarmos que um Governo que se propõe criminalizar, que pede uma autorização legislativa nesta matéria o faz fundadamente.
De resto, no artigo 4 º da presente proposta de lei, que o Sr. Deputado também fustigou com algumas criticas, não deixa de ser referido esse sentido. Essa referência é suficiente porque aí são tipificados, ou são indicados, os valores, os bens jurídicos, os interesses que o legislador se propõe tutelar com a criminalizaçâo destas condutas.
Estas são algumas das razões que nos levaram a apoiar este pedido de autorização legislativa.
A nossa atitude não tem mudado neste domínio. Já fomos oposição ao I Governo do Partido Socialista e aprovámos-lhe, aqui, com extrema generosidade, diversos pedidos de autorização legislativa. Já fomos maioria e continuamos a sê-lo, mas com uma coerência de que nos continuamos a orgulhar.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª ofertou-nos uma intervenção não só com o brilhantismo que o caracteriza, mas também com a autoridade ímpar que o avaliza perante a Câmara.
Quase que seria assaz temerário da minha parte suscitar-lhe uma questão. Não me vou por isso adentrar nos domínios do Direito Penal. Limitar-me-ei a ficar pelos domínios do Direito Constitucional.
É verdade que é suficientemente explícito e significativo que se diga que se pretende criminalizar, ou que se diga que se pretende despenalizar no sentido de retirar a alçada do Direito Penal em sentido estrito, como V. Ex.ª referiu, a certas matérias que passarão a ser privilegiadamente tratadas no domínio do ilícito da mera ordenação social.
O pedido de esclarecimento que, contudo, gostaria de lhe suscitar é o seguinte: o Sr. Deputado Costa Andrade não considera, de facto, que seria mais claro perante a Câmara que não nos limitássemos a dizer que vai haver uma espécie de transacção entre os dois campos, sem especificar quais são, de facto, as infracções e os delitos que vão ser objecto dessa transacção?
Qual é a filosofia de política legislativa que preside ao dizer que alguns ilícitos são susceptíveis de serem criminalizados, depois de não o terem sido, e alguns, pelo contrário, não mereçam essa gravosa punição criminal e devam ser objecto de ilícito de mera ordenação social?
De facto, isto não é algo que me pareça ilegítimo pedir - e pedir não é exigir - a um Governo que vem solicitar aqui uma autorização legislativa, como será legítimo o Governo dizer que não tem ainda ideias claras sobre esta matéria.
Mas, por outro lado, não me parece ser uma exigência nem uma posição de chicana parlamentar, pedir que, em matéria de melindre e de relevo como esta, se fizesse acompanhar a proposta de lei de autorização legislativa de uma explicitação.
De resto, aliás, é verdade que em muitos aspectos o ilícito de mera ordenação social é substancialmente mais eficaz do que, por exemplo, a punição de natureza meramente penal. E nesse aspecto, por exemplo, há também um critério de eficácia que preside à autorização legislativa e que é indissociável da especificação concreta dos tipos de ilícito que vão transaccionar de um lado para o outro e vice-versa.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente. peço a palavra para pedir um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, uma parte da intervenção que vou agora fazer está consumida pelo que foi dito pelo Sr. Deputado António Vitorino e que eu subscrevo. Faço também meu o pedido de esclarecimento que ele lhe formulou.

E, no seguimento do que foi adiantado pelo Sr. Deputado da UEDS, continuarei perguntando, uma vez mais, aqui, em sede de tanta dignidade como a da matéria sobre a qual nos debruçamos, se não entende o Sr. Deputado Costa Andrade que haveria toda a vantagem em que tudo isto fosse debatido na Comissão própria nesta Assembleia, sem prejuízo da celeridade, uma vez que a diferença entre 120 e 180 dias, no tempo histórico em que nos movemos, por muito grande que seja o apelo da realidade social, não é uma diferença tão grande como isso.
Não haveria toda a vantagem em que adoptássemos esse caminho e em impedir que, de algum modo, se possa sempre assacar ao Governo a ideia de que vai legislar a partir de um quase cheque em branco? Se há matérias em que uma tal situação pode não ser extremamente grave, nesta seguramente que o é, porque a verdade é esta: que tipo de ilícitos vão ser criados no domínio penal ou no domínio contra-ordenacional? E em que sentido, em que direcção? Para agravar penas ou coimas? Para atenuá-las? Bom, é tudo isto que não encontramos no texto da presente proposta de lei e por isso dizíamos - passo agora à segunda e última questão - que o problema do sentido não é tão dispiciente, tão remoto e tão insignificante como se quiser fazer crer.
O sentido jurídico-constitucional - e o Sr. Deputado Costa Andrade sabe-o muito bem - não é um vazio; é, ao cabo e ao resto, uma verdadeira vinculação de princípios. Estamos pois no domínio da indicação de verdadeiros princípios vinculantes, para me socorrer de uma fórmula produzida por um nosso colega presente nesta Assembleia.
Daí, portanto, continuo a pensar que, do ponto de vista da fundamentação do sentido do pedido de autorização legislativa que nos é formulado, à luz do n.º 2 do artigo 168 º, há vícios claros por parte desta proposta de lei. O Sr. Deputado Costa Andrade disse que não. Defendeu a sua posição. No entanto, eu mantenho inteiramente a minha posição e penso que

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não há, de certa maneira, uma gravidade extrema nisto. De todo o modo, gostaria de voltar a confrontá-lo com esta problemática e de lhe pedir que responda também ao segundo pedido de esclarecimento que lhe formulo.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Costa Andrade, não vou aqui reeditar a polémica que tivemos a propósito do artigo 88. º da Constituição aquando da sua discussão, mas, neste campo estamos em posições completamente diferentes.
Não queria deixar de lhe perguntar, mesmo assim, e em relação à alínea d) do artigo 4 º desta proposta de lei do Governo, se não entende que é exactamente no domínio dos delitos económicos ou da criminalidade económica que terá mais eficácia repressiva um ilícito tipicamente criminal do que um ilícito de uma mera ordenação social. 15to é, se, como V. Ex.ª disse, os agentes económicos, pelo seu poder económico, têm mais possibilidades de conhecer todas as artimanhas da lei e, portanto, fugir a elas, principalmente em sede de culpa e em sede de prova, e estarão, através do mero ilícito de ordenação social, muito mais dispostos, digamos assim, a dedicar-se a tais actividades.
Sendo assim, em relação a um negócio ilícito de, por exemplo, 1 milhão de contos, estará já dentro dos custos desse delito económico pagar uma multa de, digamos, mil contos. Ora, não será muito mais repressivo, em relação ao agente que ele possa prefigurar, a ideia de uma pena efectiva de cadeia? 15so não dará muito mais vantagem à sociedade e à repressão desse tipo de delitos? A última questão que lhe queria pôr era a respeito de ter dito que criminalizar era o máximo do sentido, que o crime - e citou Freud - tem já em si um sentido extremamente pejorativo em relação à sociedade e em relação ao agente.
Bom, mas a verdade é que esta proposta de lei limita-se a dizer que há crime sem referir o critério. Por exemplo - e isto é só um exemplo - na alínea c) do artigo 4 º, quanto ao consumo e tráfico ilícito de drogas, diz-se que se pretende actualizar o regime em vigor à luz da comparação da experiência interna com a externa, adequando a definição dos meios preventivos, dos ilícitos e da sua repressão à gravidade de que o fenómeno presentemente se reveste.
15to é puramente pragmático. Há questões concretas que são do domínio público. Importava a esta Assembleia saber, por exemplo, se o actual Ministro ou o actual Governo pensa, como era público que pensava o anterior Ministro da Justiça, despenalizar as drogas leves, o consumo e penalizar mais o tráfico, etc.
Eram essas opções concretas que interessavam e interessam ao sentido.
E certo que, formalmente, o artigo 4.º pretende ser o sentido e diz expressamente que «o sentido das autorizações constantes dos artigos é:» e depois, pragmaticamente, não indica o sentido exacto da opção a tomar em cada caso.
Será assim, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade para responder.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As questões que me foram postas são interessantes e têm para mim particular interesse.
Só que, em relação ao debate que agora estamos a travar, salvo melhor entendimento, todas elas relevam, mas apenas em relação à discussão da proposta em si. E parece-me que fazer estas perguntas tinham sentido, por exemplo, da parte do Partido Comunista, se tivéssemos visto já uma predisposição para votarmos a admissibilidade e discutirmos as coisas.
Parece-me que é uma fraude - em sentido figurado ao Regimento e a nós próprios queremos ter o bolo, mas ao mesmo tempo comê-lo, queremos que as coisas não se discutam, mas enfim, ter o benefício da discussão.
De maneira que, por outro lado, também me parece que não devemos encarar as coisas com o desespero de quem entra no «Inferno» de Dante. Nós, ao aprovarmos esta proposta de lei, e mesmo quando o Governo aprovar as leis, não perderemos a esperança de que nada mais pode mudar.
Portanto, todas as questões que se põem, todas elas pertinentes, sobre a fronteira entre o ilícito criminal e o ilícito de ordenação social são um trabalho particularmente doloroso e difícil porque passa por uma coisa fundamental, que é a seguinte: só se devem criminalizar aquelas condutas que no consciente colectivo provoquem uma profunda rejeição e censura. Senão tudo se volta contra o legislador.
Permito-me citar aqui uma notícia que li um dia num jornal do Porto e que dizia que agentes da fiscalização económica tinham sido agredidos na praça do Bulhão por vendedoras e por clientes das vendedoras. Ora, na realidade, os fiscais estavam a actuar contra preços particularmente elevados, mas as vendedoras - não gostaram de ser impedidas de vender e os clientes, por sua vez, também não gostaram nada que aqueles senhores engravatados que ali apareceram viessem impedir as pobres mulheres de ganhar a vida.
A criminalidade económica não se esgota nem incide preferencialmente sobre uma pequena vendedora. Não é isso o que está em causa. Queria apenas pôr em evidência que só condutas particularmente reprováveis é que devem ser criminalizadas. As outras, aquelas que não despertam na consciência colectiva uma tal aversão devem, na medida do possível, fazer-se recuar para o ilícito de mera ordenação social.
Todos os Srs. Deputados que intervieram são juristas e sabem disto. Para se ser punido num tribunal criminal é preciso que se prove o dolo. Ora, provar-se o dolo em matéria particularmente técnica é extremamente difícil e, portanto, um qualquer agente económico pode dizer que não leu o Diário da República e que não sabe.
Ele não pode dizer que não sabe que matar é proibido, mas pode dizer, com perfeita credibilidade, para efeitos do processo criminal onde vigora o princípio in dubio pro reu, que não conhecia bem aquilo e será absolvido.
Da prática que temos dos nossos tribunais e dos tribunais de todo o mundo o que se verifica é que os grandes são sistematicamente absolvidos e por isso é que se tenta, na medida do possível, fazer intervir o direito de ordenação social, que é particularmente mais generoso para as autoridades repressivas, já que não tem os mesmos ónus de prova nem os mesmos princípios de tipicidade tão estrita.

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Sr. Deputado António Taborda, V. Ex.ª é um ilustre advogado, mas eu também trabalho alguma coisa nessa matéria e sei como é. É difícil, digo mesmo extremamente difícil, deixar condenar um criminoso em matéria de crime contra a economia. Um bom advogado normalmente consegue a absolvição.
Ora, temos algumas esperanças de que não seja tão fácil obter absolvições massivas em matéria de ordenação social, assim a administração que vai aplicar as contra-ordens seja dotada de gente particularmente bem preparada.
E aqui, enfim, os Srs. Deputados da oposição, particularmente os do Partido Comunista e do MDP/CDE, têm alguma responsabilidade nisso porque, quando a então AD quis introduzir a possibilidade da criação de tribunais especializados para a luta contra a criminalidade económica, vimo-nos então aqui confrontados com a solidão do nosso voto. 15so não foi possível no que toca à luta contra a criminalidade stricto sensu, mas talvez seja possível no que toca ao direito de ordenação social.
Ninguém pode ter certezas em matéria de política criminal. Como em todas as outras políticas, há determinadas metas que se antecipam, há determinados meios ou determinadas acções que se perspectivam para realizar esses objectivos. Há um juízo de prognose e um risco, e ninguém pode calcular a dimensão desse risco e ter certezas, mas há uma esperança que é legitimo alimentar e que a experiência do direito comparado, tanto de países capitalistas como de países socialistas, recomenda.
Para terminar cito apenas o exemplo da República Democrata Alemã, em que a repressão contra a criminalidade económica também está cindida em dois ordenamentos: o direito das contra-ordenações e o direito dos crimes propriamente ditos.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para uma intervenção.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento dos nossos debates e nesta altura da noite poderá parecer um pouco excessivo que eu diga que me congratulo por ele e pela sua importância. E quero dizê-lo, muito particularmente, conhecendo a natural reacção que debates desta natureza provocam nos espíritos mais apressados e nos espíritos mais submissos.
Não falta nunca, a propósito destas discussões, quem as entenda como perda de tempo, quem se lamente por a Assembleia da República gastar horas em longos debates.
Não farei sobre isso largas considerações, limitar-me-ei a dizer aqui, mais uma vez, aquilo que uma vez disse, há quase um século, em elogio do Parlamento, Clemenceau:
Essas discussões que vos espantam são a nossa honra. Têm os seus inconvenientes, mas mais inconvenientes tem o silêncio. Glória aos países onde se fala, vergonha para os países onde se está calado.

