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28 DE FEVEREIRO DE 1986 1273

fundamente os sentimentos religiosos da maioria da população, sentimentos esses que, de resto, são partilhados até por muitos dos seus militantes.
É que, na verdade, o que está em causa não são esses sentimentos religiosos, mas algo de muito diverso, que o Parlamento não pode deixar de cumprir, que é a Constituição da República, lei fundamental do País.
E a Constituição impede, clara e frontalmente, a concessão de um canal da TV à Igreja Católica, como o Governo pretende.
Se não bastasse o princípio da igualdade do artigo 13.º da Constituição, se não bastasse o princípio de que são irreversíveis todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril, princípio consagrado no artigo 83.º, deveria ainda invocar-se não só o disposto no artigo 38.º, n.º 7, no sentido de que a televisão não pode ser objecto de propriedade privada, aliás reforçado com a disposição do artigo 41.º, n.º 5, que, ao garantir a utilização dos meios de comunicação social às confissões religiosas, não só limita tal direito à sua utilização (aliás, já praticada na TV), como não põe em causa o princípio anterior do artigo 38.º, n.º 7.
É certo que o Governo defende que tal concessão não colidiria com a nua propriedade, mas só com a fruição da TV. Simplesmente, não se pode ignorar que o direito de propriedade, tal como o define o artigo 1305.º do Código Civil, se traduz em o proprietário usufruir «de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso e fruição», o que deixaria de se verificar se a entidade pública TV proprietária partilhasse tal uso e fruição, plenos e exclusivos, com outrem.
De resto, desde a revisão da Constituição, em 1982, nem sequer se pode admitir a pretendida concessão a entidades privadas, já que o projecto de lei de revisão constitucional n.º 2/11, da AD, previa a possibilidade de concessão da exploração a entidades privadas, mas tal projecto foi rejeitado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que significa que a ideia da «concessão» da proposta de lei do Governo não é nova, mas está morta e enterrada, pelo menos, desde 1982.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Afirmou aqui o Governo que a concessão em causa visa assegurar o pluralismo da televisão.
Estranha afirmação esta por parte do órgão de soberania a quem incumbe a condução da política geral do País e a Administração Pública.
Pois não devem os órgãos de comunicação social estatizados salvaguardar a sua independência perante o Governo e assegurar tal pluralismo, como dispõe o artigo 39.º da Constituição?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - O pluralismo e a independência da televisão não se asseguram com a concessão de canais a entidades privadas, mas sim internamente, dentro da própria televisão, respeitando e cumprindo os princípios que a devem orientar, a sua independência e pluralismo.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

Ao pretender conceder um canal à Igreja Católica, o Governo abre a porta a outras entidades privadas, que vão fazendo exercícios de aquecimento, e que nada têm a ver com os respeitáveis interesses da Igreja, mas sim com obseuros interesses, que visam não o progresso, mas a exploração mercantilista, não a independência e o pluralismo, mas a manipulação da opinião pública, sem qualquer espécie de entraves.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, tal como nos debates de 1982 e de 1984, o MDP/CDE votará contra esta proposta de lei.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP, do Deputado Independente Lopes Cardoso e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Igualmente, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não é nova nesta Câmara a matéria que hoje o Governo nos submete a apreciação, embora desta vez a proposta de lei em apreço se apresente mais clara, menos polémica e juridicamente menos controvertida do que em momentos anteriores.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Boa piada!

O Orador: - Também o tempo decorrido, a evolução das circunstâncias e as inúmeras reflexões originadas por anteriores discussões permitem encontrar espaços de consenso e entendimento entre as diversas forças políticas, em detrimento de posições apriorísticas, que muitas vezes se circunscreveram exclusivamente a áreas pontuais e menores que tinham mais que ver com o embate resultante de determinado circunstancialismo político do que com o fundo da questão controvertida.
Não podemos, por isso, deixar de saudar esta iniciativa do Governo - de resto em cumprimento do seu Programa - vertida na proposta de lei n.º 5/IV.
Razões de ordem jurídica e política fazem com que esta proposta de lei mereça a concordância genérica do PSD.
No entanto, não queremos deixar de assinalar que a Câmara poderá fornecer alguns contributos positivos para a melhoria do seu articulado, a atender pelas sugestões alvitradas por senhores deputados de várias bancadas, e muito em particular por deputados do PRD. Cremos que tais contributos serão considerados bem-vindos, não só por parte da nossa bancada, mas certamente também por parte do Governo, que a este respeito, como a respeito de outras matérias, tem mostrado uma atitude de abertura e de diálogo.
Em nossa opinião, é hoje uma tese maioritária, em termos doutrinais, a aceitação da constitucionalidade de uma proposta de lei como esta, que visa permitir a concessão de exploração de um canal de televisão a empresa pública -pessoalmente, penso que o texto deveria estender essa possibilidade a empresas privadas em regime de concurso -, bem como à Igreja Católica, e garantir o acesso aos meios de televisão às restantes confissões religiosas. E isto porque o preceituado

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