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Sexta-feira, 18 de Março de 1988 I Série - Número 64

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE MARÇO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. José Manuel Maia Nunes de Almeida

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Caio Roque Cláudio
José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta dos requerimentos apresentados na Mesa, da resposta a alguns outros e da entrada do projecto de deliberação n. º 13/V (PSD).
Em declaração política e a propósito do encerramento do Ano Europeu do Ambiente, o Sr. Deputado Herculano Pombo (Os Verdes) criticou, de novo, a ampliação do Campo de Tiro de Alcochete.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jorge Loção (PS) abordou a problemática da informação em Portugal, tendo respondido, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Vieira Mesquita e Carlos Encarnação (PSD), Jorge Lemos (PCP), João Corregedor da Fonseca (ID) - que também respondeu a um protesto do Sr. Deputado Carlos Encarnação -, Pacheco Pereira (PSD) e Narana Coissoró (CDS) - que também deu explicações ao Sr. Deputado Vieira Mesquita, que o havia interrompido.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado João Amaral (PCP), na sequência de um seminário sobre regionalização promovido pela Associação dos Municípios Portugueses, falou dos problemas que afectam o poder local. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Roleira Marinho e Aristides Teixeira (PSD), que depois deu explicações ao Sr. Deputado José Lello (PS).
O Sr. Deputado Oliveira de Matos (PSD) aludiu à importância da implementação do Plano Nacional de Saúde Animal anunciada pelo Governo.
O Sr. Deputado Rogério Moreira (PCP) teceu considerações sobre a reforma educativa proposta pelo Executivo e respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Aristides Teixeira (PSD), Isabel Espada (PRD), Sottomayor Cárdia (PS) e Jorge Paulo Cunha (PSD).
O Sr. Deputado Rui Silva (PRD) elencou algumas necessidades da Região de Turismo do Oeste, após o que respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Vasco Miguel (PSD).
Foram aprovados os votos n.ºs 23 e 24/V(PCP) sobre, respectivamente, o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor e os Dias Internacional da Floresta e Nacional da Árvore, e um voto de saudação pelo Dia Mundial do Dador Benévolo de Sangue (PSD).

Ordem do dia. - Após a leitura pelo Sr. Deputado Pais de Sousa (PSD) do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o relatório sobre segurança interna, fez-se a apreciação deste último, tendo intervindo, além do Sr. Ministro da Administração Interna (Silveira Godinho), os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Mário Raposo, Pais de Sousa, Guilherme Silva e Correia Afonso (PSD), Narana Coissoró (CDS), Jorge Sampaio e Jorge Lacão (PS), Marques Júnior (PRD), Raul Castro (ID) e Maria Santos (Os Verdes).
Entretanto, foi eleito o Sr. Mário Pinto para presidente do Conselho Nacional de Educação.
Procedeu-se à discussão conjunta dos projectos de deliberação n.ºs 12/V (PSD) - Constituição de uma comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil e 13/V (PSD) - Constituição de uma comissão parlamentar eventual para contactos com as Cortes Espanholas, que foram aprovados. Intervieram no debate os Srs. Deputados Sousa Lara (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Rui Silva (PRD), Mana Santos (Os Verdes), Adriano Moreira (CDS), Jaime Gama (PS), João Corregedor da Fonseca (ID) e Soares Costa (PSD).
Foram debatidos, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 172/V (PSD) - Lei sobre a investigação e desenvolvimento tecnológico e 199/V (PS) - Lei do enquadramento da promoção da investigação científica e tecnológica, sobre os quais intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Adriano Moreira (CDS), João Belém (PSD), Rogério Moreira (PCP), Isabel Espada (PRD), Jorge Lemos (PCP), Raul Junqueira (PS), Soares Costa (PSD) e António Barreto (PS).
Entretanto, foi aprovado, em votação final global, o projecto de lei n. º 194/V (PSD) - Âmbito de aplicação do artigo 106. º da Lei n. º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 0 horas e 20 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Costa de A. de Sousa Lara.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Adindo da Silva André Moreira.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte de Oliveira.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
César da Costa Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Gilberto Parca Madail.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Tavares Marques.
Jaime Carlos Marta Soares.
Jaime Gomes Milhomens.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João Manuel Ascensão Belém.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José de Almeida Cesário.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José António Coito Pita.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira de Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Leite Machado.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Mário Lemos Damião.
Liberal Correia.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria da Conceição de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
Jaime José Matos da Gama.
João Barroso Soares.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio P. Castel Branco.
José Manuel Leio Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.

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Manuel Alfredo Tito de Morais.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Dor ia Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
José da Silva Lopes.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai anunciar os requerimentos que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, os requerimentos seguintes: ao Ministério da Justiça (2), formulados pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes; ao Governo, formulados, pelos Srs. Deputados Luís Roque, Álvaro Amaro e António Guterres; a diversos ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; à Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais e ao Ministério da Saúde, formulados pelos Srs. Deputados José Sócrates e Adão Silva; à Secretaria de Estado da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Armando Militão; aos Ministérios das Finanças e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (2), formulados pelo Sr. Deputado Mendes Bota; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho; aos Ministérios da Educação e da Indústria e Energia (2), formulados pelo Sr. Deputado Hermínio Martinho; à Câmara Municipal de Chaves, formulado pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Eduardo Pereira, Fernando Moniz e Sottomayor Cárdia; ao Ministério da Indústria e Energia e à Secretaria de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais (4), formulados pelo Sr. Deputado Herculano Pombo; ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado José Apolinário; às Secretarias de Estado da Cultura e do Turismo (2), formulados pela Sr.ª Deputada Helena Roseta; aos Ministérios da Educação e da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Fernando Gomes; ao Ministério da Saúde (2), formulados pelo Sr. Deputado Roque da Cunha, e ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Afonso Abrantes e Rui Vieira.
Por sua vez o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Lurdes Hespanhol, na sessão de 13 de Novembro; António Barreto, nas sessões de 19 de Novembro e 26 de Janeiro; Jorge Lemos, na sessão de 27 de Novembro; Ilda Figueiredo e Maria Santos, na sessão de 4 de Dezembro; Julieta Sampaio, na sessão de 11 de Dezembro; José Lello, na sessão de 15 de Dezembro; Roleira Marinho, nas sessões de 17 de Dezembro e 11 e 12 de Fevereiro; Lino de Carvalho, nas sessões de 30 de Dezembro e 11 de Fevereiro; Mota Veiga, na sessão de 14 de Janeiro; Armando Fernandes, na sessão de 14 de Janeiro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 15 de Janeiro; José Apolinário, na sessão de 21 de Janeiro; Afonso Abrantes e António Braga, na sessão de 28 de Janeiro; Cláudio Percheiro e outros, na sessão de 2 de Fevereiro; Hermínio Martinho e Carlos Pinto, na sessão de 4 de Fevereiro; Osório Gomes e Rui Vieira, na sessão de 11 de Fevereiro; José Magalhães, na sessão de 18 de Fevereiro; João Amaral, na sessão de 23 de Fevereiro, e José Manuel Mendes, na sessão de 25 de Fevereiro.
Entretanto, deu entrada na Mesa e foi admitido o projecto de deliberação n.º 13/V (PSD) - Constituição de uma comissão parlamentar para contactos com as Cortes Espanholas.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs Deputadas, Srs. Deputados: Está prestes a terminar o Ano Europeu do Ambiente, período de

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12 meses, entre duas Primaveras, escolhido pelos governos da Comunidade para a reflexão, a tomada de consciência e a acção em defesa da vida.
Em breve será tempo de balanço, e a crua realidade se encarregará de calcinar a demagogia e de rasgar as flores de papel que murcharão entre cartazes e fitas de inauguração.
Mas para a história deste Ano Europeu do Ambiente ficará também uma meia dúzia de decisões, entre as quais avulta a da inexorável destruição de um santuário de vida, que, juntamente com a Reserva Natural da Ria Formosa (aliás, também grandemente ameaçada), constitui a zona húmida mais importante de Portugal, figurando com o n. º 216 na lista das zonas húmidas mundiais a proteger, por determinação da Convenção de RAMSAR, que Portugal ratificou em 24 de Novembro de 1980.
Trata-se da Reserva Natural do Estuário do Tejo, criada por decreto-lei de Julho de 1976, cuja sobrevivência o Governo Português decidiu sacrificar aos insaciáveis deuses da guerra. Com efeito, cedendo a pressões das estruturas militares mais retrógradas, o Governo, agachado por detrás da cortina de flores do Ano Europeu do Ambiente, decidiu dar execução às obras de ampliação do Campo de Tiro de Alcochete - infra-estrutura militar cuja localização foi decidida há largas dezenas de anos, que ocupa uma área aproximada de 2000 ha e que se destina prioritariamente à «instrução e treino de tiro e bombardeamento do pessoal navegante da Força Aérea Portuguesa e das forças aéreas estrangeiras que, por acordo governamental, sejam autorizadas a utilizá-lo». O cabal cumprimento de tão «imprescindível» missão exige, segundo os militares, o seu alargamento para uma área total de 8000 ha e um perímetro vedado de 50 km. Assim, o velho sonho tornou-se realidade no ano Europeu do Ambiente, e entre 1987 e 1991 será possível «o disparo de mísseis ar-solo de curto alcance e a modalidade de toss-bombing, que exige maior segurança lateral do que o bombardeamento convencional».
Quanto ao investimento financeiro, nada há a recear, já que o «Campo terá uma utilização muito razoável, pelo que tudo será recuperado a prazo, não só no plano nacional como em termos internacionais». E assim se dá cumprimento ao Programa do Governo quando afirma «a necessidade de rentabilizar as enormes potencialidades geo-estratégicas de todo o território nacional». Com uma cajadada se matam dois coelhos ... Mas a realidade não se fica por dois coelhos - segundo um conceituado técnico, que VV. Ex.ªs certamente conhecerão, este alargamento «violaria um vasto conjunto de legislação nacional e comunitária e levaria Portugal a passar por situações menos dignas aos olhos da comunidade internacional»; constituiria uma ameaça para dezenas de espécies de aves que estamos obrigados a proteger; poria em causa a normal utilização de vastas áreas de lezíria e charneca, das mais produtivas para agricultura e silvo-pastorícia em Portugal e afectaria a segurança e sossego das populações da zona envolvente, que é a mais populosa do País».
Estamos no Ano Europeu do Ambiente e ninguém poderá alegar desconhecimento. Em Agosto de 1987 surgem as primeiras manifestações de espanto e preocupação pela decisão governamental. E o movimento foi crescendo e recebeu a adesão de grupos e associações de cidadãos, autarquias, técnicos e, tendo mesmo saltado fronteiras do País, recebeu o apoio e solidariedade de inúmeras personalidades em toda a Europa.
O Partido Ecologista Os Verdes não tem poupado esforços num trabalho constante de denúncia, informação e promoção de acções, com o objectivo de evitar a consumação de tão irracional medida.
Estando conscientes de que é tarefa tão gigantesca quanto patriótica, temos estabelecido contactos com todos os grupos representativos das áreas ambientalista e pacifista em Portugal, bem como com inúmeras autarquias ...

Pausa.

Sr. Presidente, queria protestar contra o ruído excessivo que se faz ouvir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem toda a razão em protestar, porque, na verdade, tendo em conta as deficientes condições do sistema de som, com este ruído não há a mínima possibilidade de se ouvirem as suas palavras.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ouve-se o suficiente!

O Orador: - Recebemos o apoio e solidariedade de dezenas de deputados de várias bancadas que, em abaixo-assinado, manifestaram a sua preocupação pelo avanço do projecto. A nível internacional, foram-nos enviadas declarações escritas de repúdio por parte da maioria dos partidos verdes da Europa e o pedido de anulação do projecto foi subscrito por vários deputados do Grupo Arco-íris no Parlamento Europeu.
Inúmeras vezes alertámos o Governo para a necessidade de revogar a sua decisão, outras tantas vezes recebemos como resposta ora o silêncio ora a contradição, quase sempre a ironia demagógica.
Em três sessões parlamentares, posto perante a mesma pergunta, o Governo respondeu, em 28 de Novembro de 1987, por intermédio do Sr. Ministro da Defesa:
O Governo e o Ministério da Defesa vão dar continuação ao Despacho n.º 43/87, de 17 de Julho, já que se verificou que a utilização do Campo de Tiro de Alcochete não tem o mínimo de intervenção sobre as condições naturais da reserva húmida do Tejo.
Porém, em 13 de Fevereiro de 1988, o mesmo Ministro da Defesa respondeu:
O Campo de Tiro de Alcochete existe, neste momento está a ser ampliado e continuará a sê-lo. Atendendo ao impacte social, ambiental e económico que aquele Campo de Tiro pode provocar no local onde se encontra [...] está nomeada uma comissão a fim de estudar uma alternativa a médio prazo [...] Volto a frisar que o Campo de Tiro de Alcochete está a ser ampliado e continuará a ser até se obterem os resultados dessa comissão.
Em 4 dê Março de 1988, durante uma sessão de perguntas ao Governo, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais respondeu:
Não existem obras em curso no Campo de Tiro de Alcochete [... ] é intenção do Governo criar

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uma equipa de trabalho para avaliar o impacte ambiental, económico e social dessa eventual ampliação [...] não há qualquer decisão que seja irreversível e tanto os aspectos ambientais como outros serão naturalmente salvaguardados.
São palavras bastantes e constam todas elas dos Diários das respectivas sessões parlamentares.
Face a tudo isto, o Partido Ecologista Os Verdes, em conjunto com um vasto grupo de associações e autarquias, divulgará hoje mesmo um conjunto de acções, entre as quais avulta a realização de iniciativas de protesto contra o alargamento do Campo de Tiro de Alcochete, a efectuar no próximo dia 20, em Alcochete, que contarão com a adesão de todos os que não se conformam com mais este crime anunciado.
Termino, como termina este Ano Europeu do Ambiente, com um desafio. Sr. Secretário de Estado do Ambiente e dos Recursos Naturais, em nome da dignidade pessoal e do respeito pelos princípios que diz defender, cabe-lhe tomar uma de duas decisões: ou exigir no seio do seu governo a revogação da decisão do alargamento do Campo de Tiro de Alcochete ou demitir-se!
E faltam apenas três dias para que se comece a contar a verdadeira história do Ano Europeu do Ambiente.
Ainda estamos a tempo de a fazer com dignidade!

Aplausos de Os Verdes, do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O motivo da presente declaração política está relacionado com o problema da informação, que de novo tomou relevo ao longo da semana parlamentar.
Importantes diplomas estão em curso de apreciação legislativa e é por isso oportuno, senão mesmo inadiável, confrontar a maioria e o Governo com o significado político de orientações que, no seu conjunto, poderão representar gravíssimos obstáculos ao exercício do direito à informação e da liberdade de comunicação social.
Em primeiro lugar, no domínio da radiodifusão.
O Governo propôs e a maioria aprovou uma proposta de lei que revogou o Conselho da Rádio, órgão cuja independência e composição plural, sendo expressiva de interesses sociais do maior relevo, garantiria a isenção indispensável no processo de licenciamento das futuras estações emissoras. Em sua substituição, o PSD confronta-nos com o simulacro de um organismo escandalosamente governamentalizado e onde terão lugar representantes das duas actuais estações emissoras de âmbito nacional, cujos interesses e vocação expansionista em tudo colidem com as expectativas dos novos candidatos de aceder ao espectro radioeléctrico em condições de não discriminação e de pluralismo efectivo. Tal organismo terá a natureza de uma assessoria governamental. E é por isso estranho que um organismo governamentalizado e de assessoria do Governo venha a ser presidido por um magistrado judicial, deste modo se comprometendo o próprio significado constitucional da independência dos juizes. O Governo quer salvar a face e manter a fachada - mas é outro o edifício em construção, concebido não para vitalizar o dinamismo da opinião pública mas para condicionar a opinião pública ao espartilho de uma tutela dirigista.
E o objectivo de condicionamento vai ao ponto de levar o PSD a pretender silenciar, num período mais ou menos largo de transição, todas as estações emissoras candidatas ao licenciamento, o que ocorrerá desde o momento do anúncio do concurso público até à produção dos respectivos efeitos. Assim se revoga a norma de garantia actualmente em vigor, nos termos da qual as rádios estavam autorizadas a emitir até à produção de efeitos do primeiro concurso. O alcance de tal medida torna-se por demais evidente: o Governo impõe o silêncio dos candidatos para não ter de confrontar-se com a denúncia pública das injustiças que praticar.
E fá-lo, agora sim, com manifesto prejuízo de expectativas legítimas, adquiridas ao abrigo de uma norma de garantia, e por isso com clara violação do princípio da segurança jurídica ainda há tão poucos dias invocado na bancada do PSD. Assumiram-se compromissos financeiros e comprometeram-se destinos profissionais. Mas o Governo passa adiante, porque acima dos interesses da sociedade coloca a defesa dos seus próprios interesses.
Por outro lado, ao recusar-se a tornar público o regime de preferências legais a adoptar no processo atributivo dos alvarás, o Governo e a sua maioria já converteram o debate sobre a Lei da Rádio num debate inevitavelmente viciado e obscuro quanto a questões que desde a primeira hora deveriam ser objecto da maior transparência.
O Governo e a maioria têm medo de um debate aberto. E vão ao ponto de recusar dizer-nos qual a estrutura a que deve obedecer o mapa de frequências.
Quantas rádios locais podemos tecnicamente ter e quantas são as que efectivamente vamos ter?
Vai haver licenciamento simultâneo para rádios regionais?
E para estações de cobertura nacional?
As perguntas subsistem sem resposta. O Governo e o PSD, pelo obscurantismo da sua conduta, estão em vésperas de inscrever a sua acção na tradição dos poderes autoritários para quem as condições de livre expressão do pensamento eram tidas como campo armadilhado e ameaçador da integridade da razão de Estado.
A razão de Estado, no caso que nos ocupa, não passa infelizmente de ser uma razão de partido, uma vocação de partido - o PSD quer utilizar o poder para se institucionalizar no Poder.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Olhe que não!...

O Orador: - E por isso o seu autoproclamado liberalismo dobra submissamente os joelhos em matéria de informação, em face deste exemplo acabado de dirigismo governativo.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Para reforçar o que afirmo serve o próprio conhecimento das propostas do PSD, quanto à revisão da Constituição na matéria relativa à comunicação social.

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Extingue-se o Conselho de Comunicação Social para o sector público. Não se propõe a constitucionalização de qualquer tipo de órgão independente com atribuições que velem pela isenção dos licenciamentos de estações privadas, quer de rádio quer de televisão, que garantem o exercício dos direitos de informação e a possibilidade de expressão das diversas correntes de opinião, que velem pela existência de um ambiente deontológico no domínio da informação, a qual deve constituir um fim em si mesma e não um instrumento ao serviço de outros poderes.
A conclusão impõe-se com naturalidade: a lógica do PSD em matéria de informação não é a da liberdade cultural mas a da liberdade económica, por isso mesmo a da desigualdade social nas condições de acesso aos bens e valores culturais.
E não se diga, Srs. Deputados, que o que acabo de dizer é expressão de má vontade de um deputado da oposição. Que outra coisa poderia admitir-se em face de uma proposta governamental, essa felizmente já rechaçada, que estabelecia - notem bem - como atribuição específica do serviço público de radiodifusão a de contribuir para (e cito) «a consciencialização económica» dos Portugueses. E com precedência sobre a consciencialização política e a consciencialização cívica.
O exemplo é emblemático. Dá-nos bem, por caricatura, a noção da hierarquia dos valores, ou melhor, dos interesses economicistas a que este governo se subordina e a que nos pretende submeter.
É o economicismo, uma vez mais, a lógica flagrante das anunciadas operações de privatização das empresas públicas de comunicação social.
Todos sabemos que o regime legal admite a preferência, na alienação, aos projectos empresariais de base profissional constituídos por jornalistas ou outros profissionais da comunicação social. Vale a pena lembrar que tal disposição foi aprovada no âmbito de um quadro legal que mereceu a oposição do PSD. Mas é agora o momento de perguntar: se efectivamente o Governo pretende viabilizar novos projectos profissionais, porque não cria o Governo, numa primeira fase, empresas de capitais mistos, associando tais projectos profissionais a uma gestão equilibrada e em que a participação do sector público se mantenha, ainda que transitoriamente, até à consolidação dos referidos projectos?
Se o Governo estivesse seriamente preocupado em fomentar a qualidade da informação que temos, não hesitaria quanto ao caminho a seguir. Mas é de recear que o Governo venha a tratar as empresas de comunicação social como se de empresas de sabonetes se tratasse e a remeter os chamados profissionais para o papel de «testas de ferro» de terceiras fontes de financiamento - e tudo, evidentemente, em nome da boa consciencialização económica, essa espécie de vaca sagrada a que todos os demais interesses seriam obrigados a prestar homenagem.
O tempo todavia vai passando, e com ele, o da onda laranja e a pretendida eficácia governamental vão-se revelando um bluff. E no esforço que a maioria trava para manter a aparência contra a essência vão-se perigando princípios e denegando direitos. É o que está em vias de suceder, por exemplo, com as alterações à forma do processo penal nas acções por crimes de abuso de liberdade de imprensa.
Os prazos legais para a instrução, que actualmente são de 20 ou 30 dias, conforme haja ou não arguidos detidos, estão em risco de ser ampliados, segundo a regra geral, de 6 ou 8 meses para a realização do inquérito preliminar. Sem direito à produção de prova ou a requerer instrução contraditória, os acusados ficarão ainda mais vulnerabilizados no exercício da sua defesa, o que, obviamente, diminui as garantias gerais do direito de informar.
Facto que a todos os títulos nos preocupa. Sobretudo em face da atitude de um governo que não hesitou, contra todos os ventos e marés da história da liberdade parlamentar, em vulnerabilizar o estatuto do deputado. Governo que por maioria de razão muito menos hesitará em afectar, directa e indirectamente, o estatuto de independência dos profissionais da informação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma informação livre e pluralista é um bem que não tem preço. Talvez seja por isso que este governo, no seu economicismo linear, tanto a desvaloriza. E sobretudo tanto a confunde como instrumento de propaganda, ao estilo do Estado-espectáculo tão do agrado do Sr. Primeiro-Ministro, tão do agrado de todas as vocações de poder autoritário.