Vozes do PS, da UEDS e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Deputados: Nos debates que travámos ao longo deste dia várias conclusões se podem tirar e creio que todas elas são importantes e permitem algum progresso em relação, inclusivamente, a trabalhos futuros desta Assembleia.
Por isso também creio que todos temos motivos para nos congratularmos.
Em primeiro lugar, em relação ao funcionamento do próprio Parlamento; ao longo do dia de hoje teremos verificado que não é o peso de voto que faz a autoridade de uma voz, que o debate é sempre útil e salutar e que o resultado de uma decisão e de uma deliberação parlamentar só tem a ganhar quando mutuamente troçamos as nossas experiências, trocamos os nossos argumentos e nos enriquecemos uns aos outros pela troca desses argumentos.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Um parlamento é um lugar de convívio de opiniões. Ainda bem que neste Parlamento podemos todos, mutuamente, esperar convencer-nos da validade dos nossos argumentos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - 15so faz a validade de um parlamento, isso é, creio bem, algo de essencial ao próprio fundamento da democracia.
Podemos ainda dizer que na matéria específica que nos importa, ou seja, a matéria das autorizações legislativas, algumas coisas podemos concluir.
Em primeiro lugar, a revisão constitucional demonstrou que o Parlamento reforçou o seu papel como órgão legislativo principal. Bastará pensar que, por um lado, foi rejeitada a possibilidade de utilizar outras fórmulas democráticas que não as de democracia representativa - e estou a referir-me à negação do processo de referendo - e, por outro, que se acentuou a área de competência reservada da Assembleia da República, que passou assim a reafirmar-se como órgão legislativo fundamental. Ao mesmo tempo, precisando o conteúdo das autorizações legislativas no artigo 168 º da Constituição, criou-se um sistema de muito maior exigência do que o anterior em relação às autorizações legislativas.
Agora, não basta que a lei defina o objecto, a extensão e a duração da autorização, mas é necessário que ela defina, também, o sentido dessa autorização. E aí marcou-se um passo fundamental, quer dizer, a Assembleia da República ao autorizar o Governo a legislar sobre determinada matéria imprime o sentido dessa autorização, não se limitando a autorizá-lo a legislar em relação a determinado objecto, mas, de algum modo - e a propósito. num dia em que se falou tanto de direito comunitário - estabelecendo-lhe uma directiva, apontando as finalidades a prosseguir e marcando objectivos que constituem o sentido dessa autorização.
Adiantamos ainda que, quando há dúvidas de que as matérias são da reserva legislativa da Assembleia da República, é um bom critério e um princípio salutar aquele que foi adoptado pelo Governo neste caso concreto: em caso de dívida, pôr o problema como autorização legislativa a submeter à Assembleia da República.
Adiantamos, finalmente, que, sempre que um debate sobre este tema é produzido, evitaremos futuros debates de constitucionalidade e ganharemos em relação à definição concreta daquilo que nos ocupa, impedindo

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que, sobre a formação da nossa vontade, resulte qualquer dúvida sobre os vícios que a possam inquinar, ao mesmo tempo que adiantaremos ainda o esclarecimento mútuo sobre estas questões fundamentais.

Foi o que aconteceu neste caso concreto, e também por isso temos motivos para nos congratular. De facto, a interposição deste recurso permitiu por parte do Sr. Ministro da Justiça - e é essa a nossa opinião - prestar a esta Câmara esclarecimentos que temos como pertinentes. Creio que o Sr. Ministro esclareceu devidamente uma dúvida que tínhamos posto sobre a conexão das matérias objecto desta autorização, e não tenho dúvidas em reconhecer que os seus argumentos foram para nós convincentes e demonstraram que a razão estava do seu lado.

Não tenho dúvidas, também, em dizer que ao fim deste debate esta Câmara ficou muito mais sensibilizada para um problema que a todos certamente preocupa e que é motivo para uma aprofundada reflexão em termos da sociedade portuguesa, qual seja a da fronteira que separa o ilícito penal económico das contra-ordenações.

Se me é permitido introduzir aqui um parêntesis, gostaria de agradecer as referências amáveis que o Sr. Deputado Costa Andrade há pouco teve a bondade de me formular e, sem que isso represente uma troca de galhardetes, mas apenas a constatação de uma realidade, queria dizer que ele, muito mais que eu, é credor da homenagem desta Assembleia, porque foi co-autor do primeiro trabalho aprofundado que em Portugal se publicou sobre a matéria do direito penal económico.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, do CDS e da UEDS.

O Orador: - Tenho muita honra em ter tomado a iniciativa de permitir esse estudo do Dr. Costa Andrade e do Prof. Figueiredo Dias, mas creio que o mérito deve caber a quem pertence.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Acrescentarei que também ficámos sensibilizados sobre como, numa sociedade com as características da nossa, o direito de mera ordenação social pode constituir um meio mais eficaz e mais adequado da repressão da delituosidade económica. Deste modo talvez estejamos a dar os primeiros passos em relação a um normativo constitucional já aqui invocado, o do artigo 88.º, relativamente ao qual vários esforços foram notados - e aqui associo-me, igualmente, à homenagem prestada ao ex-Ministro do Comércio, Dr. Basílio Horta, que realizou algum esforço importante e notável nesse sentido.

Podemos esclarecer também como as dificuldades de prova são importantes, constituindo algo a considerar nesta matéria, e que deve ser ponderado.

Há um outro aspecto que não quereria ignorar nesta intervenção, pois a repressão por via puramente administrativa tem de ser feita com as necessárias cautelas, com as necessárias garantias e também ela tem riscos, por exemplo, em matéria de burocratização ou pela facilidade de alguma corrupção infelizmente existente nos sectores correlacionados com o delito económico.

Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio podermos concluir, em face desta discussão concreta e das discussões que travámos, que, nomeadamente neste caso concreto, a Assembleia da República terá maior interesse em discutir a proposta de lei que lhe é apresentada do que discutir a eventual perfeição formal do modo como ela foi apresentada a esta Assembleia. E, por todas estas razões, o agrupamento parlamentar em que me integro retira a sua impugnação e pretende que se passe à discussão da proposta de lei, como merece.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, da UEDS e de alguns Srs. Deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com o anúncio feito agora pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, esgota-se a primeira parte da ordem de trabalhos. Haveria ainda a discutir a apreciação dos recursos interpostos pela ASDI e pelo PCP sobre a admissão da proposta de lei n.º 26/II, mas, como foi retirada pelo Governo, não há também lugar para a sua discussão.
Entretanto, a Mesa recebeu uma carta do Partido Comunista Português a este propósito, solicitando uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares para amanhã de manhã. Nessa conformidade, embora pessoalmente tenha uma manhã imensamente preenchida, convoco uma reunião dos presidentes dos grupos parlamentares para amanhã, às 10 horas e 30 minutos, pedindo aos Srs. Deputados que fossem pontuais para podermos ter tempo de tratar de vários problemas nessa reunião.
Entraríamos, agora, Srs. Deputados - e aqui tenho certas dúvidas- na discussão da proposta de lei n.º 23/III, ou na discussão da proposta de lei n.º 20/III, pois, ao reler o relato da sessão em que foi alterada a ordem dos trabalhos, não tirei conclusão nenhuma. De forma que, como vários Srs. Deputados estão a pedir a palavra certamente para se referirem a este assunto, dou a palavra ao Sr. Deputado João Amaral, em primeiro lugar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, queria ceder a palavra ao meu camarada José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito obrigado. O Sr. Presidente fez referência, tanto quanto consegui perceber, a uma proposta apresentada pelo meu grupo parlamentar no sentido de se realizar amanhã de manhã uma conferência de presidentes dos vários grupos parlamentares para apreciar a situação criada no plano orçamental pela retirada da proposta governamental n.º 26/III. Essa iniciativa resultou do facto de, estando pendente uma impugnação oportunamente apresentada, o Governo esta tarde por meio de um ofício ter retirado a proposta, não subsistindo, portanto, a nossa impugnação.
Consideramos que a situação que então se gerou exigia uma reflexão e, nesse sentido, pedimos a V. Ex. ª que convocasse uma conferência dos presidentes dos grupos parlamentares.
Entretanto, o Governo acaba de apresentar uma outra iniciativa, sob o n º 34/III, em que solicita à Assembleia da República providências de teor exac-

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tamente igual, apenas com algumas precisões que não alteram a substância. Nesse sentido, entregámos na Mesa da Assembleia um pedido de impugnação da admissibilidade dessa nova proposta para os devidos efeitos regimentais, por forma que o debate tenha lugar amanhã.
Esta iniciativa prejudica, obviamente, e transfere para o Plenário aquilo que tínhamos solicitado que se tratasse em sede de conferência de presidentes. Era esta precisão que gostávamos de deixar aqui sublinhada.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com efeito, deu entrada na Mesa esse pedido de impugnação, que vai ser agendado para amanhã. Contudo, considero necessária a reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, até para se discutirem outros assuntos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, a reunião poderá ter interesse, e tem-no, para tratar de outros assuntos. Nós próprios também a solicitamos e falámos com o Sr. Deputado Carlos Lage sobre ela, só que entendemos que a hora não é a conveniente. Tínhamos proposto as 12 horas; mantemos essa proposta e queríamos ouvir sobre isto os Srs. Deputados dos outros grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria simplesmente informar que a reunião poderá, evidentemente, realizar-se se os Srs. Presidentes dos grupos parlamentares assim o entenderem, mas, se for a essa hora, realizar-se-á sem a minha presença, em virtude de compromissos assumidos anteriormente.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex. ª a palavra.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pretendia pronunciar-me sobre esta matéria, pois damos o nosso acordo para a realização de uma reunião da conferência dos líderes dos grupos parlamentares amanhã de manhã a qualquer hora, designadamente aquela que mais convém ao Sr. Presidente da Assembleia da República. Aquilo que quero propor era uma alteração imediata na ordem das matérias que vamos apreciar. Se não me engano, o Sr. Presidente ia referir-se a essa sequência, onde seguidamente tínhamos o n.º 2.2, sobre taxa municipal de transportes, e, logo depois, a proposta cuja impugnação acaba agora de ser retirada.
Para não haver uma lacuna na sequência do debate, e porque em torno da própria impugnação ele já se fez de uma forma bem interessante, proponho, ao abrigo do n.º 2 do artigo 66 º do Regimento, que diz: «a sequência das matérias fixadas para cada reunião pode ser modificada por deliberação da Assembleia», que o n.º 2.2 passe para depois do n.º 2.5 e, assim, entremos imediatamente no n.º 2.3, ou seja, na matéria da autorização legislativa cuja impugnação acaba de ser retirada.

É uma proposta que faço para ser votada, podendo esta deliberação ser tomada por maioria desta .Assembleia.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Igualmente, para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, o Regimento permite que por deliberação da Assembleia se faça o que o Sr. Deputado Carlos Lage propõe, isto é, que se prossigam os trabalhos como a maioria da Assembleia na altura o determine. Mas, embora permitindo isso, terá de haver formalmente uma proposta e terá igualmente de se proceder à respectiva votação, de contrário, sem isso nada se poderá alterar.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Queria dizer que na minha fala anterior estava implícita uma proposta, só que posso formulá-la por escrito ou verbalmente. Verbalmente, a referida proposta consiste no seguinte: em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, proponho que o n.º 2.2 da ordem de trabalhos passe a ser o n.º 2.5 e que todos os restantes números recuem, passando assim, naturalmente, o n.º 2.3 para 2.2, o 2.4 para 2.3 e o 2.5 para 2.4. 15to é, em termos mais simples, passamos desde já, com esta proposta, a discutir a autorização legislativa, cuja impugnação acaba de ser retirada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.

Se for necessário faço esta proposta por escrito, mas creio que todos entenderam e o bom entendimento é o que importa nestas questões, não o formalismo exagerado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, o problema não é fazer a proposta por escrito, pois consta da acta e, assim, haverá transcrição, mas sim que o assunto fique claro e que haja rapidamente uma votação. Porque, em nosso entender, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o amálgama entre um processo que visava a impugnação da admissão da proposta de lei e a discussão da mesma não só não é útil, como até é prejudicial à discussão.

Não quereria ir mais longe, porque senão teria que fazer reparos fundamentados, apesar da citação de Clemenceau, à posição tomada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar a proposta apresentada agora pelo, Sr. Deputado Carlos Lage, do Partido Socialista.

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Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e da ASDI e votos contra do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral inscreveu-se para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para fazer uma curtíssima declaração de voto, Sr. Presidente.

Risos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ela pode ser mesa curta se os Srs. Deputados tiverem mais calma.

Risos do PSD e do CDS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Somos todos ouvidos!

O Orador: - A questão é muito simples. Do nosso ponto de vista, a proposta de autorização legislativa, em concreto, era de facto inconstitucional e, sendo levantada a questão como foi, não era para se tratar como acabou por ser tratada. Ou seja, não era para ser tratada como se se pudesse pôr, apresentar ou retirar de acordo com conveniências circunstanciais ou conjunturais, mas sim para ser votada no sentido exacto em que cada grupo parlamentar pensava sobre isso.

Em segundo lugar, pensamos que, em matérias como esta e em matérias como a do recurso de admissibilidade - que são matérias da primeira parte - elas não podem servir para fazer adiantar a discussão material das propostas de alteração legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Está-se a encontrar aqui um sistema enviezado de adiantar a discussão de questões e contra esse violação do espírito do Regimento temos de protestar, manifestando o nosso voto contra a posição que aqui foi assumida.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito inscreveu-se para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para uma declaração de voto sem adjectivos, Sr. Presidente.

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não entendemos que a votação favorável ao pedido de alteração da segunda parte da ordem do dia implique qualquer enviezamento da discussão.

