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27 DE MARÇO DE 1987 2405

tolerância, da objectividade, do pragmatismo, da prudência. .. Céus! Paremos por aqui pois, já chega até à náusea. É em nome de tudo isto que se pretende pôr em causa aquilo em que a Constituição foi clarividentemente precisa, ou seja, a televisão não pode ser objecto de propriedade privada.
Na lógica do preceito, na substância que o enforma, pretendeu, inequivocamente, quem o votou e o fez lei que o Estado mantivesse, em regime de monopólio, a televisão e que qualquer relação jurídica que a seu pretexto ou propósito se estabelecesse fosse uma relação jurídica pública, jamais confundível com qualquer tipo de contrato privado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Vir, neste momento, o parecer da 1.ª Comissão dizer que tem sido larga a controvérsia da doutrina à volta da matéria não é mais do que empolar as posições de uns quantos que, independentemente do mérito ou do demérito, que agora não importa considerar, têm servido a defesa anticonstitucional de modelos que são de natureza meramente partidária e ideológica.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Há pouco foi referido um texto, aliás conhecido, de Marcello Caetano, e eu direi, depois de ter lido aqui ou além, o Manual de Direito Administrativo, 1.º vol., do Prof. Freitas do Amaral, que pensamento do falecido professor da Faculdade de Direito de Lisboa já se acha suficientemente edulcorado e adulterado para que os Srs. Deputados dessas bancadas possam, com vantagem despudorada, invocar o Prof. Freitas do Amaral em defesa de uma tese completamente insufragável. Mas isto não dá dignidade de controvérsia às posições abertamente, irritamente, inconstitucionais que a direita em geral tem vindo a defender ao longo dos tempos e que, no presente, na previsão de uma revisão constitucional a curto prazo, não deixa de acirradamente invocar. E chega ao nó górdio de uma verdadeira turquez que acaba por estrangular a tentativa insidiosa do CDS. É que o CDS entende, por um lado, que a revisão constitucional, essa sim, iria pôr no são alguma coisa que hoje não é aceitável nem possível dirimir, com toda a clareza, em sede do que são os seus desejos. Mas, na passada e aproveitando as fraquezas da conjuntura, intenta, enviesando mas cambilhando um preceito constitucional, fazer valer, num projecto de lei, aquilo que sabe que, em bom rigor técnico-jurídico, para não dizer mais, é totalmente incontestável por quem tenha destas coisas uma postura séria e de princípios.
Senão vejamos: vem de longe a voz do Sr. Deputado Almeida Santos na Comissão Eventual de Revisão Constitucional - ele, há momentos, encontrava-se nesta sala e é pena que agora não esteja, pois certamente apoiaria a afirmação:

O espírito da Constituição é o proibir que a televisão seja utilizada por entidades privadas. Ora, se ela pudesse ser utilizada a título de concessão, é manifesto que aquela finalidade não seria atingida.

É bom lembrar que isto foi afirmado exactamente na altura em que uma proposta para o n.º 6 do artigo 38.º, vinda dos arsenais da AD, era chumbada na Comissão ao pretender não apenas a privatização da televisão mas também a possibilitação do seu exercício por operadores privados, designadamente pela via jurídica administrativa da concessão.
Já depois disso, numa outra oportunidade, o então deputado Luís Nunes de Almeida, hoje juiz do Tribunal Constitucional, dizia, em termos absolutamente escorreitos, que:

A admitir-se uma televisão privada, só um número reduzido de entidades poderia lançar tal empreendimento, concentrando-se assim, nas mãos de poucos, um poder eventualmente superior a alguns dos tradicionais poderes do Estado.

E ainda, mais recentemente, o Sr. Deputado Jorge Lacão (aqui à minha esquerda) tinha oportunidade de lembrar perante a Câmara o que passo a citar:
A norma da televisão, inserida no título dos direitos, liberdades e garantias, é uma norma excepcional para a televisão, da qual a meu ver só há apenas uma dicotomia - ou a titularidade pública ou a titularidade privada, que é excluída pela própria Constituição.

E acrescentaria, muito bem:

Nesse sentido, à luz da Constituição, eu só vejo uma possibilidade para a televisão, a que ela seja objecto da titularidade pública e não outra.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A Constituição não mudou!

O Orador: - É claro que pode contrabandear-se toda a mexerufada ideológica anticonstitucional para defender a televisão privada e pode inclusivamente dizer-se, como se diz no preâmbulo do projecto de lei do CDS, que a comissão criada para a análise da proposta de lei do Governo n.º 5/IV provou, na audição com as várias entidades, que é irreversível a televisão privada, donde importa, por mera prudência, legislar rapidamente neste domínio, esquecendo que nós não vivemos no reino da anomia e que esta não é a república nefelibatística sonhada pelo CDS, mas sim uma república concreta chamada Portugal, com uma lei fundamental chamada Constituição da República, que os Srs. Deputados têm que respeitar, gostem ou não gostem dela!

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - É perfeitamente intolerável tentar, olhos nos olhos e face a face, dar cunho de normatividade e de normalidade jurídica àquilo que é, a todos os títulos, intolerável.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não valerá continuar a argumentar, embora a matéria seja conhecida, franca e disponível. Quando, em sede de revisão da Constituição, para o n.º 8 do artigo 38.º se pensou inscrever e estabeleceu, para o caso da rádio, que as «estações emissoras de radiodifusão só podem funcionar mediante licença a conferir nos termos da lei», é evidente, para quem quer que não esteja cego ou vendado, que o legislador que procedia à revisão do texto constitucional, se tivesse querido qualquer regime similar para a televisão, o teria consagrado, tanto mais que havia pró-