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19 DE FEVEREIRO DE 1986 1107

Creio, pois, que é uma proposta de lei feita de costas voltadas para o actual Código Penal, é uma proposta de lei de costas voltadas à humanização que presidiu, e deve presidir sempre, a um Código Penal e à penalização das condutas dentro de uma democracia. Além disso, parece que o Governo está mais interessado em punir e em meter medo a toda a gente, quando diz que tomou medidas preventivas para não cair em práticas de salários em atraso, do que propriamente em tomar uma medida profiláctica para solucionar casos existentes! Isto porque são demasiado evidentes as aberturas que deixa e a porta que se abre àquilo que depois sairia pela janela, neste caso, e, empregando a frase ao contrário, deixa-se entrar pela janela muito do acto ilícito para depois o fazer sair pela porta grande.
Estamos prontos a compreender a filosofia deste diploma, mas não estamos dispostos a que o Governo ligue tão pouca importância ao tecnicismo de que ele devia rodear-se, tratando-se nomeadamente de penas gravemente punitivas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, quero colocar-lhe algumas questões, estando a primeira relacionada com a afirmação de que a averiguação feita teria conduzido à conclusão de que são muito poucos os casos imputáveis aos empresários, cujos trabalhadores têm salários em atraso, acrescentando que só os tribunais poderiam apurar. Ficámos sem saber se a averiguação é credível ou se, afinal, na medida em que o Sr. Secretário de Estado remete para uma averiguação judicial, não acredita na averiguação que lhe permitiu tirar tais conclusões!
Ainda em relação a esta afirmação, gostava de saber se foram considerados como causas dessas situações conjunturais aspectos como, por exemplo, descapitalização de empresas, não aplicação de subsídios para pagamentos de salários e seu desvio para outros fins, subfacturação e outros aspectos fraudulentos que estão na base de muitas empresas na situação de salários em atraso, não por dificuldades económicas mas por uma actividade fraudulenta por parte dos empresários.
Por outro lado, o Sr. Secretário de Estado afirmou que a penalização dos empresários não era proposta pelo Governo por se tratar de matéria reservada da competência da Assembleia da República. No preâmbulo da proposta de lei n. º 4/1V afirma-se o seguinte, quanto ao inconveniente da penalização:
Para além desta constatação, outra ainda que se filia na perturbação que uma pena de prisão pode trazer a quem baseia a sua actividade na credibilidade e prestígio externos.
Não se trataria, portanto, do facto de o Governo não poder legislar nesta matéria, mas sim de não querer afectar os empresários, dada a perturbação que poderia trazer à sua actividade, e recordo-lhe que, neste caso, se trata de actividades fraudulentas. Tenho dificuldade em compreender onde pode estar a credibilidade de um empresário que é passível de aplicação de uma pena de prisão por ter uma actividade fraudulenta na sua empresa!...
Por outro lado, na mesma proposta de lei, o Governo não hesitou em propor a aplicação de sanções penais aos trabalhadores. É que há uma disposição que diz:
O trabalhador que esteja ao serviço de empresa que se encontre na situação referida no artigo 1.º e que, com a intenção de beneficiar dos esquemas de seguro de desemprego aplicáveis àquela situação, omitir o facto de ter adquirido novo vínculo jurídico-laboral ou desenvolver actividade da qual aufira rendimento igual ou superior à retribuição que recebia na empresa, supervenientemente à rescisão ou suspensão do respectivo contrato de trabalho, será punido com prisão até l ano e multa até 50 dias.
Aqui o Governo não se sentiu peado pelo facto de não poder legislar em matéria de reserva relativa da competência da Assembleia da República; aqui o Governo, para penalizar os trabalhadores, não sentiu esse constrangimento. De resto, é evidente que esse constrangimento, neste como noutros casos, seria resolvido pedindo, como, aliás, várias vezes tem sido feito por vários governos, a respectiva autorização legislativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, a proposta de lei que o Governo traz a esta Câmara é manifestamente insuficiente. Mas falar da proposta de lei sem, todavia, equacionar, pelo menos em linhas gerais, a letra do Decreto-Lei n.º 7-A/86, provavelmente também não faria sentido. Diz o Governo ter-se antecipado para legislar sobre uma matéria desta envergadura e eu vou tecer considerações, que nos parecem pertinentes e importantes. Nomeadamente no n.º 3 do preâmbulo do citado Decreto-Lei n. º 7-A/86 diz-se:
Não obstante o acima referido, a existência de trabalhadores com salários em atraso em empresas em laboração é unanimemente reconhecida como jurídica, social e moralmente inaceitável.
Pois bem, perante um preâmbulo destes, provavelmente, a nossa expectativa ir-se-ia manter num horizonte de grande interesse. Na verdade, poderíamos comentar que a «montanha pariu um rato», dado que este Decreto-Lei n.º 7-A/86 mais não faz do que um incitamento ao desemprego, um incitamento ao abandono da empresa.
Apenas citando dois dos artigos da proposta de lei, ou seja, o artigo 3.º, que incita os trabalhadores à rescisão do contrato, e o artigo 6.º, que fala daqueles que não queiram rescindir o contrato e queiram pedir a suspensão desse mesmo contrato de trabalho a fim de terem acesso a um subsídio, que mais não é do que uma esmola dada aos trabalhadores, pergunto ao Sr. Secretário de Estado como é que é possível num decreto-lei destes deixar de fora a situação dos trabalhadores que não queiram optar nem pela rescisão nem pela suspensão do contrato. Então, se é humana, moral e juridicamente inaceitável a situação de salários em atraso em empresas em laboração, como é que vamos proteger os trabalhadores que não queiram abandonar

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