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I Série - Número 33

Quarta-feira, 19 de Fevereiro de 1986

DIÁRIO

da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE FEVEREIRO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto B. da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, das respostas a alguns outros e de vários diplomas entrados na Mesa.
Em declaração política, o Sr. Deputado Adriano Moreira (CDS), a propósito das eleições presidenciais de domingo passado, exprimiu a posição do CDS e saudou o Dr. Mário Soares pela vitória alcançada. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Raúl Rêgo (PS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado José Luis Nunes (PS) regozijou-se com a vitória do Dr. Mário Soares nas eleições presidenciais e criticou o Primeiro-Ministro pela forma como participou na campanha eleitoral. No final formularam pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Silva Morgues, Amândio de Azevedo (PSD) - a quem o orador respondeu - e Octávio Teixeira (PCP).
Igualmente, em declaração política, o Sr. Deputado António Capucho (PSD), após felicitar o Dr. Mário Soares pela sua eleição para Presidente da República, louvou a postura do candidato Freitas do Amaral e abordou a intervenção do Governo na campanha eleitoral. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Hermínio Martinho (PRD) analisou os resultados eleitorais do passado domingo, felicitou o Dr. Mário Soares pela sua vitória e saudou o candidato Freitas do Amaral e todos os democratas. Respondeu no final a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Raúl Rêgo (PS).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP), também a propósito das eleições presidenciais, regozijou-se pelos resultados alcançados e referiu alguns incidentes ocorridos durante a campanha eleitoral. No final, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), Correia Afonso (PSD) - que também exerceu o direito de defesa - e Narana Coissoró (CDS).
Finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), após ter dado conhecimento de uma noticia veiculada por um jornal sobre a morte de um indivíduo provocada pela campanha eleitoral na Madeira, fez uma análise da campanha e dos resultados eleitorais. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento da Sr.ª Deputada Cecília Catarino (PSD).
Ordem do dia. - Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do PSD.
Após ter sido lido um relatório e parecer da Comissão de Trabalho, iniciou-se a discussão conjunta na generalidade dos projectos de lei n.º 2/IV (PCP) - Aprova medidas urgentes para combater e eliminar a calamidade dos salários em atraso -, 38/IV (PS) - Consequências especiais do não pagamento de salários -, e 70/IV (PRD) - Sobre não pagamento de retribuição de trabalho - e da proposta de lei n.º 4/IV - Salários em atraso.
Intervieram no debate, a diverso titulo, além do Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (Fernandes Marques), os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), António Mota e Odete Santos (PCP), Narana Coissoró (CDS), Raul Castro (MDP/CDE), António Marques (PRD), Jerónimo de Sousa (PCP), Cavaleiro Brandão (CDS), Vítor Hugo Sequeira (PS) e Amândio de Azevedo (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Monteiro Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.

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Arménio Jerónimo Martins Matias.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco João Bernardino Silva.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pimenta de Sousa.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe Atayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Bota.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel da Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Manuel José Marques Montargil.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel Ferreira Vitorino.
António Manuel Maldonado Gonelha.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Montez Melancia.
Fernando Henriques Lopes.
Helena Torres Marques.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel .Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto. Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Mário Nunes da Silva.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento. Rabaça Vieira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade de Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Bártolo de Paiva Campos.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.

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Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira:

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello César Menezes.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Maria Adelaide Lucas Pires Soares.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).

Maria Amélia Mota Santos (Os Verdes).

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o expediente. Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Carta

De Diniz Nazaré e José Silva Pereira, residentes em, respectivamente, Lisboa e Oeiras, do Movimento Nacional de Defesa dos Contribuintes, remetendo documentos relativos à Caravana Portugal/CEE e pedindo a sua divulgação pelos grupos parlamentares;

Ofícios

Da Delegação do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Mineira do Norte, nas Minas da Panasqueira, remetendo um exemplar da moção, aprovada em plenário geral de trabalhadores, dando conta dos graves problemas ali existentes no que diz respeito à segurança dos mineiros; da Assembleia de Freguesia de Santo António da Charneca, no Barreiro, remetendo fotocópia da moção aprovada em sessão extraordinária, realizada no dia 24 do passado mês de Janeiro, sobre a guerra nuclear e o Ano Internacional da Paz; das Câmaras Municipais da Marinha Grande e de Loures e da Assembleia Municipal de Vila do Bispo, enviando exemplares com os textos de moções, aprovadas naqueles órgãos autárquicos, sobre o problema da Lei das Finanças Locais;

Telegramas

De Mário das Dores Alves, residente no Porto, técnico de telecomunicações nos CTT/TLP, dando conta de situações irregulares naqueles serviços; no total de seis, de delegados e comissões sindicais dos trabalhadores de Aveiro, Estarreja, Seixal, Sesimbra, Setúbal e Vale de Cambra, pertencentes ao STAL - Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local, exigindo o reinicio de negociações com o Governo, que permita aumentos salariais mais dignos; no total de catorze, de professores de várias escolas, sediadas nos Açores, solicitando intervenção desta Assembleia no sentido de serem aprovadas verbas para a educação que garantam melhores condições no combate ao continuado insucesso escolar; no total de oito, de grupos

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de professores, de várias escolas, manifestando a sua concordância com as posições defendidas pela FENPROF acerca do reajustamento de letras e repudiando a permanência obrigatória nas 3.ª e 4.ª fases.

«Telexes»

Da Comissão de Trabalhadores da Messa, S. A. R. L, dando conta de pretenderem reactivar o seu processo de luta, no sentido de lhes serem pagos os salários em atraso e garantidos o seus postos de trabalho.

Diversos

Ofício da Federação dos Sindicatos da Metalurgia Metalomecânica e Minas de Portugal e telex das organizações representativas dos trabalhadores da Siderurgia Nacional, E. P., contestando a proposta de lei apresentada pelo Governo quanto à matéria dos salários em atraso e apoiando os projectos de lei apresentados pelo PRD e pelo PCP; ofício do Clube de Caçadores da Região da Figueira da Foz, onze telegramas e telexes de associações de agricultores e grupos de caçadores, sobre o problema cinegético nacional, referindo-se ao projecto da nova Lei da Caça e solicitando que sejam previamente ouvidas as suas respectivas posições.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: no dia 6 de Fevereiro de 1986, à Secretaria de Estado do Ensino Superior e ao Ministério da Saúde, no total de dois, formulados pelo Sr. Deputado Aloísio da Fonseca; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Ganopa e Carlos Lilaia; ao Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulados pelos Srs. Deputados Carlos Manafaia e Carlos Furtado; ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados António Sousa Pereira e Cláudio Percheiro; à Electricidade de Portugal (EDP), E. P. formulado pelo Sr. Deputado Ivo Pinho; ao Governo, no total de três, formulados pelo Sr. Deputado José Passinhas; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Freixo; ao Ministério da Educação e Cultura, no total de dois, formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, no total de dois, formulados pelos Srs. Deputados Jorge Patrício e outros; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Fillol Guimarães; ao Governo, no total de quatro, formulados pelo Sr. Deputado Carlos Pinto; à Secretaria de Estado do Ensino Básico, formulado pelo Sr. Deputado Rogério Moreira; à Câmara Municipal de Coimbra, formulado pelo Sr. Deputado João Abrantes.
No dia 7 de Fevereiro de 1986, ao Ministério da Educação e Cultura, formulados pelos Srs. Deputados José Luís de Azevedo, Jorge Lemos e João Abrantes; à Secretaria de Estado da Integração Europeia, formulado pelo Sr. Deputado Rui de Sá e Cunha; ao Governo, no total de cinco, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Dias de Carvalho; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados António Sousa Pereira e Octávio Teixeira; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social, formulados pelos Srs. Deputados Bártolo Campos, Margarida Tengarrinha e Odete Santos; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Barbosa da Costa; ao Ministério da Saúde e à Secretaria de Estado da Integração Europeia, no total de dois, formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; ao Ministério do Plano e Administração do Território, formulado pelo Sr. Deputado Joaquim Martins; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado João Maria. Teixeira; aos Ministérios do Trabalho e Segurança Social e das Finanças, no total de dois, formulados pelo Sr. Deputado António Mota; à Secretaria de Estado da Juventude e ao Ministério da Defesa Nacional, no total de três, formulados pela Sr.ª Deputada Maria Santos; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Custódio Gingão; ao Governo, no total de dois, formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Magalhães Mota, nas sessões de 8 de Novembro e 12 de Dezembro; Armando Fernandes, na sessão de 20 de Novembro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 26 de Novembro; Maria Santos, nas sessões de 26 de Novembro e 5 de Dezembro; João Poças Santos, nas sessões de 26 de Novembro e 16 de Janeiro; Vitorino Costa e António Fernandes, na sessão de 28 de Novembro; António Barreto, na sessão de 3 de Dezembro; Fernando Dias de Carvalho e José Frazão, na sessão de 5 de Dezembro; Raul Castro, Odete Santos e outros, na sessão de 6 de Dezembro; Machado Lourenço e Belchior Pereira, na sessão de 11 de Dezembro; José Manuel Mendes e José Magalhães, na sessão de 17 de Dezembro; Rogério Moreira e José Tengarrinha, na sessão de 19 de Dezembro; Barros Madeira e Jorge Lemos, na sessão de 20 de Dezembro.
Deram ainda entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 127/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Agostinho Correia de Sousa e outros; do PRD, Estatuto Remuneratório dos Titulares de Cargos Políticos, alterações à Lei n.º 4/85, de 9 de Abril, para a qual foi pedida a urgência - foi admitido e baixa à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias; projecto de lei n.º 128/IV, da iniciativa do Sr. Deputado António Capucho, do PSD, que propõe a elevação. de Cascais à categoria de cidade - foi admitido e baixa à Comissão de Administração Interna e Poder Local; proposta de lei n.º 14/IV - lei do serviço militar, para a qual foi pedida prioridade e que foi admitida e baixa à Comissão de Defesa Nacional; proposta de lei n.º 15/1V - Grandes Opções do Plano para 1986, para a qual foi requerida prioridade e urgência, que foi admitida e baixa à Comissão de Economia, Finanças e Plano e proposta de lei n.º 16/1V - Orçamento do Estado para 1986, para a qual foi também requerida prioridade e urgência e que foi igualmente admitida e baixa à Comissão de Economia, Finanças e Plano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma intervenção, tem a palavra o Sr.
Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos deixar aos analistas primeiro, e aos passadistas depois, a adjectivação ideológica da candidatura que foi vencida na disputa eleitoral da

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Presidência da República e também lhes deixaremos igual exercício em relação à candidatura vencedora. O abandono do tratamento deste ponto na Assembleia da República, por parte do CDS, resulta da convicção em que estamos de que a população portuguesa está evidentemente cansada de tanta disputa ideológica, que tem sido mais verbal do que construtiva, contribuindo para que se perca o único capital irrecuperável, que é o tempo colectivo, sem que se resolvam problemas essenciais que começam na necessidade de garantir o pão na mesa de cada família em vez de falar sempre sobre a natureza do direito de propriedade, em garantir emprego a cada português em vez de falar sempre na abstracta liberdade de trabalho, em garantir lugar na escola a cada jovem em vez de falar sempre no abstracto direito geral à instrução; tornar o País viável, independente, e igual na interdependência que se tornou em facto estrutural da nossa época. Tem de reconhecer-se que as eleições presidenciais demonstram que a revolução cultural política, sempre mais tardia que as intervenções da força, desenvolveu a sua implantação, e que a prova está na tolerância e grande participação do eleitorado nesta importante eleição. Mas também é necessário não omitir a preocupação que decorre do facto de os candidatos terem gasto muito do seu diálogo a discutir e a explicar como é que entendiam a chefia do Estado, dentro do sistema constitucional. E isto não necessitaria de ser discutido ou aflorado se o texto constitucional, já experimentado durante uma década, tivesse transformado em vividos pelo povo e pelas formações políticas os conceitos normativos que adoptou. Temos esperança de que finalmente tenha aberto caminho a ideia de que o Presidente da República é um supremo magistrado da Nação, altamente comprometido com os valores da unidade que dão carácter nacional aos Portugueses, dominado no exercício do cargo pela moral da responsabilidade de que falava Weber: portanto, acima das diferenças que se exprimem nas formações políticas, e isto independentemente do seu passado partidário.
Consideramos prejudicial ao interesse nacional, e contrário à maneira portuguesa de viver, pretender transformar a escolha do Presidente da República numa polarização da sociedade civil e do eleitorado activo, o que apenas serviria para voltar a agudizar os conflitos institucionais que tanto perturbaram o processo político nos últimos anos, e por isso exigem a mudança do sistema ou, pelo menos, da sua prática. Aquilo que sem propriedade se chama a maioria presidencial esgota-se no momento da eleição, os votos regressam à disponibilidade de cada eleitor que optou por um candidato finalmente escolhido em relação directa com o País. Coisa diferente são as tarefas inadiáveis do progresso científico, técnico, cultural, económico e, muito principalmente, de justiça social, que são da responsabilidade indeclinável do Governo que disponha do apoio desta Câmara, e não do Presidente eleito que não pode ter programa de Governo.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Estamos num ano histórico para a vida de Portugal, porque mudou definitivamente o conceito estratégico nacional, independentemente da vontade daqueles que o desejariam diferente. Excluir a prudência governativa que, em todos os escalões de responsabilidade, deve orientar a mudança para a substituir
por estéreis lutas ideológicas e repetitivas, não corresponderia ao melhor interesse dos Portugueses. Qualquer triunfalismo e arrogância seriam o contrário da humildade com que o destino de governar deve ser assumido em todas as circunstâncias. Tendo apoiado o candidato Freitas do Amaral em cumprimento da decisão dos seus órgãos institucionais, o CDS continua adepto da teoria do arco constitucional e, por isso, confia em que o facto do Presidente da República ter saído das fileiras do Partido Socialista, democrático e republicano, se traduzirá - na garantia de que será cumprida a definição que sempre deu da chefia do Estado - uma suprema magistratura comprometida com os valores da comunidade portuguesa, colaborando com todos os governos legítimos, obreira do bom relacionamento institucional dos órgãos de soberania, pondo no lugar das polarizações destrutivas o cimento da consertação e da solidariedade. Isto porque faz parte dos valores da unidade termos uma comunidade solidária, viável, progressiva e justa. É pela decisão popular e pela autenticidade de propósitos do candidato eleito que saudamos S. Ex.ª o Dr. Mário Soares como Presidente da República de todos os portugueses, com os votos de esperança de que o seu mandato corresponda a um período de respostas governamentais construtivas e inadiáveis, exigidas pela conjuntura internacional, pelos debilitados recursos internos com que temos de lhe dar resposta, para manter a identidade e viabilidade nacionais em regime de justiça social, para que seja finalmente realizada a esperança concreta da nossa juventude, esperança concreta que é um elemento central do conceito estratégico que o Governo legítimo tem de reformular independentemente de quem foi escolhido para exercer a suprema magistratura do Estado.
A força de tal conceito estratégico, que a Assembleia da República, por estranha construção normativa, não vota, depende talvez daquilo que já foi chamado o «quinto poder», que não tem expressão parlamentar, mas depende imediatamente da manutenção constitucional da viabilidade do Governo legítimo em exercício.
Partidários do Governo de legislatura, não confundimos todavia simples permanência no Governo com estabilidade governativa, porque a primeira depende do chamado pragmatismo de alianças conjunturais, mesmo incoerentes, transformando o Poder num valor em si próprio; e a segunda depende da existência de um projecto político definido com coerência e defendido com empenhado apoio popular.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Na linha da posição que adoptou nas eleições presidenciais, o CDS está disponível para dar voz ao projecto eminentemente popular que os resultados evidenciaram no movimento que acompanhou a dinâmica do candidato que apoiou, e por isso, correndo os riscos políticos necessários, não adere a soluções de simples permanência, sem princípios firmes flutuando ao sabor das conjunturas e que tem sempre como consequência o afastamento entre o País que acredita e vota e os puros aparelhos do Poder.

Aplausos do CDS.

O CDS assume a plenitude da responsabilidade do dever de tentar materializar a esperança concreta despertada sobretudo na juventude já próxima da matu-

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ridade política, nestas eleições presidenciais. Não será por nós que a militância devotada e o trabalho anónimo de milhões de portugueses ficará sem voz é sem resposta, cientes de que escolher um homem para exercer á Presidência da República não é o mesmo que escolher o Governo, e de que as esperanças e projectos de vida, que se revelaram no circunstancialismo do primeiro importante acto, deverão ter expressão nas formações políticas às quais cabe finalmente viabilizar um governo que os encarne e lhes dê execução coerente. Para tanto é importante e inadiável que a revolução cultural exclua definitivamente os erros do voto útil, a aberração do voto imposto pelas opções negativas, as abstenções alienantes. Porque da eliminação desta cortina de enganos depende que finalmente se consiga que o eleitorado tenha uma representação autêntica na Assembleia da República, a qual nesta data se reproduz no Parlamento Europeu numa espécie de negativo desfocado.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, meu amigo, V. Ex.ª disse que escolher um homem para Presidente da República não é o mesmo que escolher um governo e essa mesma afirmação foi acentuada, por diversas vezes, pelo Dr. Mário Soares em toda a sua campanha eleitoral.
Há quem queira confundir as duas coisas; mas o Governo depende desta Assembleia, não depende do Presidente da República ou não deve depender do Presidente da República. E essa, quanto a mim - e não sei qual o pensamento do Prof. Adriano Moreira -, foi uma das confusões dos últimos 6 ou 7 anos que tornaram desestabilizadora á vida política portuguesa.
O Governo depende da Assembleia da República e o Presidente da República eleito, seja ele de um partido ou independente, é o presidente de todos os portugueses, não lhe compete governar, mas ser apenas o garante das liberdades dos Portugueses. Não sei se é esta a súmula da sua intervenção, mas é este o resultado que tiro dessa mesma intervenção, com a qual estou de acordo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Raúl Rêgo, meu querido amigo,, coincidimos ambos na interpretação da definição da chefia do Estado que foi transmitida ao público português pelo Sr. Dr. Mário Soares.
Aliás, é justamente por respeito pela decisão popular e por confiança nessa definição conceitual da chefia do Estado - que faz falta que se enraíze na vida portuguesa - que me parece reproduzir, em palavras curtas, aquilo que me parece ter sido por ele afirmado claramente ao País, tendo confiança em que o Dr. Mário Soares assim agirá durante o seu mandato.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vitória do Dr. Mário Soares .nas eleições presidenciais é um motivo de júbilo para todos
os socialistas pois é o justo momento em que o primeiro dos socialistas passou a ser o primeiro dos Portugueses.
A vitória do Dr. Mário Soares foi a vitória dos ideais que estiveram na base do 25 de Abril, na sua pureza e integralidade, e aos quais, decorridos quase 12 anos, os Portugueses não quiseram deixar de manifestar o seu apoio claro e insofismável.
Foi em nome da liberdade e da democracia, da igualdade e da justiça social, que se uniram trabalhadores, empresários dê progresso, intelectuais e cientistas, escritores, desportistas e, importa sublinhá-lo, a grande maioria da juventude que sabe não poder construir o seu futuro fora dos ideais de Abril ou, o que é pior, contra os ideais de Abril.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - As vitórias da liberdade não são vitórias contra ninguém até porque, como alguém disse, «a liberdade pode olhar de frente para a glória».
Saudamos todos os portugueses vindos dos mais diversos quadrantes políticos, que permitiram a vitória de uma candidatura que pela própria personalidade do Dr. Mário Soares garante a paz, a concórdia, a tolerância e a recusa de todas as formas de discriminação política e ideológica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O combatente antifascista, o democrata de sempre, detesta demasiado as injustiças e as discriminações, que sofreu na própria carne, e que sempre desejou poupar aos Portugueses, especialmente aos mais jovens, que, por o serem, tiveram a sorte de não terem conhecido a ditadura.
A vitória do Dr. Mário Soares não poderia, em consequência, deixar de ser a vitória do diálogo, da tolerância da procura do consenso entre os Portugueses, pois é uma vitória do 25 de Abril, isto é, e como se diz lapidarmente no preâmbulo da Constituição da República, a data em que «o movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista».

