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I Série - Número 17
Sexta-feira, 20 de Dezembro de 1985

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE DEZEMBRO DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto B. da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 Horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da entrada na Mesa de Diversos diplomas.
Em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas (PCP) analisou os resultados das eleições autárquicas realizadas no dia 15 do corrente mês, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado António Capucho (PSD).
O Sr. Deputado Licinio Moreira (PSD) teceu algumas considerações sobre o reinicio do ensino da língua portuguesa em Goa, Damão e Diu.
O Sr. Deputado Agostinho de Sousa (PRD) referiu-se ao II Congresso dos Advogados Portugueses, que se inicia hoje, e à sua importância para a vida judiciária portuguesa, respondendo depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Montalvão Machado e Correia Afonso (PSD), José Manuel Mendes (PCP) e António Vitorino (PS).
O Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE) comentou os resultados das eleições autárquicas e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Mendes Bota (PSD).
A Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha (PCP) alertou a Câmara para a situação laboral dos trabalhadores das instituições particulares de solidariedade social do Algarve.
O Sr. Deputado Costa Carvalho (PRD) abordou vários aspectos relacionados com a política do Governo para a comunicação social, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP).
O Sr. Deputado José Luís Nunes (PS) criticou o Governo pelas demissões e nomeações que se vêm verificando no aparelho de Estado aos mais diversos níveis e respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Mendes Bota (PSD).
O Sr. Deputado Custódio Gingão (PCP), a propósito desta quadra natalícia, saudou os emigrantes portugueses e falou dos muitos e graves problemas que os afectam.
Ordem do dia. - Na primeira parte da ordem do dia deu-se conta da entrada na Mesa de dois projectos de lei.
Foram aprovados um parecer no sentido de autorizar um Sr. Deputado a prestar declarações como testemunha e um relatório e parecer sobre a substituição de deputados do PCP, ambos da Comissão de Regimento e Mandatos.
A Câmara aprovou ainda os n.ºs 9 a 13 do Diário.
Na segunda parte da ordem do dia procedeu-se à discussão conjunta das ratificações n.º 28/IV (PCP), relativa ao Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril - Aprova o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais no uso da autorização conferida pela Lei n.º 29/83, de 8 de Setembro -, e 29/IV (PCP), relativa ao Decreto-Lei n.º 374/84, de 29 de Novembro - Estabelece disposições complementares e regulamenta o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, que, a requerimento do PCP, baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para discussão e aprovação na especialidade.
Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo), os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Correia Afonso (PSD), Magalhães Mota (PRD), Andrade Pereira (CDS), Raul Castro (MDP/CDE) e José Manuel Mendes (PCP).
Iniciou-se a discussão conjunta na generalidade dos projectos de lei n.º 15/IV, do PSD, 24/IV, do PS, e 68/IV, do deputado independente Lopes Cardoso, e da proposta de lei n.º l/IV, todos sobre a Lei da Caça. Intervieram no debate, a diverso título, para além do Secretário de Estado da Agricultura (Joaquim Gusmão) os Srs. Deputados Malato Correia (PSD), Vidigal Amaro e Joaquim Miranda (PCP), Roberto Amaral (PRD), Raul Castro (MDP/CDE), José Frazão (PS), Lopes Cardoso (PS), Lopes Cardoso (Indep.), Soares Cruz (CDS), Custódio Gingão (PCP) e Paulo Campos (PRD).
O Sr. Presidente deu conta à Assembleia de uma carta do Sr. Ministro Adjunto para os Assuntos Parlamentares, acerca do processo de discussão do orçamento suplementar para 1985, e da resposta da conferência dos representantes dos grupos parlamentares à mesma. Sobre o mesmo assunto, o Sr. Deputado Ivo Pinho (PRD), em nome da Comissão de Economia Finanças e Plano, leu uma exposição daquela Comissão.

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.

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Amândio Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro de A. Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo Silva André Moreira.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Russo R. Correia Afonso.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Manuel T. Matos de Vasconcelos.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Filipe Atayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Luis Bonifácio Ramos.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José da Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vasco Manuel Verdasca Silva Garcia.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António Almeida Santos.
António Antero Coimbra Martins.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel de Carvalho F. Vitorino.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Montez Melancia.
Fernando Manuel dós Santos Gomes.
Eduardo Ribeiro Pereira.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Joaquim Jorge de Pinho Campinos.
Jorge Lacão Costa.
José Carlos Pinto B. da Mota Torres.
José Luís i do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Manuel Alfredo Tito dê Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário. Manuel Cal Brandão.
Raúl' Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António Fernando Rodrigues Costa.
António José Fernandes.
António José Marques Mendes.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Bártolo de Paiva Campos.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos S. Pinho.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Pegado Liz.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.

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José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
Jaime Manuel Coutinho G. da Silva Ramos.
José Luís Correia Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo C. da Costa Carvalho.
Maria Cristina G. da S. C. Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel S. Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Amélia da Silva Barros Moura.
José Manuel Antunes Mendes.
José António Brito Apolónia.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Margarida C. Tengarrinha C. Costa.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Borges de Carvalho.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
José Henrique Meireles Barros.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Ruy Manuel Correia de Seabra.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo M. Tengarrinha.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM).
Maria Amélia do Carmo Mota Santos (Os Verdes).

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Abaixo-assinado

Oriundo do Centro Social Paroquial de Oeiras, sobre as tributações das remunerações dos servidores das Instituições Particulares de Solidariedade Social, nomeadamente quanto aos impostos profissional e complementar, referindo para o efeito o Decreto-Lei n.º 9/85, de 9 de Janeiro.
Ofícios
Da Assembleia Municipal de Olhão, enviando fotocópias da moção aprovada por maioria na reunião efectuada no dia 29 do passado mês de Novembro, sobre os recentes aumentos e manifestando o seu apoio às formas de luta que venham a ser desencadeadas. Do Sindicato dos Professores do Norte, enviando exemplares das moções aprovadas em assembleia geral, realizada em Braga no passado dia 27 de Novembro, uma sobre os recentes aumentos dos bens essenciais e a outra solicitando revisão de condições para os professores do 12.º ano.
«Telex»
Da FAMAPO - Fábrica Portuguesa de Máquinas de Costura, S. A. R. L., com sede no lugar de Cavaco, Santa Maria da Feira, solicitando que sejam tomadas medidas que viabilizem a empresa, desde o desbloqueamento de créditos, consolidação de dívidas e apoio técnico do IAPMEI.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os seguintes requerimentos: à Câmara Municipal de Chaves, formulado pela Sr.ª Deputada Maria Santos; à Secretaria de Estado do Ensino Básico e Secundário, formulado pelo Sr. Deputado Armando Vara; à Secretaria de Estado da Cultura, no total de 7, formulados pelos Srs. Deputados José Manuel Mendes e José Magalhães; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Álvaro Brasileiro, Jerónimo de Sousa e Octávio Teixeira; ao Governo, no total de 5, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; à Direcção-Geral das Construções Escolares, no total de 2, formulados pelos Srs. Deputados João Abrantes e Rogério Moreira; ao Ministério das Finanças, no total de 2, formulados pelo Sr. Deputado António Barreto; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Marques Mendes; ao Governo, no total de 2, formulados pelo Sr. Deputado António Sousa Pereira; aos Ministérios da Educação e Cultura e das Finanças, no total de 3, formulados pelo Sr. Deputado Francisco Armando Fernandes; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Bártolo Paiva Campos; ao Governo, no total de 3, formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação ... - desculpem,

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Srs. Deputados, mas este último registo fica sem efeito por não estar aqui a indicação dos Srs. Deputados que formularam o pedido.
Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de resolução n.º 9/IV, da responsabilidade de todos os partidos com assento nesta Assembleia, relativo à Comissão Parlamentar para contactos com as Cortes Espanholas, que foi admitido; projecto de lei n.º 74/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Gonçalo Ribeiro Teles, relativo à Lei da Caça, que foi admitido e baixou à 6.ª Comissão (Comissão de Agricultura e Mar), e projectos de lei n.ºs 75/IV, relativos à contagem de tempo de serviço docente, para efeitos de concessão de fases, e 76/IV, relativo à Lei do Sistema Educativo, ambos apresentados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros do PCP, que foram- igualmente admitidos e baixaram à 4.ª Comissão (Comissão de Educação, Ciência e Cultura).

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar do silêncio e secundarização a que foram relegadas as eleições autárquicas, creio estarmos de acordo que não se pode apagar a importância para a vida das populações e o relevo e o significado democrático do acto eleitoral do domingo passado.
Entretanto, a partir de posições partidárias e sectárias nalguns dos mais importantes órgãos de comunicação social e numa clara desinformação dos mesmos, certas forças políticas procuraram e procuram inverter e falsear a tradução e o resultado das eleições autárquicas de 15 de Dezembro.

Uma voz do PSD: - Olha o esperto!

O Orador: - Chegou-se ao ridículo de o PSD e o CDS, por exemplo, reclamarem cada um para si a vitória da Câmara de Lisboa; do PS somar os seus votos com os do PSD e CDS para, em termos de percentagem, concluir que os resultados «indiciavam uma recuperação» em relação ao desastre de 6 de Outubro e vimos mesmo na televisão comentadores fiéis e veneradores enaltecerem os tremendos êxitos das conquistas de câmaras pelo PSD e CDS à defunta AD!
E porque no mesmo sentido se posicionaram algumas das declarações aqui produzidas na reunião plenária de terça-feira, importa tomar posição serena e objectiva sobre as eleições.
Em primeiro lugar, julgamos não merecer contestação que o principal objectivo da aliança do PS com as forças PSD e CDS em 42 concelhos era não o da realização de qualquer programa para a resolução dos problemas da população, mas, como apregoavam, tão-só desalojar a gestão APU, assente nos valores do trabalho, da honestidade e da competência, como aliás é justamente reconhecido.
Confiando na soma dos seus votos, a frente negativa PS/PSD/CDS concentrou essencialmente os seus esforços e meios nas grandes câmaras de maioria APU, tendo como ponto de honra, nomeadamente, Loures, Amadora, Vila Franca de Xira, Almada e Évora. O facto de que em todos estes concelhos a APU reforçou as suas posições e passou a ter a maioria absoluta traduz a derrota desta aberrante coligação, b fracasso da estratégia do PS e o reconhecimento das populações no valor da gestão democrática.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, é inegável que a APU registou uma significativa votação, alcançando cerca de 1 milhão de votos, mais de 20% para as assembleias de freguesia e mais de 19% para as câmaras municipais, o que representa uma subida de cerca de 5 pontos em relação às eleições legislativas de 6 de Outubro. Passou ainda de maioria relativa a maioria absoluta de mandatos, designadamente em Loures, Amadora e Vila Franca de Xira; obteve a maioria em 47 câmaras (45 com maioria absoluta) e em 355 freguesias (mais 20 do que em 1982); obteve a maioria absoluta nos distritos de Beja (53%), Évora (95,6%) e Setúbal (53%) e teve a maioria pela primeira vez nas Câmaras de Silves (maioria absoluta de mandatos) e Constância.
Em terceiro lugar, é certo que a APU perdeu 9 câmaras (não está ainda apurado em definitivo Vila Real de Santo António), tendo a coligação do PS e os partidos da direita alcançado aí os seus fins. Mas são êxitos precários e vitórias pirrónicas.
Em 6 câmaras os votos do PS, PSD e CDS já eram em 1982 superiores aos da APU, que detinha a presidência das câmaras por ser a força mais votada. Depois a aproximação de votos da APU (onde não tinha maioria absoluta) da soma dos votos dos 3 partidos, perdendo algumas câmaras apenas à tangente, revelam a fragilidade e a curta duração destas vitórias e de uma aliança sem princípios. As populações vão pagar caro pelas consequências desta aliança negativa que não tardará a mostrar as suas desinteligências e as suas contradições.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por último, o ganho de câmaras pelo PSD, quer devido às suas ligações com o PS, quer à quebra eleitoral deste partido, não ilude o facto de a votação do PSD ser mesmo um pouco menor do que a das eleições de 6 de Outubro e de o campo eleitoral do PSD e do CDS se manter sem expansão. Quanto ao PS, as eleições de 15 de Dezembro confirmam a diminuição da sua base de apoio resultante da política de alianças com a direita.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Detenho-me, agora pelo seu significado e relevância na análise dos resultados do distrito de Lisboa, onde a APU com a votação global de 33 % passou a ser a força mais votada no distrito e a segunda força na cidade, reforçando a sua influência nas zonas operárias e circundantes. A APU ficou a 700 votos de vencer a Câmara Municipal de Sintra e foi a força mais votada para a Assembleia Municipal, tendo-se afirmado também como a segunda força e a única alternativa progressista à gestão da direita em Cascais e em Oeiras.
Em Lisboa a APU obteve 5 vereadores e reforçou as suas posições nas 9 freguesias em que tinha a maioria e ganhou ainda as Juntas de São Vicente, São Tiago e Castelo. Obteve a maioria absoluta no Castelo, Ajuda e Marvila (nestas últimas o PS ia coligado com o PSD e com o CDS). O PS perdeu todas as juntas que tinha

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em Lisboa (tinha 5 e já teve 46) e diminuiu a sua votação em percentagem e em números absolutos em relação às eleições de 6 de Outubro. Perdeu também 2 vereadores, um para o PPM e outro para a coligação PSD/CDS. É uma clara e insofismável condenação da política do PS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte registamos também com apreço o nosso reforço nos núcleos e zonas operárias bem assim como nos bairros degradados da Horta Nova, Casal Ventoso, Casal do Pinto, Quinta da Calçada, Musgueiras Norte e Sul, Bairro da Boavista, Bairro da Liberdade e a nossa vitória em todos os bairros degradados abrangidos pelo projecto fraude do Alto do Lumiar. Ficou claro, apesar das campanhas de desinformação, que, pelo nosso trabalho, seriedade, conhecimento dos problemas e suas soluções, somos a alternativa necessária e a única alternativa à gestão do PSD/CDS chefiada por Abecasis.
Cremos também que a real dimensão da abstenção não se pode analisar só por si, que a mesma tem várias causas, que deve merecer uma reflexão cuidada, mas que não se pode deixar de imputar responsabilidades àqueles que sempre procuraram subalternizar e secundarizar as eleições de 15 de Dezembro às eleições presidenciais.
Por último pensamos ser de registar que a nosso ver se mantém a modificação positiva verificada em 1985 na arrumação e correlação de forças sociais e políticas, continuando a verificar-se uma perspectiva favorável à evolução da situação nacional, nomeadamente para os actos de significado nacional que se avizinham.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, gostaria de lhe dizer o seguinte: em primeiro lugar, não é verdade nem rigoroso que o PSD tenha reclamado a vitória em municípios como Lisboa, pois a presidência não é nossa. Em 3 municípios no País, para utilizar de todo o rigor, apresentaram-se listas do PSD, que, de facto, eram encabeçadas por militantes do CDS. E digo-lhe quais são para que fique claro que o PSD não reclama a vitória, em termos de presidência, nesses municípios. São os municípios da Maia, de Lisboa e de Arganil. O seu a seu dono: as presidências são do CDS!

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Depois o Sr. Deputado fez a análise do costume: a APU, perdendo, ganhou. Não vou fazer grandes comentários até porque já sabemos que essa é sempre a reacção da APU a seguir a qualquer eleição.
É fácil comparar resultados naqueles municípios em que, de facto, a APU conhece algum sucesso, mas tem é de os comparar também com os municípios em que conhece retrocesso, ou então, dizer-nos como é que é o comportamento em globo da APU.
Sr. Deputado, o que lhe pergunto é se é ou não verdade que a APU, em termos nacionais, decresceu em percentagem, decresceu em mandatos para as câmaras municipais e decresceu em números de presidências. Este é um facto que não pode iludir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Agradeço a pergunta do Sr. Deputado António Capucho e vou tentar responder-lhe, serena e objectivamente, como, aliás, merece a sua questão.
Em primeiro lugar, é um facto - basta ver o vídeo da televisão - que elementos responsáveis do seu partido registaram nessa mesma noite e reclamaram a vitória na Câmara de Lisboa. Se o PSD, pela sua voz autorizada, vem agora repor a verdade dos factos, fica registado tal.

O Sr. António Capucho (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado, reclamámos a vitória da coligação PSD/CDS, não a presidência da Câmara, pois toda a gente sabe que o presidente da Câmara de Lisboa é o engenheiro Abecasis, que é militante do CDS, e seria ridículo que um dirigente nacional viesse reclamar a vitória.

O Sr. António Vitorino (PS): - Nem convinha, nem era prestigiante.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Bem, vocês registaram a vitória do PSD e da Câmara de Lisboa por este mesmo partido. É assim exactamente que está gravado Sr. Deputado. Portanto veja o vídeo e tire as conclusões. Aliás, pelos próprios cartazes que publicitavam a candidatura do presidente para a cidade de Lisboa não se sabe bem se o engenheiro Abecasis é do PSD ou do CDS!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Foi uma transferência!... Foi emprestado!...

O Orador: - Veja a propaganda e tire as conclusões!

Em segundo lugar, quanto ao facto de afirmar que a APU ganhou, é sua a afirmação, na medida em que não afirmámos isso. Fizemos uma análise serena e objectiva dos resultados e não me venha dizer que é incorrecto, porque não pode provar absolutamente nada com dados objectivos e com factos.
É verdade que a APU se aproximou de 1 milhão de votos; é verdade que a APU aumentou a sua votação e em percentagem; é verdade que aumentou, inclusivamente, o número de mandatos em juntas de freguesias, até mais do que em 1982, e é a única força política que o pode registar; é verdade que a APU é a primeira força no distrito de Lisboa e é a segunda na cidade de Lisboa.
É inegável, é evidente, é claro e transparente, e é também indesmentível que a vossa aliança é destrutiva, é uma aliança sem princípios, que vai dar os resultados que vai dar a curto prazo e que foi feita, não para resolver os problemas das populações, mas, como VV. Ex.ª afirmaram, para desalojar a APU de câmaras onde as populações confirmaram agora esmagadoramente, pela votação, que queriam a APU, porque a

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sua gestão é assente nos valores do trabalho, da competência e da honestidade, como se prova e é justamente reconhecido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Vocês foram derrotados! A vossa estratégia foi derrotada! À estratégia do PS - de um PS que se diz socialista e que se aliou ao CDS; que é um partido do grande capital - foi derrotada! Neste sentido, pensamos que isto foi positivo para a vida democrática, para as populações e para o futuro que se avizinha.
É negativo naquelas câmaras onde efectivamente perdemos - e não o escondemos - e é negativo, fundamentalmente, não para nós mas para essas populações, para esses concelhos e para Portugal.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr; Deputado Licinio Moreira.

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

Goa vereis aos Mouros ser tomada,
A qual virá depois a ser senhora
De todo o Oriente, e sublimada
Co'os triunfos da gente vencedora.
Ali, soberba, altiva e exalçada,
Ao gentio que os ídolos adora
Duro freio porá, e a toda a terra
Que cuidar de fazer aos vossos guerra.

Luis de Camões, na estrofe LI do canto II da epopeia nacional, Os Lusíadas, põe na boca de Júpiter parte da resposta à lacrimosa súplica da deusa Vénus, condoída com a sorte da Armada Portuguesa comandada por Vasco da Gama no porto de Mombaça, para, mais à frente, na estância XLII do canto X se referir as tomadas de Goa em 3 de Março e 25 de Novembro de 1510 pelo grande cabo-de-guerra que foi Afonso de Albuquerque.
Há quase 5 séculos, o mundo ainda não tinha evoluído suficientemente ao ponto de a guerra deixar de ser considerada a escola da dignidade e a conquista territorial um acto absolutamente legítimo, do qual derivavam, as mais das vezes, as nações.
O notável historiador e brilhante escritor Oliveira Martins, no seu trabalho Quadros das Instituições Primitivas, já acentuava que na sociedade primitiva todos são lavradores e soldados, para, depois, com a divisão do trabalho essas duas funções se distinguirem, dedicando-se uns à espada e outros ao arado. Com o advento dos Estados modernos e a noção de nação, os povos e os governos começaram a sentir a necessidade de uma actuação uniforme quanto a interesses comuns aos diversos Estados e promoveram o desenvolvimento dos tratados internacionais, que culminaram com o reconhecimento do Estado como pessoa jurídica sujeita à lei internacional e com as seguintes características um território definido, uma população permanente, um Governo e a capacidade de entrar em relações com outros Estados.
Constituindo, primeiro, o Império ou Reino da índia e já no nosso tempo o Estado Português da índia, os territórios de Goa; Damão e Diu e os demais que
Portugal administrou no subcontinente indiano, nunca deixaram de constituir uma verdadeira colónia, não obstante as suas populações haverem atingido um grande desenvolvimento cultural, económico, social e político, reconhecido pelo Governo de Lisboa ao dar-lhes a pomposa dignidade de Reino e de Estado.
A política de integração e de misceginação, logo seguida após á conquista por Afonso de Albuquerque, conduziu a que nas parcelas territoriais ocupadas pelos portugueses na índia se produzisse uma consciência nacional que aspirava a libertar-se do domínio do país colonizador, Portugal; e fazer aparecer no Oriente uma nação, com características simultaneamente europeias e asiáticas.
Em 3 de Junho de 1973, portanto, durante o consulado do Prof. Marcelo Caetano, foram trocados os instrumentos de ratificação do Tratado entre Portugal e a União Indiana, conforme se vê no aviso publicado no Diário da República, 1.º série, n.º 139, de 18 de Junho de 1977, pelo qual se reconhecia, secretamente, a soberania da União Indiana sobre os territórios de Goa, Damão e Diu e suas dependências.
E já depois de 25 de Abril de 1974, durante um dos governos provisórios, o então Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Mário Soares,, reafirmou em Nova Deli, o reconhecimento por parte do Governo Português da soberania da União Indiana sobre os territórios que compuseram o chamado Estado Português da índia.
Se bem que o Governo da União Indiana haja reconhecido ao longo destes 24 anos a idiossincrasia própria de Goa, Damão e Diu, administrando directamente estes territórios, com um governador, nomeado pelo poder central, a parte uma assembleia legislativa local, da qual dimana um governo local, em vez de integrar estes minúsculos territórios nos Estados vizinhos - Karnataka, Maharastra e Gujarat - o certo é que vêm esbatendo-se progressivamente as diferenças culturais, mais do que o seu relativo desafogo económico em contraste flagrante com as regiões circundantes. Com a. retirada dos portugueses de Goa, Damão e Diu, estes territórios e as ,suas populações passaram a privilegiar as suas relações económicas, sociais, culturais e desportivas com os Estados vizinhos da União Indiana, o que, juntamente a claras razões sócio-
- políticas, motivou um declínio do uso e da aprendizagem da língua portuguesa, a ponto de se chegar a pensar que, por este mau caminho, daqui a menos de 13 anos, quando Portugal e a União Indiana festejarem o V Centenário da chegada de Vasco da Gama à praia de Kappkadavu, próximo da cidade de Calecut, poucos indu-portugueses haverá que ainda falem a língua de Camões.
O português é uma das 5 ou 6 línguas mais faladas no Mundo, pelo que hoje se tornou para muita gente absolutamente necessário aprendê-la e falá-la. Daí o interesse de muitas pessoas em querer exprimir-se no nosso idioma, o que em Goa, Damão e Diu, com os 451 anos de vivência em comum com os portugueses, se torna mais apetecível e interessante.
Nestes quase 12 anos de relações normais e amistosas com a União Indiana pouco mais se fez do que visitas de dois Ministros de Negócios Estrangeiros, do Primeiro-Ministro Mário Soares aquando do funeral de Indira Gandi e do Ministro da Cultura, para além da conclusão e assinatura de um acordo de cooperação cultural, deixando-se, contudo, que o mais antigo jor-

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nal diário publicado em Goa, O Heraldo, deixasse de se publicar em português e passasse a publicar-se em inglês.
Há pouco tempo a estátua de Camões foi removida para lugar menos importante de Velha Goa e não se ouviu um protesto público contra tal atitude.
Ultimamente, pelo menos há mais de 1 ano para trás, o semanário A Voz de Goa, escrito em português, sentiu sérias dificuldades em sobreviver, por falta dos necessários apoios, quando os Governos Português e Indiano, mais aquele do que este, deviam auxiliar e acarinhar um tão importante veículo de cultura.
Tudo isto me levou a subir a esta bancada para recordar, 24 anos depois, o grande golpe na política colonial do anterior regime, o segundo a seguir, uns meses antes, ao abandono, destruição e incêndio da Fortaleza de São Baptista de Ajuda, situada na República de Benim e que, em boa hora, em 1984, o Estado Português, a Fundação Calouste Gulbenkian e o Governo de Cotonou decidiram reconstruir.
Perdida a esperança de os territórios de Goa, Damão e Diu e suas dependências virem a constituir uma comunidade política, onde a língua portuguesa, mais do que a religião católica, os costumes e as tradições, seria o elemento aglutinador das populações dos diversos territórios e diferenciador em relação ao subcontinente indiano, só resta sensibilizar esta Assembleia e, consequentemente, todo o povo português, em geral, o Ministério dos Negócios Estrangeiros, a Secretaria de Estado da Cultura, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Associação de Amizade Portugal-índia e o próprio Governo Indiano para que o Português volte a ser ensinado nas escolas, a par dos dialectos autóctones, a haver programas de rádio e de televisão na língua de Camões e assegurar-se a publicação do semanário A Voz de Goa em português.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Hoje inicia-se o II Congresso dos Advogados Portugueses e que é o primeiro realizado após o 25 de Abril, em plena liberdade e responsabilidade democráticas.
O acontecimento transcende a simples e inegável importância corporativa para assumir a dignidade de facto nacional, a que esta Assembleia não deve manter-se indiferente e recusar a sua atenção responsável.
No quadro generalizado da crise nacional, a crise da justiça assume um lugar de indiscutível relevo e preocupação.
Os sucessivos governos diagnosticam a crise, aceitam a urgência das soluções, propõem-se concretizar as medidas julgadas necessárias, reconhecem a justeza das críticas públicas e dos agentes da justiça, mas a verdade é que o ciclo vicioso prossegue, a crise geral do País repercute-se na da justiça e a da justiça contribui para acentuar a do País.
O reconhecimento da progressiva degradação das instituições é unânime e, passo a passo, perante uma vontade política do poder pouco determinado, a justiça abeira-se do ponto de rotura, as saídas estreitam-se e o próprio regime democrático é posto em causa em matéria tão sensível ao seu processo de desenvolvimento e de consolidação.
Não há democracia que se consolide com uma justiça e um aparelho judicial débeis, instáveis ou carecidos dos meios minimamente exigíveis, e hoje é essa a perspectiva perturbadora que enfrentamos.
Atraso tecnológico, quadros insuficientes, qualidade profissional discutível dos diversos agentes de justiça - funcionários, juízes, advogados... -, desajustada implantação de tribunais, discriminação de raiz económica no acesso das pessoas aos tribunais, sobrecarga de trabalho dos magistrados, morosidade dos processos por razões processuais, de falta de estruturas adequadas, de explosão do número de processos na sequência da desmultiplicação das relações produtivas, dos conflitos sociais e até da maior consciencialização dos interessados, estão na origem da crise do sector.
A deficiente ou retardada aplicação da justiça reconduz-se à sua denegação indirecta.
Por outro lado, uma justiça de raiz democrática não se constrói no apelo a soluções de autoridade ou no reforço dos meios respectivos - porque é, sobretudo, uma justiça de inteligência, de diálogo, de sensibilidade, de disciplina de convívio, de equidade e de recuperação.
Nem se resolverá com a intensificação do discurso político ou a inflação legislativa - perdoem os lugares - comuns só justificados pela permanência de outros mais graves.
Uma justiça democrática é uma justiça de comparticipação de instituições e agentes - leis, tribunais, magistrados, funcionários, advogados e população.
Têm os advogados, individual e sobretudo colectivamente, uma palavra a dizer e uma missão a cumprir - propõe-se o seu Congresso, para além do estudo dos problemas de classe, a definição e a tentativa de solução dos problemas da justiça neste país e dar o seu contributo para a construção de uma classe consciente, organizada e interveniente, solidária consigo própria, e, sobretudo, com o País e com a democracia.
É isso que, acreditamos, constituirá uma das preocupações decisivas do Congresso, como factor de luta para inverter a situação actual de dificuldades e de descrédito da justiça e das instituições democráticas.
E é nessa medida, nessa perspectiva e com esse alcance, que me parece justificar-se nesta hora a chamada de atenção para a ocorrência.
Para terminar, Sr. Presidente, Srs. Deputados, permito-me relembrar, talvez numa breve e pouco expressiva homenagem, à porta de um Congresso, o que foi a palavra e a acção sacrificadora de protesto de inúmeros advogados na defesa da crença nos valores da justiça e da democracia, em plena ditadura, e ter esperança que quem correu riscos e satisfez esperança, em opressão, as realize na paz e na liberdade de que desfrutamos.

Aplausos do PRD e dos deputados António Vitorino e Tito de Morais, do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formularem pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Montalvão Machado, Correia Afonso, José Manuel Mendes e António Vitorino.
Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Agostinho de Sousa, ouvi atentamente a sua exposição e quero manifestar-lhe a minha inteira solidariedade a tudo quanto disse, porque só aqueles que, como o Sr. Deputado e eu, vivem a vida dos tribunais no dia-

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-a-dia podem efectivamente consciencializar-se desses problemas que V. Ex.ª expôs com tanta clareza e profundidade.
Na verdade, inicia-se o Congresso dos Advogados; que é uma realização notável, que faz lembrar - e com que saudade - o Congresso dos Advogados de Aveiro, no tempo da ditadura.
Oxalá que os trabalhos deste Congresso venham efectivamente trazer uma ajuda substancial para muitas das reformas e para a solução de muitos dos problemas que afligem a vida judiciária portuguesa.
Tenho aqui dito muitas vezes que não concebo a existência de uma democracia autêntica sem um poder judicial que seja livre, independente e simultaneamente competente. E, efectivamente, a nossa máquina judiciária, digamos assim, enferma hoje de vícios que são altamente nocivos à aplicação de uma boa justiça, vícios esses que se repartem amplamente, quer pelos magistrados, quer pelos funcionários, quer pelos próprios advogados e quer pelas instalações que vêm sido dedicadas aos trabalhos judiciais.
Quero, por isso, acompanhar as suas palavras e desejar ao Congresso dos Advogados o maior êxito possível nos trabalhos que hoje vai encetar. Espero, ansiosa e conscientemente, com muita esperança, que este Congresso traga uma ajuda para a solução dos problemas da vida judiciária portuguesa, que tão degradada tem andado ultimamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Agostinho de Sousa, fez V. Ex.ª bem ao escolher este local para recordar e comemorar o II Congresso dos Advogados que se inicia hoje.
Julgo que este local é o próprio, em termos de dignidade e de Estado, na medida em que os advogados se inserem numa área que toca directamente uni outro órgão de soberania, que são os tribunais.
Na sua intervenção o Sr. Deputado Agostinho de Sousa aflorou a crise da justiça. Ela é inegável, está à frente de todos nós, não podemos dizer que não à vemos, mas temos de olhar para ela como um fenómeno natural, que decorreu normalmente da Revolução do 25 de Abril.
A sociedade portuguesa estava bloqueada e o 25 de Abril desbloqueou-a. Ora, com essa abertura surgiu naturalmente uma maior conflitualidade na sociedade portuguesa, que foi intensa no início, em virtude da descompressão.
Estamos a assistir - julgo que o podemos esperar V ao facto de toda essa conflitualidade, que é uma das razões da crise da justiça, ir diminuindo nos tempos que se aproximam. No entanto, os tribunais, que estão directamente ligados à justiça porque a administram, não podem deixar de sofrer essas consequências até porque, Sr. Deputado Agostinho de Sousa, a administração da justiça é um fenómeno colectivo; não sendo aquilo que vulgarmente se diz e que é «só há administração da justiça feita pelo juiz».
A administração da justiça é um fenómeno colectivo em que participam os advogados é até. os próprios funcionários de justiça. É o esforço de todos estes que tem como resultado final a sentença, que não é mais do que o produto do trabalho final do juiz enriquecido pelos advogados e pelos funcionários de justiça.
É, portanto, natural, que, neste momento, ao recordar e ao comemorar o II Congresso dos Advogados se lembrem também os juízes, que com tanto esforço têm prestado nestes tempos a sua colaboração; se lembrem os advogados, que mantêm com grandes dificuldades a sua tradicional dignidade e independência se lembrem também, os funcionários, que dentro do possível vão colaborando, e, acima de tudo, que se pense que esta homenagem que neste momento fazemos, toca directamente um companheiro nosso em termos de soberania, que são os tribunais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Agostinho de Sousa, uma palavra de consonância com a intervenção que acaba de produzir, no sentido de sublinhar alguns dos aspectos relevantes da radiografia que traçou da justiça em Portugal, cuja crise é indisfarçável e se avoluma por ausência de medidas adequadas e tempestivas para erradicá-la.
É a crise dos tribunais, atulhados de processos e, com gravíssimas carências de instalações.
É a ausência de novas leis orgânicas do Ministério Público e dos tribunais judiciais, apesar de nesta Câmara terem estado a pairar, durante longo tempo, expensos articulados, na sessão legislativa anterior.
É, por outro lado, a crise brutal do sistema penitenciário, que afronta os limites da dignidade humana.
É, em suma, a existência, no nosso país, de uma justiça distante, fria, ineficaz, denunciada de meios técnicos e legislativos idóneos.
Pela nossa parte, demonstramos a nossa disponibilidade, em sede parlamentar, para o trabalho de revisão dos grandes códigos e, também, para a implantação de um eficiente regime de acesso ao Direito.
Sr. Deputado, por carência dê tempo não poderei ir mais longe. No que concerne ao Congresso dos Advogados, importa, no entanto, sublinhar que esperamos que ele venha a honrar, no presente, a classe que representa, como o 1.º Congresso a honrou, no passado.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem finalmente á palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Agostinho de Sousa, curtíssimas palavras também para contestar a intervenção de V. Ex.ª, nó que diz respeito à realização do II Congresso dos Advogados.
Não é este o momento nem o local para expender ideias acerca da gravíssima crise que assola a administração da justiça em Portugal, que faz com que poderemos estar, dentro em breve, perante verdadeiras situações de emergência, se a situação existente não for atalhada em devido tempo.
A resolução do problema da administração da justiça tem de passar pela participação consciente e organizada dos principais interessados, ou seja, não só os magistrados mas também os trabalhadores judiciais e, naturalmente, os próprios advogados.
A saudação unânime que decerto a intervenção do Sr. Deputado Agostinho de Sousa suscita nesta Câmara, no que diz respeito ao II Congresso dos Advogados, terá de ser complementada por igual disponibilidade a manifestar pela Câmara, no sentido de acolher

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as conclusões, meditar sobre elas, reflectir e actuar em conformidade. Conclusões a que o Congresso dos Advogados vai chegar, não só em relação ao Estatuto da Ordem dos Advogados, que foi, aliás, aprovado por esta Assembleia faz agora precisamente um ano, mas também relativamente aos contributos para a revisão das legislações substantiva e adjectiva portuguesas, com especial relevância para a legislação processual civil. Coloca-se igualmente a necessidade de urgentemente a Assembleia da República aprovar uma nova lei orgânica dos tribunais judiciais que constitua um contributo inelutável para o desbloqueamento da administração da justiça em Portugal.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Srs. Deputados, a minha resposta no fundo não tem qualquer justificação e a minha intervenção limita-se apenas a uma congratulação pelo consenso verificado nesta Câmara.
Apenas quereria também acentuar que os problemas que foram aqui colocados pelos meus ilustres colegas de bancada ou completam aquilo que foi dito ou obrigam-me, por outro lado, a completar aquilo que eles próprios disseram e aceitar e aderir realmente às posições e sugestões afirmadas nesta Câmara.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 7 anos, sem considerar os 2 anos anteriores da FEPU, que o MDP/CDE vem mantendo a coligação com o PCP e numerosos independentes, que constituem a Aliança Povo Unido.
Diversas outras coligações, como a AD ou a FRS, tiveram vida efémera. Mas a APU tem-se mantido, e com uma implantação crescente, representando uma força indispensável, tanto na defesa da democracia, como na sua fundamental componente, que é o poder local democrático.
Naturalmente que a Aliança Povo Unido, merecendo a confiança de um tão vasto sector da população do País, por nela reconhecer a sua inalterada fidelidade nos ideais de Abril e seu permanente empenhamento na resolução, tanto dos problemas nacionais como locais, havia de concitar contra si aquelas forças que têm uma prática de sinal contrário.
E se tal predisposição dessas forças políticas não surpreende nem espanta, já o mesmo se não pode dizer de uma outra, de quem seria de esperar diverso comportamento.
Mas a prática, a confrangedora prática, veio a evidenciar que tal força se prestou a singulares conluios e alianças, fazendo seu o objectivo não só de expulsar a APU das autarquias onde possuía maior implantação mas até de impedir o seu próprio concurso às eleições. Na fórmula usada pelo Sr. Deputado Adriano Moreira, na noite das eleições, tratava-se não de vencer mas de «eliminar» a APU, o que dispensa comentários.
Desde a tentativa de privar a APU do símbolo que há 7 anos a vem individualizando, até à impugnação
judicial, que possibilitaria a exclusão da Aliança Povo Unido de participar nas recentes eleições autárquicas, assegurando a sua derrota, não nas umas mas na «secretaria», tudo foi feito para garantir o fracasso eleitoral ou ainda mais seguro impedimento de a APU disputar as eleições.
Goradas tais manobras, assiste-se então à insólita aliança do PS com o PSD e o CDS, com o objectivo não de se proporem resolver os problemas locais das populações mas de expulsar a APU das Câmaras por ela geridas. E, assim, em 11 Câmaras o PS e o CDS apoiaram o PSD, em 26 o PSD e o CDS apoiaram o PS, em 5 o PSD apoiou o PS, em 11 o CDS apoiou o PSD e em l o PSD apoiou o PS, num total de 54 das 55 câmaras municipais geridas pela APU.
Parafraseando um grande filósofo, bem se podia dizer que «um fantasma aterroriza estes partidos»: o fantasma da APU... E daí esta «santa aliança» nestas 54 câmaras; «santa aliança» que se apresentava, à partida, como capaz de alcançar o sonhado objectivo de retirar à APU esses 54 municípios, na medida em que os resultados eleitorais do PS, PSD e CDS, somados, em 1982, eram superiores aos obtidos pela APU.
Mas essas forças esqueceram-se de que é o povo «quem mais ordena» e que não há contas nem cálculos que resistam à sua vontade, quando ela traduz o reconhecimento de uma gestão eficiente.
E, assim, a APU manteve a maioria absoluta em 45 câmaras, a relativa em 2, passando em Loures, Amadora e Vila Franca de Xira a maioria relativa para absoluta.
Pode, portanto, concluir-se que esta espúria «santa aliança» fracassou e que a APU obteve nestes 54 concelhos uma grande vitória.
Mas não só aqui a Aliança Povo Unido alcançou significativos e importantes êxitos.
Ela obteve a maioria em mais 20 freguesias, em todo o País, ganhou as câmaras de Silves e Constância, e afirmou-se como a força mais votada no distrito de Lisboa.
E estabilizou o seu eleitorado com muito perto de um milhão de votos.
O governo PSD, através do Primeiro-Ministro, pretendeu apresentar os resultados eleitorais de há dias como uma grande vitória, comparando com os resultados das últimas eleições legislativas.
É, contudo, evidente que tal comparação, de eleições de natureza diferente, é uma forma de ocultar os verdadeiros termos de comparação, que são os destas eleições autárquicas e das anteriores de 1982. E tal comparação, quanto a mandatos em assembleias de freguesia, da AD, em 1982, e do PS e CDS juntos em 1985, demonstra que houve uma perda de 4691 mandatos destes dois partidos, nas últimas eleições.
E o PS, por sua vez, perdeu mais de 3000 mandatos, nas mesmas assembleias de freguesia, não tendo conseguido sequer ganhar qualquer freguesia no concelho de Lisboa.
De resto, não se pode esquecer o testemunho insuspeito do técnico espanhol que veio, de Castela, dirigir tecnicamente a companha eleitoral do PSD, o qual foi de opinião que a intervenção do Primeiro-Ministro, na televisão, dias antes das últimas eleições, beneficiou a votação no PSD, tudo conforme noticiariam os jornais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE tem profundas raízes no poder local democrático, como ainda, há dias, aqui recordou o nosso companheiro de

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bancada José Manuel Tengarrinha, relembrando o papel desempenhado, logo após o 25 de Abril, na substituição dos elementos escolhidos pelo regime fascista para as autarquias, por comissões administrativas Democráticas.
E o MDP/CDE continua a sua luta pôr um poder local democrático, integrando a Aliança Povo Unido, e contribuindo com mais de 600 autarcas, para a defesa e a consolidação de autarquias democráticas e descentralizadas, abertas à participação popular e empenhadas na solução dos problemas concretos das populações.
Enquanto outros receiam povo ou até por ele até sentem repugnância, é com o povo e para o povo que o MDP/CDE, e naturalmente a APU, orientam a sua actuação. Porque, como disse Ramalho, Ortigão, «o povo é que faz a história, ele é que é a glória, ele é que é a imortalidade».