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - O PS, todavia, não desistirá de contribuir para que a sociedade portuguesa disponha de uma comunicação social que seja espelho de maturidade cívica e não reflexo de dependências prosaicas.
No decurso dos processos legislativos a que me referi, os agentes sociais interessados na mudança têm vindo a demonstrar, para quem tenha estado atento, que se não conformam com o conformismo do PSD.
Se os Srs. Deputados do PSD quiserem realmente mostrar-se atentos, têm ainda oportunidade de arrepiar caminho. Caso contrário ficarão ligados, por muito que a alguns lhe custe, a uma página muito infeliz da velha história das dependências a que os poderes recorrem para impedir, quando lhes convém, o normal desenvolvimento das condições de exercício da liberdade.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Ficou com dúvidas?

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª veio ao Plenário fazer uma declaração política que, confesso, muito nos surpreendeu.
Efectivamente, fez uma declaração política sobre duas propostas de lei que, neste momento, estão em discussão em sede de especialidade. Uma é a da Lei da Rádio, outra é uma proposta de lei de autorização legislativa relativa a normas adjectivas - e saliento-o e sublinho-o!- que dizem respeito aos crimes por abuso de liberdade de imprensa ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Também são importantes!

O Orador: - São importantes, são, Sr. Deputado! Já lá iremos mais desenvolvidamente.

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E vem aqui o Sr. Deputado Jorge Lacão fazer uma declaração política enchendo este Plenário de palavras verdadeiramente injustificadas. É porque a oposição não tem o mínimo de razão de queixa no que toca à discussão destes dois diplomas, quer ao da Lei da Rádio quer ao que se refere aos crimes por abuso de liberdade de imprensa. Na verdade, quem teria toda a legitimidade para aqui fazer uma declaração política sobre esta matéria seriam, exactamente, os deputados da bancada da maioria.
Porque V. Ex.ª sabe bem da necessidade de se atender rapidamente ao problema do caos existente no espaço radioeléctrico, por forma a normalizar a situação actual, fazendo aprovar uma lei da rádio.
Temos insistido largamente nessa celeridade. Temos apresentado propostas de alteração na especialidade que vieram completar a própria proposta de lei. Viemos já dar uma resposta positiva relativamente ao período de suspensão das penalizações que estão previstas na Lei da Rádio, designadamente estabelecendo um período transitório.
Já agora deixe que lhe diga que defendemos que esse período transitório se produza e que finde com a abertura do concurso público. Porquê? Porque queremos pôr toda a gente em pé de igualdade, Sr. Deputado. Não queremos factos consumados.
Desejamos que, em Portugal, não se crie o caos que se criou em França, exactamente devido à tomada de uma medida idêntica à que VV. Ex.ªs defendem. Queremos que todas as estações de radiodifusão estejam em pé de igualdade, quer as que estão hoje a emitir quer as que ainda existem apenas em projecto. Queremos que não se rompa com essa igualdade. E o Sr. Deputado deveria ser sensível a esse valor: o da igualdade!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, creia que desta bancada não partirá a iniciativa de deixar de continuar a discussão, fazendo até apelo a muita paciência para aturarmos as pequenas questões de forma que V V. Ex.as vão introduzindo para obstaculizarem - eis a verdade!- a produção legislativa a que esta Assembleia e todos nós deveremos estar obrigados.

Uma Voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É isso que os senhores não querem mas que terão de fazer, porque constituímos uma maioria e nesta questão imporemos que assim aconteça.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É uma «rolha» para a oposição!

O Orador: - Sr. Deputado, não é uma rolha para a oposição; é, sim, liberdade para a oposição, mas uma liberdade sã. Não é, com certeza, uma liberdade que permita tolher os passos que a própria Assembleia da República deve dar.

Uma Voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente aos crimes de abuso de liberdade de imprensa, deixe que lhe diga, Sr. Deputado, que nesse aspecto V. Ex.ª está a proceder de má fé e com desonestidade intelectual.
V. Ex.ª leia com atenção o preâmbulo da proposta de lei de autorização legislativa sobre esta matéria e verá que o que está previsto são normas adjectivas que harmonizam o capítulo IV da Lei de Imprensa com o actual Código de Processo Penal, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1988.
Portanto, não está em causa qualquer problema quer de direito à liberdade de informação quer de carácter persecutório relativamente aos jornalistas, como V. Ex.ª pretendeu insinuar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não diga isso!

O Orador: - Estão salvaguardados os direitos de todos, como os de qualquer outro cidadão, designadamente os dos jornalistas.
Portanto, V. Ex.ª não pode nem deve proceder desta forma, principalmente enquanto este diploma não for discutido em sede de comissão especializada.
Não seremos sensíveis a este tipo de pressão, vamos é discutir estes problemas em sede própria, que é a Comissão.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, num tom necessariamente sereno como é o meu normal, ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É para contrapor ao do seu colega de bancada! ...

O Orador: - ... deveria dizer que o Sr. Deputado se «sangrou em vida».
Efectivamente, o que ouvimos foi um exemplo de má consciência de um deputado da oposição e tão-só!
Tudo o que o Sr. Deputado referiu não está em causa: nem a liberdade de informação, nem a democracia, nem os princípios fundamentais do Estado em relação à informação. O que está em causa e que, na prática, nos divide são questões que se prendem com o completar de diplomas que nesta altura estão em discussão e que são estremamente importantes para o nosso ordenamento jurídico.
Diria que a implementação da Lei da Radiodifusão, a da proposta de lei de alienação das participações do Estado nos órgãos de comunicação social escrita e a das alterações à Lei de Imprensa é comummente reconhecida como urgente e necessária.
Fundamentalmente, trata-se de proceder a uma moralização do regime e a uma actualização legislativa. Trata-se, pura e simplesmente, de colocar o assunto na sua verdadeira dimensão.

Uma Voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª costuma afirmar que o Estado gostaria de tratar as empresas de comunicação social como se se tratassem de empresas de sabonetes. Se calhar, o que V. Ex.ª refere também é uma má consciência sua, e sabe que é necessário.

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Talvez V. Ex.ª saiba e lhe seja difícil recusar que é urgente pôr em prática algo que consiga limpar este país do conservantismo político-burocrático que o asfixia e o impede de progredir.
Nesta altura, é exactamente este um dos objectivos que este Estado e este governo se propõem atingir. E este objectivo que pretendemos alcançar é o mesmo quanto à liberdade de imprensa, quanto à liberdade de abertura ao sector privado da rádio e dos órgãos de informação escrita do Estado, e só o alcançaremos através destas medidas e não de outras.
Por último, V. Ex.ª protesta contra o economicismo deste governo. O que V. Ex.ª quer é esconder que este governo tem ideias novas acerca da condução do País para a modernidade, para o desenvolvimento e para o progresso.
O que V. Ex.ª quer esconder é que este governo e este país têm de reagir contra a impunidade, a imoralidade e a irresponsabilidade.
Este é o nosso combate, neste momento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, peco-lhe desculpa pelo facto de há pouco não lhe ter perguntado se desejava responder um a um ou no fim a todos os pedidos de esclarecimento, mas faço-o agora.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Obrigado, Sr. Presidente, mas respondo no fim.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, permita-me que, da parte da nossa bancada, nos associemos ao essencial da sua intervenção e à questão da oportunidade de ter trazido o problema ao Plenário.
Compreendemos também, Sr. Deputado Jorge Lacão, que os Srs. Deputados do PSD possam ter as costas um pouco feridas das «chicotadas» que têm levado nos últimos dias ...

Protestos de alguns deputados do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Psicológicas!

O Orador: - Chicotadas psicológicas, obviamente!
Como eu estava a dizer, compreendemos que os Srs. Deputados do PSD possam ter as costas um pouco feridas das «chicotadas» que têm levado nos últimos dias, mas pensamos, Sr. Deputado Jorge Lacão, que nos deveriam poupar ...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Proteste no seu partido para ver se tem coragem!

O Orador: - O Sr. Deputado Duarte Lima quer falar? É que se quer, faça favor, eu permito-lhe a interrupção, mas o tempo que gastar será descontado no tempo de que o seu partido dispõe.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É só para lhe dizer o seguinte: proteste o Sr. Deputado dentro do seu partido para ver se tem coragem. É que nós, no nosso partido, podemos protestar quando queremos. Gostaria de o ouvir protestar no seu partido, porque eu nunca soube que o tivesse feito!

Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Deputado Duarte Lima, não percebi as palavras bagunçadas que lançou para o Diário, mas dir-lhe-ei que estou com coragem para pôr questões e espero da vossa parte a mesma coragem para me responderem a elas, o que não tem havido. Os senhores têm ficado sempre nas meias palavras e nós gostaríamos de ver resolvidos os problemas.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Assuma-se, assuma-se!

O Orador: - Mas, dizia eu, esses problemas do PSD, a psicologia, os problemas psicológicos que vos atrapalham não os tragam para Plenário, por favor! Sobretudo, evitem um tom mais agressivo de um lado para depois vir um tom mais sereno do outro.

Risos do PS.

Quem sabe se, eventualmente, se estará a preparar qualquer mudança para uma maior serenidade?! Mas deixem o Plenário livre disso, por favor!...
Passo agora ao Sr. Deputado Jorge Lacão. O Sr. Deputado trouxe aqui, fundamentalmente, a questão de sabermos o que o Governo quer fazer quanto à problemática da Lei de Imprensa. Admiro-me que os Srs. Deputados do PSD estejam tão excitados quando o próprio Sr. Secretário de Estado, há dias, neste Plenário, não foi capaz de dizer o que quer fazer com a proposta de lei de autorização legislativa!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Exacto! Ela está em branco!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD e Sr. Deputado Jorge Lacão, não nos devemos preocupar por o Governo não nos explicar bem o que é que vai fazer com uma proposta de lei de autorização legislativa e sobre qual o sentido em que a vai utilizar?
Em segundo lugar, Sr. Deputado Jorge Lacão, já aqui foi referido que a oposição estaria a operar pequenas transformações formais no debate, em comissão, sobre a Lei da Rádio.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado Jorge Lacão: considera que é uma questão formal alterar-se uma norma que prevê a obrigatoriedade da prestação de serviços noticiosos por todas as estações de radiodifusão, quando o PSD apenas pretendia que houvesse serviços informativos nas estações radiofónicas com cobertura nacional? Isto é uma alteração de forma, Srs. Deputados do PSD?
Mais, Sr. Deputado Jorge Lacão: considera que é aceitável que uma comissão julgue em causa própria? É uma pergunta que indirectamente dirijo ao PSD e que vai ser respondida na altura própria. Ao colocarmos a RDP e a Rádio Renascença a julgar sobre a atribuição de frequências estamos a jogar claro? Não estamos a viciar, logo à partida, as regras do jogo?

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não, não estamos!

O Orador: - Uma outra questão: os senhores do PSD ficaram preocupados quando, na passada sessão

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legislativa, a Assembleia pôs em causa uma determinada decisão governamental, tomada por despacho, que não foi publicado, e por um governo já demitido.
Pergunto: o Sr. Deputado Jorge Lacão concorda que uma lei da República, que consagrou direitos para as actuais estações de radiodifusão, neste momento, pode ser posta em causa só porque os Srs. Deputados do PSD dizem que é uma lei da oposição e que não é uma lei do País? Isto não denota um certo espírito de encarar o funcionamento democrático das instituições?
Sr. Deputado Jorge Lacão, pode admitir-se que haja leis boas e leis más e que seja o Governo a dizer: «- Cumpro esta porque é da minha cor, não cumpro aquela porque é de uma cor oposicionista!»? Isto é a tal postura diferente de que falava o Sr. Deputado Carlos Encarnação? Isto tem alguma coisa a ver com uma filosofia de liberdade e de democracia em Portugal?
Finalmente, Sr. Deputado Jorge Lacão, quanto à problemática do licenciamento, gostaria de ouvir mais algumas opiniões de V. Ex.ª sobre a necessidade ou não de uma clarificação dos termos em que esta Assembleia deve proceder a princípios muito claros e precisos e quanto ao que deve ser todo o processo de licenciamento, designadamente todas as condições preferenciais, a estrutura das frequências e o regime de o concurso público consagrar-se em lei.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado Jorge Lacão, em primeiro lugar, felicito-o pela sua intervenção.
Logo à partida, verificamos como o PSD fica perfeitamente desconsolado e pouco à-vontade quando algum deputado se debruça sobre um problema tão candente e importante como este que está relacionado com a informação e, nomeadamente, com a forma como V. Ex.ª o apresentou. Só assim se justifica o tipo de reacção dos deputados do PSD, logo a seguir à sua intervenção! ...
Sr. Deputado Jorge Lacão, na nossa opinião, a liberdade de informação foi uma das mais fortes conquistas do 25 de Abril. A verdade é que essa liberdade de informação está em perigo; a pouco e pouco, essa informação, que se pretende livre, independente, pluralista, rigorosa, objectiva, está em risco.
É bom relembrar que o Sr. Deputado referiu que o PSD, no seu projecto de lei de revisão constitucional, entre outras malfeitorias, pretende fazer findar o Conselho de Comunicação Social, órgão que zela pelo cumprimento dessas normas nos órgãos de comunicação social estatizados.
No entanto, nunca ouvimos o PSD referir a necessidade de se instaurar um bom inquérito -inquérito de que eu tantas vezes tenho falado- às gestões das empresas públicas de comunicação social.
Seria muito útil que se soubesse definitivamente por que razão certos jornais, certos órgãos de comunicação social - que eram muito fortes financeiramente -, foram lançados para situações excessivamente graves.
Seria também muito interessante que se soubesse quais são os resultados, no ano passado, dos órgãos de comunicação social estatizados e por que razão é que há tantos apetites, nomeadamente sobre o Jornal de Noticias e o Diário de Notícias, quando sabemos que a empresa desses jornais pôde encerrar o ano findo com centenas de milhares de contos de lucros.
Em relação à Lei da Radiodifusão, o que está dito não precisa ser redito, uma vez que V. Ex.ª focou o problema de uma forma muito precisa.
Para além de lhe dizer que o PSD e o Governo pretendem é, quer queiram quer não, distribuir as frequências e os postos emissores pelos amigos...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Isto é diabólico. Dá para rir!

O Orador: - ... - é esta a intenção declarada -, a verdade é que o PSD, ao propor a tal comissão, em oposição ao Conselho da Rádio, esse independente e com poderes para emitir parecer prévio e vinculativo sobre as propostas de licenciamento, e colocar aí representantes da Rádio Renascença e da RDP (o que é um verdadeiro escândalo, Srs. Deputados), coloca as empresas mas retira representantes do Sindicato dos Jornalistas e do Sindicato das Telecomunicações.
Não entende o Sr. Deputado que esta é também mais uma violência do Governo de forma a impedir que os verdadeiros interessados nesses postos de rádio não acompanhem, a par e passo, a questão dos licenciamentos, deixando essa questão para outro tipo de entidades, como aquelas que citei, isto é, a Rádio Renascença e a RDP, enfraquecendo claramente a posição daqueles profissionais que pretendem ter rádios locais em todo o País?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, se não houver outra figura regimental, uso da palavra para defesa da consideração, uma vez que as afirmações do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, é a única figura regimental que, neste momento, pode usar.
Tem a palavra.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca disse - e muito me surpreendeu e bastante ofendeu a minha bancada - que o Governo queria distribuir pelos «amigos» as frequências da rádio.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca sabe perfeitamente que, na proposta de lei que o Governo entregou e que foi aditada com elementos propostos pelo PSD, a comissão que é referida tem uma composição da qual apenas três representantes pertencem ao Governo, sendo todos os outros entidades não governamentais.

O Sr. Jorge Lemos (PCP) - Só lhe faltam as asas!

O Orador: - Se V. Ex.ª entende que assim é, penso que deve imediatamente retirar qualquer expressão ofensiva que tenha acabado de afirmar, porque ela é perfeitamente despicienda.

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Mesmo que fosse como V. Ex.ª diz - o que, de todo em todo, recuso -, é evidente que a composição da comissão seria inaceitável e impossível.
V. Ex.ª está, de má fé, a tentar instilar qualquer coisa que sabe que não corresponde à verdade.
Permita-me, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que faça alguma jocosidade com a sua intervenção: qualquer dia fica conhecido não pelo Sr. Deputado Corregedor da Fonseca mas pelo Sr. Deputado «inquiridor» da Fonseca, porque sempre que intervém acaba por falar no inquérito aos jornais estatizados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Deputado Carlos Encarnação, devo dizer-lhe que não esperava que V. Ex.ª se referisse a mim, nomeadamente, dizendo que eu estava de má fé. Esse é que é o verdadeiro insulto.

Risos do PSD.

Srs. Deputados, face à gargalhada boçal, calo-me e sento-me. Continuem com essa gargalhada boçal, não tem outra classificação!...
Como eu estava a dizer, de V. Ex.ª eu pedia esperar tudo menos ouvi-lo dizer que quando falei estava de má fé. Essa é que é a verdadeira ofensa.
V. Ex.ª disse que eu estava de má fé e falou em má consciência do Sr. Deputado Jorge Lacão. Ofende e insulta. Isso só demostra claramente como todos vocês ficam muito pouco à-vontade quando este problema é levantado na Assembleia da República!...
Não vale a pena dizer, Sr. Deputado, que a comissão é constituída por A, B ou C, que não tem poderes vinculativos, que não tem poderes para apresentar pareceres prévios e vinculativos sobre as propostas de licenciamento. Todos sabemos das pressões que existem um pouco por todo o País; todos sabemos que autarquias e autarcas pressionam. Também gostaria de saber por que razão o mapa de frequências não é transcrito cá para fora com clareza, mas todos sabemos das pressões que existem em determinados sectores e em determinadas zonas do País para que a distribuição de estações emissoras seja feita pelos amigos, repito, seja feita pelos amigos!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não diga isso. É falso!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Encarnação, quanto à questão que V. Ex.ª levantou no sentido de que se sentiu ofendido, devo dizer que não o ofendi. Eu é que -parece-me- tenho razões para ficar ofendido e, Sr. Deputado, ao chamar-me «inquiridor» da Fonseca, V. Ex.ª precisa de ter o mínimo de cultura geral para saber o que é que palavra «Inquisição» quer dizer, porque essa frase dita por V. Ex.ª é ordinária, grosseira e ofensiva.
V. Ex.ª não volta a dizer nem isso nem que estou aqui de má fé. V. Ex.ª deu provas de ser um muito mau deputado.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença que dê explicações ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não há qualquer figura regimental que o permita.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, há sempre várias coisas que são interessantes e curiosas neste debate.

O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca disse que o Governo ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pacheco Pereira, queira desculpar, mas não se esqueça de que lhe dei a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Orador: - Sr. Presidente, eu vou pedir esclarecimentos, mas não posso prescindir do que ouvi, uma vez que faz parte da componente do pedido de esclarecimento.
Como eu estava a dizer, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca disse que o Governo pretendia distribuir pelos amigos a comunicação social. Se considerarmos, como considero, que o País é amigo do Governo e que o Governo é amigo do País, não vejo que haja problemas com essa distribuição.

Risos do PSD.

Estas questões semânticas levam-me a dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão o seguinte: uma das coisas interessantes nestes debates é que, quando há objecções a uma intervenção, os Srs. Deputados da oposição acusam os deputados da maioria de estarem nervosos. É, evidentemente, um típico discurso projectivo.
Pergunto: nervosos, nós? Ninguém está nervoso, o problema é outro. Os senhores é que estão a fazer o combate da retaguarda ... Estão a fazer o combate tão longe das linhas da frente, que ele é da retaguarda por dois motivos: primeiro, porque tem pouca convicção e não traz nenhum argumento novo para o debate; segundo, e mais importante, porque a maioria da sua argumentação é, do ponto de vista intelectual, político, cultural e técnico, retrógrada.
Aconselharia o Sr. Deputado Jorge Lacão a consultar um seu colega de bancada - o Sr. Deputado Raul Junqueiro - que tem escrito coisas sensatas sobre os aspectos tecnológicos da comunicação social para perceber que a sua posição quanto ao carácter economicista da liberalização da comunicação social não tem sentido, a não ser que se considere que o Estado vai ter um comportamento cada vez mais repressivo.
Não há meio algum de manter a actual situação da comunicação social sem a liberalizar, sem reforçar a componente repressiva da intervenção do Estado e muitas das contradições da actual situação vêm da diferenciação entre a legislação actualmente existente e a realidade, que, de alguma maneira, empurra, no domínio da comunicação social, ao aparecimento de novas tecnologias, de novos processos, de novas realidades políticas.
A realidade, Sr. Deputado Jorge Lacão, é que é cada vez mais barato e simples produzir televisão, fazer jornais e rádio. Não há discurso sobre economicismo que pare essa realidade.