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Importa agora corresponder ao apelo feito pelo Dr. Mário Soares para uma luta constante contra a pobreza, a miséria, a ignorância e o subdesenvolvimento económico, de forma a corresponder ao desafio europeu constituindo uma nação livre, próspera e feliz.
Neste apelo cabem todos os portugueses, sem excepção.
Cabem os que elegeram o Dr. Mário Soares, mas cabem também aqueles - e foram muitos - que optaram pela candidatura do Dr. Freitas do Amaral.
O Dr. Mário Soares é o presidente de todos os portugueses e todas as opções políticas - desde que democráticas - são admissíveis e legítimas.
É dentro deste espírito que importa sublinhar a forma democrática como o Prof. Freitas do Amaral aceitou a sua derrota depois de uma campanha que, pelos largos apoios que obteve, dá todo o sentido à retumbante vitória do Dr. Mário Soares.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: - É a primeira vez, desde a instauração da ditadura em 28 de Maio de 1926, que os Portugueses, irão ter um civil na Presidência da República.
Será, talvez, o momento oportuno para uma reflexão sobre o sistema constitucional português especialmente no que respeita à definição de competência dos órgãos de soberania e ao seu relacionamento entre si.
O Governo depende, simultaneamente, do Presidente da República e da Assembleia da República, muito embora, deve dizer-se, o peso da instituição parlamentar prevaleça claramente.
Ao Presidente da República cumpre acompanhar e respeitar as diversas soluções constitucionais que se desenham no quadro parlamentar, constituindo um referencial de harmonia e estabilidade.
À assembleia da República compete viabilizar os governos, usar do seu direito de censura, conceder-lhes ou retirar-lhes a confiança, tudo em conjugação com a sua actividade legiferante e de fiscalização atenta dos actos do Governo e da Administração.
Ao Governo compete-lhe governar, ou melhor, tem o dever de governar em harmonia e não em conflitualidade com os restantes órgãos de soberania.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição da República, ao traçar, com minúcia, os contornos políticos dos diversos órgãos e as suas competências recíprocas, lançou as bases de uma sã harmonia institucional.
Não foi, porém, pautada por estes princípios de harmonia institucional a actuação do Sr. Primeiro-Ministro, Prof. Cavaco Silva, no decorrer desta campanha eleitoral.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Na verdade, ao apoiar o candidato vencido sem demarcar, de forma clara, a sua condição de líder do PSD da sua condição de Primeiro-Ministro, o Prof. Cavaco Silva não limita ao PSD a derrota sofrida que, importa sublinhá-lo, não é conjuntural.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É, se bem analisarmos, a derrota do projecto político que, no Congresso do PSD na Figueira da Foz, permitiu ao Dr. Cavaco Silva assumir a liderança do PSD e provocar a ruptura da coligação e as eleições gerais antecipadas de que saiu o actual Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - A esta luz torna-se mais claro o sentido da mal preparada conferência de imprensa que, confundindo a sua qualidade de Primeiro-Ministro com a sua qualidade de presidente da Comissão Política do PSD, foi concedida pelo Dr. Cavaco Silva na noite da eleição presidencial.
Os Portugueses, na sua generalidade, não se reconhecem no tom agreste usado pelo Dr. Cavaco Silva.
Em primeiro lugar, não se reconhecem no apelo à ordem e na ameaça mal disfarçada incita nas palavras dirigidas aos portugueses que comemoravam a vitória do Dr. Mário Soares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não só porque tais palavras eram inúteis - os Portugueses, sem excepção, têm tido, em todos os actos eleitorais, um comportamento cívico inigualável -, mas também, deve dizer-se, eram abusivas, pois dirigiam-se a um grupo específico de portugueses que comemoravam a vitória do seu candidato já então completamente definida.
Em segundo lugar, registam a vontade expressa pelo Sr. Primeiro-Ministro em seu nome e em nome do seu Governo de continuar a governar, permitindo-se muito embora lembrar que governar mais que um direito é, sobretudo, um indeclinável dever...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A governação exerce-se no limite das competências do Governo e não na procura de confrontação, sistemática, com outros órgãos de soberania, nomeadamente com a Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o Sr. Primeiro-Ministro, nas suas relações com a Assembleia da República, faltou à verdade por duas vezes: A primeira quando afirmou aos Portugueses que as correcções ao orçamento suplementar impediam o Governo de fazer determinados pagamentos urgentes, responsabilizando pelo facto a Assembleia da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A segunda vez, e quanto às leis laborais, quando omitiu que os prazos regimentais tinham sido cumpridos, encontrando-se a decorrer os prazos de consulta previstos pela Constituição [artigo 55.º, alínea d), e n.º 2 do artigo 57.º, e artigo 140.º do Regimento da Assembleia da República].

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Assembleia da República não permitirá que esta constante guerrilha se transforme, como parece ser o objectivo do Primeiro-Ministro, em mero álibi para o Governo não exercer o seu direito e cumprir o seu dever de governar.
A derrota do Prof. Freitas do Amaral não põe, obviamente, em causa a legitimidade do Governo que, na sua acção governativa, deverá respeitar os limites de competência dos diversos órgãos de soberania procurando, com todos eles, um trabalho coordenado e profícuo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Torna-se, contudo, necessário fazer um pouco o balanço do que foram estes curtos meses de Governo.
Desde logo diremos ter, em muitos campos, decepcionado as expectativas dos Portugueses.
Reafirmamos ter o Governo não só partidarizado de forma escandalosa a nomeação para os altos cargos da CEE mas também atrasado, sem justificação, certas nomeações que se impunha fazer com celeridade.

Aplausos do PS.

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1090 I SÉRIE - NÚMERO 33

O Sr. António Capucho (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Acusamos o Governo, de ter substituído, contra as normas legais expressas é de forma arbitrária e prepotente, o conselho de administração da RTP.
Acusamos igualmente o Governo de ter usado de critérios que nada têm a ver com a competência na substituição de alguns directores-gerais.
Acusamos enfim o Governo de estar a criar um espírito triunfalista e intolerante de que os Portugueses nada de bom poderão esperar.
Limitamo-nos aqui a reunir tão-só o quê temos vindo a dizer nos últimos meses. Pensamos, no entanto, que a discussão do Orçamento e do Plano para 1986 permitirá esclarecer completamente a política do Governo e debater as soluções que este preconiza para os graves problemas nacionais.
Será então azado o momento para verificar se, 'e em que medida, o Governo soube aproveitar as situações positivas herdadas do anterior governo e se o seu apregoado pragmatismo não esconde, afinal, uma completa falta de princípios.
O Grupo Parlamentar Socialista continuará a política de oposição responsável que vem seguindo, intensificará a sua actividade legiferante em ordem a dotar o País de leis justas e adequadas e manterá um estreito controle dos actos de um governo minoritário que deve ser objecto de um adequado acompanhamento por parte da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vitória do Dr. Mário Soares foi, mais unia vez, a vitória dos ideais do 25 de Abril.
Num país traumatizado e amargurado por uma ditadura que durou quase meio século julgaram os Portugueses que a chefia do Estado devia estar confiada a um homem capaz de convicções, capaz de resistir, incapaz de desistir ou de se demitir da sua cidadania, formado na escola do primado da razão sobre a força, da tolerância sobre o fanatismo, da paz sobre a violência.
Por isso escolheram para a mais alta magistratura da Nação o Dr. Mário Soares.
Escolheram bem!
Não poderiam escolher melhor!

Aplausos do PS, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Silva Marques, Amândio de Azevedo e Octávio Teixeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado José Luís Nunes, a sua intervenção deixou-nos cheios de preocupações, sobretudo pelo contraste em que ela foi colocada relativamente à intervenção do Sr. Deputado Adriano Moreira e também, a título complementar, isto é, a pretexto de um pedido de esclarecimento, à do Sr. Deputado Raúl Rêgo.
Os Srs. Deputados Adriano Moreira e Raúl Rêgo deram um contributo para o período que vamos viver após a eleição presidencial, contributo esse que podemos discutir mas que é claramente positivo, no sentido de concitar a unidade dos Portugueses sem prejuízo das divergências e diferenças partidárias. Mas, de qualquer modo, essas intervenções visavam á unidade...
Aliás, esse foi o tema fundamental da campanha eleitoral do vencedor do prélio eleitoral, ou seja, «unir os Portugueses e servir Portugal».
No entanto, a sua intervenção, Sr. Deputado José Luís Nunes, agarra-se aos aspectos circunstanciais da questão e V. Ex.ª fala e discute acera de se o Primeiro-Ministro confundiu, na sua conferência de imprensa, a sua qualidade de chefe de Governo com a de líder partidário. É possível que sim, como é possível o contrário...
Na verdade, podemos discutir isso indefinidamente. Simplesmente, Sr. Deputado, se fôssemos tomar isso como uma questão fundamental sobre a qual devêssemos .emitir um juízo político de aprovação ou de condenação, então o Sr. Dr. Mário Soares jamais teria sido eleito Presidente da República Portuguesa, porque ele
'confundiu isso de uma forma - não tenho a menor dúvida - excessiva, permanente e por vezes até um bocado impressionante.
Mas, terá sido isso que levou os Portugueses a emitir um juízo de valor? Essa é que é a questão substancial e a ela responderei que não e nem mesmo aqueles que apoiaram o candidato Freitas do Amaral se agarram a esses aspectos, apesar de tudo secundários quanto ao problema que devíamos discutir.
Será que o actual Governo está a perseguir, do ponto de vista das nomeações para cargos públicos, aqueles que não pertencem aos que apoiam o actual Governo?
Risos do PS.
Creio que não, mas mesmo que assim fosse... Meu Deus, tão recente foi a verdadeira caça a todos os que não eram apoiantes do bloco central e, muito particularmente, do partido maioritário!...

Protestos do PS.

O Sr. António Vitorino (PS): - Da parte do PSD, da vossa parte!

O Orador: - Sr. Deputado António Vitorino, se V. Ex.ª tiver pedidos de esclarecimentos a fazer, faça favor de os formular depois.
Portanto, Sr. deputado José Luís Nunes, creio que a campanha eleitoral foi cívica e pacificamente disputada; foi ditado um juízo pela maioria dos portugueses, que devemos aceitar e sobretudo devemos concitar as nossas preocupações, as nossas reflexões sobre as questões fundamentais com que se defronta o País. E uma dessas questões fundamentais é esta: o Governo, quando extinguiu o Gabinete da Área de Sines, agiu bem ou mal? Pensamos que agiu bem, mas se os Srs. Deputados acharem que agiu mal, digam-no aos Portugueses!
Sr. Deputado José Luís Nunes, as questões fundamentais com que se defronta o País são as da sua renovação, da abertura de um caminho de progresso, de prosperidade, de renovação, de modernização; relativamente a essas questões menores... não digo que não possam ser discutidas, mas elas são secundárias.
Na verdade, quando V. Ex.ª se agarra às questões secundárias tal significa que não tem razão e que, embora involuntariamente, está a aumentar a razão do Prof. Cavaco Silva, do Primeiro-Ministro e líder do PSD.

Aplausos do PSD.

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19 DE FEVEREIRO DE 1986 1091

O Sr. António Vitorino (PS): - Aos costumes disse nada!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes, pretende responder desde já? Se o desejar fazer, tem a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, desejo dizer somente isto: o Sr. Deputado Silva Marques produziu uma intervenção desgarrada e desconexa.
Realmente, não me fez nenhuma pergunta, pelo que não tenho nenhuma resposta a dar-lhe.

Aplausos do PS.

O Sr. António Vitorino (PS): - Também se aprende a fazer perguntas!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado José Luís Nunes, ninguém estranhará que o Grupo Parlamentar do PS se congratule e se regozije nesta Assembleia com a vitória do candidato que apoiou. Porém, não deixa de ser lamentável e de ser um péssimo serviço prestado ao recentemente eleito Presidente da República o discurso proferido pelo Sr. Deputado José Luís Nunes, ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... partidarizando claramente a eleição presidencial e aproveitando esta oportunidade para dirigir ataques a outros partidos, ainda por cima com base em afirmações que estão completamente nos antípodas da verdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A título de exemplo: diz o Sr. Deputado José Luís Nunes que o Prof. Cavaco Silva aproveitou o Congresso da Figueira da Foz para provocar a ruptura da coligação. Nada de menos exacto, ou seja, tal é o contrário da verdade!

Protestos do PS.

O Orador: - O Prof. Cavaco Silva e a direcção do PSD limitaram-se a pedir ao PS que se dispusesse finalmente a cumprir fundamentalmente três dos vários compromissos assumido» por escrito, formalmente, com data e no final de 1984 e só perante a recusa do PS em cumprir os seus compromissos é que a direcção política do PSD se viu forçada a pôr termo à coligação.
De resto, o eleitorado já disse quem é que tinha razão.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O PS desceu de 36% para 22%, enquanto o PSD subiu de 27% para cerca de 30%.
No que respeita ao orçamento suplementar para 1985 não é correcto que se diga que o Primeiro-Ministro faltou à verdade. Poder-se-á dizer que não tinha razão ao fazer certas afirmações, mas dizer-se que ele faltou à verdade é ofensivo. Aliás, o Primeiro-Ministro não faltou à verdade.

Vozes do PS: - Faltou, faltou!

O Orador: - As afirmações que ele produziu correspondiam exactamente à situação de momento na Comissão de Economia, Finanças e Plano, que foi alterada depois e, portanto, só posteriormente é que aquilo que ele disse deixou de ter correspondência na realidade.
Mas ainda bem que ele produziu essas afirmações, porque, porventura, de outra maneira, os grupos parlamentares da oposição tinham mantido as suas posições anteriores, ou seja, a situação que ele definiu tinha-se mantido até ao fim.
Da mesma maneira, no que respeita às leis, o Primeiro-Ministro disse, e é exacto, que o Governo apresentou em 20 de Dezembro na Assembleia da República propostas de lei que não foram ainda aprovadas. Isto é exacto!
E se há alguma coisa a esclarecer, esclareça-se, mas não se diga que é falta de verdade!
De resto, não vou mais longe, porque não serei eu, deputado desta Assembleia, que levantará a voz para colocar ainda mais em causa o prestígio deste órgão de soberania, que já está muito abalado.
Srs. Deputados, batamos com a mão no peito, assumamos as nossas responsabilidades!

Protestos do PS e do PCP.

O Orador: - A Assembleia da República está muito longe de atingir o grau desejado de eficácia e de eficiência nos seus trabalhos, pelo que espero que todos se esforcem nesse sentido como eu me tenho esforçado, o que continuarei a fazer no futuro.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luis Nunes (PS): - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, quanto ao que V. Ex.ª acaba de proferir relativamente ao que aqui foi sublinhado, devo dizer muito concretamente o seguinte: eu disse que o Sr. Primeiro-Ministro faltou à verdade; pelo contrário, V. Ex.ª diz-me que o Sr. Primeiro-Ministro não tinha razão. Trata-se, portanto, menos de uma discussão de fundo do que de uma discussão de boas maneiras.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Eu disse que poderia não ter!

O Orador: - Poderia não ter...

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Esses aspectos também são importantes!

O Orador: - São importantes, mas nestes caso é outra coisa!
Aliás, dado que o interlocutor tanto o pede, vou responder contando à Câmara uma história.
Durante a 2.ª Guerra Mundial, no diário de bordo de um caça-minas, o comandante escreveu: «Hoje, dia tantos de tal, o imediato estava bêbado.»
E então o imediato, que era um homem bem cumpridor das normas e disciplinado, disse: «É verdade que estava de facto embriagado, mas foi a única vez que isto me aconteceu na vida, pelo que lhe peço que tire isso do diário de bordo.»

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1092 I SÉRIE - NÚMERO 33

O comandante retorquiu: «Não posso tirar isso do diário de bordo porque este deve reflectir fielmente o que se passou no caça-minas.»
No dia seguinte, o imediato, como tinha de escrever o diário de bordo produziu a célebre frase: «No dia de hoje o comandante não estava bêbado.»
Este tipo de coisas, este tipo de raciocínio é absolutamente simétrico em relação à afirmação de que entrou no dia 20 de Dezembro de 1985 um diploma na Assembleia da República que ainda não foi, pura e simplesmente, aprovado.
Na verdade, é necessário explicar que tal diploma não foi aprovado porque a Assembleia da República cumpriu exactamente os prazos regimentais bem como estavam a decorrer os prazos necessários para que, os trabalhadores fossem ouvidos. O resto é pura hipocrisia, que nem sequer chega a ser boa educação!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Finalmente, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Sr. Deputado José Luís Nunes, ouvi com atenção a sua intervenção na parte em que V. Ex.ª se refere à problemática das eleições presidenciais.
Relativamente a isto não irei agora pronunciar-me, na medida em que o meu grupo parlamentar irá fazer uma intervenção sobre o assunto.
Porém, no que concerne à parte da sua intervenção em que faz um certo balanço da actividade do Governo, gostaria de colocar-lhe duas questões, que, ao fim e ao cabo, se podem resumir, apenas, a uma.
É conhecida - aliás, vimo-lo aqui em Dezembro, quando se discutiram nesta Assembleia algumas questões relacionadas com a atitude do Governo em aumentar o preço dos combustíveis, dos cereais e de produtos daí decorrentes - a não razão para fazer esses documentos face à evolução, dos preços das matérias-primas no mercado internacional, que estavam, em queda, bem como o dólar, moeda em que esses, preços são determinados no mercado internacional.
Ora, a questão concreta que gostaria de colocar-lhe era a seguinte: face à actual situação e ainda em relação aos cereais mas fundamentalmente no que concerne ao preço do petróleo no mercado internacional, - pois sabe-se que neste momento não há uma queda do preço do petróleo, mas sim um descalabro total desse mesmo preço, no sentido da «baixa», mantendo-se igualmente a queda do dólar no mercado internacional financeiro -, entende V. Ex.ª que há qualquer razão para que o Governo mantenha os preços dos combustíveis tal como tem vindo a fazer e que não mostre qualquer intenção de os vir a descer a curto prazo? Qual será a intenção do Governo ao fazer isto? Sabe-se que tal medida não é para cobrir défices do fundo de abastecimento, como alguns membros do Governo tentaram incutir na opinião pública, e isso é perfeitamente demonstrado e demonstrável quando analisarmos o Orçamento do Estado.
Por isso, repito, a questão concreta era esta: entende V. Ex.ª que há razões para que o Governo não, proceda neste momento ,à descida dos preços, designadamente dos combustíveis?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Os socialistas não curam das coisas económicas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luis Nunes(PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, gostava de dizer a V. Ex.ª que isto tem regras!

Risos do PSD.

O Orador: - E as regras são as seguintes: é que o Sr. Deputado Octávio Teixeira faz pedidos de esclarecimento sobre afirmações que não proferi.
Na verdade, não tratei do problema do aumento dos combustíveis ou da política económica do Governo, não tratei de nenhum desses problemas. Portanto, não vou responder à pergunta formulada por V. Ex.ª.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado.

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado, julgo que V. Ex.ª não percebeu. Faço-lhe precisamente esta pergunta porque uma parte da sua intervenção
consiste numa análise, um balanço da actividade do Governo e dentro do balanço da actividade do Governo inclui-se a não descida dos preços apesar da situação.

O Orador: - Sr. Deputado, fizemos um somatório de um conjunto de pontos que tinham sido aqui tratados. Ora, com toda a franqueza, esse assunto não foi
aqui tratado, nem foi referido na declaração que produzi, pelo que não tem de ser objecto de um pedido de esclarecimento.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política tem a palavra, o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após a primeira volta das eleições presidenciais, tive a oportunidade de, em nome da bancada social-democrata e nesta mesma tribuna, congratular-me pelo facto de terem passado à segunda volta dois candidatos que, no essencial, não diferem nos conceitos que defendem quanto à democracia política e às grandes linhas da política externa e da defesa nacional.
Estamos, por isso, particularmente à vontade para hoje daqui felicitarmos o Presidente eleito Dr. Mário Soares, perante a vitória obtida na segunda volta, face ao candidato apoiado pelo PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E não se interprete a nossa postura como esboço de colagem política ao vencedor: mantemos tudo o que afirmámos sobre as opções que se colocaram ao eleitorado e designadamente sobre o significado político dos apoios que recolheram.
O povo português mais uma vez assumiu em democracia as suas responsabilidades com o maior civismo. Aceitamos e respeitamos o veredicto das umas com a mesma dignidade com que enfrentaríamos resultado inverso.

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Ao Prof. Freitas do Amaral, os deputados sociais-democratas dirigem uma saudação sentida e fraterna pela forma muito digna como se apresentou ao eleitorado e se posicionou ao longo da campanha eleitoral.

Aplausos do PSD e do CDS.

Os Portugueses, mesmo os que nele não votaram, não deixarão de reconhecer que o Prof. Freitas do Amaral prestigiou e fortaleceu a democracia ao submeter-se ao sufrágio através de uma campanha limpa e honesta, sem recurso à calúnia, sem qualquer agressividade ou radicalismo, pela positiva e de forma claramente construtiva.