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado Raul Castro foi efectivamente muito proveitosa. Em primeiro lugar, porque foi o melhor desmentido que poderia haver para a intervenção que ainda há pouco o Sr. Deputado Carlos Carvalhas fez e onde pretendeu extrapolar resultados e consequências das anteriores legislativas com os resultados das autárquicas.
O Sr. Deputado Raul Castro veio repor ã verdade: não se pode, em boa consciência, fazer extrapolações de uns resultados para os outros, na medida em que são eleições de teor completamento diferente.
Por outro lado, a sua intervenção veio confirmar a sua palavra e a sua frase final. E que, efectivamente, o povo faz a história e também o faz com as ilações que tira das eleições. Estas existem para que haja vitoriosos e derrotados, para que uns sejam penalizados e outros sejam alcandorados pelos seus méritos. Se em cada acto eleitoral todos os partidos se reclamam vitoriosos, ninguém ganha, ninguém perde, então não admira que a abstenção cada vez seja maior neste país.
Por outro lado, o Sr. Deputado Raul Castro referiu-se à vida efémera das coligações, da AD e da FRS. E eu pergunto: então as coligações não são, por si só, na sua natureza e na sua génese, efectivamente temporárias? É que se elas, como a APU, são para perdurar indefinidamente, das duas uma: ou a APU nunca atinge os seus objectivos ou existe uma consonância ideológica tão grande entre os partidos que integram a APU que se trata de uma mesma coisa:

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado, relativamente às suas duas primeiras considerações, só tenho que registar a concordância e portanto sublinhá-la.
Quanto à sua estranheza relativamente ao facto de as coligações que se constituíram neste país, excepto a da Aliança Povo Unido - terem tido vida efémera, penso que as conclusões que daí se podem tirar, não são aquelas que o Sr. Deputado ilegitimamente pretendeu extrair. A conclusão que se pode tirar é que, efectivamente, a Aliança Povo Unido representa uma dinâmica popular que impõe a sua permanência e a sua continuidade, ao contrário doutras alianças que não conseguiram ganhar essa dinâmica e daí o seu fracasso e o fim da sua existência.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recebemos há poucos dias (e eu digo recebemos porque foi enviada a todos os Grupos Parlamentares) uma exposição dos trabalhadores das Instituições Particulares de Solidariedade Social do Algarve.
Creio, Srs. Deputados; que não poderemos ficar insensíveis ao dramático apelo que nos enviam aqueles trabalhadores que tanto dão de si próprios à velhice desvalida e às crianças, particularmente aos que mais necessitam de cuidados, tratamento carinhoso e humano.
Senti-me no dever moral de aqui trazer o eco dessas vozes e defender estes trabalhadores que, gostaria de sublinhar, na sua esmagadora maioria são mulheres, às quais muito é exigido de si próprias em competência profissional, em dedicação e sacrifícios e muito pouco lhes é dado.
Até pelo contrário agora acabam de lhes ser retirados direitos, importantes e fundamentais, de que até aqui gozavam.
Este problema não diz só respeito ao Algarve, porque a mesma situação se verifica à escala nacional.
Entretanto, referir-me-ei a um abaixo-assinado que exemplifica a situação e foi subscrito por trabalhadores do Centro de Apoio a Idosos de Portimão, do Lar da Criança de Portimão, da Casa da Nossa Senhora da Conceição, do Centro Popular de Lagoa, com valência de Jardim de Infância «A Colmeia» e do Centro de Apoio a Idosos «O Nosso Ninho» também de Lagoa, todas estas instituições do Barlavento Algarvio. ( Estes trabalhadores, tais como todos os que se encontram nas mesmas circunstâncias, consideram-se lesados com a portaria de regulamentação de trabalho publicada no Boletim de Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 31-, de 22 de Agosto de 1985, que lhes retira a equiparação, com os trabalhadores da função pública, o que efectivamente vinha acontecendo desde 1979 por despacho normativo anualmente publicado. Nestas condições, a prática de muitos anos, sustentada por sucessivos despachos normativos de equiparação, veio criar nos trabalhadores a confiança e a legítima expectativa de retribuição por tabela igual à da função pública. Ora, estes trabalhadores sentem-se profundamente lesados e preocupados com a situação que a nível salarial lhes veio ser criada pela portaria em questão. De facto, esta, ignorando as retribuições já praticadas pelas instituições em causa à data da sua entrada em vigor, vem estabelecer uma tabela salarial desajustada da realidade, fixando para cada categoria profissional retribuição inferior e, em alguns casos, substancialmente inferior, à actualmente praticada e efectivamente, auferida pelos trabalhadores.
Por outro lado, e estando-se perante uma regulamentação de trabalho por via administrativa, nada garante aos trabalhadores, que em tempo útil as tabelas sala-

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riais estabelecidas na portaria de regulamentação de trabalho sejam revistas e actualizadas, o que gera desde logo um clima de insegurança e frustração.
Esta situação inflige na prática um pesado sacrifício aos trabalhadores pela sua repercussão no futuro dos respectivos aumentos salariais na verdade, a presente tabela salarial implica que a maioria dos trabalhadores veja estacionar a sua retribuição mensal, suportando sem qualquer aumento as sucessivas progressões salariais, até que a retribuição actualmente auferida equipare a fixada numa futura e incerta revisão da tabela agora fixada na portaria.
A agravar esta situação junta-se o facto de estes trabalhadores terem sido sujeitos ao regime geral de tributação, quer quanto ao imposto profissional, quer quanto ao complementar, quando anteriormente beneficiavam também de estatuto paralelo ao dos funcionários públicos. Esta alteração na tributação dos seus rendimentos de trabalho vem onerar obviamente os seus orçamentos, os quais não têm a curto prazo perspectiva de aumento, o que naturalmente contribui para agravar o clima de insegurança que já se vive, acentuando-se que os salários auferidos são no geral extremamente baixos.
Apelamos, em consonância com os justos anseios dos trabalhadores que nos escreveram esta exposição, que o seu problema seja estudado com isenção e espírito de justiça de forma a que a portaria de trabalho se ajuste à realidade, estabelecendo a obrigatoriedade anual de revisão da sua tabela salarial ou um aumento percentual mínimo e automático da mesma tabela aplicável a todos os trabalhadores; considerando-se que a actual tabela deve ser imediatamente revista e rectificada, atribuindo-se aos diversos escalões uma retribuição equiparada à dos trabalhadores da função pública.
A revogação da portaria, a manutenção das mesmas regalias que os trabalhadores já tinham à data da sua promulgação, o direito ao subsídio de alimentação (que não auferem) e, particularmente, a equiparação à função pública são aspirações que apoiamos, considerando que só assim serão evitadas as flagrantes injustiças que atingem estes esforçados e sacrificados trabalhadores.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Mendes.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Carvalho.

O Sr. Costa Carvalho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, aquando da apresentação do seu Programa, veio aqui confirmar aquilo que, há 80 anos, o jornalista Alberto Braga já denunciara: «Um candeeiro de gás que se apaga causa muito maior impressão do que a falta de um jornal que se extingue. A luz para os olhos é muito mais indispensável do que a luz para a inteligência.»
Sem uma política norteada e muito menos definida para a comunicação social, o Governo, à míngua de melhores ideias e de mais esclarecidos propósitos, irá procurar a quadratura do círculo, depois de, provavelmente, ter queimado as pestanas a ler este e outros destampatórios miguelistas tão ao jeito de José Agostinho de Macedo: «Portugal está coberto, alastrado, entulhado de periódicos, como o Egipto e mais que o Egipto, de rãs, de gafanhotos, de moscas, de diabos.»
O anúncio do exorcismo surgiu, precisamente, no ano em que se deveria preitear a lei que, em 22 de Dezembro de 1834, instaurou pela primeira vez, em Portugal, a liberdade de imprensa.
A concretizar-se um tal esconjuro governista, justificar-se-ia que Manuel Fernandes Tomás aqui tomasse de novo postura e voz, para voltar a lembrar: «A imprensa é a língua da nação; esta não pode falar por outro modo.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O certo é que o Governo coifou os seus altos desígnios valendo-se de um sudário por demais puído e que nem sequer é novo até para os antípodas, ao revelar: «Por via de regra, não há rentabilidade na exploração nos órgãos de comunicação social, sejam públicos ou privados, e o número dos primeiros é manifestamente excessivo.»
Como se propõe o Governo erradicar «a peste amarela dos negros periodiqueiros» saindo pelo mercado? Pelo mercado que não existe? E di-lo sem aporias, mas também com uma pronunciada surdez verbal que o impede de compreender o que tão expressivamente foi definido por Alexandre Herculano: «Se a arte de escrever foi o mais admirável invento do homem, o mais poderoso e fecundo foi certamente a imprensa. Não é ela mesma uma força, mas uma insensível mola do mundo moral, intelectual e físico, cujos registos motores estão em toda a parte e ao alcance de todas as mãos, ainda que mão nenhuma, embora o presuma, baste por si para a fazer jogar.»
Fazendo alarde do pragmatismo, o Governo cai, no entanto, no psitacismo. Quando não, ter-se-ia apercebido de uma verdade, esta sim, de fácil redução à utilidade para a vida ou para a Nação: em Portugal, não há jornais a mais há é leitores a menos.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - «Isto é desconsolador disse-o Antero de Quental, há 100 anos - mas ... qu'y faire? Muito tempo será necessário, e muitas revoluções, para que isto mude. Até lá a nossa atitude deve, ser a dos estóicos antigos: o protesto sem ilusões.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esse protesto, mas com ilusões, surgiu e partiu do Porto, vai para 4 anos, quando, por emanação do segundo encontro dos jornalistas do Norte, a classe se decidiu pela criação de uma escola superior de jornalismo. Exactamente porque a classe dos jornalistas pretendia dar uma prova pública de saúde mental, ao reconhecer-se doente e, também, porque, como salienta o programa do Governo, «o estado actual do sector da comunicação social e os enormes saltos qualitativos no domínio do progresso tecnológico na produção, difusão e recepção da informação exigem de toda a comunidade e de todas as forças políticas um enorme esforço de bom senso e de conjugação de vontades».
Naturalmente que exige! Mas, como diria Tolstoi, «a dificuldade não consiste em ter uma ideia, mas sim em recolher o seu fruto».
Reconheça-se, Srs. Deputados: a imprensa foi, é e será o único meio de comunicação verbal. Porque sabe disso, o Governo é mais intransigente com a imprensa de âmbito nacional, exigindo-lhe, como diz o programa, «uma informação mais isenta, competente e verdadeira». Aos mass-media o Governo pede tão-somente isenção e qualidade de informação.

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Mas quem pede, dá! E o Governo, di-lo no Programa, «empenhar-se-á em encontrar os melhores meios para que os profissionais da informação trabalhem no sector público ou privado, tenham ao seu dispor oportunidades reais de formação e actualização profissional».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me que lhes cite António Cândido, um dos adornos intelectuais desta Casa: «Na existência dos povos, como na vida dos indivíduos, uma hora emenda muitos erros e evita, salvadoramente, grandes desgraças iminentes. É necessário, se se entende que soou essa hora, aproveitar o ensejo adiar sempre, tem sido a nossa doença e pode ser a nossa morte.»
E o que está também este Governo a adiar? A aplicação, finalmente, do artigo 62.º da Lei de Imprensa de 1976. Nesse artigo tem o actual Executivo um dos melhores meios, senão o melhor, para dizer aos jornalistas profissionais que «as escolas dão dignidade ao seu ofício; para dizer à oposição da alta cultura universitária que os problemas que nos interessam abrem horizontes que respeitam a toda a nossa vida social».
Sem bairrismo bacoco, sem regionalismo larvar; sem provincianismo desmiolado, sempre direi que a criação, no Porto, da primeira escola de jornalismo portuguesa obedeceu aos imperativos da tradição. Mas de uma tradição que tem a ver com a etimologia da palavra e logo significando a acção de dar, transmitir, ensinamento.
Tradição que vem de Rodrigo Álvares, ao instalar no Porto, em 1497, a primeira tipografia de um português; tradição que o portuense D. António de Sousa Macedo assume, como primeiro jornalista português; tradição que permanece no Zodíaco Lusitano, de 1749, o primeiro jornal científico em Portugal; tradição que ressuma ineditismo na Gazeta Literária, de 1761; tradição que me permite detectar, ainda, no Diário do Porto, de 1809, ao admiti-lo como o primeiro jornal diário publicado neste país; tradição que subsiste no facto de o Porto ainda manter 3 jornais de publicação diária, desde a segunda metade do século XIX.
Entretanto, a Escola Superior de Jornalismo do Porto continua há 1 ano, e mais concretamente desde Abril passado, à espera do favor oficial do seu reconhecimento. Há aqui um qualquer «complexo de D. Afonso Henriques» a funcionar e a entravar o quê ë simples e, portanto, óbvio.
E será mau que assim aconteça pois, também neste caso concreto, tal como os jornalistas os governos não têm de pensar pelos cidadãos nem para os cidadãos, mas, antes e sempre, eles devem pensar com os cidadãos.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Antes de lha conceder, devo informar V. Ex.ª que o Sr. Deputado Costa Carvalho já não dispõe de tempo para. responder aos pedidos de esclarecimento que possivelmente deseja formular.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - De qualquer maneira Sr. Presidente, quero apenas que fique expresso que a minha bancada dá o total apoio à intervenção do Sr. Deputado.

Uma voz do CDS: - Que criatividade é essa?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luis Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 1.º. Vêm-se sucedendo as demissões e nomeações no aparelho de Estado aos mais diversos níveis, por parte do Governo.
Não é possível criticar estes actos administrativos a não ser á partir da concepção de Estado perfilhada pelo PSD - partido no poder - e pelo próprio Governo.
Não é difícil, de resto, encontrar nas declarações do Dr. Cavaco Silva, do PSD e do Governo matéria, a este respeito, suficientemente esclarecedora.
Assim, para o Dr. Cavaco Silva e para o PSD é essencial que as nomeações para cargos públicos «sejam baseadas exclusivamente na competência e capacidade dos candidatos, em resultado da análise dos respectivos currículos» (ponto 2.º dos nove pontos do PSD).
Para o Primeiro-Ministro «Portugal tem de dispor de uma administração que vá ao encontro do país real, que enriqueça as potencialidades da periferia, que ajude a vencer a crise económica, que responda às solicitações apresentadas pela adesão às Comunidades Europeias, em suma, que se empenhe no desenvolvimento da sociedade portuguesa». Precisamos de menos Estado e de melhor Estado.
O Estado tem de ser urgentemente reconduzido ao seu papel de «pessoa de bem» em todas as suas obrigações (discurso na Assembleia da República de 16 de Novembro de 1985).
A entrada em funções do nono governo trouxe, como seria natural e legítimo, um processo de nomeações para certos cargos públicos que adquiriu- já uma amplitude suficientemente ampla para se transformar num fenómeno político susceptível de análise.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - É pelos actos e não pelas palavras do Governo que o povo português saberá se, nas nomeações para certos cargos públicos, o Governo privilegiou a «competência e capacidade dos candidatos», proeurou criar «menos e melhor Estado», reconduzindo-o ao seu papel de «pessoa de bem».
2.º Encararemos nesta intervenção 3 tipos de situações:

a) As nomeações efectivadas para altos cargos na CEE;
b) As substituições de diversos directores-gerais;
c) A demissão do conselho administrativo da RTP e a nomeação de um novo conselho administrativo.

Trata-se de situações diferentes em que, nuns casos, não foi respeitado o interesse nacional, noutros foi violado o critério da competência e noutros ainda foram postas em causa normas legais imperativas. Apreciemos as situações criadas ponto por ponto.
3.º Para o Sr. Primeiro-Ministro «o ideal de integração europeia, se até agora teve a expressão privilegiada no plano económico foi e é um projecto de profundo significado político».

Uma voz do PS: - Muito bem!

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O Orador: - «Entrar nas comunidades representa para Portugal a plena participação na família europeia de países que escolheram a liberdade e a democracia pluralista e representativa como modelo da organização da sociedade. Representa, por outro lado, que Portugal se projecta agora para a construção de uma Europa susceptível de, pela harmonização das políticas nacionais e pela conjugação dos interesses das pátrias que a compõem, adquirir um peso reforçado na cena internacional.»
Este «ideal de integração europeia», assim definido, será pura hipocrisia se não for partilhado por todos os portugueses, na esteira da melhor tradição dos seus Estados membros.
Na verdade, a nomeação dos altos cargos das comunidades tem sido sempre feita, em todos os países, mediante consensos entre o Governo e as oposições ou, pelo menos, após a audição das oposições, a fim de assegurar uma melhor defesa dos interesses nacionais e uma continuidade na acção que só o consenso pode garantir...
É que as Comunidades não são nem podem ser instituições internacionais monocolores ou monopartidárias. Pelo contrário! No seu seio - e nisso reside a sua riqueza - exprimem-se, e devem continuar a exprimir-se, todas as correntes de opinião, para bem do próprio ideal europeu.
Ora, o Governo não respeitou estes princípios nas nomeações até ao momento efectivadas.
Na verdade, o Partido Socialista, e que se saiba nenhum dos partidos da oposição, não foi ouvido nem achado quanto às nomeações para os 3 cargos das Comunidades: o Alto Comissário, Juiz e Advogado Geral do Tribunal da CEE - e manifesta aqui o seu total desacordo quanto ao processo seguido que é insusceptível de gerar um qualquer consenso nacional que nem sequer foi procurado.

O Sr. António Vitorino (PS): - Muito bem!

O Orador: - Nestas nomeações, como nas que se vão seguir, consideramos urgente e necessário que o Governo ouça todos os partidos da oposição com assento parlamentar e procure 'definir consensos que melhor possam reflectir, externamente, a pluralidade de opiniões dos Portugueses.
No processo da participação na CEE, que será sempre uma contínua negociação em defesa dos interesses nacionais, a procura de consenso na nomeação de altos cargos não representa uma qualquer perca de tempo mas um ganhar tempo.
Neste como noutros casos o respeito pela dignidade do Estado é condição da eficácia da acção política.
Saiba o Governo escutar e compreender estas palavras em tempo. A bem de todos nós, até porque o Governo não tem hoje e ainda qualquer base parlamentar maioritária.
4.º As substituições de alguns directores-gerais constituem uma questão diferente, pois cabendo na competência do Governo importa tão-só exigir que sejam respeitados critérios de «competência e capacidade».
Nos diversos movimentos efectuados dois casos retêm a nossa atenção.
Trata-se da demissão dos directores-gerais da Administração Regional da Saúde e do Contencioso das Contribuições e Impostos, respectivamente, Drs. Joaquim Paulino e Francisco Pardal.
Trata-se de dois técnicos de superior competência, conhecidos e respeitados na sua actividade profissional.
A sua demissão tem as características de um autêntico saneamento político em que os critérios de competência e de capacidade foram postergados em nome de uma simplista e arrogante «razão política» tanto mais inadmissível quanto é certo, tratar-se de um Governo de base parlamentar minoritária.
Nos governos, como nos indivíduos, a arrogância é sinónimo de insegurança e de fraqueza.
5.º A demissão do conselho de gerência da RTP excede, porém, tudo o que ora se deixa exposto.
Na verdade, e em despacho do Sr. Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, o conselho de gerência da RTP é demitido com fundamento em «parcialidade, falta de rigor e isenção no tratamento da informação, bem como degradação económico-financeira da empresa que, segundo relatório apresentado pela Inspecção-Geral de Finanças, tudo indica estará em situação de falência técnica no final do corrente ano...».
Trata-se de gravíssimas acusações que, desde logo, não podem beneficiar do princípio da legalidade própria dos actos do Governo.
Na verdade e nos termos do artigo 6.º, n.º 4, do Estatuto do Gestor Público, o Governo só pode demitir gestores públicos com fundamento em «justa causa» após «prévia audiência dos mesmos», embora tal não implique «o estabelecimento ou organização de qualquer processo».
Tal significa que o Governo tem o dever de:

a) Dar conhecimento, por escrito, das razões que justificam as alegadas justas causas de demissão;
b) Fixar um prazo para os arguidos dizerem o que tiverem por conveniente sobre as acusações deduzidas;
c) Decidir do seu direito de demissão em face do exposto com justa causa. Decidir do seu uso ou não uso.

O Governo não ouviu os membros do conselho de administração da RTP, limitando-se a demiti-los, arbitrariamente, sem lhes dar oportunidade legal de se explicarem.
Este acto é de todo em todo nulo por inobservância de uma formalidade essencial - a audição prévia dos arguidos - e em si revelador da forma como o Governo entende espezinhar a moral - qualquer moral -, que privilegia o princípio da audição prévia do acusado, desrespeitar os seus próprios princípios programáticos - que privilegiam o respeito do bom nome e reputação dos cidadãos e, enfim, desrespeita também o Estado como «pessoa de bem», o que é da máxima importância, e, pior ainda, violando a lei expressa.
Trata-se de um péssimo estilo de governação em que se amolda o respeito da lei à conveniência do momento e, desrespeitando-se os direitos dos cidadãos, se degrada a imagem do Estado.
Mais grave, efectivamente, do que o acto em si é metodologia que revela e o estado de insegurança que cria.
Não pode também passar sem reparo a composição do novo conselho de administração.
Dir-se-á que está lançado o descrédito sobre o estranho processo pelo qual o Governo vem reafirmando «a preocupação de despartidarizar as escolhas, de encontrar gestores competentes e com provas dadas, afastados da política activa em geral e descomprometidos

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em relação às candidaturas presidenciais anunciadas» (discurso ministerial de 18 de Dezembro de 1985) é, dizendo isto, se arvora em juiz dos critérios por si anunciados e nomeia um conselho de administração que será, politicamente, representativo tão-só de uma parte da opinião pública portuguesa.
De resto, o descomprometimento da «política activa», em geral, e das «candidaturas presidenciais anunciadas»; em particular, não só na constitui, a ser exacto o que se não aceita, qualquer garantia de independência ou imparcialidade como constitui, na sua averiguação, um gravíssimo abuso de direito, por parte do Governo...
Pelo menos para os membros; do actual Conselho Administrativo da RTP, o Governo anunciou ter verificado previamente que os cidadãos propostos:

a) Estavam «afastados da política activa»;
b) Estavam «descomprometidos em relação as candidaturas presidenciais anunciadas».

Introduzem-se, assim, para a nomeação de gestores públicos não só conceitos perigosíssimos e inadmissíveis como o princípio da prévia investigação sobre as posições políticas dos candidatos à nomeação governamental.
Assim, importa que fique bem claro, dentro, e fora desta Casa, quais os conceitos de afastamento de «política activa» e, pelos vistos, de política passiva, de «descomprometimento» de candidaturas presidenciais, que o Governo perfilha, e qual a metodologia, seguida para a sua averiguação.
Da nossa parte, diremos que a Constituição da República proíbe a discriminação dos cidadãos portugueses com base nas suas «convicções políticas» (artigo 13.º, n.º 1) e que o critério do «descomprometimento político» para o provimento das f unções'públicas é ilegal e inconstitucional, não podendo ser utilizado ou sobretudo averiguado pelo Governo:

De resto, e no caso vertente, como é público e notório, esse descomprometimento não passa de um mito...

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais rapidamente do que era previsível, vai-se esgotando o «estado de graça» do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - «o Abade esperava-nos com ar sombrio e preocupado. Tinha na mão um papel.
Recebi agora uma carta do Abade de Conques - disse. Comunica-me o nome daquele a quem João confiou o comando dos soldados franceses e o cuidado da segurança da delegação. Não é um homem de armas, não é um homem de corte e será ao mesmo tempo um membro da delegação.
- Raro conúbio de diferentes virtudes - disse Guilherme, inquieto. Quem será?
- Bernardo Gui, ou Bernardo Guiaoni, como queirais chamar-lhe.
Guilherme explodiu com uma exclamação na sua própria língua, que eu não compreendi, nem o Abade, e talvez fosse melhor para todos, porque a palavra que Guilherme disse sibilava de modo obsceno.
- A coisa não me agrada - acrescentou logo. Bernardo foi durante anos martelo dos hereges na região de Toulouse e escreveu uma Practica officii inquisilionis heretice privatitis,....

Risos do PSD.

... para uso de todos aqueles que tenham de perseguir destruir valdenses, beguinos, santanários, fraticelli e dolcinianos.» (Umberto - Eco - O Nome da Rosa.).
Será que o Governo reconhece, neste texto, o seu conceito de «descomprometimento» da política activa? Será que este conúbio de virtudes é o espelho em que se reflectem os membros do actual concelho da RTP?
Com a sua prática política, o Governo dá-nos b direito à desconfiança e com ele o dever de denunciar.

Aplausos do PS e do depredo João Corregedor da Fonseca, do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. reputado Mendes Bota inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas vou informá-lo que nem o Grupo Parlamentar do PSD tem o Sr. Deputado José Luís Nunes, do Grupo Parlamentar do PS, dispõem de tempo.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, efectivamente a bancada do CDS fez, o favor de me conceder alguns minutos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso pode dispor de 3 minutos por cedência do Grupo Parlamentar do CDS.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Disse o Sr. Deputado José Luís Nunes que o actual Governo, presidido pelo Professor Cavaco Silva, tinha terminado o seu estado de graça. Efectivamente, para o PS, que bastantes amargos de boca sentiu com a penalização, no seu entender excessiva, que o eleitorado lhe deu no passado dia 6 de Outubro, não chegou nunca a existir o estado de graça, porque a sua desgraça lhe não permitiu admitir sequer o favor desse estado de graça para o PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, efectivamente, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que verificamos é que, 2 meses depois de o PSD ter sido o grande vencedor das eleições legislativas e de podermos admitir que existe um estado de graça esse estado de graça foi confirmado plenamente nas eleições autárquicas que ainda no passado domingo, se verificaram. Portanto, não tem razão o PS ao reclamar o estado de desgraça para o actual Governo porque a população assim não o reconhece.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, temos um Governo que não é propriamente um Governo de convenção ou que deva ser sujeito a contínuos bloqueamentos e que para simples actos de gestão, de nomeação de directores gerais e de determinadas personalidades para certos cargos e para tomar decisões, tenha de consultar as forças sociais as oposições, etc.
Há, efectivamente, políticas de fundo onde é necessário encontrar consensos, reconhecemos o carácter minoritário da nossa força a nível de poder neste momento e por isso o Governo tem dialogado com as oposições dentro das políticas e das medidas de fundo que são necessárias e que o País exige.
Mas tem, também, o Governo procurado cumprir as suas promessas e não podemos esquecer que uma das

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promessas que mais fundo calou junto do povo português foi a de procurarmos contribuir para uma efectiva despartidarização da vida portuguesa.
Que me conste, Sr. Deputado José Luís Nunes, não há no novo conselho de gestão da RTP nenhum militante filiado no Partido Social Democrata. Tratam-se de independentes que, ao longo da sua vida profissional e dos cargos que ocuparam, demonstraram a sua capacidade e, quanto à capacidade como gestores da RTP, é ainda demasiado cedo para avaliarmos, muito menos sendo o PS a fazê-lo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também para a nomeação do Comissário da CEE não tivemos em conta o aspecto de estarmos a nomear um filiado do PSD. Pretendeu-se, acima de tudo, nomear uma capacidade, uma competência, um homem com a dignidade de Estado e um homem que já desempenhou as funções de ministro de um governo português.
Portanto, meus caros amigos, apenas queremos dizer que esperávamos que alguém aqui viesse dizer que as nomeações estavam a ser partidarizadas; esperávamos isso de todas as bancadas parlamentares menos da do PS, porque ninguém do povo português poderá esquecer que se houve alguém que, desde o 25 de Abril até hoje, partidarizou a vida portuguesa, desde o mais alto cargo de ministro até aos próprios contínuos do ministério, foi o Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Vitorino (PS): - O PSD nomeia os filiados e os afiliados!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, devo dizer-lhe que o Grupo Parlamentar do PS não tem tempo disponível.
Eu já tinha prevenido que nem o Sr. Deputado Mendes Bota nem o Sr. Deputado José Luís Nunes tinham tempo disponível. Como o CDS cedeu tempo ao Sr. Deputado Mendes Bota, pergunto se alguém cede do seu tempo ao Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, temos muito gosto em ceder também algum tempo ao Partido Socialista para permitir a resposta a esta intervenção e de acordo com o mesmo critério que usámos para o PSD.

Aplausos do CDS, do PS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado Gomes de Pinho. Nestes termos, dispõe de 3 minutos, Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Eu sabia que o CDS, nestas coisas, se porta sempre como um partido de cavalheiros.
O Sr. Deputado Mendes Bota acaba de justificar a razão da sua eleição para esta Assembleia, porque na intervenção que fiz fazem-se gravíssimas acusações ao Governo, nomeadamente a referente ao facto de a demissão dos gestores da RTP ser totalmente nula por estes não terem sido ouvidos, e o Sr. Deputado Mendes Bota não se incomodou com elas.
O Sr. Deputado tem todo o direito, e o Governo também, de pensar que os gestores da RTP, ou quaisquer gestores públicos, são maus, são péssimos, são incapazes, são ineptos e são incompetentes. No entanto, embora tenha todo o direito de pensar isso, se os quiser demitir com esses fundamentos tem de os ouvir, ou por escrito dar-lhes um prazo - que pode ser curto, mas razoável- para se defenderem.
É esta a filosofia da nossa intervenção e sobre isto o Sr. Deputado não abriu a boca. E nada disse, porque isto é assim.
Em segundo lugar, quando ao estado de graça, se o Sr. Deputado se desse ao trabalho de ouvir o que estou a dizer e vai-me desculpar, mas em relação a certas críticas costumo pensar menos que errei e pensar mais que as pessoas ou não ouviram ou não perceberam o que eu disse -, teria percebido que eu não disse que o Governo não tinha o estado de graça, mas sim uma coisa diferente. O que eu disse foi o seguinte, e vou citar: «Mais rapidamente do que era previsível vai-se esgotando o estado de graça do Governo».
A nossa opinião é que ainda não se esgotou esse estado de graça, mas com vitórias deste tipo, e de vitória em vitória, ele esgotar-se-á rapidamente. É uma opinião que não tira nem põe nem acrescenta nada à dureza e à realidade da intervenção.
Ficámos a saber que para o Sr. Deputado Mendes Bota a nomeação de um alto-comissário para a CEE é um acto de gestão; acabou, ponto final, não vale a pena discutir! Ficámos a saber que o Governo - e aí vou defender o Governo porque o Governo nunca disse uma tal barbaridade -, decidiu contribuir para uma efectiva despartidarização da vida portuguesa!
O Governo tem pessoas de qualidade que não dizem esse tipo de barbaridades ...

Uma voz do PS: - Muito bem!

Risos do PSD e do CDS.

O Orador: - ... e o que disse foi diferente. Foi que decidiu contribuir para a despartidarização de certa actuação a nível do Estado Português e de certos segmentos do Estado. Agora, despartidarizar a vida portuguesa era ser contra a democracia e o Governo não é contra a democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Mendes Bota também não é contra a democracia mas é incapaz e precipitado.