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Do ponto de vista da vivacidade do País, da iniciativa dos cidadãos, da vida da sociedade civil, dos interesses privados que são legítimos, dos interesses culturais dos cidadãos, vai ser cada vez mais simples produzir no domínio da comunicação social.
O caminho para a verdadeira democratização na comunicação social é facilitado pela existência de novas tecnologias. Como é que o Sr. Deputado Jorge Lacão quer manter as coisas na situação dos anos 50? O seu discurso só é justificável se, no domínio tecnológico, a realidade nesse sector permanecesse na altura em que era caríssimo produzir comunicação social.
O meu pedido de esclarecimento é o seguinte: como é que o Partido Socialista e o Sr. Deputado Jorge Lacão consideram que é possível manter o mercado fechado em sectores essenciais da comunicação social ou uma considerável dose de controle do Estado, em nome de algo que nunca pode ser provado e que é a maior objectividade dos órgãos de comunicação social do Estado, sem o aumento da repressão desse mesmo Estado?
É uma pergunta muito simples e não nervosa, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão, queria acompanhá-lo, em primeiro lugar, no que se refere as dúvidas e apreensões sobre as modificações da Lei de Imprensa em matéria de processo penal.
Ao contrário do que aqui se tentou fazer crer, de que se trata de normas adjectivas sem importância, só quem não tem sensibilidade para os problemas da informação e da liberdade de informação é que pode tentar minimizar esse problema, que é gravíssimo! É tão grave que a própria Lei de Imprensa viu-se forçada a introduzir algumas especialidades que, decorridos doze anos, não se provaram que fossem as melhores para resolver o problema adjectivo processual da aplicação da Lei de Imprensa nos tribunais.
Quanto ao problema dos prazos, já disse que não é reduzindo-os que ele se resolve. Por isso mesmo, até concedo que a autorização legislativa, que diz que isto é para meter, digamos assim, os prazos no processo comum geral, venha a beneficiar e não prejudicar o problema.
Contudo, o que a autorização legislativa não resolve e o Sr. Secretário de Estado ou o Sr. Deputado Vieira Mesquita não foram capazes de responder - e permito-lhe, Sr. Deputado Vieira Mesquita, se V. Ex.ª quiser utilizá-la, a interrupção para responder-me - é sobre três perguntas para as quais gostaria de ouvir hoje quais as soluções pretendidas.
Em primeiro lugar, a nova especificidade do processo penal quanto às leis de imprensa vai ou não acabar com a prova da verdade dos factos e criar um processo autónomo expedido para este exceptio veritatio.
Em segundo lugar, quero saber como é que vai ser estruturado o novo processo que a lei penal substantiva prevê, mas que não está vertido para o Código de Processo Penal, que é muitíssimo importante para os jornalistas, assim como para quem escreve nos jornais, e que é o novo instituto chamado «esclarecimentos sobre afirmações ambíguas» que podem preceder o julgamento. Como é que vai ser estruturado processualmente este instituto, com que garantias, em que fase do processo e com que custos?
Em terceiro lugar, actualmente não existe no processo a fase de instrução contraditória; portanto, logo que há o recebimento de pronúncia pelo juiz, o arguido é imediatamente obrigado a sentar-se no banco dos réus, porque nem sequer há recurso do despacho de pronúncia mas apenas recurso de despacho de não pronúncia por parte do Ministério Público ou do assistente. Pergunto se se vai ou não aplicar o novo instituto previsto no Código de Processo Penal, o chamado «debate instrutório». Gostaria de saber se ele vai ser introduzido e em que termos no caso de crimes de liberdade de imprensa.
Pode tratar-se de três pilares do processo penal para crimes de imprensa, de três institutos fundamentalíssimos para a defesa da liberdade de imprensa para os quais o Governo disse nada, apesar das constantes perguntas da minha bancada, inclusive feitas por mim ao Sr. Secretário de Estado.
Tenho a certeza absoluta de que o Governo não tem ainda ideias sobre tal matéria e, por isso mesmo, o Sr. Secretário de Estado nada quis dizer e o PSD muito menos. É por isso que o Sr. Deputado Vieira Mesquita não aceita a minha oferta no sentido de me interromper para me dar uma resposta. É bom que isto fique registado no Diário e aqui não venha gritar e dizer que tudo está feito, que tudo é adjectivo, que tudo é simples, porque, repito, só quem não tem sensibilidade - tal como a bancada do PSD- para os problemas da informação é que pode minimizar o problema, como o Sr. Deputado Vieira Mesquita...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Até que enfim, ... Sr. Deputado.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, quando pedi esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Lacão disse que temos a proposta de lei de autorização legislativa ...
Já lhe respondo, Sr. Deputado. Não se enerve, por amor de Deus!

O Orador: - Não. O Sr. Deputado treme de nervoso. Afinal, por que está nervoso, Sr. Deputado?

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Sr. Deputado Narana Coissoró, o processo de aclaração nos crimes de difamação e injúria está previsto no Código de Processo Penal como um processo com um prius normativo adjectivo em que o ofendido tem o direito de requerer ao juiz o aclaramento de determinado tipo de afirmações que, porventura, se mostrem ambíguas. É esse processo que será seguido e que, penso, porá cobro, em muitos casos, ao prosseguimento de um processo crime.
Se forem dadas explicações satisfatórias ao ofendido e o arguido responder por forma a dar satisfação, o processo pode ser mandado arquivar e não prossegue.
Penso que em termos de prevenção e celeridade estamos a desanuviar um problema processual no que

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toca a crimes de liberdade de imprensa, que o não chegam a ser porque essas ambiguidades são esclarecidas e o processo fica devidamente arquivado.

O Sr. Presidente: - Informo que o CDS já não dispõe de tempo, pelo que o Sr. Deputado Vieira Mesquita não pode continuar a interrupção, uma vez que o semáforo já está vermelho.

O Orador: - Mas o PSD devolve-me o tempo que gastou e que pertencia ao CDS.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado Vieira Mesquita.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Termino já, Sr. Presidente.
Com a devida gentileza, queria dizer ainda que todo este processo visa - e isto é muito claro - uma harmonização de normas, enquanto, hoje em dia, se um juiz estiver perante uma situação de crime de liberdade de imprensa, ficará na dúvida sobre se deve aplicar o Código de Processo Penal ou as normas adjectivas do capítulo IV da Lei de Imprensa. É isso que é urgente resolver da melhor maneira.
O Sr. Deputado tem conhecimento do oferecimento do Sr. Secretário de Estado da Justiça para se deslocar à comissão parlamentar a fim de esclarecer todos os pontos que, porventura, se mostrem dever ser esclarecidos e que a oposição sinta dever interrogar para obter esclarecimentos. Aliás, os Sr s. Deputados têm dito que isto é uma razão de Estado, que são normas da justiça de processo penal, obviamente, devem conter melhores soluções.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Narana Coissoró, agradeço-lhe que seja muito rápido.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Apenas direi que o Sr. Deputado Vieira Mesquita não só não respondeu às questões do debate instrutório e do esclarecimento da verdade como esclareceu mal, porque não leu o Código de Processo Penal como deve ser.
Ora, o arguido não pode pedir esclarecimentos; o juiz é que, se entender que as expressões são ambíguas, pode convidar o arguido a esclarecê-las. Leia melhor o Código de Processo Penal antes de vir para aqui, Sr. Deputado.
Em segundo lugar, quanto a dar explicações, o réu pode dá-las a qualquer momento do processo e o juiz pode pôr-lhe termo, se o queixoso as admitir. Não há processo especial.
Sr. Deputado Vieira Mesquita, aprenda qualquer coisa antes de prestar «informações» que nada têm a ver com o que está em debate.
Em terceiro lugar, diz V. Ex.ª que este problema deixou de ser adjectivo para passar a ser uma questão de Estado. Nem oito nem oitenta! ... Esse problema não é de Estado, mas técnico.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - O Sr. Deputado não percebe!

O Orador: - Este problema é de técnica processual penal. De modo que é preciso arranjar soluções que garantam a liberdade de imprensa e que, por vias enviesadas, não coloquem entraves à livre circulação de informação ...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não é nada disso!

O Orador: - ... e não criem sempre o receio de se ir aos tribunais, restringindo, através deles, a liberdade de imprensa.
Este é que é o abuso da legislação quanto à imprensa.

V. Ex.ª não sabe explicar e só sabe gritar. Isto não é maneira de responder.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Não é nada isso!

O Orador: - V. Ex.ª quer que fique registado no Diário o seu aparte, porque não sabe dar soluções às perguntas concretas.
V. Ex.ª repete: «Não é nada disso.» Dou-lhe tempo para responder e V. Ex.ª não o faz porque não sabe. Agora quer que fique registado no Diário que «não é nada disso» ..., é uma maneira de fazer política, com a qual não nos podemos solidarizar.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, com as desculpas da Mesa por se ter entroncado no debate algo que não tem muito a ver com o Regimento mas que é importante para o esclarecimento da Câmara, tem V. Ex.ª a palavra para responder aos pedidos de esclarecimento.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, vou procurar responder às questões que foram levantadas começando por sublinhar que a própria forma como a bancada do PSD reagiu é ilustrativa da pertinência dos problemas que suscitei na minha declaração política.
Se outra razão não houvesse, a forma como o PSD e os seus deputados abordaram os problemas da comunicação social justifica que o Plenário dedique a esta matéria a sua melhor atenção.
O Sr. Deputado Vieira Mesquita é, todos sabemos, o porta-voz parlamentar do PSD em matéria de comunicação social, e é nessa medida que tenho de levar extremamente a sério as afirmações do Sr. Deputado.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado Vieira Mesquita entende que matérias que estejam a ser debatidas no âmbito de uma comissão não devem, porque seria ilegítimo, simultaneamente, ser trazidas ao Plenário. É manifestamente mais um afloramento do espírito autoritário que aqui denunciei relativamente ao comportamento político do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas o Sr. Deputado Vieira Mesquita não se ficou por aí e veio dizer-nos mais: Se alguém tivesse a legitimidade para tratar deste problema e fazer uma declaração seria a maioria e não as bancadas da oposição. Então aqui ainda ficamos a compreender menos. Não somos capazes de perceber qual o código

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de referências que permite ao Sr. Deputado Vieira Mesquita entender que tem legitimidade, em nome da maioria, para se pronunciar sobre temas sobre os quais as minorias, as oposições, não poderiam igualmente exprimir os seus pontos de vista.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É a razão que nos assiste!

O Orador: - Esta atitude, Sr. Deputado Vieira Mesquita, insere-se naturalmente num plano de fundo: o estilo a que os senhores vêm sendo habituados por via da forma como o Sr. Primeiro-Ministro pretende impor um certo estilo de vida política ao País e um certo estilo de conduta aos deputados da sua bancada.

Aplausos do PS e da ID.

Esse estilo é de tal maneira grave e preocupante que chega ao ponto, verdadeiramente absurdo, de conduzir a que deputados do seu partido, tal como aconteceu recentemente na Comissão de Saúde - e tenho aqui o texto -, façam aprovar declarações no estilo de que as suas intervenções se devem cingir «ao esclarecimento de questões concretas, devendo evitar-se a emissão de opiniões circunstanciadas ou de interpretações de cariz político ou partidário».

Risos do PS.

Chegamos a esta situação, verdadeiramente escandalosa, em que os deputados da maioria querem esconder aquilo que é a essência do Parlamento, que é a riqueza da sua representação pluralista e a possibilidade de, em nome do direito à representação que todos temos - porque todos nós fomos eleitos -, exprimir justamente a posição política que defendemos e que tanto é válida para poder ser expressa no Plenário como, obviamente, nas comissões. Isto porque também elas têm de obedecer regimentalmente ao princípio da composição plural e à regra da proporcionalidade, justamente para garantir o sistema da representação nacional.
São princípios, são regras que os deputados do PSD não entendem, mas vai ficando cada vez mais para a história que este tipo de comportamento é verdadeiramente denegatório dos direitos essenciais e das práticas políticas essenciais de um qualquer parlamento, de um qualquer país que queira ser um país de Estado de direito democrático.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Lamento, Sr. Deputado Correia Afonso, que não apoie uma declaração deste tipo.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Desse género?!

O Orador: - Sr. Deputado Vieira Mesquita, quanto às questões que directamente se reportem aos problemas que aqui suscitei, diz-me o Sr. Deputado que há uma verdadeira urgência na regulamentação do espaço radioeléctrico. Pois há, Sr. Deputado Vieira Mesquita. Isso é de tal maneira urgente que já foi aprovada uma lei sobre esta matéria que carecia de regulamentação, que tinha um prazo para ser feita. No entanto, o Governo, por discordar politicamente dessa lei, recusou-se a cumpri-la.
A primeira questão que todos deveríamos colocar é a seguinte: o Governo e o Estado devem ou não ser pessoas de bem, devem ou não cumprir o ordenamento jurídico em vigor no seu país, quer estejam subjectivamente de acordo ou em desacordo quanto às normas? Isto porque, se estão em desacordo, há processos expeditos para promoverem a sua revogação, mas enquanto elas não estiverem revogadas devem ser justamente aplicadas porque têm validade e eficácia na ordem jurídica. Não é este o exemplo dado pelo seu governo, Sr. Deputado, e lamento. Portanto, se alguém colocou em crise a necessidade de urgentemente regulamentar essa matéria não foram manifestamente os partidos da oposição, mas sim o PSD, a sua maioria e o seu governo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É óbvio!

O Orador: - Quanto ao problema que suscitou em face das alterações à Lei de Imprensa - e o Sr. Deputado Vieira Mesquita foi ao ponto de insinuar que eu estaria de má fé ao colocar estas questões -, devo dizer-lhe que essa lei tem normas de natureza processual, justamente sobre a forma do processo por crimes de abuso de liberdade de imprensa, e, por se entender que se está a lidar com um domínio tão sensível como o dos direitos, liberdades e garantias, normas especiais deveriam conformar essa forma de processo. Assim se entendeu porque algumas dessas normas, apesar de formalmente serem adjectivas, têm, todavia, profundas implicações substantivas com o direito à informação.
Quando o Governo nos apresenta aqui um pedido de autorização legislativa - que não é minimamente esclarecedor sobre o sentido, o alcance e a forma normativa concreta como pretende vir adequar esse sistema ao Código de Processo Penal -, colocou-se na situação de ser passível de todas as críticas. Isto porque, como já também aqui referi, numa matéria destas, o que era elementar é que o Governo tivesse feito acompanhar o seu pedido de autorização legislativa com o respectivo texto do decreto a publicar. Portanto, na medida em que o não fez, em primeiro lugar, e em que não teve capacidade de resposta às questões essenciais aqui colocadas pelos deputados, em segundo lugar, o Governo justifica todas as críticas e intranquilidades relativamente a esta matéria.
Finalmente, Sr. Deputado Vieira Mesquita, relativamente às questões do período transitório que se prendem ainda com a Lei de Radiodifusão, quero dizer-lhe que a solução encontrada e considerada como a final pela maioria -aquela que obriga ao silenciamento de todas as estações emissoras entre o momento do anúncio do concurso público até à sua produção de efeitos- é naturalmente uma norma que, ao revogar outra de sentido contrário (aquela que garantia um regime de situação de facto sem susceptibilidade de sanção penal), cria uma situação muito difícil de resolver a essas estações emissoras. Isto porque, ao abrigo desta norma de garantia, elas estabeleceram compromissos perante terceiros que tinham fundamento legal. Ao revogar esta norma, o Sr. Deputado Vieira Mesquita tem de ter consciência de que está a colocar em crise um princípio essencial de segurança jurídica e nesse sentido também a comprometer direitos adquiridos por essas estações emissoras, ainda que não licenciadas.

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Vou agora responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Deputado Carlos Encarnação procurou situar as suas considerações na questão das empresas de comunicação social e na susceptibilidade de transferência para o sector privado de algumas dessas empresas.
Gostaria de lembrar-lhe, Sr. Deputado, o seguinte: em primeiro lugar, quando o Governo tomou pela primeira vez a iniciativa de transferir para o sector privado empresas públicas de comunicação social, quis fazê-lo sem qualquer enquadramento legal e sem a definição, designadamente, de regras de concurso público e de regime de preferência. Foi, portanto, necessário que a bancada do PS tomasse uma iniciativa legislativa para criar um enquadramento legal e transparente de forma que esse processo fosse feito no pleno conhecimento da opinião pública e com garantias credíveis de fiscalização.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - E permitir essas ligações!

O Orador: - Em segundo lugar, o Governo, que agora tem um sistema de preferências, afirmou-nos que seria favorável à valorização de projectos profissionais a fim de garantir uma maior credibilidade e qualidade no domínio da futura imprensa escrita de um sector privado mais alargado. O princípio, em si, é defensável e eu não o critiquei.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Critiquei, sim, o modo como o Governo não resolve a possibilidade de materializar esse princípio. Todos sabemos que os projectos profissionais, a partir dos actuais profissionais do sector da comunicação social, podem ter muita qualidade intrínseca, mas o que dificilmente poderão ter é condições financeiras reais para se poderem candidatar à aquisição das alienações das empresas públicas de comunicação social. Então, o problema é o seguinte: se o Governo quer, efectivamente, viabilizar esses projectos profissionais, terá forma de encontrar soluções, designadamente através da possibilidade de participação mista do sector público com esse novo sector privado, por um certo período de transição, até à viabilização efectiva desses projectos profissionais. Não é isto o que manifestamente o Governo quer.
Portanto, o que está em risco de acontecer é que estas empresas venham a parar a outros grupos de interesse, que têm como lógica efectiva na sociedade não produzir informação, como fim em si mesma, mas utilizar a informação como instrumento para a obtenção de outros fins. Era este problema essencial que aqui deveríamos debater com toda a franqueza e profundidade.
Acerca disto vale a pena passar para as questões que o Sr. Deputado Pacheco Pereira aqui colocou. V. Ex.ª anda manifestamente distraído, mas, mesmo assim, quero agradecer-lhe a forma como colocou estes problemas.
O Sr. Deputado, como todos sabemos, reivindica-se de uma orientação ultraliberal e passou a entender que a mão invisível do mercado é a receita milagrosa para resolver todos os problemas. Agora o Sr. Deputado Pacheco Pereira, com a sua distracção, não se deu conta de que o essencial das minhas críticas à orientação desta maioria tem a ver, justamente, com a incapacidade desta maioria de ter um projecto liberal autêntico em matéria de comunicação social, e isto porque esta maioria é profundamente conservadora em termos de referenciais culturais. Isso traduz-se na proposta de lei de radiodifusão quando, designadamente, para substituir um órgão de composição plural que reflectia interesses sociais relevantes, se apresenta, em substituição, um outro organismo de assessoria governamental com composição fortemente governamentalizada e partidarizada, e portanto política, totalmente bloqueada desde o início.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Essa era a anterior!

O Orador: - Isto tem a ver com tudo menos com uma concepção plural e liberal da existência de correntes de opinião na sociedade portuguesa. É exactamente o contrário o que se pretende, ou seja, é instrumentalizar e condicionar o acesso dos novos candidatos ao exercício da actividade de radiodifusão hoje, como, porventura, a da televisão amanhã.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Televisão, não, porque eles só querem um Telejornal!