Aplausos do PSD e do CDS.

Perdendo tangencialmente por escassos 150 000 votos em cerca de seis milhões, obteve de longe a maior votação de sempre do conjunto dos partidos que o apoiaram, fortalecendo assim este espaço político e deixando intactas as legítimas expectativas de mudança da sociedade portuguesa e das suas estruturas políticas, económicas, sociais e culturais.
Freitas do Amaral perdeu, mas nem ele nem os que o apoiaram saem derrotados.

Aplausos do PSD e do CDS.

Os resultados obtidos pelo Prof. Freitas do Amaral, apesar de não terem atingido o objectivo essencial, consagram, do nosso ponto de vista estratégica a correcção da estratégia definida pelo meu partido e reforçam consequentemente a liderança social-democrata.
Por isso, rejeitamos as insinuações de que teria sido mais prudente o distanciamento do Prof. Cavaco e Silva face ao acto eleitoral. Em democracia é normal que o líder do partido maioritário assuma as funções de Primeiro-Ministro e seria decididamente inexplicável que, naquela qualidade, se alheasse de tão importante acontecimento político que é a eleição presidencial.
Os sociais-democratas e o eleitorado não perceberiam e não aceitariam que, face à opções de voto, o presidente do maior partido português dissesse nada. Os sociais-democratas e o eleitorado já se habituaram a ouvir do PSD e do Prof. Cavaco e Silva posições claras e frontais sobre todas as questões que se colocam na vida política nacional.

Aplausos do PSD e do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai tomar posse muito em breve o primeiro Presidente civil da República Portuguesa desde há 60 anos.
Após a eleição, o Dr. Mário Soares afirmou que seria Presidente de todos os portugueses; que estava decidido a uni-los, esquecendo antagonismos; que considerava essencial nas suas funções a estabilização e moderação da sociedade portuguesa; que se propunha cooperar com os demais órgãos de soberania, designadamente com o Governo que, naturalmente, considerou legítimo.
Esperemos sinceramente que assim seja, porque também acreditamos ser indispensável que o País atravesse um período de estabilidade política face aos desafios que enfrenta com a adesão às Comunidades e à necessidade de recuperar rapidamente da grave crise económica e social em que se encontrava mergulhado depois de uma década de grande instabilidade governativa.
Ouvimos, por outro lado, o Primeiro-Ministro na noite de domingo reafirmar publicamente, e de forma peremptória, a vontade de continuar a trabalhar cumprimento o Programa do Governo, viabilizado nesta Câmara, e de colaborar com todos os órgãos de soberania.
Outra coisa não esperaria o povo português, que manifestamente confia neste Governo.
Povo português que também espera que ao Governo sejam criadas, de facto, as condições necessárias para que cumpra os objectivos que se propôs atingir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado António Capucho, foi com alguma perplexidade que vi o líder de um partido com assento nesta Assembleia subir à tribuna para afirmar que aceitava o veredicto das umas. Será que V. Ex.ª admite que é necessário subir à tribuna para dizer isso? Acha que seria possível não respeitar o veredicto das umas?

Protestos do PSD.

Por outro lado, V. Ex.ª afirmou que o acto eleitoral fortaleceu o espaço político que o apoiou. No entanto, depois do acto eleitoral, ouvimos várias declarações de apoiantes da candidatura de Freitas do Amaral - e hoje mesmo isso foi aqui repetido pelo Sr. Deputado Adriano Moreira - no sentido de que a maioria presidencial se esgota com o acto eleitoral.

Parece, contudo, não ser este o entendimento de V. Ex.ª. Ou será que o Sr. Deputado acha que é apenas a minoria derrotada que fica fortalecida?

Vozes do MDP/CDE, do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado Raul Castro, relativamente ao segundo pedido de esclarecimento que me fez, devo dizer-lhe que, de facto, tem toda a pertinência a minha afirmação de que os resultados eleitorais reforçam o espaço político do conjunto que apoiou a candidatura do Prof. Freitas do Amaral.
Habituei-me, na aritmética, a aperceber-me de que quando o número de votos entrados nas umas em relação a determinados partidos cresce, o seu espaço político se reforça. Isto se, de facto, estamos perante um conjunto homogéneo ...
Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ..., situação que não se verificou no lado contrário. Creio poder escusar-me de explicar isto a V. Ex.ª, mas, de facto, da nossa parte não houve necessidade de recurso a laxantes ou a sais de fruto. Houve, sim, uma vontade própria de votar no Prof. Diogo Freitas do Amaral.

Aplausos do PSD.

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1094 I SÉRIE - NÚMERO 33

Quanto ao seu primeiro pedido de esclarecimento, com todo o respeito, Sr. Deputado, permita-me que não lhe responda, já que não estou com 'disposição para responder a provocações.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD, ao fazer esta sua declaração política, quer começar por felicitar o próximo Presidente da República de Portugal, Dr. Mário Soares, eleito no sufrágio de domingo último e desejar-lhe sinceramente as maiores felicidades no exercício do seu mandato.
O PRD regozija-se por ter sido eleito o candidato que, nas presentes circunstâncias, era o que melhor servia os interesses do País e do regime democrático, e que por isso o partido apoiou nesta segunda volta:
O PRD quer também saudar o Prof. Freitas do Amaral e todos os portugueses e democratas, independentemente do candidato em que votaram, esperando que todos saibam respeitar a vontade livremente expressa pela maioria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O PRD entende que os resultados eleitorais desta segunda volta mostraram inequivocamente que o povo português está com o 25 de Abril e com o que ele simboliza.

Vozes do PRD: - Muito bem!

O Orador: - Com efeito, os Portugueses votaram maioritariamente no candidato que apresentava um passado de luta contra a ditadura e pela liberdade, que sempre afirmou identificar-se com os valores da revolução de 1974, e que na segunda volta se situou à esquerda de um modo claro, o que julgamos ter. sido decisivo para a sua vitória.
Também o outro candidato, no decorrer da campanha, para a segunda volta, se viria significativamente a declarar como defensor do 25 de Abril e dos trabalhadores, e nunca como representante de forças direitistas ou conservadoras, que, embora também o apoiassem, desta forma reconheceram a sua reduzida expressão eleitoral e nacional.
Da análise que fazemos dos resultados eleitorais do passado domingo ressalta de modo muito claro que a quase totalidade dos votantes, na primeira volta, das candidaturas de Salgado Zenha e de Lourdes Pintasilgo, e dos partidos que as apoiaram, votaram agora na candidatura de Mário Soares - não mudando de campo, não se abstendo, nem votando em branco, como alguns desejavam e outros receavam - e que nele votaram ainda muitos que na primeira volta se terão abstido, indecisos face à existência de vários candidatos que se reclamavam de esquerda.
É certo que os votos de Mário Soares não perfizeram o total da soma dos obtidos na primeira volta por ele próprio e por aqueles outros dois candidatos, mais os daqueles abstencionistas, mas não se pode esquecer - é essa, pelo menos, a nossa firme convicção - que na primeira volta Mário Soares recolheu, por razões
conhecidas e que não vêm agora para o caso explanar, muitos votos que, na segunda volta, foram para Freitas do Amaral.
Esta maciça convergência de votos, embora por razões diversas, das várias forças que permitiram a eleição de Mário Soares não pode deixar de ter importante significado e repercussões políticas, o que não significa, de modo nenhum, aceitar-se a existência daquilo que tradicionalmente se chama de maioria presidencial.
As eleições presidenciais, legislativas e autárquicas são muito diferentes e têm significados políticos muito diversos, não sendo legítimo, como, desde que se formou, o PRD tem acentuado, retirar ilações dos resultados de umas relativamente aos resultados de outras.
E é apenas aqui, no Parlamento, que as maiorias existem ou não, se formam ou não.
A esta luz, e dado não haver coincidência entre as forças que apoiam o actual Governo e as que elegeram o próximo Presidente da República, mais se reforça a importância desta Assembleia e o papel do PRD dentro dela, dado o seu específico posicionamento e peso político no quadro parlamentar.
Convém acentuar que pensamos que aquela falta de coincidência - que não deve significar falta de colaboração, e muito menos guerrilha institucional - não impede necessariamente os governos de governar e pode até contribuir para um certo equilíbrio e para a necessária procura de consensos.
Recorde-se que o general Ramalho Eanes foi eleito exactamente com o apoio de forças da mesma área social e política que o Dr. Mário Soares - só que logo ' à primeira volta e com bastante maior percentagem de votos - e isso não obstou a que diversos governos funcionassem com uma base social e política diferente da que o elegeu Presidente da República. E mesmo o actual Governo tem desenvolvido a sua acção, como já reconheceu, sem quaisquer problemas com o ainda Chefe de Estado:
E por falar no actual Governo, o PRD quer salientar que considera a acção até agora por ele desenvolvida como globalmente positiva ...

Aplausos do PSD.

..., sem esquecer, porém, as condições e circunstâncias muito favoráveis em que assumiu o Poder, inclusive, ao nível da conjuntura económica e internacional.
A posição do PRD face a este Governo em nada se alterou com os resultados das presidenciais, como não se alteraria se os resultados tivessem sido outros, o PRD tem-se pautado e continuar-se-á a pautar por uma intervenção na defesa do exercício rigoroso da acção fiscalizadora do Executivo que compete ao Parlamento e que, de acordo com os seus princípios, deve até ser reforçada, esta acção fiscalizadora, em nosso entender, é uma forma crítica de colaborar e não se obstaculizar a acção governativa em tudo o que ela possa ter de positivo. Lamentamos que o Governo pareça por vezes não compreender esta realidade e, para obter dividendos políticos, tenha já pretendido responsabilizar o Parlamento por culpas que, de facto, não lhe cabem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD garante que nesta Assembleia continuará a seguir a mesma linha que desde o início se traçou e que foi definida na sua primeira declaração política neste hemiciclo.
Finalmente, o PRD espera que o Presidente da República eleito respeite, no exercício do seu mandato, os - compromissos que nas últimas semanas assumiu perante

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os Portugueses, condição essencial para se manter o clima de paz, liberdade e tolerância em que o País viveu durando os dois mandatos do general Ramalho Eanes.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Rêgo.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Deputado Hermínio Martinho, se percebi bem, V. Ex.ª disse que a maioria presidencial se esgota com a eleição - o que é exacto -, acrescentando, todavia, a expressão «desde que se formou o PRD». Por isso, pergunto: e antes? A Constituição era diferente? Era o caos? E quem é que provocava esse caos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho, para responder.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Deputado Raúl Rêgo, penso que mais nenhum Sr. Deputado entendeu isto dessa forma. Na realidade, eu não fiz essa afirmação, pelo que julgo tratar-se de um lapso de V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

Vozes do PSD e do CDS: - Ah!...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Os Srs. Deputados freitistas parecem estar um pouco incomodados!...

Risos do PSD e do CDS.

Provavelmente, esperavam já não nos encontrarem aqui hoje!...

Risos do PSD e do CDS.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi anunciado, o Comité Central do PCP vai reunir no próximo dia 20.

Vozes do PSD e do CDS: - Ah!...

O Orador: - Compreende-se, por isso, que reservemos para depois dessa reunião uma análise aprofundada da situação política decorrente das eleições presidenciais e das suas implicações nas posições e actuações futuras do meu partido.
Não podemos, no entanto, deixar de manifestar desde já perante a Assembleia da República o nosso regozijo pelo resultado essencial do acto eleitoral do dia 16 de Fevereiro.
Esse resultado representa, como foi salientado ontem pela Comissão Política do PCP, uma grande derrota das forças reaccionárias...

Risos dos PSD e do CDS.

... nomeadamente do revanchismo fascista e fascizante...

Protestos do PSD e do CDS.

... e significa a inutilização do plano de liquidação do regime democrático no qual a eleição de Freitas do Amaral constituía um elemento importante.
Com a derrota de Freitas do Amaral e a eleição de Mário Soares fica afastada essa grave ameaça que pairou sobre a democracia portuguesa.
A enorme arrogância, agressividade e carácter provocatório que a campanha de Freitas do Amaral assumiu nos últimos dias constituiu um bom sinal de alerta e de perigo para os mais desprevenidos e provavelmente não ajudou os objectivos eleitorais do candidato. Pouca lógica eleitoral tinha, por exemplo, a operação concertada de gritos e cantares marcada para a mesma hora de sexta-feira em todo o País pelos serviços de candidatura (não era, com certeza, um ensaio para ir às umas), mas o enriquecimento de tais manifestações com batidas de panelas, como aconteceu em algumas zonas, talvez por espontaneidade de apoiantes, não podia deixar de trazer à memória outros ensaios que preparam trágicos desastres para a democracia.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O ódio ao 25 de Abril, à esquerda e ao regime democrático e a intolerância expressa contra todos que não fossem freitistas explodiram por muitos lados na campanha freitista, quase sem disfarce. É claro que não incluímos aqui todos aqueles que votaram em Freitas do Amaral. Não metemos todos no mesmo saco.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Vá lá!...

O Orador: - Mas refira-se, entre abundantíssimo material, onde nem falta a falsificação de documentos, um matutino lisboeta que sempre se apresentou como guardião da candidatura e que lançava nessa mesma sexta-feira, num artigo recheado dos mais baixos ataques e provocações, esta interrogação espantosa:
Como é possível que, a quase 12 anos de distância do famigerado 25 de Abril, a chamada esquerda, latina e autenticamente sinistra, tenha a coragem e o despudor de se apresentar no terreiro eleitoral a disputar o lugar de Presidente da República? ...
Isto dispensa comentários, Srs. Deputados!...

Vozes do PCP: - Expliquem!

O Sr. António Capucho (PSD): - Devia ser O Diário, com certeza!...

O Orador: - É um jornal que vos apoia!
São conhecidos os planos que se desenvolveram para comemorar a vitória de Freitas do Amaral que, pelo menos, os freitistas mais assanhados tinham por absolutamente certa. Aliás, havia os que não se coibiam de discutir em lugares públicos ataques a sedes de partidos democráticos e até retaliações contra cidadãos.

Protestos do PSD.

Os que me ouvem aqui, na Assembleia da República, sabem que isto não são figuras de retórica.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Para certas hostes freitistas, além do sonho de ver sair do País os comunistas e os socialistas «abraçados», ou de mandar tudo para a «Sibéria», parece também que havia o plano de selar a porta de alguns democra-

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tas, não com a estrela de David, mas com um enorme selo de «proibida a passagem», que os senhores conhecem bem. Apesar da derrota de Freitas ainda apareceram à porta de alguns comunistas.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Está delirante.

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro lá sabe porque insistiu tanto nos apelos e nas quase ameaças à manutenção da calma e da ordem. Só que o seu apelo estava dirigido ao contrário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Na verdade, em pleno contraste com este clima de perseguição e confrontação que ressaltava da campanha de Freitas do Amaral, as grandes e espontâneas manifestações de alegria pela sua derrota e pela eleição de Mário Soares, que se realizaram na própria noite das eleições, reunindo democratas dos mais variados partidos e tendências, decorreram com impecável civismo, espírito de tolerância e sem qualquer incidente.

Aplausos do PCP, do PS, do PRD, do MDP/CDE, e do deputado independente Lopes Cardoso.

Elas evidenciaram a consciência que o povo português tinha do perigo fascista e a consciência de que, derrotando Freitas do Amaral, assegurou a defesa das liberdades e da democracia e que está firmemente disposto a continuar a luta.
Estas manifestações dão a expressão da grande vitória da democracia que se traduz no facto da. reacção e da dinâmica fascizante não terem passado e que abre novas perspectivas à consolidação do regime democrático consagrado na Constituição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A derrota de Freitas do Amaral não é só a derrota do CDS e do PSD, é também a derrota de Cavaco Silva e do, seu Governo.

Vozes do PSD: - Eh!...

O Orador: - Pode dizer-se que, em quaisquer, circunstâncias, a derrota do candidato apoiado pelo PSD atingiria o Governo e o seu Primeiro-Ministro. Mas Cavaco Silva empenhou-se tão intensamente na campanha presidencial, jogou tão forte com aquilo que estava convencido que era o prestígio do Governo, ligou tão profundamente a sorte do Executivo à, vitória de Freitas do Amaral, que a derrota deste redunda numa derrota clamorosa e indisfarçável de Cavaco Silva.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isto não se apaga chamando à televisão uns quantos mercenários do comentário político para assegurarem que o Governo nada sofreu com a derrota do candidato que apoiou ou organizando com jornais afectos campanhas de imprensa no mesmo sentido.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Primeiro-Ministro, que, como é público, enfrenta crescentes dificuldades internas no seu próprio partido... .

Risos do PSD.

É o que vem nos jornais. Srs. Deputados!...

Vozes do PSD: - Ah!

O Orador: - Se calhar, alguns dos Srs. Deputados que gritam também estão envolvidos nessas dificuldades internas ...

Aplausos do PCP, do PS, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso.

Dizia eu que o Primeiro-Ministro também não pode safar-se do «entalanço» em que se meteu com a frase la palaciana de que «lutas eleitorais são lutas eleitorais e governar Portugal é governar Portugal». Frase, aliás, onde não se percebe se a intenção é desvalorizar a eleição do novo Presidente da República ou insinuar uma autocrítica e uma desculpa pelo envolvimento na campanha eleitoral do candidato derrotado. Seja como for, é impensável que o Primeiro-Ministro, passado o nervosismo que exibiu perante as câmaras de televisão na noite do acto eleitoral, não seja capaz de retirar outras consequências da sua derrota.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este é um ponto fundamental que se coloca à atenção e à vigilância das forças democráticas no quadro geral do aprofundamento da derrota da reacção como linha segura para a defesa e consolidação do regime democrático.
Uma das lições fundamentais que se podem retirar de todo o processo eleitoral é a de que as transigências para com a direita só à direita aproveitam.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As alianças com a reacção não tiveram apenas os resultados funestos que se conhecem, emprestaram-lhe credibilidade para afivelar a máscara da democracia por cima de projectos que visam no essencial a sua destruição.
As políticas de direita realizadas com ela ou em vez dela .permitiram-lhe atingir alguns objectivos estratégicos fundamentais na restauração monopolista, enquanto se degradavam as condições de vida do nosso povo com o desemprego, os salários em atraso, a quebra do poder de compra e a generalização das situações de fome e de miséria. Mas a direita soube desresponsabilizar-se a tempo desta política, que é a sua, para aparecer hipocritamente no plano político e eleitoral a capitalizar o descontentamento.
A experiência demonstra uma vez mais que não há consolidação da democracia sem uma seria e responsável política de justiça social.
Os que no campo democrático julgam aplacar a direita cedendo à sua política e aos seus objectivos e, ainda mais, aliando-se a ela contra o movimento operário e sectores democráticos tem neste processo eleitoral uma experiência cheia de ensinamentos sobre as

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ameaças que proporcionam e os perigos que acrescentam para o conjunto das forças democráticas e para a própria democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP está consciente da contribuição determinante dada pelo seu trabalho, pela devoção dos seus militantes e pelo voto dos seus eleitores para a derrota de Freitas do Amaral e da reacção.
Uma vez mais o PCP evidenciou o seu elevado sentido de responsabilidade ao serviço do povo, do País e do regime democrático.
Como noutras ocasiões cruciais, mais uma vez ficou demonstrado que o PCP é uma força indispensável para fazer frente com êxito à reacção e para qualquer solução democrática dos problemas nacionais.
Neste momento importa salientar também, como fez ontem a Comissão Política do PCP, que todo o processo das presidenciais constituiu uma nova lição de que a divisão das forças democráticas é um dos principais factores do avanço da direita e de que a convergência dos esforços e da luta dos democratas é a melhor garantia da vitória da democracia.
A derrota da reacção verificada em 16 de Fevereiro só foi possível pela convergência dos votos democráticos. Criou-se uma situação nova e favorável à aproximação, ao entendimento e à unidade dos democratas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte, tudo faremos para que esta situação se consolide e desenvolva, certos como estamos de que é essa a base segura para encontrar as soluções para os problemas dos Portugueses e de Portugal.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Correia Afonso, Narana Coissoró e Costa Andrade. Tem, portanto, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª celebrou, nesta Câmara, o importante acto político de domingo passado, fazendo a tradução retórica do que terá sido a tomada de sais de frutos anunciada por uma das suas camaradas de partido.
Sr. Deputado Carlos Brito, neste momento só lhe quero colocar uma questão: V. Ex.ª acha que o País vai aceitar que, para o PCP, o acto eleitoral de domingo passado se tenha traduzido num único resultado: a derrota do candidato Freitas do Amaral? Foi, para vós, eleito algum Presidente da República? Sr. Deputado Carlos Brito, aceita o PCP a eleição do Sr. Mário Soares para Presidente da República?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Que pergunta!