Risos do PS.

Quanto ao problema de termos partidarizado os mais altos cargos desde 1974, é mentira, é uma falsidade permanente, mas não vale a pena discutir o assunto; ficará a minha palavra contra a sua e todos conhecemos os factos.
«Desde o ministro ao contínuo» - diz. É evidente que é gravíssima a ideia de partidarizar um contínuo e vários cargos que estão, até, muito acima dos de contínuo. Agora também não tem sentido a ideia - e vai-me desculpar - de tentar despartidarizar a figura de um ministro ...

Uma voz do PS: - Muito bem!

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O Orador: - ... porque em democracia os ministros são membros de partidos políticos e são naturalmente partidarizados.
Nós, de certa maneira ao constituirmo-nos em partido político partidarizámos a figura do ministro, colocámos lá membros do nosso partido de vez em quando um ou outro independente -, mas quando formámos governo foi sempre por escolha do nosso partido que o constituímos o PSD e o CDS fizeram a mesma coisa e penso que continuarão e devem continuar a fazê-lo, a bem da democracia.
O Sr. Deputado Mendes Bota na sua intervenção não põe em causa aquilo que eu disse quanto ao, essencial, limita-se a fazer um conjunto de afirmações que são, pelo menos, precipitadas e que tomo exactamente como precipitações por não pretender tirar delas nenhum juízo acerca da concepção ou falta total de concepção de Estado que V. Ex.ª tem sobre estas matérias. Isto para não ser mais cruel e não falar noutros nomes mais fortes como ignorância, desconhecimento, etc.

Aplausos do PS.

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo).

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão, efeito para o qual dispõe de 4 minutos Sr. Deputado.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com as férias do Natal à porta, são muitos milhares de emigrantes que aproveitam esta quadra natalícia para virem matar saudades da sua Pátria, das suas famílias e dos seus amigos.
Mas é ao mesmo tempo um drama para aqueles que se metem nesta aventura, quer em viatura própria, quer em autocarro, ou em comboio. São bichas infindáveis junto às fronteiras sem o acolhimento devido e as informações necessárias.
São os comboios superlotados, muitas vezes sem água e sem aquecimento, e com muitas horas de atraso. São problemas velhos e graves que todos os anos se repetem, sem que os governantes tomem as medidas justas para facilitar e criar melhores condições aos emigrantes que se deslocam.
As medidas tomadas em anos anteriores, e já anunciadas para este ano, hão resolvem nenhum dos muitos problemas em causa. Com claros intuitos de promoção e de propaganda do membro do Governo responsável pela emigração, a verdade é que, até hoje, tudo o que foi feito em nada beneficiou as condições de regresso.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: - A emigração ide muitas centenas de milhares de operários, quadros técnicos, intelectuais e outros trabalhadores, sobretudo numa idade em que mais haveria quê esperar, da sua força produtiva, do seu espírito criativo e capacidade de realização, foi um importante factor de empobrecimento do País.
Isto foi no passado. Hoje a situação não é menos grave.
O regresso, forçado ou não, desta mão-de-obra barata, que foi aproveitada pelos países de acolhimento de todo um potencial humano, com o qual os países beneficiados não gastaram um centavo na sua formação, mas que hoje, com a crise que se instalou na Europa a alternativa que oferecem aos emigrantes é o regresso quase sempre forçado. No entanto, os emigrantes para serem aceites nos países de acolhimento foram obrigados a todo o tipo de vexames para poderem singrar no trabalho e na vida. Os anos passaram, a riqueza do seu trabalho ficou lá; agora que já não servem são tratados como objectos inúteis, muitos deles já cansados, doentes e são obrigados a regressar.
Mas cabe aqui fazer uma pergunta: quais as medidas que os governos têm tomado? A resposta é negativa, os emigrantes na sua grande maioria encontram-se entregues a si próprios, sem apoio efectivo por parte dos sucessivos governos quer nos países de acolhimento, quer quando regressam à sua Pátria.
Mas, Sr. Presidente, e Srs. Deputados, o drama destes emigrantes não acaba aqui, muitos deles estão divididos entre a Pátria e os filhos que nasceram e cresceram e tantas vezes casaram no estrangeiro. Muitos milhares de emigrantes hesitam entre ficar e regressar. Outros, ainda, debatem-se com as limitações impostas ao direito de reagrupamento familiar. Apesar de todas as dificuldades, hoje novos problemas se colocam aos milhares de trabalhadores que partem clandestinamente ou com contratos por tempo determinado e igualmente aos contratados por empresas em Portugal. Uns e outros continuam além fronteiras, entregues a si próprios, sem nenhuma protecção oficial.
São os falsos contratos, o não cumprimento por parte das empresas empregadoras dos termos dos contratos, e são ainda aqueles trabalhadores que são burlados em Portugal por algumas dessas empresas. Os sucessivos Governos nada tem feito para acabar com esta situação e tem sido com a sua complacência que cada vez mais casos destes se vão repetindo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Outro problema que tem vindo á agravar-se assustadoramente nos últimos tempos é o abandono a que estão a ser votadas as associações de emigrantes em toda a Europa. Associações que têm tido e continuam a ter dentro da comunidade um papel formativo e informativo, quer divulgando e preservando a língua e cultura portuguesas, quer no campo desportivo quer ainda na ajuda aos nossos compatriotas, mas que ano após ano têm vindo a ser esquecidas, muito em particular pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas.
Também com a entrada de Portugal na CEE muito se prometeu junto dos emigrantes.
No entanto o que se pode dizer é que há também aqui o total desconhecimento dos termos do acordo e os serviços consulares não dão informações que lhes são pedidas pelos emigrantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sempre o PCP se interessou pelos problemas da emigração.
Foi nesse sentido que no corrente ano se realizou o Encontro sobre a Emigração, que contou com dezenas de participantes vindos dos mais variados cantos do Mundo, e onde se discutiu e analisou de forma profunda os muitos e graves problemas com que se debate a emigração e onde também foram apontadas medidas e soluções para todos os graves problemas que afectam os nossos emigrantes.

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Aproveitando a oportunidade queremos saudar de forma particular todos os emigrantes que regressam à sua Pátria nesta quadra natalícia, reafirmando a nossa disponibilidade e empenho para que a Assembleia da República contribua para a solução destes problemas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, concluímos o período de antes da ordem do dia e vamos, portanto, passar à primeira parte do período da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário Daniel Bastos vai anunciar os projectos de lei que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deram entrada na Mesa os seguintes projectos de lei n.º 78/IV, da iniciativa dos Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares, referente ao recrutamento para assistência ou secretariado dos deputados ao Parlamento Europeu e o n.º 77/IV, da iniciativa do Sr. Deputado António Mota, e outros, do PCP, referente à criação do Museu do Trabalho Industrial do Porto, que baixou à 4.ª Comissão (Comissão de Educação, Ciência e Cultura).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora à apreciação do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, no sentido de autorizar um Sr. Deputado a prestar declarações, que vai ser lido.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 4876 do Instituto Geográfico e Cadastral, de 27 de Novembro último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Cláudio José dos Santos Percheiro, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a prestar declarações como testemunha no processo de averiguações preliminares em causa.
Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 18 de Dezembro de 1985. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Não havendo inscrições, vamos proceder à votação do referido relatório.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, seguidamente o Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, referente à substituição de deputados.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Em reunião realizada no dia 19 de Dezembro de 1985, pelas 10 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputados, solicitada pelo Partido Comunista Português:

Ângelo Matos Mendes Veloso (círculo eleitoral do Porto), por António Manuel da Silva Osório. Esta substituição é pedida para os dias 19 de Dezembro corrente a 30 de Janeiro próximo, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS), - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD), - Secretário, António Sousa Pereira (PRD), - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP), - António Roleira Marinho (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Domingos Silva e Sousa (PSD) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - Jorge Pegado Liz (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão. Não havendo inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 9 a 13 do Diário respeitantes, respectivamente, às reuniões plenárias de 26 a 28 de Novembro findo e às de 3, 5 e 6 do mês corrente.

Pausa.

Como não há objecções, consideram-se aprovados. Srs. Deputados, passamos agora à segunda parte da ordem do dia.

A Sr.ª Maria Santos (Indep. - Os Verdes): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Maria Santos (Indep. - Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria de saber se seria possível, tendo em conta que hoje é a penúltima sessão plenária desta

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Assembleia antes de férias, fazer uma entrega simbólica de lembranças do Partido Os Verdes que tem a ver com o posicionamento que espero que esta Assembleia venha a ter no próximo ano, no sentido de disponibilizar tempo para os deputados independentes.
Nestes termos, se me der licença, gostaria de fazer agora essa entrega.
Neste momento a deputada independente Maria Santos fez a entrega de lembranças ao Sr. Presidente e aos Grupos Parlamentares do PSD, do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

Aplausos dos partidos mencionados.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Sr. Presidente, gostaria de lembrar que a Sr.ª Deputada Maria Santos, no fundo, alinhou com a discriminação em relação aos deputados independentes...

A Sr.ª Maria Santos (Indep. - Os Verdes): - Não, Sr. Deputado, não concluí ainda a distribuição das lembranças.

O Orador: - Ah, bom...

A deputada independente Maria Santos fez a entrega das lembranças aos deputados independentes Lopes Cardoso ë Ribeiro Teles.

O Sr. Borges de Carvalho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (CDS): - Sr. Presidente, é para um protesto sob a forma de interpelação à Mesa.
É que eu também sou independente, que diabo!

Risos.

O Sr. Presidente: - Bom, Srs. Deputados, como estamos já em período natalício, faço também uma concessão, dando a palavra à Sr.ª Deputada Maria Santos para que esta se possa pronunciar.

A Sr.ª Maria Santos (Indep. - Os Verdes): - Sr. Presidente, a única coisa que gostaria de dizer é que, efectivamente, fiz a entrega segundo o critério seguido normalmente pelo Sr. Presidente. Portanto, distribuí as lembranças apenas aos deputados independentes que aqui representam partidos e como o Sr. Deputado Borges de Carvalho está agregado a um grupo parlamentar, a oferta que fiz a esse grupo é-lhe extensiva. Peço até que reflicta sobre a possibilidade de alteração do Regimento, participando, no sentido de ser disponibilizado tempo aos deputados independentes.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, depois deste gesto da Sr.ª Deputada Maria Santos vamos passar à segunda parte da ordem de trabalhos referente às ratificações n.º 28/IV e n.º 29/IV, ambas da iniciativa do PCP, relativas aos Decretos-Lei n.ºs 129/84 e 374/84.
Para fazer a apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, não é para proceder à apresentação, mas para interpelar a Mesa, se me permite.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, tendo em conta a importância da matéria que vamos passar a analisar, entendo que a Câmara deveria poder ouvir do Sr. Ministro da Justiça - que está presente - algumas considerações introdutórias que viessem a fornecer dados estatísticos e elementos de reflexão indispensáveis para um trabalho aprofundado e criterioso em torno da questão dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tal qual ela está colocada após a ratificação pedida pelo PCP.
Suponho que, à semelhança do que, tem acontecido noutros debates, seria inteiramente pertinente e desejável que o Sr. Ministro da Justiça pudesse, desde já e antes de quaisquer outros oradores, usar da palavra, com o objectivo sinalizado de contribuir para a dignidade científica da discussão aberta.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, como sabe, em conferência de líderes foram distribuídos tempos e foi concedido ao Governo, se este quiser intervir, o tempo de 25 minutos.
A Mesa não pode, de forma nenhuma, forçar o Sr. Ministro da Justiça a intervir.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, fundamentalmente queria perguntar à Mesa se o debate dos dois pedidos de ratificação, que foram formulados, é conjunto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é em conjunto e os tempos foram fixados também em conjunto para as duas ratificações, o que foi acordado em conferência de líderes.
Para prestar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que o Governo tem a obrigação - que naquilo que me toca é sempre muito gostosamente cumprida - de prestar à Assembleia, perante a qual é politicamente responsável, todos os esclarecimentos e todas as aportações que lhe caiba prestar.
Acontece entretanto que, tratando-se de um pedido de ratificação de um diploma, me parece dever ser o partido que suscitou esse processo aquele que deverá elencar os motivos que determinaram e que subjazem a esse pedido, porque na realidade se eu fosse, neste momento, fazer uma intervenção, tal como sugeriu o Sr. Deputado José Manuel Mendes, estaria aqui a fa-

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zer uma dissertação académica, falhando-me, para mais, os méritos e os dotes que justificassem esse tipo de intervenção.
Consequentemente, parece-me mais expedito e mais operativo que seja talvez o Sr. Deputado - e não estou com nenhuma pedagogia regimental, estou apenas a dar uma sugestão e justificar um certo silêncio temporário, pelo menos da minha parte - ou os Srs. Deputados que entenderem a porem ao Governo as questões e a demarcarem as pistas de reflexão que poderão entender.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao requerermos a apreciação, pela Assembleia da República, dos dois decretos-leis hoje em apreço, quisemos, nós grupo parlamentar do PCP, trazer a esta Assembleia a gravíssima situação dos tribunais administrativos e fiscais. Não para sobre ela fazer apenas algumas reflexões de cunho académico, mas para que a Assembleia possa adoptar as providências que são da sua competência - de resto exclusiva - e que se afiguram, a todos os títulos, urgentes.
Consideramos significativo que esta ratificação tenha sido agendada. É a primeira vez que tal sucede nesta legislatura numa matéria desta área da justiça e é também um facto singular, uma vez que tem estado bloqueada a capacidade de fiscalização de decretos-lei governamentais por parte da Assembleia da República.
Cremos que o consenso que se estabeleceu, em torno da necessidade de apreciar estes decretos-leis, decorre da gravíssima situação que os tribunais administrativos e fiscais atravessam.
Toda a gente tem a consciência, ou ao menos o proclama, da importância do contencioso administrativo. Há frases grandíloquas e correntes que se dizem: «O contencioso administrativo é a mais sólida garantia da legalidade democrática», «o contencioso fiscal é a mais sólida garantia do contribuinte». Mas em todo o caso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, há uma grandíssima distância entre estas proclamações de princípios - que de resto têm assento constitucional - e a realidade do nosso sistema judicial.
Isso não pode ser desgarrado da ausência de medidas legislativas atempadas e da ausência de providências de carácter organizativo, administrativo e financeiro e de garantia de meios pessoais. Como também sabemos, tais medidas não foram adoptadas em tempo nesta área que é uma área fulcral.
Creio, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro, que nenhuma dúvida subsiste sobre a causa fulcral do actual bloqueamento - porque de bloqueamento se trata - dos nossos tribunais administrativos e fiscais.
Creio que não poderia ser outro o resultado da subsistência até 1984, muitos anos depois do termo que a Constituição tinha fixado para essa situação, de uma estrutura orgânica que foi definida em 1956/1957 e que atravessou, sem grandes estrangulamentos, o início dos anos setenta para entrar em colapso, ou para baquejar, logo que a construção do regime democrático em Portugal confrontou a nossa Administração Pública com a natural intensificação do exercício do direito do recurso contencioso, quebrando naturalmente velhos temores, sem no entanto termos conseguido revolucionar a orgânica e o processo dos tribunais administrativos nem acrescer significativamente os meios disponíveis.
Creio que é útil trazer a esta Câmara os indicadores estatísticos que exprimem o processo de degradação em curso. Esses indicadores são verdadeiramente impressionantes.
Em 1975, entraram na 1.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo 517 recursos, e foram julgados 408; em 1976, entraram 419 recursos e foram julgados 275; em 1977, 815 recursos entrados, 240 julgados; em 1978, 1306 recursos entrados e 609 decididos; em 1979, entram 1853 recursos e são decididos 1439; em 1980, para 1475 recursos entrados são julgados 1394. E assim por diante: em 1981, 1393 processos distribuídos, em 1982, 1344; em 1983, 1689; em 1984, 1983 processos. O défice anual da 1.ª secção disparou para não mais se deter. Também os processos distribuídos ao tribunal pleno cresceram de forma significativa (44 em 1974, 46 em 1975, 26 em 1976, 45 em 1977, 64 em 1978, 203 em 1979, 270 em 1980, 189 em 1981, 148 em 1982, 211 em 1983, 187 em 1984). O acréscimo global de recursos nas duas instâncias do Supremo Tribunal Administrativo entre 1974 e 1984 foi da ordem dos 535%.
Como comprovam interessantes estudos estatísticos divulgados em Julho deste ano, o volume de recursos entrados na 1.ª secção do Supremo Tribunal Administrativo nos anos de 1982-1983 e 1983-1984 revela uma clara tendência para o disparo: em 1982-1983 passou-se de 1344 processos para 1689 (isto é, mais 25,6%); em 1983-1984 passou-se de 1689 para 1983 processos.
O número de processos pendentes na 1.ª secção reflecte, como todos reconhecerão, a carência do quadro de juízes. A estatística mais recente referente ao ano de 1985 revela que só em Julho o número de processos julgados ultrapassou o número de processos entrados.
Em Novembro, portanto no mês passado, na 1.ª secção foram julgados 8 processos vindos das auditorias e ficaram pendentes, para o mês seguinte, 295; foram julgados 83 dos recursos interpostos directamente e ficaram pendentes 2432 processos.
No mesmo mês, na 2.ª secção do Contencioso Tributário foram julgados 39 processos e ficaram pendentes 375.
No pleno, no mesmo período, vindo da 1.ª secção, nenhum processo foi julgado e ficaram por apreciar 541 processos; vindos da 2.ª secção, foram julgados 21 processos e ficaram pendentes 51.
Os dados agregados ainda são mais impressionantes, Sr. Presidente, Srs. Deputados. Somando os dados do movimento mensal de processos nas 1.ª e 2.ª secções e no pleno chega-se aos seguintes resultados: em Julho, houve 407 processos julgados e 3454 pendentes; em Outubro, tinham sido julgados 146 e ficado pendentes 5660 processos; em Novembro, portanto a estatística mais recente, foram julgados 151 processos e ficaram pendentes 3704.
Estes dados, Sr. Presidente, Srs. Deputados, falam por si. E se tiver em conta que ninguém mais tocou nos processos dos juízes, cujo lugar vagou por morte ou por transferência, é bom de ver que a presente situação é inteiramente insustentável.
O número de casos à espera de decisão cresce constantemente. Não há exagero nenhum - infelizmente! - em falar-se em avalanche. Ao mesmo tempo,

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a duração dos processos alonga-se e a ratio aceitável de processos por juiz é perigosamente excedida, atingindo hoje, cremos, o dobro do número considerado adequado, o que é particularmente chocante, se confrontado com a situação dos juízes das secções cíveis do Supremo Tribunal de Justiça.
Como se o atraso com que os processos são julgados não bastasse para esvaziar substancialmente a garantia constitucional do recurso contencioso, importa que a Câmara toma consciência de que nos últimos anos se tem desenvolvido, também por parte da Administração Pública, uma atitude de deliberado incumprimento de acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, pondo em causa o normal funcionamento dos tribunais administrativos e a eficácia das suas decisões.
Na nossa opinião, é absolutamente insustentável e constitui um gravíssimo desafio à autoridade e ao prestígio do Supremo Tribunal Administrativo a manutenção de uma situação de incumprimento reiterado, contumaz e deliberado de cerca de 300 acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo respeitantes à entrega de reservas na Zona de Intervenção da Reforma Agrária.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se verdadeiramente, em nosso entender, e no entender de largos sectores democráticos, de um verdadeiro quisto de incumprimento da legalidade democrática que põe em causa a própria essência do Estado democrático num ponto fulcral, que é o cumprimento das sentenças dos tribunais administrativos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Posto isto, perguntar-se-á, com razão: o que quer então o PCP ao requerer este processo de apreciação?
Dispensarei por completo recordar a Câmara da maneira sinuosa, acidentada, irregular e bastante infrutífera como este processo de reforma, que hoje está em apreço, foi conduzido.
Sabemos que o IX Governo solicitou uma autorização legislativa, sabemos também que a usou muito tardiamente: o primeiro dos decretos-leis foi tirado a ferros, porventura mais por mérito dos magistrados empenhados no processo de revisão do que da equipa ministerial em funções à data.
Sabe-se também que só por especial atenção do Sr. Presidente da República foi promulgada em tempo e entrou em vigor esta primeira peça da reforma dos tribunais administrativos e fiscais. O Governo, então em funções, não teve nisso grande mérito!
Por outro lado, a reforma foi substancialmente lacunar, circunscrevendo-se ao aspecto da orgânica e mesmo assim, incompletamente. Foi deixada para muito mais tarde a questão fulcral da reforma do processo administrativo, absolutamente fundamental para a operatividade das transformações a imprimir nesta área.
Por outro lado, ficaram inteiramente por adoptar as reformas processuais na esfera do contencioso tributário - que ainda hoje é aguardada - e na esfera do contencioso aduaneiro - que se aguarda também -, em relação às quais, de resto, o Ministério da Justiça não revela grande atenção, uma vez que tradicional -
mente se tem entendido que isso se trata de matéria dos homens das finanças, dos homens das alfândegas, o que, naturalmente, prejudicou, distorceu e amputou a própria qualidade do trabalho que conduziu à elaboração do decreto-lei, primeiro, que hoje está em apreço.
Por outro lado, o decreto que regulamentou o estatuto, cuja elaboração estava prevista até 30 de Setembro de 1984, só bastante tempo depois é que veio a ser aprovado e publicado (foi um processo muito complexo, moroso e, de resto, imperfeito). Quanto à lei de processo, que foi publicada em Julho de 1985, entrou em vigor em 1 de Outubro. Portanto, o juízo que hoje fazemos no momento da apreciação desta ratificação é um juízo instruído pelo tempo decorrido e é um juízo que tem também em conta a catastrófica situação em que, em particular, o supremo tribunal se encontra, depois da reforma.
Isto leva-nos à primeira interrogação, que gostaríamos de deixar neste debate.
O governo ou os governos que se empenharam nesta reforma sustentaram que dela ia decorrer uma substancial melhoria da justiça administrativa.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Creio que uma conclusão, que hoje se impõe, é a de que a reforma, nos termos em que foi apresentada, concebida e aplicada não conduziu a uma substancial melhoria pelo contrário, a situação tem-se degradado. Isto porque, em nosso entender, a reforma não resolveu alguns dos problemas fulcrais que há a resolver em matéria de organização da justiça administrativa.
Isto é, o diploma giza, de resto, ao arrepio da orientação de anteriores comissões de reforma, um complicadíssimo sistema de criação no interior do Supremo Tribunal Administrativo, situado em Lisboa, de secções, de subsecções, de plenos de secções, de plenário, mas não faz aquilo que seria fulcral fazer, ou seja, não cria 3 instâncias do contencioso administrativo, tal como há, de resto, 3 instâncias do contencioso fiscal.
Isto quer dizer que uma das questões fulcrais para a aproximação entre a justiça e as populações, entre os tribunais e os administrados, ficou por realizar. Pretendeu-se, de resto incompletamente, concentrar em Lisboa, numa gigantesca cabeça, aquilo que depois não tem correspondência no corpo e nos restantes membros do contencioso administrativo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Quer isto dizer que continuaríamos a ter uma justiça concentrada (e congestionada!), mesmo que a reforma tivesse sido executada nos seus termos integrais. E não foi, desde logo porque não foi preenchido o quadro dos magistrados, que seria necessário e adequado, para cumprir mesmo a ideia superconcentracionária do Governo e do diploma que estamos a apreciar. Não foi. Pelo contrário, foram entretanto abertas vagas. Isto quer dizer que hoje estamos pior do que estávamos à data da reforma e os processos, como sublinhei, que estavam nas mãos dos magistrados cujo lugar vagou, estão pura e simplesmente inertes, aguardando despacho, em alguns casos há mais de 1 ano. Este é o primeiro aspecto.
Segundo aspecto: não foram adoptadas algumas providências fulcrais em matéria de meios materiais e de instalações e de cumprimento do próprio calendário de

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reformas que o decreto-lei referia. Por exemplo - e era interessante que o Sr. Ministro informasse a Câmara sobre isto -, está por instalar o tribunal de círculo de Coimbra; o tribunal do Porto sabe-se como habita num cochicho um pouco infamante e, em qualquer caso, inadequado; a situação em Lisboa é, apesar de tudo, um pouco melhor, dada a transferência de instalações operada.
Em todo o caso quanto a Coimbra não há - que saibamos - qualquer providência, embora esteja apalavrado um novo edifício para instalar adequadamente o respectivo tribunal de círculo. Portanto, a situação poderá vir a ser não só preocupante como de ruptura.
Por outro lado, persiste a carência de medidas que resolvam o problema gravíssimo das instalações do Supremo Tribunal Administrativo - que estoira no edifício em que se encontra e que, como se sabe, está em obras (mas elas são insuficientes) e ainda dar aos tribunais de círculo os meios e as instalações de que precisam.
Importa também referir que o Governo - creio que um pouco abusivamente - se aproveitou da autorização concedida pela Assembleia da República para, em relação à composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, impor uma bateria de requisitos, que nos parece abusiva, em relação aos membros a eleger pela Assembleia da República. Nos termos do decreto-lei que estamos a apreciar, a Assembleia tem direito a eleger 4 membros mas o diploma estabelece uma tal malha de requisitos que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quase se afigura estarmos perante uma lei individual muito rigorosa na identificação, pelo menos pela negativa, de quem não poderia ter acesso ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Desta perspectiva nos dissociamos completamente e entendemos que a Câmara não deve adoptar aqui uma solução mais onerosa ou distinta daquela que foi adoptada para o Conselho Superior da Magistratura. Creio que, em relação a este ponto, a Câmara poderá estabelecer um consenso no quadro do processo de ratificação.
Concluiria dizendo que, em nosso entender, o processo de ratificação deve centrar-se nas alterações, uma vez que ninguém põe em questão a recusa da ratificação e, portanto, não vai haver lugar a nenhuma votação sobre a questão da ratificação ou não (aliás, isso não teria cabimento face ao novo regime constitucional). Que alterações? As que contribuam para uma verdadeira descentralização, para a clarificação da enorme confusão que o Governo introduziu em matéria das competências dos tribunais fiscais (designadamente na delimitação das áreas de actuação entre a administração fiscal e os tribunais fiscais), para a definição rigorosa do papel do representante da Fazenda Pública, sobre o qual também pendem inextricáveis confusões, sem que, até agora, o Governo tenha adoptado qualquer providência. Importa também rectificar a composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e suprimir o abusivo sistema transitório, de recrutamento de juízes, que até agora tem vigorado com flagrante insucesso. Neste momento está criada uma situação inextricável em matéria de provimento de quadros, visto que o sistema previsto na lei, a título transitório, falhou rotundamente. A prova disso é que os processos de candidatura apresentados circularam para vistos (contra o artigo 114.º do diploma) sem qualquer êxito até à presente data! Espera-se, em suma, que a Assembleia possa vir a contribuir positivamente para superar o actual bloqueamento da justiça administrativa, pôr em funcionamento, o mais depressa possível, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, fazer, com urgência, o provimento dos quadros, normalizar a situação do Supremo, garantir instalações, aprofundar as reformas processuais e, assim, contribuir para romper com um dos estrangulamentos mais graves que, em larga medida, transformam a legalidade administrativa numa ficção em Portugal.
Foi para acabar com essa situação que o Grupo Parlamentar do PCP proeurou colocar, hoje e nos termos em que o fez, esta questão à Assembleia da República, e fazemos votos para que estes objectivos possam vir a ser alcançados.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista vai conceder a ratificação dos Decretos-Leis n.ºs 129/84, de 27 de Abril e 374/84, de 29 de Novembro.
Fá-lo, em primeiro lugar, porque emende que estes diplomas constituem o primeiro instrumento legislativo, emitido ao abrigo da Constituição de 1976, tendente a substituir parte significativa, quer do Código Administrativo quer do Decreto-Lei n.º 40 768, cuja inadequação ao ordenamento jurídico vigente em Portugal após o 25 de Abril é, podemos dizê-lo, gritante.
Visa-se assim adaptar a estrutura fundamental do contencioso administrativo aos novos princípios do Estado de direito democrático que o ordenamento constitucional consagra.
Pensamos que esses decretos-leis não constituem, naturalmente, a última palavra desejável acerca do contencioso administrativo ideal, de que a defesa dos direitos e garantias dos administrados em Portugal carecem aqui e agora. Mas, sem dúvida, eles representam a tentativa - tentativa decerto tardia - de dar cumprimento aos normativos da Lei Fundamental, designadamente àquelas componentes mais relevantes que resultaram das alterações introduzidas pela revisão constitucional de 1982, que deu significativos passos em frente no sentido de reforçar a protecção e a garantia dos direitos e dos interesses dos administrados.
É o caso da redefinição do conceito de contrato administrativo, em sentido ampliativo, tendo em vista abranger um número mais vasto de casos concretos subsumíveis à noção adquirida na lei - aliás, a noção não é completa; poderia ser melhorada, mas é uma noção mais operativa do que aquela que os administrativistas dispunham antes da entrada em vigor deste decreto-lei; da consagração, em termos que reputamos tendencialmente correctos, da declaração de ilegalidade dos regulamentos, numa solução que satisfaz, de facto, alguns dos objectivos fundamentais do normativo constitucional, mas que, em certa medida, fica aquém do que por nós seria desejável e daquilo que foi expressamente cominado no decurso do debate da revisão cons-

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titucional. É o caso também da nova repartição de competências entre as diversas instâncias dos tribunais administrativos e fiscais, através da revisão das estruturas do contencioso, em termos que visam responder às graves situações existentes de entorpecimento da administração da justiça administrativa e fiscal, sem embargo do empenhamento que magistrados administrativos e fiscais, aos seus diversos níveis, decerto, têm dispensado à resolução dos casos concretos.
Não acolheu, de facto, o decreto-lei a ideia, aqui há pouco referida, das três instâncias do contencioso administrativo. Por ela até poderíamos nutrir alguma simpatia e estamos dispostos a apreciar, em concreto, as suas eventuais virtualidades.
Do esboço de acolhimento que este decreto-lei faz, embora em termos tímidos, do reconhecimento dos meios de tutela de direitos e interesses legalmente protegidos, como comina o n.º 3 do artigo 268.º da Constituição, poder-se-á dizer que é uma primeira tentativa de responder a uma verdadeira revolução no domínio do contencioso administrativo em Portugal. Nesse sentido, embora seguindo um método meramente aproximativo, é um contributo que cumpre relevar.
A consagração do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais é outro aspecto marcante, nomeadamente no que diz respeito às amplas atribuições e competências que lhe são conferidas pelos decretos-leis, atribuições e competências essas que se nos afiguram imprescindíveis ao adequado funcionamento do contencioso administrativo e fiscal, e ainda da consagração de um conjunto assinalável de mecanismos que acentuam a natureza eminentemente jurisdicional dos tribunais do contencioso administrativo e fiscal, atenta a relevância que o contencioso em causa reveste nas sociedades modernas.
São aspectos que merecem concordâncias genéricas; são aspectos que, em nosso entender, justificam, logo à partida, que o Grupo Parlamentar do PS concedesse a ratificação dos decretos-leis em apreciação.
É, contudo, possível ir mais longe e complementar os decretos-leis em causa com outros normativos que passam não só pela reforma do processo em si mas também pela introdução de modificações na estrutura do próprio contencioso. Não porque as soluções que os decretos-leis consagram sejam perfeitas ou inatacáveis, mas sobretudo porque, neste momento, esta Câmara, em virtude do pedido de ratificação do PCP, está confrontada com duas opções fundamentais: ou se recusaria a ratificação - o que parece estar posto fora de questão -, repondo em vigor os velhos diplomas entretanto substituídos, ou se concederia a ratificação, introduzindo as modificações julgadas necessárias.
Se a opção é esta segunda, como parece ser, contudo também aqui duas vias podem ser encaradas: a de introduzirmos alterações meramente pontuais ou a de nos abalançarmos a uma revisão de fundo dos diplomas em causa.
Propendemos para uma revisão delimitada no seu âmbito por três razões fundamentais: em primeiro lugar, porque o modelo dos decretos-leis ora em apreciação não se encontra ainda suficientemente rodado nem experimentado para que nele se introduzam modificações que não se estribem em iniludíveis conclusões retiráveis da prática já testada.
É justo e correcto que as propostas de alteração sejam feitas com base em juízos intuídos pela experiência, mas os próprios autores do pedido de apreciação
dos decretos-leis reconhecem a incompletude da aplicação concreta da reforma, o que significa que ela ainda contém potencialidades e virtualidades que importa aprofundar.
Poderemos dizer que hoje estamos pior do que estávamos quando a reforma foi adoptada; o que já não é legítimo dizer é que o estamos por causa da reforma.
Em segundo lugar, porque o instituto da ratificação em si mesmo não se nos afigura ser o instrumento, ideal para introduzir, neste momento, alterações de fundo. A necessidade de apresentar todas as propostas de alteração, até ao final do debate na generalidade, é altamente limitativa das possibilidades de um estudo aprofundado e da necessária audição das entidades interessadas na apreciação, por ratificação, destes decretos-leis e é sintomático que a intervenção de abertura do debate não tenha indiciado, ela própria, quais são os sentidos fundamentais das alterações que se pretendem introduzir.
Foram diagnósticos justos e correctos; foram considerações que todos nós poderemos subscrever, mas não ficou uma ideia clara de qual é a hierarquia de prioridades das alterações a introduzir através da ratificação com emendas.
Em terceiro e último lugar, porque, em nosso entender, a urgência da constituição concreta e efectiva do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais aconselha a uma mera revisão pontual e célere, para a qual pretendemos contribuir, através de soluções que afastem alguns dos escolhos que, inegavelmente, o artigo 99.º contém ao consagrar um elenco de requisitos, particularmente especioso e, a nosso ver, desnecessário.
Para tanto, apresentaremos na Mesa, no final da presente intervenção, uma proposta que visa conferir à Assembleia da República o poder de designar, elegendo, quatro juristas de reconhecido mérito e comprovada experiência na administração activa ou no ensino das matérias do Direito Administrativo e Fiscal, designados nos termos a definir pelo próprio Regimento da Assembleia da República.
Limitamo-nos, por isso, neste momento e nesta intervenção, a breves considerações. Reservamo-nos para uma intervenção mais detalhada em sede de trabalhos na Comissão, mas insistimos numa rápida conclusão dos trabalhos desta revisão pontual, da qual poderão emergir ideias e sugestões que suscitem, com tempo e ponderação, a apresentação das adequadas iniciativas legislativas.
A urgência de proceder à ratificação da composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais aconselha prudência e parcimónia, sem prejuízo da disponibilidade de, perante alterações que possam merecer rapidamente a concordância de uma maioria nesta Câmara, procedermos à sua discussão em sede da Comissão.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista requereu a apreciação dos Decretos-Leis n.ºs 129/84, de 27 de Abril, e 374/84, de 29 de Novembro, que aprovam e regulamentam o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. É um direito constitucional e regimental que o

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PCP decidiu exercer, mas é também um direito desta Assembleia ver esclarecido o significado destes diplomas e também conhecer as razões profundas que fazem o PCP requerer a apreciação destes textos legais.
Na verdade, estes textos agora em apreciação inserem-se no objectivo de controle jurisdicional da Administração ou, como também se costuma dizer, da garantia da legalidade administrativa.
Trata-se de uma matéria não estabilizada que, de há muito tempo para cá, está a sofrer um processo evolutivo e que, ao ser observada ou analisada, terá de ser com a consciência de que alteramos hoje o que, certamente, teremos de melhorar amanhã.
Efectivamente, como os Srs. Deputados sabem, é longa a caminhada ou a evolução da garantia da legalidade administrativa. Inicialmente, era a própria autoridade ou ministro o juiz da legalidade dos seus actos.
Com Napoleão, apareceu a chamada «justiça retida»; passou a ser um conselho ou uma comissão a propor a decisão, mas esta decisão mantinha-se e continuava a pertencer ao ministro que havia praticado esse acto administrativo impugnado.
Mais tarde, já no princípio do nosso século, a burocracia ou a rotina deste processo - proposta de uma comissão ou conselho - fez com que fosse essa própria comissão ou conselho a tomar a decisão. Tínhamos chegado a uma fase, em que ainda nos encontramos, da chamada «justiça delegada», que aparece, apenas já no nosso século XX. Com esta «justiça delegada» aparece o controle jurisdicional da Administração. É indispensável, no entanto, que se compreenda que o controle ou a garantia da legalidade administrativa coloca-se na esfera dos direitos e liberdades dos cidadãos administrados.
No passado, o Estado era prepotente porque quase não havia limites legais ao seu poder soberano; hoje o Estado será prepotente porque nasceu e cresceu, detém uma grande parte dos meios de produção, regulamenta a actividade industrial e comercial. O Estado e portanto, hoje, potencialmente o grande violador dos direitos e liberdades. Daí o facto de ser muito importante o controle jurisdicional dos actos administrativos.
Esta contenção dos actos do Estado tem caracterizado a democracia: o Estado não é senhor dos seus actos; tem de se sujeitar também à lei. É isso o Estado de direito.
Mas a institucionalização da legalidade da Administração tem, efectivamente, uma dinâmica que ainda não parou. Isso mesmo foi, aliás, evidenciado pelo Sr. Ministro da Justiça na altura em que interveio aqui a respeito do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Disse ele, então:

Não nos propomos, porque infelizmente não creio que isso seja ainda possível, fazer uma alteração estrutural e substancial do contencioso administrativo e do contencioso fiscal - isso será numa tarefa de médio prazo -, mas a situação que actualmente se vive, em particular nos tribunais administrativos, requer que se tomem medidas urgentes.
Isto não quer dizer que, pouco mais de 1 ano passado, a conjuntura ou a experiência aconselhem alterações substanciais.
Nos Decretos-Leis n.ºs 129/84 e 374/84 optou-se pela separação da jurisdição administrativa e fiscal da jurisdição comum. Como sabem, é este o sistema seguido na maior parte dos países que integram a CEE, à qual aderimos, embora muitos outros Estados, principalmente os países do Leste e os Estados anglo-saxónicos, tenham uma organização unitária. Trata-se, no entanto, de uma questão que não é controversa e que julgo não ser necessário aqui desenvolver.
Na intervenção de apresentação feita pelo Sr. Deputado José Magalhães foi referido o bloqueamento dos tribunais administrativos. Creio que é uma constatação que, dificilmente, se pode recusar. Os remédios é que talvez não sejam aqueles a adoptar ou os mais aconselháveis.
O Sr. Deputado José Magalhães referiu expressamente duas questões, que creio ser importante abordar: a circunstância de não haver três instâncias no contencioso administrativo, enquanto que essas três instâncias existem no contencioso fiscal, e o facto de se exigirem demasiados requisitos para aqueles membros do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que são eleitos por esta Assembleia da República.
É, efectivamente, uma tentação para os civilistas e mesmo para os penalistas exigir três instâncias no Direito Administrativo, mas creio que é uma tentação que desconhece a história.
Se olharmos para a Europa, verificamos que todos os países, com excepção da Alemanha, da Bélgica e da Holanda, têm duas instâncias apenas. A Alemanha Federal tem três níveis em virtude do seu carácter federativo. Da forma como as decisões se conjugam nos Estados federados na Alemanha Federal resulta que exista aí três instâncias nos tribunais administrativos. Por exemplo, a Áustria só tem um nível de tribunais administrativos, nem dois tem.
Nos tribunais fiscais existem três instâncias, por um erro também da história. O erro é relativamente recente: situa-se na década de 20. Nessa altura, os secretários de Fazenda tinham poderes jurisdicionais, mas entendeu-se que isso deveria acabar e criou-se uma instância a substituí-los.
Ora, como nessa altura já existiam duas instâncias, aparece aqui enxertado, digamos que por um erro da história, uma terceira instância, que não tem razão de ser.
Mas porquê duas instâncias nos tribunais administrativos: porque talvez haja necessidade de uma maior uniformidade e mais rápida formação da jurisprudência dos tribunais administrativos. É uma forma mais fácil de aplicar, nas decisões, o pensamento dos próprios tribunais administrativos.
Os Decretos-Leis, cuja apreciação foi requerida - os n.ºs 129/84 e 374/84 -, constituem mais uma passada na evolução que referi dos tribunais administrativos e fiscais, e creio que constituem um passo positivo.
A responsabilidade e a autoria destes diplomas são do governo passado do PS/PSD. Da parte do Partido Social-Democrata, assumimos, com muito orgulho, essa quota-parte e, portanto, mantemos estes diplomas e recusamos a sua não ratificação.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveu-se o Sr. Deputado José Magalhães.