O Orador: - Lá chegaremos para condicionar essas fontes, esses órgãos de informação, à área política em que este governo se situa. Esse é que é o problema essencial, que nada tem a ver com a liberalização do sector nem com a liberdade de acesso que todos nós defendemos.
Por isso, o Sr. Deputado Pacheco Pereira não tem qualquer razão quando vem dizer que a nossa perspectiva era uma perspectiva dos anos 50. A sua perspectiva, porque é uma perspectiva distraída, nada tem a ver com o actual processo legislativo -não direi qual é o referencial histórico a que ela pertence, mas direi que é uma perspectiva meta-histórica - porque não tem os pés minimamente enraizados na realidade com a qual estamos a trabalhar.
Finalmente, vou pedir desculpa aos Srs. Deputados Jorge Lemos e João Corregedor da Fonseca por não poder, em substância, responder, por limitação de tempo, às perguntas que me colocaram, mas teremos, seguramente, oportunidade de voltar a debater estas questões.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao intervir, no passado dia 6 de Março, no Seminário sobre Regionalização promovido pela Associação dos Municípios Portugueses e realizado no Algarve, o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território produziu um conjunto de afirmações que importará aqui sublinhar por serem clarificadoras do pensamento do Ministro e do Governo no que respeita ao poder local e à autonomia constitucionalmente garantida aos municípios.
No essencial, o Sr. Ministro Valente de Oliveira foi dizer, em jeito de recado, aos representantes dos municípios que a regionalização pressupunha (devia ser

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antecedida!) o desenvolvimento, acrescentando que este exige um poder soberano com capacidade de intervenção decisória. Isto é, e como o próprio Ministro confessou, o caminho que em nome do Governo foi defendido junto dos representantes dos municípios aponta não para a descentralização no processo de desenvolvimento mas «para a intervenção e para a centralização», pelo que a única «regionalização» (entre aspas!) que concebe como adequada ao pensamento e aos interesses governamentais será a que, sob direcção do poder soberano, torne mais «eficaz» as suas decisões... de política regional!
Para os que se têm interrogado sobre o que pretende o Governo quando afirma que passou a época das «autarquias de infra-estruturas», para se estar, agora, no tempo das «autarquias para o desenvolvimento», as palavras do Ministro deixam claro que o que se pretende é encontrar uma justificação para o processo de asfixiamento da autonomia do poder local, de reforço dos meios de ingerência e direcção central, do corte de meios financeiros e de limitação da capacidade de intervenção dos municípios.
As palavras do Ministro Valente de Oliveira têm assim a vantagem de dar expressão «coerente» ao que têm sido as agressões ao poder municipal provocadas pelo Governo nos escassos pouco mais de seis meses desde que apresentou aqui, na Assembleia da República, o seu Programa.
Agressões que, no que já foi feito e no que se anuncia, se desenvolvem em cinco direcções principais: no corte de meios financeiros; na transferência de novos encargos e responsabilidades sem a transferência dos correspondentes meios financeiros; em actos de ingerência e desapossamento abusivos; na manipulação partidária de instrumentos de tutela; e, finalmente, no reforço dos meios de controle e direcção das autarquias pelo poder central.
Vamos aos factos.
O corte dos meios financeiros verificou-se, desde logo, no próprio Orçamento do Estado, no cálculo do valor do Fundo de Equilíbrio Financeiro (FEF) para 1988, que em termos reais (e tendo em atenção a derrapagem da inflação) sofreu um corte nunca inferior a 5% em relação ao FEF do ano anterior. São factos mais que conhecidos, mas o seu enquadramento nos verdadeiros contornos da política governamental relativamente ao poder local permitem desfazer as ilusões dos que viam na determinação do valor do FEF para 1988 uma imposição do Ministro Cadilhe a que o Ministro Valente de Oliveira seria alheio...
Corte de meios financeiros tiveram também os cinco municípios (Braga, Aveiro, Coimbra, Portalegre e Barreiro) com serviços de transportes urbanos, a quem o Governo não pagou as indemnizações compensatórias previstas no Orçamento para 1987 (isto mesmo depois de o Tribunal Constitucional não ter dado provimento ao pedido do Governo de declaração de inconstitucionalidade da norma orçamental respectiva) e a quem o PSD, em votação aqui feita, rejeitou a proposta do PCP de inscrição da verba necessária no Orçamento para 1988.
Quanto aos novos encargos sem meios financeiros, recorde-se a transferência das competências quanto ao pessoal auxiliar das escolas, transferência que o Governo pretende fazer sabendo que as carências são enormes e que a administração central não lhes respondeu e, ainda por cima, fazendo as contas somente ao pessoal provido no quadro, sem contar as vagas, os contratados a prazo e os tarefeiros.
Mas importa também recordar os encargos transferidos para os municípios para o financiamento (a fundo perdido!) das obras de recuperação de imóveis degradados, no âmbito do chamado RECRIA, transferência que ilustra de forma exemplar a filosofia subjacente a estas operações: a administração central transfere para os municípios aquilo que lhe competia fazer e não fez, por desleixo ou incapacidade, e faz a transferência de forma a ganhar ainda por cima dinheiro, não transferindo os meios financeiros que ela própria tinha afectado à prossecução dessas finalidades!
E são muitos os casos, bem recentes: recordem-se também as novas competências transferidas para os municípios em matéria de reparação e instalação de tribunais, de responsabilização das autarquias pela construção de instalações desportivas nas escolas e, até mesmo, o processo meio «chantagista» de envolver financeiramente as autarquias nas construções escolares nos ensinos preparatório e secundário acenando-lhes com o dilema: ou financiam, ou não há escolas novas na área do município!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Acrescentem-se as estradas nacionais - os 12 000 quilómetros! - e as novas responsabilidades decorrentes do projecto de lei de bases do sistema de transportes escolares - e ter-se-á uma ideia do panorama aterrador com que se defrontam as autarquias.
Quanto aos actos de ingerência e desapossamento abusivos e à manipulação partidária da tutela, dois casos exemplares: Gondomar e Serviços Municipalizados de Gás e Electricidade do Porto.
Neste último, que envolve a questão dos aumentos das tarifas de energia eléctrica, temos assistido a uma curiosa operação publicitária (naturalmente inspirada nos gabinetes governamentais) em que técnicos e tecnocratas se afadigam a demonstrar que o povo do Grande Porto deve suportar de imediato os brutais aumentos propostos. Mas o que esses técnicos e tecnocratas não conseguiram ainda, por mais que se esforcem, foi resolver três questões: a primeira, a que a história impõe - que o povo do Porto foi utilizado para incrementar o consumo de energia eléctrica com vista a tornar rendível o investimento que estava a ser feito; a segunda, a que a vida política demonstra - que o Município fez todos os esforços para resolver consensualmente a questão, não sendo da sua responsabilidade o facto de não ter sido assinado o protocolo acordado em Outubro de 1987 e que dava solução equilibrada a todo o problema;...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... a terceira questão, a que a democracia exige - a de que nada, mesmo nada, pode justificar que, em democracia, um governo desaposse o poder local da direcção e do uso de serviços que lhe pertencem e que administrativamente queira calar a justa voz de protesto de um povo com tradições bem fundas no uso dos seus direitos fundamentais e no exercício e defesa da sua autonomia autárquica!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - E em Gondomar, onde a Câmara está ameaçada de dissolução? Sejamos francos: o Governo pode exibir a quem quiser as leis que quiser, mas o que, neste caso, não consegue justificar é por que é que tem dois pesos e duas medidas para situações idênticas (que inclusivamente se passam em autarquias do PSD) e muito menos consegue justificar a necessidade da medida que propõe - a dissolução - por outras razões que não sejam a luta político-partidária do PSD pelo controle do Grande Porto, área metropolitana onde se avizinham grandes investimentos em áreas fundamentais (como o gás, água, construção, etc.). E, como é sabido e o PSD sabe-o bem, atrás dos projectos de investimento vêm normalmente os investidores ...
Finalmente, a quinta direcção em que se desenvolve a actuação do Governo contra o poder local, a direcção do reforço do sistema de controle e direcção centrais dos municípios, assume hoje particular gravidade. Efectivamente, os projectos legislativos já divulgados sobre a área do planeamento, desenvolvimento e ordenamento do território (os projectos de legislação sobre planos directores municipais - PDMs -, sobre os planos municipais de ordenamento do território, os planos regionais de ordenamento do território - PROTs - e sobre os planos integrados de desenvolvimento regional - PIDRs), todos eles apontam para a marginalização das autarquias do processo de decisão, para a imposição de modelos definidos centralmente e centralizadamente e para o esbulho das atribuições das autarquias e limitações gravíssimas à sua autonomia. Só como exemplo os PROTs só poderiam ser elaborados por iniciativa da administração central (das «soberanas» CCRs!) e, uma vez aprovados, tornavam-se obrigatórios para os municípios e todas as restantes entidades da área respectiva.
Como se viu, não há nenhuma «incoerência» nesta postura do Ministério do Planeamento. É esta a tal concepção das «autarquias para o desenvolvimento»: autarquias que em vez de planearem e, sendo caso disso, concertarem políticas intermunicipais e regionais para o desenvolvimento - tal como é desejo das autarquias do País -, em vez disso seriam obrigadas a aceitar os modelos do Ministério e, paulatinamente, iriam sendo transformadas em extensões do poder central, controladas pelas CCRs e dirigidas por uma apertada malha de directivas, falsos planos, regulamentos, ingerências técnicas e financeiras - e, porque não, à velha moda, por circulares dos governos civis ...
Não são «autarquias para o desenvolvimento» as que resultam desta concepção. Não são para o desenvolvimento (que há-de fazer-se a partir e com a participação dos interessados). E, para além de tudo, não são autarquias, não são os entes dotados de autonomia e dos órgãos representativos que a Constituição consagrou e o povo quis. São (passariam a ser) as repartições concelhias do Ministério do Planeamento.
Da nossa parte, PCP, afirmamos muito claramente a nossa oposição a esta política, a luta activa para impedir a sua concretização, o apoio e o aplauso a todos os autarcas que enfrentam as medidas governamentais e lutam em defesa do poder local.
Sabemos todos que o Governo confronta-se, neste debate, com autarcas de todas as forças políticas - incluindo autarcas do próprio PSD.
Mas sabemos também que o desenvolvimento desta política passa também por um maior controle político-partidário directo das autarquias por parte do PSD. É nesse quadro, e com esse objectivo, que tem de ser lido o anúncio público da direcção do PSD, prontificando-se a fazer coligações contra a CDU.
É o anúncio da disponibilidade para reforçar o seu aparelho próprio de controle e manietação do poder local, engodando outros a colaborarem com o PSD no seu objectivo de se colocar na melhor posição para as próximas eleições gerais autárquicas. O desafio contra esses objectivos parte em primeiro lugar das populações interessadas e parte da exigência democrática de defesa do poder local.
É por isso mesmo um desafio que só pode ter uma resposta por parte das forças democráticas - e essa não é seguramente a da concertação com a força que demonstra, na prática, querer amarrar, controlar e gradualmente liquidar o poder local democrático!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, foi com muito agrado que o vimos subir àquela tribuna e de novo se «debater» pela «dama» poder local. O Sr. Deputado referiu-se ao colóquio sobre a regionalização do Algarve. Devo dizer que não tive oportunidade de estar presente, mas acompanhei pela imprensa e por outros meios o que aí se passou. Quanto à intervenção feita pelo Sr. Ministro nesse colóquio, ela vai ao encontro das políticas desenhadas pelo governo do Partido Social-Democrata, àquilo que temos defendido nesta Assembleia e por isso, Sr. Deputado, não há na realidade qualquer incoerência, e isto porque é uma política de verdade, que tem tido na sua base o diálogo, a ponderação, a serenidade, a objectividade para chegar às melhores conclusões em prol do poder local dos Portugueses.
Por isso, Sr. Deputado, muito me espanta a questão que referiu relativamente à aplicação da Lei das Finanças Locais. Nessa lei o senhor também foi parte importante, porque a ajudou a fazer, a construir e aqui a votou. E o que todos os Srs. Deputados aqui disseram foi que essa lei não era ainda a desejável, mas sim a que tinha o máximo denominador consensual desta Câmara. Ora, vir agora aqui dizer que porque o Governo cumpriu essa lei, porque aquilo que aqui foi votado no Orçamento do Estado foi o cumprimento integral da Lei das Finanças Locais, é pôr em causa o voto e a disponibilidade que teve na sua preparação.
Quanto às transferências de outras competências para as autarquias locais - e referiu como exemplo o das estradas nacionais que teriam sido transferidas para os municípios -, bom, essa é mais uma bandeira, é mais uma agitação que o Sr. Deputado está a fazer, porque isso não é verdade! O senhor sabe que não foi ainda transferido para os municípios um quilómetro sequer das estradas nacionais. É apenas uma intenção e os municípios pretendem que se lhes concedam mais competências, querem ver alargado o seu campo de actuação, e para isso é evidente que querem mais verbas para que tal possa acontecer. Na verdade, quando isso vier a acontecer na realidade, eles terão de ter mais verbas e todos nós deputados do Partido Social-Democrata e com certeza todos os outros se baterão para que assim seja.

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As competências já transferidas têm as contrapartidas financeiras previstas na lei.
Quanto aos problemas que opõem as Câmaras Municipais do Porto e de Gondomar à EDP ... Sr. Deputado: nós somos deputados, nós fazemos as leis, nós temos de ser a favor do seu cumprimento! O que está em causa é o cumprimento da lei. Se o Sr. Deputado é contra o cumprimento da lei, então, segundo penso, não está a exercer capazmente e como deve ser o seu mandato de deputado e de legislador. É isto, Sr. Deputado, o que concretamente está em causa e é por isso que nos temos de bater.
Penso que não vale a pena ir mais longe, porque, no fundo, o ponto de encontro de tudo aquilo que o senhor disse é um conjunto de palavras e de ideias que não põem minimamente em causa nem estão em contradição com o que se passou no Algarve no colóquio sobre regionalização ou com aquilo que é a política do Governo. Estamos perfeitamente tranquilos e à vontade para prossegui-la e de nos batermos por ela, porque temos a certeza de que, nas tais eleições autárquicas que se aproximam, o Partido Social-Democrata não deixará de ser julgado pelos Portugueses pela forma positiva como tem actuado. Por isso, continuará a ser o partido maioritário quer nas autarquias, como já o é, quer a nível nacional e mesmo no Governo do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Aristides Teixeira.

O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, ouvi uma referência sua à Câmara Municipal de Gondomar que me deixou perfeitamente espantado, e só posso compreendê-la porque o Sr. Deputado, com toda a certeza, ignora a realidade local desse concelho. O Sr. Deputado nem sequer é da zona e, com certeza, as informações que lhe deram estão perfeitamente erradas.
Devo dizer-lhe que como vereador da Câmara Municipal de Gondomar passo, de facto, neste momento, um dos maiores sofrimentos por ver o poder local perfeitamente aviltado e desprestigiado pelos elementos do Partido Socialista que neste momento estão a geri-la, acolitados - é o termo - pelos seus correligionários e elementos da CDU. Aliás, para que as coisas constem, devo dizer-lhe que quem, neste momento, domina realmente a Câmara de Gondomar é o Partido Comunista.
O presidente da Câmara de Gondomar é um homem de difícil trato - como, aliás, foi publicado no jornal O Diário - e terei muito gosto em fornecer ao Sr. Deputado o documento onde constam afirmações de correligionários seus, elaborado na última Assembleia Municipal, aquando da aprovação do plano e do orçamento da Câmara para 1988.
Como é que o Sr. Deputado, que aqui aparece a defender o poder local com toda a sua força, pode permitir ou encarar o facto de a Câmara de Gondomar não ter sequer orçamento para 1986?
Devo dizer aqui, nesta Câmara, para que não haja possibilidade de mais «intoxicações», que a Câmara de Gondomar não teve orçamento em 1986; não foi aprovado tardiamente, como se tentou fazer crer. O orçamento, pura e simplesmente, não existe, nas contas da Câmara de Gondomar, Sr. Deputado.
Há, de facto, uma gestão absolutamente contra os munícipes de Gondomar; há uma gestão perfeitamente de «capataz» nessa Câmara e é absolutamente impensável que a situação se prolongue por mais tempo.
Devo dizer-lhe que ainda ontem regressei de lá com a notícia de que o seu presidente persegue os funcionários, tendo suspendido por 90 dias preventivamente, sem qualquer fundamento, sem qualquer inquérito prévio, uma das funcionárias, de quem não gosta. Neste momento, pretende instaurar um inquérito ao assessor autárquico, de quem também não gosta.
Meus senhores e Sr. Deputado João Amaral: Terei muito gosto em acompanhá-lo à Câmara de Gondomar e em pô-lo ao corrente de situações perfeitamente aviltantes e desprestigiantes do poder local nesse concelho.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não diz que somos nós que mandamos? Portanto, irei lá quando quiser!

Risos do PCP.

O Orador: - Gostaria, pois, que o Sr. Deputado João Amaral me respondesse a estas situações. E agora ficarei por aqui.

Aplausos do PSD.

O Sr. José Leio (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Leio, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Leio (PS): - Para a defesa da honra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Leio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria precisar que não pedi a palavra para a defesa da minha honra pessoal, mas sim para a de um autarca socialista que foi aqui mencionado de uma forma desajustada, direi mesmo descabelada ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Leio, penso que pretende usar o direito de defesa da honra do ponto de vista da bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.

O Sr. José Leio (PS): - Exacto, Sr. Presidente. O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Orador: - Como dizia, de uma forma desajustada e descabelada foi aqui mencionado um autarca socialista por um deputado que nunca aqui veio apresentar esta questão para que a pudéssemos debater com profundidade, como merece que seja feito. Veio a destempo, aproveitando uma oportunidade que não permite à bancada socialista apresentar aqui, com frontalidade, as razões que levaram a rebater as afirmações do Sr. Deputado. Com isto, quero dizer que a questão levantada não é tão linear como o Sr. Deputado aqui a mencionou ...

Uma voz do PSD: - É, sim, Sr. Deputado!

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O Orador: - ... mas sim uma questão polémica que poderíamos abordar, porque ela não é de todo desfasada e deveria merecer uma apreciação profunda. Por que é que se foi buscar a questão de Gondomar? Por que é que não se foram buscar outros problemas semelhantes? Por que é que essa questão não pode ser considerada uma preocupação do Governo, ele que, de facto, começou a preparar caminho perseguindo autarquias de domínio socialista e criando condições para obter melhores resultados nas eleições autárquicas que aí vêm?
Devo dizer que a questão que o Sr. Deputado referiu está para ser promulgada pelo Sr. Presidente da República, que se ainda o não fez é porque tem razões para tal. Queira V. Ex.ª dirigir-se a esse órgão de soberania e não vir aqui expender conceitos de validade duvidosa.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Aristides Teixeira.

O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Não me espanta a defesa ou a pretensa defesa feita pelo Sr. Deputado José Leio, que é amigo do presidente da Câmara de Gondomar, mas sempre lhe digo, com toda a sinceridade, que a questão que levantei está perfeitamente em tempo, pois trata-se de um problema levantado pelo Sr. Deputado do PCP e que, aliás, o próprio Partido Socialista, através da intervenção da Sr.ª Deputada Maria Julieta Sampaio, em 4 de Fevereiro último ...

O Sr. José Leio (PS): - Não o vi cá nessa altura!

O Orador: - ... também levantou e de cujo texto, curiosamente, na versão depois distribuída à imprensa, teve o bom senso, a prudência e talvez a vergonha de riscar o nome do presidente da Câmara. Ao lermos o texto, verificamos que começa assim: «A gestão da Câmara de Gondomar tem sido eficiente e dinâmica [...]» -isto só para rir, porque realmente de eficiente e dinâmica não tem absolutamente nada, pelo contrário-, depois continua: «[...] Sendo o estilo do presidente [...]» - e diria o nome dele, mas acaba por cortá-lo e escrever: «[...] Sendo o estilo do seu presidente [...]». Penso que isto revela muito da psicose do próprio PS em querer defender o indefensável, porque certamente o Sr. Deputado José Leio conhece Gondomar talvez pela voz do Sr. Presidente da Câmara, mas eu conheço Gondomar perfeitamente.

O Sr. José Leio (PS): - Vê-se logo!

O Orador: - Já estou no meu segundo mandato como vereador e devo dizer que, como gondomarense, sofro muito. Assim, não é através de uma defesa tão tíbia como a que o Sr. Deputado acabou de fazer que defende realmente o presidente da Câmara de Gondomar.
Em momento oportuno, terei muito gosto em esclarecer a questão, que é líquida, só não o sendo para o Partido Socialista. Pela segunda vez ficou aqui demonstrada a dificuldade do Partido Socialista em apoiar o presidente da Câmara de Gondomar. Isto está à vista e suponho que na altura própria veremos os factos.
Quero ainda salientar que a minha intervenção não está de forma alguma fora de tempo. Ela é adequada, é a resposta àquilo que o Sr. Deputado João Amaral levantou e continuarei a defendê-la com toda a força.

Aplausos do PSD.

Uma voz do PS: - Muita força, pouca sabedoria!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, tem V. Ex.ª a palavra para responder aos pedidos de esclarecimento formulados.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Roleira Marinho, já o conheço desta Assembleia o tempo suficiente para ter percebido que na sua intervenção fez o esforço adequado de contenção e tentou que a sua bancada tivesse um comportamento adequado à matéria que estava em discussão. Só que, Sr. Deputado Roleira Marinho, isto de ser novato dá coisas como a que fez o Sr. Deputado Aristides Teixeira e a situação criada é a de que aquilo que o senhor tentou evitar foi feito pelo Sr. Deputado Aristides Teixeira. Isto é: veio para aqui lavar a «roupa suja» do poder local.

Risos do PS.

Nisso eu não entrarei! Rejeito em absoluto vir para a Assembleia da República discutir questões internas do poder local.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não considero que essa seja a forma de assumir uma postura política em relação ao poder local e condeno quem o faz como no caso do Sr. Deputado Aristides Teixeira, que suscitou aqui um tipo de debate degradante do poder local. Se o Sr. Deputado quer usar direitos constitucionais e regimentais para defender o poder local, utilize a iniciativa legislativa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Fiscalize a acção do Governo e deixe em paz o poder local.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

O Orador: - As questões que o Sr. Deputado Roleira Marinho colocou são extremamente curiosas, pois posso deduzir que quando coloca algumas e não coloca outras é porque me dá razão em relação às restantes.
Relativamente às questões que me colocou, e, em primeiro lugar, quanto à questão das estradas, oh!, Sr. Deputado Roleira Marinho, a ameaça não se concretizou totalmente, mas vou contar-lhe que ainda há breves minutos um autarca desta Assembleia - que é deputado e também autarca- me contava que numa das câmaras da margem sul, quando se tentou reparar uma determinada estrada e se fez o pedido à Junta Autónoma de Estradas, foi-lhe comunicado que a reparação seria efectuada desde que depois a Câmara assumisse a competência sobre a estrada. Isto é, nem mais nem menos, do que o percurso que vai ser feito inevitavelmente se persistir aquela ideia fixa de transferir para as autarquias a rede complementar de estradas de 12 000 km.