O Orador: - Como vão ser as vossas relações com o Presidente da República?
Da sua intervenção só ficamos a saber uma coisa: no domingo passado foi derrotado um candidato e não há vencedor, pois o vencedor foi, inclusivamente, criticado.
O que é que isso significa, em termos das vossas relações, como partido com presença no Parlamento, com o futuro Presidente da República? Era esta a questão que lhe queria deixar colocada.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, pretende responder desde já ou no
final?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, nós entendemos, desde o princípio, as dificuldades e a desorientação que exibiu naquela tribuna. Compreendemos que seja difícil explicar como, numa única eleição, se apoiaram três candidatos - começaram por apoiar o Veloso, depois o Dr. Zenha e finalmente o Dr. Mário Soares.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Eleito!

O Orador: - Mas quanto àquele movimento que o Sr. Deputado Carlos Brito sentiu na nossa bancada e que lhe permitiu ter uma explosão de mau humor (talvez até de mau gosto), dizendo que «talvez não esperassem que estivéssemos aqui», queria dar-lhe uma explicação: esse movimento foi de divertimento e de curiosidade acerca do que o Sr. Deputado iria dizer e, portanto, não vou responder-lhe no mesmo tom.
O Sr. Deputado, há pouco, acusou de fascistas e fascizantes aqueles que tinham apoiado a candidatura do Prof. Freitas do Amaral e aqueles que nele tinham votado.
Assim, a primeira pergunta que lhe ponho, Sr. Deputado, é esta: como é que o Sr. Deputado tem o atrevimento de acusar quase 50% do povo português de ser fascista ou fascizante?

Aplausos do PSD e do CDS.

A segunda pergunta que lhe queria colocar era a seguinte: na boca do Sr. Deputado, a democracia é uma constante, mas é uma democracia que permite incluir um homem como Estaline, para não dizer outros. Como é que o PCP e o Sr. Deputado Carlos Brito puderam, com esse conceito de democracia, apoiar um verdadeiro democrata como o Dr. Mário Soares? Como é que isso aconteceu e qual é a explicação?

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Votaram de olhos fechados!

O Orador: - Finalmente, e para terminar, queria lembrar ao Sr. Deputado Carlos Brito e também à Câmara que a campanha do Prof. Feitas do Amaral foi, efectivamente, um movimento de união e de aproximação dos Portugueses.
Em democracia, perder é natural, como ganhar é também de esperar. Não estamos aqui com uma divisão entre vencidos e vencedores. Agora, pergunto ao

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Sr. Deputado Carlos Brito como é que pôde ver em quase 50% de portugueses uma horda de fascistas e não um movimento de união de Portugueses.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, enquanto V. Ex.ª estava a falar, estavam a passar pela minha memória visual os tempos de antena de V. Ex.ª durante a primeira volta das eleições presidenciais e estava a ver o Dr. Álvaro Cunhal a referir-se aos ataques ao 25 de Abril por parte do Dr. Mário Soares, aos ataques do Dr. Mário Soares, à Reforma Agrária, ao seu apoio aos latifundiários, aos reaccionários, a todos!

Risos.

Estava a ver todas aqueles fotografias que encheram v os meus olhos e todas as explicações dadas pelo; Dr. Álvaro Cunhal, para não falar do Veloso,, o Veloso de Os Lusíadas, que vinha correndo para dizer o que, é que vinha atrás dele - é um episódio Veloso que toda a juventude conhece!...
Mas é o próprio Dr. Álvaro Cunhal, o tão estimado secretário-geral, que diz - não é preciso o Dr. Mário Soares ou os outros dizerem por ele - como acabou. com o 25 de Abril. Ele próprio diz como, é que destruiu a esquerda, como é que destruiu as conquistas de Abril.
E quando hoje V. Ex.ª disse, aí da tribuna, que se regozijava com a vitória do Dr. Mário Soares, passou-me, de repente, isto pela memória: eis o Carlos Brito, a quem não foi dado tempo de antena, a dizer que tudo aquilo era falso, que o Mário Soares não. foi nada disso, que não disse nada disso; a dizer que o Mário Soares é o verdadeiro homem do 25 de Abril, o homem que está contra os latifundiários, contra os reaccionários, contra os trabalhadores, contra o Dr. Carlos Brito - enfim, contra tudo! E V. Ex.ª acaba assim o seu panegírico ao Dr. Mário Soares.
Deixemos o Prof. Freitas do Amaral ao meio, que é o tal laxante que V. Ex.ª acabará por descarregar um destes dias.

Risos do CDS, do PSD, do PS ë do PRD.

E diz ainda V. Ex.ª: «Teremos de tirar a lição.» Pergunto a V. Ex.ª qual é a lição que tira da destruição da candidatura da Maria de Lurdes Pintasilgo.- Diga a esta Assembleia qual é a lição que V. Ex.ª tira da destruição do Zenha, qual é a lição que V. Ex.ª tira da destruição do Mário Soares na primeira volta, qual é a lição da destruição da democracia, da destruição do sentido cívico que VV. Ex.ªs demonstraram nas primeira e segunda voltas, quando fazem tempos de antena e uma propaganda dirigida à destruição dos candidatos democratas. Isto para que esta Câmara saiba, de uma vez para sempre, que espécie de destruição estão VV. Ex.ªs a provocar desde já com esta vossa colagem à vitória do Dr. Mário Soares!

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fazia um primeiro comentário ao conteúdo e ao estilo das palavras dos três Srs. Deputados que nos interpelaram. É que os Srs. Deputados, além de nervosos, inquietos e abatidos, também estão surdos e, portanto, não me ouviram.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito pensou, provavelmente, estas perguntas em casa - portanto, fora daqui -, não ouviu a intervenção e, por conseguinte, não ouviu as referências que nela são feitas à eleição do Dr. Mário Soares. O Sr. Deputado vinha com a ideia de outra coisa e fez as suas perguntas não baseadas naquilo que eu disse, mas na outra coisa que tinha preparado.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, tal acontece mesmo aos melhores parlamentares e hoje foi um dia infeliz para si. E infeliz por tudo, pois as suas questões são ridículas, Sr. Deputado.
Então nós temos alguma dificuldade no relacionamento com o novo Presidente da República, com o Presidente da República eleito, com o Dr. Mário Soares? É evidente que não temos. Nós até recomendámos o voto nesse candidato, contribuímos para a sua eleição - qual é a nossa dificuldade? Teremos com o novo Presidente da República o mesmo relacionamento institucional que tínhamos para com o Presidente da República ainda em exercício.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Negociado!

O Orador: - Bem, há vários outros aspectos da nossa conduta futura, dos quais, dentro de dias, eu ou outro camarada meu, teremos, certamente, o gosto de informar a Câmara. Mas isto lhe posso desde já assegurar claramente.
Vem então o Sr. Deputado Nogueira de Brito dizer: «Eu gosto muito de o ouvir». Porém, por vezes, nada perde em ficar calado e era o que hoje o Sr. Deputado devia ter feito.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Vou gostar mais de o, ouvir para a semana!

Risos do CDS e do PSD.

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Correia Afonso, o Sr. Deputado é muito engraçado. É a figura do humor, do bom gosto, da delicadeza e também da intuição - é muito inteligente - e a sua curta intervenção traduz todas estas qualidades, todos estes méritos.
Sr. Deputado Correia Afonso, queria começar por lhe dizer uma coisa: o Sr. Deputado diz que apoiámos três candidatos, mas repare que nunca apoiámos Freitas do Amaral e contribuímos mesmo para a sua derrota. Isto devia dizer-lhe alguma coisa, Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Uma voz do CDS: - Não houve tempo!

O Orador: - Portanto, repare que é uma grande coerência.

Risos do PSD e do CDS.

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Em relação às acusações justas e correctas que fizemos acerca de uma dinâmica fascizante e de um perigo fascista, o Sr. Deputado não ouviu o que eu disse. Até fiz, claramente, a afirmação de que não metemos no mesmo saco todas as pessoas que votaram em Freitas do Amaral. E se o Sr. Deputado fosse capaz de ter um pouco de atenção - quando esta bancada fala, o Sr. Deputado não é capaz disso, o Sr. Deputado condena-nos sem nos ouvir e, portanto, é um péssimo juiz, apesar de ser um jurista -, reparava que isso foi declarado expressamente e até sublinhado por alguns deputados da sua bancada.
Porém, o Sr. Deputado não ouviu isso, mas não ouviu isso também por outra razão: é que o Sr. Deputado não quer assumir a responsabilidade de haver entre as fileiras dos freitistas exactamente estas forças fascitas e fascizantes. O Sr. Deputado não quer assumir essa responsabilidade e, portanto, o Sr. Deputado esconde ...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Quero, quero assumir!

O Orador: - Eu não quero dizer que o Sr. Deputado é cúmplice, mas o Sr. Deputado esconde-as. Ora, Sr. Deputado, houve imensas manifestações disso e eu citei algumas. Assim, fazendo essas afirmações, o Sr. Deputado quer negá-las.
Porém, eu próprio, porque não vivo metido em casa, tive de passar no Areeiro, na sexta-feira, pelas 19 horas e 30 minutos, e fui interceptado por um grupo de freitistas que me diziam: «Você é daqueles que grita: Viva Moscovo!» Eu abri a porta e disse: «Isso é que é a vossa democracia? Vou relatar isso na Assembleia da República.» É o que estou agora a fazer.
Sr. Deputado, tenho aqui o tal selo, que apareceu colado, já no domingo à noite, na porta de um camarada meu; e esse não foi o único, outros foram também colados. É esta a vossa tolerância?!
A vossa pedagogia é dizer que tudo é falso, que não havia elementos fascitas e fascizantes nas fileiras dos freitistas. Mas havia; havia e há! E esse é o perigo que representam essas movimentações da direita.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Permita-me que o interrompa, Sr. Deputado.

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, por que é que diz que foi algum companheiro meu que fez essa colagem e não pensa antes que tenha sido um seu camarada a fazê-lo, vocês que tanto lutaram pelas vossas candidaturas?

Aplausos do PSD e do CDS.

O Orador: - Sr. Deputado, há pouco dizia-lhe que não o queria acusar de cúmplice mas agora acuso-o de encobridor. É um encobridor destas práticas fascistas e fascizantes!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

E após isto, Sr. Deputado, é difícil prosseguir o diálogo com V. Ex.ª, uma vez que V. Ex.ª é uma pessoa que procede da maneira a que acabamos de assistir!
Quanto ao Sr. Deputado Narana Coissoró, queria dizer-lhe o seguinte: já constava que V. Ex.ª tinha visões,...

Risos do PCP e do MDP/CDE.

... o que foi confirmado, pois quando eu estava a falar V. Ex.ª disse que via... E se calhar também ouve vozes!

Risos do PCP e do MDP/CDE.

Creio que isto explica praticamente a totalidade da sua intervenção e talvez por isso nem os seus companheiros de bancada lhe bateram palmas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para exercer o direito de defesa, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, acabou neste momento de me acusar de encobridor de um crime que não referiu...

Uma Voz do PCP: - Ninguém o acusou de ser o autor!

O Orador: - ... mas devolvo-lhe a acusação, porque prefiro que V. Ex.ª o faça relativamente a um crime que ninguém sabe do que acusar-me daquilo que neste momento estou a pensar e que é a posição do Partido Comunista nas últimas eleições, ou seja, de hipocrisia política.

Uma Voz do PSD: - Muito bem!

Uma Voz do PCP: - Escusa de estar com piadas!

O Orador: - Hipocrisia política, se não sabe, Sr. Deputado, significa - e sei que V. Ex.ª é uma pessoa muito inteligente que também tem muito bom humor e muito espírito, embora hoje não trouxesse nenhuma dessas qualidades - não defender aquilo que entendemos mas defender o contrário e foi precisamente isso que VV. Ex.ªs fizeram nestas últimas eleições. É difícil explicar...
De qualquer forma, devo dizer que, depois das perguntas que lhe dirigi, não esperava, não merecia e não queria receber uma acusação sem recurso como essa de ser encobridor.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou dividir a minha resposta em duas partes. A primeira parte refere-se à sua dificuldade em entender a nossa posição - e posso compreender porquê, mas depois na segunda parte explicar-lhe-ei por que é que compreendo.
O Sr. Deputado não diga que não consegue explicar a nossa posição, porque o que o Sr. Deputado não consegue é entendê-la e, portanto, o melhor é confessá-lo! Mas nós explicamos-lhe,...

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Bom, passo agora à segunda parte da minha resposta, que é onde se foca a questão principal, que é a seguinte: a nossa posição nas presidenciais e, de um modo geral, na nossa vida política é ditada pela preocupação fundamental de defender aquilo que mais interessa e mais importa, aquilo que mais contribui para a solução dos problemas do nosso país, com uma condição essencial: a defesa das liberdades e da democracia!
Portanto, ao longo de todo o processo eleitoral para as presidenciais, foi isso que ditou, em cada momento, as atitudes e posições do meu partido e foi por isso, Sr. Deputado, que há pouco o acusei de encobridor.
No movimento quê se desenvolveu em torno da candidatura de Freitas do Amaral houve uma componente claramente fascista e fascizante. Isto existiu claramente e os Srs. Deputados, negando até este facto, encobrem que isso existe e que é um perigo dentro da nossa sociedade.

Uma Voz do PSD: - Não é!

O Orador: - Aliás, isso é um perigo tanto maior quanto essa componente se pode envolver com forças democráticas que, embora com um conceito de democracia diferente daquela que aceitamos, nós podemos aceitar porque, no fundo, são forças que não rejeitam a democracia.
Portanto, esta componente é extremamente perigosa e, de facto, nesta campanha eleitoral assistimos a tentativas, com objectivos eleitorais e eleitoralistas, no sentido de conter certa agressividade, mas a verdade é que essa agressividade acabou por explodir...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Na Marinha Grande!

O Orador: - ... sob formas várias, como aquelas que eu aqui citei e podíamos citar outras.
Sr. Deputado, se o resultado não tivesse sido a derrota de Freitas do Amaral e a eleição de Mário Soares talvez a madrugada de 16 para 17 de Fevereiro nos ocupasse hoje ainda muito mais do que nos está a ocupar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito .bem!

O Orador: - Os senhores sabem disto e o que é mau é que apesar de o saberem - os vossos governadores civis têm dados sobre isto -, não o condenam; isso é que é péssimo e isso leva-nos a desconfiar da vossa sinceridade democrática!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Carlos Brito, eu não queria que terminasse a ideia de explosão sem lhe perguntar em que ponto da cadeia de explosão situa os acontecimentos da Marinha Grande.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Orador: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª refere isso na tentativa de encobrir o que realmente é a dinâmica fascista e fascizante nesta campanha eleitoral.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Deputado Nogueira de Brito sabe perfeitamente que os acontecimentos da Marinha Grande são acontecimentos completamente diferentes...

Risos do PSD e do CDS.

... e avolumados pelos vossos órgãos de informação, pelo mesmo jornal que dizia que não era admissível que á esquerda tivesse um candidato nas eleições presidenciais; o jornal quê dizia isto é o tal que avolumou e empolou os acontecimentos da Marinha Grande!
Mas o que importa reter, Srs. Deputados, é que VV. Ex.ªs não são, capazes de, perante a Assembleia da República, confessarem que sabiam que essa dinâmica existia.

Vozes do PSD: - É falso!

O Orador: - ... condenarem-na e tomarem medidas. Isso é que é grave e isso é que compromete a vossa sinceridade democrática.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Grave é o caso do Afeganistão, da Etiópia e por aí fora!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Vá perguntar ao Governador Civil de Portalegre o que é que se preparava, se é que já não sabe!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito do que acabei de ouvir, vou ler uma notícia que deve ter passado despercebida aos deputados que estão situados à minha direita.
No Diário de Lisboa, às sexta-feira, dia 14, na última página, relatava-se a seguinte notícia:
Campanha da Madeira provocou um morto.
Um sexagenário morreu na última terça-feira, a 40 km do Funchal, após ter sido agredido por apoiantes de Freitas do Amaral, por a vítima lhes ter atirado «umas bocas» quando os viu a colocar cartazes com o slogan «Prá frente Portugal».
O incidente, só agora tornado público, ocorreu na terça-feira de Carnaval, pelas 23 horas, no sítio do Serrado da Cruz, freguesia das Ganhas, concelho de Ponta do Sol, a oeste do Funchal, e a vítima, Fernando Vargem, agricultor, era casado e residia naquela localidade.
Segundo consta, a morte terá sido provocada por queda devido a empurrões.
A vitalidade democrática do povo português ficou claramente demonstrada quando anteontem derrotou o projecto obscurantista e de direita consubstanciado por Freitas do Amaral.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - A eleição de Mário Soares constitui para o MDP/CDE uma importante e significativa afirmação democrática dos Portugueses perante os graves riscos que, representava a candidatura de Freitas do

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Amaral para o regime nascido com o 25 de Abril. Por isso, saudamos desta tribuna o novo Presidente da República, o Sr. Dr. Mário Soares.
O povo português compreendeu que o regime democrático estava em perigo. Numa manifestação inequívoca de grande patriotismo soube construir uma ampla e exemplar unidade democrática para, assim, impedir, decisivamente, com o seu voto, a instauração de um clima de instabilidade, de insegurança e de medo - como durante a campanha eleitoral de Freitas do Amaral e até no próprio dia das eleições se verificou - clima que seria inevitavelmente provocado por aqueles que sempre se manifestaram contra as potencialidades da nossa democracia implantada no 25 de Abril.
O povo português não quer o regresso ao passado. A demonstrá-lo está a adequada resposta dada, como agora o deu, nos momentos mais difíceis ocorridos no País. E eu recordo aos Srs. Deputados 1980 e outra candidatura idêntica, a do General Soares Carneiro.
Contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, temos de saber ser serenos na análise da nova situação política. De acordo com as posições que sempre o MDP/CDE assumiu, apesar da grande satisfação pela vitória democrática alcançada nas presidenciais, não se deve enveredar por triunfalismos fáceis ou por bipolarizações desnecessárias.
A bipolarização, Srs. Deputados - como ficou patente na candidatura Freitas do Amaral - só à direita interessa. A esquerda, essa, Srs. Deputados, tem dado sobejas provas - não é novidade para ninguém - de ser tolerante e assim vai continuar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos, no MDP/CDE, que o campo da democracia não se esgota nos votantes de Mário Soares.
Os que se abstiveram perante uma opção difícil, os democratas que inadvertidamente votaram Freitas do Amaral, os jovens cuja generosidade natural foi usada contra os seus próprios interesses, todos têm de ser ganhos para a exaltante tarefa de consolidar e aprofundar a democracia de Abril.
Por isso, Sr. Deputados, há que não frustrar a confiança do povo português. Que o novo Presidente da República e as organizações correntes e personalidades que convergiram no voto Mário Soares saibam assumir as suas responsabilidades e saibam cumprir a esperança de voto, expressa no domingo, para conjurar o aparecimento no futuro de perigos como os que agora nos espreitaram.
Perigos, Srs. Deputados, que são o resultado da política contra os interesses populares e nacionais, praticada pelos últimos governos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O actual Governo, de forma premeditada e incorrecta, tem prosseguido numa actuação de confronto institucional com a Assembleia da República.
O artificialismo eleitoralista dos conflitos criados pelo governo Cavaco Silva visavam a preparação de um ambiente propício - no caso de vitoria de Freitas do Amaral - à dissolução da Assembleia da República e à convocação de novas eleições, que eventualmente possibilitassem uma maioria às forças que apoiaram Freitas do Amaral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É tempo do Governo acabar com actuações deste tipo. Se persistir nessa acção é porque o Governo pretende, ainda, atingir aquele seu objectivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O resultado eleitoral de domingo não eliminou totalmente os riscos que a democracia corre, se não forem emendados erros que todos compartilhamos.
Abrem-se agora novas perspectivas para a democracia portuguesa. Há que aprofundar tais perspectivas e concretizar as soluções que elas contêm.
O MDP/CDE, ao manifestar o seu regozijo pela grande afirmação democrática que constituiu a jornada de domingo, reafirma a sua disponibilidade para o diálogo com todas as organizações, correntes e personalidades empenhadas no grande objectivo patriótico - e só esse - de consolidar e aprofundar a democracia, salvaguardar a independência nacional e resolver os graves problemas dos Portugueses.