Acontece que chegámos à hora regimental para o almoço, no entanto, sugeria que esse pedido de esclarecimento fosse feito agora, uma vez que esta matéria

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terá de ser interrompida, na medida em que há um agendamento e, por consenso, estabeleceu-se que, a partir das 15 horas, entramos na discussão de uma outra matéria.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Concluímos esta!

O Sr. Presidente: - Mas é que há uma marcação, Sr. Deputado.
A informação de que disponho é a de que o consenso era no sentido...

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, era nosso objectivo tentar concluir da parte da manhã esta matéria; no entanto, se isso não fosse possível, concluí-la-íamos da parte da tarde e, se houvesse necessidade, prolongaríamos a sessão para se discutir o pedido de marcação.

Sr. Presidente: - Com certeza. O que penso é que o Sr. Deputado José Magalhães podia já formular o seu pedido de esclarecimento.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que sim, Sr. Presidente. Isso facilitará os trabalhos, com vantagem geral. De resto, o pedido de esclarecimento que quero formular é extremamente simples.
Creio que há uma espécie de hiato ou de quebra súbita no raciocínio do Sr. Deputado Correia Afonso. Ao que parece, reconhece que a situação do contencioso administrativo é, porventura, a mais degradante de sempre, mas depois, ao que parece, insiste na velha terapêutica quo tale, sem alterar um ponto ou uma vírgula.
E fá-lo em relação à questão, um pouco mais polémica, da instituição ou não de três instâncias, em termos que me parecem excessivamente peremptórios em relação às posições que o seu partido tem sustentado relativamente a esta matéria. Parece querer colocar-nos até na posição de, um pouco bizarramente, estarmos aqui a sustentar soluções que ninguém no mundo sustenta, «salvo, talvez, o caso da RFA, que ainda é um Estado Federal, etc...» Eu creio que há algum exagero na posição que o Sr. Deputado Correia Afonso sustentou nesta matéria.
Exagero, desde logo, porque não creio que a lição de direito comparado seja tão firme como aquela que aqui nos trouxe e que, de resto, tem sido sustentada com melhores argumentos no exterior por um dos membros da Comissão de Revisão da Orgânica dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Sr. Dr. Pinto Loureiro.
Não creio que seja essa a lição, pelo menos, em termos tão rigorosos. Mas, por outro lado, e pior ainda do que isso, não creio que tal análise seja transponível, com vantagem, para Portugal. Mais ainda, a ideia que primava na Comissão de Revisão da Orgânica dos Tribunais Administrativos e Fiscais era a contrária. . É sobre isto que eu gostava de ouvir o Sr. Deputado Correia Afonso. É ou não verdade, Sr. Deputado, que as comissões de revisão se inclinavam para a criação de um tribunal administrativo central com sede em Coimbra e com competências, enfim, multivárias?
Isto foi posição oficial do seu partido através das propostas de lei de revisão da orgânica dos tribunais administrativos e fiscais aqui apresentadas nos tempos do governo da AD. Portanto, não se trata seguramente de uma aberração e o ar com que o Sr. Deputado argumenta nesta matéria parece-me um pouco excessivo em relação a uma questão que deve ser vista desapaixonadamente e em relação à qual há uma margem de manobra que me parece bastante mais intensa do que aquela que o Sr. Deputado adiantou.
Em segundo lugar, gostava de lhe perguntar qual é o grau de disponibilidade do PSD para aperfeiçoamentos e alterações na especialidade. Ao que eu creio, o próprio Governo admite que são necessários retoques, bem como os próprios membros da Comissão de Revisão que admitem que certas funções carecem de correcção.
O que eu lhe pergunto é se está disponível para, no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, auscultar, por um lado, aqueles membros dos departamentos governamentais que seja pertinente ouvir em matéria de contencioso fiscal e em matéria de contencioso aduaneiro, para além das questões de direito administrativo, e, por outro lado, para ouvir os próprios membros da Comissão de Revisão, se assim entendermos, e outros magistrados, Resignadamente do Supremo Tribunal Administrativo, com vista à ponderação de quais são as intervenções necessárias.
Quanto à questão dos tribunais fiscais, eu gostava de lhe perguntar se o PSD propõe a supressão da tal segunda instância do contencioso tributário, que considera «um erro histórico» - Deus Nosso Senhor sabe porquê - e se é essa a grande proposta de reforma do contencioso fiscal que o PSD propõe, neste momento, aos Portugueses e ao mundo inteiro, porque é uma coisa um pouco bizarra, tanto quanto me pareceu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso, para responder.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, eu fiz um diagnóstico, aliás semelhante ao que o Sr. Deputado fez, e a doença é evidente; não é preciso ser médico especializado. Os tribunais - não só os administrativos, mas também os comuns, além de outros - estão atulhados de processos. A doença, efectivamente, traduz-se num bloqueamento.
Nós divergimos é nos remédios. Qual é o remédio a aplicar a essa situação, em relação à qual parece estarmos de acordo quanto à sua definição?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sei se divergimos, Sr. Deputado.

O Orador: - Quando eu próprio referi, há pouco, ser uma tentação cair para o lado das três instâncias no contencioso administrativo, eu estava a confessar-lhe que, efectivamente, o assunto é controverso.
Contudo, o que eu não disse, nem podia fazê-lo, foi que nós tínhamos de transferir para Portugal soluções «lá de fora», isto porque aqui nunca existiram três instâncias no contencioso administrativo. Não transferimos nada, elas já cá estavam. O problema não se põe em adoptar, do estrangeiro, soluções que não são nossas, põe-se é no sentido de saber se aquelas soluções que sempre foram as nossas são ou não de manter.

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É, portanto, uma questão diferente e quando invoquei situações do exterior foi, como o Sr. Deputado disse e bem, apenas em termos de direito comparado, para mostrar que não era um disparate tão risível o que se passava aqui em Portugal em muitos outros países isso também se passa.
Quando me pergunta se o PSD está numa posição de abertura para aceitar aquilo a que chamou «retoques», devo responder-lhe que o Sr. Deputado sabe que é essa a posição normal do PSD: estar aberto para o diálogo e para corrigir aquilo que eventualmente aceite estar errado. Aliás, em toda a minha exposição deixei isso bem claro quando referi que todo este problema está em evolução: nós melhorámos o que fizemos ontem e teremos de melhorar amanhã o que vamos alterar hoje.
Nessa evolução pressupõe-se um esforço de abertura, mas o que é preciso é que o Sr. Deputado José Magalhães compreenda que nesta matéria nunca há trabalho acabado.
Portanto, ao introduzir qualquer modificação o Sr. Deputado tem de saber sempre que está numa «corrida» e que isto é uma «passada» para resolver problemas neste momento, porque, nesta área do contencioso administrativo, em que nós lutamos em termos democráticos para salvaguardar os direitos, liberdades e garantias dos administrados, as soluções vão sempre melhorando.
Se há 50 anos tivéssemos dito o que estamos hoje aqui a dizer, ninguém acreditaria e, provavelmente, daqui a 10 anos, o que hoje referimos já está desactualizado.
E é com esta consciência, de que não há obra acabada, que, com certeza, qualquer partido tem de estar aberto para fazer os retoques que o Sr. Deputado referiu.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, relativamente ao prosseguimento dos trabalhos, gostaria de dizer que a posição do PSD é a seguinte: como temos às 15 horas a discussão da Lei da Caça, como os tempos previstos para a discussão dessa matéria vão previsivelmente ocupar toda a tarde e como não estamos disponíveis para um possível prolongamento da sessão, pois temos, a partir das 20 horas, uma reunião que já estava marcada há bastante tempo, é nosso entendimento que a discussão da matéria em apreço deve ser continuada em próximas sessões e que às 15 horas devemos iniciar a discussão da Lei da Caça.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que fez a interpelação à Mesa, quero dizer-lhe o seguinte: desde que a conferência de líderes decidiu, e foi assim ageridado, que se continuaria a apreciação desta matéria da parte da tarde, teremos mesmo de continuar e só depois entraremos na discussão da restante matéria, ou seja, dos diplomas sobre a Lei da Caça. Foi assim que ficou agendado por consenso obtido na conferência de líderes e, portanto, a Mesa não poderá dizer mais nada.
Nestes termos, informo os Srs. Deputados de que o tempo disponível para a apreciação das ratificações em apreço é ainda de 1 hora e 26 minutos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Em primeiro lugar, e do nosso ponto de vista, parece-nos que o debate não será muito mais longo. O tempo disponível é, ainda, de 1 hora e pouco, mas, pelo nosso lado, não pensamos que o debate se vá alongar muito mais.
Em segundo lugar, Sr. Presidente, tínhamos acordado, em conferência, que este debate pudesse ocupar um pouco da parte da tarde, admitindo que a sessão pudesse ir até às 21 horas, para que de modo algum fosse prejudicado o direito de reunião do PSD.
Foi este o entendimento e penso que não há razão para o alterar neste momento, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, pondo cobro a este diferendo, devo dizer que houve aqui na nossa bancada uma interpretação diferente da actual em relação ao consenso atingido em conferência de líderes. Isto é, chegámos ao entendimento de que não serão levantadas objecções - a valorar, aliás, por alguns comentários feitos entre as várias bancadas e se, eventualmente, este debate for muito prolongado durante a parte da tarde - a que o debate sobre a Lei da Caça possa prosseguir na sexta-feira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o problema que foi suscitado agora sobre prolongar o debate da Lei da Caça para a sessão de sexta-feira levanta algumas objecções, porque só em conferência de líderes poderá ser revisto o que já está agendado, aliás, como é do conhecimento dos Srs. Deputados, convinha, pois, revermos isto.
Em todo o caso, pedia aos Srs. Deputados que fossem pontuais, porque se começarmos os trabalhos às 15 horas poderemos recuperar bastante tempo. Este é o apelo que a Mesa deixa a todos os Srs. Deputados.

Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 10 minutos.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando do Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que todos nós concordamos que uma justiça administrativa morosa, distante e desconhecida da maior parte dos cidadãos não é uma verdadeira justiça. Daí a necessidade de uma reforma, de que a legislação hoje chamada a ratificação constitui uma primeira fase. Era precisamente por aqui que gostaria de começar.

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A legislação com que hoje nos encontramos presentes constitui apenas uma parcela fundamental da reforma da justiça administrativa que temos por necessária. É também uma reforma cujo tempo de aplicação e cujas condições de urgência não são as melhores para aferirmos os seus resultados.
Assim, bastaria lembrar-mo-nos que as instalações deficientíssimas dos nossos tribunais administrativos, só por si, quase tudo impedem e, muito concretamente, impediram, por falta de espaço, a designação dos técnicos auxiliares, que seriam um dos instrumentos previstos para desbloquear os processos administrativos.
É nestas condições, portanto, que a nossa bancada vai encarar os pedidos de ratificação. Vai encará-los considerando que, em primeiro lugar, a opção posta para manutenção de um sistema autónomo de tribunais administrativos e fiscais merece a nossa concordância. Este é um ponto pacífico e a experiência mostrou as suas vantagens. Portanto, sobre ele não gastaria muito tempo.
Em segundo lugar, o recurso directo de anulação de regulamentos e outros actos genéricos também parece um ponto adquirido. Aliás, para tal apontavam á revisão constitucional e boa parte da doutrina. Temos para nós que se terá ficado aquém do desejável, mas pensamos que noutra sede teremos ocasião de voltar a este ponto e talvez ele deva ser objecto de uma iniciativa legislativa própria e não de qualquer proposta de alteração aos diplomas em ratificação.
Uma outra questão diz respeito ao recrutamento dos juizes entendido como uma condição de independência necessária. Nesse ponto, sim, entendemos que uma proposta de alteração merece ter seguimento.
Com efeito, pensamos que é duvidosa a compatibilidade do disposto no n.º 2 do artigo 96.º do Decreto-Lei n.º 129/84 com o princípio consagrado no n.º 4 do artigo 221.º da Constituição. Considerar a comissão de serviço de um magistrado judicial nos tribunais administrativos e fiscais como necessitando de prévio consentimento do Conselho Superior da Magistratura seria entender, ao contrário do que diz á Constituição, que tal actividade seria estranha aos tribunais. Ora, é evidente que a comissão de serviço de um magistrado judicial nos tribunais administrativos e fiscais é uma actividade judicial; como tal deve ser considerada e, portanto, o preceito deve ser alterado, até porque os seus inconvenientes de ordem prática são notórios e traduzir-se-iam, efectivamente, em negar a possibilidade de ingresso dos juízes de direito na 1.ª instância dos tribunais administrativos e fiscais.
Outra solução que também não merece a nossa concordância diz respeito à composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Pensamos que se introduziram aqui tais factores de complicação e tais factores de selecção pela Assembleia da República que praticamente se diminuirá, de modo drástico, a capacidade de escolher da Assembleia da República.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República pretende ser ela própria, naturalmente, a escolher e encontrar os seus critérios de escolha e não poderia aceitar que esses critérios lhe fossem de tal modo traçados por um decreto-lei que a Assembleia da República ficasse, de facto, extremamente condicionada no seu processo de escolha.
- Pensamos, aliás, que o que consta das alíneas f) e h), com o apelo à permanência na administração activa, representa de algum modo o retrocesso à ideia de que a Administração é o seu melhor juiz. Conhecemos os sistemas jurídicos em que assim é, mas pensamos que a jurisdicionalização do processo administrativo é essencial e, também aqui, ela passa não por vedar o .acesso a alguém em especial, mas não por privilegiar o acesso àqueles que tiveram mais tempo de permanência na Administração.
Ainda nesta matéria, pensamos que uma disposição de ordem prática merece ser contemplada no instituto de ratificação: é a possibilidade de os magistrados eleitos pelos seus pares terem também um juiz suplente eleito ao mesmo tempo. Isso permitiria que nas faltas e impedimentos do juiz primeiramente escolhido o seu suplente pudesse assegurar o funcionamento do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Pensamos que a questão várias vezes aflorada da hierarquia dos tribunais e, portanto, a célebre questão da privação ou não privação das três vias de recurso no foro administrativo, levantada desde Maio de 1978 pelo primeiro grupo de trabalho, merece com certeza atenta reflexão. Pela nossa parte, estamos dispostos a fazê-la, mas pensamos que não é este o momento, em sede .de ratificação, para a fazer. Gostaríamos, portanto, que ela fosse estudada e que em termos de iniciativa legislativa futura ela pudesse ser apreciada.
No entanto, pela nossa parte adiantaremos que a consideração de que o próprio tribunal da 1.ª instância funciona como uma via de recurso - e, portanto, há dois recursos em matéria administrativa - corresponde em primeiro lugar à ideia de que o acto administrativo de que se recorre tem já por si um conteúdo jurisdicional, como também corresponde a negar a possibilidade das três vias em relação, por exemplo, às acções sobre contratos administrativos e matérias semelhantes. E note-se que nas acções não se poderá falar em recurso.
Finalmente, também gostaríamos de que noutra matéria pudessem ser - e ao mesmo tempo - pensadas outras iniciativas que têm a ver com o actual bloqueamento do Supremo Tribunal Administrativo.
Pensamos que nos processos em que estão em causa essencialmente questões patrimoniais - e são, por exemplo, todos os processos referentes aos contratos administrativos - nada obstaria a que se fixasse um princípio de alçadas em relação aos tribunais administrativos e que isso poderia aliviar extremamente a actual situação do Supremo Tribunal Administrativo.
Pensamos ainda que onde algumas situações nos parecem de algum modo aberrantes é em matéria de tribunais fiscais e não cuidaria por agora de aspectos particulares dessa matéria, mas gostaria de salientar alguns outros aspectos.
Em primeiro lugar, em muitos actos tributários o seu controle, pelo direito fiscal português, só pode ser efectivado externamente e, em muitos casos, só pela observância da forma. Isto é uma garantia dos cidadãos e como tal terá de ser contemplada.
Por outro lado, cremos que a Constituição da República implica o afastamento do poder discricionário da administração fiscal do âmbito dos elementos dos impostos referidos no n.º 2 do artigo 106.º da Constituição.

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Portanto, quando a legislação em ratificação exclui do âmbito de apreciação jurisdicional a possibilidade de impugnação contenciosa - por exemplo, em matéria de avaliação administrativa da matéria colectável -, estaremos aqui a lançar para o campo da interpretação algo que deve ser legislativamente contemplado.
Sabemos todos - e sabemo-lo bem - que a possibilidade da administração fiscal actuar como se fosse a exclusiva detentora de uma qualquer ciência oculta - que lhe permite considerar que o rendimento de uma pessoa ou de uma empresa foi de x em vez de y ou que o valor locativo de um prédio é de 20 em vez de 10 ou de 100 - é alguma coisa que necessita forçosamente de ser fundamentada e susceptível de ser avaliada em tribunal, até peio melindre das questões que naturalmente envolve. Podem estar em causa interesses extremamente valiosos.
Creio, finalmente, que dificilmente se percebe a possibilidade de existirem representantes da fazenda pública para defenderem os chamados legítimos interesses desta, quando nos tribunais tributários há um representante do Ministério Público, a quem compete defender a legalidade e promover a realização do interesse público. Pergunto: então a fazenda pública terá interesses que não são propriamente os interesses da legalidade e não conformes com a realização do interesse público? Creio que é uma situação perfeitamente aberrante, que não se justifica e que apenas corresponde a uma tentativa tradicional de consagrar a presença dos representantes da fazenda pública neste tipo de tribunais.
Aliás, dificilmente se percebe - e é igualmente aberrante - uma outra solução que consta do diploma em apreciação e que é o facto de os defensores da fazenda pública nos tribunais inferiores terem de ser licenciados em Direito, quando essa qualidade não é necessária nos tribunais superiores.
Por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a reforma que temos em apreciação neste momento, através dos seus elementos parcelares, merece ainda uma outra espécie de apreciação: é que não deixa de ser curioso e de algum modo importante que em Portugal a parte do corpo social em relação à qual reina a mais profunda obscuridade ainda seja o aparelho público, mesmo em comparação com o poder judicial.
Sabemos em que tribunal se dirime determinado processo, sabemos quem é o juiz ou juízes que o vão julgar e é pública a sentença que é entregue às partes, uma entidade abstracta quem em nome da Administração Pública se pronuncia e os cidadãos na maior parte das situações continuam a desconhecer quem resolve, em que sítio se resolve, de que modo foi resolvido e nem sequer as fundamentações do acto lhes são transmitidas. Sobre esta lacuna do nosso direito importa rapidamente legislar.
Não basta que a fundamentação dos actos continue a constar da Constituição quando os nossos tribunais entendem que essa fundamentação não precisa de ser notificada às partes, pode ser-lhe dado a conhecer posteriormente.
A importância do controle jurisdicional é também a de humanizar e racionalizar a Administração. Por isso, é importante que os tribunais administrativos e tributários possam existir, é importante que eles estejam próximos das populações, e só quando essas condições forem adquiridas poderemos falar de justiça administrativa, que o mesmo é dizer também de justiça em Portugal.
Aplausos do PRD e de alguns Srs. Deputados do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpriram-se já 13 anos sobre a realização do I Congresso Nacional dos Advogados, que foi na época uma bússola de esperança para a formação de um possível Estado de direito, mesmo na sua insuficiente vertente formal ou de mera esquematização democrática.
Recordo esta circunstância não em jeito de efeméride, mas por uma razão ...

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª permite--me que o interrompa?

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a Mesa está confrontada com um problema que V. Ex.ª decidirá. Acontece que também se encontrava inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Andrade Pereira. Não sei se V. Ex.ª, porventura, não prefere fazer a sua intervenção no final ou se, respeitando a prioridade das inscrições e dado que o Sr. Deputado se inscreveu depois de V. Ex.ª, prefere continuar no uso da palavra. V. Ex.ª decidirá.

O Orador: - Sr. Presidente, assim sendo e dado que serei, digamos, a corrente de transmissão da vontade parlamentar para o próprio Governo, prefiro que a minha intervenção seja feita no final.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, agradeço a sua amabilidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados; Sr. Ministro da Justiça: Antes do mais, desejo pedir desculpa ao Sr. Ministro pelo facto de o ter obrigado a interromper a sua alocução, mas, efectivamente, quando me inscrevi, não me apercebi de que V. Ex.ª já o havia feito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também a bancada do CDS entende que não se justifica a recusa da ratificação. Realmente, o diploma ratificando é um diploma equilibrado, é um diploma que teve a preocupação de acudir ao mais urgente e a preocupação de, sobretudo, não mexer naquilo que estava bem e procurar, isso sim, atacar aquilo que se impunha que realmente fosse atacado, a começar pelo problema magno da independência dos magistrados através da forma da sua nomeação.
De resto, o diploma já está em vigor há cerca de ano e meio e, porventura, os inconvenientes que têm resultado da sua aplicação não partem do próprio diploma e das soluções neles consagradas, mas sim, como já aqui foi salientado, do facto de ele não ter sido devidamente executado desde logo, de não ter sido dotado dos meios materiais e humanos que convinham à sua correcta execução, à sua total execução. Só então, depois disso, se verá em que medida se pode aquilatar da bondade ou não das soluções que ele preconiza.
Aliás, o diploma em análise - recordo-me - foi objecto de uma apreciação globalmente positiva pelo Prof. Diogo Freitas do Amaral numa conferência que

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fez na Ordem dos Advogados. Realmente, as soluções preconizadas pelo diploma são de um modo geral positivas, desde a opção pela jurisdição administrativa fiscal separada, em vez de uma jurisdição unitária, que não tem - esta segunda solução - tradição nos países europeus, facto que se encontra como mais ajustado às nossas realidades, até à solução, que é verdadeiramente uma solução de compromisso, intermédia e nessa medida cautelosa e adequada, que se encontrou para o problema do recurso directo da anulação de regulamentos.
De resto, encontrou-se uma solução semelhante àquela que, na Constituição, foi encontrada para a apreciação da constitucionalidade. Sobretudo, encontrou-se uma forma de assegurar a nomeação dos juízes por um órgão perfeitamente autónomo e sem qualquer intervenção directa ou indirecta do Governo, assegurando por essa forma a sua independência real e formal. Todas estas são soluções que merecem o nosso aplauso.
Aliás, o próprio Partido Comunista Português ao pedir a ratificação deste diploma - depois de salientar, com toda a justiça, as deficiências que no aspecto de execução se têm encontrado e que têm conduzido à situação de um grande saldo de processos sem decisão - acaba por criticar, se bem percebi, apenas dois aspectos do diploma: a ausência dos três graus ou níveis de jurisdição e o problema da constituição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Quanto ao problema dos três níveis de jurisdição, já aqui foi adiantado pelo Sr. Deputado Montalvão Machado que pela Europa - com excepção da Alemanha e aí por razões que têm a ver com a estrutura federal do país - existem apenas dois níveis de jurisdição, duas instâncias. O que, de resto, parece ser suficiente e vir até de encontro à tendência que alguns vêm defendendo ultimamente, mesmo para a jurisdição comum, pois trata-se apenas de apreciação dos aspectos jurídicos da questão, já que em sede de decisões administrativas, normalmente, o recurso atinge só aspectos de direito e não matéria de facto.
Portanto, e em relação à própria jurisdição comum, dizia eu, encontram-se na Europa apenas dois níveis de jurisdição e não três, como agora existem.
O facto de haver três níveis, como se pode defender e tem sido defendido por alguém, faria com que os tribunais de 1.ª instância funcionassem muito perto dos administrados. O que, se por um lado podia ter a vantagem da proximidade, tinha com certeza um tipo de inconveniente que não se pode deixar de salientar. Na verdade, conhecida como é, mesmo para os tribunais que estão criados, a dificuldade de instalação, veríamos os tribunais de 1.ª instância a terem de funcionar, porventura, à custa das próprias câmaras municipais ou de quaisquer entidades que localmente fornecessem as próprias instalações materiais para eles funcionarem. Ora, isto acabaria por fazer com que os próprios tribunais encontrassem uma forma de dependência que queremos excluir por outra parte. De resto, isso acabaria por prejudicar também a celeridade da justiça, que é com certeza outro dos valores que vale a pena defender.
Por isso, parece-nos correcto que realmente haja apenas duas instâncias nos tribunais administrativos, sendo certo como é - e foi também assinalado nos próprios tribunais fiscais - que a existência dos três graus de jurisdição tem a ver com a circunstância de até há bem
pouco tempo o primeiro grau de jurisdição, a 1.ª instância, ser no fundo semelhante àquela que também já existe nos tribunais administrativos. Quero eu dizer que há alguma similitude, por exemplo, entre a decisão que era tomada pelo chefe da repartição de finanças e a decisão de uma câmara municipal.
Isto é, a jurisdicionalidade que havia na 1.ª instância, no tempo em que nos tribunais fiscais de 1.ª instância as questões eram apreciadas pelos chefes de repartição de finanças, era de algum modo aquela que existe hoje também na maior parte dos casos na primeira decisão tomada em termos administrativos.
Quanto ao problema da composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, entendemos que a circunstância de se exigirem determinadas qualificações aos membros desse mesmo Conselho, ainda que designados pela Assembleia da República, obedece a uma preocupação de qualificação e, nessa medida, de eficiência e de eficácia no funcionamento do próprio Conselho e pode, de algum modo, aceitar-se e não merecer demasiado reparo.
No entanto, há na composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais um pequeno reparo que não posso deixar de fazer, porque creio que, embora parecendo uma questão de pormenor e uma questão demasiado formal, pode em muitos casos inviabilizar o funcionamento do próprio Conselho. Na verdade, nos diplomas em análise e sobretudo no diploma ratificando, tal Conselho é constituído por um número par de elementos, sem sequer se dizer que o presidente tem voto de qualidade, o que pode em algumas circunstâncias levar a um impasse e a uma impossibilidade de decisão.
Por isso, considerávamos que, realmente, havia que acrescentar um elemento à composição desse órgão, elemento esse obviamente designado pela Assembleia da República, até para encontrar um equilíbrio semelhante àquele que existe no Conselho Superior da Magistratura. No Conselho Superior de Magistratura há um determinado número de juízes e um número igual de elementos designados pela Assembleia da República, cabendo o desempate ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Considero que era uma solução deste tipo que devia existir aqui também neste Conselho. Ora, neste caso não só o número de elementos designados pela Assembleia da República é igual ao número de juízes, como não intervém o Presidente do Supremo, que leva a que não haja desempate.
Portanto, adoptando-se ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais a solução que foi adoptada para o Conselho Superior da Magistratura, não só havia a vantagem de adequar aquele a este último, como também se obviaria o inconveniente, que há pouco apontava, de poder haver sempre situações de empate.
Para além deste pormenor, e porventura de outros a que eventualmente o CDS está aberto a equacionar o encontro de soluções, de pequenas alterações que possam melhorar o diploma, quero terminar com esta afirmação: é que a disponibilidade para o encontro dessas soluções não deve colidir com o encontrar uma forma rápida de, realmente, levar à ratificação deste diploma.
Neste aspecto não posso deixar de prestar homenagem ao Partido Comunista, na medida em que foi dos partidos com assento nesta Assembleia que mais lutou para que houvesse um diploma que regulasse os tribu-

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nais administrativos e, sobretudo, furtasse a nomeação dos juízes ao Governo, e a verdade é que, conseguido isso com a publicação desse diploma, já lá vai ano e meio sem que essa independência seja garantida.
Portanto, quanto mais tempo perdermos com isso mais estamos, por essa via, a prejudicar aquilo que foi objecto de luta que se levou durante alguns anos.
Aplausos do CDS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: aqueles que têm contacto com os tribunais administrativos têm já a ideia clara da extrema demora nas decisões, certamente não imputável ao trabalho dos magistrados que os compõem, mas como realidade extraordinariamente chocante. Os números estatísticos que nos trouxe a esta Assembleia o Sr. Deputado José Magalhães vieram concretizar em números aquilo que era um sentimento já conhecido da prática, em especial daqueles que têm contacto com esses tribunais.
Daqui resultam, a nosso ver, graves consequências, porquanto essa demora se traduz, na maioria dos casos, no prolongamento de situações iníquas, na falta de resolução para os processos pendentes, com todo o cortejo de consequências gravosas que isso acarreta.
Trata-se, portanto, de uma situação que urge modificar. Não diremos que, efectivamente, os diplomas em ratificação sejam responsáveis por esta situação, mas o que diremos é que se tem de reconhecer, nas intervenções mais ou menos acentuadas de todas as bancadas, que faltam nesses diplomas disposições que possam contribuir decisivamente para a melhoria dessa situação de grande atraso nas decisões dos tribunais administrativos.
Nesse aspecto há uma questão central, que é a questão da criação de três instâncias. Pela nossa parte, parece-nos que neste aspecto não será argumento dominante a comparação com alguns países da CEE, visto que é até estranhável que aqueles que defendem soluções portuguesas e o modelo português se sirvam de exemplos de alguns países da CEE.
Nós temos, naturalmente, de encontrar uma solução para Portugal, para a justiça administrativa, que possa corresponder não só, por um lado, à descentralização da máquina administrativa, à descentralização do papel do Estado e da justiça administrativa, mas também à eficiência e à simplicidade do processo administrativo e fiscal. Neste aspecto, não posso deixar de referir o que representa de acrescida responsabilidade em matéria fiscal o facto de a legislação existente exigir que qualquer que se queira especializar na matéria fiscal nada mais possa fazer do que estudar a legislação fiscal.
São tantos e tão numerosos os diplomas sobre matéria fiscal, desde diplomas legislativos até despachos neste ou naquele sentido, que é difícil encontrar, fora de Lisboa e do Porto, técnicos de direito que se tenham especializado nesta matéria porque ela é demasiado absorvente e impede-os de se dedicarem a qualquer outra matéria.
Naturalmente que, tratando-se como se trata de uma ratificação, pensamos que a única bancada, além do PSD, que afirmou que iria conceder a ratificação, foi a do CDS, que não resistiu à afirmação de que também ela entendia que havia, pelo menos, necessidade de alterar a constituição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos. Ora, isto significa que mesmo essa bancada, que afirmou que iria conceder a ratificação, não pode deixar de reconhecer que, pelo menos, esta alteração devia ser introduzida nos diplomas em apreço.
Para além dessa alteração, há já três propostas concretas - uma do PRD, outra do CDS -, todas elas diferentes, o que mostra que já nesta matéria alguma coisa há que alterar. Creio que fica bem evidenciado que, não tendo esses dois diplomas conseguido só por si ir ao encontro da grave situação de obstrução da justiça administrativa que existe no nosso país, se torna necessário introduzir diversas e múltiplas modificações e alterações que possam ir ao encontro desse indispensável e urgente objectivo.
Neste sentido, o MDP/CDE partilha da preocupação de que esses dois diplomas possam ser melhorados com numerosas introduções de disposições, que possam acorrer à situação preocupante que se verifica na justiça administrativa.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Retomando a minha intervenção, recordo o I Congresso Nacional dos Advogados, não em jeito de efeméride, mas por uma razão, a meu ver, mais pertinente, isto é, pelo seu significado simbólico, É que, ao reler esta manhã - hoje que se inicia o II Congresso Nacional dos Advogados - o que em 1972 eu próprio concluí como relator do mesmo Congresso, encontrei o voto de que ao governo na deveria, em caso algum, caber a nomeação dos juízes dos tribunais administrativos, a fim de estes ficarem a coberto de qualquer forma de pressão, real ou possível, por parte da Administração.
Intercalou-se desde então, na nossa história colectiva, a Revolução da liberdade. Rasgaram-se novos horizontes, deu-se corpo a consolidadas aspirações. Mas o certo é que ainda agora estamos nesta Assembleia a debater a mais exacta configuração e composição do Conselho Superior desses tribunais, que será precisamente o seu órgão de gestão.
Entrementes, persiste na moldura das competências do Ministro da Justiça, embora transitoriamente, a de nomear e exonerar os juízes dos tribunais administrativos, embora acautelando-se que sob proposta do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo e ouvidos os juízos da secção correspondente.
Não sofre dúvida que tal transitoriedade terá de terminar. Ninguém pensará, por certo, que o Ministro da Justiça não convalide a proposta do Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, e que este, disponivelmente, não ouça, um por um, ou colegialmente, os juízes da adequada secção. Mas esta é uma solução má, como o são todos os arranjos de compromisso. Faço, pois, o voto de que rapidamente se desbloqueie o actual estado de coisas e que, de uma vez para sempre, às boas regras de um Estado de direito se dê efectiva concretização.
É, aliás presentível - e este é um ponto de que entendo de vez dar conhecimento à Assembleia - que o não preenchimento das vagas existentes no Supremo