0 Sr. João Amaral (PCP): - Não implica?

O Orador: - Não implica qualquer enviezamento da discussão e por isso votámos favoravelmente, pois não estamos a fazer qualquer obstrução aos trabalhos da, Assembleia da República.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão da proposta de lei n.º 20/III, que concede ao Governo autorização para legislar em matéria de delitos anti-económicos e contra a saúde pública.
Está em discussão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quereria fazer uma muito breve introdução por duas ordens de razões: em primeiro lugar, porque uma parte da análise e discussão desta proposta já foi feita a propósito da impugnação; em segundo lugar, em face do adiantado da hora não gostaria de massacrar a Assembleia com longas explanações.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Fundamentalmente, nesta proposta, em matéria de infracções anti-económicas e contra a saúde pública, o que se visa - e já foi de resto salientado brilhantemente pelo Sr. Deputado Costa Andrade - é encontrar um justo equilíbrio de defesa dos interesses da sociedade que ao Governo e ao poder legislativo cumpre proteger numa zona que é particularmente sensível. Trata-se, nalguns casos, daquilo que é designado por «crimes vagabundos», em que se torna particularmente difícil encontrar uma forma de tipificar com segurança e de conseguir uma dosimetria adequada em matéria de sanções penais.
Para ser mais concreto e corresponder às solicitações que me foram feitas no sentido de clarificar o pensamento do Governo, direi, como é sabido, que existia um diploma - o Decreto-Lei n.º 41 204 - nesta matéria de delitos anti-económicos e de infracções contra a saúde pública que veio a ser parcialmente revogado, quer pela circunstância de a lei preambular que aprovou o Código Penal ter expressamente revogado os artigos 16 º a 19 º desse diploma, quer porque uma outra parte foi substituída pelas disposições do Código Penal.
Todavia, não só determinados ilícitos penais não tiveram um tratamento na parte especial do Código Penal - e estou a pensar, por exemplo, no caso de crime de matança ilegal - como dois outros tipos de crimes, o caso do açambarcamento e da especulação, não foram igualmente previstos nessa parte especial, sendo obviamente uma matéria de extrema delicadeza e importância num período em que se têm verificado comportamentos especulativos e abusivos quanto ao funcionamento dos mercados.
A verdade é que, no que respeita à parte relativa aos bens alimentares, o Código Penal tem um artigo - salvo erro, o artigo 273.º - que consiste numa protecção em relação à saúde pública. Mas tem-se suscitado o problema, aliás grave, de que, quando não se faça perigar a saúde pública mas não se possa garantir a genuinidade dos produtos, parece igualmente importante que este último aspecto venha a ser garantido. 15to é, para pormos em termos práticos, não faz em princípio perigar a saúde pública a circunstância de

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se comer carne de burro em vez de se comer carne de vaca, mas a verdade é que isso significa uma deturpação dos interesses do consumidor, o que também deve ser garantido.
Trata-se, por consequência, de encontrar uma regulamentação que venha obviar a alguns inconvenientes que se têm registado pela circunstância de o Código Penal não ter, nalguns pontos, previsto determinados ilícitos de carácter penal e noutros de o tratamento se ter revelado menos adequado.
Não é uma questão despicienda, antes pelo contrário, e recentemente aquilo que veio a lume a propósito dos problemas das misturas do óleo e do azeite evidenciou claramente o tipo de problemática que está co-envolvida , nesta matéria, para além das referências que já fiz aos crimes de açambarcamento e de especulação.
Nesse sentido, tal como já hoje existe uma tradição em matéria penal quanto à qualificação das infracções como anti-económicas, parece extremamente claro 0 que o Governo pretende ao solicitar a autorização legislativa nesta matéria.
Cabe-me, aliás de passagem, referir que não compartilhamos muitas das críticas que têm sido movidas ao Código Penal. É evidente que, num documento de tanta complexidade, naturalmente haverá matérias a corrigir e que a experiência e a análise atenta da maneira como este diploma venha a ser aplicado justificará que se venham a introduzir oportunamente certas alterações que se considerem necessárias. Mas não se pode deixar de reconhecer que o Código Penal e o ministro que promoveu a sua publicação, Dr. Meneres Pimentel, foram alvo de uma campanha injustificada e injusta, que deve ser, como tal, claramente denunciada.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Em matéria de delitos de corrupção, tráfico de influência e outras fraudes que ponham em causa a moralidade da Administração, e que conjuntamente tratarei com a parte relativa aos chamados crimes de responsabilidade dos membros dos órgãos do Estado, dos agentes da administração central, regional e local e dos órgãos das empresas do sector empresarial do Estado, a questão que se põe é, no fundo, a de tratar do problema na parte sancionatória da moralidade administrativa e da corrupção dos titulares dos órgãos e agentes da administração central, regional e local e das empresas públicas.
E uma matéria extremamente delicada, na medida em que, em primeiro lugar, se reconhece que as causas da existência de factos censuráveis no comportamento de alguns elementos da Administração Pública resultam de situações complexas a que não é alheio o facto de haver problemas de discriminação em matérias de remunerações dos funcionários públicos e problemas relativos a um certo laxismo que tem existido quanto a alguns valores fundamentais que cumpre a todos observar, também se reconhecendo que essa problemática não pode ser obviada por via exclusivamente penal.
Todavia, o Governo, que inscreveu como uma preocupação prioritária no seu Programa o combate à corrupção, não pode considerar como menos relevante também o aspecto repressivo, e nesse sentido, aliás, corresponde àquilo que de algum modo é apontado no próprio Código Penal, onde vêm regulados os crimes de corrupção e peculato, mas onde, a propósito do conceito de funcionário, se faz desde logo uma referência no artigo 437 º, dizendo, no seu n.º 2, que a «equiparação a funcionário para efeitos da lei penal de quem desempenhe funções políticas, governativas ou legislativas será regulado por lei especial».
Ora bem, em primeiro lugar, o ponto é que parece fundamental que o exemplo claro de condutas límpidas e que não possam ser objecto de qualquer censura tem, antes de tudo, de vir de cima. 15to é, tem de vir daqueles que, por razões do voto popular em democracia, ocupem postos cimeiros na governação, quer ao nível do poder legislativo central, quer nos órgãos regionais, quer também no poder local.
Parece extremamente importante que esse exemplo seja claro e inequívoco e que nos raros casos em que assim não aconteça haja um sancionamento severo, tão severo quanto é exigível uma maior responsabilidade às pessoas que ocupem essas funções. Daí que os chamados crimes de responsabilidade - já regulados por uma velha lei de 1914 e agora retomados no Código Penal - no que respeita, particularmente, a. estas classes de pessoas, devam ser, na parte que não foram suficientemente considerados no Código Penal, objecto de uma regulamentação.
Em segundo lugar, como tive ocasião de referir há pouco, para além da previsão em matéria dos agentes destes crimes, que englobam não só titulares dos órgãos do Estado - seja dos órgãos legislativos como dos da Administração Pública e dos agentes da administração regional e local- mas também os titulares de órgãos das empresas públicas ou os seus trabalhadores com especiais responsabilidades no uso de dinheiros e bens dessas empresas, interessa, de igual modo, que se venha a tipificar de uma maneira mais pormenorizada aquilo que se designa como tráfico ilícito de influências.
Efectivamente, não é apenas através de comportamentos que se encontram desenhados nos tipos penais da corrupção e do peculato que se assiste a comportamentos claramente censuráveis e que põem em causa a confiança que a opinião pública deve ter na Administração, tomada neste sentido lato.
Na verdade, existem outros comportamentos, e todos nós os conhecemos, parecendo-me muito importante que quem obtenha vantagens indevidas da Administração Pública - hoje, sobretudo, porque, sendo interventora, dispõe de largos poderes, podendo, se não cumprir os preceitos legais, favorecer indevidamente determinados indivíduos em detrimento de outros e em matérias sensíveis, realizando vultosos benefícios - seja punido com severidade e, antes disso, que se venha a prever com clareza determinados tipos legais relativos ao tráfico de influências.
A evolução nessa matéria tem vindo a demonstrar a argúcia e a habilidade daqueles que se colocam no campo da ilicitude e parece-me importante, a exemplo do que acontece noutros países, que se caminhe nesse sentido, de modo que do ponto de vista da repressão penal - que é aquele que agora aqui tratamos se venham a sancionar devidamente esses comportamentos ilícitos.
Em matéria de consumo e tráfico ilícito de drogas a questão é também suficientemente conhecida na sua gravidade. 0 Governo tem quase terminados os tra-

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balhos de um diploma que regulamenta diversos aspectos, alguns deles não penais, em matéria do consumo e do tráfico da droga. Mas seria grave perda de tempo que esse diploma tivesse que estar completamente afinado e depois tivéssemos que esperar a próxima sessão legislativa para que o Governo pudesse publicar uma regulamentação completa - ou tão completa como possível - nesta matéria, justamente porque a sua premência e a situação de agravamento do consumo e do tráfico ilícito de droga justificam que se tomem medidas rápidas e eficientes nesta zona.

Por outra parte, já referi - e o debate a que assistimos em matéria de impugnação foi nesse ponto esclarecedor - que, quanto às contra-ordenações, e era só a esse ponto que me referia, em consonância com o que o Sr. Deputado Magalhães Mota disse, o Governo não estava estritamente obrigado a pedir uma autorização legislativa. Nessa matéria já tive oportunidade de esclarecer que nuns casos nos parece necessário despenalizar, noutros criminalizar. De qualquer forma tratam-se de zonas de fronteira em que a priori é difícil, antes de um exame aprofundado do tema, dizer com precisão quais serão os casos que serão objecto de penalização, mas, todavia, para dar um quadro completo da situação, pareceu útil, por respeito pela Assembleia e dado que se trata de uma matéria naturalmente delicada, incluí-la nesta autorização legislativa.

O sentido em que estes pedidos são feitos - e ao contrário do que foi dito pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes- não é nada semântico, mas resulta perfeitamente claro do artigo 4.º do pedido de autorização legislativa, que me dispenso aqui de reproduzir.

Queria ainda, para terminar, referir que a ideia do Governo, se ela for concedida, é a de utilizar esta autorização legislativa por uma forma parcelada. 15to é, não pensamos - e nestes termos completo o esclarecimento que há pouco dei ao Sr. Deputado Marques Mendes- utilizar a autorização legislativa através de um único diploma. Pensamos publicar tantos diplomas quantos aqueles que são referidos nas quatro alíneas dm artigo 1.º do pedido de autorização legislativa e, nesses termos, isso significa que a autorização é utilizada em termos de execução de uma forma parcelada, embora, como impõe a Constituição, só possa ser utilizada uma vez em relação a cada uma das matérias.

Estes são, sucintamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os esclarecimentos que pretendia dar à Câmara como apresentação deste pedido de autorização legislativa.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Para fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Ministro da Justiça, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, em primeiro lugar permita-me um reparo a uma observação que fez quando ainda se discutia o recurso sobre a admissibilidade da proposta. 0 Sr. Ministro disse, nessa altura, que teria sempre de haver uma certa discricionariedade e que à Assembleia da República sempre restava o instituto da ratificação.
Suponho que foi isto que disse, pelo que desejava fazer um comentário. Parece que esta posição revela um certo desapreço pelo valor da lei, uma vez existente, e uma certa assimilação de um instituto, o da ratificação, que se destina fundamentalmente a corrigir decretos-leis do Governo que são emanados no uso das suas competências próprias e não propriamente a servir como «muleta» para as autorizações legislativas. Quanto a nós, estas devem, desde logo, conformar-se com a Constituição, sem embargo de restar sempre o poder à Assembleia da República de ratificar seja que acto legislativo for proveniente do Governo, desde que assuma a forma de um decreto-lei.
As perguntas que queria fazer são de outra ordem. Em primeiro lugar, na alínea d) do artigo 1 º lê-se «em matéria de responsabilidades dos membros dos órgãos do Estado, dos agentes da administração central, regional e local e dos órgãos das empresas do sector empresarial do Estado». Ora eu gostaria que o Sr. Ministro da Justiça precisasse exactamente o que é que quer dizer com a primeira parte da expressão, porque, como compreenderá, podem sobrar dúvidas do que é que se pretende incluir nesta expressão «membros dos órgãos do Estado».
Por outro lado, gostaria de lhe perguntar se mantém a opinião que acabou de expender sobre a desnecessidade de, em matéria de ilícito por mera contra-ordenação, não ser necessário ao Governo pedir autorização legislativa à Assembleia, já que, em nosso entender, sempre será necessário definir aquilo que deixa de ser ou que passa a ser crime e, portanto, só depois de definir esse regime que separa uma coisa da outra é que sobra a outra para o Governo. Mas antes, e isso não está feito, sempre haveria necessidade de pedir autorização legislativa à Assembleia.

O Sr. Presidente: - Igualmente para fazer pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Justiça, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, coloco duas questões neste pedido de esclarecimento. Continuamos a pensar que, de facto, não está definida a extensão e o sentido desta autorização legislativa e, nomeadamente, V. Ex. ª não se referiu nesta sua exposição a uma das alíneas do artigo 4.º - salvo erro a alínea e).
E concretamente em relação ao processo penal, à sua adequação ao direito penal, que gostaria de ver esclarecidas duas questões. A primeira diz respeito à questão da instrução. V. Ex. ª fala na simplificação da instrução preparatória e, embora no campo dos princípios, aquando da discussão do artigo 32.º na revisão da Constituição, toda a gente dissesse que «sim senhor», em matéria de princípios estávamos de acordo em defender os direitos fundamentais dos cidadãos e que a instrução preparatória estaria na dependência do juiz de instrução, queria-lhe perguntar concretamente o que quer dizer isto de «simplificação da instrução»? E pergunto-lhe isto para avaliar de que maneira é que o Governo vai legislar, se vai alargar o âmbito de aplicação do inquérito preliminar, se vai afrontar mais uma vez a figura da instrução.