Aplausos do MDP/CDE, do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr.ª Deputada Cecília Catarino.

A Sr.ª Cecília Catarino (PSD): - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, lamento não ter estado com atenção no início da sua intervenção, não tendo conseguido reter a parte inicial em que V. Ex.ª se referia a uma notícia veiculada por um jornal da capital - não tenho a certeza porque não percebi bem - referente a um incidente ocorrido na Madeira.
Antes de lhe fazer a minha pergunta gostaria, se não se importa, que me repetisse a notícia que leu.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, a notícia veio na sexta-feira, dia 14, na última página do Diário de Lisboa, a abrir, em cima, e o título diz o seguinte:
Campanha na Madeira provocou um morto.
Um sexagenário morreu na última terça-feira, a 40 km do Funchal, após ter sido agredido por apoiantes de Freitas do Amaral, por a vítima lhes ter atirado «umas bocas» quando os viu a colocar cartazes com o slogan «Prá frente Portugal».
O incidente, só agora tornado público, ocorreu na terça-feira de Carnaval, pelas 23 horas, no sítio do Serrado da Cruz, freguesia das Canhas, concelho de Ponta do Sol, a oeste do Funchal, e a vítima, Fernando Vargem, agricultor, era casado e residia naquela localidade.
Segundo consta, a morte terá sido provocada por queda devido a empurrões.

A Oradora: - Obrigada, Sr. Deputado.
Gostaria de focar nesta Câmara três pormenores em relação à campanha eleitoral na Região Autónoma da Madeira.
Em primeiro lugar, a campanha eleitoral naquela região decorreu, como é do conhecimento de VV. Ex.ªs, sem intervenção de nenhum partido dos que têm assento aqui na Assembleia que apoiavam o candidato Freitas do Amaral, designadamente o PSD

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madeirense não tomou nenhuma posição sobre a eleição presidencial, mantendo-se equidistante dos dois candidatos. Isto é do conhecimento de VV. Ex.ªs . Em segundo lugar, toda a campanha na Madeira - e fui testemunha disso - pautou-se por uma individualidade de personalidades que intervinham, quer numa quer noutra das candidaturas. Em terceiro lugar - o Sr. Deputado vai permitir-me -, duvido muito da veracidade dessa notícia, por duas ordens de razões, que passo a explicar. Primeiro: é estranho que um incidente, infelizmente de carácter mortal, como V. Ex.ª referiu, que se verificou na terça-feira de Carnaval, só venha a ser do conhecimento, público numa sexta-feira, quando as notícias são veiculadas para o continente via ANOP ou através de qualquer outro órgão de informação. A ter-se verificado esse incidente com essa gravidade e nessas circunstâncias, tenho a certeza de que o primeiro interessado em dar conhecimento dessa notícia seria o MASP na Região Autónoma da Madeira, que imediatamente teria feito saber aos órgãos de comunicação "social, não só da Madeira como do continente, essa notícia nessas circunstâncias.
Segundo: lamento profundamente que um incidente verificado na Madeira venha aqui a ser alvo de informação tendenciosa quando eu presenciei, nessa mesma terça-feira de Carnaval, em São Domingos de Benfica, aquando da passagem de uma caravana de apoio ao Prof. Freitas do Amaral, várias pessoas com matracas, ferros e paus enormes, que foram buscar a casa, a agredirem os últimos carros da caravana que estava a passar. Assisti a isto da janela de uma casa em São Domingos de Benfica, na terça-feira, entre as 16 horas e 30 minutos e as 17 horas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - Sr.ª Deputada Cecília Catarino, a Sr.ª Deputada não fez praticamente perguntas.
V. Ex.ª é deputada pela ilha da Madeira, pelo que lhe compete, talvez, trazer brevemente um esclarecimento á esta Câmara sobre a veracidade desta notícia. A verdade é que ela não foi desmentida até agora. A propósito de V. Ex.ª ter dito que não havia partidos envolvidos, não fiz qualquer acusação a nenhum .partido. O que lhe referi foi a dinâmica que existia na candidatura do Sr. Professor Freitas do Amaral um pouco por toda a parte.
Devo dizer-lhe que o meu carro está marcado por ter passado na Avenida de Roma no dia das eleições à noite. Como sabe, foram para lá duas carrinhas com 80 polícias - 40 polícias para um lado e 40 polícias para o outro -, tendo havido cenas de pancadaria, porque adeptos de Freitas do Amaral de mau perder atacaram todas as pessoas, incluindo crianças. Assisti a isto e a Sr.ª Deputada Cecília Catarino não pode duvidar da minha palavra.
É evidente que a Sr.ª Deputada está preocupada com esta notícia do incidente que ocorreu na Madeira. Talvez seja conveniente sabermos por que é que ela foi tão encapotada durante estes dias, quem a encapotou e porquê. É conveniente que isso venha ao esclarecimento público.
Como V. Ex.ª sabe, a candidatura de Freitas do Amaral aglutinou todos os sectores que foram o suporte do fascismo e obteve o apoio do PDC, que V. Ex.ª sabe perfeitamente quem é. V. Ex.ª sabe que, quando uma candidatura desta natureza aglutina apoios como aqueles que referi, essa dinâmica iria certamente muito mais longe no caso de o Sr. Prof. Freitas do Amaral ter sido eleito.
Já que falou em partidos, Sr.ª Deputada, repito que não referi partidos nenhuns da sua região. Mas seria bom que também atentássemos no facto de que, segundo parece, sectores muito representativos do seu partido, a começar pelo presidente do Congresso, não apoiavam claramente o Sr. Prof. Freitas do Amaral. Como todos sabemos, isso acontecia com sindicalistas e outras pessoas de relevo. Elas próprias, dentro do seu próprio partido, tinham fortes dúvidas sobre a dinâmica e os objectivos do projecto fascizante que poderia estar por detrás da candidatura do Sr. Prof. Freitas do Amaral.
Quanto à questão da notícia, venha o esclarecimento, nomeadamente o porquê de, se ocorreu numa terça-feira, o acidente só ter sido tornado público numa sexta-feira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia, pelo que vamos entrar no período da ordem do dia. Porém, como estamos próximos do intervalo regimental, vou interromper agora os trabalhos, que recomeçarão às 18 horas. Está suspensa a sessão. .

Eram 17 horas e 25 minutos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a 'sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 18 de Fevereiro de 1986, pelas 15 horas, foi aprovada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Rui Alberto Barradas do Amaral (círculo eleitoral do Porto) por Maria Antonieta Casais Cardoso Moniz. Esta substituição verifica-se a partir do dia 17 de Fevereiro corrente, inclusive, em virtude de o Sr. Deputado Rui Barradas do Amaral ir ocupar no Parlamento Europeu a vaga deixada em aberto pela renúncia do Sr. Deputado Francisco José Pereira Pinto Balsemão.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções consi-

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derando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, António Sousa Pereira (PRD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - Carlos Manuel Luís (PS) - Mário Manuel Cal Brandão (PS) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Vasco da Gama Fernandes (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Ribeiro Teles e Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar na apreciação conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 2/IV (PCP) - aprova medidas urgentes para combater e eliminar a calamidade dos salários em atraso -, 38/IV (PS) - consequências especiais do não pagamento de salários -, 70/IV (PRD) - sobre não pagamento de retribuições de trabalho - e da proposta de lei n.º 4/IV - salários em atraso.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, é só para chamar a atenção para o facto de que não há ninguém na bancada do CDS.

O Sr. Presidente: - Já avisámos o CDS, pelo que a responsabilidade não é nossa. No entanto, agradeço ao Sr. Deputado o cuidado manifestado.

Pausa.

Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do relatório e parecer da Comissão de Trabalho sobre os projectos de lei e a proposta de lei em discussão.
Foi lido. É a seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Trabalho sobre os projectos de lei n.ºs 2/IV, 38/IV, 70/IV e proposta de lei n.º 4/IV

1 - As iniciativas legislativas visando a resolução das situações de salários em atraso foram objecto de processo de prioridade e urgência, como resulta da decisão do Plenário tomada em 4 de Dezembro p. p., que avalizou o parecer dado nesse sentido pela Comissão Parlamentar de Trabalho.
2 - Os diplomas foram objecto de apreciação nos termos da Lei n.º 16/79, cujo prazo para o último diploma publicado terminou em 12 de Fevereiro p. p.
3 - Tratando-se de diplomas sobre a mesma matéria, e considerando a sua especial importância, a subcomissão entendeu necessário fazer a sua apreciação em conjunto, nos termos do artigo 142.º, n.º 1 do Regimento, pelo que reuniu logo que decorreu o prazo a que se refere o artigo anterior, isto é, em 12 de Fevereiro p. p., estando presentes os Srs. Deputados Victor Hugo Sequeira (PS), Rui Salvada (PSD), Carlos Martins (PRD) e Jerónimo de Sousa (PCP).
4 - A circunstância de apenas medearem 3 dias úteis entre o último dia para a apreciação dos diplomas nos termos da Lei n.º 16/79 e o agendamento no Plenário não permitiu que a subcomissão apreciasse, com a profundidade exigida, o processo nas suas várias vertentes, designadamente os contributos das organizações que se pronunciaram, cujo número ascendeu a 86, além de não ter sido possível nesses escassos 3 dias conceder as audiências a este propósito solicitadas à Comissão.
5 - Foi possível, no entanto, verificar-se unanimidade no seio da Comissão quanto à gravidade do problema em apreço e à necessidade de urgentemente ser adoptada legislação adequada à sua superação. Tal como foi por todos reconhecida a possibilidade de, no seio da Comissão, ser aprovado um texto de consenso a submeter ao Plenário.
6 - Nestes termos, a Comissão de Trabalho, em reunião efectuada em 18 de Fevereiro, aprovou o seguinte parecer:
1 - Dada a gravidade do problema dos salários em atraso e a preocupação que o mesmo merece dos vários grupos parlamentares e do Governo, a Comissão de Trabalho, sem prejuízo de reconhecer as diferenças que nos planos político e substancial separam alguns dos diplomas, dá parecer favorável à sua aprovação na generalidade;
2 - Pelas mesmas razões, mas tendo também em conta, por um lado, as declarações de vontade expressas pelos representantes de todos os partidos com assento na Comissão de Trabalho quanto à possibilidade de se elaborar um texto de consenso e, por outro lado, a necessidade de fazer uma análise ponderada das contribuições recebidas nos termos da Lei n.º 16/79, é de parecer que os diplomas apro-

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vados na generalidade devem baixar à Comissão de Trabalho, a qual, no prazo de 20 dias e já concedidas as audiências consideradas mais significativas, apresentará ao Plenário um texto alternativo.
7 - O presente relatórios parecer foram aprovados por unanimidade, salvo quanto ao ponto 1 do n.º 6 que foi aprovado com os votos favoráveis do PS, do PRD e do PCP, com os votos contrários do PSD e do CDS, que entenderam reservar a sua posição, a este respeito, para o Plenário da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, em 18 de Fevereiro de 1986. - O Relator, Rui Salvada.

O Presidente da Comissão, Amândio Anes de Azevedo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional (Fernandes Marques): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero informar VV. Ex.ªs de que o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social não está presente neste momento no Parlamento por estar em serviço do Estado Português numa reunião dos Ministros dos Assuntos Sociais e do Trabalho dos países membros da Comunidade Europeia.
A questão que aqui está hoje em discussão foi uma das que mereceu, por parte do Governo, nomeadamente no seu Programa, uma prioridade absoluta.
O Governo tinha perfeita consciência de que a situação dos salários em atraso era uma situação moral e eticamente inaceitável. Sem embargo das diligências que já vinham sendo efectuadas pelo anterior Governo no sentido de tentar ultrapassar dificuldades que se colocavam neste campo, o facto é que o actual Governo não tinha ainda dispositivos legais que lhe permitissem atacar o problema com eficácia, contribuindo para que a situação social dos trabalhadores com salários em atraso,, que naturalmente se reflectia também nas suas famílias, pudesse ser, tanto quanto possível, minorada.
Como disse, o Programa do Governo previu muito concretamente a tomada de medidas em relação a esta questão. E fê-lo dentro do tempo possível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesse, aspecto, foi aprovado e já publicado o Decreto-Lei n.º 7-A/86, de 14 de Janeiro, que permite, objectivamente, a todos os trabalhadores com salários em atraso enquadrarem-se nas previsões deste diploma que eles tenham garantidas, pelo menos, condições mínimas de subsistência para si e para as suas famílias, se voluntariamente recorrerem aos mecanismos que o diploma consagrou.
Por outro lado, o Governo tem consciência de que a generalidade das situações de salários em atraso que se verificam na generalidade das empresas resulta de situações conjunturais e, até, estruturais que têm a ver muito mais com o funcionamento das empresas, com a própria economia nacional, e não só do que com práticas fraudulentas, que por vezes se pretende generalizar, como sendo o motivo que deu. origem a estas situações. Do acompanhamento que tem sido feito, desde há bastante tempo, pelos serviços do Ministério do Trabalho e da Inspecção-Geral de Finanças do Ministério das Finanças, serão muito poucos os casos que eventualmente possam considerar-se de não pagamento de salários em atraso por razões que dolosamente possam ser imputadas aos empresários. De qualquer forma, uma afirmação concludente a este respeito só poderia ser feita, naturalmente, pelos tribunais e não pela Administração Pública, até porque, até prova em contrário, qualquer réu ou acusado seja do que for é inocente.
Seja como for, e prevenindo também a hipótese de situações fraudulentas que levem de facto à situação de não pagamento de salários, o Governo apresentou a esta Assembleia uma proposta de lei que prevê o sancionamento de comportamentos que serão ilícitos no caso de acontecerem em situações com salários em atraso. Não foi o Governo a legislar sobre o assunto pela simples razão de que para tal não tinha competência em face daquilo que está disposto na nossa Constituição relativamente às liberdades, direitos e garantias dos cidadãos.
Efectivamente, tendo em conta esta realidade social dos salários em atraso, situação conjuntural que, naturalmente, tem de ser erradicada da sociedade, portuguesa - não há outro país civilizado onde se conheça um fenómeno com esta extensão, que, aliás, felizmente, tem vindo a decrescer -, é indispensável que os comportamentos em relação aos quais se possa eventualmente provar serem fraudulentos e dolosamente praticados no sentido de subtrair aos trabalhadores o salário a que tem direito, no final de cada mês, pela sua prestação ide trabalho, devam ser natural e severamente punidos. Isto está previsto, na proposta de lei do Governo.
Relativamente a esta questão dos salários em atraso, o Governo, tendo em vista o ataque a esta questão social, criou mecanismos no sentido de ser garantida a todos os trabalhadores, que são vítimas desta situação e que a eles recorrem, a subsistência mínima assim como aos seus familiares.
Por outro lado, fez apresentar, à Assembleia da República a proposta de lei que já referi, o que decorre do seu Programa.
Mas, mais do que isto, está praticamente ultimado um projecto de decreto-lei que vai rever o regime de falências, no sentido de o tornar mais célere e de, tanto quanto possível, permitir a criação de novas empresas com os passivos eventualmente existentes nas empresas que possam vir a ser declaradas falidas.
É óbvio que a falência de empresas pode conduzir momentaneamente ao aumento temporário de alguns trabalhadores desempregados. De qualquer forma, essa questão está já a ser atacada e há soluções para ela, nomeadamente através de legislação já existente sobre a garantia salarial e também através dos mecanismos previstos no Decreto-Lei n.º 7-A/86 de 14 de Janeiro.
Para além disso, está também em curso a implementação de uma série de acções dê formação profissional que vão naturalmente contribuir para que esse eventual aumento de desempregados, o que no fundo corresponderá à realidade das empresas em que esses trabalhadores ou parte deles estão, possa ser absorvido com uma reciclagem profissional em novas actividades económicas.

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Pensamos também que a retoma da economia, que, aliás, é já patente, vai contribuir, necessariamente, para proporcionar emprego aos trabalhadores que momentaneamente possam ficar desempregados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas foram as medidas concretas já tomadas pelo Governo.
Neste momento está em causa uma questão que não foi resolvida pelo Governo, pois para tal não tinha competência, que é a que se refere ao sancionamento penal de comportamentos considerados ilícitos que sejam eventualmente praticados por responsáveis de empresas com salários em atraso.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Secretário de Estado os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, António Mota, Odete Santos, Narana Coissoró, Raul Castro e António Marques.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado, depois de ouvir a sua brevíssima exposição tenho algumas questões a colocar-lhe.
Em nossa opinião, ao exarar o Decreto-Lei n.º 7-A/86, o Governo esperava que os trabalhadores decidissem pedir a rescisão dos seus contratos. No entanto, ao que parece, os trabalhadores preferiram não perder o vínculo que tinham relativamente às empresas.
Quanto a nós, este decreto-lei é apenas uma forma de adiar o problema, e a única medida que o Governo propõe é o encerramento das empresas e o desemprego dos trabalhadores.
Aliás, não deixa de ser curioso que V. Ex.ª, agora mesmo tenha declarado que as falências das empresas vão aumentar temporariamente o número de desempregados.
Ora, perante estas afirmações, Sr. Secretário de Estado, gostaria de saber se o Governo dispõe de um levantamento correcto, através da Inspecção-Geral do Trabalho, de quantos trabalhadores sem salário existem em Portugal, de quantas empresas são atingidas, de quais os sectores de trabalho e sua localização e ainda se possui também o levantamento acerca de comportamentos dolosos e culposos de entidades patronais.
V. Ex.ª diz que vai haver falências e consequentemente aumento temporário do número de desempregados.
Pergunto: que aumento será esse e quais as soluções?
O Sr. Secretário de Estado disse que há solução porque existe garantia salarial. Isto é, as empresas vão à falência, o número de desempregados aumenta e o Sr. Secretário de Estado entende que há uma solução visto que existe a garantia salarial.
Já agora, Sr. Secretário de Estado, também gostava de saber se, desde a entrada em vigor deste decreto-lei, se agravou ou não o número de situações de trabalhadores sem salário e também se o Governo fez o levantamento dessa situação.

O Sr. Presidente: - Uma vez que o Sr. Secretário de Estado prefere responder no final de todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Secretário de Estado, queria fazer-lhe algumas perguntas relativamente à proposta de lei que o Governo apresenta à Assembleia.
Para nós, é claro que ela não vem resolver nenhum dos problemas e é, em certa medida, uma forma de atirar poeira aos trabalhadores, dizendo-lhes «aqui está a solução do problema», embora isso não seja verdade. Mas certamente que o Sr. Secretário de Estado nos vai explicar isto.
Esta proposta de lei nada diz, por exemplo, sobre o patronato que, fraudulentamente, deixa de pagar os salários. Ou seja, mesmo que venha a entrar em vigor, o patronato pode continuar a não pagar salários visto que o Governo nada diz sobre o que lhe poderá ser aplicado em caso de fraude.
O Governo diz também que agora a Inspecção-Geral do Trabalho, vai tomar atitudes, vai constituir o ilícito criminal nos termos do presente diploma e comunicá-lo ao Ministério do Trabalho para eventual procedimento criminal.
Ora, pergunto ao Sr. Secretário de Estado quais são os meios que o Governo pensa pôr à disposição da Inspecção-Geral do Trabalho, sabendo todos nós que ela não tem meios técnicos, o que já foi denunciado várias vezes aqui no Parlamento, nem meios humanos e, além disso, tem muita pouca vontade política para resolver estes problemas.
Repito, pois, a pergunta: quais são os meios que o Governo pensa pôr à disposição do Ministério do Trabalho num período de 3 meses, tendo em conta que este decreto-lei só vigorará até ao dia 19 de Abril e que, como nós sabemos, estas situações continuarão a existir.
Quanto ao decreto-lei, o Sr. Secretário de Estado veio aqui, pronunciou-se sobre ele, dizendo que ele vai resolver o problema dos salários em atraso.
Ó Sr. Secretário de Estado, nós conhecemo-lo e sabemos que não é assim que o Governo vai resolver o problema dos salários em atraso.
Pensamos que, pelo contrário, este decreto tem um objectivo muito claro que é o de forçar os trabalhadores a aceitar o subsídio e o seu próprio despedimento, visto que o trabalhador só tem direito ao subsídio se for despedido.
Portanto, o que se pretende é dizer aos trabalhadores: «Ou pegam agora, ou então vocês ficam pendurados e não têm mais possibilidades de recorrerem ao subsídio.»
Não é com este decreto-lei, Sr. Secretário de Estado, que tem uma duração mínima de 3 meses e que não tem utilidade nenhuma, que o Governo vai resolver o problema.
Aliás, até podemos dizer que, através dos meios de comunicação social, quer na televisão, quer nos jornais, ele apareceu em cima do acto eleitoral como propaganda eleiçoeira que o Governo pretendia fazer.
Mas, de facto, a realidade é a que está em cima da mesa: é que este decreto-lei não vem resolver qualquer problema. E a prova disso é que o Sr. Secretário de Estado vai com certeza dizê-lo aqui - o número de trabalhadores que recorreram, de facto, ao subsídio previsto neste diploma.
Sr. Secretário de Estado, por último, queria perguntar-lhe se com este decreto-lei, mesmo que recorram a este subsídio, que é equivalente ao subsídio de doença, ou seja, l mês por cada ano de trabalho até ao máximo de 6 meses, os trabalhadores não são prejudicados.