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Tribunal Administrativo advém de uma certa reticência - até certo ponto compreensível - em accionar mecanismos provisórios, em termos de alimentar essa provisoriedade. Creio assim que há que lançar mão à obra e que remover os obstáculos que têm diferido a entrada em funcionamento do Conselho. Não me cabe debitar soluções, conselhos ou alvitres à Assembleia da República, embora me honre de a ela pertencer, se bem que destacado in partibus. Mas caber-me-á, seguramente, exprimir uma aspiração, que não é de agora, mas que, como acabo de dizer, tem pelo, menos 13 anos.
Não deixo, entretanto, de convir que o sistema gizado no artigo 99.º do Estatuto de 1984 - relativo à composição do Conselho - ingressa em minúcias, requisitos e purismos, que em termos de realidade coarctarão significativamente a disponibilidade parlamentar. Quase arriscarei que a soberania volitiva desta Assembleia ficará parametrada em inconvenientes termos. Quase que concluiria que ela ficará como que adstrita a celebrar com o próprio Estatuto um contrato de adesão, sem que ela própria, Assembleia, possa modelar internamente o seu próprio critério.
Portanto, por mim estou em inteira consonância com todos os Srs. Deputados que alvitraram, sugeriram propuseram a reformulação do artigo 99.º do Estatuto.
E compreender-se-á por que é que adopto esta posição. Não tendo interferido pessoalmente na elaboração do Estatuto, certamente que não viria, por uma questão formal ou tabelar, sustentar uma posição que não é a minha e que entendo não ser a mais conveniente. Aliás, se o fizesse estaria a ganhar em termos políticos, mas estaria a perder em coerência. Ë que na proposta de lei que em 1980 subscrevi, a gestão da magistratura dos tribunais administrativos cabia, mais do' que a um Conselho específico, ao próprio conselho Superior da Magistratura. Curiosamente, esta proposta de 1980 era exactamente aquela que, no já remoto I Congresso Nacional dos Advogados, eu havia defendido. Realmente, tive ocasião de encontrar ou reencontrar esse velho texto que diz, exactamente, que a independência dos tribunais administrativos exige, por um lado, que seja assegurado aos magistrados do contencioso administrativo o estatuto que vale, ou melhor - reporto-me à época -, que deveria valer para os magistrados dos tribunais comuns. Entretanto, entendo que este ponto é um ponto ultrapassado, não valendo agora a pena retomá-lo. Diria apenas que, na minha perspectiva, há que rever o problema, parece-me que haverá unanimidade de pontos de vista quanto à diferente composição do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
É evidente que à Assembleia da República caberá definir o melhor critério. Mas, fundamentalmente, o que importa, e em relação a isso estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado Andrade Pereira, é encontrar uma solução expedita, uma solução praticável. Na realidade, o que não se pode, de forma alguma, manter é esta morna indefinição em que estamos. Realmente, qualquer ministro da Justiça que tenha um mínimo de sentido de coerência e um mínimo de respeito por ele próprio e pelas instituições democráticas sentir-se-á em posição desconfortável ao nomear um juiz de um tribunal que deve ser, necessariamente, independente e autónomo, em toda a acepção, em toda a inteireza, do poder executivo, de que ele ministro faz parte.
Consequentemente, mantenho a posição por mim assumida há 13 anos e suponho que será realmente uma posição predominante nesta Assembleia.
Quanto ao problema suscitado pela bancada do PCP e, salvo erro, corroborado pelo Sr. Deputado Raul Castro, do MDP/CDE, sobre as três instâncias, reconheço a bondade e a possibilidade de ambas as soluções, não em jeito de compromisso apócrifo ou de ocasião, mas como abrindo, efectivamente, uma possibilidade de opção.
Devo dizer que, realmente, no VI Governo em proposta de lei apresentada a esta Assembleia, e em que eu próprio e o Sr. Professor Freitas do Amaral tivemos uma intervenção cooperante na sua elaboração - entendia-se dever ser previsto um tribunal administrativo central, sediado em Coimbra.
Entretanto, reconheço que com a transferência, que feita no diploma agora em apreço, de algumas das competências do Supremo Tribunal Administrativo para os tribunais de círculo, designadamente quanto aos recursos dos actos dos directores-gerais, mesmo no exercício de competência delegada, dos institutos públicos, fica assegurada uma certa compatibilização das posições. Realmente, o óptimo é sempre inimigo do bom. Se nós pudermos chegar a uma conclusão certa - tanto quanto possível - quanto à composição do Conselho, e seja, quanto à alteração ao artigo 99.º, o melhor é - e nisso permito-me discordar da como sempre esclarecida opinião do Sr. Deputado Raul Castro - que não se mexa demasiado no diploma.
E digo-o contra a minha própria posição, já que sempre defendi que deveria haver um tribunal administrativo central, que seria, por assim dizer, um elemento intermédio, amortecedor, dissuasor de uma avalanche de casos que sobrecarregam o Supremo Tribunal Administrativo.
No entanto, penso que neste momento indesejável será retardar mais o desbloqueamento normativo, o impasse em que se encontram os tribunais administrativos.
Referiu também o Sr. Deputado José Magalhães que há um boom, um disparo, no âmbito da jurisdição administrativa. Ainda bem que há, porque isso é realmente um sintoma de vitalidade cívica, de afirmação de cidadania. Isto porque as pessoas se sentem com capacidade para recorrer, para defender judicialmente os seus direitos perante a Administração, que é normalmente um órgão avesso a, por meios meramente persuasivos, corrigir posições inadequadas.
Tal bloqueamento existe em Portugal, existe em todos os países do mundo. Há umas pequenas rectificações de pormenor a fazer, como, por exemplo, as seguintes: salvo erro o Sr. Deputado referiu que o tribunal administrativo de Coimbra ainda não tinha entrado em funcionamento, quando, na realidade, já está instalado e já está em pleno funcionamento nas suas novas instalações. Reconheço que o tribunal do Porto está mal instalado tenho ideia de que continua a funcionar no velho edifício do Governo Civil, certamente em homenagem ao muito prezado amigo e ex-governador civil Cal Brandão, mas a verdade é que ele carece de uma rápida reconversão em matéria de instalações. Tudo isto, no fundo, resulta sempre do eterno problema português: uma certa precaridade nas posições uma tendencial indefinição. Em 1980 tinha-se uma posição, em 1984 aprovou-se este diploma quanto à composição. Continuamos sempre assim, num certo zigue-zaguear de opiniões colectivas.

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Há que fazer um acertamento - e compreendo a objecção produzida pelo Sr. Deputado Magalhães Mota - quanto à representação nos tribunais administrativos e fiscais da Fazenda Pública. Esse acertamento tem de ser feito. Creio, porém, que não valerá a pena fazê-lo agora, até porque o problema virá a ser resolvido noutra sede.
Isto porque, na verdade, a imparcialidade absoluta - pois há dois conceitos de imparcialidade, a absoluta e a relativa - tem de caber, por natural destinação, ao Ministério Público. É o Ministério Público um prevalente garante da tutela da legalidade democrática. É ele que é de facto o menos parcial dos possíveis órgãos formalmente imparciais.
Consequentemente, direi que é uma disposição que não está muito certa, mas que também não causará agressão sensível ao sistema. Isto até porque o Ministério Público continua a intervir no Supremo Tribunal Administrativo.
Portanto, terminarei dizendo que há que registar esta maré negra. Não sendo uma maré de poluição terá, no entanto, de ter resposta por parte dos tribunais. Entendo que um dos motivos mais fortes, mais estimulantes, deste infeliz malogro colectivo que é a corrupção, será uma certa inoperância dos tribunais administrativos. Um cidadão tem um problema perante a administração, não o consegue resolver por via judicial, não consegue exercitar os seus direitos e sentir-se-á aliciado a recair na subtil tentação de usar meios alternativos, ética e juridicamente indevidos, para realizar a sua pretensão.
Portanto, penso que tudo o que aqui se disse foi muito útil e asseguro que o Governo prestará à Assembleia todo o seu apoio técnico - porque outro não poderá dar - para que, realmente, se reformule o artigo 99.º, em termos de o tornar mais praticável. Assim se atribuirá à Assembleia uma total disponibilidade na escolha dos membros juízes do Conselho.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Manuel Mendes e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Efectivamente de maré negra se trata e o naipe problemático aqui colocado vai bem além da questão suscitada pelo artigo 99.º e pelos conjuntos de dificuldades que ele levanta.
Gostaria de confrontá-lo com uma realidade que nem por ser específica deixa de ter cabimento no contexto do debate e nem por ter um universo delimitado deixa de ter a ver, directa e pertinentemente, com a questão em apreço.
Dos cerca de 700 recursos interpostos para o Supremo Tribunal Administrativo, com fundamento em ilegalidades cometidas pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no processo de atribuição de reservas e entrega de terras, 81 foram rejeitadas, 73 declarados extintos por revogação inter decorrida do despacho de reserva, 36 não providos. Mas, em cerca de 300 casos, os recursos foram providos e os actos ilegais anulados.
Insolitamente, o Ministério da Agricultura tem lançado mão de toda a sorte de expedientes visando manter as cooperativas desapossadas da terra que, de forma
ilegal, lhes foi retirada. Chegou-se ao ponto de, em simulacro de execução dos acórdãos anulatórios, o Ministério da Agricultura reinstituir processos reiterando os vícios, o que origina novos recursos, novas anulações, novos actos viciados.
E, enquanto se cumpre este ciclo, verdadeiramente dantesco, diria eu, de recursos, anulações, ilegalidades, recursos e novas anulações, as UCP continuam privadas da terra, mutiladas, diminuídas. A Administração Pública não só tripudia sobre a lei como faz gala em confessá-lo, desafiando abertamente o Supremo Tribunal Administrativo. Trata-se de um verdadeiro tumor de incumprimento da legalidade democrática, como já aqui foi assinalado durante a manhã, que põe em causa o próprio regime constitucional.
Temos aqui a lei, ela é o que é, vale o que vale. Mas temos também presente na discussão o Sr. Ministro da Justiça.
Daí que se lhe pergunte que medidas pensa o Governo adoptar, e de imediato, no sentido de sanar as' situações criadas e prevenir a sua multiplicação indébita e ad nauseam? Que vai fazer para pôr termo a este desafio governamental às leis do Estado democrático?
O Sr. Ministro naturalmente compreenderá que a maré negra vai bem além da questão candente, que adequadamente será tratada, do artigo 99.º e até de algumas outras questões relevantíssimas mas que adjacentemente têm sido colocadas pelos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Ministro prefere responder no final, tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, creio que estará de acordo comigo em que este debate traduziu bem a grande mudança que ao longo destes anos se verificou no que diz respeito às perspectivas e ao futuro do contencioso administrativo.
Lembrar-se-á certamente que há anos se discutia acesamente, e com larga polémica, se devia, ou não, haver impugnação directa de regulamentos e de actos genéricos, se devia, ou não, haver acções de reconhecimento de direitos e interesses, se devia, ou não, haver nomeação para um orgão independente dos magistrados do contencioso administrativo. E talvez se lembre de que uma das versões da proposta de lei n.º 96/III, de um dos governos da AD, em pleno ano de 1982, chegou a prever a atribuição ao Conselho de Ministros da competência para nomear juízes do Supremo Tribunal Administrativo e do tribunal administrativo central e ao Ministro da Justiça a competência para nomear os juízes da 1.ª instância, isto em pleno ano de 1982.
Todavia, ouvindo o debate desta manhã, torna-se patente que muita água correu sobre as pontes e que há hoje um vastíssimo consenso em relação a algumas questões. Não o há, porém, em relação a algumas soluções necessárias para desbloquear a situação, que todos reconheceram que é catastrófica, dos tribunais administrativos e fiscais.
Mais ainda: ao que parece, surgem indícios de algumas soluções preocupantes como, por exemplo, a restauração ou a instauração, porque seria ex novo, de alçadas nos tribunais administrativos, coisa que nunca aconteceu nos decénios mais próximos.
Em todo o caso, não é fácil ver claro.

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Ora, o que gostava de lhe perguntar é qual a ponderação que faz sobre a solução que ficou consagrada nesta lei. Isto é, criou-se num Supremo Tribunal Administrativo literalmente, gigantesco, recheado de secções, subsecções, reunindo das mais diversas formas. Seguidamente, ficaram por preencher vagas em número substancial, há hoje mais do que antes, ficaram quadros por alargar, não há fumos da famosa 3.ª subsecção de 1.ª secção, que o diploma prevê que venha a existir, não houve alargamento dos quadros de pessoal, ficaram por aprovar leis de processo em áreas fundamentais, designadamente na parte fiscal e no contencioso aduaneiro e o Sr. Ministro vem hoje afirmar-nos que é preciso acabar com a morna inacção, e fez-nos um voto de trabalharmos, aliás, num sentido que me parece desejável.
Ora, a pergunta que queria fazer-lhe é a de saber como é que o Governo vai trabalhar na área que é de sua exclusiva competência. Isto em três domínios fulcrais:
Primeiro, quanto às instalações do Supremo Tribunal Administrativo, que como sabe não são comportáveis, apesar das obras que estão em curso - gorou-se o esforço de alargamento à Biblarte em má hora e num caminho errado.
Quanto às instalações do tribunal de círculo de Coimbra, a questão que colocámos não foi a da instalação de jure; foi antes a questão das novas instalações em que há um edifício apalavrado, mas em que há, ao que parece, atrasos. Seria interessante saber qual é a intenção governamental nessa esfera e quais são os prazos, uma vez que nenhuma dúvida subsiste quanto ao facto.
Em relação às instalações do Porto, o que é que o Governo tenciona fazer, além de constatar como todos nós que aquela antiga auditoria e tribunal de círculo actual está pessimamente instalado. Isto é, se vão ou não ser tomadas medidas nessa esfera.
Creio que a Câmara ganharia em obter da parte do Governo informações específicas sobre intenções e não apenas votos, ainda que sejam apropriados na presente quadra.
Finalmente, creio que também seria vantajoso sabermos qual é a intenção governamental em relação a duas questões, a da revisão das leis de processo em matéria de contencioso aduaneiro, domínio em que reina uma bagunça inextricável, que naturalmente só pode favorecer aquelas entidades que prevaricam e que é necessário combater.
Eram estas 5 perguntas concretas que deixava ao Sr. Ministro, sendo certo que importa obter respostas concretas da parte do Governo para estas questões, que são da sua exclusiva competência.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Mendes.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, tudo o que V. Ex.ª aqui disse não tem nada a ver com a ratificação deste diploma.
Acontece que por vezes caio na santa ingenuidade - aliás, é bom as pessoas serem ingénuas em alguns compartimentos da sua vida - de acreditar que da bancada do PCP podem surgir razões certas em alguns aspectos, e muitas vezes lhe tenho prestado a minha cooperação. Recordo-me de que, quando estava no exercício efectivo das minhas funções de deputado, nunca pus qualquer dúvida, reticência ou tive qualquer preconceito relativamente a determinados diplomas, pelo facto de serem da iniciativa do PCP.
Entendo, no entanto, com o muito respeito que devo a esta Câmara e ao Sr. Deputado, que a intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes é completamente impertinente. Apanhou-me, passe o termo, não digo à falsa fé, nem à má fé, mas sem fé, porque eu não tenho possibilidade de responder nem de esclarecer o Sr. Deputado sobre o que se passa numa área departamental que não é da minha competência. Nem eu sou fiscal do Ministério da Agricultura nem do cumprimento dos actos do Supremo Tribunal Administrativo.
Consequentemente, Sr. Deputado, estou em crer que na realidade e apesar do apreço intelectual que tenho por V. Ex.ª, não lhe poderei responder, não porque não queira cooperar desta vez mas porque V. Ex.ª não me deu a mínima possibilidade de cooperar consigo.
Quanto ao Sr. Deputado José Magalhães, que elencou um conjunto de perguntas perfeitamente pertinentes ou, pelo menos, dentro de uma moldura possível de resposta que não seja demagógica numa relação bilateral, posso dizer-lhe que lhe quanto ao contencioso fiscal e aduaneiro, estão em curso e, como compreenderá, numa relação necessária e interdepartamental entre o Ministério da Justiça e o Ministério das Finanças, estudos de preparação legislativa.
Quanto ao contencioso dos regulamentos, de que suponho que V. Ex.ª também falou, houve realmente duas orientações, sendo uma delas, salvo erro, propugnada pela escola de Lisboa e outra pela escola de Coimbra, uma defendendo a sindicabilidade dos regulamentos, outra a não sindicabilidade. Optou-se por uma solução que me parece bastante certa e assisada e é um ponto em que eu estou de acordo quanto à solução encontrada no estatuto.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado José Magalhães, que fiquei tão preocupado, não com o conteúdo, mas com a forma, o tom e o estilo do pedido de esclarecimento do Sr. Deputado José Manuel Mendes que, ainda sob o impacte das suas perguntas, não consegui atentar exactamente nas perguntas que o Sr. Deputado me fez.
No entanto, creio que têm a ver, fundamentalmente, primeiro, com a não nomeação de juízes para o Supremo Tribunal Administrativo.
Suponho que foi isto mas se assim não é, o Sr. Deputado fará o favor de me esclarecer.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu reformulo as questões com todo o gosto e muito rapidamente.
A primeira questão diz respeito às intenções governamentais quanto à garantia de instalações condignas para o Supremo Tribunal Administrativo.
A segunda questão refere-se às instalações do tribunal de círculo de Coimbra.
Em terceiro lugar, referi a alteração radical das situações do tribunal de círculo do Porto, que está numa situação degradante, como é geralmente reconhecido.
As duas últimas perguntas diziam respeito à reforma do processo fiscal e do contencioso aduaneiro, mas penso que a essas o Sr. Ministro já respondeu.
O Sr. Ministro da Justiça: - Quanto às instalações do Supremo Tribunal Administrativo, devo dizer-lhe que já na moldura temporal da minha actual presença

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no Ministério da Justiça, em 1985, se desenvolveram acções muito concretas, que estão em curso e à vista de toda a gente, para a melhoria das instalações do Supremo Tribunal Administrativo em prazo imediato.
Creio que, em vez de se estar a pensar na construção de um gigantesco imóvel ou na aquisição de 20 pequenas casinhas, mais producente será tratarmos de melhorar aquilo que existe. É isso que estamos a fazer neste momento e de forma visível. Não se trata de um plano ou de uma intenção, trata-se, sim, de um dado concreto e verificável.
Quanto às instalações dos tribunais de Coimbra e do Porto, reconheço que são más, tal como estão actualmente.
Quanto a Coimbra, há uma perspectiva à vista, e & resolução será concretizada em curto prazo.
Quanto ao Porto, existem apenas perspectivas preliminares que não me consentem poder esclarecer a Câmara, com a desejável objectividade, do tempo e do modo de superação das deficiências.
Entretanto, e para terminar, devo dizer que prestei estes esclarecimentos ao Sr. Deputado José Magalhães muito gostosamente, tal como os prestarei ao Sr. Deputado José Manuel Mendes quando me fizer pedidos de esclarecimento que digam respeito a alguma coisa que me permita, pessoal ou institucionalmente, responder-lhe.
Repito que respondi com gosto a estas questões, embora elas extravasem o motivo que aqui me trouxe.
Todavia, dentro deste espírito de cooperação que deve existir entre o Governo e a Assembleia da República, sempre prestarei os esclarecimentos que forem necessários à 1.ª Comissão ou a qualquer outra e comparecerei sempre que a minha presença seja pertinente para esclarecer a Assembleia sobre tudo aquilo que se passa no Ministério da Justiça.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, tendo em conta as expressões «falsa fé» e «má fé» e considerando a circunstância de o Sr. Ministro não me ter permitido que o interrompesse, pretendo usar o direito regimental de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Como habitualmente, Sr. Deputado, tem a palavra para esse efeito.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: É óbvio que não se trata de uma questão malsinada à partida nem de nenhum acto deselegante cometido por qualquer deputado do PCP para com o Ministro da Justiça que se senta na bancada do Governo.
Trata-se, sim, de uma questão eminentemente política, que tem a ver com a circunstância de, estando a debater-se no Plenário a justiça administrativa, não poder ignorar-se cancros que minam todo o terreno em apreço, como é o caso do incumprimento da legalidade no que se refere aos recursos da Reforma Agrária.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não se tratou sequer de um entendimento inusitado no decurso desta própria discussão. Apenas, dentro de uma área mais vasta, que contém
a problemática da justiça administrativa, entendi, legítima e pertinentemente, colocar ao Sr. Ministro alguns problemas que têm, ademais, maior conexão do que algumas fogosas incursões históricas que já aqui foram trazidas, vindas desde os tempos anteriores às justice retenue e a Napoleão e contra as quais o Sr. Ministro não se encrespou.
É sintomático que se tenha encrespado agora e que não tenha dado resposta, pessoal ou politicamente, como Ministro da Justiça, à questão levantada refugiando-se naquilo que poderia ser o óbvio - o dizer, perante a Câmara, que lhe é indiferente o assunto, uma vez que não vê nenhuma ligação funcional entre o tema e o seu estatuto como membro do Governo, o que, aliás, nem é exacto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Penso que não há deslealdade da parte da bancada do PCP; há, isso sim, um silêncio sintomático e um enrascamento não menos sintomático por parte do membro do Governo, nesta matéria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É evidente que eu não tenho que dar explicações nem tenho que as pedir. O que tenho é que dizer muito sinceramente que aquilo que o Sr. Deputado José Manuel Mendes agora aduziu em defesa da honra não era necessário, visto que, por um lado, ninguém pretendeu atingir a sua honra, nem como pessoa nem como deputado, e, por outro lado, não consolidou ou fez suportar em moldes mais significativos a sua intervenção.
Assim, mantendo inteiramente tudo o que disse, considero que não houve qualquer «escapismo» da minha parte pelo facto de ter adoptado a atitude que adoptei. Penso que se tratou de um tipo de perguntas inteiramente impertinente, na medida em que não foram pertinentes, e que utilizei a expressão «falsa fé» no sentido comum da palavra, que é geralmente conhecido de todos, e que isso não inculca que haja falsidade ou má fé por parte do Sr. Deputado interpelante. Consequentemente, entendo, pelo menos, pela parte que me toca, que tudo deve ficar como antes da defesa que o Sr. Deputado José Manuel Mendes fez de si próprio. Deveremos, sim, tentar contribuir neste momento para a melhoria deste Estatuto, que é a razão que aqui me trouxe e pela qual aqui estamos reunidos.
Neste aspecto, e em todos os que tenham a ver com a legalidade democrática, quer o Sr. Deputado José Manuel Mendes quer toda esta Assembleia poderão contar com a cooperação do Governo e concretamente com a minha própria.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Acredito que não houve má fé!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, durante o debate, propostas de alteração às duas ratificações. Assim, terminado o debate e não tendo sido apresentada em devido tempo qualquer recusa, há apenas um requerimento na Mesa de baixa à Comissão para discussão e votação na especialidade no prazo de um mês.

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Vamos, pois, proceder à sua votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o requerimento foi aprovado, as ratificações baixam à Comissão para, no prazo de um mês, se proceder à discussão e votação na especialidade das propostas de alteração.
Srs. Deputados, passamos agora a outro ponto da ordem de trabalhos que inclui a discussão dos projectos de lei n.ºs 15/IV, apresentado pelo PS 68/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso e a proposta de lei n.º 15/IV, apresentada pelo Governo, relativos à elaboração de uma nova lei da caça.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr: Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente esta Câmara discute hoje os vários projectos de lei apresentados por alguns partidos e a proposta de lei do Governo visando a elaboração de uma nova lei da caça.
Apesar de se considerar um assunto da maior importância pelo estado de degradação do património cinegético a que se chegou e pela falta de civismo no exercício do acto venatório - a que a ausência de legislação adequada conduziu não tem havido até agora vontade política para decidir sobre matéria naturalmente polémica: Considero, no entanto, que esta polémica resulta de um perfeito equívoco, já que muitos dos problemas suscitados provêm de grande número de caçadores que só passaram a ter esse nome porque compraram uma espingarda, que não conhecem as espécies cinegéticas a que atiram e que julgam que os animais, que se propõem abater, aparecem como por encanto sobre a terra.
Daí que considere o debate que hoje se efectua como extraordinariamente importante porque, para além de outros aspectos, se deseja que seja verdadeiramente pedagógico para todos aqueles que confundem a «lei da caça» com a «lei dos caçadores».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É preciso fazer compreender a todos os que apontam a uma peça de caça de que só é possível fazê-lo porque existe uma legislação tecnicamente adequada que permitiu a criação e conservação dessa peça e que a morte incontrolada de milhares de exemplares impedirá a todo o momento a renovação do património cinegético.
É legítimo que, pessoalmente, sinta o maior regozijo por este agendamento, já que no meu primeiro mandato como deputado, em 1980, intervim nesta Câmara chamando a atenção para a necessidade de se legislar sobre a caça. Em 1984 apresentei, com outros deputar dos o projecto de lei sobre a matéria em causa, fazendo também nesse ano uma outra intervenção apelando à necessidade urgente de defender as espécies cinegéticas em vias de extinção. Mas este regozijo é SCT seguramente partilhado por todos quantos conhecem o estado caótico a que se chegou e reconhecem a necessidade urgente que o Parlamento aprove, sem complexos, uma lei da caça tecnicamente correcta, que permita a conservação e fomento das espécies cinegéticas que constituem um- verdadeiro património nacional renovável e a gestão da sua existência, de modo a contribuir para o equilíbrio ecológico e biológico, que possibilite uma melhoria sensível, do nível de vida das populações e torne o exercício do acto venatório num desporto menos frustrante e menos perigoso.
O projecto de lei n.º 15/IV, que o Partido Social-Democrata apresenta, pretende consubstanciar, no seu articulado, os princípios que acabo de referir. A filosofia que o enforma assenta em bases que se consideram indispensáveis:
Primeiro, a criação de um sistema que vise transformar em aliados b agricultor e o caçador, em benefício mútuo, tornando-se um pelo interesse económico, outro pela paixão à caça, em permanentes zeladores desta.
Em segundo lugar, o reconhecimento de que o Estado não pode nem deve, sozinho, gerir todo o património, cinegético.
Em terceiro lugar, o aproveitamento de várias e extensas áreas onde a exploração dos recursos cinegéticos será a via mais valiosa de rentabilizar o uso da terra ou poderá constituir um acréscimo à rentabilidade conseguida.
Em quarto lugar, a captação de divisas estrangeiras e a desmotivação da sua saída para Espanha, onde hoje vão caçar regularmente grande número de portugueses.
Por último, uma fiscalização qualitativa e quantitativamente eficaz e uma pronta penalização pelas infracções cometidas.
Da análise das 4 primeiras bases acima referidas, pode inferir-se a necessidade de criação de zonas especiais de caça, como constam do capítulo vi - os regimes cinegéticos - referidos no projecto de lei.
Apesar disso, julgo que as percentagens máximas aí impostas para a criação de zonas de caça sociais, associativas e turísticas, se tiveram por objectivo atender a determinados aspectos sociais, obrigam a que nos interroguemos sobre como poderá ser feita a gestão de uma população de animais bravios no restante terreno livre, num terreno onde poderá exercer a caça qualquer cidadão desde que se tenha munido de licença, que o poderá percorrer como entender, abatendo o que lhe surja à disposição, sem dar contas nem contactar com aqueles que eventualmente estejam dispostos a fazer a sua gestão.
Que interesse terá uma entidade gestora de um terreno florestal ou agrícola, quer seja o Estado, uma cooperativa, uma junta de freguesia administradora de um baldio ou um proprietário privado, em criar e fomentar caça, em adaptar a sua exploração às necessidades das espécies cinegéticas, em instalar campos de cultura para a caça ou bebedouros, ou zonas de refúgio, se no dia da abertura viu a sua área invadida por massas de caçadores anónimos - tantos mais quanto maior for a caça existente na sua propriedade - assaltando-lhes os campos e as culturas e abatendo a caça com que deparam, quando não cometendo abusos, derrubando muros, quebrando vedações, roubando, até frutos e gado? Os citados gestores da terra na situação de terreno livre sentir-se-ão tanto melhor quanto menos caça possuam nos seus limites, porque será a forma de se verem livres dos caçadores. Por isso houve a preocupação de criar no projecto de lei, que o partido apresenta, zonas especiais de caça, sociais, associativas, que tornem aliados o agricultor, o caçador e todos quantos interferem no ciclo biológico das espécies cinegéticas.
No terreno livre a única entidade que acaba por ter que arcar sobre, si com a responsabilidade do fomento cinegético é o Estado.

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E o que poderá o Estado fazer? Fiscalizar o cumprimento das normas gerais? Pois bem, quantos guardas são necessários para fiscalizar eficazmente e nos terrenos mais recônditos quase 400 000 homens armados, alguns cujos escrúpulos são de natureza a abater à queima-roupa aqueles que os fiscalizam? Refira-se que nos últimos 6 anos houve 103 casos de agressão grave a guardas-florestais encarregados da fiscalização da caça - cujo corpo é constituído por umas escassas 3 centenas - dos quais resultaram 4 mortos e vários feridos, alguns inutilizados para sempre. E é para minorar os efeitos desta situação que o projecto de lei n.º 15/IV altera as condições de fiscalização da caça no seu artigo 43.º
Uma gestão tecnicamente correcta só pode, pois, ser aplicada em áreas concretas, de limites definidos, no interior dos quais exista um plano de ordenamento e exploração de caça e dai aufira um rendimento suplementar para a sua exploração.
Casos há no País, dos quais a região transmontana, a Beira interior, uma boa parte do Alentejo, nomeadamente nas margens do Guadiana e a serra do Algarve, são exemplos onde a caça poderia ser o produto principal. Estes podem considerar-se bons exemplos de zonas com aptidão para exploração turística como se consigna no projecto de lei a que nos vimos referindo.
E é não só a opinião dos técnicos portugueses mas também de muitos especialistas estrangeiros que nos têm visitado.
A gestão da caça exige, regra geral, a existência de superfícies grandes, pelo que, no estrangeiro, os agricultores com frequência se associam para a constituição de zonas de caça ordenadas. Então, sim, é possível estimular a iniciativa de cada um e fazer um grande esforço de criação de caça. Os problemas de fiscalização diminuem fortemente e passa a tornar-se mais necessário o «tratador de caça» que o «guarda-polícia de furtivos» sobretudo se, em paralelo ao caçador, for exigido que possua a formação e os conhecimentos suficientes para que tenha direito à usufruição de um património que afinal é um bem de toda a comunidade nacional quando não é até da comunidade internacional, como é o caso das espécies migratórias. As razões agora aduzidas justificam o artigo 7.º do projecto de lei ora em apreço no que se refere aos requisitos para a obtenção de carta de caçador, sendo exigido ao candidato um exame prestado perante as entidades competentes.
Os caçadores com um mais elevado nível de civismo, interessados em contribuir para a criação da caça que posteriormente colherem, associados geralmente em grupos com afinidades, consoante a modalidade de caça que praticam ou a região onde caçam, ou outros quaisquer motivos que os unam, passam a constituir-se perante os gestores da terra como entidades conhecidas e responsáveis, veículos de riqueza não só material mas também social e humana. A caça deixa de ser uma fonte de conflito para se tornar um interesse mútuo.
Não é utopia. É certamente o culminar de um processo longo e difícil até porque são sempre longos os que têm que atravessar a fase de modificação de mentalidades e difíceis os que não fazem parte da tradição, mas, por ser moroso, urge que se comece.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que o Partido Social-Democrata apresenta à vossa apreciação, sendo um projecto de lei equilibrado nos seus múltiplos aspectos, pode e deve ser melhorado. Se merecer a aprovação na generalidade desta Câmara, contaremos com a vossa ajuda para conseguir esses objectivos.
É urgente meter mãos à obra, valorizando um património que está quase totalmente delapidado mas que temos obrigação de recuperar para deixar às gerações vindouras, o qual representará para o País uma riqueza económica, ética e até estética.
Há porém que o fazer de uma forma socialmente justa, como se depreende do projecto de lei n.º 15/IV criando uma riqueza que directa ou indirectamente beneficie o maior número possível de portugueses e assim permita implantar um sistema de gestão racional de tão importante recurso, mas de forma correcta e duradoura no tempo.
O País merece esse esforço. Portugal ficará mais rico.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Malato Correia, ouvi com atenção - a atenção que sempre lhe dispenso - a sua intervenção nesta Assembleia, mas queria colocar-lhe algumas questões.
O Sr. Deputado afirmou que havia um estado caótico no regime cinegético nacional e concordo inteiramente consigo. No entanto, a que se deve esse estado caótico? O que o Sr. Deputado devia ter feito era estudar as origens desse estado.
Só lhe dou um exemplo, um exemplo muito flagrante ainda este ano, o actual Ministro do seu Governo autorizou a caça com furão para deixar matar e degradar o património cinegético.
Que fiscalização têm as reservas existentes hoje e que são património público?
O Sr. Deputado disse que apenas têm a fiscalização de 300 guardas - é verdade. Porém, o problema não são os guardas-florestais; a culpa não é deles, mas de serem poucos. Para onde vai o dinheiro das quase 400 000 licenças que o Sr. Deputado apontou nos seus números? O meu número era mais pequeno, mas o seu é 400000.
Estas são, portanto, duas questões muito importantes que lhe queria pôr.
Outra questão que lhe quero pôr é a seguinte: quantos caçadores vão beneficiar das coutadas associativas? Quantos caçadores deste país podem ter esse «benefício»?
Só para terminar, gostaria ainda, Sr. Deputado, de lhe colocar uma última questão: qual o papel das associações de caçadores, de agricultores e das autarquias em todo o vosso projecto de lei?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Malato Correia pretende responder já ou no fim?

O Sr. Malato Correia (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

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O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado Malato Correia, gostaria de lhe colocar duas ou três questões.
Poderíamos falar aqui de algumas questões que são essenciais no projecto do PSD e quanto a nós bastante más. Tal é o caso, por exemplo, das reservas associativas que, no nosso entender, são, pura e simplesmente, uma forma de reconstituição das antigas coutadas - isto que fique claro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Poderíamos falar também na questão, inserida no vosso projecto, da autorização da utilização e detenção de furões por particulares ou do facto de no vosso projecto nada haver relativamente à questão da comercialização da caça. Ficará para regulamentação posterior e nada mais do que isso, pois não se diz em que termos é que isso será regulamentado.
Gostaria ainda de lhe colocar uma questão que, de alguma forma, me chocou. O Sr. Deputado referiu-se à conflitualidade que existe entre caçadores e guardas- florestais, tendo inclusivamente colocado um determinado número de questões que se têm verificado.
A questão que lhe coloco é esta, Sr. Deputado: será que essa conflitualidade irá diminuir com uma norma que está no vosso projecto de lei e que aponta precisamente para que a entidade autuante possa arrecadar 20% das multas? Não é isto uma aberração? Não é isto precisamente o fomento da conflitualidade entre guardas-florestais e caçadores? Não é isto o regressar a uma prática que poderá levar, não à caça à perdiz, à lebre ou ao coelho, mas à caça à multa, porque é isso, evidentemente, que aqui está consagrado?
Eram, pois, estas questões que gostaria de ver explicitadas.