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Porque, Sr. Ministro, o que tem havido de facto é a ausência de vontade política para pôr os tribunais de instrução criminal a funcionar. Mas há gente que pretende desempenhar essas funções. Ainda hoje recebemos no nosso grupo parlamentar uma exposição dos substitutos dos juízes de instrução criminal por causa de uma disposição inconstitucional que condiciona a admissão no Centro de Estudos judiciários e que é a exigência da idade máxima de 35 anos. Sr. Ministro da Justiça, queria protestar contra esta situação!
A outra questão diz respeito à tal adequação da matéria de processo penal ao direito penal e que diz propriamente respeito à questão dos crimes incaucionáveis. V. Ex. ª sabe, com certeza, que o Sr. ex-Ministro da Justiça, Dr. Meneres Pimentel, legislou ao abrigo da lei de autorização legislativa n.º 25/82, fixando no decreto-lei que posteriormente saiu quais os crimes incaucionáveis - o que, aliás, não poderia ter feito porque a autorização legislativa não foi dada para isso, pelo que esse diploma é também manifestamente inconstitucional.
Este decreto-lei apresenta um desajustamento nítido em relação ao Código Penal, que consiste no seguinte: enquanto o Código Penal prevê várias medidas substitutivas da pena de prisão efectiva e só em último caso permite que ela se aplique, este decreto-lei, dos crimes incaucionáveis, está em total oposição ao disposto e está a «encher» as nossas prisões de reclusos a aguardar julgamento para depois virem para a rua com medidas como a suspensão de pena ou como o regime de prova.
É, por exemplo, o que se passa em relação aos crimes contra o património que forem cometidos de noite e em lugar ermo, independentemente do valor, porque agora não são referidos valores. Esses crimes não admitem caução, porque a pena de prisão vai de 1 a 10 anos e são incaucionáveis os crimes punidos com uma pena superior a 8 anos de prisão. Ora bem, depois, em julgamento, as pessoas acusadas desses crimes normalmente não ficam presas e são soltas em regimes de prova, de suspensão de execução de pena ou até de substituição da pena de prisão por multa.
Pergunto-lhe, concretamente, Sr. Ministro da Justiça, se quando refere na alínea e) esse ajustamento ao Código Penal pensa legislar neste sentido e se quanto a esta matéria, pensa repor as coisas no seu devido lugar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Ministro da Justiça, entendo que V. Ex. ª fez uma exposição bastante completa e que tentou também clarificar bastante mais esta proposta de lei (principalmente o artigo 4 º). Gostaria de lhe pedir, mesmo assim, alguns esclarecimentos.
Diz-se na alínea a) do referido artigo 4 º:
Quanto às infracções anti-económicas e contra a saúde pública, a obtenção de maior celeridade e eficácia na prevenção e repressão deste tipo de infracções, nomeadamente actualizando o obsoleto regime em vigor;

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Queria fazer a comparação com a alínea d) do mesmo artigo, que diz:

Quanto aos ilícitos de mera ordenação social uma maior adaptação da sua regulamentação às novas realidades sociais e económicas, tendo em atenção o movimento de descriminalização de determinado tipo de infracções, às quais não deve ser conferida dignidade penal;

V. Ex. ª assistiu à pouco ao pedido de esclarecimento que fiz ao Sr. Deputado Costa Andrade. Concretamente, o que gostaria que V. Ex. ª explicitasse era se, quanto a este tipo de crimes (infracções antieconómicas) e quanto à saúde pública, o Governo pensa, tal como o Sr. Deputado Costa Andrade, na sua despenalização stricto sensu, substituindo-a pela penalização do ilícito de mera ordenação social, ou se, como parece mais lógico, não seria preferível um regime misto para este tipo de crimes. 15to é, desde que houvesse a tipicidade criminal stricto sensu, seria essa a aplicável, mas se sobre o mesmo facto não ocorresse essa tipicidade, ele ficaria sujeito ao ilícito de mera ordenação social.
Uma segunda questão diz respeito à alínea d) do artigo 4 º V. Ex. ª explicitou, muito melhor do que aqui está consignado, que os agentes da Administração Pública e os agentes públicos eram não só os agentes do Estado, do poder local e das empresas públicas, mas também os detentores de órgãos de soberania, isto é, os que exercessem cargos políticos.
Perguntava a V. Ex. ª se sobre todos estes agentes se iria fazer incidir não só a responsabilidade penal, mas, como aqui se diz, também a responsabilidade civil e em que termos.
Quanto à alínea c), fazia o mesmo pedido de esclarecimento que coloquei ao Sr. Deputado Costa Andrade (mas a que ele não respondeu), isto é, quanto ao consumo de drogas, se V. Ex. ª entende, como o seu antecessor, descriminalizar, ou não, o consumo de drogas leves.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Ministro da Justiça, o artigo 2 º do texto da autorização legislativa que é pedida a esta Câmara refere que «É o Governo igualmente autorizado a alterar o regime jurídico das contra-ordenações ...».
O Sr. Deputado Costa Andrade já há pouco abordou brilhantemente a natureza, adequação e eficácia das contra-ordenações.
Para os que não são técnicos, direi apenas que o ilícito das contra-ordenações resumem-se, praticamente, a classificar como tal todos os actos que não são considerados como tendo dignidade para serem ilícito criminal.
Esta matéria, embora já esteja consagrada na Constituição e na lei ordinária, é polémica e deve merecer a atenção de toda a Câmara e também do Governo.
De facto, basta recordar que na lei-quadro das contra-ordenações pode ser aplicada uma coima até 200 contos às pessoas físicas e até 3000 contos às pessoas colectivas, com a gravidade de a competência do julgamento não pertencer a um juiz, mas a autoridades administrativas.

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É claro e nítido que isto se insere na área dos direitos, liberdades e garantias. Parece-me também ser claro que esta não deverá ser matéria só de interesse para os técnicos, mas também para toda a Câmara, para o Governo e para os cidadãos em geral.
É nesta tónica de melindre e de preocupação que iria colocar duas perguntas ao Sr. Ministro da Justiça.
O artigo 20.º da Constituição assegura o direito à informação e à protecção jurídica e o acesso aos tribunais, independentemente da insuficiência dos meios económicos. Por sua vez, o artigo 32.º, n.º 3, da Constituição garante ao arguido em processo criminal o direito de escolher defensor e de ser assistido por ele e estipula que, em certos casos e em certas fases, é obrigatória a constituição ou assistência de defensor.
Ora, na lei-quadro das contra-ordenações sociais diz-se, no artigo 53.º, n.º 3, que as autoridades administrativas nomearão defensor oficioso sempre que qualquer deficiência do arguido ou a gravidade da infracção e da sanção o justifiquem.
Há aqui, portanto, um critério subjectivo para determinar a gravidade da infracção e da sanção. 15to faz, desde logo, criar a seguinte preocupação: em primeiro lugar, sabemos todos que o instituto da assistência judiciária e da nomeação oficiosa não funciona ou funciona mal; em segundo lugar, nos próprios processos de contra-ordenação social não é assegurada a assistência de defensor.

As duas perguntas que queria formular ao Sr. Ministro da Justiça eram, portanto, as seguintes: a primeira, pretende o Governo introduzir no ordenamento jurídico do instituto das contra-ordenações sociais uno critério objectivo para determinação da gravidade das infracções e das sanções, critério esse que determinará a intervenção obrigatória do defensor, ou continuará a flutuar em critérios sujectivos das autoridades administrativas? A segunda questão está relacionada directamente com esta, embora seja mais ampla: tenciona o Governo, através do Ministério da Justiça, implementar o artigo 20 º da Constituição, que o mesmo é dizer alterar totalmente o instituto da assistência judiciária e introduzir-lhe uma nova filosofia na esteira do que se passa nos restantes países da Europa a que queremos aderir?

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Manuel Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, gostaria de lhe formular umas quantas questões, em jeito telegráfico, após a sua intervenção de há momentos.
Ficámos sem saber que tipos de ilícitos penais e contra-ordenacionais vai o Governo agora criar. Ficámos também sem saber quais são, em concreto, os critérios mínimos em que fundamenta a opção pelo ilícito penal ou pelo ilícito contravencional.
Gostaria que adiantasse, tanto quanto possível, alguma coisa neste domínio, tendo em vista que se trata de uma matéria particularmente delicada, que suscita as dúvidas que já noutras circunstâncias foram afloradas nesta Câmara.
Uma segunda questão: o Sr. Ministro sabe que hoje nenhuma disposição legal prevê ou pune, por exemplo, mercê da entrada em vigor do Código Penal e da revogação das normas que tutelavam este tipo de situações.

Sabe também o Sr. Ministro que a falsificação, corrupção e avaria dos géneros alimentícios, que não criem perigo para a vida ou grave lesão para a saúde das pessoas, estão também, neste momento, fora de qualquer sancionamento ou cominação legal. O mesmo se passa com o fabrico, preparação, conservação ou condicionamento de alimentos para animais, etc.
Gostava de lhe perguntar se pensa efectivamente legislar nesta matéria, sobre que tipo de ilícitos e com que alcance.

Formulava uma terceira questão, esta relativa ao problema das drogas. 15to é, gostaria de saber se se vai manter o actual regime, que prevê, de certo modo, penas pesadas para os consumidores de droga e não estabelece qualquer distinção entre o grande traficante e o pequeno «passador», que, como sabemos, é, ao mesmo tempo, em regra, um consumidor de droga.

Prevê-se alguma alteração, designadamente no sentido despenalizatório? Ou, digamos, em sentido contrário, admite vir-se a cominar sanções bem mais graves para este domínio, no sentido do combate à droga?

Faço uma última questão, de âmbito um pouco mais genérico, que decorre de toda a proposta que nos foi apresentada.

Continuo sem saber se, através destes mecanismos, o Sr. Ministro visa atingir os grandes prevaricadores, designadamente os chamados criminosos de «colarinho branco», ou se vai apenas fazer recair sobre o pequeno prevaricador - passe o esquematismo e a singeleza das expressões - toda a carga legal e toda a nova série de ilícitos que prevê como repressão ao clima generalizado de laixismo que apontou há pouco.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Fernando Costa.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Ministro da Justiça, não lhe vou fazer propriamente pedidos de esclarecimento nem fazer reparos à sua intervenção.

No entanto, como V. Ex. ª vai legislar em matéria económica, queria chamar à atenção, em jeito de pergunta, para três situações, a primeira das quais se refere à comercialização do vinho.

O Decreto-Lei n.º 214/76 veio, pura e simplesmente, proibir a comercialização de vinhos entre armazenistas. Pouco depois, tendo em conta a perturbação deste decreto-lei, o Decreto-Lei n.º 526/76 veio abrir um conjunto de excepções, para permitir, ao fim e ao cabo, o que já se passava.

Contudo, a interpretação destes dois decretos-leis gera profundas perturbações e interpretações diferentes nas diversas fiscalizações económicas, ao ponto de haver serviços com interpretações perfeitamente díspares.

Ora, este é um assunto que gostaria de ver, mais tarde ou mais cedo, uniformizado, na defesa do produtor e do consumidor.

A segunda questão para que chamo a atenção de V. Ex. ª refere-se a outro ilícito, nomeadamente ao transporte do gado.

Um diploma recente do Ministério da Agricultura veio remeter para o Código Aduaneiro todas as infracções cometidas com o transporte de gado. Acontece que uma simples guia de remessa de gado mal preen-

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chida (ou com apenas a falta de um elemento) implica que se tenha de aplicar o Código Aduaneiro.
Parece-me, por exemplo, que a situações de contrabando não se deve aplicar o mesmo regime de um simples falhanço ou falta no preenchimento de uma guia.
Penso que esta é uma matéria que está a levantar sérias dificuldades nos tribunais e nas juntas dos produtos pecuários e creio que isto merece uma maior atenção.
Não basta, por outro lado, punir. Penso que alguns serviços de fiscalização económica são muito lentos na instrução dos seus processos. Posso dizer-lhe que há processos que aguardam há 3 e 4 anos, nomeadamente em matéria de análises a vinhos, azeites e outros produtos.
15so faz com que ao fim desse tempo, quer haja ilícito quer não haja, os produtos estejam perfeitamente deteriorados, assim como os respectivos recipientes.
O Estado não tem, nesse caso, nada a ganhar, uma vez que tais produtos são já impróprios e quando não há ilícito os particulares, os que até ali eram réus, sentem-se profundamente defraudados.
Eram três situações para as quais gostaria de chamar à atenção, porque devem merecer, na minha opinião, um tratamento adequado, para salvaguarda dos interesses do próprio consumidor e para prestígio da própria justiça e do próprio Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - O Sr. Deputado Veiga de Oliveira, para além de algumas considerações que fez sobre a maneira como eu tenho em consideração a lei - e que penso não ter sido a melhor interpretação acerca do meu modo de pensar - pergunta-me concretamente quais são os membros dos órgãos de Estado que estão previstos quando se fala na alteração legislativa em matéria de crimes de responsabilidade.
Dir-lhe-ia que, com exclusão naturalmente do Sr. Presidente da República, dos Srs. Deputados (na medida em que penso isso é uma matéria que cabe à própria Assembleia resolver), e porque também, no que diz respeito aos órgãos de soberania, quanto aos tribunais as matérias estão esclarecidas, se trata efectivamente, do Governo, dos governos das regiões autónomas e penso que isso se deve igualmente aplicar aos titulares de órgãos eleitos no âmbito do poder local.
Tal legislação não será, no entanto, só aplicável a essas pessoas, mas também a funcionários do Estado, a funcionários administrativos, aos titulares dos órgãos das empresas públicas (que há pouco não referi) e aos trabalhadores que tenham funções de responsabilidade em matéria de gestão ou de utilização dos bens e dos dinheiros dessas entidades.
A Sr ª Deputada Odete Santos colocou-me alguns problemas em matéria de processo penal. Limitar-me-ia a dizer que não há nenhum propósito de não obedecer à Constituição e de, portanto, não garantir que a fase da instrução seja presidida por um juiz.
No que respeita aos crimes incaucionáveis, há, efectivamente, o propósito de reexaminar a situação, já que - e trata-se de um facto que não tem sido suficientemente salientado - o número de presos preventivamente tem aumentado de uma maneira substancial. Esse problema tem de ser examinado. Não lhe posso desde já antecipar qual a solução correcta, mas uma das preocupações é precisamente essa.

O Sr. Deputado António Taborda pôs-me três questões. Uma primeira diz respeito aos crimes antieconómicos, ou melhor, pretendia saber se em matéria de delitos anti-económicos a ideia era fundamentalmente criminalizar, discriminalizar ou um regime misto.

Nas considerações que há pouco tive oportunidade de fazer suponho ter explicitado que a ideia é a de estabelecer um regime misto. Tudo depende do que for mais adequado. Aí, a ponderação é por vezes difícil.

No entanto, creio ter deixado claro que há certos crimes - como é o caso dos crimes que estão previstos no anterior diploma em matéria de delitos antieconómicos e infracções contra a saúde pública e que não foram objecto de previsão no novo Código Penal - sobre os quais, em princípio, se deverá manter essa penalização e, eventualmente num ou outro caso, o seu agravamento.