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Sr. Deputado, devo dizer-lhe que em 1985, na Comissão a que pertenci e V. Ex.ª também, se contribuiu para paralisar essa operação, mas também devo acrescentar que, a partir de tudo o que foi recentemente dito pelos responsáveis pelo Ministério, isso está na agenda próxima, como também está na agenda tudo o que referi: a questão do pessoal auxiliar das escolas, das instalações desportivas, dos tribunais, das construções escolares através de um processo ...

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Desculpe, deixe-me concluir o raciocínio! ... que eu defini como chantagista e que se traduz em chegar a uma câmara e dizer: «W. Ex.as querem que uma escola seja instalada na área do vosso município? Então, se querem, embora isso não seja da vossa competência, financiem em 30%, 40 %. Se não financiarem, vamos fazê-la em outro município.» Isto é um processo inadmissível de chantagem sobre o poder local, e que, ao fim e ao cabo, se traduz em expoliá-lo dos meios financeiros de que dispõe.
Quanto à aplicação da lei, Sr. Deputado, estamos de acordo. Apliquem-se as leis, e eu até diria aplique-se a Lei das Finanças Locais. A aplicação desta lei foi suficientemente discutida nesta Assembleia durante o debate do Orçamento do Estado e estão aqui presentes os Srs. Deputados, nomeadamente da sua bancada, que afirmaram que a norma de variação em função da variação da previsão do IVA significava garantir - disseram-no aqui deputados e também um membro do Governo, o Secretário de Estado Nunes Liberato - as autarquias contra a inflação, pelo menos. Isto é: a evolução da receita FEF seria, pelo menos, a da evolução da receita da inflação. Houve até quem dissesse mais: que seria a evolução da receita da inflação mais, naturalmente, a evolução em função da evolução do produto nacional bruto.
Não interessa aqui, propriamente, discutirmos as diversas opiniões sobre o assunto, o que interessa é dizer que pelo menos contra a inflação essas receitas estavam garantidas. No entanto, o que se fez, Sr. Deputado Roleiro Marinho, foi -através de uma grosseira manipulação de números feita no Ministério das Finanças e com o beneplácito do Sr. Ministro Valente de Oliveira- defraudar as justas expectativas dos municípios. E por isso, Sr. Deputado, se o que está em causa é a aplicação da lei, então a lei não é aplicada, não foi aplicada. Aliás, em relação a Gondomar, também é muito duvidosa a evocação da lei que foi feita aqui.
E repito: por que é que se actua com dois pesos e duas medidas? Por que é que se actua assim em relação a Gondomar e não da mesma maneira em relação a outros municípios? E, pergunto, essa medida é de facto necessária? Pondere-se o disposto no artigo 18.º da Constituição acerca do factor de necessidade no tocante à adopção de medidas contra direitos fundamentais. Pergunto de novo: essa medida é necessária ou visará outros objectivos? Na minha opinião visa outros objectivos!...
Para concluir, quero apenas frisar que, quanto ao essencial da minha intervenção, sustento o que disse e não foi aqui questionado. Refere-se ao facto de estar a ser posta em prática uma política que, designadamente, em aspectos legislativos já anunciados, como os planos de desenvolvimento e outros, visa colocar as autarquias perante situações de facto, já consumadas, decididas a nível central e de forma centralizada. .Esta é a realidade com que se defronta o poder local e é contra esta realidade que é preciso lutar e é contra ela que os autarcas estão a lutar, queira ou não o Sr. Deputado Roleira Marinho.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira de Matos.

O Sr. Oliveira de Matos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência do cumprimento do programa do PSD e das promessas eleitorais feitas ao povo português, veio agora o Governo de Portugal, através da Secretaria de Estado da Agricultura, anunciar a realização de uma medida há muito esperada. Trata-se da implementação do Plano Nacional de Saúde Animal anunciado por S. Ex.ª o Sr. Secretário de Estado da Agricultura. Instrumento fundamental para a prossecução dos objectivos de obtenção de efectivos pecuários sãos e explorações indemnes, quer do ponto de vista sanitário quer da consequente rentabilização económica de actividade que envolve apreciável número de trabalhadores portugueses, o Plano Nacional de Saúde Animal foi possível graças ao empenhamento do Governo na mobilização dos meios necessários, nomeadamente através do sucesso nas negociações em Bruxelas dos apoios financeiros necessários a tal envolvimento.
Com a execução deste Plano certamente será possível, a médio prazo, eliminar ou esbater os obstáculos ligados aos problemas de saúde animal que podem impedir a livre circulação de produtos para o «mercado único em 1992».
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, os aspectos ligados à produção animal revestem-se de uma importância fundamental no quadro do desafio comunitário, na medida em que o País tem necessidade de produzir com qualidade e preço produtos que se enquadrem nas regras que disciplinam as trocas comerciais no espaço comunitário.
Sem efectivos pecuários sãos nunca teremos fontes de matéria-prima que permitam à nossa indústria agro-alimentar concorrência no mercado interno e muito menos pensar na hipótese de exportação para os restantes países comunitários. É nesse contexto que se reveste de primordial importância o conjunto de medidas agora anunciadas.
Para a execução deste Plano, conta o Governo com envolvimento conjunto dos serviços regionais de agricultura, Direcção-Geral da Pecuária, associações de criadores e cooperativas e, directa ou indirectamente, através dos agrupamentos de defesa sanitária.
Do âmbito do Plano destacam-se os objectivos de execução de programas de erradicação acelerada da tuberculose, brucelose e leucose de ruminantes, da peste suína africana e clássica e do controle e manutenção de indemnidade da raiva e febre aftosa, entre outros.
O envolvimento financeiro deste conjunto de actividades é da ordem dos 4 milhões de contos, para os quais contribuiu decisivamente, através do PEDAP, a mobilização de comparticipação comunitária, disponível no ano em curso, de mais de 1 milhão de contos.

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No entanto, as dificuldades de execução de um plano arrojado como este levaram ao estudo e implementação de uma nova metodologia de trabalho, no campo, envolvendo mais os criadores e suas associações, através do lançamento de um novo programa -agrupamentos de defesa sanitária (ADSs)-, consubstanciando, assim, a ideia de que só o empenhamento e sensibilização dos particulares pode servir de motor de arranque para a modernização que se pretende para a pecuária e indústria agro-alimentar. Foi nesse sentido que do total dos 4 milhões de contos afectos ao Plano se encontra adstrita aos ADSs uma verba da ordem de 1 050 000 contos para suporte das despesas de instalação e funcionamento.
Registos zootécnicos, incentivos à inscrição dos animais e à recria de fêmeas, a valorização de reprodutores através de leilões subvencionados, a difusão de sémen de qualidade, a montagem de centros de testagem, a informatização do sistema de contraste leiteiro, a publicação de registos e monografias são, entre outras, armas com que se conta para o combate em que todos teremos de nos envolver.
Aguarda-se agora que, para além dos meios e dos serviços anunciados, outros se lhes sigam, nomeadamente a fiscalização rigorosa do chamado «turismo de gado» que, embora decrescente, ainda se pratica nalgumas zonas do País. De outra forma, zonas que se conseguem tornar indemnes podem por falta de cuidado ou por «visita» dos citados turistas, quando contaminados, cair novamente na situação anterior, deitando a perder a dedicação, o trabalho e os meios financeiros entretanto utilizados.
Por outro lado, impõe-se um mais apertado controle das condições hígio-sanitárias dos locais de abate. A manutenção de locais de abate sem as condições necessárias para a obtenção de produtos de qualidade, para além de colocarem os seus possuidores (públicos ou privados) em desleal concorrência com quem cumpre normas técnicas e legais, são reconhecidamente centros de locais de proliferação de agentes patogénicos que podem pôr em risco a saúde pública.
O combate à clandestinidade e às deficientes condições técnicas e hígio-sanitárias impõe-se não apenas por em si mesmo ser uma tarefa urgente mas igualmente porque é um instrumento fundamental para o sucesso do Plano Nacional de Saúde Animal.
Entendo que não se deve coarctar a ninguém já instalado a hipótese de prossecução da sua actividade económica. Mas igualmente entendo que tal não deve pôr em causa a sanidade do parque pecuário nacional, a qualidade dos produtos de indústria agro-alimentar por deficiência de matéria-prima e, muito menos, a saúde pública.
Entendo, outrossim, que deve ser feito um esforço de mentalização para a transformação e reconversão de estruturas deficientes. Para isso, preconiza-se a utilização dos fundos comunitários postos à disposição das empresas agrícolas, pecuárias ou agro-industriais, através dos vários regulamentos que contemplam os aspectos específicos ligados à transformação das estruturas agrárias nacionais e que são importantes instrumentos para a criação de empresas pecuárias viáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além do que ficou exposto, é efectivamente necessário um envolvimento de todos para a obtenção do objectivo final: erradicação da doença animal e a progressiva atribuição de estatuto de explorações indemnes em áreas indemnes.
A tarefa é demasiado grande para poder ser deixada apenas ao cuidado de um governo, seja ele qual for, todos, sejam governo ou oposição, administração ou particulares, meios de comunicação ou opinião pública, produtores ou consumidores, devem interpretar como sendo um dever patriótico o contributo para a obtenção do objectivo enunciado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Também para um intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ideia que aqui vos pretendo transmitir inclui-se entre aquelas que, aparentemente, se podem considerar objecto de consenso. Simples afinal, a ideia é apenas esta: a reforma educativa não pode ser feita contra os estudantes, a reforma educativa tem de ser feita com os estudantes!
Trata-se de uma afirmação que, sendo válida noutros momentos e noutros lugares, adquire hoje uma particular importância. Ao que parece, da aparência à realidade vai mesmo uma grande diferença.
Falando, embora, de diálogo e participação, na prática o Ministro da Educação não está a ter a devida consideração pela opinião estudantil. Na prática o Ministro da Educação está a tomar, sem justificação credível, decisões claramente contrárias àquelas que são preconizadas pelos estudantes de diferentes estabelecimentos de ensino. Assim sucede no caso dos ISCAs, assim sucede no caso dos ISEs, assim sucedeu no caso das letras, assim sucede no caso dos institutos de serviço social, assim sucede no caso das faculdades de medicina dentária, assim sucede no caso dos conservatórios, assim sucede no caso das Belas-Artes, e a lista já vai extensa!...
Vejamos alguns casos mais no concreto: os ISCAs (institutos superiores de contabilidade e administração) reivindicam desde há anos o seu direito à licenciatura e à integração universitária. Por mais de uma vez diferentes governos tentaram promover a sua integração no politécnico; sempre a Assembleia da República frustrou tais intenções. Entretanto, é sabido que desde 1986 estes estabelecimentos de ensino têm vindo a ministrar, além do bacharelato, cursos de estudos superiores especializados - tratando-se, assim, de uma forma que permitiria criar condições para a concessão futura de licenciaturas. Assim foi dito e prometido, mas não foi assim que foi feito. Agora, tentando ganhar a razão que não tem na situação criada, o Ministério da Educação argumenta com a Lei de Bases do Sistema Educativo para de imediato colocar os ISCAs na rede do ensino politécnico. Trata-se, no mínimo, de uma interpretação forçada desta lei, não apenas porque estas escolas sempre aspiraram à concessão de licenciaturas como, por outro lado, entendem e defendem ser possível formar mestres e doutores nestas áreas de ensino, à semelhança do que acontece noutros países, o que, como se sabe, é praticamente impossível de vir a acontecer caso se integrem no politécnico.

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Não pretendo aqui aprofundar a discussão que espero possamos vir a ter brevemente, discutindo o pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 70/88, que o meu grupo parlamentar apresentou, mas, Srs. Deputados, serão os senhores insensíveis à desqualificação de diplomados nacionais face a colegas seus, com idêntica formação, de outros países da CEE? Serão os senhores insensíveis a que profissionais de outros países (da vizinha Espanha, por exemplo) possam exercer em Portugal funções que seriam vedadas aos diplomados nacionais com igual formação? Serão os Srs. Deputados insensíveis às afirmações da então deputada Amélia de Azevedo e do ainda hoje deputado Manuel Moreira quando aqui declarou: «Reafirmamos o que desde há muito vimos dizendo, que a contabilidade e administração constituem uma ciência autónoma em relação à economia, justificando-se assim a sua inclusão no ensino universitário.»
O mesmo problema se coloca em relação aos ISEs (institutos superiores de engenharia), e passo assim a debruçar-me sobre este segundo caso, sobre uma segunda atitude recente do Sr. Ministro da Educação contrária à vontade estudantil. Desta feita com uma notável cambiante: à promessa feita de constituir uma comissão para exame das várias alternativas que se põem quanto ao espaço a ocupar pelos ISEs no ensino superior o Ministério responde fazendo publicar um despacho que, sim senhor, cria uma comissão, mas para «esclarecer dúvidas» sobre aquilo que seria um facto consumado - a sua integração também no politécnico.
Agindo desta maneira, dando o dito por não dito, os responsáveis pela pasta educativa não avalizam a imagem dialogante que pretendem criar. A isto se chama entrar por maus caminhos que não ajudam a uma verdadeira e participada reforma do sistema educativo, não ajudam à participação dos jovens no processo educativo, não ajudam à dignificação das diferentes componentes do ensino superior.

Uma voz do PSD: - Muito mal!

O Orador: - E, Sr. Presidente, Srs. Deputados, será exemplo de transparência de processos, será exemplo de dignificação das relações do Estado com o ensino superior particular a recente atitude de autorizar, por despacho, o início de actividades de uma entidade que pretende ministrar cursos de medicina dentária? Desde quando pode um simples despacho sobrepor-se e antecipar-se ao decreto-lei de autorização dos cursos, tal como a Lei de Bases obriga? E por que razão continuam também na gaveta, vale a pena perguntar, os projectos de licenciatura apresentados pelos institutos superiores de serviço social e reclamados pelos estudantes? Que futuro está reservado para os diplomados desta área?

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O protesto estudantil dos ISCAs, dos ISEs e de outras escolas tem razões legítimas que só não vê quem não quiser ver. E, face ao protesto estudantil, o Ministério da Educação não pode fazer ouvidos de mercador, nem pode de forma alguma permitir nem deixar passar em claro -porque é grave, porque faz lembrar outros tempos- a resposta do bastão e do pingalim, ... como ainda há dias aconteceu em Coimbra contra estudantes do ISCAC.
O Grupo Parlamentar do PCP exige do Ministério da Educação que proceda a averiguações urgentes sobre a agressão aos estudantes em Coimbra, para que atitudes semelhantes não se propaguem, e exige simultaneamente do Ministério o respeito pela opinião dos estudantes.
Pela nossa parte, depois de termos apresentado o pedido de ratificação do Decreto-Lei n.º 70/88, anunciamos que vamos apresentar na Mesa da Assembleia da República uma iniciativa legislativa que visa consagrar legítimas aspirações dos profissionais e dos estudantes de contabilidade e administração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A quem serve afirmar o diálogo e praticar o monólogo, como no caso dos ISCAs, a quem serve dizer hoje uma coisa e amanhã outra, como no caso dos ISEs, a quem serve a falta de clareza de processos, como no caso da medicina dentária, a quem serve tecer loas à juventude, mas continuar sem regulamentar leis tão importantes como são aquelas que aqui aprovámos sobre as associações de estudantes e sobre o Dia do Estudante?
É imprescindível mudar de atitudes, é urgente alterar políticas.

Aplausos do PCP, da ID e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - A Mesa recebeu a inscrição de cinco Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, mas o Sr. Deputado Rogério Moreira não tem tempo para responder.
Tem a palavra o Sr. Deputado Aristides Teixeira.

O Sr. Aristides Teixeira (PSD): - Sr. Deputado Rogério Moreira, penso que o assunto que abordou na sua intervenção não está, de forma alguma, esgotado. O que o Sr. Deputado disse não foi mais do que um aproveitamento de uma determinada situação.
Sabemos - e o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior já teve oportunidade de...

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado!

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Deputado Aristides Teixeira, se me permite interrompê-lo, quero apenas perguntar à Mesa se algum grupo parlamentar, em particular dos que estão inscritos para me formular pedidos de esclarecimento, me concede algum tempo para poder responder. Caso contrário, as perguntas ficarão sem resposta e é pena.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Rogério Moreira, depois de a Mesa ter feito notar que o Sr. Deputado não dispunha de tempo, imediatamente o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca lhe cedeu dois minutos.

Uma voz do PSD: - É para isso que ele lá está!

O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado Aristides Teixeira.

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O Orador: - Sobre esta matéria dos ISCAs, dos ISEs e do ISSL, o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior teve já oportunidade de fazer uma explanação bastante completa. Portanto, sabemos que o grande problema relativamente a esta questão é o do estatuto do ensino superior politécnico. Aliás, o próprio decreto que integra os ISCAs no ensino superior politécnico deixa para uma segunda fase o estatuto do ensino superior politécnico.
Neste momento, o grande problema é também o de se pretender considerar o ensino politécnico como um segundo ensino, um ensino que realmente não tem a nobreza nem a dignidade que, neste momento, os estudantes entendem que devia ter. Certamente, o Sr. Deputado Rogério Moreira, tal como eu, tem acompanhado este assunto com todo o interesse na Comissão de Educação. Nós próprios, no dia 21, iremos ao ISCA do Porto, o que demonstra que efectivamente o Governo continua interessado - tal como a Comissão de Educação na Assembleia da República - em esclarecer todos os assuntos e por isso iremos estar no dia 21 no Porto, para ouvir a associação de estudantes do ISCA.
Gostaria ainda de acrescentar que o ensino politécnico é um ensino que tem maioridade, é um ensino nobre como qualquer outro tipo de ensino. É um ensino de nível superior e, conforme o disposto na Lei de Bases do Sistema Educativo, confere a possibilidade de através dele se obter a licenciatura.
Portanto, neste momento, não está vedada aos alunos a possibilidade de ascenderem à sua licenciatura, que é, de facto, um dos fins últimos que procuram.
Penso que, neste momento, é possível a todos os diplomados por essas escolas alcançarem a licenciatura. O problema põe-se a nível universitário e como sabe, Sr. Deputado, o ensino universitário não prevê a existência de bacharelatos. Só mediante uma entorse, uma modificação na Lei de Bases, seria possível verificar--se tal situação. Deste modo, o assunto está em estudo e, inclusivamente, o Sr. Ministro ou o respectivo chefe de Gabinete recebeu a associação de estudantes do Instituto Superior de Lisboa, que lhe entregou um memorando que o Sr. Ministro estudará com toda a atenção.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Esperemos que sim!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, dada a circunstância de o Sr. Deputado Rogério Moreira não dispor de tempo e eu também não dispor de tanto tempo que pudesse ceder-lhe aquele de que preciso para formular os meus pedidos de esclarecimento, prescindo do uso da palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado Rogério Moreira, gostaria de começar por congratulá-lo pelo facto de trazer a esta Câmara um assunto de tão grande importância. As questões relativas ao ensino superior e os vários problemas que começam a surgir já têm sido debatidos aqui, já foram feitas perguntas ao
Governo sobre a matéria, em especial a que respeita aos ISEs e aos ISCAs e, de facto, ao contrário do que disse o Sr. Deputado do PSD, a questão está longe de se encontrar esclarecida.
Gostaria de aproveitar esta oportunidade - até porque me parece que essa questão não ficou bem esclarecida na sua intervenção - para fazer notar e lembrar ao Sr. Deputado e à Câmara que há relativamente pouco tempo, cerca de uma semana, quinze dias, apareceu nos jornais uma informação de que o Sr. Ministro da Educação ia, realmente, conceder a licenciatura aos institutos superiores de contabilidade e administração. Se o Sr. Deputado dispuser de tempo para o efeito, gostaria que esclarecesse a Câmara no sentido de explicar que essa Licenciatura que o Ministro da Educação promete não é uma licenciatura universitária. A grande questão é essa.
Sendo assim, é por esse motivo que se continuam a ouvir os protestos dos alunos dos institutos superiores de contabilidade e administração. Se realmente a licenciatura que o Ministro da Educação promete fosse aquela que é desejada pelos alunos dos institutos superiores de contabilidade e administração e se fosse equivalente à licenciatura universitária, haveria neste momento todas as razões para os alunos pararem os seus protestos. Se não param, alguma coisa ficou por esclarecer, e esta notícia que veio a público, dando a impressão às pessoas de que o Ministro da Educação estava a dialogar e a aceitar uma reivindicação dos alunos, à partida, não é correcta, porque essa licenciatura é uma licenciatura que, inserida no âmbito do ensino politécnico, não corresponde à licenciatura universitária. Com efeito, ela não dá, por exemplo, acesso ao grau de mestre e ao de doutor.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Rogério Moreira, ocorre no País uma «campanha de dinamização cultural» - esta parece a expressão adequada para designar o caso - em torno do problema do insucesso escolar. Eloquentes discursos vêm sendo oficialmente proferidos. Copiosos relatórios têm servido de matéria, mais ou menos rebuscada, mais ou menos legível, para o acréscimo do produto dos prelos do Ministério da Educação.
De todo em todo me escasseia tanto a agudeza intelectual e a finura crítica quanto o ímpeto de escrita e o impulso de imaginação para adicionar discurso substancioso a tão vasta bibliografia.
A insuficiência de transportes, as deficiências de alimentação, o alcoolismo precoce -as misérias do quotidiano, em síntese -, explicam dramaticamente parte da relativa improdutividade da escola. É também por isso que a escola ensina pouco. Tal improdutividade tem no insucesso escolar um dos seus indícios. Porventura o mais imediatamente visível. A elevada taxa de reprovações é um mal. A precariedade (e quantas vezes a inconsistência!) da preparação oferecida não o é menor.
O esforço e a dedicação dos professores constituem realidade e valor em si mesmo. Todavia, quando as directrizes são erradas, pode o professor dar mais do que o exigível, não pode é escapar ao estiolante espartilho em que o manietam.