O Sr. Presidente: - Para fazer um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Roberto Amaral.

O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Deputado Malato Correia, gostaria de ser esclarecido sobre os seguintes aspectos.
Considerando que quer a proposta de lei do Governo sobre a caça quer o projecto de lei apresentado pelo PSD estipulam, no seu artigo 48.º, que o âmbito de aplicação da lei será de todo o território nacional, conferindo-lhe por isso o carácter de lei geral da República e que na Região Autónoma dos Açores já existe um decreto legislativo regional aprovado pela respectiva Assembleia e relativo a esta mesma matéria, gostaria de ser esclarecido sobre se as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira foram ouvidas relativamente a estas iniciativas legislativas. E, caso tenham sido ouvidas, gostaria de ser elucidado pelos autores desta proposta e projecto de lei sobre se consideram estes documentos agora em apreciação feridos de inconstitucionalidade, dado o seu carácter de lei geral da República, versando sobre matéria de interesse para as regiões e não tendo estas sido ouvidas nos termos da Constituição.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Malato Correia, queria colocar-lhe duas questões.
A primeira questão refere-se à carta de caçador, a qual, segundo se expõe no n.º 1 do artigo 7.º, exige um exame, no qual o interessado, tem de comprovar se possui conhecimentos necessários sobre fauna e ordenamento cinegético. Isto levanta-me a seguinte questão: será que o PSD pensou criar cursos de formação acelerada para que os candidatos a caçadores obtenham a carta, de forma a terem os necessários conhecimentos de fauna e ordenamento cinegético?
O segundo esclarecimento que pretendia era o seguinte: no artigo 25.º, n.º 10, refere-se a existência de coutos. E aqui, mais uma vez, o PSD invoca o conhecido verso: «Ó tempo volta para trás.» Simplesmente, parece que há uma flagrante contradição entre a conclusão do Sr. Deputado, ao apresentar este decreto-lei, no sentido de que o património venatório se encontrava quase ou praticamente delapidado e, por outro lado, o supor de que é possível formar várias espécies de coutos.
Portanto, para lá dó aspecto «regresso ao passado» que a formação de coutos estabelecida no vosso projecto vem consagrar, parece que tal formulação nem sequer está conforme com a realidade e com aquilo que são as conhecidas queixas dos caçadores, no sentido de cada vez haver menos caça para caçar - excepto uma outra caça, mas que não é esta.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, é evidente que na apresentação deste projecto de lei me referi ao estado caótico a que se tinha chegado. Achei que não devia incluir na intervenção uma análise demorada sobre o estado caótico a que se chegou. No entanto, penso que é fácil responder-lhe a isso.
Destruiu-se tudo e todos os exageros que no regime anterior existiam em termos de legislação de caça. Por outro lado; abriu-se imediatamente tudo aquilo que eram reservas, tudo aquilo que ainda continha alguma caça - tinham alguma exploração que estava correcta -, ao ataque, chamemos-lhe assim, à invasão pelos caçadores. E evidente que isto tinha de destruir, á curto prazo - num ano ou dois, não era preciso mais -, tudo aquilo que havia de património cinegético.
Além disso, houve um hiato na existência de legislação do ordenamento territorial. Isto porque se optou por uma coisa perfeitamente anacrónica, que foi o estabelecimento de zonas, reservas ou até coutos - como lhe queira chamar -, de encerramento temporário. Nada mais absurdo. Isto porque a caça que era criada durante 2, 3 ou 4 anos, quando a temporada era aberta desaparecia no segundo dia de caça; não ficava uma peça para ser abatida.
Portanto, é evidente que com esta anarquia no ordenamento do território e com este buraco de ausência de legislação se tinha de chegar à um estado caótico. Isto somado também com as asneiras e os erros cometidos pelos próprios caçadores, que não têm, muitos deles, nada de caçadores.
E faço aqui esta crítica àqueles que por terem espingarda se intitulam caçadores para defender exactamente o interesse daqueles que são caçadores de verdade e que

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interpretam a caça como um desporto e não como qualquer coisa que nada tem a ver com a prática do acto venatório, tal como ele é concebido em qualquer país civilizado.
Quanto à caça, ou seja, quanto a saber se deve ou não abrir a caça com furão, ou se o Governo ou o Estado ou o Ministério deve permitir a caça com furão, gostaria de lhe fazer a seguinte pergunta: Sr. Deputado, de que serve andar a tirar coelhos de um lado e pôr noutro se não tem o mínimo resultado? Em terreno livre, como é que o Sr. Deputado quer fazer a gestão dos recursos cinegéticos?
Foi isso que quis demonstrar com aquela intervenção que fiz. Não sei se o consegui fazer para o Sr. Deputado, mas julgo que me fiz entender.
O que é verdade é que tanto faz estar hoje a agarrar 100 ou 1000 coelhos que existam a mais num determinado local onde sejam nocivos ou a transferi-los para uma outra zona. Isto porque passados 15 dias não há de novo lá coelhos, pois os chamados caçadores invadem essas zonas com tendas, com garrafas de gás, com furões, com motorizadas - em que ligam os escapes às tocas -, chegando a levar frigoríficos para o Alentejo para levar a caça conservada...
Para que é que. serve então essa limitação ao uso do furão por parte do Estado?

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado, eu não lhe pus o problema de ser o Estado, com os furões, a apanhar os coelhos e a transportá-los para outro lado. Não foi isso que aconteceu este ano.
O que aconteceu foi o Estado permitir que os caçadores abatessem as poucas peças existentes com furão - isto aconteceu este ano. Portanto, este procedimento é que estava a censurar e não a transferência, por parte do Estado, por parte de elementos da venatória, de coelhos de uma zona para outra.

O Orador: - Sr. Deputado, se por acaso o Governo permitiu que em determinadas zonas os caçadores actuassem com furão, foi porque entendeu, por informação dos serviços regionais ou locais de agricultura, que esses animais estavam a ser nocivos. Assim, de uma maneira democrática, permitiu que os caçadores caçassem com furão.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Aí já há a mais!?

O Orador: - Em algumas há, Sr. Deputado. Sabe perfeitamente que na zona do Ribatejo a quantidade de coelhos em algumas áreas põe em cheque e em perigo os diques. E preciso ter conhecimento desses dados, Sr. Deputado.
Agora o Sr. Deputado pergunta-me: que fiscalização? Para onde vai o dinheiro? A fiscalização não é correcta, é em quantidade insuficiente, a qualidade é deficiente e o dinheiro vai gerir uma coisa que não tem gestão possível, que é a caça em terreno livre. É isso que se tem dado, Sr. Deputado, e é por isso que temos de alterar a lei.
Quanto à questão de saber quantos caçadores vão beneficiar das zonas associativas, gostaria de lhe dizer o seguinte, Sr. Deputado: quando eu disse que havia uma certa limitação, por razões de natureza social, das zonas que deveriam ser delimitadas como zonas associativas, queria dizer exactamente isso e estou de acordo consigo: quantos vão beneficiar?
Irão beneficiar - a meu ver a lei deverá ser beneficiada nesse aspecto - todos quantos quiserem participar em zonas associativas. E se quiserem todos, que todos participem em zonas associativas, pois quanto mais melhor, nem que esteja todo o país metido em zonas associativas.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Vamos caçar para o Norte de África!

O Orador: - Qual o papel dos agricultores, dos caçadores e das autarquias na decisão - perguntou o Sr. Deputado.
Sr. Deputado, veja como é concebida a participação dos agricultores, das autarquias e também dos caçadores na própria gestão da caça, que constituo aí como comissões e conselhos cinegéticos. Portanto, têm participação e importantíssima.
Sr. Deputado Joaquim Miranda, quanto à comercialização da caça, eu disse ali que ficaria para posterior regulamentação. Obviamente, falar neste momento e pôr ali, numa lei da caça, como é que esta irá ser comercializada, tenho a impressão de que não seria fazer um projecto de lei ou uma lei, mas um articulado, muitas vezes difícil e impossível de fazer cumprir.
Aquilo que o meu partido pretende com a apresentação deste projecto de lei é que, praticando a caça como um desporto, esse desportista possa vir até a ter caça para vender. Isto porque aquele que não caça também tem direito a comer a sua peça de caça. E por que é que há-de passar na «candonga» - desculpem-me a expressão - ou há-de ser só a caça em cativeiro?
O que pode efectivamente surgir - isto contribui para o desenvolvimento das populações - é que, para além do desporto, tal facto pode contribuir para o desenvolvimento económico, tanto do agricultor como do próprio caçador. Isto porque tal permite uma gestão de recursos e permite utilizá-los, pois o património cinegético nacional está hoje avaliado em cerca de 25 milhões de contos.
Uma peça de caça tem valor e é possível que, depois de um bom ordenamento territorial e de uma boa gestão dos recursos cinegéticos, o próprio caçador
- beneficiando até aquele que não quer participar em coutos associativos ou em zonas sociais - possa muito bem, em terreno livre, ter peças suficientes para comercializar a caça. Porém, há nessa altura que ter em atenção como é que se vai comercializar, tendo o Governo a obrigação de pôr em prática uma boa regulamentação, tanto nesta matéria como também no resto.
Em relação à segunda questão que me coloca, tenho de lhe dar de certo modo razão, Sr. Deputado. É evidente que a conflitualidade existe porque não existe lei, não existe civismo, existem poucos guardas e existe um desordenamento territorial. Apresentei também o modo de a conflitualidade desaparecer. Assim, havia uma menor densidade de caçadores em determinadas zonas, caçava-se com mais segurança, as pessoas estavam mais distribuídas pelo território onde se exercia o acto vê-

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natório, correndo, portanto, as coisas de outra maneira, pois cada um sabia exactamente qual a zona onde poderia caçar.
No entanto, estou de acordo consigo. Julgo que não será necessário dar os 20% da multa aos guardas florestais que exercem o direito de defesa das zonas de caça. Mas julgo também que não foi um precedente que se abriu, pois da Guarda Fiscal, por exemplo também há multas que têm uma participação para o guarda actuante.
De certo modo, com a mentalidade dos Portugueses, talvez seja um efeito pedagógico necessário. Em todo o caso, não me bato por isso e não o defendo. E é por isso que digo que a lei poderá muito bem ser melhorada, contando com o vosso apoio e com o de toda a Câmara para que o seja em discussão na especialidade.
Sr. Deputado Roberto Amaral, em relação à Região Autónoma dos Açores estou de acordo consigo. Confesso que, pela minha parte, havia um desconhecimento de que em Fevereiro se tinha feito na Região Autónoma dos Açores uma lei da caça. Penso que essa lei da caça nem tão pouco diverge da filosofia da lei da caça que agora propomos.
Acho que não temos vantagem nenhuma em fazer «cair» essa lei porque os Açores faziam imediatamente a sua aprovação - estamos perfeitamente conscientes disso. Portanto, não há necessidade de uma coisa dessas e será contemplado na discussão que não haja necessidade de rever esta matéria para os Açores, mantendo os Açores a sua lei em vigor.
Noutro aspecto, julgo também que o nosso diploma não está ferido de inconstitucionalidade, pois este projecto de lei quê aqui hoje foi apresentado dizia quê, a execução da lei na Região Autónoma ficava dependente de regulamentação por decreto regional. Portanto, isto não vai, de maneira nenhuma, tornar inconstitucional o projecto estou de acordo consigo no que respeita à necessidade de mudar o articulado deste artigo, a fim de permitir que isto seja consignado.
Sr. Deputado Raul Castro, V. Ex.ª perguntou-me se no n.º 1 do artigo 7.º o PSD propunha algum curso de formação acelerada para a formação de caçadores. Não propomos, Sr. Deputado. O que propomos é o exercício do acto venatório. Isto porque não admito que para um exame de condução automóvel, que com -, porta riscos para o próprio e para todos os cidadãos, seja preciso tirar um curso, uma carta e ter um período de instrução, e. que para jogar com uma arma nas mãos, que pode matar o próprio e toda a gente por aí fora - quantas vezes certos caçadores têm pendurado outros a tiracolo -, basta ter dinheiro e comprar uma espingarda para poder exactamente, no dia seguinte, começar a exercer a caça.
É por isso que por vezes estamos no campo, Sr. Deputado, vemos passar um milhafre, ouvimos uma série de tiros e um caçador a perguntar a outro: «ouve lá, àquilo era um pombo?»
Isto não se pode permitir, Sr. Deputado. Se não há cursos de formação acelerada há, pelo menos, uma possibilidade de o caçador caçar retardadamente dar-lhe a possibilidade de que ele, nem que demore 1 ano, só vá caçar quando souber que tem na mão uma arma que pode ser extraordinariamente perigosa, por ser uma arma de dois gumes - tanto mata passarinhos como animais de pelos e homens.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado, naturalmente que estamos de acordo e isso consta do n.º 10 do artigo 7.º, «conhecimentos ou manejos de armas», que lá também figuram! No entanto, não é isso que está em causa.

O Orador: - Não, é muito mais do que isso, Sr. Deputado!

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - No ,que respeita ao exemplo que o Sr. Deputado citou - a comparação com um exame de condução automóvel -, naturalmente que tem de se saber conduzir um automóvel, assim como um caçador tem de saber manejar uma arma. Porém, isso está no n.º 10 do artigo 7.º - não è o n.º 1, mas p n.º 10.

O Orador: - E não só, Sr. Deputado!

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Agora, o que referi foi os conhecimentos de cinegética e de fauna, pois era isso que estava em causa.

O Orador: - Sr. Deputado, aceito perfeitamente essa sua intervenção, pois realmente julgo que não é caçador. Isto porque se fosse caçador percebia que mais importante do que ter conhecimento do manejo de uma arma de fogo é, para a defesa das espécies cinegéticas, saber o que se está a matar.
Em Portalegre, por exemplo, há uma ave chamada «cegonha negra». E uma espécie raríssima, em vias de extinção, e apareceu um caçador com uma cegonha negra pendurada, convencido de que tinha morto um corvo. Para já, o corvo não pode ser morto e, em segundo lugar o corvo não se parece em nada com, a cegonha negra.
Portanto, quando se vai para o campo hão se pode confundir uma raposa com um cão, nem se pode confundir possivelmente uma lebre com um coelho, porque são animais muito parecidos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença que ò interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado, eu entrei no debate muito tarde e dá-me ideia que a sua intervenção tem mais a ver com o comentário do resultado das últimas eleições do que com a discussão da lei da caça.

O Orador: - Não atingi, Sr. Deputado por culpa minha com certeza.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - A confusão entre milhafres e pombos, entre matar cegonhas negras, corvos, etc., isso é o comentário ao resultado das últimas eleições.

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O Orador: - Sr. Deputado, tenho a impressão de que isso é só para atenuar uma conversa séria ou para distrair de uma discussão que se me afigura séria. Isto porque quanto à caça que se fez nas eleições, fizemos cair várias pombas.

Risos do PSD.

Sr. Deputado Raul Castro, ainda em relação à segunda questão que me pôs, de facto está aí escrito «coutos» e tal é, por acaso, um erro, porque sempre foram consideradas zonas. No entanto, digo-lhe sinceramente uma coisa: isso para mim era perfeitamente secundário. Porém, foi de facto um erro de impressão, pois eram para ser «zonas», até porque no resto do documento estão sempre consideradas como «zonas». No entanto, digo-lhe, desde já uma coisa: para mim não é a terminologia que tem importância, mas a finalidade com que elas são criadas.
Para mim não interessa que sejam coutos ou zonas - pois chamem-lhes coutos se quiserem que sejam coutos. O que me interessa é que elas tenham sido constituídas para fazer um verdadeiro ordenamento cinegético, que possam contribuir para o desenvolvimento económico das populações, das autarquias, dos agricultores e que permitam que os caçadores cacem com maior segurança.
Este é um processo sério que se está a debater e gostaria que esta Câmara aceitasse, sem complexos, a aprovação de uma lei que tenha um carácter de defesa das espécies cinegéticas, a fim de ter um carácter duradouro e verdadeiramente protector das espécies, algumas delas, até, exclusivas da Península Ibérica. Isso é que me parece ser importante e fundamental.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Frazão.

O Sr. José Frazão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A actividade cinegética em Portugal encontra-se mergulhada numa profunda crise que é preciso vencer rapidamente, para salvaguarda de um património valioso sob múltiplos aspectos.
O facto de o equacionamento dos problemas da caça e a procura das respectivas soluções terem sido objecto de uma atenção intermitente por parte do legislador, contribuiu para o agravamento da situação.
É certo que a descontinuidade do esforço é, em grande parte, o efeito das vicissitudes que têm perturbado a normalidade dos mandatos e encurtado a vida dos sucessivos Governos e Assembleias da República. A circunstância não nos iliba da quota-parte de responsabilidade por ainda se não ter substituído a legislação e a organização administrativa obsoletas. A ordem jurídica e as estruturas orgânicas deixaram, há muito, de responder às mudanças operadas na sociedade portuguesa após a restauração do regime democrático.
A inadequação do direito da caça à realidade dos novos tempos deu como resultado a aceleração do processo de delapidação dos recursos cinegéticos indígenas, processo que chegou a um ponto em que é legítimo recear pelo desaparecimento, no território continental, de algumas espécies animais.
É preciso atalhar sem demora o desenvolvimento deste processo de degradação. Estamos na altura de o fazer.
O facto de a Assembleia da República encetar a discussão de 3 projectos e uma proposta de lei sobre a caça, associado à verificação de movimentos e outros fenómenos sociais que desembocam, em regra, em forma de pressão sobre os órgãos de soberania, tendentes a exigir a alteração do actual estado de coisas, significa que a gravidade da situação tomou conta da consciência dos portugueses responsáveis ou atentos a esta problemática.
Importa, pois, que a Assembleia da República assuma em pleno as suas responsabilidades e aprove, no mais curto lapso de tempo possível, a lei que assegure a sobrevivência da fauna cinegética, estimule o seu fomento e discipline a sua exploração.
Quanto aos objectivos e fins que a lei deve perseguir, parece não haver dificuldade em estabelecer consensos entre nós.
As divergências e incompatibilidades surgem ao nível da escolha das modalidades de ordenamento e administração dos recursos cinegéticos. O jogo democrático no interior da Assembleia acabará por resolver estas dificuldades.
O Partido Socialista tem um projecto que considera apto para restabelecer a regularidade da prática cinegética e os equilíbrios ecológicos rompidos pela força conjunta da indisciplina dos caçadores e ineficiência da Administração.
A forma actual do nosso projecto culmina num largo processo de reflexão, consulta e debate participado por muita gente interessada.
Com efeito, o Prof. Azevedo Gomes, na vigência do I Governo Constitucional, tomou a iniciativa de preparar legislações de caça e chamou a colaborar neste trabalho representantes regionais das organizações venatórias. Em resultado desta iniciativa apareceu o projecto de lei de bases gerais da caça, apresentado em 1980 na Assembleia da República pelo Partido Socialista, que não logrou atingir o fim do processo legislativo.
Gorada esta primeira iniciativa, foi ainda o Prof. Azevedo Gomes, quando de novo voltou à Secretaria de Estado das Florestas, em 1983, quem retomou a iniciativa interrompida durante a vigência de vários governos, submetendo desta vez à consulta das associações de caçadores, agricultores e de entidades públicas, como as Câmaras Municipais, Secretarias de Estado do Turismo, do Ambiente, da Administração Autárquica, do Desenvolvimento Regional e da Agricultura, e ainda da Liga de Protecção da Natureza, duas variantes do projecto acima citado e uma proposta de diploma da autoria de um grupo de caçadores considerada merecedora de apreço.
Desta consulta recolheram-se contribuições interessantes que vieram a ser aproveitadas e integradas na versão final do projecto de lei agora em discussão.
Na fase de preparação, partimos para o debate numa atitude de espírito científico aberta à troca de ideias, e por isso concedemos bom acolhimento aos contributos válidos dos outros que colaboraram neste labor.
Nesta atitude permaneceremos durante a discussão dos projectos e proposta de lei da caça.
O projecto de lei n.º 24/IV, do Partido Socialista surge assim como facto de um longo período de gestação. Ele exprime o nosso pensamento de uma fracção significativa de caçadores.

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As soluções preconizadas, porque nos demos ao cuidado de ouvir muita gente - especialistas, representantes de interesses profissionais, desportivos e científicos; etc. - são portadores de uma elevada soma de consensos. Não obstante a proveniência diversa das achegas, o corpo deste projecto possui uma grande coerência interna, fundada no justo equilíbrio entre os meios e os fins visados.
No plano conceptual deixámo-nos orientar pelos seguintes princípios básicos:

a) Salvaguarda, recuperação e desenvolvimento do património cinegético;
b) Ordenamento da gestão, fomento e exploração dos recursos venatórios;
c) Acesso, sem discriminações injustas, das populações interessadas à prática venatória e; à fruição dos seus benefícios;
d) Participação dos cidadãos organizados, em regime de cooperação com o Estado, na criação de condições propícias do crescimento auto-sustentado da fauna silvestre a à exploração disciplinada das espécies, condicionada à exigência de não destruir o equilíbrio dos ecossistemas;
e) Integração da actividade da caça no quadro do desenvolvimento regional, qualificando os recursos cinegéticos como factor de melhoria das condições e qualidade de vida das comunidades rurais.
A primeira preocupação exprime-se através do dispositivo que trata das proibições dos procedimentos que interrompam os processos biológicos de reprodução e crescimento das espécies e das normas que condicionam os regimes cinegéticos e as reservas e, ainda, ò comércio das peças de caça capturadas, com vista a encorajar o profissionalismo no exercício venatório.
É necessário e urgente refazer os povoamentos dás espécies de mais baixa densidade, particularmente a espécie da lebre e da perdiz, cujas populações atingiram tal grau de escassez que justifica o temor da sua extinção nos terrenos submetidos ao regime geral da caça.
Pensamos que as medidas de política de preservação e fomento contidas no nosso projecto permitam que se atinja, a médio prazo, uma situação de equilíbrio estável da fauna silvestre.
A preocupação do ordenamento, como um método para racionalizar o caso dos meios disponíveis e potenciar os seus efeitos positivos na gestão dos recursos envolvidos, está patente nas disposições que obrigam a gestão das zonas de caça a obedecer às injunções dos planos de ordenamento e exploração aprovadas pelos serviços florestais oficiais competentes. O propósito de instalar a ordem e a disciplina onde existe o caos é ainda visível na enumeração das competências reservadas para o Estado inscritas no artigo 11.º do nosso projecto.
A preocupação de não favorecer a emergência de situações de privilégio, em benefícios de caçadores dotados de maiores recursos económicos e de categorias sociais detentoras de posições jurídicas de vantagem, manifesta-se nas fortes restrições e limitações que circunscrevam o âmbito de regime cinegético especial.
Por outro lado, o regime cinegético geral conhece no nosso projecto apenas duas excepções: as zonas de caça turística e as zonas de consórcios cinegéticos. Ambas estas modalidades têm no âmago da sua justificação a ideia do interesse geral. No caso das zonas turísticas está patente a intenção de, através delas, atrair os fluxos turísticos estrangeiros e cativar a entrada de divisas e, adicionalmente, estimular o reforço das correntes turísticas ao longo de todo o ano. No caso dos consórcios cinegéticos subjaz o intuito de incentivar a exploração florestal em zonas de minifúndio em moldes mais racionais e, sobretudo, mais rendíveis por intermédio da associação dos proprietários florestais e, simultaneamente, encerra o intuito de encorajar a arborização da imensa área de incultos que ocupam 15% da superfície agro-florestal total, ou seja, em número absoluto, cerca de 1 500 000 ha.
Importa dizer, para boa compreensão do alcance e contornos da figura do consórcio cinegético, que ele está estrutural e funcionalmente ligado às unidades de gestão florestal. Forma de organização do espaço silvícola prevista no projecto de lei sobre a valorização do património florestal, que é parte do conjunto de projectos de lei que dão forma e conteúdo à política florestal defendida pelo Partido Socialista, os quais deram entrada na Assembleia da República e foram mandados baixar à Comissão de Agricultura e Mar.
Esta conexão é necessária para que o consórcio cinegético instrumentalize a ideia da associação dos proprietários de terrenos florestais em favor da constituição de unidades de gestão com dimensão bastante para tornar possível a prática do ordenamento das matas existentes ou a constituir pela rearborização dos incultos. Proporciona-se, por esta forma, às sociedades de proprietários a possibilidade de auferirem um rendimento adicional que auxilie a satisfazer necessidades financeiras, empresariais ou domésticas, durante o longo período de carência, que é característica da natureza do investimento florestal.
A nossa preocupação de chamar o cidadão interessado a participar na definição e implementação da política cinegética e do ambiente tem a sua expressão mais viva na parte do articulado que é consagrado aos conselhos cinegéticos e de conservação da fauna.
A presença nestes órgãos de agricultores, caçadores, técnicos de Administração Pública de diferentes formações disciplinares e de cidadãos representantes de entidades privadas sem fins lucrativos com vocação para a defesa de interesses colectivos, dá às funções que lhe são cometidas créditos de seriedade, equilíbrio e responsabilidade, qualidades que são bem precisas ao estudo dos problemas e à busca das soluções idóneas.
O Estado não pode eximir-se à tarefa de defender a natureza e o ambiente e preservar os recursos naturais. Chamar os cidadãos a colaborar nela, inserindo em estruturas de cooperação é uma maneira feliz de realizar duplo objectivo de assegurar o cumprimento da lei da caça e de dar vida à ideia do aprofundamento da democracia participativa que consta do texto da Constituição Portuguesa. A extensão das competências que o projecto consigna aos conselhos cinegéticos e de conservação da fauna é significativa da importância que atribuímos à cooperação entre a sociedade civil e a Administração e da esperança que depositamos na acção destes órgãos.
Porque é este o nosso pensamento entendemos que o Governo, uma vez promulgada a lei da caça, deverá dar prioridade absoluta à regulamentação dos conselhos cinegéticos, de modo a que eles possam entrar em funcionamento a tempo de colaborar na tarefa de regulamentar a lei. A pluralidade dos pontos

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de vista que a sua participação traria para o processo legislativo seria um factor de consenso nas soluções adoptadas.
A preocupação de integrar a exploração dos recursos venatórios no quadro mais vasto do desenvolvimento das potencialidades do espaço onde a caça tem seu habitat é outra das linhas de força do nosso projecto. Por isso, defendemos a combinação caça-floresta, baseados na verificação de que a fauna é mais densa nos espaços silvestres com aptidão florestal. A existência deste binário revela-se útil às duas actividades conjugadas.
Portugal possui, para além dos 1 500 000 ha de incultos, mais de 1 000 000 ha de solos cartografados em classes de capacidade de uso florestal que estão submetidos a exploração agrícola marginal. Temos, portanto, cerca de 2 500 000 ha de terrenos que esperam pelo florestamento para produzir o, máximo da sua utilidade potencial. O seu reflorestamento, segundo modalidades de uso múltiplo da floresta, abre perspectivas de muito vastas possibilidades para o desenvolvimento cinegético no nosso país.
Esta visão englobante do aproveitamento integrado dos recursos naturais permite-nos compreender as relações de interdependência e de complementaridade que as actividades por eles suportadas estabelecem entre si e a necessidade de conceber soluções que tenham em conta a sua existência. Doutro modo, corre-se o risco de perturbar os equilíbrios dos ecossistemas e com isto a quebra do rendimento dos mecanismos de renovação dos recursos naturais. Nestes termos, o projecto de lei n.º 24/IV é um elemento que se enquadra numa totalidade concebida em termos da proposta de política florestal do Partido Socialista.
Estamos na disposição de confrontar com grande abertura de espírito as nossas propostas com as demais e de, eventualmente, acolher aquelas que venham a revelar-se as mais consentâneas com as exigências da realidade, desde que essas adopções não venham desfigurar o modelo e o sistema onde se insere o nosso projecto de lei.
Assim, vamos dar voto favorável na generalidade a todos os projectos, reservando para a discussão na especialidade, em sede da comissão especializada, a ponderação das diferenças e das semelhanças e o julgamento das diferentes formulação de cada um dos projectos.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Joaquim Miranda, Malato Correia e Vasco Miguel. Chamo a atenção dos Srs. Deputados Malato Correia e Vasco Miguel para o facto de o PSD só dispor de 2 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado José Frazão, gostaria de colocar-lhe duas questões. A primeira tem a ver com a afirmação que fez no início da sua intervenção de que deverá ser aprovada, no mais curto espaço de tempo, legislação relativa a esta matéria.
É evidente que em princípio todos estaremos de acordo de que é necessário tomar medidas de salvaguarda do património cinegético nacional. Agora parece-nos - e é esse o nosso entender - que dada a multiplicidade de projectos com filosofias diferentes (embora alguns tenham filosofias parecidas, como é o caso da proposta de lei do Governo e o projecto de lei do PSD) Que estão em discussão (e outros que nem sequer chegaram a ser postos em discussão), o facto de ser necessário existir uma regulamentação rápida desta matéria não deve ser impeditivo de haver um debate público sobre o assunto.
Pensamos que isto deveria ser sujeito a um profundo debate público mesmo que seja curto e após isso dar-se então a aprovação. Quanto a este ponto gostaríamos de ouvir a opinião do Partido Socialista.
Em relação à outra questão, penso que um dos pontos mais polémicos do projecto de lei do PS é a questão dos consórcios cinegéticos. E isto por duas ordens de razões: tal como aparece no projecto de decreto-lei do PS estes consórcios cinegéticos aparecem difusos, sem estarem definidos. Não se sabe exactamente o que são, tanto mais que o Sr. Deputado afirma ainda que eles serão regulamentados posteriormente pelo Governo. Isto deixa-nos um bocado na dúvida sobre o que serão e bastante apreensivos em relação ao que podem vir a ser estes consórcios cinegéticos.
Por outro lado, põe-se ainda a questão de estes consórcios cinegéticos serem remetidos para legislação que ainda não existe, o que nos parece uma situação relativamente caricata, porque estarmos a aprovar neste momento uma legislação que remete para legislação que não sabemos quando será discutida e se será aprovada, parece-nos na verdade não ser uma situação minimamente aceitável. Por isso, gostaríamos de ouvir do Sr. Deputado algumas considerações sobre estes problemas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Frazão pretende responder de imediato ou no final dos outros pedidos de esclarecimento?

O Sr. José Frazão (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Começo por agradecer ao PS e ao PRD a concessão dos minutos suficientes à formulação do meu breve pedido de esclarecimento.
Sr. Deputado José Frazão, congratulo-me pela sua intervenção porque julgo que o diagnóstico que fez coincide exactamente com o diagnóstico que fizemos em relação à situação do desordenamento cinegético que existe em Portugal.
No entanto, queria colocar-lhe três questões muito concretas.
Acha necessário, depois do insucesso que se verificou constituírem, manter as reservas temporárias? O que significa o consórcio cinegético? É que não consegui descortinar o que significa. Remeteram no artigo 19.º do projecto de lei o seu conceito para o consórcio florestal o que, confesso, também não entendo. E isso tem interesse esclarecer, até porque o consórcio cinegético, para mim, ainda é uma coisa no eseuro, embora eventualmente possa estar de acordo com aquilo que estou a pensar que possa constituir.
Queria discordar do facto de fazer coincidir a floresta com a caça e a caça com a floresta. Se, na verdade, a floresta é uma zona onde a caça batida - chamemos-lhe assim - se esconde com facilidade, não é o habitat natural de algumas espécies, como por exemplo a

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lebre e a perdiz, que se encontram com mais facilidade no seu habitat natural, em zonas semeadas - como se diz no Alentejo. Portanto, não podemos dizer que caça é igual a floresta e vice-versa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra para responder o Sr. Deputado José Frazão.

O Sr. José Frazão (PS): - Respondendo à pergunta do Sr. Deputado Joaquim Miranda, considero, tal como o Sr. Deputado, que não se pode andar depressa! É preferível andar mais devagar, fazer as coisas com ponderação e encontrarmos uma solução que agrade à maioria. E se for necessário estabelecer um debate público então que se estabeleça para que cheguemos, ao fim com uma lei que satisfaça as finalidades que todos pretendemos.
Portanto, concordo que haja um debate público pelo menos, que sejam ouvidos os órgãos representativos dos caçadores e dos agricultores e outros organismos com interesses no sector.
Quanto aos consórcios cinegéticos, referi na minha intervenção que esta figura só se compreende desde que se tenha conhecimento da política florestal do nosso partido. Aliás, este projecto de lei fazia parte de um pacote legislativo sobre política florestal. Nesse projecto de desenvolvimento florestal os consórcios cinegéticos são formas de associação dos pequenos proprietários florestais, no sentido de se criarem zonas maiores onde se possa praticar o ordenamento florestal e fazer uma exploração racional dessas áreas ordenadas. Esses consórcios cinegéticos seriam constituídos através do recurso a várias formas jurídicas ou mesmo em associações com o Estado e as autarquias,
O consórcio cinegético surge aqui como um auxiliar da constituição dos consórcios florestais e, portanto, ficariam apenas limitados aos pequenos proprietários florestais que se associassem para praticar a exploração conjunta desses terrenos.
Passando à questão que o Sr. Deputado Malato Correia me colocou cerca da discordância quanto ao binário caça/floresta, penso que há muitas espécies que não têm o seu habitat na floresta, uma grande número delas refugia-se lá.
E em relação à sua questão, também volto a invocar o pacote da política florestal que apresentámos sobre o desenvolvimento da floresta. Temos 2,5 milhões de hectares para florestar e, se fizermos a reflorestação segundo métodos de aproveitamento múltiplo dá floresta, temos possibilidade de os planos de reflorestação conceberem também áreas destinadas à caça. Por isso é que associamos a caça com a floresta.
Isto não quer dizer que os 2,5 milhões de hectares fiquem todos povoados de floresta; podem ficar zonas consagradas à caça e a outras actividades. Por isso, não considero que haja incompatibilidade entre a caça e a floresta; pelo contrário, há uma combinação positiva.
Não sei se a minha resposta o satisfaz, Sr. Deputado, mas de momento é o que tenho para lhe dizer.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado, muito obrigado pelo seu esclarecimento e, se me dá licença, gostaria de dizer-lhe que concordo parcialmente com o que afirmou, mas não posso considerar a caça coincidente com a floresta. De qualquer maneira, não vamos, agora alongar este debate, porque podemos tratar este ponto com utilidade mútua aquando da discussão na especialidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regimental do intervalo.

Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, solicito a suspensão dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - É concedida, Sr. Deputado. Está suspensa a sessão.

Eram 18 horas e 21 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, antes de mais quero penitenciar-me pelos 30 minutos de interrupção que concedi ao CDS, na medida em que este só tinha direito a utilizar 15 minutos.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de pedir desculpa a V. Ex.ª e a toda a Câmara porque fui eu próprio o causador desse lapso que referiu, na medida em que redigi mal o requerimento que apresentei à Mesa. Nos termos do n.º 2 do artigo 69.º do Regimento, apenas tínhamos direito a solicitar 15 minutos de interrupção.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Está encerrado o incidente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado. Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep; - UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a discutir na generalidade os projectos de lei n.ºs 15/IV, 24/IV e 68/IV e a proposta de lei n.º 1/IV e por isso não cabem, na intervenção que vou fazer, considerações que desçam ao pormenor do articulado dos textos em discussão, evitarei fazê-lo e vou procurar ater-me àquilo que julgo serem as questões essenciais que num debate na generalidade devem ser contempladas.