Em relação ao problema da responsabilidade civil, ela é conexa, obviamente, com a responsabilidade penal e, nessa perspectiva, será considerada no que se refere aos delitos de corrupção.

Quanto ao consumo da droga, a ideia é no sentido da sua penalização e não no sentido da sua despenalização, muito embora - e aproveito aqui para responder ao Sr. Deputado Manuel Mendes, que me pôs essa questão - se tenha que estabelecer uma distinção entre o pequeno traficante, que é, também, um consumidor (e em que a gravidade do acto praticado é naturalmente menor), e o grande traficante, profissional, digamos assim, e que nem sequer tem a atenuante de ser ele próprio um drogado.
O Sr. Deputado Correia Afonso coloca um problema que não tem, efectivamente, uma relação íntima com a matéria que estamos a discutir, no sentido da autorização legislativa, mas que é uma questão importante.
A minha resposta é a de que penso que os problemas que põe deverão ser objecto de consideração e tratamento no diploma que sobre o «acesso ao direito» o Governo tem em preparação, aliás, em cumprimento do Programa que oportunamente apresentou na Assembleia. E uma questão extremamente importante. Tem toda a razão em a colocar, embora não seja talvez aqui, neste momento, a ocasião para estarmos a explanar o assunto com desenvolvimento.
Quanto ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, já lhe respondi no que respeita ao problema das drogas. Tive também oportunidade de dizer, em matéria de asseio e de genuinidade dos bens, que efectivamente o Código Penal, como suponho que referiu, revogou essa matéria, tendo-a considerado apenas no sentido da perigosidade em relação à saúde pública. Ora, isso é insuficiente. Os problemas em relação, por exemplo, ao azeite e aos óleos são um caso que só por si justificaria uma repescagem da problemática, que foi, assim, eliminada.

Penso, pois, ser necessário manter a penalização que anteriormente existia, muito embora isso não deva acontecer na parte relativa à saúde pública, pois essa já está prevista pelo artigo 273 º do Código Penal.

O mesmo se diga, por exemplo, e não tive oportunidade de o referir há pouco, em matéria - de fabrico

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e manipulação de álcool, onde o mesmo tipo de questões se põem.
O Sr. Deputado Fernando Costa pôs também o problema da comercialização dos vinhos e do transporte dos gados.
No que respeita a este último, penso que a sua observação é pertinente. Não era, neste momento; um ponto que nos preocupasse, visto que foi objecto de uma regulamentação relativamente recente. No entanto, é provável que seja necessário encontrar uma fórmula um pouco mais perfeita quanto â punição desse tipo de crimes.
Quanto à matéria da comercialização dos vinhos, devo dizer que, a não ser na parte penal, ela não será objecto de preocupação nesta autorização legislativa. Concordo com o Sr. Deputado quando diz que não é suficiente punir, é necessário que os meios de instrução sejam suficientemente céleres. No entanto, obviamente que essa é uma matéria que não faz parte do âmbito deste pedido de autorização legislativa e, como sabe, isso não é da responsabilidade do Ministério da Justiça.

Aplausos do PS e do PSD.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Das duas questões que coloquei, o Sr. Ministro limitou-se a responder a uma. A outra, disse sinteticamente que não estava na mira do Governo desrespeitar o artigo 32.º da Constituição.
Ficamos, assim, sem saber o que significa isto da simplificação da instrução no processo penal e sem saber qual é o sentido e extensão desta autorização legislativa.
Coloquei concretamente a questão de saber se o Governo pensava alargar o âmbito de aplicação do inquérito preliminar, que nos parece ser, já de si, inconstitucional. 15so briga com coisas muito importantes, como, por exemplo, os direitos fundamentais dos cidadãos.
Se pus a questão era porque gostava de ser esclarecida, para ver até que ponto é que se ia continuar com o que fez o legislativo do anterior governo, que colocou na disponibilidade das polícias a realização de buscas domiciliárias sem a presença de um juiz de instrução. É que isto pode brigar, inclusivamente, com a própria autonomia do Ministério Público. Mas isto briga com o propósito, por muitos sentido anteriormente, da tentativa de tornar administrativa a instrução preparatória, o que é, de facto, inconstitucional.
Sr. Ministro era justiça, o Governo faz o seu juízo acerca do seu respeito ou não pela Constituição, mas não basta vir aqui dizer que o propósito é esse. Nós temos de saber os mecanismos que vão ser utilizados para também fazermos o nosso próprio juízo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, relativamente a uma das questões que coloquei não obtive resposta. Falo daquela que se referia ao problema dos chamados crimes de «colarinho branco», os grandes crimes, e aos tipos das iniciativas legislativas que o Governo pensa levar por diante a partir do que está contido nesta proposta de lei, no sentido de cominar mais gravemente, ou, pelo menos, adequadamente, esse tipo de crimes.
Quanto ao problema da droga e dos seus consumidores, como o Sr. Ministro sabe, o consumo de droga é hoje, de certo modo, severamente penalizado. A pena pode ir até 2 anos de prisão, mas em muitos casos, em muitos tribunais, esta pena não é aplicada. Ora isso acontece por razões que se prendem com questões bem conhecidas: por um lado, o que são os estabelecimentos prisionais e o que significa, sobretudo para os consumidores mais jovens, faze-los entrar nesses mesmos estabelecimentos prisionais; por outro lado, face â progressiva (e não estou a apoiar essa tese, mas ela existe) desvalorização pública do consumo de droga em sentido estrito.
Perguntava-lhe, portanto, quando o Sr. Ministro referia que o seu pensamento vai no sentido da penalização e não da despenalização, se não tem em conta este tipo de experiência que os tribunais fazem chegar ao nosso conhecimento e se não admite que normas que, por natureza e por definição, a prática vai rejeitando (e não são aplicadas), acabam por desvalorizar a dignidade do direito substantivo e se, nessa medida, se deve ou não optar por soluções diferentes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, prescindo da intervenção, transformando-a em declaração de voto a efectuar após a votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para uma intervenção, o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de exprimir algumas reflexões sobre a forma como este debate tem decorrido e sobre a autorização legislativa que lhe está subjacente.
Em primeiro lugar, não é esta a imagem que temos de um debate sobre uma autorização legislativa. O Sr. Ministro da Justiça teceu simples considerações, isto é, as que entendeu pertinentes sobre matérias da sua pasta. Os Srs. Deputados que puderam fazer perguntas fizeram-nas, e sobre matérias diversas. Aliás, a isso convidava a amálgama de assuntos que a autorização legislativa tinha.
O Sr. Ministro insistiu várias vezes que não podia antecipar soluções aqui, omitiu a resposta a determinadas questões que lhe haviam sido formuladas e foi conciso em relação a outras.
No entanto, alguém que vem aqui, em nome do Governo, pedir uma autorização legislativa, com a pluralidade de matérias que são abrangidas por esta, não pode, ou pelo menos não deve, usar desse estilo informativo perante a Assembleia da República, estilo esse

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que deixa em aberto praticamente tudo aquilo que foi suscitado.
Diria que é uma intervenção mais própria de um debate do Programa do Governo em matéria de justiça - debate esse que não houve, pois não chegámos a discutir nada sobre isso nesta Assembleia, uma vez que o Sr. Ministro não fez qualquer intervenção sobre as matérias da sua competência - do que de um debate de autorização legislativa.
Esta intervenção seria própria nessa sede. As considerações seriam, porventura, pertinentes para explicitar um programa de acção legislativa, mas são excessivamente vagas para poderem fundamentar um pedido de autorização, o qual deve obedecer, constitucionalmente, a determinados requisitos.
A segunda nota que me impressiona, pelo menos na parte em que os trabalhos parlamentares não me impediram de assistir à intervenção do Sr. Ministro, é a sua atitude ou postura em face das questões que lhe são colocadas.

Diria que o Sr. Ministro vem de longe. Todavia, todos sabemos que a situação criada no plano da justiça pelo seu antecessor é uma situação complexa. 15to é, V. Ex.ª encontrou no seu Ministério - já teve tempo, certamente, de se aperceber disso - como encontrámos todos nós, os leitores do Diário da República, os deputados e os cidadãos, situações criadas pela acção legislativa do anterior Governo e, em particular, pela acção do responsável pela pasta da justiça.

Ouvi o Sr. Ministro «semear» elogios a essa acção, o que lhe permite averbar o record da delicadeza. No entanto, em relação a esta autorização legislativa, deixa em aberto várias questões que eu gostaria, neste momento, de equacionar.

Primeira questão: é surpreendente que se venha à Assembleia da República nesta altura do ano pedir autorização sobre o que é o programa de acção legislativa do Ministério da Justiça para toda uma legislatura, em princípio.

De facto, contemplando as matérias para as quais o Sr. Ministro pede autorização para legislar, vamos encontrar quase 7, 8 ou 9 décimos do programa de acção legislativa que está enunciado no Programa do Governo. O que é que falta? Falta pedir autorização para regular também o acesso ao direito? Falta, como aqui foi sublinhado por um senhor deputado, porventura, autorização para rever a lei das sociedades comerciais? O que é que falta? Falta pouco mais, Sr. Ministro.

15to é o segundo record averbado, na medida em que a amálgama de matérias, como ficou aqui patentemente demonstrado, é chocante em si mesma.

Em segundo lugar, saliento a desigualdade de relevo e urgência das matérias. Há matérias que têm carácter institucional, com enorme transcendência e gravidade, devendo o Governo só vir à Assembleia pronunciar-se sobre elas munido de articulados. Nunca antes e nunca com alusões a expressões vagas sobre as quais diz que depois atempadamente, quando estudar o dossier, vai concretizar.
A regra estudar primeiro o dossier e depois vir propor continua a parecer-nos ser a melhor regra e porventura, a única desejada para a acção legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, refiro-me à obscuridade das intenções legiferantes que ficou patente ao longo das explicações aqui produzidas.
Em terceiro lugar, saliento o quase absurdo pedido do Governo no sentido de obter autorização para legislar no prazo de 120 dias. 15to é, quando a Assembleia da República estiver aberta, a funcionar e plenamente disponível para apreciar propostas de lei materiais, o Governo poderá ainda estar a exercer os poderes quê lhe serão conferidos por esta autorização legislativa.

Permita-me que lhe diga, Sr. Ministro, que isto é um absurdo e contrasta cem as regras do saudável relacionamento entre o Parlamento e o Governo, e reciprocamente.

Na altura em que esta proposta de autorização legislativa deu entrada interrogámo-nos sobre as razões que poderiam motivar isto e só encontrámos algum fundamento, alguma explicação que não uma justificação política, no facto de V. Ex.ª encontrar, à partida, uma situação extremamente enredada, complexa e cheia de «nós cegos» no Ministério da Justiça.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Concretizaria, por exemplo, com o Código Penal. O Sr. Ministro teceu um elogio global ao monumento jurídico que um código penal sempre é, e este é um Código Penal, novo, o que, em si mesmo, é um significado. No entanto, não se pode esquecer a maneira como ele foi aprovado e como foi obtida a autorização legislativa para o emanar aqui na Assembleia da República, isto é, expeditamente e sem debate suficiente.

Não se pode deixar de lamentar o processo que ignorou, por completo, a participação daqueles que eram os mais directos interessados na sua aplicação.
Não se pode esquecer que as principais críticas formuladas durante o brevíssimo debate parlamentar ficaram sem eco algum no articulado do novo Código Penal.

Não se pode esquecer que a forma como ele entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 1983 originou uma monumental confusão, que só o bom senso de ambas as Magistraturas e dos funcionários de justiça portugueses não permitiu que se transformasse numa confusão completa.
Não se pode esquecer que estão em aberto, nesta Assembleia e neste momento, todas estas questões relacionadas com o conteúdo do Código Penal.

O meu partido, designadamente, requereu a apreciação, em sede de ratificação, do diploma que, ao abrigo da autorização legislativa, aprovou o Código Penal.

Todavia, o Governo vem, mesmo assim, anunciar aqui que vai legislar sobre matérias que constam obrigatoriamente do Código Penal, à margem da sede própria, à margem e com a ignorância do facto de o diploma estar aqui para apreciação em sede de ratificação.

Qual é o significado disto? É o da urgência do combate à corrupção? Então o que é que impedia o Governo de vir aqui, com o articulado presente do Código Penal, que deve contemplar esta matéria, debater com os deputados essas matérias depois de ouvidos os outros

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sectores interessados, através dos seus representantes? Quanto a nós, nada impedia que isso se fizesse.

Nada disto foi tido em conta e o Sr. Ministro pede para levar para férias uma autorização legislativa para em casa rever, nestes pontos que o Código Penal toca, esse mesmo Código, porque não o pode fazer directamente.

Quanto ao Código de Processo Penal, digo exactamente a mesma coisa. Sabe-se que, ao abrigo da autorização legislativa, o Governo anterior pôde aprovar um diploma que altera em vários aspectos de pormenor o Código Penal até então vigente.

Sabe-se que essa revisão tem carácter limitado. Sabe-se que o antecessor do Sr. Ministro teve ocasião de encomendar a um ilustre magistrado a elaboração de um novo código penal que V. Ex.ª certamente encontrou entre os dossiers do seu Ministério.
Esse novo código penal seria a oportunidade para fazer uma revisão global que os mais diversos sectores - e nós incluídos - consideram absolutamente necessária e imprescindível, para obstar a confusões que prejudicam a administração da justiça.

Pois bem, era, e é, a Assembleia da República a sede própria para fazer essa revisão. Como é possível conceber que se peça uma autorização para emanar o novo código de processo penal ou para fazer alterações avulsas - não se sabe - numa matéria que envolve aspectos tão melindrosos como aqueles que foram focados pelos meus camaradas e que ficaram sem resposta?

Veja-se, por exemplo, que o articulado que o antecessor de V. Ex.ª lhe legou prevê a transferência de parte substancial dos actos instrutórios para as polícias.

O Sr. Ministro, airosamente, nas respostas que não deu aos meus camaradas, pura e simplesmente, ladeou esta questão. No entanto, quando se fala de revisão do Código de Processo Penal, é impossível deixar de considerar uma questão tão fulcral como esta.