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É que, se este subsídio fosse calculado na mesma percentagem que se aplica quando se trata de subsídio de doença, de facto, os trabalhadores não recebiam 6 meses de subsídio mas recebiam provavelmente 4 meses ou 4 meses e meio.
Nós consideramos que, de. facto, tanto este decreto-lei como a proposta de lei que o Governo traz aqui não correspondem nem a um estudo sério nem a uma vontade séria no sentido de resolver os problemas. Pelo contrário, são uma forma de vir aqui tentar enganar, não só os trabalhadores, mas também esta Câmara, dizendo que o Governo está muito preocupado com os salários em atraso.
O que o Governo pretende não é resolver os salários em atraso, é levar os trabalhadores ao despedimento e naturalmente à liquidação de muitas empresas, sem ter em conta e sem fazer um estudo sério da situação que se vive no nosso pais e da situação das empresas e dos trabalhadores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): -Sr. Secretário de Estado do Emprego, temos na nossa presença uma proposta de lei que não toca em muitos pontos que são objecto dos projectos de lei apresentados porque, segundo o que V. Ex.ª alegou, existe já um decreto-lei com matéria destinada a resolver os problemas dos trabalhadores com salários em atraso.
Ora, este diploma tem um período de vigência transitória, que é de apenas 90 dias.
Segundo li num jornal, até ao fim de Janeiro apenas cerca de 300 trabalhadores tinham recorrido ao sistema previsto no referido decreto-lei. Importa pois; saber, para além da vigência deste decreto, qual é a perspectiva do Governo para a resolução do problema dos salários em atraso que obviamente, não ficará resolvido com do Decreto-lei n.º 7-A/86.
Interessa saber qual a perspectiva do Governo porque hoje estão aqui em (debate duas filosofias: a do Governo, que no decreto-lei fomenta o encerramento de empresas, na medida em que acondiciona o pagamento da garantia salarial à suspensão ou à rescisão do contrato de trabalho, sem o que os trabalhadores não podem obter a garantia salarial.
É obvio, portanto, que, tal como gato escondido com rabo de fora, da filosofia deste decreto ressalta que o que o Governo pretende é ó encerramento das empresas; o despedimento dos trabalhadores e, ao fim e ao cabo, atacar também, desta forma a iniciativa económica.
Interessa, portanto, saber a perspectiva do Governo nesta matéria.
Não será por acaso que V. Ex.ª referiu a existência de uma proposta sobre falências. Isso é bem indicativo de que o remédio que VV. Ex.ªs propõem para este problema é, ao fim e ao cabo, a extinção e a morte das empresas e o desemprego dos trabalhadores. Como neste momento estão em debate essa filosofia e a outra que está contida no projecto de lerdo PCP, e também de alguma forma nos projectos de lei do PS e do PRD, que é a de tentar a viabilização das empresas, salvando-as e salvando os. postos de trabalho, era bom que ouvíssemos do Governo o que pensa sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado, as perguntas que lhe queria colocar são as seguintes: em primeiro lugar, tenho de estranhar que, tratando-se de uma matéria em que definem as penas e o ilícito penal, está proposta de lei não venha sancionada também com a assinatura do Sr. Ministro da Justiça.
Isto porque, tendo ela a ver, em primeiro lugar, imediatamente com alterações ou com concorrência em relação a muitas das matérias actualmente previstas no Código Penal e no Código do Processo Penal e, em segundo lugar, a serem aprovadas, introduzirem uma espécie de legislação extravagante no Código Penal
- que, segundo dizem, por sua vez, vai ser revisto ou, pelo menos, essa era a ideia do anterior governo (não sei se o actual Governo a mantém) -, vem criar mais confusões na legislação penal do que aquela que actualmente existe. Seria, pois, para nós uma garantia de uniformidade, que deve presidir sempre à legislação penal, a assinatura do Ministro da Justiça na elaboração desta proposta de lei.
Queria perguntar a V. Ex.ª se o Sr. Ministro dá Justiça saiu deste problema porque não concorda (como, aliás, deve acontecer) com esta proposta de lei ou foi de acto pensado que se dispensou a sua intervenção.
Na intervenção que faremos, iremos explicitar melhor, mas devo dizer-lhe que no articulado da proposta de lei não se salva um único artigo. A definição do ilícito que é dada nos artigos 1.º e 3.º, fora depois o artigo 2.º - que é muito importante -, tudo parece ter sido feito para «tapar um buraco» à ultima hora, para vir aqui trazer, à Assembleia, uma proposta de lei em que o Governo quer mostrar o músculo - uma frase já proferida nesta Assembleia. Mas fazer músculo não é aumentar penas, fazer músculo não é criar penas de 3 anos para os empresários e de 1 ano para os trabalhadores; fazer músculo era resolver o problema dos salários em atraso, que, só por si, este diploma não vem resolver.
Quando o artigo 1.º define o ilícito penal, deixa de fora várias situações. É que facilmente se pode rodear este artigo mediante pagamentos parciais, mediante pagamentos interrompidos, mediante pagamentos à «pinga-gota», como se costuma dizer, fugindo-se assim à definição do artigo 1.º O mesmo acontece com o artigo 3.º, que deixa de fora todos aqueles trabalhadores que, por exemplo, têm uma actividade pluriremunerada. Isto é, um trabalhador que trabalha uma parte do dia numa empresa e a outra parte do dia numa outra empresa - empresa essa que lhe paga - ou um trabalhador que tenha uma profissão liberal, ou um trabalhador que faça um «gancho», desde o momento em que esse trabalhador tenha uma actividade remunerada fora da empresa, está fora da condenação que é explicitada no artigo 3.º
Parece que o diploma foi feito muito à pressa e não se chegou a ver o rigor do tecnicismo de que, a todo o custo, o actual Governo quer mostrar em todos os domínios..., mas, pelo menos, neste falha!...
Quanto ao artigo 2.º, não me parece que o Governo tenha visto bem a relação que existe entre este problema e os crimes contra o património e, principalmente, os crimes por abuso de confiança, em que reverteriam muitos dos actos praticados sob o artigo 2.º

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Creio, pois, que é uma proposta de lei feita de costas voltadas para o actual Código Penal, é uma proposta de lei de costas voltadas à humanização que presidiu, e deve presidir sempre, a um Código Penal e à penalização das condutas dentro de uma democracia. Além disso, parece que o Governo está mais interessado em punir e em meter medo a toda a gente, quando diz que tomou medidas preventivas para não cair em práticas de salários em atraso, do que propriamente em tomar uma medida profiláctica para solucionar casos existentes! Isto porque são demasiado evidentes as aberturas que deixa e a porta que se abre àquilo que depois sairia pela janela, neste caso, e, empregando a frase ao contrário, deixa-se entrar pela janela muito do acto ilícito para depois o fazer sair pela porta grande.
Estamos prontos a compreender a filosofia deste diploma, mas não estamos dispostos a que o Governo ligue tão pouca importância ao tecnicismo de que ele devia rodear-se, tratando-se nomeadamente de penas gravemente punitivas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, quero colocar-lhe algumas questões, estando a primeira relacionada com a afirmação de que a averiguação feita teria conduzido à conclusão de que são muito poucos os casos imputáveis aos empresários, cujos trabalhadores têm salários em atraso, acrescentando que só os tribunais poderiam apurar. Ficámos sem saber se a averiguação é credível ou se, afinal, na medida em que o Sr. Secretário de Estado remete para uma averiguação judicial, não acredita na averiguação que lhe permitiu tirar tais conclusões!
Ainda em relação a esta afirmação, gostava de saber se foram considerados como causas dessas situações conjunturais aspectos como, por exemplo, descapitalização de empresas, não aplicação de subsídios para pagamentos de salários e seu desvio para outros fins, subfacturação e outros aspectos fraudulentos que estão na base de muitas empresas na situação de salários em atraso, não por dificuldades económicas mas por uma actividade fraudulenta por parte dos empresários.
Por outro lado, o Sr. Secretário de Estado afirmou que a penalização dos empresários não era proposta pelo Governo por se tratar de matéria reservada da competência da Assembleia da República. No preâmbulo da proposta de lei n. º 4/1V afirma-se o seguinte, quanto ao inconveniente da penalização:
Para além desta constatação, outra ainda que se filia na perturbação que uma pena de prisão pode trazer a quem baseia a sua actividade na credibilidade e prestígio externos.
Não se trataria, portanto, do facto de o Governo não poder legislar nesta matéria, mas sim de não querer afectar os empresários, dada a perturbação que poderia trazer à sua actividade, e recordo-lhe que, neste caso, se trata de actividades fraudulentas. Tenho dificuldade em compreender onde pode estar a credibilidade de um empresário que é passível de aplicação de uma pena de prisão por ter uma actividade fraudulenta na sua empresa!...
Por outro lado, na mesma proposta de lei, o Governo não hesitou em propor a aplicação de sanções penais aos trabalhadores. É que há uma disposição que diz:
O trabalhador que esteja ao serviço de empresa que se encontre na situação referida no artigo 1.º e que, com a intenção de beneficiar dos esquemas de seguro de desemprego aplicáveis àquela situação, omitir o facto de ter adquirido novo vínculo jurídico-laboral ou desenvolver actividade da qual aufira rendimento igual ou superior à retribuição que recebia na empresa, supervenientemente à rescisão ou suspensão do respectivo contrato de trabalho, será punido com prisão até l ano e multa até 50 dias.
Aqui o Governo não se sentiu peado pelo facto de não poder legislar em matéria de reserva relativa da competência da Assembleia da República; aqui o Governo, para penalizar os trabalhadores, não sentiu esse constrangimento. De resto, é evidente que esse constrangimento, neste como noutros casos, seria resolvido pedindo, como, aliás, várias vezes tem sido feito por vários governos, a respectiva autorização legislativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, a proposta de lei que o Governo traz a esta Câmara é manifestamente insuficiente. Mas falar da proposta de lei sem, todavia, equacionar, pelo menos em linhas gerais, a letra do Decreto-Lei n.º 7-A/86, provavelmente também não faria sentido. Diz o Governo ter-se antecipado para legislar sobre uma matéria desta envergadura e eu vou tecer considerações, que nos parecem pertinentes e importantes. Nomeadamente no n.º 3 do preâmbulo do citado Decreto-Lei n. º 7-A/86 diz-se:
Não obstante o acima referido, a existência de trabalhadores com salários em atraso em empresas em laboração é unanimemente reconhecida como jurídica, social e moralmente inaceitável.
Pois bem, perante um preâmbulo destes, provavelmente, a nossa expectativa ir-se-ia manter num horizonte de grande interesse. Na verdade, poderíamos comentar que a «montanha pariu um rato», dado que este Decreto-Lei n.º 7-A/86 mais não faz do que um incitamento ao desemprego, um incitamento ao abandono da empresa.
Apenas citando dois dos artigos da proposta de lei, ou seja, o artigo 3.º, que incita os trabalhadores à rescisão do contrato, e o artigo 6.º, que fala daqueles que não queiram rescindir o contrato e queiram pedir a suspensão desse mesmo contrato de trabalho a fim de terem acesso a um subsídio, que mais não é do que uma esmola dada aos trabalhadores, pergunto ao Sr. Secretário de Estado como é que é possível num decreto-lei destes deixar de fora a situação dos trabalhadores que não queiram optar nem pela rescisão nem pela suspensão do contrato. Então, se é humana, moral e juridicamente inaceitável a situação de salários em atraso em empresas em laboração, como é que vamos proteger os trabalhadores que não queiram abandonar

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a sua empresa, que queiram contribuir para a solução da sua empresa e que não queiram ficar sujeitos a uma esmola do Decreto-lei n.º 1-A/86?
Por outro lado - e a questão já foi levantada pela Sr.ª Deputada Odete Santos -, este decreto-lei tem 3 meses de vida activa, após a sua entrada em vigor. Então, daqui a 4 meses não há salários em atraso, Sr. Secretário de Estado? A proposta de lei que o Governo nos traz aqui nada adianta sobre esta matéria, apenas nos diz que estarão garantidas algumas verbas que o Governo irá utilizar para a suspensão e para a rescisão do contrato e nada nos garante quanto à protecção dos trabalhadores que não queiram abandonar a empresa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional.

O Sr. Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que o Governo nunca disse, nem no seu Programa nem posteriormente, que ia pagar salários em atraso. Aliás, pensamos que o pagamento de salários é uma obrigação das empresas, é uma obrigação dos empresários; não é uma obrigação do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que o Governo sempre disse foi que, tendo em conta a situação concreta com que se deparou da existência de dezenas de milhares de trabalhadores que, embora continuando a trabalhar, não tinham acesso a qualquer fonte de rendimento que pudesse garantir a sua subsistência e a das suas famílias, através dos mecanismos da Segurança Social, ia tomar medidas para minimizar a situação dos trabalhadores que se encontravam nessa situação.
Portanto, que fique bem claro, para que não haja dúvidas, que o Governo nunca disse que ia pagar, salários que, naturalmente, têm de ser suportados pelas empresas. Se o fizesse estava a entrar e a fomentar a concorrência desleal relativamente às empresas que cumprem atempadamente os seus compromissos salariais e os encargos sociais dos trabalhadores' que emprega.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Deputado, mas quando V. Ex.ª proferiu a sua intervenção não o interrompi. Por uma questão de eficácia dos trabalhos da Assembleia, agradeço que também não me interrompa.
Relativamente à questão das falências referida aqui, foi dito que o mecanismo legal actualmente em vigor não contribui para resolver os problemas; pelo contrário, o arrastamento de situações pode agravá-los.
O que se pretende é que a declaração de uma empresa em situação de falência possa ser de tal forma que os activos existentes dessa empresa possam ser aproveitados, tanto quanto possível, para a manutenção do maior número de postos de trabalho. Por conseguinte, o objectivo não é o de se utilizar o mecanismo da falência para aumentar o número de desempregados mas, pelo contrário, o de. tornar célere o processo de falência por forma a que o número de
desempregados que possa ocorrer em virtude de empresas que se declarem nessa situação seja o menor possível, aproveitando-se os respectivos activos existentes.
Ë também óbvio que a Inspecção-Geral do Trabalho tem vindo a acompanhar diariamente a evolução de empresas nesta situação. Com o acordo dos próprios trabalhadores que se encontram na situação de salários em atraso e muitas vezes por iniciativa destes, a Inspecção-Geral do Trabalho tem vindo a procurar e a conseguir que, com o empenhamento de muitos trabalhadores e com o esforço conjunto dos empresários, em muitas empresas se ultrapassem as dificuldades que muitas vezes são conjunturais, no sentido de potenciar a esperança de vida dessas empresas e dos trabalhadores que delas dependem economicamente. Este, sim, tem sido o objectivo.
A Inspecção-Geral do Trabalho tem levantado os autos de notícia adequados quando há minimamente indícios de incumprimento culposo ou: doloso dos empresários.
Portanto, com este decreto-lei que aqui tem vindo a ser referido a propósito da presente proposta de lei que, de certa forma, o complementa, o Governo não quis «atirar poeira para os olhos» de ninguém, muito menos atirá-la para os olhos dos trabalhadores. Aliás, os trabalhadores portugueses são homens e mulheres livres, inteligentes, não se deixando enganar por este nem por nenhum outro governo, como também não se deixam enganar por outras organizações que porventura queiram fazer-se «patrões» dos trabalhadores portugueses, aos quais me orgulho de também pertencer.
Relativamente aos meios técnicos e humanos da Inspecção-Geral do Trabalho, como é natural, sabemos que há efectivamente carências, como as há em muitos outros serviços da Administração Pública. Devo dizer, nó entanto, que a Inspecção-Geral do Trabalho é um factor extremamente importante de política do Governo, não só .pela sua acção coerciva mas, sobretudo, e de uma forma especial, pela acção pedagógica que deve exercer no sentido de esclarecer trabalhado? rés e empresários quanto à necessidade do cumprimento da lei, do respeito dos direitos de uns e de outros è no sentido de se desenvolver o progresso das empresas e, portanto, também o progresso dos trabalhadores.
A esse respeitei a Inspecção-Geral do Trabalho foi já no ano passado, pelo anterior governo, dotada de mais meios humanos e materiais, estando previsto que esse processo continue no decurso do presente ano.
Como é óbvio, o Governo repudia que se diga que o decreto-lei que permitiu o acesso a mecanismos que garantem a subsistência mínima aos trabalhadores com salários em atraso seja eleiçoeiro.
A situação dos salários em atraso arrastou-se durante algum tempo. No seu programa, aprovado nesta Assembleia, o Governo referiu esta questão com muita veemência e, logo que possível, tomou as medidas adequadas no sentido de minorar a situação dos trabalhadores e das suas famílias.
, O que me parece é que não é muito legítimo estar a aproveitar-se o facto de o Governo ter tentado minorar a situação dos trabalhadores, com salários em atraso para se dizer que, resolvendo-se problemas sociais, o Governo está a praticar o eleitoralismo. Creio que isto é colocar a questão ao contrário.
Relativamente à questão formulada sobre a não assinatura, por parte do Sr. Ministro da Justiça, desta proposta de lei, quero esclarecer que antes de ser enviada

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à Assembleia da República a mesma foi naturalmente aprovada em Conselho de Ministros. Posso mesmo testemunhar que foi aprovada com a presença do Sr. Ministro da Justiça. Mais: adianto que o Sr. Ministro da Justiça teve, como é natural, uma participação activa na elaboração desta proposta de lei.
Creio que a protecção social dos trabalhadores com salários em atraso, constante do decreto-lei que já referi, como as normas sancionatórias que constam da presente proposta de lei, têm de ser encaradas como medidas excepcionais para dar resposta a uma situação excepcional que - a esse respeito estaremos todos de acordo - precisava urgentemente de medidas que contrariassem, por um lado, a situação de carência de muitos trabalhadores e, por outro lado, contribuíssem para que situações destas deixassem de se repetir.
O objectivo desta proposta de lei é, evidentemente, o de penalizar determinados comportamentos que são inaceitáveis.
Direi ainda que todos os contributos que possam surgir por parte dos Srs. Deputados no sentido de melhorar esta proposta de lei serão naturalmente bem-vindos. Não pensamos que este diploma seja acabado mas, sim, que o debate que se desenrola nesta Assembleia irá porventura permitir que algumas sugestões, críticas e alterações sejam introduzidas no sentido de que o objectivo pretendido com a proposta de lei seja amplamente conseguido.
Estou em crer que uma outra questão que foi aqui colocada deveu-se a alguma confusão: de facto, o Governo não legislou para punir os trabalhadores, tendo mandado para a Assembleia da República uma proposta para punir os empresários ou os responsáveis de empresas.
Tanto o normativo que prevê a punição dos trabalhadores que utilizam abusivamente os mecanismos postos à sua disposição como as normas sancionatórias dos comportamentos interditos a empresários estão previstos na mesma proposta de lei.
Por outro lado, quero dizer que o decreto-lei não se traduz na concessão de esmolas a ninguém. Não é disso que se trata. A Segurança Social e os seus mecanismos não existem para dar esmolas seja a quem for mas, sim, e nomeadamente estes que têm um carácter excepcional, destinam-se a dar corpo a um princípio de solidariedade social que deve, naturalmente, enformar a sociedade portuguesa. É através dos esquemas da Segurança Social que os trabalhadores poderão ter minimamente meios de subsistência que lhes garantam poderem viver com dignidade. Daí que creio não se poder falar em «esmolas». Trata-se, sim, de alargar para uma situação excepcional o esquema de solidariedade social conseguido através da Segurança Social.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo
de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Num processo longo, quantas vezes doloroso mas evolutivo, esse flagelo social dos salários em atraso transformou-se numa questão central do regime democrático a partir da luta corajosa, do protesto e das reclamações de milhares de trabalhadores que viveram ou vivem esta situação dramática. As organizações sindicais, as forças democráticas, as associações cívicas e religiosas,
vários organismos internacionais, no seu sentimento dominante de justiça social, de compreensão pela defesa de uma das expressões mais significativas do direito à vida - o direito à subsistência através do recebimento do salário - conduziram a que todas as forças políticas, com assento nesta órgão de soberania, tenham assumido responsabilidades públicas na resolução deste escândalo intolerável dos salários em atraso.
O Grupo Parlamentar do PCP honra-se de ter assumido nos últimos 3 anos um papel destacado nas iniciativas legislativas que, caso fossem aprovadas, poderiam ter minorado muitas situações gritantes de fome, miséria e desespero que se abateram sobre milhares de trabalhadores e suas famílias, mas também sempre soube que teriam sido e continuarão a ser decisivas a contribuição, a sensibilidade e as iniciativas de outros quadrantes políticos e sociais, que permitam concretizar uma esforçada, polémica, mas necessária e urgente vontade de resolver tão candente questão.