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É incontroverso - e todos os Srs. Deputados que intervierem até este momento foram unânimes em o reconhecer - que o património cinegético nacional tem sido objecto de uma contínua degradação ao longo dos anos e em particular nos últimos anos. Do mesmo modo parece ser incontroverso que uma das causas dessa degradação resulta de um exercício totalmente desregrado da actividade venatória, actividade essa que, por vezes, assume aspectos de actividade pura e simplesmente depredadora. Daí resulta que regulamentar o exercício da caça será apenas um dos instrumentos susceptíveis de contribuir para que se ponha cobro a essa degradação e se permita fomentar e reconstituir o nosso património cinegético.
Na discussão na generalidade trata-se de saber quais deverão ser as opções fundamentais que em matéria de regulamentação do exercício da caça devem ser tomadas.
Do meu ponto de vista, a regulamentação deve perseguir dois objectivos fundamentais: assegurar a protecção do património cinegético e, simultaneamente, garantir o acesso, em igualdade de circunstâncias, ao exercício da caça, considerando o património cinegético e o desfruto desse património como um direito de todos, que só poderá ser restringido por imperativos que digam respeito ao seu fomento e à sua conservação e nunca encarado como uma fonte de privilégios.
Creio, pois, que é à luz destes dois princípios que os diferentes diplomas em discussão deverão ser apreciados de modo a que cada um de nós avalie até que medida eles respondem ou não de forma positiva. E aqui gostaria de acrescentar uma nota que tem a ver com uma afirmação que fiz anteriormente: a regulamentação da caça é apenas um dos instrumentos de defesa e fomento do património cinegético. E isto, porque se a degradação desse património resulta, em parte, do modo como o exercício da caça é praticado, ela tem claramente outras origens que têm a ver com todas as alterações que foram introduzidas no modo do aproveitamento agrícola. Todas as transformações tecnológicas têm a ver com os fenómenos de industrialização e consequente poluição, de urbanização e de florestação, tal como ela tem sido conduzida no nosso país.
Acresce que, por esta simples razão, a lei da caça por si só não dá resposta aos problemas em discussão e que a mera regulamentação do exercício da caça por esta Assembleia, sem que se dote o Estado de instrumentos necessários para uma efectiva fiscalização, não conduziria a lado nenhum e seria, no fundo, um voto platónico desta Assembleia.
Aliás, todos nós sabemos, e o Sr. Secretario de Estado sabê-lo-á tão bem como nós, que os meios de que o seu Ministério dispõe para exercer essa fiscalização se foram degradando ao longo dos anos e são altamente insuficientes para responderem, quer aos aspectos de fiscalização directa do exercício da caça, quer aos aspectos mais complexos de fomento dessa mesma caça.
Mas, voltando aos diplomas em debate e procurando saber em que medida é que eles respondem àqueles objectivos, creio que é possível fazer-se, desde logo, uma distinção entre o projecto de lei apresentado pelo PS, aquele de que eu próprio sou subscritor, o projecto de lei apresentado pelo PSD e a proposta de lei, partindo sobretudo do modo como uns e outros encaram aquilo que neste debate é talvez uma questão chave, que é a existência de reservas privadas de caça ou, se quisermos ser mais claros, o ressuscitar das antigas coutadas.
Nesse aspecto, o projecto de lei, de que sou subscritor, procura respeitar escrupulosamente aquilo que comecei por considerar as questões fundamentais: por um lado, disciplinar o exercício da caça no sentido de proteger a fauna cinegética - e é nesse sentido que vai a proposta de criação de reservas onde, em graus diversos, o exercício da caça é controlado e limitado, podendo ir até à sua proibição absoluta -, por outro lado, a consagração do princípio da liberdade total de acesso ao exercício da caça limitado apenas pelos imperativos de conservação e renovação do património, recusando-se que seja reposto, seja sobre que forma, o regime de coutadas, que, a pretexto de defesa, protecção e fomento da caça, mais não são do que o suporte de privilégios inaceitáveis, do meu ponto de vista.
Também o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista dá satisfação a estes objectivos, dando, do mesmo passo, satisfação àquilo que julgo ser o sentir e a vontade da esmagadora maioria dos caçadores, respeitando ele também o princípio de que o património cinegético não deve ser fonte de privilégios, que este projecto de lei recusa, com excepção das zonas de caça turísticas, o que do meu ponto de vista é discutível, mas em todo o caso merece ser ponderado.
Bem pelo contrário, a proposta de lei e o projecto de lei apresentado pelo PSD traduzem uma filosofia totalmente oposta, pois reintroduzem, de forma ínvia, o regime dos coutos, usando a falaciosa designação de «zonas de caça associativa». Ora, esta designação é habilidosa na exacta medida em que faz apelo ao aliciante que o significado imediato da palavra «associativa» possa conter, mas não chega para esconder o seu significado real, o significado que, no caso vertente e que nos preocupa, essa palavra assume.
Na verdade, as zonas de caça associativas contempladas na proposta de lei e no projecto de lei do PSD mais não são do que a reposição dos coutos privados. Aliás, em abono da verdade deve dizer-se que o Governo vai muito mais longe do que o PSD nesta matéria. Assim, onde o PSD propõe uma área de 30 ha por caçador associado, o Governo propõe 60 ha; onde o PSD limita a 1000 ha cada zona de caça associativa, o Governo não estabelece qualquer limite; onde o PSD sugere medidas que impeçam a continuidade e a contiguidade das zonas de caça associativa, o Governo nada diz, por razões óbvias; onde o PSD limita as áreas por município a atribuir a cada um dos regimes especiais, o Governo não diz nada - mas aqui diga-se de passagem que os limites propostos pelo PSD ou não significam nada ou podem significar tudo, o que vem a dar rigorosamente no mesmo. No que respeita a certos concelhos do Norte do País entra-se em grandes pormenores: os 5% do município atribuídos a um determinado tipo de zona de caça não poderão, porventura, cobrir toda a área com aptidão cinegética, levando-se assim a confundir repartição da área com aptidão cinegética com a divisão de municípios, o que não tem nenhum sentido, a menos que toda esta lei tenha sido concebida numa perspectiva que tem a ver fundamentalmente com o Alentejo. Também aí o projecto de lei traduz, no fundo, a reposição da tradição dos coutos privados que existiam no Alentejo. Portanto, esta é uma lei feita para repor os coutos na zona do latifúndio, onde eles existiam, isto é, no Alentejo, contemplando apenas essa realidade.

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Dirão alguns que um e outro diploma contemplam a existência das chamadas «zonas de caça sociais», às quais já ouvi chamar, com uma ironia que contém uma certa amargura, «os coutos dos pobres». É verdade quê se contemplam as zonas sociais de caça, mas não é menos verdade que não são necessárias grandes contas nem grandes análises quando se tem em conta a realidade nacional.
A extensão das áreas reais com aptidão cinegética, a sua localização, o valor real do nosso capital cinegético, o número de caçadores e a insignificante percentagem de caçadores que poderão aspirar a desfrutar as benesses das zonas de caça associativa, torna claro que a criação das chamadas «zonas de caça social» mais não são do que um artifício com que se pretende mascarar, fazer passar e adoçar a reconstituição dos coutos privados.
Aliás, há aqui uma estranha contradição entre as afirmações feitas pelo Sr. Deputado Malato Correia, que veio defender o projecto de lei apresentado pelo PSD, quando põe em causa a capacidade do Estado para gerir o património cinegético e a seguir remete para esse mesmo Estado a incumbência de gerir o património das zonas cinegéticas sociais. Talvez na ideia dos autores do projecto de lei as zonas sociais não passem de um simples pretexto para mais facilmente se fazer engolir aos caçadores a «pílula» das coutadas privadas.
Aquilo que, no fundo, contrapomos ao vosso projecto de lei, Sr. Deputado Malato Correia, é, pura e simplesmente, transformar todas as zonas de caça em zonas sociais, tornando todas as zonas de caça acessíveis, em igualdade de circunstâncias, a todos os caçadores, apenas com restrições que têm a ver com a defesa do património cinegético e não com o estatuto de que eles eventualmente desfrutem na nossa sociedade.
Comecei por dizer que não iria abordar questões de pormenor e não o farei, ficando, assim, por comentar muitos aspectos. Porém, não queria terminar a minha intervenção sem chamar a atenção para um aspecto da proposta de lei que entendo que não poderei deixar passar sem uma palavra.
O Governo vem, por via deste diploma, introduzir uma figura a que me atreveria a chamar «omissidade venatória». Ora, gostaria de saber como é que o Governo compatibiliza a disposição que obriga as associações de caçadores a associarem-se em associações regionais - primeira incompatibilidade - e depois diz que há uma federação nacional de caçadores. Penso que esta omissidade venatória que o Governo pretende introduzir é incompatível com a liberdade associativa que a Constituição consagra. É bom que não se confunda esta omissidade imposta por lei com o direito que, em meu entender, assiste ao Governo no sentido de definir critérios claros quanto à representatividade das associações que porventura existam e quais é que podem ser consideradas como parceiros representativos para um diálogo. Isto é algo diferente do que fixar, por um lado, um número limite às organizações associativas e, por outro lado, obrigá-las a determinadas formas de associação.
O projecto de lei de que sou subscritor contém lacunas e erros - sou o primeiro a reconhecer isso. Porém, o nosso objectivo foi, fundamentalmente, o de trazermos o nosso contributo a esta discussão. Aliás; devo dizer que nos congratulamos que esta questão seja hoje debatida, embora não deixemos de nos interrogar no sentido de saber porque é que de repente se tornou urgente aquilo que durante anos não foi considerado urgente por quem detinha a maioria nesta Assembleia e o projecto de lei que apresentámos e que poderia ter sido um ponto de partida para este debate dormiu nas gavetas desta Assembleia durante 3 anos, se a memória me não falha. Mas ainda bem que finalmente se reconheceu a necessidade deste debate!
Queria apenas acrescentar que o projecto de lei que apresentámos não tem outro objectivo senão o de contribuir para este debate, no respeito daquilo que considero as opções fundamentais. E porque julgo que o que fundamentalmente está em causa são as orientações que acabei de definir, acrescentarei apenas que, de acordo e em coerência com aquilo que disse, o projecto de lei apresentado pelo PS terá o meu voto favorável e votarei contra a proposta de lei e o projecto de lei apresentado pelo PSD porque transmitem uma afronta clara à liberdade e à igualdade de direitos no exercício de caça.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Malato Correia e Soares Cruz.
Tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia, a quem informo que dispõe de 2 minutos.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, 2 minutos é muito pouco tempo para o muito que haveria a dizer acerca da intervenção que o Sr. Deputado proferiu e sobre o projecto de lei que apresentou.
O Sr. Deputado pretendeu, em nome da democratização da lei da caça, fazer um ordenamento mau e sou até levado a dizer que o seu projecto de lei é, de facto, coerente porque nem é democrático, nem democratiza, como anuncia, nem sequer ordena, como pretende fazer. Basta ver em que termos são aqui postas as reservas de caça: reservas parciais, integrais e especiais.
Se analisarmos a que é que estas reservas pretendem conduzir, verificaremos que é uma confusão total o que elas pretendem. Por exemplo, as reservas especiais tanto são para proibir a caça, no sentido de a proteger, como são para facilitar a «caça maior com carabina».
Quanto à democratização, diz-se, por um lado e no que diz respeito às licenças, que a caça é aberta a todos democratiza-se. Mas, por outro lado, acaba por haver variadíssimas modalidades de licenças de caça, caça com espingarda caça sem espingarda, exercida a pé com...

Uma voz do PSD: - Com fisga!

O Orador: - ... o auxílio de cães e reservada a espécies de pêlo; caça de altanaria ou falcoaria em reservas especialmente criadas para esse fim; caça a cavalo e caça maior com carabina em reservas próprias.
Sr. Deputado Lopes Cardoso, se isto é democratizar a lei da caça!... Por amor de Deus, isto é, pura e simplesmente, criar um elitismo na prática do acto venatório!
Se o Sr. Deputado quer democratizar - e vou até supor que é seu entendimento que a caça com carabina em reservas próprias é aberta a toda a gente -, então eu pergunto-lhe o que é que se vai caçar e durante quanto tempo?

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O Sr. Deputado sabe tão bem ou possivelmente melhor do que eu que a caça grossa tem de ter uma gestão própria, tem de se saber quantos animais é que se podem abater, tem de se capitalizar os juros para se poder, de facto, abater os juros do capital investido.
Como é que em Portugal, onde, nalgumas áreas, temos potencialidades cinegéticas, como referi na minha intervenção - e há, de facto, zonas onde se pode fazer caçar maior -, o Sr. Deputado vai conseguir gerir a caça grossa e democratizar a caça sem um ordenamento territorial?
Pela minha parte, prefiro que primeiro haja um bom ordenamento cinegético. Depois de ter, então, sim, vamos democratizar dentro do possível.
O Sr. Deputado optou por tentar uma democratização não conseguida, dando cabo do património cinegético, porque não consegue o ordenamento desejado.

O Sr. Presidente: - Presumo que o Sr. Deputado Lopes Cardos prefere responder no fim, não é verdade?

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Prefiro sim, Sr. Presidente. Mas, já agora, gostaria de saber de quanto tempo ainda disponho.

O Sr. Presidente: - Dispõe de 10 minutos, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Nesse caso, Sr. Presidente, se o Sr. Deputado Malato Correia, que, segundo me pareceu, se sentiu impedido de seguir o seu raciocínio por falta de tempo, quiser usar 2 ou 3 minutos dos 10 minutos de que disponho, terei muito gosto em conceder-lhos.

O Sr. Presidente: - Faça, então, o obséquio de prosseguir, Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Praticamente eu tinha concluído o meu pedido de esclarecimento, na medida em que fiz um raciocínio na base dos 2 minutos de que dispunha. Mas, já que o Sr. Deputado me concede mais algum tempo, gostaria de fazer-lhe ainda algumas perguntas concretas.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso conhece - com certeza que conhece, mas, já agora, gostaria de ouvir a sua resposta - qual é o encabeçamento que as perdizes devem ter por hectare?

Risos do PCP.

É que isto tem muitas implicações na democratização que o Sr. Deputado pretende!
O Sr. Deputado sabe qual o número de exemplares de caça grossa que se pode abater por ano? Gostaria que o Sr. Deputado me respondesse a esta pergunta.
A respeito de outra questão quero dizer-lhe ainda o seguinte: não há antagonismo nenhum entre o diploma apresentado pelo Governo e o projecto de lei da iniciativa do PSD.
O Sr. Deputado invocou, para o afirmar, diversos aspectos, entre os quais os 30 ha por cada caçador que defendo e os 60 ha que o Governo pretende, a limitação de 1000 ha que proponho e a inexistência de limitação no diploma do Governo.
Se o Sr. Deputado analisar a minha intervenção, verificará que eu, que reservei, no total, 25% da área de cada concelho, fiz uma autocrítica em relação a esta limitação. E isto por uma razão: é que, logo a seguir, tentei demonstrar que é impossível a gestão da caça em terreno livre. Nem que se ponha um «anjinho da guarda» ou um guarda «anjinho» atrás de cada caçador, isso é impossível.
Nesta medida, penso que os dois diplomas não estão em contradição. Entendo que o número de hectares reservados deve depender da vontade dos agricultores e dos caçadores.
Também critico que o Sr. Deputado, em nome dessa democratização, tenha dispensado os coutos turísticos. Qualquer país, seja do oriente ou do ocidente, defende que hoje os coutos turísticos são indispensáveis. E são indispensáveis porque podemos explorar um património cinegético avaliado em cerca de 25 milhões de contos e temos de assumir isto sem complexos.
Em Espanha, por exemplo, onde o Governo é socialista, o Primeiro-Ministro sabe perfeitamente que não pode dispensar os milhões de pesetas que entram no país anualmente por via da exploração do seu património cinegético - porque o seu património cinegético está avaliado em cerca de 120 a 125 milhões de contos - e, antes pelo contrário, defende-a porque defende também centenas, se não milhares, de postos de trabalho.
Se, em Portugal, conseguíssemos juntar o valor do nosso património cinegético, o valor real que cada peça tem, aos milhares de contos que podem entrar anualmente no País a partir da caça, às verbas que podem ser dadas às autarquias, àquilo que cada um pode auferir da caça que vai matar e ainda ao que os agricultores vêm a beneficiar com isso, penso que o Sr. Deputado não teria apresentado este projecto de lei. Porque, primeiro, é necessário um bom ordenamento territorial, que trará benefícios a nível económico, social e, sobretudo, para a defesa das espécies cinegéticas, e só depois se poderá fazer a democratização.
Mas vamos democratizar dentro do possível, porque não aceito que a principal preocupação seja a de democratizar o desporto. Por exemplo, quando vamos assistir a um desafio de futebol, vemos que há quem vá para a bancada central, há quem vá para a bancada do topo e há quem vá para a bancada lateral. O que é preciso é que cada um tenha o seu lugar de acordo com o que quer fazer. Isso é que é liberdade! Se eu não quiser gastar dinheiro noutra coisa, posso ter uma zona de caça especial. Mas, se preferir ir ao cinema, não vou à zona de caça especial e fico-me pelo cinema.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, ao ouvir a sua intervenção - o que, aliás, faço sempre com muito prazer - pareceu-me que estava a assistir a uma pré-discussão da lei de bases da reforma agrária. Mas isto é só um aparte.
Gostaria de lhe perguntar se, por acaso, não haverá um lapso no preâmbulo do seu projecto de lei quando refere que a caça «é património nacional». Não quereria antes dizer que a caça é um património do Estado?

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O Sr. Deputado referiu ainda que hoje a caça está em vias de ser uma actividade depredadora. Julgo que o melhor caminho para que a caça seja, de facto, totalmente depredada é o seu projecto de lei.
Por último, gostaria de cumprimentá-lo e aplaudi-lo pelo facto de o seu projecto de lei ser o único que contempla a existência da falcoaria e da caça a cavalo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Sr. Deputado Malato Correia, correndo o risco de parecer indelicado, devo dizer-lhe que foi inútil ter-lhe concedido mais tempo, na medida em que o Sr. Deputado o aproveitou para abrir portas abertas.
Primeiro, eu não quis definir nenhum antagonismo entre a proposta de lei e o seu projecto de lei. Comecei; aliás, por dizer que fazia uma separação dos 4 diplomas quanto às questões centrais e coloquei o seu projecto de lei junto da proposta de lei.
O que disse foi que, em certos aspectos, o diploma do Governo, embora adoptando a mesma filosofia do seu projecto de lei, ia mais longe. Portanto, quanto a esta questão, o Sr. Deputado abriu uma porta que já estava aberta.
O Sr. Deputado abriu outra porta que já estava aberta quando afirmou que eu tinha recusado as coutadas turísticas. Porém, o que eu disse foi algo ligeiramente diferente; considerei as coutadas turísticas como algo discutível - e continuo a considerar discutível - mas entendo que tal pode e deve ser objecto de ponderação. E isto talvez porque eu tenha uma concepção que o Sr. Deputado poderá considerar ingénua: é que julgo que o dinheiro não é tudo e, inclusivamente, para mim, as fontes de divisas não são pretexto para tudo.
Podia citar-lhe - o que não vou fazer - outras fontes de divisas noutros países do Oriente - e se calhar até do Ocidente, para usar a sua expressão - que não advogo para Portugal. Como não advogo para Portugal, a pretexto de ser uma fonte importante de divisas, que amanhã se criem praias privadas, de acesso condicionado, com a justificação de poderem, eventualmente, ser preciosas fontes de turismo.
Quanto ao resto, se o Sr. Deputado não entende que o ordenamento cinegético passa pela definição das reservas - aquelas que definimos ou outras, porque isso faz parte desse ordenamento e é o primeiro caminho, para ele - e que não se pode ordenar primeiro e, definir reservas depois, porque as duas coisas vão de par, integram-se, são um mesmo todo, então, Sr. Deputado, não há processo de nos entendermos nesta discussão, e menos ainda de entender a referência a reservas nacionais que é feita na proposta de lei e, se a memória me não falha, no projecto de lei apresentado pelo PSD. Por essa ordem de ideias deveríamos aguardar pelo tal ordenamento para falarmos em reservas nacionais.
Quanto à democratização, se o Sr. Deputado não é pela democratização do desporto, por que carga de água é que haveria de ser pela democratização da caça?!
Se o Sr. Deputado entende que a democratização da caça passa pela criação dos coutos privados e que o ordenamento exige a sua criação, sendo este o primeiro caminho para o ordenamento, então tem uma concepção de democratização da caça que não é a minha e não vale a pena continuarmos neste debate.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Disse o Sr. Deputado Soares Cruz que a minha intervenção lhe soube um pouco a uma pré-discussão da Lei dê Bases da Reforma Agrária.
Talvez o Sr. Deputado tenha entendido no meu discurso posições que reflectem exactamente as mesmo posições que eu tenho em relação à Reforma Agrária. Congratulo-me por que tenha verificado isso na medida em que me dá à satisfação de pensar que também aí continuo a proceder, se não de um modo certo, pelo menos com; uma certa coerência.
Devo dizer-lhe que na sua intervenção também poderia encontrar resquícios do que são as suas posições em relação à Reforma Agrária, que, obviamente, são antagónicas das minhas, como são antagónicas em relação ao problema da lei da caça.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Coerente, sim! Certo, não!

O Orador: - Cada um fica com a sua verdade, Sr. Deputado. Não o quero convencer da minha verdade, até porque não penso ter a verdade agarrada por uma perna.
Portanto, o Sr. Deputado fica com aquilo que é neste momento a sua verdade e eu fico com aquilo que neste momento penso estar certo - e é só nessa medida em que penso que está certo que é a minha verdade. Creio que o Sr. Deputado não me pôs concretamente nenhuma questão mas, sé o fez, peco-lhe desculpa e solicito-lhe o favor de a repetir, utilizando, se necessário, o meu tempo. Escapou-me, com certeza, nos meus apontamentos, mas não o queria deixar sem resposta, se for capaz de lha dar.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Perguntei-lhe apenas se não teria havido lapso no preâmbulo do seu projecto de lei ao considerar a caça como um património nacional e não um património do Estado.

O Orador: - Não, não houve nenhum lapso. O problema está em saber-se como é que um património que é nacional pode ser realmente nacional, quem o deve gerir e, já agora, quem é que lhe pode dar uma verdadeira dimensão de património nacional, isto é, de património de todos nós. Não são, com certeza, os gestores das associações de caçadores, os gestores das zonas de caça associativa que darão um significado nacional a esse património nacional que é a caça.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra ò Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, até agora ouvimos algumas intervenções de diversas bancadas relacionadas com a apresentação dos respectivos projectos de lei em discussão e estávamos a aguardar que o Governo também apresentasse a proposta de lei em discussão.

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Ora, estando nós em presença do Sr. Secretário de Estado da Agricultura, gostaríamos de saber se o Governo vai ou não apresentar a sua proposta de lei, na medida em que pensamos que essa apresentação deveria ser feita antes de entrarmos nas intervenções de outras bancadas, que não têm qualquer projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Miranda, a Mesa não tinha qualquer inscrição do Governo e, por conseguinte, seguiu a ordem de inscrições que tinha, começando pela intervenção do Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, é também nosso entendimento que primeiro o Governo deve fazer a apresentação da sua proposta de lei, seguindo-se o debate normal. Isto sem embargo da inscrição do Sr. Deputado Paulo Campos, cuja intervenção aguardo com todo o prazer. Mas julgo que o Sr. Secretário de Estado da Agricultura deverá apresentar primeiro a sua proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Soares Cruz, respondo-lhe da mesma maneira que respondi ao Sr. Deputado Joaquim Miranda: a Mesa não tem nenhuma inscrição do Governo e é evidente que na pode obrigar ninguém a intervir. Se o Sr. Secretário de Estado não se inscreve, a Mesa não o pode fazer por ele.
Nestas circunstâncias, limitei-me a dar a palavra ao Sr. Deputado que a seguir estava inscrito.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura (Joaquim Gusmão): - Sr. Presidente, se me permite, inscrevo-me para intervir depois da intervenção do Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso e dado estar a ser solicitada por várias bancadas a sua intervenção, dou-lhe desde já a palavra. Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As espécies cinegéticas constituem um recurso natural renovável, património nacional, cuja importância - insuficientemente considerada até aos nossos dias em Portugal - importa reconhecer para que se valorize da forma mais conveniente e possa, assim, contribuir significativamente para o enriquecimento do meio rural em particular, mas também para a criação de riqueza a nível nacional e para a melhoria da qualidade de vida da população.
Há que considerar este recurso faunístico com algo que se pode produzir e tratar tecnicamente. Nalguns casos de terrenos marginais para a agricultura ou mesmo para a floresta poderá ser, porventura, a melhor forma de valorização da terra.
Nos restantes, a sua exploração racional é conciliável quase sempre com a actividade florestal ou agrícola, sendo por isso, nos tempos modernos, uma fonte apreciável de rendimento em todos os países onde a sua exploração se encontra convenientemente organizada,
quer pela quantidade e qualidade das proteínas que da caça se obtêm, quer sobretudo pelas receitas que o seu exercício pode gerar.
Para além disso, a prática do acto venatório proporciona a milhares de pessoas um desporto sadio, o qual, além dos benefícios directos que produz, mobiliza de forma indirecta numerosas actividades, criando postos de trabalho e gerando receitas com especial incidência nas zonas onde são escassas outras formas de desenvolvimento.
Convém acrescentar que, nos terrenos onde a caça é uma consequência natural de um adequado processo de ordenamento cinegético, as medidas que a este dizem respeito estimulam directa ou indirectamente um enriquecimento vegetal e faunístico de reflexos profundamente positivos para a manutenção dos equilíbrios ecológicos e de uma maneira geral para se alcançarem sãos objectivos de conservação da natureza. Fácil será citar, por exemplo, o reaparecimento e expansão de populações de predadores antes ameaçados de extinção em lugares onde se realizou um adequado maneio dos recursos cinegéticos.
Para que se possa alcançar os objectivos enunciados, há porém que sujeitar a princípios modernos de administração e gestão o património cinegético nacional, tanto mais que no nosso país não houve nem, por um lado, uma longa experiência e tradição de utilização racional deste recurso como nos países da Europa Central e do Leste nem, por outro, a necessária evolução e adaptação à vida moderna que nas nações mais ocidentais da Europa vem a praticar-se de há várias décadas a esta parte. Pelo contrário, em Portugal deram-se modificações estruturais, quer na segunda metade do século XIX, quer no princípio deste, quer na última década, que conduziram ao depauperamento actual da caça no território do continente e a legislação em vigor traduz uma concepção já antiquada de gestão deste recurso. Excepção feita a duas ou três, a redução das espécies cinegéticas nacionais, em particular das sedentárias, foi drástica e há agora que tomar medidas que, implementadas de forma competente, firme participada e justa, permitam construir, ou reconstruir um património nacional importante que deveremos legar às gerações do futuro para que sabiamente o administrem e o transmitam renovado às que se lhes sucederem.
Esse será, um suma, o grande objectivo da proposta agora apresentada pelo Governo, que para tal se propôs elaborar um projecto de lei da caça, que define princípios básicos muito claros mas genéricos, dotado de uma flexibilidade que permita que os regulamentos posteriores dele decorrentes possam ir-se modificando ao longo do tempo de acordo com a experiência da sua aplicação.
Parece esta fórmula mais eficaz do que deixar a lei eivada de determinações de pormenor, tão rígidas que venham a impedir as necessárias adaptações às evoluções futuras resultantes, quer das práticas seguidas, quer da variabilidade de comportamento das espécies conforme as regiões, quer das alterações constantes que se verificam nos habitais, quer de um imenso número de variáveis, impossível de prever antecipadamente mas que sempre influenciam as normas mais correctas de gestão de recursos vivos. Não será de temer, como por alguns tem vindo a ser criticado, que esta flexibilidade ponha em perigo os justos interesses sociais das diversas camadas populacionais envolvidas, nem os princípios técnicos do ordenamento cinegético, porque a pró-

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pria lei define formas de gestão participada, sendo envolvidos e responsabilizados nas tomadas de decisões os representantes dos agricultores, dos cavadores, .das autarquias, dos organismos de conservação da natureza e dos próprios serviços técnicos oficiais, procurando-se que através deste sistema sejam harmonizados e salvaguardados os mais importantes interesses em jogo.
Com o projecto agora apresentado procura-se alterar profundamente a lei vigente reconhecendo que o Estado não pode nem deve gerir sozinho o património cinegético mas sim desempenhar um papel arbitrai de salvaguarda de diversos interesses, por vezes antagónicos, transferindo sempre que possível, e em maior ou menor grau, a responsabilidade dessa gestão para ou? trás entidades, nomeadamente particulares, permitindo a criação de receitas que interessem e beneficiem camadas vastas da população, proporcionando ao agir cultor uma nova possibilidade de explorar a terra, aproximando afinal o nosso sistema de, gestão dos recursos cinegéticos daqueles que vigoram noutros países da Comunidade Europeia e do Mundo.
Em Portugal nunca foi uso que a caça fosse do dono da terra, como nos países cuja lei assenta nos princípios do direito germânico, sistema que, de certo modo, simplifica a estrutura legislativa consequente. É, pois necessário criar vias alternativas que simultaneamente permitam recompensar os que se dediquem à produção de caça onde esta seja adequada às características do meio e que estimulem a participação activa dos caçadores neste processo produtivo. Várias experiências estrangeiras, e até algumas que pontualmente se ensaiaram ou vêm a ensaiar entre nós, demonstram claramente que a mentalidade do caçador muda radicalmente quando ele é envolvido no fomento e gestão das espécies cinegéticas. Esta modificação é ainda mais acentuada quando estas acções se concentram em áreas concretas submetidas a planos de ordenamento e exploração onde se desenvolva essencialmente a sua actividade venatória, passando o caçador a possuir um acentuado sentido de defesa das espécies para cuja criar cão contribuiu e diminuindo até substancialmente as necessidades de fiscalização. Trata-se, pois, de uma alteração essencial, por vezes morosa, como acontece com todos os processos relacionados com a reformulação de mentalidades. Há, porém, que criar condições para que tenham início rapidamente, se quisermos ainda recuperar, fomentar e conservar os recursos cinegéticos nacionais.
Para tanto elaborou o Governo a presente proposta de lei da caça, assentando-a no trabalho executado ao longo de vários anos pelos serviços competentes que sobre o mesmo foram recebendo numerosas sugestões e críticas, procurando conciliar pontos de vista provenientes de diversos quadrantes desde que a aceitação dos mesmos não comprometesse princípios ou objectivos essenciais, apoiando-o em estudos doutras legislações com resultados já comprovados; recebendo até o apoio técnico de organizações internacionais de reconhecida competência sobre a matéria, mas, não perdendo de vista as características e interesses nacionais.
Constituem aspectos de principal realce os seguintes: primeiro, estabelecimento da obrigatoriedade da realização de um exame para obtenção da carta por parte dos novos candidatos a caçador e ainda submissão ao mesmo tipo de prova dos antigos caçadores que tenham sido condenados por infracções às disposições legais
sobre caça. Esta norma é aliás, consentânea com o que vem a praticar-se nos países membros da Comunidade Económica Europeia.
Segundo, institui-se o princípio de que um quarto da receita proveniente das licenças de caça e de outras taxas estabelecidas reverterá para os municípios.
Terceiro, estabelece-se que ao Governo compete definir a política de gestão e ordenamento cinegético mas que tal deve ser feito de forma participada, para o que contribuirão decisivamente os conselhos cinegéticos e as autarquias.
Quarto, criam-se zonas de regime cinegético especial nas quais os quantitativos a abater serão função das populações animais existentes e de adequados planos de ordenamento e exploração.
Quinto, prevê-se que o comércio de caça venha a ser regulamentado.
Sexto, no campo da responsabilidade penal, prevê-se o agravamento das penas de carácter-venatório.
Sétimo, no campo da organização venatória, reputa-se da maior importância o estímulo da criação de associações de caçadores, particularmente quando estas tenham como objectivo a formação, educação e aperfeiçoamento do associado, o qual será progressivamente levado a participar nos processos de gestão da caça. Destas associações virão certamente a sair os nossos representantes na FACE (Federação das Associações de Caçadores Europeus).
Oitavo, não menos importante é o aparecimento dos conselhos cinegéticos e de conservação da fauna, onde irão encontrar-se representantes de interesses, por vezes antagónicos, com vista a determinar quais os prioritários e a harmonizar, sempre que possível, através da concertação e do diálogo, pontos de vista diferentes, como podem ser os do produtor agrícola, pecuário ou florestal, do agente do desenvolvimento turístico ou do membro de uma organização de conservação da natureza.
São estes, pois, os aspectos mais relevantes da proposta de lei da caça que o Governo decidiu apresentar para apreciação da Assembleia da República e de cuja aprovação poderá depender grandemente a sobrevivência da caça em Portugal.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Vidigal Amaro, Lopes Cardoso, Raul Castro e Custódio Gingão.
Pára um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, após a sua apresentação da proposta de lei, a primeira coisa que é necessário dizer é que o seu é o pior dos projectos apresentados hoje.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, os projectos que estão em discussão nem são os únicos porque, como sabe, há mais dois sobre este assunto.
O Sr. Secretário de Estado começou por dizer que tem havido uma grande degradação. Realmente, também concordo com esta afirmação. Só que o Sr. Secretário de Estado é responsável por essa degradação,

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já que autorizou este ano a caça com furão aos coelhos. Quantos milhares de espécimes foram abatidos? Com que fim é que isso foi feito?
Em segundo lugar, queria colocar-lhe uma outra questão. No ano passado, a Secretaria de Estado das Florestas colocou à discussão pública (não vamos agora falar sobre como é que foi feita essa discussão, que realmente o foi num curto espaço de tempo) três hipóteses de proposta de lei. Todas as informações que nos chegaram até agora apontavam para a hipótese n.º 2. Todavia, o Governo faz precisamente o contrário, baseando esta proposta de lei nas restantes hipóteses. Porquê, Sr. Secretário de Estado?
O Sr. Secretário de Estado diz que o Estado não pode gerir tudo sozinho. Então, «manda» para o privado, dizendo que, como está isto é mau, que o Estado gere mal e que o que é público é mau e o que é privado é bom. Esquece-se de determinadas coisas, Sr. Secretário de Estado. Então, as autarquias não terão algo a dizer quanto a tudo isto?
Por outro lado, o Sr. Secretário de Estado diz que vai criar muitos postos de trabalho. Sr. Secretário de Estado, esta lei está fundamentalmente feita para o Alentejo,, mas do que os trabalhadores alentejanos precisam é que lhes dêem a terra da Reforma Agrária para nela trabalharem. Não querem trabalhar nela como guardas-florestais ou como «bicheiros», como faziam antigamente. Este é outro aspecto que é necessário apontar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Outra questão que quero colocar-lhe é a seguinte: que receitas, e a favor de quem, derivam dos coutos privados que se propõem na proposta de lei? Para quem vai esse dinheiro? Quem beneficia dele? Não serão os grandes senhores, os que caçam? Ou serão as autarquias, os trabalhadores?
Estas eram as questões que queria colocar-lhe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, a quem informo que dispõe de 2 minutos para o efeito.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. UEDS): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, quero colocar-lhe uma questão que tem a ver com o capítulo referente às organizações de caçadores e recoloca uma questão que formulei aquando da minha intervenção.
Pergunto como é que o Governo compatibiliza a liberdade de associação consignada na Constituição com o princípio da organização unicitária definida nesta proposta de lei. Quando no n.º 1 do artigo 41.º se diz que «as associações de caçadores cujo objectivo seja contribuir [...] administrando zonas de caça associativas», significa isto que só existirão, à face da lei, associações de caçadores quando sejam simultaneamente detentoras de zonas de caça associativas? Então, onde é que vão parar os outros caçadores (a esmagadora maioria) que não estarão integrados em zonas de caça associativas? São associações só para esses?
A segunda questão que quero colocar é a seguinte: como compatibilizar com a liberdade de associação a unicidade da organização e a obrigatoriedade de as associações se federarem em organizações regionais e, em seguida, numa federação nacional? Como compatibilizar tudo isto com a atribuição a essa federação nacional do direito de cobrar taxas aos caçadores, para seu próprio benefício, como refere o n.º 2 do artigo 44.º?
Outras questões haveria a colocar, mas, como não me sobra tempo para mais, ficarei por estas.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputados Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, hesitei em formular este pedido de esclarecimento porque fui colocado numa situação um tanto delicada derivada de uma intervenção do Sr. Deputado Malato Correia, que parece pretender restringir este debate aos deputados que sejam caçadores. Quando, da sua bancada, ele afirmou solenemente e em tom indignado «O Sr. Deputado não é caçador», senti-me fortemente diminuído.

Risos do PCP.

Efectivamente, não sou caçador...