O Sr. Ministro acaba de demonstrar que é possível vir à Assembleia da República, a poucos dias do Verão, fazer calmamente uma alegação geral sobre a problemática processual penal, ignorar perguntas feitas pelos deputados com carácter muito preciso e, seguidamente, ir para casa com a autorização legislativa no «bolso» para fazer um código de processo penal que ninguém sabe o que é, como será, que contornos e sentido é que terá, que inovações é que contém, como é que respeita a Constituição, como é que tem em conta o legado do seu antecessor, que em certos aspectos é negativo, etc., etc. Perguntamos: como é que isto é possível?
Em relação à famosa problemática da droga, digo a mesma coisa. O antecessor do Sr. Ministro teve ocasião de aprovar, por decreto-lei, uma série de medidas nesta matéria: fundiu, reestruturou, extinguiu, abriu centros, ordenou a elaboração de planos, etc., etc.
O Sr. Ministro chega aqui com ares de quem chegou de novo e, pura e simplesmente, com o alheamento de tudo o que antes tinha sido feito, diz que é inteligente e necessário fazer três coisas: primeiro rever, segundo punir e terceiro prevenir.
Sem dúvida que é justo dizer isso. Toda a gente diz isso. Qualquer pessoa é capaz de dizer isso, em rigor, sobre essa matéria.

O que, no entanto, gostaríamos de saber quais são concretamente as medidas que, tendo em atenção o que foi feito antes, o Sr. Ministro pretende emanar. 15so não o ficámos a saber.
O Sr. Ministro vem pedir várias coisas. Curiosamente não se refere à única questão que toda a gente julgaria que viria aqui colocar. Todos sabemos que a lei de revisão constitucional fixou um prazo imperativo para a revisão das leis judiciárias e dos estatutos dos magistrados e que esse prazo imperativo está esgotado. Ora, essa matéria foi inteiramente omitida no discurso que o Sr. Ministro produziu.

Sabemos que o ex-ministro Meneres Pimentel teve ocasião de negociar ou de discutir, de revelar articulados que inspiravam fortes preocupações aos magistrados, quer em relação ao Estatuto dos Magistrados judiciais, quer em relação ao Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, quer em relação à própria Lei Orgânica dos Tribunais judiciais.
Sabemos que o ex-ministro Meneres Pimentel não incluía na revisão do estatuto dos magistrados a revisão do estatuto dos magistrados dos tribunais não judiciais. O Sr. Ministro, surpreendentemente, nem se refere a esta matéria.

Quer isto dizer que o Sr. Ministro não considera esta prioridade, que decorria, aliás, de uma norma constitucional, suficientemente relevante para se referir a ela no discurso que fez quando, pela primeira vez, veio à Assembleia da República pronunciar-se sobre matérias da sua pasta? Permita-me que lhe diga não o compreendemos.

Finalizando, acreditamos que a forma que o Governo escolheu para vir a esta Assembleia tratar de matérias da sua pasta é a menos indicada. Não tem em conta os requerimentos de ratificação que estão pendentes e não tem em conta a metodologia que tem sido seguida, positivamente, nesta matéria, isto é, a de chamar à Assembleia da República representantes das associações dos magistrados, de diversos tipos, dos advogados, etc., e trabalhar em conjunto, em comissão, como se fez para o Código de Processo Civil.
O Sr. Ministro anuncia até que vai suspender as alterações que aqui foram aprovadas por unanimidade na passada legislatura. 15to é, o Governo escolhe uma metodologia que exclui aquilo que, apesar de tudo, de melhor se conseguiu produzir nesta matéria nestes últimos tempos, vindo aqui pedir autorizações em branco, de uma amálgama indescritível, e não definindo o seu sentido nas intervenções que fez.

A nossa posição face a isto não pode ser senão a da mais veemente discordância em relação à metodologia seguida e a da reafirmação de que é aqui, na Assembleia da República, em torno dos processos de ratificação que estão pendentes, em torno de propostas de lei materiais ou em torno de projectos-leis dos deputados, que se devem fazer as alterações que, na esmagadora maioria, o Sr. Ministro enunciou.
O que em qualquer caso nunca se justificará é que seja pedida uma autorização por 120 dias para o Governo poder legislar sobre toda esta selva de matérias que se prendem com algumas das questões mais fundamentais que a Assembleia da República pode decidir, discutir e votar na sua fase de trabalhos.

O sentido da minha intervenção é, portanto, o de demonstrar o nosso protesto por esta metodologia, que

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exprimiremos adequadamente, através do sentido do nosso voto.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 20/III.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: V. Ex.ª brindou-nos hoje, aqui, com uma brilhante interpretação do artigo 168 º, n.º 2, da Constituição, no que consideramos ser um esforço louvável para dar alguma coerência à posição do Governo e para lhe dar alguma razoabilidade. ' E louvável esse esforço. Fica registado com esse sentido.
Simplesmente, embora esta noite a Câmara tenha parecido uma assembleia de juristas, o problema não é jurídico, é político.
Aquilo a que assistimos da parte do Governo, face a uma norma que na sua formulação é mais exigente depois da revisão constitucional, é uma prática menos rigorosa do que aquela que vinha sendo seguida. O Governo está a seguir a prática de não juntar aos pedidos de autorização legislativa os projectos de diploma que tenciona publicar na utilização das autorizações que lhe vão ser concedidas ou que vem pedir à Câmara. 15so não o podemos admitir.
Aliás, por muito esforço que esteja a fazer, o Governo não está a conseguir dar-nos uma ideia clara do sentido das autorizações que aqui vem para as várias intervenções que aqui se fizeram tornam isso mais ou menos claro neste longo debate desta noite.
Por isso nos abstivemos; por isso nos vamos abster na votação na especialidade desta lei. É esse o sentido do nosso voto. É essa a nossa coerência neste conjunto de debates que temos vindo a fazer.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Gostaria de formular uma curta declaração de voto para dizer que, ao receber esta proposta, a nossa intenção inicial era votar contra. No entanto, consideramos sérias as explicações dadas pelo Sr. Ministro. Entendemos por isso dever dar o benefício da dúvida. Daí a nossa abstenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso voto contra é o corolário óbvio de tudo quanto dissemos no decurso do debate e resulta da falta de clarificação, por parte do Governo, das dúvidas que suscitámos, dos problemas que levantámos e das diferentes questões que fomos colocando.
A circunstância de termos sido, senão a única, uma das raras bancadas que durante este debate se não furtou ao confronto de ideias e de opiniões com o Governo e com esta Câmara dá-nos toda a legitimidade para, no plano democrático e no plano político, assumir a posição que assumimos.
E significativo o silêncio da maioria neste domínio e é-o porque releva de concepções da democracia e de funcionamento do Parlamento que são, na realidade, bem diferentes daquelas de que vamos dando prova sistematicamente.
No seguimento da posição de voto agora assumida pela bancada do PCP, desde já declaramos, também, ser óbvio que não votaremos diferentemente qualquer das alíneas, dos números e dos artigos que se vão seguir em sede de especialidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD).- - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Votámos favoravelmente esta proposta de autorização não só pela sua fundamentação escrita, mas essencialmente pela fundamentação e clarividente exposição aqui feita, serena e lucidamente, pelo Sr. Ministro da Justiça, a quem a minha bancada quer prestar homenagem pela disponibilidade de vir aqui explicar muito claramente, sem reticências nem subterfúgios, inclusivamente dificuldades que há na delimitação de fronteiras entre a definição ou a tipificação de certos delitos.
Com toda a seriedade o Sr. Ministro disse aqui, com clareza, qual a sua disponibilidade, sem querer que a Câmara lhe passasse qualquer «cheque em branco», dado o melindre da questão. Por isso o sentido do nosso voto foi afirmativo.
De facto, o sentido desta proposta de autorização está sobejamente expresso no próprio articulado e muito claramente no seu artigo 4.º Cremos que sobre as várias matérias não foi violada a Constituição, contrariamente ao que aqui tem sido dito.
É espantoso que se diga que este debate foi um debate entre juristas e se acrescente que devia ser um debate político, para se acabar por dizer que se violou um artigo da Constituição. 15to é uma incoerência. De facto, não se pode invocar uma inconstitucionalidade se não se estiver a tratar de um problema jurídico.
Surpreende-nos muito, por isso, a posição do Sr. Deputado Nogueira de Brito quando disse que há aqui uma inconstitucionalidade e que isto devia ser um debate político e não um debate jurídico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à matéria de fundo, ela foi aqui exaustivamente tratada por um meu companheiro de bancada, o Sr. Deputado Costa Andrade, que tem nesta matéria, efectivamente, uma autoridade que é

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indesmentível e que já tinha aqui sido definida, muito claramente, aquando da impugnação.
Ele deixou aqui bem concretizada a sua posição e a posição da bancada do PSD sobre o problema dos vários tipos de delitos, designadamente dos delitos económicos e do seu melindre, tendo entrado, inclusivamente, no campo, aliás esplendidamente bem defendido, dos ilícitos de mera ordenação social.
Estes são, na nossa óptica, por vezes, certos delitos antieconómicos, os quais não são só, ao contrário do que aqui pairou nesta Câmara, aqueles que têm a ver com géneros, com alimentos ou coisa que o valha. Há delitos económicos de tanta natureza que, em termos de eficácia e de combate à corrupção, muitos devem ser tratados como meros delitos de contra-ordenação.
Por outro lado, e para finalizar esta curta declaração de voto, há que considerar, efectivamente, esse aspecto do tráfico de influências e da corrupção.
Este pedido de autorização legislativa mostra a clarividência de V.Ex.ª e a sua preocupação quanto a aspectos que são fundamentais e que são um autêntico flagelo actualmente na nossa sociedade. 15to passa-se quer no campo económico, quer no social (caso da droga), quer no da corrupção, do tráfico de influências, etc.
Mas, Sr. Ministro, há um aspecto que nos parece, e me parece a mim, fundamental. E o problema de, frequentemente para se poder apurar com clareza a corrupção e o tráfico de influências, ser preciso que os chamados co-autores e os cúmplices tenham, por vezes, um tratamento bastante diferenciado para que não passem eles a encobridores, impedindo-nos de detectar e apurar os verdadeiros corruptos e os verdadeiros traficantes de influências.
E uma chamada de atenção que, estou certo, o Sr. Ministro não deixará de ter presente quando tiver o pesado encargo de ponderar a legislação que vai proferir.
O nosso voto, por isso, é indiscutível e confiadamente favorável, na certeza de que a legislação que vai proferir será correcta. Mas também não abdicaremos nunca - se entendermos que não é correcto - de, nós próprios, trazermos aqui um pedido de ratificação para que então, aqui nesta Câmara, possamos analisar ponderadamente qualquer aspecto que consideremos menos correcto.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação na especialidade da proposta de lei n.º 20/III.
Vai ser lido o artigo 1.º

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Meiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, suponho que a esta hora - e não é por a hora já ser tardia - todos sabemos exactamente quais são os artigos que vão ser votados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ontem perdemos muito tempo para nada. Para nem ao menos sabermos o que vamos votar. Por isso, pedimos a dispensa da leitura dos artigos.

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo oposição, assim se fará.
Srs. Deputados, está em discussão o artigo l.º

Pausa.

Como não há inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do CDS e do MDP/CDE.

É o seguinte:

ARTIGO 1.º

É concedida ao Governo autorização legislativa para alterar os regimes em vigor, tipificando novos ilícitos penais e contravencionais, definindo novas penas, ou modificando as actuais, tomando para o efeito, como ponto de referência, a dosimetria do Código Penal, nas seguintes áreas:

a) Em matéria de infracções antieconómicas e contra a saúde pública;
b) Em matéria de delitos de corrupção, tráfico de influências e outras fraudes que ponham em causa a moralidade da Administração Pública;

c) Em matéria de consumo e tráfico ilícito de drogas;

d) Em matéria de responsabilidade dos membros dos órgãos do Estado, dos agentes da administração central, regional e local e dos órgãos das empresas do sector empresarial do Estado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o artigo 2.º

Pausa.

Uma vez que não há inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS, da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do CDS e do MDP/CDE.

É o seguinte:

ARTIGO 2.º

É o Governo igualmente autorizado a alteras o regime jurídico das contra-ordenações, seus processos e sanções, previstos, designadamente, no Decreto-Lei n.º 191/83, de 16 de Maio, e no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, para o qual aquele remete.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o artigo 3.º

Não havendo inscrições, vamos passar à votação.

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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDl, votos contra do PCP e abstenções do CDS e do MDP/CDE.

É o seguinte:

ARTIGO 3º

E ainda o Governo autorizado a alterar a legislação processual penal em vigor, a fim de a adequar ao novo Código Penal e de tornar mais eficiente e mais célere a instrução criminal, a acusação e o julgamento dos delinquentes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 4 º

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do CDS e do MDP/CDE.

E o seguinte:

ARTIGO 4 º

O sentido das autorizações constantes dos artigos anteriores é:

a) Quanto às infracções antieconómicas e contra a saúde pública, a obtenção de maior celeridade e eficácia na prevenção e repressão deste tipo de infracções, nomeadamente actualizando o obsoleto regime em vigor;
b) Quanto aos delitos de corrupção, tráfico de influências e outras fraudes que ponham em causa a moralidade da Administração Pública, bem como a efectivação da responsabilidade dos agentes públicos, combater em geral a fraude e moralizar os comportamentos, efectivando a responsabilidade penal e civil dos agentes administrativos em adequação ao grau da sua responsabilidade funcional;
c) Quanto ao consumo e tráfico ilícito de drogas, actualizar o regime em vigor, à luz da experiência interna e externa comparada, adequando a definição dos meios preventivos, dos ilícitos e da sua repressão à gravidade de que o fenómeno presentemente se reveste;
a) Quanto aos ilícitos de mera ordenação social, uma maior adaptação da sua regulamentação às novas realidades sociais e económicas, tendo em atenção o movimento de descriminalização de determinado tipo de infracções, às quais não deve ser conferida dignidade penal;
e) Quanto ao processo penal, enquanto não é possível publicar o novo Código, adequar a actual legislação aos preceitos substantivos do Código Penal, simplificar a tramitação de instrução criminal, a acusação e o julgamento dos delinquentes, sem prejuízo dos direitos fundamentais e garantias dos arguidos e da verdade material.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, para que efeito se inscreveu? .