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Pela injustiça social que representa, a elevada taxa de insucesso escolar preocupa. No que tem de evitável e inútil, a improdutividade escolar revolta na medida em que apenas resulte da falta de senso nas directrizes pedagógicas.
Prosseguir, na instrução primária, o ensino da aritmética com base na teoria dos conjuntos é hoje uma insensatez. Ensine-se a tabuada.
Continuar, no período de escolaridade obrigatória, a ensinar sintagmas e estruturas sintagmáticas não é a melhor pedagogia. Ensine-se a gramática tradicional, a sintaxe, a ortografia e -por que não?- a caligrafia.
Mande o Sr. Ministro da Educação que se ensine tabuada e se oriente capazmente a aprendizagem da língua portuguesa e estará contribuindo, sem despesas nem enleios, para aumentar a produtividade da escola e combater o insucesso.
Abstenha-se todavia S. Ex.ª de, no combate à expressão administrativa do insucesso escolar, suprimir a obrigatoriedade do ensino de duas línguas estrangeiras entre os doze e os quinze anos. A segunda língua estrangeira é causa de reprovações nos meios sociais mais desfavorecidos? Contorne-se discretamente a dificuldade através de instruções às escolas. A linha do raciocínio oficial levaria demasiado longe: na fidelidade a tal pensamento, virá alguém um dia propor que o ensino do português ou da matemática se tornem igualmente opcionais. Combater o insucesso escolar é uma prioridade, mas sob condição de se não descurar a transmissão de conhecimentos como uma das finalidades da educação.
Peço desculpa ao Sr. Deputado Rogério Moreira de não lhe ter feito propriamente uma pergunta ...

Risos do PSD.

Confesso que aproveitei a oportunidade para fazer uma intervenção.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Claro!

O Orador: - A rarefacção do próximo período de antes da ordem do dia, em 8 de Abril, a tanto me obrigou para poder falar hoje. Lavro o meu vivo protesto contra o modo como está sendo desvalorizado o período de antes da ordem do dia.

Aplausos do PS, do PCP, de Os Verdes e da ID.

Uma voz do PSD: - Por V. Ex.ª!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Com intervenções dessas, sim!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha.

O Sr. Jorge Paulo Cunha (PSD): - Sr. Deputado, muito rapidamente, porque não abundamos em tempo, queria colocar três questões muito específicas ao Sr. Deputado Rogério Moreira.
A primeira delas é relativa ao estatuto de menoridade do politécnico. Quem o ouvisse falar, havia de pensar que o politécnico é abaixo de cão quando, de facto, a sua orientação não é nada disso.
Devo lembrar que no próprio Orçamento deste ano na rubrica PIDDAC, o Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Lisboa passou para 50 000 contos contra os 5000 contos do ano passado e o estatuto docente aprovado para os docentes dos institutos superiores de contabilidade veio responder a uma exigência feita desde há longos anos pelos professores dessas escolas.
Por isso, pergunto ao Sr. Deputado Rogério Moreira onde está aqui o aviltamento por parte do Sr. Ministro da Educação.
Por outro lado, na sua intervenção o Sr. Deputado esqueceu-se dos enfermeiros que também querem a licenciatura, dos professores primários que também a querem e a questão que ponho e muito claramente é a seguinte: será que o País não necessita de técnicos qualificados, que as escolas superiores de contabilidade não têm respondido e que não existe mercado de trabalho para as pessoas que saem das escolas de contabilidade?
Aproveito para saudar aqui todos os contabilistas que, de uma forma perfeitamente brilhante, têm conseguido ajudar ao desenvolvimento deste país.
A terceira questão que lhe ponho, Sr. Deputado Rogério Moreira, é a de saber se está esquecido de que os dois anos de ESE são em termos de concurso para a função pública ou de qualquer outro tipo de concurso, exactamente equiparados a qualquer licenciatura.
Portanto, o que lhe pergunto é: que país se pode dar ao luxo de - de uma forma perfeitamente aviltante, já que os contabilistas têm cumprido a sua função - que país se pode dar ao luxo, repito, de em vez dos três anos obrigar os estudantes a cinco anos para terem a capacidade de fazer o seu exercício profissional?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Então e a CEE?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira, para o que dispõe de dois minutos.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, nos dois minutos de que disponho não me será possível responder a todas as perguntas que me foram colocadas. De qualquer forma, tentarei abreviar e desde já dizendo ao Sr. Deputado Sottomayor Cárdia que comungo de grande parte das preocupações que aqui trouxe e que não lhe respondo porque o próprio Sr. Deputado salientou que se tratava de uma intervenção, aliás, de uma forma de protesto contra a escassez de tempo do período de antes da ordem do dia.
Em relação às restantes referências feitas à minha intervenção, começo exactamente pelo final, pelo Sr. Deputado Jorge Paulo Cunha, que colocou o problema da dignificação do ensino politécnico, a que outros Srs. Deputados também se referiram.
Pois bem, Sr. Deputado, há uma questão elementar e crucial para nós que é a de que o ensino politécnico não pode ser defendido e não pode ser salvaguardada a sua qualidade tentando enfiar escolas à força na rede do ensino politécnico, tal como hoje se está a fazer com os institutos superiores de engenharia e os institutos superiores de contabilidade. Ou seja: a dignidade do ensino politécnico necessita obrigatoriamente de que convirjam opiniões, de que convirjam vontades no sentido de as escolas participarem e integrarem esta rede.

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Com efeito, isso é rigorosamente o contrário daquilo que está a ser feito, o que nos coloca perante a situação do facto consumado: aí estão, por despacho ou por decreto; integram-se contra a vontade dos estudantes, contra a vontade da generalidade da escola e cortando, em particular, a possibilidade de esses futuros profissionais e dos profissinais já diplomados pelos respectivos estabelecimentos de ensino poderem progredir no sistema de ensino, direito legítimo de qualquer cidadão. E o Sr. Deputado sabe que a integração no ensino politécnico, tal como está a ser configurada, impossibilita, de imediato, que assim seja. Aliás, a Sr.ª Deputada Isabel Espada deu uma particular contribuição para a explicação deste problema.
Por outro lado, o Sr. Deputado perguntou: «Que país pode dar-se ao luxo de estar a formar profissionais mais qualificados do que aquilo que o politécnico permite?»
Sr. Deputado, nestas áreas não são poucos os países, em particular da Comunidade Económica Europeia, que prevêem, por exemplo, o grau de mestrado e doutoramento nos cursos de contabilidade e administração ...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Ainda bem que defende o ensino técnico!

O Orador: - O Sr. Deputado veja que não só é perfeitamente admissível como o que importa é saber se isto interessa ou não apenas aos estudantes e àqueles que frequentam as escolas, se interessa ou não às necessidades do País e se interessa ou não ao desenvolvimento de um determinado ramo da ciência.
No nosso entender, achamos que sim e não há estudos que comprovem o contrário. Se os profissionais, os estudantes, os habilitados por esses estabelecimentos de ensino assim o dizem, como é que o Sr. Deputado pode agora dizer, aqui, de uma penada, que «não senhor, não precisamos!». E, mais dizer que um técnico qualificado é sinónimo de integração no politécnico, quando não é rigorosamente nada disso que está em causa, porque técnicos qualificados serão, esperemos, os licenciados do nosso país pelas universidades, serão, esperemos, os diplomados pelos institutos politécnicos que existem.
Agora, não é de forma alguma condição para se considerar que um técnico é um bom profissional e é um técnico necessário ao desenvolvimento do País integrá-lo, «às três pancadas», no ensino politécnico, que é rigorosamente o que hoje está a ser feito, não só apenas nesses casos como também em relação ao conjunto de problemas que aqui tive oportunidade de referir e aos quais não foi possível, por escassez de tempo, dar a devida pormenorização, mas que, creio, exigem da Assembleia da República uma atenção muito cuidada, porque coisas bastante graves se estão a verificar hoje na problemática do ensino superior no nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Região de Turismo do Oeste é constituída por onze concelhos do denominado Oeste estremenho, o qual se inicia aqui a dois passos de Lisboa, no concelho de Arruda dos Vinhos, passando pela cidade de Torres Vedras, tendo no seu ponto mais afastado o limite do concelho das Caldas da Rainha, incluída numa zona de clima temperado com influência mediterrânica.
Concelhos que, unidos por uma herança cultural da vinha e por um apego muito forte à terra e à natureza, são caracterizados pela invulgar hospitalidade das suas gentes e existência de uma imagem turística ainda em estado puro.
Fundamentalmente pode observar-se na região do Oeste uma paisagem de rara beleza, plena de contrastes entre cabeços e pequenas planícies, numa harmonia de cor comum em toda a região, numa região fértil de atractivos de parques naturais, aprazíveis praias de areia branca e água cristalina.
Implantada numa zona riquíssima de património cultural, na qual se atesta a passagem e permanência de importantes civilizações, que contém no conjunto arquitectónico da vila de Óbidos o seu expoente máximo, verdadeiro ex libris da região e num futuro muito próximo um monumento de toda a Humanidade.
Verdadeira zona paradisíaca para viajantes e turistas, a região do Oeste de Lisboa, incluída na Região de Turismo do Oeste, encontra-se hoje, infelizmente, confrontada com um grave problema, já amplamente divulgado e reclamado pelas populações e instituições locais, mas cuja solução no futuro se antevê amplamente complicada e de difícil resolução. Refiro-me às suas vias de comunicação. Com um mínimo de funcionalidade na orla litoral de toda a região Oeste, o turista ou visitante ou opta por atravessar toda a zona pela estrada nacional n.º 1 (auto-estrada) até Rio Maior ou, se se «arriscar» a utilizar estradas do interior, corre o grave risco de não chegar ao seu destino, e mesmo que, admito, possa ser um pouco exagerada esta minha apreciação factual, o incauto viajante enquanto se lembrar da viagem não terá com certeza vontade de a repetir.
Estradas estreitas, altamente perigosas, deficitariamente sinalizadas, maioritariamente esburacadas, são os atributos que oferecemos ao turista que queira visitar a zona onde por época anual mais tempo brilha o sol em Portugal. E a interrogação mantém-se. Porquê?
Será que o povo tem razão quando diz que a região do Oeste é um «perigo» para a zona de turismo do Estoril e Cascais?
Pessoalmente não creio. Diria antes que estas duas regiões se completam. No Oeste existe sol, também existem praias, mas o Oeste tem muito mais do que sol e praias: vastas planícies disciplinadamente cultivadas, onde a vinha se mistura com o pomar e as searas, onde um património cultural centenário se mantém impecavelmente conservado, onde uma população sã e hospitaleira mantém vivas tradições dos seus antepassados em manifestações de carácter religioso e cultural que o turista nacional ou estrangeiro não vê porque desconhece ou, não desconhecendo, na sua grande maioria não vai.
Acompanhando esta síndroma de interioridade, e muito naturalmente, os concelhos atingidos por este separatismo definham em dificuldades de desenvolvimento num todo de injustiça que urge solucionar. Só para dar três ou quatro exemplos, Arruda dos Vinhos, Sobral de Monte Agraço, Alenquer, Torres Vedras e Cadaval, salvo raras excepções sazonais, são con-

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celhos que passam despercebidos nas suas potencialidades turísticas e, no seu interior, na sua história, na sua cultura e raízes, existem atributos que mereceriam uma melhor atenção e um melhor aproveitamento.
As populações esperam e desesperam, o famigerado plano rodoviário, embora prometido, não surge, fazem-se remendos, remendam-se os remendos e nada se remedeia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Oeste está a pagar muito cara a factura de estar às portas de Lisboa: não se fazem investimentos, não se incentiva a indústria e o comércio, e sem vias de comunicação não haverá nunca desenvolvimento.
As populações desmotivadas não criam raízes, deslocam-se para os grandes centros populacionais do litoral e, a não serem tomadas medidas urgentes, assistir-se-á irremediavelmente à desertificação de zonas importantes, nomeadamente no sector da agricultura.
Diz o povo que o Oeste alimenta Lisboa, mas o povo também já diz que Lisboa tem de passar a ir ao Oeste procurar o seu alimento. Será exagero ou realidade? Só lá indo comprovar para ver. Ver para crer!
Deixo ao critério dos Srs. Deputados a sugestão.

Aplausos do PRD e do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vasco Miguel pede a palavra para que efeito?

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - É para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado, mas solicito-lhe que seja rápido, porque ainda temos votações para fazer.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Deputado, ouvi-o com atenção, embora, e felizmente, não o tenha feito totalmente no Plenário, pois é-nos dada a possibilidade de ouvirmos o que aqui se passa nos nossos gabinetes, e aqui estou para lhe pôr uma questão. Ouvi com atenção a sua intervenção, repito, concordo com muito do que disse, mas parece-me que efectivamente não responsabiliza quem tem de responsabilizar, pois sabe muito bem quais são as forças partidárias que em termos autárquicos dominam o Oeste; sabe de quem é a responsabilidade da Região de Turismo do Oeste, e a pergunta muito concreta que lhe faço é a seguinte: o Sr. Deputado pensa que o Oeste está nas circunstâncias em que está porque o Governo não o apoia ou porque as forças que o dominam politicamente não têm a coragem de provocar o volta-face da região, em termos de dinâmica, de que tanto precisa?

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Deve ser do Cadaval! São os índios do Oeste!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, muito rapidamente gostaria de recordar ao Sr. Deputado Vasco Miguel que me referi às vias de comunicação que não estão sob a responsabilidade das autarquias locais, embora também possa corroborar da exposição que fez e da sua opinião. No entanto, e o Sr. Deputado sabe tão bem quanto eu porque também lá vive, que há muitas estradas que não são da responsabilidade das autarquias locais e que estão neste momento completamente abandonadas, com pontes caídas, destruídas, onde inclusivamente a própria Rodoviária se recusa a ir.
Portanto, embora esteja de algum modo de acordo consigo, logicamente não me competirá a mim responder-lhe, até porque, feliz ou infelizmente, não possuímos nenhuma câmara na região Oeste. Por isso, terão de repartir entre o Partido Socialista, o Partido Social-Democrata e o Partido Comunista a responsabilidade das estradas que não estão reparadas.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - São as «forças do Oeste»!

Risos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, obtida a opinião favorável de todas as bancadas no sentido de que não se façam intervenções sobre a matéria, vamos proceder à leitura de três votos e às respectivas votações.
Vai ser lido o voto apresentado pelo PCP sobre o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor.

Foi lido. É o seguinte:

Voto n.º 23/V Sobre o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor

Considerando que a 15 de Março se assinalou o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor, a Assembleia da República:

Saúda as iniciativas que as associações de consumidores têm vindo a desenvolver em defesa e protecção dos consumidores;
Manifesta a sua preocupação para que melhore o funcionamento dos serviços governamentais de inspecção económica e sanitária e para que se evitem distorções resultantes da não aplicação e regulamentação da Lei de Defesa do Consumidor em todos os seus aspectos;
Considera urgente a adopção de medidas que ponham cobro à proliferação de formas de publicidade dolosa, oculta ou enganosa;
Entende que uma autêntica política de defesa do consumidor está indissoluvelmente ligada à resolução dos problemas sociais e à melhoria das condições de vida materiais e culturais das populações.
Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Vai ser lido o voto, também apresentado pelo Partido Comunista Português, sobre os Dias Internacional da Floresta e Nacional da Árvore.

Foi lido. É o seguinte:

Voto n.º 24

Sobre os Dias Internacional da Floresta e Nacional da Árvore

Considerando que a 21 de Março se comemora o Dia Internacional da Floresta e o Dia Nacional da Árvore, a Assembleia da República delibera:
Saudar as numerosas iniciativas que decorrem em todo o País promovidas por autarquias, associações de juventude, escolas, colectivida-

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dês e bombeiros para comemorar o Dia Mundial da Floresta visando uma maior sensibilização para a preservação, conservação e valorização do património florestal;
Alertar para a necessidade de definição de uma correcta política florestal que tenha em conta a Lei de Bases do Ambiente, que salvaguarde as riquezas florestais que possuímos e promova a exploração da floresta como fonte de protecção e renovação dos recursos naturais sem submissão a interesses que conduzam ao esgotamento desses mesmos recursos;
Considerar urgente a implementação de um programa de preservação e detecção de incêndios na floresta que preserve o património que temos e que simultaneamente actue na correcção e renovação do património florestal que foi destruído.
Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Por último, vai ser lido o voto de saudação apresentado pelo Partido Social-Democrata sobre o Dia Mundial do Dador Benévolo de Sangue.

Foi lido. É o seguinte:

Voto de saudação sobra o Dia Mundial do Dador Benévolo de Sangue

Comemora-se a 19 de Março o Dia Mundial do Dador Benévolo de Sangue.

A Assembleia da República, reconhecendo na dádiva de sangue uma acção tão nobre quanto indispensável, não poderia deixar de se associar às comemorações, saudando esta efeméride.
Não será de mais salientar o papel fundamental desempenhado pelas várias associações de dadores na contínua luta contra a crónica escassez de sangue nos nossos hospitais.
Urge incentivar a dádiva de sangue e aperfeiçoar os mecanismos existentes.
Saudando todos os dadores benévolos de sangue, o Grupo Parlamentar do PSD manifesta a sua total disponibilidade para a criação de condições tendentes a minorar as carências existentes neste sector.
Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Os Srs. Deputados que desejarem enviar por escrito declarações de voto relativas às matérias que acabaram de ser votadas é claro que a Mesa, como é habitual, despachará no sentido de que sejam publicados no Diário.

Srs. Deputados, interrompo aqui a sessão, que recomeçará às 15 horas.

Eram 13 horas e 5 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 22 minutos.

Srs. Deputados, de acordo com a informação que recolhi junto dos diferentes grupos parlamentares, informo que os escrutinadores para a eleição que terá lugar esta tarde, até às 18 horas, na Sala D. Maria, para presidente do Conselho Nacional de Educação, serão os Srs. Deputados João Salgado, Julieta Sampaio e Apolónia Teixeira. Logo que o Grupo Parlamentar do PRD estiver presente indicarei qual o seu representante.

Pausa.

Srs. Deputados, sou informado de que o PRD enviou o seu escrutinador para a Sala D. Maria onde, neste momento, já estão a decorrer as eleições.
Vamos recomeçar os nossos trabalhos com o debate do relatório sobre segurança interna.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, suponho que foi acordado na 1.ª Comissão, por consenso, que antes da primeira intervenção teria lugar a leitura do relatório sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a Mesa não foi informada desse consenso, mas, em face da sua informação, far-se-á a leitura do referido relatório. Solicito, pois, ao Sr. Deputado Pais de Sousa - que é o relator - que proceda à leitura.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o relatório sobre a segurança interna referente ao ano de 1987 é do seguinte teor:
Nos termos do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, a Assembleia da República apreciará anualmente um relatório, a apresentar pelo Governo, sobre a situação do País no tocante à segurança interna, bem como sobre a actividade das forças e dos serviços de segurança desenvolvida no ano anterior.
Em face do que antecede, foi remetido a esta Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias o relatório anual sobre a situação do País em matéria de segurança interna, para se proceder ao seu exame.
Complementarmente, e atento o disposto no n.º 1 daquele artigo, a Comissão solicitou a comparência do Sr. Ministro da Administração Interna, tendo procedido com este a um aprofundado debate sobre diversas matérias abordadas de forma genérica no relatório, o que se traduziu num maior conhecimento da problemática da segurança interna, bem como da amplitude e sentido de actividade prosseguida pelas diversas forças e serviços envolvidos no período a que se reporta o presente relatório.
Trata-se de um primeiro relatório, pelo que só agora se inicia um percurso de elaboração doutrinal própria.
Sendo certo que constitui uma reflexão sistemática e coerente sobre o problema da segurança interna, envolvendo uma interpenetração de vários elementos de análise e estatísticas.