Aplausos do PCP.

... e daí a minha dúvida sobre se teria ou não legitimidade para intervir neste debate. Direi que também não sou ferroviário, nem naturalmente, o Sr. Deputado o é, mas que, quando se discutir um assunto referente aos transportes, não será por isso que o Sr. Deputado deixará de intervir sobre matéria de transportes ferroviários.

O Sr. Malato Correia (PSD): - É por isso que não conduzo máquinas! Mas amanhã o Sr. Deputado pode pegar numa espingarda e ir à caça!

O Orador: - Esteja descansado que não vou à caça. Não sou caçador, nem vou à caça.
Apesar de tudo, atrevo-me a pedir alguns esclarecimentos.
Entrando agora um pouco seriamente no debate, quero dizer ao Sr. Secretário de Estado o seguinte: é um pouco estranho que, depois de o PSD ter apresentado um projecto de lei, o Governo venha apresentar outro um mês e tal depois. Estranha prova de confiança no grupo parlamentar que o apoia é a do Governo! É que, depois de o seu grupo parlamentar ter apresentado um projecto, o Governo sentiu-se na necessidade de apresentar uma proposta de lei sobre a mesma matéria.
O mais curioso é que não há diferenças fundamentais, senão para pior, entre o projecto de lei do PSD e a proposta de lei do Governo.
Há, pelo menos, uma melhor impressão tipográfica: fomos esclarecidos que a palavra «coutos» no projecto de lei do PSD resultava de um erro de impressão tipográfica e que esse lapso foi corrigido na proposta de lei, na qual já não lhe chamam «coutos», mas «zonas de caça». Esta é a única matéria em que se reconhece haver uma diferença para melhor entre a proposta de lei e o projecto.

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Chamando-lhe «coutos» ou «zonas», a situação de fundo é sempre a mesma. No projecto, fugiu ao PSD a boca para a verdade; na proposta, isso fui emendado. Todavia, o que efectivamente está em causa é a criação de coutos de caça, ou seja, o regresso aos coutos de caça do antigamente.
Um outro aspecto, que julgo não existir no projecto de lei do PSD, mas que existe na proposta do Governo, o que é pior, refere-se aos campos de treino. O Governo entende que esses campos de treino, que à primeira vista pareceriam ser algo de ilimitado, é alguma coisa que poderá ter até 25 ha. Grandes campos de treino estes para os caçadores!

Risos do PSD.

Além disso, embora eu não seja caçador, o que conheço é o sentimento dos caçadores em relação a estas propostas. Estão o Governo e o PSD redondamente enganados quando julgam que o ressuscitar os coutos é algo que interessa à generalidade dos caçadores.
Como é sabido, os caçadores do nosso país constituem um elevado número. A caça é um desporto popular e a criação dos coutos não interessa senão a uma minoria de privilegiados. Por isso, o Governo e o PSD não contarão sequer com a adesão da população.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Contarão, contarão!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Agricultura, ao defender a proposta de lei do Governo, o Sr. Secretário de Estado vem-nos dizer que se trata de uma proposta de lei que esteve vários anos em estudo. Não lembraria ao Diabo que, ao fim de tantos anos, nos apresentasse aqui uma coisa tão má!
E é má porquê? Diz o Sr. Secretário de Estado que se trata de uma lei para melhorar a qualidade de vida das populações. Todavia, a própria proposta de lei desmente precisamente aquilo que o Sr. Secretário de Estado aqui disse. A proposta fala nas zonas com aptidão agrícola e diz que o Governo poderá subsidiar as entidades possuidoras destes terrenos.
Portanto, permite-se que - e isto já existe, por exemplo, no Alentejo -, em relação a zonas de mato, zonas não exploradas, terras abandonadas, o Governo ainda possa pagar para que essas terras estejam abandonadas.
Isto é precisamente o contrário daquilo que a caça necessita. O Sr. Secretário de Estado deve saber que a caça não se governa com o mato. A perdiz, por exemplo, necessita de grão, de trigo, de cevada e de outras sementes. Logo, as terras têm de estar cultivadas para que essas espécies lá se possam dar. O mesmo acontece com outras espécies, como a lebre. Ora, a proposta de lei que o Governo apresenta desmente precisamente isso.
Diz também que ela visa melhorar as condições de vida. É possível que sim, mas para meia dúzia de senhores. A proposta que o Governo aqui traz diz que se podem criar coutos ou reservas associativas, em que o número de caçadores não pode ser inferior a 12 e que cada um poderá ter uma área não superior a 60 ha.
Sr. Secretário de Estado, 12 senhores com 60 ha cada um são 720 ha! Ora, isto é precisamente o mesmo que aqueles aramados que existem hoje outra vez no Alentejo e que foram dados de reserva a determinados senhores. Será que isto não é constituir novamente coutos a favor de meia dúzia de senhores? Se assim não for, ou seja, se isto beneficiar todos, onde é que o Governo irá buscar os terrenos necessários para satisfazer todos aqueles que irão criar as suas associações? Como há pouco dizia um camarada meu, entrava-se pelo Norte de África?! Ou, então, são meia dúzia de senhores que irão beneficiar com esta lei!...
Outra questão refere-se à afirmação do Sr. Secretário de Estado de que esta proposta de lei tem apoio técnico.
Não vou desmentir aqui que ela tenha tido apoio técnico. Todavia, há uma coisa que é certa: ela não tem o apoio da maioria dos caçadores, das associações de caçadores e da gente que está ligada à caça. Mais tarde ou mais cedo, o Sr. Secretário de Estado e o Governo irão ver as repercussões que esta lei irá ter no meio dos caçadores e das populações rurais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Malato Correia (PSD): - Espero vê-lo também num grupo associativo!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

O Sr. Secretário de Estado da Agricultura: - Em primeiro lugar, vou responder à questão colocada pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro em relação à permissão que foi dada à caça com furão.
Na realidade, a responsabilidade é minha - e devo dizer que não sou caçador. Fui eu que autorizei a caça com furão no País, embora apenas durante 3 dias e nalguns concelhos, principalmente nos do Sul.
Fi-lo porque as reclamações dos agricultores era tantas que tínhamos de dar alguma satisfação a essas pessoas que fazem culturas de regadio e a quem os coelhos comem tudo.

O Sr. Malato Correia (PSD): - É evidente!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O Sr. Secretário de Estado pode estar a dizer isso com boa fé. Mas sabe onde é que autorizou que matassem os coelhos? Foi em terrenos perfeitamente abandonados, em ribeiras que não são cultivadas nem num lado nem noutro. Então, a quem é que esses coelhos comiam as culturas e o que é que eles podiam destruir? Foi nessas zonas que o Sr. Secretário de Estado autorizou o uso do furão.

O Orador: - Em relação à actualidade da proposta de lei, o Governo entendeu que seria o momento oportuno de apresentar esta proposta de lei e outras que tem em estudo.

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No caso de esta proposta ser aprovada, prevê-se que haja colaboração das autarquias locais, que vão obter algumas receitas a partir dessas zonas de caça, às quais até podemos chamar «condicionadas».

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, o artigo 42.º diz que «as associações de caçadores poderão federar-se e confederar-se nos termos das leis vigentes». Ou seja, diz-se «poderão federar-se e confederar-se», pelo que, se não quiserem...

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Sr. Secretário de Estado, pedir-lhe-ia o favor de ir um pouco mais longe e ler o que se diz a seguir no artigo 42.º Diz este preceito o seguinte:

As associações de caçadores poderão federar-se e confederar-se nos termos das leis vigentes, mas as existentes em cada região cinegética deverão eleger uma associação regional de caçadores que perante o Estado as representará.
Por um lado, obriga-se a que elas elejam, o que é contra a liberdade de associação - elegem se quiserem. Ninguém poderá obrigar nem nenhum caçador a participar numa associação nem as associações a elegerem uma associação regional e menos ainda, à face da Constituição, se pode dizer que elegem uma associação regional. Ora, pode haver 10 associações regionais...
Por um lado, diz-se que é à face da lei, mas, por outro lado, restringe-se de uma forma inconstitucional aquilo que não pode ser restringido.
O Orador: - Penso que os caçadores são livres de se associarem ou não.
Todavia, para haver uma certa representação regional quanto às comissões cinegéticas e aos serviços florestais, não se pode estar a tratar com 20 ou 30 associações. Por isso, é natural que se peça às associações de caçadores que se confederem e apresentem um grupo de pessoas para dialogar.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Sr. Secretário de Estado, não o interrompo mais, porque me sinto mal a abusar da sua boa vontade.
Penso ser natural que os serviços e o Estado não possam considerar como interlocutores um número n de associações. O que é natural - foi isso que referi - é que o Estado fixe critérios quanto à representatividade das associações e não que diga que há uma, duas ou três. Há as que os caçadores quiserem!
Considerá-las representativas ou não é, do ponto de vista do Estado, uma outra coisa. Então, definam-se quais os critérios que atribuem às associações de caçadores a representatividade que faz delas um parceiro com o qual o Estado pode e deve dialogar. Mas nunca se deve restringir o número de associações!

O Orador: - O Sr. Deputado Raul Castro perguntou por que é que o PSD achou que devia apresentar um projecto de lei sensivelmente ao mesmo tempo que o Governo e por que é que a proposta de lei é tão parecida com o projecto de lei. Penso que foi esta a pergunta que colocou.
Lamento não poder dar a resposta, já que, não sendo eu filiado no PSD nem em partido nenhum, não sei o que é que se passa dentro do PSD. O que sei é o que se passa dentro do meu Ministério.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

Vozes do PSD: - Já chega!

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado, o que eu disse foi que quem apresentou primeiro um projecto foi o Grupo Parlamentar do PSD e que o Governo apresentou outro um mês e tal depois.
Embora, como disse, não seja filiado no PSD, o Sr. Secretário de Estado faz parte do Governo, pelo que deve saber as razões que o levaram, não obstante existir um projecto do PSD, a apresentar outro.
Foi esta a pergunta que coloquei.

Vozes do PSD: - Foi para ajudar a melhorá-lo!

O Orador: - Confesso que não sei quais são as razões.
Quanto ao problema da área que se propõe para os campos de treino, penso que, se a proposta for aprovada e baixar à Comissão, se trata de um pormenor que possivelmente esta analisará. Com certeza que se vai chegar a um consenso na comissão que for encarregada de apresentar o projecto definitivo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Custódio Gingão, tenho um pouco de dificuldade em lhe responder porque, na realidade, não me colocou perguntas concretas. Criticou a proposta de lei, dizendo que ela é má. É uma opinião!...

O Sr. Malato Correia (PSD): - E errada!

O Orador: - Se tem ou não o apoio dos caçadores, não sei. Vamos ver!...

Risos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Mas tem o apoio de alguém.

Risos.

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O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, eu pedi a palavra para um assunto que está fora deste debate.
Quero informar a Assembleia de que na reunião de líderes parlamentares se formou um consenso entre todos os grupos no sentido de se requerer o prolongamento da sessão até que o Sr. Presidente a venha encerrar.
Não sei se este requerimento tem de ser votado, embora pense que sim. Requeiro que V. Ex.ª o submeta à votação antes que o decorrer do tempo precluda a oportunidade deste requerimento.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, quer interpelar a Mesa e, ao mesmo tempo, o Sr. Deputado José Luís Nunes, já que não se encontra aqui o Sr. Deputado António Capucho, presidente do meu grupo parlamentar, que está presente na reunião de líderes.
Quer perguntar ao Sr. Deputado se houve consenso e até que horas é que a sessão seria prolongada. É que, como é do conhecimento dos Srs. Deputados, temos hoje uma reunião do grupo parlamentar, pelo que não poderíamos demorar demasiado tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Malato Correia, o Sr. Deputado José Luís Nunes informou a Câmara de que houve um consenso no sentido de se prolongar a sessão até que o Sr. Presidente a possa vir encerrar.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. UEDS): - Sr. Presidente, uma vez que houve consenso de todos os grupos parlamentares, talvez não valha a pena procedermos a uma votação, a não ser que algum dos Srs. Deputados se oponha. Seria mais rápido...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, eu ia exactamente sugerir isso, uma vez que houve consenso entre os representantes dos grupos parlamentares.
Há alguma oposição a esse prolongamento nos termos que foram anunciados pelo Sr. Deputado José Luís Nunes?

Pausa.

Visto não haver oposição, prolongar-se-á a sessão até ao momento em que o Sr. Presidente a venha encerrar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O fortalecimento da democracia em Portugal exige que a todo o tempo, com rigor, lucidez e sem eleitoralismos fáceis ou empoladas frases demagógicas, se avaliem os resultados das inovações ou alterações introduzidas na nossa vida colectiva pelo 25 de
Abril e exige também que se tenha a coragem política para criticar e corrigir o que foi negativo e pontualmente contrário aos interesses nacionais em defesa do próprio 25 de Abril.
É com este espírito que o PRD participa no debate que conduzirá à aprovação de uma nova lei da caça.
Onze anos após o 25 de Abril já é possível verificar que caça em Portugal, globalmente, não beneficiou com as alterações decorrentes da revolução, o que em absoluto se prova se se disser que, a manter-se a actual tendência, a breve prazo a caça no nosso país não será senão mais uma saudade na nossa memória colectiva.
Poderá dizer-se, com acerto, que o exercício da caça se democratizou no sentido de que hoje existe um muito maior número de caçadores do que então e também de que hoje se caça livremente em áreas muito superiores às que estavam à disposição de todos os caçadores.
Em contrapartida, a rarefacção da caça é um facto indesmentível e dramático por ser problemática, cara e morosa a sua recuperação.
No nosso entender, a importância da caça não se esgota nos interesses imediatos e egocentristas de pseudo-caçadores que encaram a caça como um desporto violento de matança indiscriminada e incontrolada.
Por isso defendemos que a democratização referida foi aparente, porque não foi conscienciosamente usufruída e prejudicou o interesse nacional e os interesses dos próprios autênticos caçadores.
Por outro lado, deve recordar-se que o sistema de coutos, se sob muitos pontos de vista era criticável e inaceitável, não deixava, pela sua própria lógica, de garantir a preservação de populações residuais que asseguravam a manutenção de níveis programados de cobertura cinegética.
Demagógica e irresponsavelmente não se criaram mecanismos de defesa e fomento que substituíssem, no que de positivo tinha, o sistema então vigente.
A aprovação de uma nova lei da caça reveste-se assim de especial relevo e deverá enquadrar-se numa abordagem da questão que contemple as incidências culturais, sociais, económicas e políticas que sobre ela actuam.
A caça importa à cultura de um povo. Desde logo porque é património nacional e mundial e também porque e claramente um recurso natural renovável que, como tal, tem de ser gerido para continuar a ser viável. Mas também porque a atitude colectiva perante um recurso que a todos interessa, mas nem por todos é usufruído, define-se em si mesma como um acto de cultura.
A caça é um tema social quente, talvez mesmo escaldante, porque se chocam e cruzam interesses por vezes antagónicos, as mais das vezes paralelos ou mesmo convergentes, mas contraditórios apenas por falta de informação correcta e suficientemente divulgada.
São os interesses dos próprios caçadores e dentro deles as divergências fundamentadas entre os do interior e os do litoral. São os interesses dos agricultores, dos proprietários da terra, individuais ou colectivos, privados ou públicos. São os interesses dos consumidores, dos intermediários, dos comerciantes de caça e dos comerciantes de meios e instrumentos de caça. Serão muitos outros interesses e são com certeza também os do próprio aparelho do Estado, dos funcionários, da máquina administrativa e burocrática sempre demasiado presente.

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A importância económica da caça é grande e muito maior e mais positiva deveria e poderia ser. Pela caça há uma apreciável saída de divisas que se pode diminuir. Pela caça não há, mas pode haver, uma entrada significativa de divisas.
Estudemos a realidade económica que a caça é em alguns países da Europa Ocidental e de Leste. Debrucemo-nos com especial atenção sobre o exemplo da nossa vizinha Espanha. Politicamente a abordagem desta matéria não é fácil.
Criticar falsas e aparentes conquistas do 25 de Abril. Reconhecer algumas vantagens em iniciativas do sector privado na gestão da caça, da qual está na prática afastado. Admitir como contrário aos interesses gerais o crescimento descontrolado do número de caçadores. Assumir que o Estado intervém demais e nem sempre bem.
Só com serenidade, bom senso, determinação e sem complexos se pode suportar esta incomodidade.
A realidade é esta: hoje em Portugal existem cerca de 400 000 caçadores. Os dados oficiais não são muito rigorosos, mas poderá dizer-se, sem grande margem de erro, que nos últimos 5 anos o número de caçadores duplicou.
Hoje em Portugal existem rigorosamente os mesmos nove milhões de hectares, dos quais talvez metade sejam caçáveis. E cada espécie continua a reproduzir-se com o mesmo ritmo e as mesmas exigências. Quer isto dizer que cada caçador português dispõe aproximadamente de 12 ha.
Cerca de 4% da população total são caçadores. Em face dos dados disponíveis, no contexto da Europa Ocidental e do Leste, é em Portugal que existe menos área por caçador e maior percentagem de caçadores na população total.
Evidentemente que não é desejável nem possível alterar de imediato esta situação. Nem sequer defendemos que seja da exclusiva responsabilidade dos caçadores e da pressão excessiva que exercem sobre os recursos cinegéticos a situação em que está a caça em Portugal. Mas é fundamental que não nos esqueçamos de que é esta uma das realidades anormais que temos de tomar em especial consideração ao analisar a questão da caça.
É necessário fomento. É necessário protecção. Mas são indispensáveis disciplina e racionalização.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estão apresentados e em discussão três projectos de lei e uma proposta de lei.
Antes de mais, o PRD quer dizer que considera surpreendente este conjunto de iniciativas legislativas, pelo seguinte: para além do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, o Governo actual - PSD - apresenta uma proposta de lei substancialmente idêntica à que elaborou o governo anterior PS/PSD.
O PSD apresenta um projecto de lei diferente da proposta de lei. O PS apresenta um projecto de lei diferente da proposta de lei elaborada pelo governo anterior de que o PS fazia parte.
O que se pretende afinal? Contribuir para a elaboração de um diploma sem a unidade lógica indispensável resultante de grandes cedências na especialidade obtidas pela posição negocial de apresentação de um ou mais projectos próprios? Ou antes se pretende, na diversidade, encontrar caminhos que permitam a aprovação de uma lei da caça, com o suporte político solidamente vasto que assegure a sua vigência por tempo suficiente para se sentirem os seus efeitos?
Só o percurso que hoje se inicia e que terminará com a aprovação final esclarecerá esta dúvida.
O PRD está, no entanto, crente que todos os partidos enjeitarão sem excepções tentações que levem à defesa de interesses partidários em detrimento dos interesses gerais em causa.
O PRD quer afirmar, desde já, que procurará contribuir para a elaboração de uma lei coerente, politicamente defensável e que, sem tibiezas, satisfaça concertadamente os interesses em conflito e defenda o património natural.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora se trate de apreciar na generalidade os projectos de lei e proposta de lei apresentados, importa de imediato referir alguns princípios que o PRD defende.
A titularidade do direito de caça não é inequivocamente esclarecida sem que seja explicitada na futura lei. Esta é, para nós, uma questão insuficientemente tratada e que carece de pleno esclarecimento, de que decorrerão várias adequações no articulado.
Deverá propiciar-se uma intervenção activa dos diversos sectores da população que, directa ou indirectamente, estão ligados à caça, privilegiando-se o seu contributo na gestão da caça, através de esquemas associativos, e a necessidade da sua audição, pelos serviços oficiais, para as decisões de regulamentação.
Deverá tender-se imediatamente para a criação de um departamento oficial específico para a caça, com dignidade e autonomia adequadas, como primeiro passo para a desgovernamentalização da gestão da caça e como garantia de que as receitas geradas pela caça são nela investidas.
Urge que, para além de sanções dissuasoras, se implementem alargadas acções de informação e formação dos caçadores existentes, através de estruturas associativas dos próprios caçadores, que reduzam as infracções à própria lei e que, por outro lado, se concretizem exames rigorosos para a concessão de novas cartas de caçador.
Queremos também sublinhar que fomentar e proteger a caça exige recursos financeiros avultados, geridos com eficiência, e que não será necessariamente o Estado que estará sempre nas melhores condições para assumir essas responsabilidades.
O PRD considera que é mais importante, por ser mais útil à comunidade, encontrar consensos do que aprofundar divergências.
Os diplomas apresentados são diferentes em alguns princípios definidos, mas em todos, sem excepção, se propõem objectivos que contemplam a defesa do património cinegético e o respeito pelos legítimos interesses a ele ligados.
Por isso, o PRD votará favoravelmente na generalidade os diplomas apresentados, pretendendo assim que na especialidade, com o contributo de todas as forças políticas representadas e tendo em consideração opiniões válidas estranhas ao próprio Parlamento, se encontrem soluções com amplo suporte político que dêem garantia de estabilidade e eficácia à lei que viermos a aprovar.

Aplausos do PRD e do PSD.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando do Amaral.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos ter oportunidade de ouvir mais intervenções.
A conferência de líderes parlamentares deliberou que trouxesse ao conhecimento da Câmara uma carta que recebi do Sr. Ministro-Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, bem como o conteúdo da resposta que a conferência de líderes elaborou e que mereceu aprovação de todos, com excepção do representante do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, Sr. Deputado António Capucho, e que está a ser dactilografada para ser lida depois da carta que me foi enviada pelo Sr. Ministro-Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, que passo de imediato a ler:
A S. Ex.ª, o Presidente da Assembleia da República:

Excelência:
O Governo tomou posse a 6 de Novembro, apresentou o seu Programa à Assembleia da República a 15 e o encerramento do respectivo debate ocorreu a 20 do mesmo mês. A 10 de Dezembro o Governo aprovou o orçamento suplementar do Estado para 1985, cuja entrega na Assembleia da República ocorreu a 12 do mesmo mês, com o pedido, nos termos regimentais, de prioridade absoluta de agendamento e processo de urgência.
Vale a pena recordar aqui algumas das considerações que constam da nota introdutória da referida proposta de lei:
Constitui o presente orçamento suplementar um passo decisivo no sentido da política de rigor que o Governo quer imprimir à gestão das finanças públicas.
Trata-se, antes de mais, de reforçar algumas dotações para acorrer a certas despesas que o Estado tenha de cumprir e hajam ultrapassado o previsto inicialmente ou nem tenham sido providas com coberta proporcionada.
Tais reforços e dotações atingem 71 milhões de contos, são imputáveis a 1985 e dizem respeito a compromissos assumidos por governos anteriores ou decorrem da lei.
Impôs o Governo uma severa triagem dos pedidos de reforços orçamentais e conseguiu assim apresentar um orçamento suplementar de exemplar austeridade.
Trata-se, também, de reconhecer a ocorrência de uma quebra substancial nas receitas fiscais, que se estima ronde os 54 milhões de contos e que deriva, fundamentalmente, quer do adiamento para 1986 da entrada em vigor do IVA, quer da situação de baixa conjuntura económica, quer da própria decisão de alterar, a meio do ano, certos instrumentos de política fiscal e monetária.
Mais importante do que as referidas alterações orçamentais das despesas e das receitas será, porém, a regularização exaustiva de um vastíssimo conjunto de «operações de Tesouraria», que se vinham arrastando há anos, sem a devida orçamentação, prejudicando os requisitos mais primários da verdade do Orçamento do Estado, retirando-lhe transparência, furtando-o nessa parte aos processos normais de aprovação e verificação que são da competência da Assembleia da República, enfraquecendo-o no respeito e temor que deveria
incutir a todos os responsáveis pela realização de despesas públicas, traindo enfim a função essencial que lhe cabe em matéria de disciplina das finanças públicas e de instrumento da política económica. Deste modo, dá o Governo um dos primeiros e, seguramente, um dos mais expressivos sinais de que vai mudar a forma de fazer política orçamental em Portugal.
A regularização das «operações de Tesouraria» implica a inscrição no Orçamento do Estado de 58,4 milhões de contos, sendo pouco mais de metade imputável ao ano de 1985 - exclusivamente por actos e decisões do governo anterior - e sendo o restante imputável aos anos de 1984 e passados.
Foi preciso recuar até 1975 e limpar, ano a ano, todas as operações que haviam encostado ao Tesouro à espera de cobertura orçamental. Algum dia teria de ser, quando surgisse um governo determinado a pôr em ordem as finanças do Estado. Foi-o agora, finalmente.
As alterações do Orçamento do Estado para 1985 montam, pois, e em suma, a 183,3 milhões de contos, agregando: 17 milhões para cobertura de despesas adicionais de 1985, que têm de ser orçamentados por força da lei ou para salvaguarda da honra do Estado, mas que não foram, em caso algum, gerados por actos ou decisões do presente Governo; 28,8 milhões para regularização de operações de tesouraria efectuadas de 1975 a 1984; 29,6 milhões para regularização de operações de tesouraria efectuadas em 1985 na vigência do governo anterior; 53,9 milhões para compensação de receitas fiscais não realizadas.
São assim totalmente transparentes os objectivos do Governo que mais não pretende senão regularizar de imediato aquilo que encontrou em situação irregular.
O Governo entende que não se pode esperar mais tempo para pôr ordem e rigor nas finanças públicas e tem a certeza de que a Assembleia da República também assim o entende.
Os únicos objectivos do Governo são os já referidos. O interesse público reclama que o orçamento suplementar para 1985 seja apreciado e votado em 1985. O Governo dispõe-se a trabalhar dia e noite para que isso aconteça. Está ao inteiro dispor da Assembleia da República para o efeito, mas espera também, Sr. Presidente, igual comportamento da Assembleia.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - É uma vergonha!

O Sr. Presidente: - Nestes termos, Sr. Presidente, venho em nome do Governo renovar o pedido de processo de urgência de modo que tudo se possa resolver a contento dos interesses do País, ou seja, que o orçamento suplementar seja votado até ao final do ano em curso.
Com os mais respeitosos cumprimentos.

Lisboa, 19 de Dezembro de 1985. - O Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares, Joaquim Fernando Nogueira.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - É ofensivo!

O Sr. Presidente: - A conferência de líderes, que reuniu todos os representantes dos grupos parlamentares, elaborou o seguinte comunicado, que foi aprovado por todos com excepção do Sr. Deputado representante do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata:

Comunicado

O Governo enviou à Assembleia da República uma carta sobre os trabalhos relativos ao orçamento suplementar para 1985.
A divulgação pública da existência dessa carta do Governo, que não traduz, com exactidão, a realidade, obriga a Assembleia da República a tornar público o seguinte:

1) A proposta de lei do orçamento suplementar foi enviada à Assembleia em 12 do corrente, data em que se não reuniu o Plenário;
2) As iniciativas legislativas, nos termos regimentais, dão entrada na Mesa nos dias de reunião do Plenário e a sua entrada é comunicada à Assembleia no início da sessão seguinte.
Assim a proposta de lei em referência só no dia 17 poderia dar entrada na Mesa e só no dia 19 poderia ser anunciada a sua admissão;
3) Por unanimidade, a conferência dos presidentes dos grupos parlamentares entendeu dever ultrapassar os mecanismos regimentais e iniciar de imediato o exame da proposta de lei.
Para o efeito, foi convocada a Comissão de Economia, Finanças e Plano, que reuniu no próprio dia 17 de Dezembro;
4) O Governo teve conhecimento e expressou o seu agradecimento pela boa vontade manifestada na apreciação da proposta ultrapassando os mecanismos regimentais;
5) No dia 16 de Dezembro, o Governo substituiu parcialmente a proposta enviada. A Assembleia conheceu estas alterações no dia 17;
6) No dia 18 de Dezembro, a Comissão de Economia, Finanças e Plano trabalhou com 3 membros do Governo, a quem solicitou diversos elementos;
7) No mesmo dia 18, o Governo introduziu novas alterações à proposta;
8) O Governo comprometeu-se a fornecer elementos em falta até ao dia 20;
9) O Governo tem acompanhado diariamente a evolução dos trabalhos e reconheceu a falta dos elementos solicitados pela Comissão. Sabe também que a utilização dos mecanismos regimentais requerida levaria a que só no dia 3 de Janeiro pudesse iniciar--se a discussão do processo de urgência e posteriormente a da proposta.
Conhece assim o Governo que a Assembleia da República não tem poupado esforços para que a proposta de lei seja apreciada com a maior urgência, mas sem que
tal signifique que o Parlamento se limite a visar, sem análise ou debate, a proposta governamental;
10) A Assembleia da República lamenta a posição adoptada pelo Governo, e considera imprescindível que este preste público esclarecimento sobre um conflito institucional que o Parlamento não provocou e não deseja prolongar.
A Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para além disto, Srs. Deputados, a conferência dos líderes teve conhecimento de uma exposição feita pela Comissão de Economia, Finanças e Plano. Peço ao Sr. Presidente da Comissão que faça o favor de a ler.
O Sr. Ivo Pinho (PRD): - Por consenso estabelecido na conferência dos líderes parlamentares, a votação final da proposta, de orçamento suplementar terá lugar em Janeiro, na semana que se inicia a 6.
A Comissão de Economia, Finanças e Plano deu imediato seguimento aos trabalhos de apreciação da proposta tendo nomeado uma subcomissão que trabalhará no período de encerramento da Assembleia a fim de apresentar o seu relatório no dia 3 de Janeiro. Foi também pedido parecer subsidiário, de acordo com a prática parlamentar, às restantes comissões, com a indicação da data de 31 de Dezembro para a sua recepção.
Para além disso, a Comissão reuniu-se já em plenário por três vezes, a primeira das quais com os Srs. Secretários de Estado do Tesouro, do Orçamento e dos Assuntos Fiscais, na impossibilidade de comparência do Sr. Ministro das Finanças, impedido por outros compromissos. Os esclarecimentos obtidos do Governo não foram suficientes, como foi reconhecido pelos seus membros presentes, que ficaram de apresentar informações adicionais, até ao momento ainda não recebidas.
A Comissão dará toda a sua colaboração para que o Governo venha a ser dotado dos meios necessários a uma sã gestão orçamental nas operações que haja que efectuar no âmbito do ano de 1985. Atendendo à celeridade requerida, a Comissão concentrar-se-á na apreciação das disposições orçamentais necessárias e suficientes para a obtenção desse objectivo.
Quanto às situações passadas não regularizadas, algumas das quais com dez anos de atraso, entende a Comissão que a sua resolução é urgente, mas não pode ser confundida com as necessidades imediatas de uma governação orçamental correcta.
Designadamente, não pode omitir-se a apreciação dos critérios que levaram o Governo a considerar apenas a regularização da parte das operações passadas, excluindo outras. Por isso, a Comissão não prescinde de fazer o seu estudo de modo a garantir a segurança dos critérios de análise e ponderação que a complexidade da situação exige. Esse estudo será certamente concluído em

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breve, cabendo lembrar, a esse respeito, que a Assembleia da República criou recentemente uma Comissão Eventual para a análise das contas públicas.
A Comissão de Economia, Finanças e Plano recebeu do Governo uma proposta a que posteriormente foram feitas alterações e a que faltam elementos justificativos suficientes.
Nas circunstâncias concretas, a Comissão não poderia ter imprimido maior celeridade aos seus trabalhos a não ser que se tivesse demitido do desempenho das suas obrigações no que toca ao estudo e ponderação de assuntos tão complexos como os que se levantam na proposta do Governo.
Em face da data de entrada da proposta e da falta de elementos justificativos em correspondência com a sua importância, estranha-se o tom da carta, datada de hoje, 19 de Dezembro, do Ministro Adjunto e para os Assuntos Parlamentares dirigida ao Presidente da Assembleia, na qual se pede a sua votação até o final do ano em curso, o que manifestamente é impossível. Este pedido só poderia ser aceite, como muito bem o Governo sabe, se a Assembleia da República prescindisse do exercício das funções que constitucionalmente lhe estão cometidas a fim de conceder um cheque em branco ao Governo.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do CDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a conferência de líderes deliberou ainda, por unanimidade, que a possibilidade de produzir qualquer comentário à matéria que se acabou de ler, poderá ter lugar amanhã, no período de antes da ordem do dia, tendo sido distribuído a cada grupo parlamentar 5 minutos e ao Governo, se porventura quiser usar esse direito, 15 minutos.
Antes de encerrar a sessão vou indicar a ordem do dia da próxima reunião plenária, a realizar amanhã, dia 20, às 10 horas. Essa sessão terá período de antes da ordem do dia, como acabei de anunciar, e o período da ordem do dia constará do seguinte: eleições dos deputados ao Parlamento Europeu e de 6 candidatos ao Conselho Superior da Magistratura e ainda da apreciação do projecto de lei n.º 78/IV, sobre o recrutamento do pessoal para assistência ao secretariado dos deputados ao Parlamento Europeu, da proposta de lei, n.º 2/IV, referente aos bilhetes do Tesouro - esta sob condição -, do processo de urgência para o projecto de lei n.º 9/IV, do PCP, e da continuação da apreciação da Lei da Caça.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Capucho (PSD): - Para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, penso que está no espírito de V. Ex.ª o acordado em conferência de líderes, mas, contudo, V. Ex.ª anunciou o período de antes da ordem do dia e só depois as votações, quando ficou decidido que iniciaríamos a reunião de amanhã com a chamada para as votações e só depois entraríamos no período de antes da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr. Deputado. Embora não esteja aqui anotado, o resultado da conferência foi nesse sentido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, também para interpelar a Mesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, para além da questão oportunamente colocada pelo Sr. Deputado António Capucho, creio que, quanto à ordenação de matérias, a primeira a ser tratada deverá ser o processo de urgência, uma vez que é isso que decorre do acordado na conferência.
Portanto, a ordenação das matérias a tratar na sessão de amanhã será a seguinte: começamos com as eleições, entramos no período de antes da ordem do dia, depois, já no período da ordem do dia, apreciamos o pedido de urgência e continuamos com as restantes matérias.

O Sr. Presidente: - Estou de acordo, Sr. Deputado. Ainda para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Sr. Presidente, não sei se o anúncio que V. Ex.ª fez das matérias a tratar amanhã comportava já o modo como elas se deverão ordenar.
Quanto à prioridade solicitada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, não tenho nada a objectar, na medida em que faz parte da primeira parte da ordem do dia.
Porém, quanto à segunda parte da ordem do dia, parece-me carecer de lógica que se interrompa o debate que se iniciou hoje, enxertando-se outras questões, para depois se voltar a este debate. Penso que se este debate vai prosseguir, ele deveria ser a primeira questão a tratar na segunda parte do período da ordem do dia de amanhã.

O Sr. Presidente: - Assim deveria ser, Sr. Deputado, mas certamente que por interesses políticos que por vezes se sobrepõem a toda esta mecânica regimental, a conferência dos líderes parlamentares deliberou que a discussão dos projectos de lei e da proposta de lei referentes à Lei da Caça tivesse lugar depois da apreciação deste pedido de urgência e do diploma referente aos bilhetes do Tesouro, porque a sua apreciação seria muito rápida.

O Sr. Lopes Cardoso (Indep. - UEDS): - Se a conferência de líderes parlamentares deliberou assim, deliberou mal, mas o que hei-de fazer...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 25 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Amândio dos Anjos Gomes.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Cristóvão Guerreiro Norte.

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20 DE DEZEMBRO DE 1985 563

Francisco José P. Pinto Balsemão.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel N. da Costa Candal.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel da Mata Cáceres.
Raul da Assunção Pimenta Rego.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Aníbal José da Costa Campos.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
Joaquim António Miranda da Silva.
José Rodrigues Vitoriano.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Francisco António Lucas Pires.
Henrique Manuel Soares Cruz.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brancão.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António José Baptista Cardoso e Cunha.
Dinah Serrão Alhandra.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Armando António Martins Vara.
Jorge Alberto dos Santos Correia.
José Barbosa Mota.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça C. Gonçalves Antunes.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Pereira Lilaia.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Joaquim Gomes dos Santos.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Cruz Vilaça.
Narana Sinai Coissoró.

Os REDACTORES: - Cacilda Nordeste - Carlos Pinto da Cruz - Maria Amélia Martins.

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PREÇO DESTE NÚMERO 174$00

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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