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É para uma curtíssima declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para uma declaração de voto para explicar ao Sr. Deputado Marques Mendes que o CDS não levantou aqui qualquer problema de inconstitucionalidade.
O Sr. Deputado deve, com certeza, ter ouvido mal o que o CDS aqui disse.

O que o CDS aqui levantou foi, apenas, um problema político é não um problema de inconstitucionalidade.

Vozes do PSD: - E da hora!

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Mendes, para que efeito está a pedir a palavra?

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Para uma declaração de voto, Sr. Presidente. E que eu pretendo responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr: Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Em primeiro lugar, quero dizer que lamento ter de usar esta figura regimental para responder ao Sr. Deputado.

Mas, Sr. Deputado Nogueira de Brito, suscitar o problema da errada aplicação do artigo 168 º da Constituição e, para mim, suscitar um problema de inconstitucionalidade. Logo, suscitar um problema de inconstitucionalidade é uma questão jurídica e o Sr. Deputado suscitou-o, como podemos constatar dos registos, isto é, do Diário da Assembleia da República.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Não pode, não. Está enganado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como mais ninguém pede a palavra para declaração de voto, ponho à discussão o artigo 5 º
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do CDS e MDP/CDE.

E o seguinte:

ARTIGO 5.º

A presente autorização legislativa caduca se não for utilizada dentro do prazo de 120 dias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à discussão do artigo 6 º

Pausa.

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Uma vez que não há inscrições vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do CDS e MDP/CDE.

É o seguinte:

ARTIGO 6.º

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global da proposta de lei n.º 20/III.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP e abstenções do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de encerrar a sessão queria comunicar, a propósito da reunião dos presidentes dos grupos parlamentares, que eu poderia faze-la às 11 horas e 30 minutos se 2 dos Srs. Vice-Presidentes estivessem disponíveis para me substituírem em compromissos anteriores.
Portanto, só amanhã, pelas 10 horas e 30 minutos, poderei confirmar a hora da reunião. No entanto, se a reunião não se puder efectuar às 11 horas e 30 minutos, terá de ser realizada às 10 horas e 30 minutos.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo em conta bastantes sugestões nesse sentido, peço para que a sessão de amanhã se inicie
às 10 horas e 30 minutos, e não às 10 horas.

Vozes do PSD: - As 1l horas, Sr. Presidente.

O Orador: - Sr. Presidente, há vozes que reclamam 11 horas. Talvez, então, pudéssemos começar às 10 horas e 45 minutos.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há consenso, fixo a hora de início dos trabalhos nas 10 horas e 30 minutos, desejando que os Srs. Deputados sejam pontuais.
Antes de encerrar a sessão, cumpre-me informar que deram entrada na mesa e foram admitidos os seguintes diplomas: projecto de lei n .O 192/III, subscrito pelo Sr. Deputado António Lopes Cardoso e outros deputados da UEDS, sobre a Lei da Radiodifusão Sonora; projecto de lei n.º 191/III, subscrito pelo Sr. Deputado Angelo Correia, do PSD, sobre o tempo de serviço dos oficiais do quadro de complemento da Guarda Nacional Republicana, Guarda Fiscal e Polícia de Segurança Pública; projecto de lei n.º 190/III, subscrito pelos Srs. Deputados Horácio Marçal e Bagão Félix, do CDS, sobre a criação da freguesia da Borralha, no concelho de Águeda; e proposta de lei n.º 34/III, sobre a transferência de verbas, com dispensa do disposto no artigo 20 º da Lei n.º 64/77, de 26 de Agosto, até ao montante global de 5 milhões de contos.
Srs. Deputados, a sessão de amanhã terá início às 10 horas e 30 minutos com a seguinte ordem de trabalhos: da primeira parte da ordem do dia consta: a apreciação do recurso interposto pelo PCP do despacho que indeferiu o pedido de agendamento da discussão do processo de urgência para o projecto de lei n.º 3/III - extracção e comercialização da cortiça de prédios rústicos sujeitos a medidas da Reforma Agrária; apreciação do recurso apresentado pelo PCP relativamente ao despacho que indeferiu o pedido de agendamento da discussão do processo de urgência para o projecto de lei n.º 4/III - criação do município de Vizela; apreciação do recurso interposto pelo PCP sobre a admissibilidade da proposta de lei n º 34/III - autoriza o Governo a efectuar transferências de verbas, durante o ano de 1983, com dispensa do disposto no artigo 20 º da Lei n.º 64/77, de 26 de Agosto, até ao montante global de 5 milhões de contos.
Na segunda parte vão ser apreciadas as seguintes propostas de lei: proposta de lei n º 2l/III - revisão da orgânica dos tribunais administrativos e fiscais e processos respectivos; proposta de lei n.º 33/III ilícitos criminais ou contravencionais e autorização para a definição das correspondentes penas e para as dosear; proposta de lei n.º 23/III - criação de uma taxa municipal de transportes destinada ao funcionamento dos transportes colectivos, urbanos e suburbanos, em municípios, associações e federações de municípios cuja população seja igual ou superior a 50 000 habitantes; proposta de lei n.º 25/III - concessão de empréstimos e outras operações de crédito activas, de prazo superior a 1 ano, até ao limite de 60 milhões de contos; proposta de lei n.º27/III - celebração com o Federal Financing Bank de um contrato de empréstimo até ao montante de 40 milhões de dólares, para aquisição de material e equipamento de defesa proveniente dos Estados Unidos da América; proposta de lei n.º 32/III - concessão, em nome e representação do Estado Português, de um empréstimo à República da Guiné-Bissau; proposta de lei n.º 28/III - revisão do Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, e legislação complementar (Estatuto das Empresas Públicas); proposta de lei n.º 30/III sistema de unidades de medida, benefícios e incentivos fiscais à modernização industrial e à pesquisa de petróleo; e, finalmente, proposta de lei n.º 29/III:

Alteração do regime fiscal dos tabacos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Pedi a palavra porque pretendo interpelar a Mesa acerca da agenda que o Sr. Presidente acaba de anunciar para a reunião de amanhã.

Eu proponho à Mesa que seja alterada a ordem anunciada quanto ao recurso interposto, pelo meu grupo parlamentar, ao despacho que indeferiu o pedido de agendamento da discussão do processo de urgência para o projecto de lei n.º 3/III, ficando em primeiro lugar o projecto de lei que visa a criação

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do concelho de Vizela e em segundo lugar o nosso projecto de lei relativo à extracção e comercialização da cortiça (projecto de lei n.º 3/III).
E a razão desta interpelação reside no facto de m pedido de urgência em relação ao concelho de Vizela ser bastante mais antigo que o outro, pois entrou no dia 30 de Junho e só obteve despacho do Sr. Presidente no dia 12 de Julho. Parece, pois, que essa razão é suficientemente boa - a de ser mais antigo esse pedido de urgência - para o recurso ser discutido em primeiro lugar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sugiro-lhe que proponha essa alteração à ordem de trabalhos, no início dos trabalhos de amanhã, uma vez que, nesta altura, não é possível dar seguimento ao que requereu.

O Sr. Carlos Brito (PCP) : - É possível, Sr. Presidente, porque é lógico e tem fundamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, essa alteração terá de ser votada e não há quorum para votação.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não tem de ser votada e é por isso que estou a, levantar agora a questão.
Se for levantada amanhã, então, sim, terá de ser. votada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpará, mas tem de ser votada, uma vez que a ordem do dia para amanhã já foi lida e, portanto, estabelecida.
Pessoalmente, não tenho opinião a dar. O problema é que não vejo possibilidade de, nesta ocasião, se fazer a alteração pedida.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta ordenação dos pedidos de urgência ficou a dever-se a lapso, da Mesa, que, certamente, não teve em conta que o pedido de urgência em relação ao concelho de Vizela era mais antigo que o outro.
Basta, pois, que o Sr. Presidente declare que essa indicação foi um lapso para que o incidente fique sanado.
De outro modo, direi que, quando o Sr. Presidente anunciou a ordem de trabalhos, também já não havia quorum.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu estou a olhar para os recursos e tenho uma indicação escrita em ambos do seguinte teor: entrada na Mesa às 12 horas e 15 minutos.

Vozes do PCP: - Escolheu-se um!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, os dois recursos entraram simultaneamente?

O Sr. Presidente: - Entraram simultaneamente e escolheu-se um, pois entraram no mesmo momento.

Vozes do PCP: - Escolheu-se um!

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado tivesse posto o problema antecipadamente, sabendo que ambos iam ser agendados para amanhã, e tivesse dito à Mesa que preferia que a ordem fosse a que referiu, a Mesa não teria dúvida nenhuma em fazê-lo. Mas, agora, não considero possível dar satisfação ao seu pedido.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, creio que é esta a boa altura para sanarmos o incidente.
Eu não podia prever ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado crê que é a boa altura, mas eu não creio. E penso que não é possível dar seguimento ao seu pedido com uma dúzia de deputados presentes na Sala, uma vez que foi acabada de ler a ordem de trabalhos para amanhã.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, eu registo que a ordem de trabalhos foi lida quando já não havia quorum.

O Sr. Presidente: - Não, não. Não tinha que ser vetada e quando foi lida ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Já não havia quorum de funcionamento, Sr. Presidente.

E, se não é assim, vamos fazer a prova. E só agora que se pode fazer a prova ...

Vozes do PS: - Já foi lida.

O Orador: - Eu aprovo que não há quorum de funcionamento e vamos criar mais um incidente, uma vez que a Mesa não tem boa vontade para resolver o problema.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não há Assembleia amanhã porque não há ordem do dia.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - A verdade é que não há quorum. A ordem do dia foi anunciada sem quorum.
É assim que o Sr. Presidente quer que a gente trate as coisas?!

O Sr. Luís Saias (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Saias, para que efeito pediu a palavra?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não é votada! Não é votada!

O Sr. Luís Saias (PS): - Pedi a palavra para me pronunciar sobre este incidente que acaba de ser levantado.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Saias (PS): - No que diz respeito à sequência das matérias, que é o que o Sr. Deputado Carlos Brito pretende que seja alterado, existe a disposição do artigo 66 º, n.º 2, do Regimento que diz que a sequência das matérias fixadas - e foram fixadas - para cada reunião pode ser modificada por deliberação da Assembleia.
Portanto, é a Assembleia que pode deliberar.
Quanto ao problema que levanta de não haver quorum de funcionamento, penso que não tem de haver

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quorum de espécie nenhuma para ser anunciada a ordem de trabalhos, que é determinada pela Mesa.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Tem, tem!

O Orador: - E este o nosso ponto de vista.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Oh Sr. Deputado, é o vosso ponto de vista, mas é mau. Caramba, não caia nisso! É um mau ponto de vista. A Assembleia tem de ter quorum para funcionar.

O Orador: - Oh Sr. Deputado, porque é que o seu ponto de vista há-de ser melhor que o meu, se ao menos o meu tem o apoio do Regimento e o seu apenas tem o apoio da sua vontade?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Mas não basta ler o Regimento em qualquer página. Leia-o onde fala de quorum e vai ver que há um quorum para a Assembleia funcionar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, quando se começou a leitura da ordem de trabalhos para amanhã ...

O Sr. Carlos Brito (PCP). - Eu pedi logo a palavra.

O Sr. Presidente: - Dá-me licença que lhe dê esta explicação?
Quando se começou a ler a ordem de trabalhos havia quorum na sala.

Vozes do PS: - Havia quorum.

O Sr. Presidente: - E evidente que, à medida que se foi lendo a ordem de trabalhos, houve muitos Srs. Deputados que abandonaram a Sala. Mas isso não significa, em meu entender, que o facto de se ter chegado à última alínea da ordem de trabalhos - e talvez então já não existisse .quorum - se possa pôr em causa a ordem de trabalhos que foi lida, uma vez que começou a ser lida com o número suficiente de deputados e não tinha de ser votada.
Quando terminou a leitura da ordem de trabalhos, E possível que já não houvesse quorum, mas isso não anula a ordem de trabalhos anunciada.
O Sr. Deputado pretende alterar a ornem, a sequência ...

O Carlos Brito (PCP): - Só isso, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente:- ... mas isso é perfeitamente anti-regimental numa altura destas, em que há duas dúzias de deputados, se tanto, aqui na Sala.
Amanhã de manhã, logo no início dos trabalhos, o Sr. Deputado propõe essa alteração. E, repito, propõe essa alteração - havendo quorum de votação, evidentemente - e a Assembleia decidirá.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, só uma observação final.
Estava inteiramente nas mãos do Sr. Presidente, quando fiz a observação, ter aquiescido e ter alterado a ordem de trabalhos.

Não tinha nada de anti-regimental e estava nas suas mãos alterá-la. Mas o Sr. Presidente não entendeu assim. Está criado um incidente, pois está provado que, neste momento, não há quorum.
Nós vamos reflectir sobre a maneira como iremos dar continuidade a esta questão, mas, desde já, estamos abertos a conversar com o Sr. Presidente e a encontrarmos uma solução.
Todavia, se o Sr. Presidente faz disto uma questão, então nós exigimos que seja feita a contagem de quorum e que seja feito por bancadas.

Vozes do PCP: - Por bancadas, diz bem!

O Sr. Presidente: Não compreendo. O Sr. Deputado quer que faça, agora, contagem de quorum?