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A justificação jurídico-política de uma Lei de Segurança Interna decorre de princípios plasmados nos artigos 3.º, 9.º e 272.º da Constituição: fundando-se o Estado na legalidade democrática, a ele compete garantir o normal exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos através das forças e serviços de segurança.
Por outro lado, a actividade de segurança interna abrange os domínios das informações, prevenção policial da criminalidade, manutenção da ordem pública e investigação criminal.
Nesta área desempenham funções e exercem competências, forças e serviços que dependem dos Ministérios da Administração Interna, Defesa Nacional, Justiça e Finanças.
No plano jurídico-legislativo há que conjugar vários normativos: Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (que instituiu um sistema de informações da República), Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, e legislação penal e processual penal.
Entrando agora na análise do relatório, referimos que influem na segurança interna factores externos como a livre circulação de pessoas e bens, a criminalidade internacional e a delinquência económica.
Cabe uma nota especial para os problemas derivados da droga, tráfico e consumo de estupefacientes, sendo de relevar a Resolução do Conselho de Ministros n.º 23/87 - Projecto Vida.
Igualmente nos permitirmos destacar, pela sua importância, a apreensão pela Guarda Fiscal, na região de Lagos, de 3830 kg de haxixe e a apreensão pela Polícia Judiciária, em duas acções desenvolvidas em Dezembro de 1987 na área de Lisboa, de um total de 109 kg de cocaína.
No que concerne à análise quantitativa e qualitativa da criminalidade e delinquência em 1987 com referência ao ano de 1986, cumpre-nos salientar, a título exemplificativo, alguns dados estatísticos:
Relativamente a furtos de veículos automóveis, verificou-se nas zonas urbanas um ligeiro decréscimo, registando-se um aumento de 22% na área rural;
Em relação a falsificações de moeda, verifica-se uma diminuição em 24,7%, diminuição que é de 6,9% quanto a falsificações de documentos;
Regista-se um decréscimo de 42,2% no que se refere a assaltos à mão armada, que em relação a bancos se cifrou em 47,4%;
Quanto a delinquência juvenil, refere o relatório que ela aumentou nas zonas urbanas (25%), ligando-se frequentemente a situações de dependência da droga.
O Governo considera satisfatórios os resultados obtidos em matéria de segurança interna em 1987.
Sendo que, globalmente, e nos termos do relatório em causa, não houve acréscimo significativo de actos que pusessem em causa a segurança interna do País.
Ademais, num plano comparado, Portugal apresenta índices de criminalidade inferiores à maioria dos países europeus, designadamente no que toca à criminalidade violenta..., o que não dispensa a implementação de acções preventivas.
Factores como a redução da inflação, o crescimento da economia e a descida das taxas de desemprego terão contribuído para a atenuação dos factores geradores de tensões sociais.
Uma última nota para a melhoria progressiva da imagem das forças de segurança perante o público, o que parece decorrer de uma acção pedagógica e, por outro lado, do fortalecer do sentimento de tranquilidade, estabilidade e paz cívica.
Tudo visto e ponderado, somos de parecer que o relatório sobre segurança interna referente ao ano de 1987 se encontra em condições de subir a Plenário para apreciação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, gostaria que esclarecesse quais as forças políticas que aprovaram o presente relatório.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o relatório foi aprovado por maioria, com os votos a favor do PSD e as abstenções do PS, do PCP e da ID, na reunião do dia 16 de Março da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Raul Castro (ID): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Administração Interna.

O Sr. Ministro da Administração Interna (Silveira Godinho): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Lei de Segurança Interna, Lei n.º 20/87, aprovada pela Assembleia da República em 28 de Abril de 1987, dispõe no seu artigo 7.º, n.º 3, que «a Assembleia da República apreciará anualmente um relatório, a apresentar pelo Governo durante o mês de Janeiro, sobre a situação do País no que toca à segurança interna, bem como sobre a actividade das forças e dos serviços de segurança desenvolvida no ano anterior».
Dando integral cumprimento ao referido imperativo legal, o Governo enviou oportunamente à Assembleia da República o relatório que hoje é objecto de apreciação por parte de VV. Ex.ªs
O Governo atribui primordial relevância às matérias relacionadas com a segurança interna, dada a sua natureza infra-estrutural, isto é, o facto de tratar-se de sector que, como é salientado na Lei sobre as Grandes Opções do Plano para 1988, «constitui em si mesmo um modo de realização de fins prioritários do Estado na ordem interna» e «se situa no âmbito da própria organização do Estado», apresentando-se, por isso, como pilar importantíssimo do quadro estrutural, global e constante de referência para o conjunto da sociedade, condicionante da eficácia dos vectores estratégicos de actuação do Governo através dos quais são prosseguidos os grandes objectivos da política de desenvolvimento económico e social.

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Na verdade, num sistema político democrático estabilizado, os direitos e as liberdades fundamentais dos cidadãos terão de estar plena e permanentemente garantidos, constituindo a segurança interna factor essencial ao progressivo fortalecimento da democracia, garantindo a tranquilidade e a confiança necessárias à criação de riqueza, à sua adequada distribuição, à consolidação do progresso, à promoção do bem-estar e à obtenção e um clima de efectiva e duradoura união e solidariedade entre os Portugueses.
Porque se trata da primeira vez que, no quadro da Lei de Segurança Interna, é apresentado um relatório sobre a situação do País em matéria de tanta importância, permitam-me, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que refira alguns aspectos de natureza preambular, relativos quer à própria Lei n.º 20/87, quer aos diversos domínios por que se desenvolve a actividade de segurança interna.
Como é referido na introdução do relatório, a aprovação da Lei n.º 20/87 constituiu um marco extremamente relevante, em matéria de segurança interna, no ano de 1987.
Portugal não dispunha, antes da sua publicação, de um verdadeiro sistema de segurança interna, se este for entendido como um conjunto de órgãos, forças e serviços que, embora dotados de atribuições próprias, e com autonomia orgânica e institucional, subordinam a sua actuação funcional a princípios e orientações legalmente definidos por forma a contribuírem, de maneira coordenada, para se alcançar eficazmente uma finalidade comum - a segurança interna: segurança do Estado e da comunidade que lhe serve de suporte.
A publicação da Lei de Segurança Interna, que culminou um longo processo legislativo, veio dar satisfação à preocupação fundamental de instituir tal sistema de segurança interna: estão assim explicitados o conceito global de segurança interna, o âmbito e os objectivos desta função do Estado - a qual integra, na mesma actividade, as forças e serviços que garantem a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, protegem pessoas e bens, previnem a criminalidade e contribuem para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática.
Ficaram igualmente definidas a natureza, a composição e as competências dos órgãos especialmente encarregados de dirigir, conduzir e coordenar o exercício da actividade desenvolvida no âmbito da política de segurança interna.
A justificação jurídico-política da Lei de Segurança Interna decorre directamente dos princípios e das disposições da lei fundamental, que, nos seus artigos 3.º, 9.º e 272.º, respectivamente, estabelece que o Estado se subordina à Constituição e se funda na legalidade democrática, inclui nas tarefas fundamentais do Estado a obrigação de garantir o normal exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e consagra como função essencial do Estado - que a exerce através das forças e serviços de segurança - a defesa da legalidade democrática e a garantia da segurança interna e dos direitos dos cidadãos.
A funcionalidade do sistema consagrado na Lei n.º 20/87 é assegurada, no plano da preparação e execução das medidas de política de segurança interna - que, de acordo com o disposto no respectivo n.º 3
do artigo 1.º, «visam especialmente proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, contra a criminalidade violenta ou altamente organizada, designadamente sabotagem, espionagem ou terrorismo» -, é assegurada, dizia, através da instituição de:

Primeiro, uma autoridade nacional para a coordenação de acções, medidas e iniciativas a adoptar no âmbito da actividade de segurança interna: nos termos do artigo 9.º, o Primeiro-Ministro é politicamente responsável pela direcção da política de segurança interna;
Segundo, um Conselho Superior de Segurança Interna, órgão de auscultação e consulta que assiste ao Primeiro-Ministro no exercício das suas competências em matéria de segurança interna, competindo-lhe, em particular, dar parecer sobre a definição das linhas gerais da política de segurança interna;
Finalmente, um Gabinete Coordenador de Segurança, que funciona na dependência da referida autoridade nacional e integra um secretariado permanente; é o órgão especializado de assessoria e consulta para coordenação técnica e operacional das forças e serviços de segurança, dele fazendo parte os dirigentes máximos dos organismos que, nos termos legais, exercem funções de segurança interna. Uma das principais finalidades institucionais do Gabinete Coordenador de Segurança é o estudo e a proposta de soluções para fazer face, de forma adequada, aos problemas e deficiências que se suscitem nos domínios da cooperação e do relacionamento entre as diversas forças e serviços de segurança, os quais, como é sabido, estão dependentes de quatro ministérios diferentes: Defesa Nacional, Finanças, Administração Interna e Justiça.
Pretende-se, pois, gerir de forma mais eficaz os meios humanos e materiais postos à disposição das forças e serviços de segurança e prevenir eventuais conflitos de competência, tendo em vista, dentro dos limites dos respectivos enquadramentos orgânicos, assegurar o funcionamento operacional concertado do sistema de segurança interna -em particular no que concerne à articulação no terreno de todos os organismos directamente envolvidos na actividade de segurança interna -, valorizando adequadamente a especialização funcional e a vocação institucional próprias de cada um deles, tudo com o objectivo último de obter melhorias qualitativas e quantitativas da sua capacidade operacional global.
Aliás, devo lembrar que, nesta matéria de melhoria da cooperação e da articulação funcional entre as entidades que concorrem - no bom sentido - para garantir a segurança interna, e enquanto esteve pendente na Assembleia da República a proposta de lei n.º 26/IV, que veio originar a Lei n.º 20/87, foi publicada pelo X Governo uma resolução do Conselho de Ministros, a n.º 85/86, a qual, ao concretizar vários dos aspectos da filosofia enformadora da referida proposta, antecipou algumas das medidas legislativas que vieram a ter consagração na Lei de Segurança Interna: instituição de uma «autoridade para a coordenação» das forças e serviços de segurança, à qual foi confe-

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rida a faculdade de estabelecer um Gabinete Coordenador de Segurança, funcionando como seu órgão de apoio relativamente ao planeamento e coordenação das acções de segurança interna e, em situação inadiável, mesmo à execução de tais acções. Como era afirmado no preâmbulo da referida resolução do Conselho de Ministros, o seu objectivo essencial consistia no «aperfeiçoamento dos mecanismos de coordenação das várias forças e serviços com funções de segurança interna».
Neste contexto parece-me ainda útil sublinhar que do correlacionamento existente entre, por um lado, a Lei de Segurança Interna e a Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro, que instituiu o sistema de informações da República Portuguesa, e, por outro lado, a lei penal e processual penal decorre que a actividade de segurança interna e consequentemente a actuação das forças e serviços que no seu âmbito exercem funções se desenvolvem em vários domínios distintos, mas complementares entre si.
O primeiro domínio é o das informações de segurança - que compreendem o conjunto de acções que têm por objectivo proceder, de forma sistemática, à pesquisa, centralização e análise globalizante de notícias e outros elementos com vista à obtenção das informações necessárias à garantia da segurança interna, designadamente através da prevenção da sabotagem, do terrorismo, da espionagem e da prática de quaisquer actos que, pela sua natureza, possam alterar ou destruir o Estado de direito constitucionalmente estabelecido.
O segundo domínio é o da prevenção policial da criminalidade - que abrange o conjunto de actuações que o Estado desenvolve com o objectivo de evitar a ocorrência de factos criminosos, mediante a utilização, pelas forças e serviços policiais, de meios dissuasores adequados a inibir os potenciais delinquentes de conceber e pôr em prática os seus planos; a respectiva actuação concretiza-se essencialmente através da presença física, no terreno, dos agentes policiais e do acompanhamento e controle de certas actividades potencialmente relacionadas com a criminalidade.
Em terceiro lugar, temos a manutenção ou reposição da ordem e da tranquilidade públicas - que consiste, fundamentalmente, na actividade, preventiva ou repressiva, desenvolvida pelas forças de segurança no sentido de criar ou restabelecer as condições externas necessárias à observância das leis e regulamentos da Administração, ao normal funcionamento das instituições e ao regular exercício dos direitos e liberdades dos indivíduos.
Finalmente, como último vector, temos a investigação policial dos factos criminosos - que compreende o conjunto das actividades tendentes a formalizar, no âmbito do processo penal, as provas de factos concretos criminalmente relevantes e também a deter, nos casos legalmente permitidos, os responsáveis por tais factos, tudo com vista à organização do processo que deverá ser submetido à apreciação das autoridades judiciárias.
É óbvio que os objectivos prosseguidos através da actividade das informações não coicidem plenamente com os interesses a alcançar com a actuação em matéria de prevenção policial da criminalidade, a qual, por seu turno, não esgota as atribuições legalmente cometidas às forças e serviços policiais.
É, porém, incontroverso que apesar da não coincidência dos objectivos específicos de cada uma daquelas actividades e a diversidade dos métodos de actuação próprios em cada um dos domínios, é manifesta a relação de complementaridade e de interdependência de tais actividades, que apenas constituem vectores de prossecução de uma finalidade comum. É fundamental poder prever-se oportunamente o que deve prevenir-se, mas a identificação rápida dos criminosos e a descoberta das provas dos factos por eles praticados, que hão-de permitir uma administração célere da justiça penal, constituem, sem dúvida, uma boa forma de prevenção da criminalidade.
A este propósito não quero deixar de salientar, pelo seu significado, o conjunto de acções de formação que, envolvendo elementos das forças e serviços de segurança, contaram com a colaboração das magistraturas e do Centro de Estudos Judiciários do Ministério da Justiça e tiveram como objectivo reflectir e aprofundar os conhecimentos sobre a nova legislação processual penal e preparar as adequações dela decorrentes.
A complementaridade e a interdependência de actividades acima mencionadas justificam o empenhamento do Governo no sentido de promover o reforço da cooperação técnica e operacional entre os diversos serviços e forças de segurança, de modo a obter uma actuação coordenada, sempre dentro dos limites dos respectivos enquadramentos orgânicos. Para alcançar tal desiderato, o Gabinete Coordenador de Segurança e o seu secretariado permanente constituem, sem dúvida, instrumentos de grande eficácia potencial.
Gostaria, ainda, de fazer uma breve referência às empresas de segurança privada e aos sistemas de autoprotecção.
O ano de 1987, a que se refere o relatório em apreciação, foi o primeiro ano pleno de vigência do Decreto-Lei n.º 282/86. Tendo entrado em vigor na parte final do ano anterior, este diploma legal tem-se revelado um instrumento muito útil, quer para a regulamentação do exercício da actividade de segurança privada, quer para a respectiva fiscalização efectuada pela Guarda Nacional Republicana e pela Polícia de Segurança Pública.
Trata-se de uma actividade que tem carácter subsidiário relativamente à actividade normalmente desenvolvida pelas forças e serviços de segurança pública e que é exercida exclusivamente como meio preventivo de acções ilícito-criminais.
Desenvolvida nas áreas definidas com precisão pelo legislador e sujeita a condicionalismos que asseguram a idoneidade das entidades que prestam os serviços e a respectiva licitude, bem como o respeito pelas competências e atribuições dos serviços e forças de segurança, a actividade de segurança privada pode contribuir de modo relevante para a prevenção da criminalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência da promessa contida no seu programa, o Governo tem-se empenhado, com firmeza, no combate à criminalidade, quaisquer que sejam as formas por que ela se apresente, dando especial importância à prevenção da delinquência juvenil e à luta contra a criminalidade violenta ou altamente organizada, bem como ao combate ao tráfico e ao consumo de droga.
Para tal, além da actuação eficaz, dedicada e permanente das forças e serviços de segurança no plano

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interno, o Governo tem estado particularmente atento aos factores de natureza externa que exercem influência efectiva ou potencial na segurança interna, estando na origem daquilo que se tem chamado «criminalidade importada».
Com efeito, a maior capacidade organizativa da criminalidade internacional, conjugada com uma mais fácil circulação de pessoas e bens, não apenas no âmbito da Comunidade Europeia, mas igualmente a nível mundial, condicionam e repercutem-se em factores da criminalidade interna.
Portugal tem participado activamente no esforço de cooperação entre os Estados que tem vindo a desenvolver-se no sentido de fazer face, de forma adequada, às consequências nefastas da crescente internacionalização da criminalidade, sendo de realçar, no âmbito dos países da Comunidade Europeia, os trabalhos do denominado grupo TREVI e os do grupo ad hoc para as questões de imigração e, num plano geográfico mais vasto, as actividades da INTERPOL.
No que respeita a análise qualitativa e quantitativa da situação do País, em matéria de criminalidade e delinquência, durante o ano transacto, pode dizer-se, numa apreciação global, que não houve acréscimo significativo de actos que pusessem em causa a segurança interna.
No contexto geral, e, nomeadamente, no quadro europeu, Portugal apresenta, felizmente, índices de criminalidade, especialmente da violenta, inferiores aos da maioria dos países.
O Governo considera, pois, que os resultados conseguidos, na área da segurança interna, no ano de 1987, são satisfatórios; tal situação é consequência, em grande parte, das características naturais de civismo, moderação e tolerância da esmagadora maioria da população nacional e à renovada confiança dos Portugueses em si mesmos.
É também justo salientar, a este propósito, a actuação exemplar das forças e serviços que concorrem para garantir a segurança interna, os quais têm desempenhado com dignidade, eficácia e equilíbrio as missões que lhes estão atribuídas.
Finalmente, last but not least, como elemento com importante contributo para esta situação de tranquilidade e paz pública em que vivemos, não quero deixar de assinalar os resultados que têm sido obtidos em consequência das políticas governamentais, em especial nas áreas económica, financeira e social. Tais políticas têm conduzido à redução da inflação, ao aumento do emprego e à descida da taxa de desemprego e ao crescimento da economia a ritmo significativo e sustentado a prazo, evidenciado pelo impulso apresentado pelo investimento e pelo aumento do produto, determinando assim uma melhoria sólida dos rendimentos disponíveis e, portanto, do nível de vida da população portuguesa e contribuindo, em consequência, para a atenuação dos factores potencialmente geradores de tensões sociais e de perturbações graves da ordem e tranquilidade públicas.
Tem-se assistido ao fortalecimento do sentimento individual e colectivo de tranquilidade, paz cívica e estabilidade social, evidenciado em diversas tendências de opinião manifestadas pela população: ainda não há muito tempo, uma entidade especializada em sondagens de opinião, o Instituto Gallup, afirmava que «o povo português é o mais optimista da Europa»!
Para esta situação contribui igualmente a progressiva melhoria da imagem das forças de segurança perante o público, em resultado de acções com sentido predominantemente pedagógico, visando um melhor relacionamento cívico entre os cidadãos e os agentes das forças de segurança.
Subsistem, contudo, algumas áreas que constituem preocupação para o Governo e que continuarão a merecer a mais viva atenção da nossa parte; entre elas quero destacar aqui o flagelo da droga e os tipos de criminalidade que com ela estão habitualmente relacionados.
O Governo continuará a desenvolver, no âmbito do denominado Projecto VIDA (vida inteligente, droga ausente), um vasto plano global e integrado de combate ao tráfico ilícito e ao uso indevido de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, com o objectivo de inverter a tendência que se tem vindo a manifestar, no passado recente, de agravamento da situação, quer em termos de quantidade de droga que crescentemente tem vindo a ser introduzida em território português, embora destinada, em grande parte, a ser consumida no estrangeiro, sobretudo na Europa e também na América do Norte, quer em termos do tipo de drogas em causa, dado que no volume de apreensões efectuadas pelas autoridades portuguesas têm vindo a apresentar cada vez mais importância as denominadas «drogas duras».
O conjunto de acções que integram o Projecto VIDA insere-se em três domínios principais: prevenção da toxicomania - através de acções de informação e sensibilização dos cidadãos; tratamento, reabilitação e inserção social dos toxicómanos; combate ao tráfico de estupefacientes - através, nomeadamente, da constituição de um grupo operacional e da melhor coordenação dos diversos serviços, corpos e organismos com responsabilidades nesta matéria, além da celebração de acordos ou convénios bilaterais com outros países, com vista ao desenvolvimento de medidas articuladas que possam contribuir eficazmente para conter o tráfico de droga.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As condições prevalecentes e o empenhamento continuado do Governo numa política de modernização, reequipamento e reapetrechamento das forças e serviços de segurança em meios materiais e de melhoria da formação, especialização, actualização e aperfeiçoamento dos recursos humanos ao seu serviço, conjugados com a estratégia de desenvolvimento e progresso económico e social que o Governo tem vindo a pôr em prática, permitem-nos encarar o futuro, na área da segurança interna, com confiança e optimismo, ainda que temperados com a moderação e a prudência indispensáveis em matéria tão sensível e delicada da actividade governativa e da vida em sociedade, onde estão em causa valores tão fundamentais como o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática.
O Governo continuará, com firmeza e com serenidade, a adoptar as medidas que se mostrem indispensáveis nesta matéria, sempre orientadas pela ideia base em que assenta a sociedade democrática: constituir-se sobre a sua liberdade e não sobre os seus medos.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
Relembro aos Sr s. Deputados que estão a decorrer eleições na Sala D. Maria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Era forçoso que este fosse o primeiro relatório sobre a situação do País em matéria de segurança interna. Não era, porém, obrigatório que fosse tão primário e menos ainda que primasse, nas suas esquálidas 28 páginas, por um vasto conjunto de chocantes omissões, silêncios, equívocos, simplismos e conclusões sem base. O relatório é, no entanto, por isso mesmo, um retrato involuntariamente excelente de uma situação malsã - alimentada pelo Governo -, prenhe de perigos e ameaças.
É, em segundo lugar, a mais cabal autodesmistificação dos que no passado recente lançaram por todo o País uma campanha de alarmismo, recheada de descrições apocalípticas, de males cujo tratamento exigia - segundo eles - a asfixia de liberdades no altar do Estado policial.
Pelos vistos, com a mudança de responsáveis ministeriais, perdeu-se a memória dessa campanha que incluiu a declaração provocatória e, aliás, tola produzida por um Secretário de Estado de que o Governo não se responsabilizaria «por um caso Aldo Moro em Portugal» (sic).
O relatório encerra, na verdade, esta grande conclusão: em matéria de segurança interna, a República pode dormir em paz que o Governo (também ele sem perder uma hora de sono, como agora é moda dizer-se) vela por nós, averbando, também aqui, êxitos atrás de êxitos, de dia e de noite.
O relatório poderia nesse sentido levar o comovente subtítulo de «Ode policiesca em homenagem ao Governo», com dedicatória especial ao ex-ministro das polícias Eurico de Melo e até um aceno grato ao Ministro Cadilhe que, a p. 27, aparece implicitamente engalanado como um dos pais dos «resultados satisfatórios» (sic) obtidos em 1987 por ter conseguido «a atenuação dos factores potencialmente geradores de tensões sociais e de perturbações da ordem e da tranquilidade públicas» .
Maravilhosa descrição que contrasta com os retratos que o Primeiro-Ministro hoje e ontem sói traçar da nossa realidade social (onde vê bruxas e brutamontes por toda a parte!) Cruel, também, porque, se o Ministro Cadilhe aparece este ano como herói deste relatório, terá de ser crucificado no próximo ano, pois soube-se ontem que a meta dos 6% de inflação para 1988 não será atingida, a título nenhum, e, portanto, «Cadilhe fora da galeria dos heróis já!».
Fora das galerias dos elogiados ficou logo, por razões conspícuas, o ex-Ministro Mário Raposo: sendo o relatório inteiramente expressão da tendência para a administração interna se sobrepor, absorver e subalternizar a justiça, não é de surpreender que a acção desenvolvida nessa área surja completamente subalternizada, omitida e lamentavelmente secundarizada, nisto a que se chama relatório.
Mas são então «satisfatórios» os resultados? Ninguém o julgaria ouvindo os cidadãos que se queixam da lentidão e ineficácia em áreas diversas do combate a várias formas de criminalidade; ou para quem leia nos jornais a crónica triste do abandono em que se encontram as vítimas de certos crimes (em especial as mulheres).
Estranho seria alguém considerar satisfatórios os conflitos e crises no seio de certas polícias (desde logo na Polícia Judiciária); ou o escândalo que representam as atribulações que rodeiam certas investigações (a começar, e talvez sobretudo, pelas relativas às fraudes e à corrupção); ou as tentativas de censurar e controlar jornalistas que procuram lançar luz sobre os submundos do crime em Portugal; ou o alastrar das chagas do nosso universo penitenciário que conjuga, entre nós, as funções de universidade e fábrica de crimes e suicídios.
A que se deve, então, a satisfação enorme exibida pelo Governo e aqui uma vez mais reproduzida pelo Sr. Ministro da Administração Interna - curiosamente ele e não o Sr. Ministro Fernando Nogueira?
Por que é que os mesmos que bradavam ontem que Portugal precisava de instrumentos de excepção contra horríveis e iminentes ameaças de banditismo, terrorismo, subversão e violência se limitam a dizer hoje, a p. 28 do dito relatório, nas conclusões, que entre as áreas (insinua-se que poucas) que continuam - graças às virtudes do Executivo - a constituir preocupações para o Governo se destaca apenas o fenómeno da droga e criminalidade a ela associada? Porquê?
Que melhor confissão haverá de que a política de armar as polícias até aos dentes, de criação e financiamento privilegiado de corpos especiais de repressão e serviços especiais tinha fins outros que não os proclamados? Que melhor confissão?