Uma Voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Julgamos nós, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que valeu a pena este empenhamento e esta insistência. E que mais, ou para além do discurso certo carregado de palavras emotivas, o que é urgente e pertinente é concretizar medidas, procurar consensos e valorizá-los, confrontar e debater divergências na busca intensa dos caminhos mais justos que transformem declarações de princípio numa lei da República capaz de não sonegar as esperanças e aspirações dos homens, mulheres e jovens com salários em atraso. É que entretanto muita coisa mudou!
O anterior governo através do Decreto-Lei n.º 50/85 deu um passo tímido e limitado que, embora adiando as soluções de fundo e ameaçando a continuidade do emprego, reconhecia já a necessidade da aplicação de um sistema público de garantia salarial. Também o governo de Cavaco Silva que tinha manifestado em campanha eleitoral e no Programa do Governo uma vasta gama de declarações, visando a resolução dos salários em atraso, apressou-se a aprovar, publicar e publicitar o Decreto-Lei n.º 7-A/86. Verdade se diga: mais para consumo da opinião pública do que para resolver com seriedade e profundidade o problema dos salários em atraso.
O que importa reter desde já é que também o Governo acaba por reconhecer enviezadamente, com uma lógica errada, que o Estado deve assegurar de imediato recursos de subsistência aos milhares de trabalhadores nesta situação. Esta alteração significativa de comportamentos reclama que a Assembleia da República, com base nos três projectos e na proposta de lei em apreço, se decida por um trabalho sério onde se abdique dos conceitos das verdades absolutas e se procure antes consensos possíveis e necessários. A votação unânime da Assembleia da República quanto ao processo de urgência dos projectos de lei n.ºs 2/IV e 38/IV, respectivamente do PCP e do PS, a apresentação de outro projecto de lei sobre a matéria do PRD e a própria proposta de lei n.º 4/IV, do Governo, constituíram sinais positivos de uma nova vontade política no quadro de uma Assembleia da República renovada.
A aprovação unânime do relatório da subcomissão de que chegou a estar indiciada, poderia ser um sinal dessa mudança, mas à última hora, o PSD e o CDS

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- este claramente defensor do status quo, em total coincidência com as posições da CIP, que é contra tudo e contra todos os projectos de lei, manifestaram que não são capazes de ultrapassar as suas ideias petrificadas quanto à problemática dos salários em atraso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do CDS: - Muito mal!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate hoje na Assembleia da República, de três projectos e de uma proposta de lei, chega com atraso (e não de somenos).
Este atraso saldou-se numa verdadeira irresponsabilização do Estado perante um fenómeno sui generis que prosseguia como objectivos a chamada flexibilização do mercado de trabalho, à custa da Constituição e das leis do Estado democrático.
O sistema, metodicamente organizado por quem não cumpre as mínimas regras da iniciativa económica, surgiu paralelamente com outros fenómenos marginais que o atraso no pagamento de salários fomentava. Desenvolveram-se as formas de trabalho precário, o trabalho clandestino, agora que já nem mesmo o sistema legal de contratação a prazo servia. Criando-se desta forma no mundo laboral uma nova classe de desprotegidos, aqueles que no submundo da dupla explora; cão se vêem forçados a trocar a sua estabilidade de emprego (sem salário) pela instabilidade de um trabalho em que não se lhe reconhecem quaisquer direitos e regalias (nem mesmo o direito à Segurança Social) trocando, coagidos pela ameaça da fome, todo o sistema de protecção legal pelo recebimento atempado da retribuição. Mas, se de facto esta discussão chega com atraso, e atraso de uma real gravidade pelo que representou de sacrifícios dos trabalhadores, de distorções do próprio Estado democrático, a verdade é que o cotejo dos três projectos de lei em presença, os pontos de convergência que neles se podem detectar, representam, só por si, uma vitória do próprio sistema constitucional da própria democracia...

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Governo veio apressadamente apresentar uma proposta de lei depois de também apressadamente publicar um diploma de duração transitória, que nada resolve e antes se destina a fomentar o encerramento de empresas, o desemprego dos trabalhadores. Veio o Governo apressadamente e com ligeireza... na ânsia de não deixar que se radique a imagem de uma' Assembleia que trabalha, que debate um dos problemas mais graves que afligem a nossa sociedade, que procura soluções para debelar um flagelo, debate onde não cabem as falsas soluções do Decreto-Lei n.º 7-A/86.
Deste diploma haverá que reter que, para além de ter uma aplicação transitória - apenas para os 90 dias seguintes à entrada em vigor do diploma - acena aos trabalhadores com a rescisão do contrato com justa causa, com a suspensão dos contratos de trabalho, compensando-os tão-só com o pagamento das indemnizações e das retribuições através das instituições de segurança social.
Mas só isso! Perante o diploma do Governo cabe perguntar: qual o destino das empresas?
Qual o destino dos seus trabalhadores que, com atrasos de meses, quando não de anos, acabem por: se ver
forçados à rescisão ou à suspensão do contrato? Qual o destino dos trabalhadores que com o contrato voluntariamente suspenso, vejam terminado o período de pagamento da garantia salarial? É bem evidente que o diploma do Governo aponta no sentido do encerramento das empresas, no sentido do desemprego, no sentido da morte de certa iniciativa económica, do apadrinhamento de outra, da que defrauda a lei e pretende subverter um sistema constitucional e legal, no sentido do incremento da marginalidade no mundo das relações laborais. Avisados foram os trabalhadores. Apenas 300 dos cerca de 100 000 nesta situação recorreram ao regime proposto pelo decreto-lei.
É uma mistificação que dá bem a imagem deste Governo, a forma como todas as noites propagandeia este decreto na televisão como se fosse um detergente que lava mais branco.
Só que a questão é demasiado séria.
Também a proposta de lei ora em debate se circunscreve-se à pobreza do decalque de algumas soluções preconizadas nos projectos de lei em debate, não dando resposta ao problema da subsistência e futuro dos trabalhadores, ao problema 'do futuro das empresas.
A pobreza da proposta mais se destaca se atentarmos nas convergências existentes nos três projectos que desde já permitem antever que deste debate surja no triste panorama dos salários em atraso alguma solução, a resposta do Estado democrático às exigências justamente feitas pelos trabalhadores.
Os três projectos partem de uma ideia fulcral e fundamental: o Estado não pode demitir-se das suas responsabilidades. Ao Estado, porque é democrático compete encontrar a solução para repor a legalidade, dando jus à confiança dos trabalhadores na democracia. Ao Estado compete acabar com a impunidade daqueles que desferem através do não pagamento dos salários, graves ataques contra o próprio direito à vida.
Partindo desta ideia fundamental os três projectos de lei coincidem em vários pontos que consideramos fundamentais. Desde logo em todos eles se reconhece a importância e a legitimidade das organizações representativas de trabalhadores para intervirem nos processos judiciais e administrativos conducentes à regularização da situação da empresa.
A este respeito apenas a voz discordante da CIP se insurge contra a participação daqueles organismos, o que não é para admirar, mas é indefensável, já que é um interesse colectivo que está em causa, e em defesa desse interesse assiste um direito de participação às organizações representativas dos trabalhadores. Nos três projectos se prevê q agravamento da punição penal dos que faltam ao pagamento da retribuição, dolosa ou culposamente. E também neles se dá um real conteúdo à actuação da Inspecção de Trabalho, organismo que até aqui tem revelado uma quase total inoperância, quantas vezes por falta de meios, mas também por falta de vontade política. Nos três projectos se institucionaliza um processo público destinado a averiguar a situação das empresas, a detectar as causas dessa situação, a avaliar das hipóteses de regularizar as graves anomalias. Em todos os projectos se reconhece a necessidade de estabelecer uma garantia salarial ao trabalhador com salários em atraso, a financiar pelas verbas do Fundo de Desemprego que cumprem assim a sua função: a de assistência aos trabalhadores, a de defesa e promoção do emprego. E ainda, e para resumir, podemos

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encontrar nos projectos em debate a necessidade de reforçar as garantias patrimoniais dos créditos dos trabalhadores, reforçando tais garantias (de um modo quiçá mais débil no projecto do PS) através da alteração dos privilégios creditórios para as dívidas aos trabalhadores, que o nosso Código Civil relega para posição tal que torna quase impossível o recebimento daqueles créditos através do sistema puramente civilista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É óbvio que, para além destes pontos de contacto, resultam dos projectos em presença perspectivas de algum modo diferente que neste debate também se devem salientar. O projecto de lei do PCP contempla um programa de emergência para as situações de atraso no pagamento de salários existentes à data da entrada em vigor da lei.
Através do programa são garantidos aos trabalhadores e seus familiares formas de apoio pecuniário com vista a assegurar a sua subsistência. Tal programa deverá apontar, como claramente se refere o n.º 2 do artigo 5º, a actuação sobre as empresas com base nas razões determinantes da situação em atraso. Começa desde logo a aflorar no projecto do PCP a ideia, mais adiante repetida, de que com o projecto se pretende, sempre que tal seja possível, a continuidade da empresa, a preservação do emprego produtivo. Em relação a tais situações existentes, muitas delas arrastando-se há anos, não encontramos uma definição clara nos outros dois projectos. O PS limita-se a um artigo sobre a contagem de prazos para tais situações e reforça para créditos de pretérito há menos de 3 anos a garantia patrimonial. É de destacar o processo de negociação previsto no projecto do PCP, a realizar logo que a empresa seja declarada em situação de atraso no pagamento de salários. Tal processo de negociação deverá ter como objectivo, como se diz no artigo 20.º, a celebração de um acordo que permita a continuidade da empresa, a manutenção do nível de emprego e a defesa dos direitos dos trabalhadores. Sendo estes os objectivos, é evidente que o início do processo de negociação teria de fazer suspender todos aqueles processos que levam à morte da empresa, ainda que essa empresa seja viável - nomeadamente os processos de falência. É que a perspectiva do projecto do PCP é a perspectiva do emprego produtivo e não a perspectiva da falência como único remédio para salvaguardar interesses dos credores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A alternativa ao emprego produtivo - pedra basilar do projecto do PCP - é o desemprego que transparece no Decreto-Lei n.º 7-A/86, na medida em que se exige como requisito indispensável para o recebimento da garantia do salário o despedimento com justa causa ou a suspensão do contrato de trabalho. Assim, não podemos também estar de acordo com o projecto do PS quando condiciona o pagamento da garantia salarial à suspensão do contrato de trabalho ou ao requerimento de apresentação à falência ou insolvência. Quanto ao projecto do PRD não se nos afigura claro neste aspecto. Porque remetendo para o Tribunal do Trabalho o processo de negociação, parece reconduzir a situação de atraso no pagamento de salários à declaração de falência ou insolvência. Não se percebe, de facto, como, na prática, poderá o juiz optar pela possibilidade de viabilização da empresa no processo de negociação, tal como é configurado o artigo 15.º do projecto. Tendo, como tem, o objectivo de salvaguardar os interesses dos trabalhadores, e portanto o emprego produtivo, a vida da empresa viável e mal gerida ou gerida dolosamente em fraude à lei, o projecto de lei do PCP aponta para que os trabalhadores possam assumir as responsabilidades empresariais constituindo empresas em autogestão, gorada que seja o plano de viabilização por recusa da entidade patronal, ou, em última análise, para a intervenção do Estado por um período de S anos.
O CDS e a CIP assustam-se com estas normas. Isto, afinal, é o que resulta do n.º 2 do artigo 85.º da Constituição da República, que assegura a intervenção transitória do Estado nas empresa privadas em defesa do interesse geral e dos direitos dos trabalhadores; evidentemente, esta solução deve ser aplicada caso a caso e em função das circunstâncias concretas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao destino da empresa e diferindo do diploma do Governo - o Decreto-Lei n.º 7-A/86 - também o projecto do PS admite o contrato de viabilização, o que, de igual modo, acontece no projecto do PRD, embora, como já atrás referimos, de uma forma um tanto platónica. Parece, portanto, ficar claro que o PCP recusa as soluções que reconduzem tudo à falência e ao encerramento da empresa. O projecto do PCP que hoje debatemos contempla soluções que são autênticas medidas de defesa do emprego produtivo, medidas, do interesse dos trabalhadores, apostados no regular funcionamento da sua empresa porque a sabem com interesse para o desenvolvimento da economia do País.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Outras divergências haverá que melhor se vão debater em sede de especialidade. Nomeadamente quanto aos requisitos de recebimento da garantia salarial. É que consideramos excessivo que para um trabalhador com salários em atraso se exija, para receber aquele subsídio, o prazo de garantia para o recebimento do subsídio de desemprego, como se faz num dos projectos em discussão.
Após uma análise na generalidade dos projectos em discussão, o Grupo Parlamentar do PCP considera que a Assembleia da República dispõe de base de trabalho e de vontade política para aprovar um diploma destinado à superação da crise que se vive, um diploma que os trabalhadores reclamam.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No processo de discussão pública a que estiveram sujeitos os quatro diplomas, as organizações representativas dos trabalhadores, usando do seu direito constitucional de participação na legislação de trabalho, demonstraram, mais uma vez, que este orgão de soberania tem razão quando não abdica da sua função plena de legislar sobre direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. O amplo debate público, os valiosos contributos contidos nos documentos enviados à Comissão de Tra-

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balho, o relato impressionante das situações concretas, a sensibilidade, a solidariedade e a franqueza dialogante aliada às preocupações do Presidente da Assembleia da República e dos grupos parlamentares durante as audiências concedidas às organizações dos trabalhadores compensaram a demora que, longe de ter sido tempo perdido, constituiu um ganho que facultou instrumentos de trabalho preciosos para o debate da especialidade, a nível da comissão.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

Urge agora passar das palavras aos actos.
Lá fora, nas empresas e nos sectores milhares de trabalhadores e suas famílias que sofrem as terríveis implicações económicas, sociais e psíquicas desse flagelo dos salários em atraso não esquecem compromissos eleitorais e programáticos de todos e de cada um de nós.
Os salários em atraso são como um tumor insuportável no corpo do regime democrático. Tapá-lo em vez de o extirpar definitivamente, despedir em vez de resolver e atender ao direito à subsistência dos trabalhadores conduziria irremediavelmente à cumplicidade com aqueles que violam essa tão expressiva manifestação do direito à vida e comprometeria a grandeza e solidez do Estado democrático. O PCP, consciente das diferenças e das divergências que estão consubstanciadas nos diversos diplomas em apreço demonstrará a sua inteira disponibilidade para trabalhar exaustivamente num texto final de soluções justas.
Oxalá, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que todos os grupos parlamentares verdadeiramente empenhados na resolução desta chaga social possam retirar dos seus princípios programáticos em futuras eleições o objectivo de prosseguirem a luta contra os salários em atraso, afirmando antes que, com honra, lutaram, tudo fizeram e conseguiram para que no Portugal de Abril não mais se ouça o grito dramático de milhares de trabalhadores com fome e sem salário: Isto não pode ser trabalhar sem receber!
É para acabar com isso que o PCP continuará a envidar todos os esforços.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Cavaleiro Brandão e António Marques.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado. Cavaleiro Brandão.

O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, V. Ex.ª produziu aqui hoje um discurso que não destoa do tipo de intervenções que costuma produzir a respeito desta matéria, e já o fez por mais de uma vez.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Pelo menos é coerente!

O Orador: - Em todo o caso, gostaria de sublinhar alguns pontos: o primeiro, reporta-se a uma aparente ingenuidade resultante do regozijo com que V. Ex.ª pareceu abastar-se ao declarar-se aqui satisfeito com o simples facto de estarmos a discutir esta matéria, inculcando nesta Assembleia a convicção, e aparentemente a sua conclusão, do que com isso estaria resolvido o grave problema subjacente aos vários diplomas em apreço.
Sr. Deputado, penso que, de facto, só a lógica do Partido Comunista Português poderia postular a conclusão de que é com leis que se resolve um problema tão grave e tão profundo como aquele com que a sociedade portuguesa se defronta. A pergunta que a este respeito gostaria de formular é muito simples: Sr. Deputado, os salários em atraso e as dificuldades das empresas resolvem-se com leis ou com o desenvolvimento económico, com a reanimação da vida económica?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A segunda ordem de questões que quero levantar tem a ver com o afloramento de uma posição algo surpreendente por parte do PCP e que porventura é um pouco inovadora. Condenando o Governo por aceitar como inevitáveis determinadas situações de falência e de encerramento de empresas, o Sr. Deputado disse que o PCP tinha uma alternativa para essas situações - alternativa essa para mim surpreendente -, que era a autogestão. Isto é, o PCP veio hoje aqui dizer que onde as empresas forem inviáveis, onde as empresas não tiverem solução, onde empresários profissionais não forem- capazes de resolver as situações, os trabalhadores sê-lo-ão.
Ora, aí há uma grande aproximação em relação ao CDS, Sr. Deputado. É que nós - e agora inesperadamente o PCP - também pensamos que todos os cidadãos, todos os portugueses, deviam ter acesso à propriedade e deviam ter condições para se arriscarem a investir e a serem patrões de si próprios, em primeiro lugar, e de outros, se para isso tiverem capacidade. Foi isso o que o Sr. Deputado nos quis trazer? O que o PCP aqui nos veio trazer foi essa confiança na capacidade dos trabalhadores para serem também empresários para resolverem os problemas das empresas e, portanto, para assumirem as responsabilidades do risco e da gestão?
Gostaria de fazer um último apontamento que, neste caso, se traduz num cumprimento ao PCP, o que é um dever, porque na discussão da urgência destes diplomas tinha instado o PCP a respeito das penas de prisão com que parecia querer resolver um certo tipo de comportamentos. Afinal, é branda a medida do PCP, que se ficou pela punição dos patrões, quando comparada pelas penas mais gravosas que o Governo conseguiu trazer à colação, punindo patrões e trabalhadores com penas de prisão a este respeito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, V. Ex.ª fez-nos o gosto de, por duas vezes, nos mimosear com o termo «platónico» em

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relação ao projecto de lei apresentado pelo PRD. Ora, gostaria de lembrar que platónico foi muitas vezes o maior vulto das letras portuguesas, platónico foi muitas vezes Camões e nem por isso deixam hoje de lhe render homenagem, nem no passado deixaram de lhe render homenagem as gerações portuguesas. Mas se se platónico é produzir um trabalho sério, profundo e conducente à salvaguarda de todos os direitos dos trabalhadores, então aceitamos com todo o gosto o mimo com que nos mimoseou. Todavia, talvez um pouco de platonismo também não fizesse mal ao próprio PCP e à sua bancada, e isso só quer dizer que nós pomos um pouco de carinho em tudo o que fazemos.
Para ser muito breve, apenas quero dizer ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa que uma das lacunas mais visíveis no projecto de lei n.º 2/IV da autoria do PCP é aquela que resulta do facto de que, em caso de manifesta incapacidade de prosseguir a vida da empresa no sentido de ela se tornar incapaz de percorrer o seu caminho, será necessário encerrá-la definitivamente. Temos de ter em conta que este facto não é de somenos importância. Irá acontecer, infelizmente, muitas vezes, e não se pode aligeirar nem esconder este pormenor.
Pois bem, o projecto do PCP nada consagra nesta matéria e para o PRD, que defende todos os direitos dos trabalhadores, é uma preocupação constante.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa como é que o PCP pretende, através do seu projecto, salvaguardar os interesses daqueles que em confronto com o encerramento definitivo da empresa nada terão a que se agarrar para obter os seus legítimos direitos. Será que o PCP pretende implementar a utilização da legislação que existe sobre despedimentos colectivos ou será através de qualquer outra via? Era este esclarecimento que pedia ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de
Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado Cavaleiro Brandão, disse que eu estava contente e que, mais uma vez, tinha feito uma intervenção sobre esta matéria, mas permita-me que lhe diga que o CDS, e particularmente o Sr. Deputado, neste debate dos salários em atraso e nesta matéria, faz-me sempre lembrar aquela conhecida fábula da raposa e das uvas. O CDS parece que tem a síndroma da raposa: para o CDS todos os projectos não prestam, mas o CDS não apresentou ao longo destes anos nenhuma medida positiva que visasse resolver este flagelo social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado pergunta-me se estou contente e se considero que com este debate a questão dos salários em atraso está resolvida. Não, Sr. Deputado. Talvez V. Ex.ª tenha razões para se sentir triste, mas o facto de este órgão de soberania poder discutir aqui três projectos e uma proposta de lei sobre esta matéria só dignifica a Assembleia da República.