Vozes do PCP. - Exacto, exacto!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, ou encontramos uma solução - e eu digo-lhe que está nas suas mãos encontrá-la - ou não há qualquer problema.
O Sr. Presidente pode invocar um lapso - e é um lapso evidente - pois o Sr. Presidente ordenou m agenda dessa maneira, mas podia não a ter ordenado assim. O mais lógico seria ordenar pelo pedido de urgência mais antigo, que é o que respeita ao concelho de Vizela.
Foi isso que nós sugerimos e que entendemos ser uma razão boa, um bom fundamento.
O Sr. Presidente fará ou não desta forma. Não vejo que isso constitua qualquer dificuldade, qualquer problema regimental.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não estão presentes na Assembleia o número de deputados suficientes para se proceder a qualquer acto, digamos, nesta Assembleia. E isso é visível sem necessidade de contagem.
A Assembleia não pode funcionar com o quorum que tem neste momento. Não pode funcionar. Não há, sequer, possibilidade de se fazer qualquer requerimento à Mesa nesse sentido. Neste momento não há quorum - e o Sr. Deputado não contesta isso, com certeza, pois é visível - para se tomar qualquer decisão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Então conta-se por bancadas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tanto faz que se conte por bancadas como sem ser por bancadas. Basta olhai.
Se o Sr. Deputado fizer um requerimento agora, nestas circunstâncias, não haverá quorum para proceder à sua votação. Não há.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Então, não há ordem do dia!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, de qualquer maneira, há uma coisa que posso fazer: é impugnar a ordem de trabalhos.

O Sr. Presidente: - Pode fazer amanhã, sim, senhor.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não, eu digo agora. Posso impugná-la agora.

O Sr. Presidente: - Quer impugnar a ordem de trabalhos? Fica impugnada e discute-se amanhã, Sr. Deputado. Está encerrada a sessão.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

Eram 2 horas e 5 minutos.

Entraram durante u sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José Bento Gonçalves.
José Vargas Bulcão.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.

Centro Democrático Social (CDS)-.

Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Socialista (PS):

Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
José Luís do Amaral Nunes.
José Narciso Rodrigues Miranda.
Luís Abílio da Conceição Cacifo.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

José Silva Domingos.
Mário Júlio Montalvão Machado.

Centro Democrático Social (CDS):

Armando Domingos Lima R. de Oliveira.
Francisco António Lucas Pires.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.

As Redactoras, 15abel Barral - Cacilda Nordeste.

Declaração de voto

Proposta de Lei n.º 7/III - Autoriza o Governo a legislar
sobre práticas restritivas da concorrência

1 - Como, por diversas vezes, os deputados da Acção Social Democrata Independente puseram em relevo no debate do conjunto de propostas de lei de autorizações legislativas solicitadas pelo Governo, o regime das autorizações legislativas é substancialmente diferente após a revisão constitucional.

Com efeito, se é evidente que o sentido fundamental da revisão foi o acentuar da componente parlamentar do regime, tal é particularmente sensível na ênfase posta no acentuar do papel primacial conferido à Assembleia da República como órgão legislativo e órgão legislativo permanente, como sublinha a nova redacção do artigo 177.º da Constituição:

Na verdade, a revisão constitucional recusou o referendo, assim evidenciando recusar outras fórmulas que não de democracia representativa. Estabeleceu que ao Parlamento e à sua capacidade legislativa só algumas matérias estão vedadas [alínea d), artigo 164.º , enquanto que ao Governo é interdito legislar nas matérias absolutamente reservadas à Assembleia (artigo 167.º) e só com autorização pode legislar em relação a um elenco vasto de outras matérias reservadas (artigo 168.º).

Finalmente, não pode o Governo invocar que a Assembleia se encontra encerrada entre 15 de Julho e 15 de Outubro.

É por assim ser que a autorização pressupõe não só um conteúdo preciso, como leva a Assembleia a fornecer ao Governo o enquadramento fundamental, as grandes orientações para a legislação que a Assembleia lhe permita que faça. Por isso, as autorizações precisarão o seu objecto, sentido e extensão (n.º 2 do artigo 168 º da Constituição). Por isso, se compreende mal que a Assembleia abdique de uma sua iniciativa já tomada a favor de posterior iniciativa governamental.

Mas de todo não se entenderá quando o Governo se revela incapaz de justificar o seu pedido, quer em termos de urgência, quer pelo seu conteúdo.
Foi, no entanto, o que aconteceu com a proposta de lei n.º 7/III.

2 - A única justificação para a urgência do pedido de autorização que do debate resultou foi o facto de a Assembleia ainda não ter legislado sobre a matéria. E um argumento que prova demais.

Até, porque de tal responsabilidade não haverá forças políticas isentas, designadamente a actual coligação governamental, mas em especial porquanto, no mesmo prazo, também os sucessivos governos não legislaram.

Acresce que, ainda que discretamente questionado, o Governo não pôde ou soube sequer tornar clara a razão de ser do seu pedido, em confronto com as matérias elencadas no artigo 168.º clã Constituição.

Na verdade, o Governo não adiantou mais hipóteses do que as colocadas pelo deputado Magalhães Mota, e, apesar do auxílio do deputado Costa Andrade, não ficou demonstrado ser no âmbito da punição da ilicitude que o Governo entendia legislar na esfera da competência da Assembleia da República, certo como é que a alínea d) do citado artigo 168 º parece exclusivamente referir-se ao regime geral dos ilícitos de mera ordenação social, e de crimes e penas não se falou.

Quando ao recaírem as questões colocadas na zona do estatuto das empresas públicas, o silêncio do Governo e da maioria terá demonstrado, no mínimo, uma falta de reflexão sobre a matéria, que é tratada abundantemente no âmbito do Tratado de Roma e

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sobre a qual urge uma reflexão aprofundada e tomadas de posição consequentes
3 - Também o Governo não esclareceu sequer qual das várias legislações ou sistemas vigentes na CEE lhe serviria de modelo.
Independentemente da bondade da solução, que perfilhamos, acresce que, ao pronunciar-se pelo sistema de «dano efectivo», o Governo se afasta do sistema da CEE (Tratado de Roma, artigo 85.º), visto que aí os acordos ou as práticas concertados são proibidos, envolvendo a sua celebração nulidade de pleno direito e a sua execução infracção punível, isto é, trata-se de um sistema de proibição de dano potencial com controle a posteriori (cf. Alberto Xavier, Subsídios para uma Lei de Defesa da Concorrência, p. 75).
Mais importante é, todavia, assinalar que o Governo não justificou, sequer minimamente, as razões da sua escolha.

Nem é sequer claro como essa opção se concretizará. Na verdade, o Governo revelou ir utilizar uma proposta de lei do anterior Governo, o projecto de lei da ASDI e outros trabalhos e submeter finalmente este cacharolete aos parceiros sociais, de modo a em Setembro (!!!) publicar uma lei sobre defesa da concorrência.
15to é, o Governo não dispõe ainda de ideias que lhe tivessem permitido definir o sentido e extensão da autorização que solicitou. E é ainda sem ter ideias claras que ultrapassa iniciativas legislativas prudentes na Assembleia.
Parece assim que o Parlamento, tendo constatado esta realidade, não deveria deixar de colmatar, por sua iniciativa, a ausência de orientações claras por parte do Governo.
Quando o Parlamento, de quem constitucionalmente o Governo depende, se limita a exprimir o seu apoio ao Governo, mesmo sem saber para quê, a chamada «governamentalização do regime» já se iniciou.

4 - Para além de uma orientação de carácter genérico, transcrita da proposta de lei n.º 94/II, e que definiria, nos termos usuais da CEE (cf. Nicolas Moussi, Les politiques de la Communauté économique européenne, politique de concurrence, p. 347, Dalloz, 1982), os objectivos de tal política, a proposta da ASDI visava acentuar os seguintes aspectos:
a) Consagração de um sistema de dano efectivo, isto é, o sistema adoptado nos pequenos países, como a Dinamarca, a Bélgica, a Holanda ou a Irlanda.
Na verdade, o sistema de dano potencial corresponde a países de estrutura e dinâmica industriais completamente diversas das portuguesas e implicaria à partida a colocação de entraves às alterações estruturais necessárias para que as empresas sejam capazes de enfrentar a concorrência alheia.
Deixar como única alternativa a hipótese de concentrações ou fusões parece, no mínimo, revelar desconhecimento de uma situação que já, como a Lei n.º 2005, Ferreira Dias proeurou, sem o conseguir, colmatar.
A própria CEE tempera a insegurança resultante do sistema mediante o processo de simples apreciação negativa, pela qual os particulares interessados requerem da Comissão a declaração da inexistência de infracção.
Reconhece-se, porém, unanimemente a impossibilidade de, entre nós, fazer vigorar tal sistema, que, como escreve Simões Patrício (in Direito da Concorrência, p. 179), «traduzir-se-ia previsivelmente numa avalanche de pedidos, que a curto prazo, bloqueariam, quer os serviços das direcções-gerais, quer a Comissão de Concorrência, por incapacidade de, em breve espaço de tempo, procederem a uma analise dos acordos e práticas».
Por isso, o sistema de «ano efectivo» se afigura preferível.
No entanto, admiti-se completamente a utilização do critério de dano potencial, desde que as práticas condenadas sejam objecto de enumeração taxativa. É, por exemplo, e ainda, o modelo dinamarquês, quanto aos acordos de preços.
Trata-se de um critério essencial de segurança que afasta a ideia de uma cláusula geral de proibição, com enumeração exemplificativa que norteava a proposta n.º 94/II e que Simões Patrício (op. e loc. cits), manifestamente defende. É o modelo francês, cada vez mais posto em causa e, acima de tudo, fora da realidade da nossa estrutura económica e da nossa administração;
b) Pela mesma atenção à realidade estrutural da economia portuguesa, previa-se a possibilidade de acordos de especialização entre pequenas e médias empresas que lhes permitam economias de escala de outro modo reservadas às grandes empresas, permitindo-lhes concentrar-se num número limitado de produtos, e assegurem complementariedades no mercado nacional e internacional, a cláusula de minimis excluindo do âmbito da nova legislação os acordos sem relevância, os acordos de distribuição exclusiva e os acordos de patentes.
É matéria contemplada na nova legislação comunitária, mas cujos antecedentes podem encontrar-se na jurisprudência comunitária e no Regulamento n.º 2779/72, com as alterações introduzidas pelo Regulamento n.º 2903/77.
Nomeadamente, e no que aos acordos de distribuição exclusiva se refere, haverá que considerar que o normativo constante do Regulamento n.º 19/65, de 2 de Março, reduziu naturalmente o número de acordos considerados como de distribuição exclusiva e fez surgir um novo conceito - o de distribuição selectiva - cuja importância jurídico-económica em Portugal se afigura muito grande, tanto mais que a CEE considera possível a selecção de revendedores, desde que pautada por critérios objectivos e genéricos (localizações dos estabelecimentos, qualidade das instalações, competência e formação do pessoal, etc.) - vide a fundamentação da decisão do Tribunal n.º 26/77, in Recueil, 1977, p. 1873, e os casos Kodak, Saba e Junghans, como também,

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embora de forma menos clara, os casos Omega e BMW (respectivamente no J.O., n.ºs L. 147, de 7 de Julho de 1970, p. 24, L. 228, de 3 de Fevereiro de 1976, p. 19, L. 30, de 2 de Fevereiro de 1977, p. 10, L. 242, de 5 de Novembro de 1970, p. 22, e L. 29, de 3 de Fevereiro de 1975, p. 1);

c) Ao contrário da orientação constante da proposta de lei n.º 94/II, preconiza-se que o julgamento das infracções seja feito com participação dos parceiros sociais.

Na verdade, se é certo que a composição do Conselho ou Comissão Julgadora variará com as funções que lhe forem cometidas, julga-se útil a presença nesse órgão das parceiros sociais.

Não é outra, aliás, a lição do direito comparado;

d) Do mesmo modo se aponta para que antes de qualquer sanção seja «convidada» ou notificada a empresa para pôr termo às práticas consideradas indevidas. É o caso, nomeadamente, da prática seguida na CEE;

e) Finalmente, e deixando de lado o caso dos monopólios comerciais focado no debate, parece assim mesmo indispensável que, na sequência do Tratado de Roma, a lei seja aplicável a todos os sectores económico (cf. Danièle Loschak, Les problèmes posés par la concurrence des services publiques et des activités privées, AIDA, p. 270).

O caso dos monopólios nacionais não poderá deixar de ser equacionado no âmbito das negociações de adesão, e forçoso será que sobre ele existam ideias claras.

Admitindo, no entanto, que não seja objecto da presente lei, pelo menos nesta fase, restarão o problema das empresas públicas presentes no mercado e os problemas concomitantes do comportamento do Estado para com elas, em especial no que concerne à transparência das relações financeiras (veja-se, por exemplo, o confronto entre a possibilidade aberta pelo artigo 222.º do Tratado de Roma e a interdição estabelecida no artigo 92.º do mesmo Tratado).

Assim, a proposta dos deputados da ASDI, implicando também alterações de fundo no seu próprio projecto, estabeleceria para o Governo um quadro bem definido de actuação e directrizes concretas para legislar autorizado pelo Parlamento.
Face ao conteúdo da proposta governamental e ao debate, bem poderá dizer-se que seria este o modo de tornar constitucional, obedecendo ao n.º 2 do artigo 168.º da Constituição, a autorização legislativa.
5 - Todavia, a maioria PS/PSD não pôde discutir a proposta da ASDI tendente a marcar a orientação parlamentar para a legislação do Governo, balizando-lhe a actuação e a dos serviços que vão preparar a futura legislação.
Por outro lado porque o Governo não deixara claro o que pretendia e, apesar disso, a maioria entendia não poder contrariar a vontade ignorada.
O Ministro responsável não estava sequer já presente no hemiciclo.

Daí que o PSD tenha votado contra o que considerava «implícito» na proposta governamental porque era «explícito» na proposta da ASDI ... Ter-se-á votado contra o que se queria, talvez se votasse a favor do que não se deseja.
Por isso, a Assembleia da República autorizou um «cheque em branco» inconstitucional (n.º 2 do artigo 168 º da Constituição), demitindo-se da sua função de órgão soberano.
A política da concorrência resta uma incógnita nas suas grandes linhas, na sua interligação com a política de preços, na definição de um justo equilíbrio entre um liberalismo anacrónico e um dirigismo estiolante.

Por isso, os deputados sociais-democratas independentes recusaram conceder ao Governo uma autorização para legislar nestas condições.

Pelos Deputados da ASDI, Magalhães Mota.

PREÇO DESTE NÚMERO 160$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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