Vozes do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado pergunta-me se isto se resolve com leis ou com desenvolvimento económico. Obviamente que se resolve com desenvolvimento
económico, mas também com leis, e nomeadamente pensamos que não é com falências, não é permitindo a fraude, a corrupção, não é permitindo que se abuse de uma das expressões mais significativas do direito à vida que o problema dos salários em atraso se resolve, com os olhos fechados ou com os braços cruzados, como o CDS tem feito ao longo destes anos.
Quanto à questão das alternativas e de o Partido Comunista Português, no seu projecto de lei, apontar para a possibilidade de uma intervenção de Estado ou das empresas em autogestão, o Sr. Deputado Cavaleiro Brandão fez uma coisa que costuma fazer: omitiu uma questão fundamental. É que o projecto de lei do PCP prevê que se esgotem até ao máximo as possibilidades de negociação com as partes interessadas, nomeadamente com as organizações representativas dos trabalhadores. Obviamente o CDS não quer este diálogo, não está interessado em que as opiniões, as sugestões, as propostas dos trabalhadores vinguem.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Deputado faz parte da direcção do CDS? Ou sabe tudo?

O Orador: - Sr. Deputado, referi-me a esta questão e no nosso projecto usámos uma norma constitucional em relação à qual o CDS tem o direito de estar contra. Mas aquilo que afirmamos é que, mais do que o programa do PCP, sempre procuramos defender e concretizar alguns princípios constitucionais que, com certeza, também animam outros deputados desta Casa.
Creio que o Sr. Deputado António Marques não se ofendeu com o termo platónico, mas de qualquer forma gostaria de lhe dizer que pensamos mesmo que esse adjectivo é justo, porque, por exemplo, um juiz não tem elementos que lhe permitam pronunciar-se sobre a possibilidade da viabilização de uma empresa. Com certeza estará de acordo comigo de que com a situação actual dos tribunais não há condições imediatas para resolver as centenas de situações que existem ou possam vir a existir, tendo em conta o vosso projecto.
Por isso lhe chamámos platónico, mas com certeza concordará que nem o seu projecto nem o projecto do PCP são donos de verdades absolutas; Pensamos que é possível um amplo consenso e que o que talvez importe aqui neste debate e no que se seguirá na Comissão de Trabalho é procurar as convergências, discutir as divergências. Mas que ninguém se arvore em dono da verdade absoluta!
Quanto à questão relativa ao facto de o PCP encarar ou não a possibilidade do encerramento definitivo das empresas, pensamos que existem outros mecanismos, por exemplo o estatuto de falências, e outros locais capazes de dar resposta à questão que colocou e é nesse quadro que este problema dever ser tratado.
Por outro lado, recordo-lhe que no nosso projecto de lei está previsto um fundo de garantia salarial.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Victor Hugo Sequeira.

O Sr. Victor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No último semestre do ano de 1982 assistimos com preocupação ao surgimento, ainda que muito pontual, da situação do não pagamento atempado da retribuição devida aos trabalhadores.

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Tal como em anos anteriores, no que concerne às dívidas, quer à Segurança Social, quer ao Fundo de Desemprego, os governos e o aparelho de Estado manifestaram-se incapazes de intervir no sentido de corrigir estas anomalias, razão por que hoje, passados todos estes anos, ainda se detectam inúmeros casos de irregularidade, que se traduzem em muitos milhares de contos de dívidas empresariais para com aquelas instituições.
Mas foi no decurso dos anos subsequentes que o fenómeno dos salários em atraso evoluiu, gerando situações de dificuldade, que não tivemos pejo algum em descrever em debate perante a Câmara, como um verdadeiro flagelo social. Nessa altura detivemo-nos perante uma análise exaustiva da incidência desse fenómeno, distrito por distrito, sector a sector, contabilizando os momentos da dívida e número de trabalhadores por ela abrangidos.
Perante o quadro que descrevemos, exigimos do então governo a apresentação de um conjunto de medidas legislativas e económicas que obviassem a essa situação. Foi na expectativa de que esse mesmo governo não deixaria de responder afirmativamente à exigência que daqui lhe formulámos que rejeitámos o projecto de lei que o PCP na altura submeteu à apreciação, rejeição acrescida do facto de pensarmos que a solução preconizada no referido projecto de diploma não era a mais consentânea, quer com a génese do fenómeno, quer com as consequências que no plano económico global inevitavelmente acarretariam.
Porém, a proposta que o anterior governo, designada por fundo de garantia salarial, previamente submeteu à discussão dos parceiros sociais, por insuficiências de garantias reais no combate ao flagelo, na opinião de alguns, ou por simplesmente ser considerada uma iniciativa aberrante, por outros, não suscitou a credibilidade necessária, pelo que a iniciativa do Governo não chegou a ser por este assumida.
Após esta constatação e na sequência de novo debate no Parlamento, agora suscitado por uma interpelação ao Governo, o Grupo Parlamentar do Partido Social lista comprometeu-se a chamar a si a responsabilidade de iniciativa legislativa no sentido do combate à problemática dos salários em atraso, agora atingindo proporções e gerando situações no tecido social assaz dramática.
Elaborado o respectivo diploma, não mereceu, este o aval do parceiro de coligação, pelo que, pelas razões que desenvolvidamente se explicam no preâmbulo agora apresentado do projecto de lei n.º 39/IV, subscrito pelos deputados do Partido Socialista, não foi o então projecto por diante.
Concretiza agora o Grupo Parlamentar do Partido Socialista o seu propósito, e ao fazê-lo tem particularmente em conta a desafortunada situação dos trabalhadores no sentido de atender- no imediato à precária situação em que se encontram e com a preocupação de salvaguardar o vínculo laboral na plenitude dos direitos adquiridos.
De facto, o projecto de lei n.º 38/IV, ao estipular o direito ao trabalhador de suspender a prestação do trabalho por não retribuição vencida por prazo superior a 30 dias, permite por esta forma o recurso à percepção da percentagem máxima do subsídio de desemprego legalmente estabelecida, que se verifique para o trabalhador em questão a perda de qualquer dos direitos que emergem do contrato de trabalho, designada-
mente os direitos ao vínculo laboral e à retribuição vencida e vincenda, bem como os respectivos juros de mora, tudo como se o trabalho tivesse sido efectivar mente prestado.
Contudo, a iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista procura ir bem mais longe ao preconizar a possibilidade de se requerer judicialmente a declaração de falência ou insolvência das empresas que incorrem nas consequências especiais do não pagamento de salários.
Em. nossa opinião, o alcance desta medida visa eliminar o contínuo alimentar de infundáveis esperanças de viabilidade de um considerável número de empresas em situação económica difícil, que por obsoletas estruturas de produção, perca de mercado, dimensionamento inadequado ou outros imponderáveis conjunturais e tecnológicos não têm capacidade de sobrevivência, empresas estas que, em muitos dos casos, nem sequer estão a laborar, razão por que não podemos considerar os seus trabalhadores como estando a preencher um posto de trabalho efectivo... A não ser implementada esta medida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estamos a contemporizar, com o arrastar por tempo indefinido, com uma situação que não será solucionada com o recurso à percepção do subsídio de desemprego em substituição da justa e devida remuneração. É óbvio que não defendemos nem privilegiamos uma solução idêntica para todas as empresas que geram o .não pagamento de salários. Casos haverá que constituem um fenómeno meramente conjuntural, pelo que a recuperação das empresas não só é possível como desejável.
Caberá em ambas as situações ao Governo saber distinguir o trigo do joio e apoiar urgentemente a recuperação das empresas cuja situação se afigure recuperável. Por isso mesmo, o projecto de lei do PS consagra medidas de recuperação de empresas em dificuldade, nomeadamente de empresas de importância estratégica na economia nacional, com reflexo no domínio das balanças e do mercado do trabalho, empresas essas susceptíveis de viabilização.
Aliás, apesar desta grave situação, não pode o Partido Socialista aceitar que se remetam para os mecanismos de mercado a solução para um problema tão grave e de tamanha amplitude social.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Encontram-se em apreciação três projectos e uma proposta de lei, o que torna evidente a constatação e a vontade de fazer face aos problemas resultantes do fenómeno dos salários em atraso, nas suas incidências económicas e sociais, pelos vários quadrantes políticos subscritores dos mesmos.
As nuances que sé reconhecem nos vários projectos e na proposta de lei em apreço, pesem embora as reservas políticas que algumas soluções nos mereçam, não são de molde a inviabilizarmos nenhum projecto na fase de discussão na generalidade e por isso votámos favoravelmente em sede de Comissão o respectivo, relatório da Subcomissão e assim votaremos agora nesta sessão plenária.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, ao apresentar nesta Câmara o projecto de lei n.º 38/IV, assume os propósitos anteriormente anunciados e os compromissos que constituíram parte integrante da sua proposta ao eleitorado português, consciente da validade do seu contributo aberto a novas contribuições que o enriqueçam, e manifesta a sua vontade política

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para que, em sede de Comissão, no decurso da discussão na especialidade, sejam encontradas soluções sérias e eficazes em ordem a debelar definitivamente o flagelo social que os salários em atraso representam.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, pediram a palavra os Srs. Deputados António Marques e Amândio de Azevedo.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira, serei muito breve, pois apenas desejo colocar-lhe duas questões. A primeira delas refere-se à proibição do pagamento a credores não titulares de créditos com garantias ou privilégios oponíveis aos créditos dos trabalhadores. Assim, gostaria de saber como é que ao proibir-se, neste projecto apresentado pelo PS, o pagamento de fornecimentos se pensa salvaguardar a possibilidade das empresas continuarem a funcionar.
Em segundo lugar, saliente-se que, embora todo o projecto apresentado pelo PS marche no sentido de acelerar as falências, o PRD entende que essa solução não é, de maneira nenhuma, a única solução possível. Assim, gostaria de saber como é que, não se alterando o actual regime de falências, o PS pretende salvaguardar, neste projecto, os interesses e os créditos dos trabalhadores, atendendo à insuficiência dos meios patrimoniais, uma vez que o processo de falência em funcionamento significa apenas a liquidação e a venda dos bens da empresa para o pagamento rateado aos credores.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reservo para uma intervenção autónoma a apreciação dos projectos de lei em apreço, nomeadamente a do projecto apresentado pelo PS. No entanto, há algumas afirmações na intervenção do Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira que penso que necessitam imediatamente de um pedido de correcção.
Em primeiro lugar, desejo salientar que o diploma sobre a garantia salarial aprovado pelo governo anterior não se insere no combate ao problema específico dos salários em atraso, uma vez que se trata de garantir o pagamento de 4 meses de salários, que eventualmente estejam em dívida, aos trabalhadores cujos contratos cessaram em virtude da falência ou da insolvência das empresas. Como sabe, os encargos resultantes do pagamento desses salários foram assumidos, na totalidade, pelo Governo quando, nos termos da directiva da CEE e de uma recomendação do Conselho da Europa, o normal é que o respectivo fundo seja coberto por contribuições, quer dos empresários quer até dos próprios trabalhadores.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado disse que o PS elaborou um projecto sobre salários em atraso que não mereceu o aval do parceiro de coligação. Pois bem, não se tratou propriamente de um projecto. Efectivamente, o PS teve posição em matéria de salários em atraso, mas a verdade é que deu o aval ao projecto apresentado pelo seu parceiro de coligação. Isto é, no governo anterior estabeleceu-se um acordo relativamente a um projecto de lei elaborado pelo governo e que foi aprovado, quer pelo PSD quer pelo PS. Mas, mais ainda, esse projecto de lei consagrava todas as medidas recomendadas pelo parecer, aprovado por unanimidade, do Conselho Permanente da Concertação Social.
Sr. Deputado, devo dizer-lhe que não considero que este problema tenha solução única num momento único, pois com a passagem do tempo novas soluções podem vir a ser consideradas indispensáveis, e a verdade é que o actual Governo ultrapassou as medidas previstas pelo governo anterior, aprovadas pelo PS, ao contemplar a possibilidade de os trabalhadores suspenderem o seu contrato e, portanto, virem a ter direito, sem quebra do vínculo, durante um certo período de tempo, a uma prestação social para compensar a falta de pagamento pontual dos salários.
No que respeita ao processo de falência, devo dizer-lhe que sempre se entendeu - e adianto que continuo a pensar que é esta a solução mais conveniente - que não deve ser no quadro de um diploma específico sobre problemas sociais dos salários em atraso que se devem optar normas sobre processos de falência, mas que deve ser através de uma lei autónoma, que, aliás, está a ser preparada há muito tempo pelo Governo e que, segundo me foi dito, está em adiantado estado de preparação, que se deve legislar em matéria de falência e que se devem tomar, efectivamente, as medidas para que o processo de falência desempenhe equilibradamente o papel que em qualquer sociedade tem de desempenhar.
De facto, uma das causas fundamentais da existência de salários em atraso de uma forma endémica é a doença da nossa economia, é o facto de não funcionarem normalmente os processos da nossa economia, é, nomeadamente, o facto de não funcionar normalmente o processo de falência.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Deputado António Marques, V. Ex.ª referiu, nomeadamente, algumas eventuais incorrecções e pormenores técnicos no diploma apresentado pelo Partido Socialista. Considero isso uma questão de somenos importância face, digamos, à disponibilidade política que acabo de manifestar em nome do meu grupo parlamentar para, em sede de especialidade, tratarmos desses pormenores.
A título de exemplo, devo dizer-lhe que também se me afigura como deslocado o cancelamento do pagamento dos fornecimentos, na medida em que isto significa, portanto, o estrangulamento das empresas que já de si estão em situação de dificuldade. Pensamos que, de facto, há uma deslocação em relação a esta proibição e ela deve ser remetida para uma fase em que o processo, nomeadamente de afluência técnica das empresas, esteja já a ser accionado, e aí já tem, a nosso ver, todo o cabimento uma medida desta natureza.
Contrariamente ao que o Sr. Deputado António Marques julga ver no projecto do Partido Socialista, prevemos também o mecanismo das falências, mas não o consideramos a única solução jurídica do problema dos salários em atraso. Não só não o consideramos a única via jurídica como nem sequer a privilegiamos excessivamente, na medida em que ao apontarmos para outro tipo de mecanismo, nomeadamente para os apoios a empresas que momentaneamente estão em situação económica difícil, estamos efectivamente a

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apontar a via correcta que, implementadas medidas e apoios do Governo nesse sentido, vai permitir claramente que muitos dos trabalhadores que hoje estão com salários em atraso possam, efectivamente, amanhã voltar a produzir em empresas prósperas e, portanto, a não engrossarem o caudal já de si tão volumoso de trabalhadores na situação de desemprego.
Obviamente que discutiremos em, sede de especialidade estas e outras questões- com espírito de total abertura e com uma vontade política no sentido de que essa Subcomissão produza um trabalho efectivo que seja. um contributo válido para superar e minimizar, nomeadamente no tecido social, as incidências desta mesma situação.
Em relação às questões abordadas pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo reconheço que cometi um lapso quando me referi ao fundo de garantia salarial, visto que me desejava referir concretamente àquilo que foi, digamos, um anteprojecto de uma proposta que o governo, na altura, nomeadamente perante esta Câmara, anunciou ir apresentar e submeter à apreciação dos, parceiros sociais. Efectivamente, foi esse anteprojecto do governo que não mereceu o aval do outro parceiro da coligação, e digamos que a iniciativa por aí se ficou. Contudo, note-se que a questão do fundo de garantia salarial, é, efectivamente, discutível.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado Vítor Hugo Sequeira, não houve nenhum anteprojecto que não fosse quase igual àquele que veio a ser objecto de consenso do governo.

O Orador: - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, estou-me a referir concretamente a duas medidas e duas vias completamente distintas. Uma delas respeita à existência de um anteprojecto que foi apresentado em sede do Conselho Permanente da Concertação Social e que não mereceu, digamos, o apoio dos parceiros sociais ali representados. A outra questão - e que teve pernas, para andar-- foi. exactamente a respeitante ao. fundo de garantia salarial. Note-se que este projecto de diploma não estava virado para fazer face à situação dos salários em atraso, digamos, nos aspectos e nas proporções que o fenómeno já vinha traduzindo, mas o problema era abordado em termos preventivos, numa óptica de futuro e nos termos que o Sr. Deputado acabou por definir e, a meu ver, correctamente.
Sr. Deputado Amândio de Azevedo, é verdade que, uma vez que considerámos que a iniciativa do Governo não tinha tido valimento cabal em termos, nomeadamente, de uma proposta que, uma vez assumida e implementada, se tivesse traduzido numa alteração qualitativa do fenómeno dos salários em atraso e das suas implicações no tecido social, nós, deputados do Partido Socialista, no decurso de um debate havido aqui nesta Câmara aquando de uma interpelação do PCP ao Governo, dissemos que, se o Governo não tomasse nenhuma iniciativa, nós, deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, avançaríamos com esse projecto de lei.
De facto, o preâmbulo do projecto de lei n.º 38/IV, apresentado pelo Partido Socialista, descreve essa situação. Não a quisemos acentuar para não criarmos, em relação a qualquer um dos quadrantes, políticos que subscreveram os vários diplomas em apreço, situações de desnecessária fricção que viessem a obstaculizar a que amanhã todos possamos, por consenso, produzir um trabalho que seja, digamos, o resultado do possível, mas que tenha efeitos eficazes. Assim, visto que há uma efectiva vontade política de atacar o problema, não lhe quis dar um particular ênfase na minha intervenção. Em relação à questão do processo de falência, devo dizer que, como o Sr. Deputado Amândio de Azevedo sabe, também o nosso projecto contempla essa situação, embora ressalvemos que não o consideramos como mecanismo único para obviar ao problema e ficamos então a aguardar a legislação que o Governo está a preparar sobre esta matéria e que o Sr. Deputado Amândio de Azevedo aqui acaba de anunciar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos trabalhos de hoje. Informo que a próxima reunião terá lugar na quinta-feira, às 10 horas, sem período de. antes da ordem do dia e cujo período da ordem do dia será preenchido com a continuação da discussão da questão dos salários em atraso e ainda com a discussão do projecto de lei n.º 84/IV e de outro a apresentar pelo MDP/CDE e ainda da proposta de lei n.º 5/IV.
Na quinta-feira, pelas 18 horas, terá ainda lugar a votação final global do projecto de lei n.º 120/IV e da ratificação n.º 7/IV.
Sr. Deputado Soares Cruz, V. Ex.ª pede a palavra para que efeito?. ... :

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, desejo saber se os trabalhos da sessão plenária de quinta-feira se iniciarão com a continuação da discussão de hoje.

O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado. Os trabalhos da próxima sessão iniciar-se-ão com a continuação da discussão da matéria agendada para hoje e a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves usará da palavra em primeiro lugar.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

Entraram durante a sessão os seguinte Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
João José Pedreira de Matos.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Júlio Montalvão Machado.

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Partido Socialista (PS):

António Gonçalves Janeiro.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Ana da Graça Gonçalves Antunes.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
José Manuel dos Santos Magalhães.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Borges de Carvalho.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Henrique José Pereira Moraes.
João Gomes de Abreu de Lima.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Pedro José Del Negro Feist.

Deputados Independentes:

Gonçalo Ribeiro Teles.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
José Mendes Melo Alves.
Mário Jorge Belo Maciel.

Partido Socialista (PS):

José Barbosa Mota.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Partido Renovador Democrático (PRD):

Eurico Lemos Pires.

Partido Comunista Português (PCP):

Zita Maria de Seabra Roseiro.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel do Carmo Tengarrinha.

Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - Ana Maria Marques da Cruz.

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PREÇO DESTE NÚMERO 122$50
PORTE PAGO
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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