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Acontece sem surpresa que o que alegra e satisfaz o Governo deve ser motivo de inquietação e preocupação generalizadas.
1987 não foi um ano de ouro para as liberdades e tranquilidade dos cidadãos: foi um «ano de chumbo», parteiro de perigos que hoje são ainda mais visíveis.
1987 foi o ano do mais colossal reforço dos poderes das polícias: desde logo, com a criação de novos instrumentos legais de excepção a enquadrar, sancionar e multiplicar perigosas práticas em matéria de escutas e violações de correspondência - questão que pelos vistos preocupa a bancada do PSD, sem que explique ao País em que condições, com que causas, com que informações, com que provas e com que outras legítimas inquietações.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Muito bem!

O Orador: - É estranhíssimo que isto seja insinuado e não seja de imediato objecto das medidas correspondentes com cunho público aberto, transparente e, acima de tudo, eficaz. Seria completamente impensável que os mesmos que isto trazem a público, por via ínvia, não o fizessem abertamente perante o Plenário.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - 1987 foi o ano em que se criaram novos instrumentos legais nesta matéria, podendo conduzir a violações da correspondência, revistas, buscas, apreensões, identificações e detenções. É preocupante.

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A conjugação perversa entre a aprovação da Lei de Segurança Interna e do novo Código de Processo Penal e a completa falta de condições humanas, materiais, financeiras e técnicas para impedir que o Ministério Público pudesse cumprir as suas novas funções geraram em 1987 uma situação anómala, marcada por numerosas inconstitucionalidades, que geram ainda hoje - e amanhã, receamos - profundas aberrações.
1987 foi também o ano do «caso DINFO», esse mistério subsistente, indecifrado e inquietante cujas zonas expostas revelam a existência de doentios abcessos de ilegalidade e metodologias de guerra suja no corpo do Estado democrático, fomentando ameaças a liberdades essenciais, incluindo a liberdade de acção partidária.
O relatório governamental é, quanto a este e outros aspectos fulcrais, omisso, ou melhor, opaco, como se a segurança interna tivesse de ser o domínio de silêncio, da meia verdade ou da generalidade inconcludente ou «tapa-olhos». O relatório é também nulo quanto às questões da segurança escolar, bancária, desportiva, de transportes, de núcleos urbanos, de altas entidades (questão esta que, tristemente, na nossa história não é irrelevante!).
Mas o que se pretende acima de tudo é ocultar ou minimizar o desenvolvimento perigoso de perversões que são na realidade factores de insegurança para todos nós. Saliento seis.
Primeiro, a consumação de um processo não de mera coordenação mas de verdadeira centralização de todas as polícias (e de serviços de informação) sob a autoridade única de um ministro, designadamente, no quadro do chamado Gabinete Coordenador de Segurança, com subalternização da justiça.
Segundo, a montagem e o accionamento dos aparelhos dos diversos serviços de informações em moldes que não respeitam e exorbitam os limites legais: é curioso reparar que da arquitectura barroca da Lei dos Serviços de Informações o Governo só construiu os barracões (aliás caríssimos) do SIS, o que é revelador! A DINFO continua, além do mais que se sabe e do resto que se ignora, a exercer funções ilegais que caberiam ao inexistente SIED e o Governo não estremece, nem propõe a revisão da lei, acha normal!
O uso da informática pelos serviços não obedece à lei, o que, aliás, foi confirmado pelo Sr. Ministro da Administração Interna, provavelmente sem reparar, na reunião que teve com a 1.ª Comissão quando revelou que o Governo não vai publicar o regulamento sobre o funcionamento do Centro de Dados, coisa que S. Ex.ª acha normalíssimo mas que viola abertamente a lei em vigor.
Fiscalização parlamentar não há: o Conselho de Fiscalização está em pousio numa saleta emprestada e imprestável de São Bento; vê negadas pelo Governo as suas competências; não recebe em tempo os relatórios dos serviços e não faz inspecções.
Terceiro, assiste-se ao reforço e alargamento das áreas de intervenção do Serviço de Estrangeiros com perda de funções da Guarda Fiscal e criação de um novo banco de dados - mais um - sem limitações nem fiscalizações.
Quarto, a intensificação das ligações da polícia portuguesa com polícias estrangeiras em termos que podem conduzir (designadamente sob a evocação da luta antiterrorista) a novas formas de devassa da vida privada de cidadãos e a padrões de actuação, por exemplo, tipo NATO, incompatíveis com a Constituição e as leis portuguesas. É curioso que o relatório silencie a cooperação com os Estado Unidos - os senhores têm vergonha? - e com os serviços secretos israelitas e marroquinos e nada diga sobre o alcance da participação de Portugal na chamada «Europa das polícias».
Quinto, a crise da Polícia Judiciária, cuja reestruturação e relacionamento com o Ministério Público vêm suscitando larga polémica, num quadro marcado por graves bloqueamentos e por uma situação, primeiro, de quase demissão e pré-demissão de chefias superiores e, agora, de aberta e indisfarçável crise, sentindo-se ainda o impacte do escândalo denominado «São Bentogate» e as consequências do impasse na definição das competências, tudo agravado pela campanha persecutória ou, pelo menos, desprestigiante, dirigida contra aquela Polícia em torno da chamada questão de Camarate sobre a qual a maioria mantém também o silêncio.
Em sexto lugar, a inadequação do enquadramento legal da PSP, cujo regime disciplinar é aberrante, persistindo há meses os melindres e dificuldades, especialmente no tocante ao direito de associação sindical dos membros daquela força de segurança e havendo lesões injustificadas dos direitos dos profissionais de carreira da PSP.
De tudo isto resultam fenómenos preocupantes.
Em primeiro lugar, a proliferação de formas de actuação ilegal das forças de segurança, incluindo a realização abusiva de intercepções de correspondência e de escutas, mais uma vez, e o uso de corpos especiais de repressão para impedir o livre exercício de direitos de cidadãos, inclusive através de brutais cargas contra trabalhadores em luta em que o ano de 1987 foi fértil (em 1988, ao que parece, o que «está a dar» são as requisições civis).
Em segundo lugar, o uso por forças de segurança de meios de vídeo para registo de imagens de concentrações, manifestações, desfiles e outras formas de luta popular, com ulterior tratamento, circulação e aproveitamento, em condições obscuras e carecidas de cobertura e enquadramento legal (foi outra das novidades de 1987).
Em terceiro lugar, a difusão, por responsáveis de forças de segurança, de concepções sobre as respectivas missões, abertamente incompatíveis com os princípios e limites constitucionais, mormente a apologia de uma concepção global de segurança nacional, (assim dita).
Em quarto lugar, a circulação, nas forças de segurança, de práticas e mesmo esquemas e planos, que seleccionam como alvos actividades referenciadas como ilegais, suspeitas ou inconvenientes, de organizações sociais de trabalhadores em luta, assim qualificados, afinal, implícita ou explicitamente mesmo, como «inimigo» interno - e ao ouvir-se o Sr. Primeiro-Ministro e a forma como fala dos trabalhadores perceber-se-á um bocadinho porquê.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Em quinto lugar, a utilização abusiva da informática para invasão da esfera de privacidade dos cidadãos - abrangendo o tratamento, constitucionalmente proibido, de dados pessoais relativos às actividades partidárias e sindicais, tanto por parte de entidades públicas (incluindo as polícias, o que é gravíssimo) como privadas, de forma inteiramente incontrolada.

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Sexto aspecto, a criação de barreiras legais - veja-se a celerada Lei das Custas, a nova Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais e o seu baralhante regulamento, que impedem o acesso dos cidadãos ao direito e aos tribunais e agravam a desprotecção das vítimas de crimes.
Sétimo aspecto, a ausência de resposta adequada a novas e velhas formas de criminalidade organizada, acarretando a larga impunidade de redes de tráfico de droga, armas, divisas e exploração de mulheres e a utilização do território nacional, como placa giratória, para operações internacionais que põem em risco a segurança de prevenção criminal, em especial junto dos jovens - penso na crise dos tribunais de menores, na gravíssima desprotecção de menores em risco- e também a penúria dos estudos de criminologia em Portugal, do que, aliás, o relatório apresentado pelo Governo é um absoluto reflexo, dada a indigência manifesta das tabelas estatísticas apresentadas, a falta de comparações e os diversos aspectos simplórios que o caracterizam.
Em oitavo lugar, o crescimento contínuo do número de presos, com a explosão do número de preventivos, a degradação das condições da vida prisional e a abertura de um trágico ciclo de suicídios de reclusos provocando geral apreensão e instabilidade na opinião pública - não estão, aliás, nas cadeias os responsáveis por comportamentos dos mais criminosos, altamente danosos para o País. A nível prisional existem situações chocantes, como as que pôde testemunhar, na passada terça-feira na Cadeia das Mónicas, a Comissão Parlamentar que visitou aquela Cadeia, que vive uma situação absolutamente incomportável e intolerável, tocando um segmento da população prisional -as mulheres- que merecia particular atenção e medidas de carácter urgente que não se tomam.
Em nono lugar, o bloqueamento da justiça penal, por deficiências do quadro legal, falta de meios, instalações, pessoal e uma política absolutamente errónea e suicida do Governo em matéria processual penal, que agrava os riscos de recurso selvagem a formas ditas de justiça privada, com grave perda de segurança para o País.
Permitam-me que refira, por último, como preocupantes, os moldes como se assiste à privatização da segurança. «Aí, onde há segurança privada, não é preciso segurança pública» - eis, ao que parece, a filosofia em voga. Aliás, um decreto-lei governamental acabou de fazer isso em relação às escolas, isto é, onde há escola privada não é preciso escola pública. Ora, essa concepção, aplicada às polícias, meus senhores, é, sem dúvida, um desastre, já visível.
Há privatização, desde logo, pela lucrativa difusão de teses de autodefesa, incluindo a questão das milícias patronais, das centrais públicas de alarme, cujo regime lesa a própria inviolabilidade do domicílio.
Depois, pela actuação incontrolada de empresas privadas de segurança originando actividades de vigilância, perseguição e intimidação inteiramente ilegais.
Leiam-se os anúncios que circulam. Este, por exemplo, publicado num jornal que saiu no passado sábado: «Cobranças difíceis: cheques, letras, facturas, etc. [este etc. é sugestivo]. Investigações comerciais e particulares, métodos modernos rápidos, seguros, eficientes, assuntos delicados, deslocamentos rápidos, motas e viaturas...» [não sei se helicópteros], «...provas, fotografias, filmes vídeo. Deslocamo-nos a qualquer ponto do País. Sucursais em ... telefone ...»
Eis o que «está a dar» e marca os nossos tempos!
A segurança privada é hoje campeã dos métodos de investigação criminal ditos não convencionais, fórmula pudica que encobre métodos que vão desde a infiltração, provocação - incluindo em meios laborais -, à espionagem, à desinformação, à escuta e vigilância com o recurso a meios televisivos e outros. É mesmo legítimo perguntar ...

O Sr. Presidente: - O seu tempo terminou, Sr. Deputado. Queira terminar.

O Orador: - ... se certas empresas privadas de segurança não são um puro expediente para que certas actividades, vedadas aos serviços públicos, sejam prosseguidas sem a fiscalização e os limites obrigatórios.
É, pelo menos, sugestiva a forma como se assiste à «transparência» para o sector privado de altos responsáveis de serviços oficiais, que é difícil imaginar de pantufas, retirados das práticas «james-bondianas» que os celebrizaram.
Seria interessante que, sobre tudo isso, o Governo informasse a Câmara e os partidos da oposição ...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O PCP sabe isso tudo!

O Orador: - ..., sendo aliás de perguntar, Srs. Ministros, quando é que o Governo vai consultar os partidos da oposição, como é obrigatório, nos termos da nova Lei de Segurança Interna.
A minha última palavra - e não queria deixar de a dizer - é uma homenagem: no quadro que descrevi, e que é preocupante, importa assinalar que as forças de segurança desenvolveram, no ano de 1987, acções meritórias, que exigiram por vezes elevado sacrifício. Alguns dos seus membros tombaram ao seu serviço. A eles é devida a justa homenagem dos órgãos de soberania, desde logo da Assembleia da República, e aqui a quero prestar em nome da minha bancada.
Mas a melhor homenagem que podemos todos prestar - e que devemos prestar - é cumprirmos, também nós, as missões legislativas e fiscalizadoras que a Constituição a todos nos impõe.

Aplausos do PCP, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mário Raposo, Pais de Sousa e Guilherme Silva.
No entanto, como foi visível - e aliás anunciado -, o PCP não dispõe de tempo para responder.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O CDS cede-lhe tempo.

O Sr. Presidente: - Para responder, o PCP disporá de tempo cedido pelo CDS.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sempre com grande «enlevo» que ouço o Sr. Deputado José Magalhães. Devo, no entanto, dizer-lhe que nunca consegue «levar» nada de mim. Isto porque o Sr. Deputado, com o seu brilho

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e com o seu fulgor indiscutíveis, indesmentíveis, aqui patenteados, não atinge, sobretudo quando está no hemiciclo em postura espectacular, o cerne das questões a enfrentar.
O Governo, nos termos da Lei de Segurança Interna, tem o dever de apresentar a esta Assembleia, anualmente, um relatório sobre as actividades de segurança interna e sobre a coordenação das forças e serviços de segurança desenvolvidos no ano anterior.
O Sr. Deputado José Magalhães viu-se visivelmente frustrado por o Governo não ter apresentado nesta Assembleia uma espécie de melodrama, uma telenovela, um relato à sensation daquilo que se passaria nos recônditos das forcas de segurança por ele, Sr. Deputado, hipotisados, aquilo que ele certamente lê em jornais - como o ano passado ainda aconteceu. Aquilo de que, em verdade, não tem um conhecimento directo, concreto e objectivo.
É evidente que num relatório sobre a coordenação de forças de segurança não se poderiam equacionar problemas internos de nenhuma das forças de segurança, designadamente não pertencentes à esfera de actuação, à tutela directa do ministro encarregado dessa coordenação.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, quando há pouco referiu que neste relatório surge subalternizada a justiça e, designadamente, o anterior ministro Mário Raposo, não me senti nada subalternizado. Foi exactamente esta ideia que eu já incluíra no Programa do III Governo Constitucional, em 1978: integração, dentro de um esforço unitário, das forças de segurança, com a coordenação do Ministro da Administração Interna.
Consequentemente, aquilo que se passa na justiça, Sr. Deputado, aquilo que agora chamou à colação - como seja, inclusivamente, com imaginação fervilhante, o diploma sobre custas judiciais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi aprovada em 1987!

O Orador: - ... como seja a problemática da vida privada, o direito a La riservattezza dos italianos... não tem agora pertinência. O Sr. Deputado equacionou ainda a problemática da «vitimologia», que está muito certa, com a qual estamos em perfeita sintonia, mas que também não tem aqui o seu lugar próprio.

O Sr. Deputado: - e é isso que questiono - não encarou este relatório na sua essencialidade. Considerou-o, errada e injustificadamente, um relatório primário. Não o é!
Não é um relatório nem primário nem secundário. É um relatório bem feito, um relatório concreto, um relatório conciso, é um relatório sério. Há por vezes relatórios que não são sérios. Este, porém, é o exemplo paradigmático do relatório sério. De um relatório que dá realmente aos cidadãos portugueses e a esta Assembleia a possibilidade de terem uma noção de que, na realidade, houve realmente uma diminuição da criminalidade, até mesmo da pequena criminalidade. E essa diminuição é um epifenómeno da actividade concertada que se desenvolveu no ano de 1987 ao nível da segurança interna.
Daqui apresento, portanto, os meus cumprimentos ao Sr. Ministro da Administração Interna pelo belo trabalho realizado. E eu, que normalmente não sou muito «cumprimentador» do Governo, tenho muito gosto, neste momento, em fazê-lo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Raposo gastou cinco minutos.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Apenas uma questão preliminar ao Sr. Deputado José Magalhães, questão preliminar esta que é, simultaneamente, um protesto.
Entendemos que esta matéria exige um particular tratamento político, um tratamento que, diríamos, delicado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Em nenhum domínio como neste se pode talvez atestar o sentido de Estado daqueles que abordam esta problemática, o que não é compatível com o tom «fulanizante», com o tom deturpador e, em certo sentido, abandalhante que lhe foi conferido pelo Sr. Deputado José Magalhães.
Só lhe queria pôr uma questão: não acha, Sr. Deputado, que esta problemática merece um tratamento diverso, não acha que ela dispensa as ficções e os lances de verdadeira incontinência verbal que o senhor lhe atribuiu?
Pela nossa parte, registamos o comportamento e a conduta do PCP.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Magalhães: Nós, e naturalmente o País, temos estado à espera de ver uma revelação de maturidade cívica da oposição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que oposição? Diga lá que oposição?!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Toda!

O Orador: - Ainda anteontem registámos, a propósito do debate sobre a Cimeira de Bruxelas, a confusão que se fez entre as questões de Estado e entre as questões nacionais. Estamos à espera de que, efectivamente, os partidos da oposição saibam distinguir correctamente as questões de interesse nacional das questões de Estado, das questões que podem ser postas em causa nesta Câmara através de um debate, e é para isso que esta Câmara, efectivamente, serve.
Mais uma vez registámos o comportamento de V. Ex.ª, Sr. Deputado José Magalhães. Refere, por um lado, que podemos estar todos descansados, que o Governo revela quase uma omissão em matéria de segurança, porque não há nada a fazer nessa área, pois está tudo certo, está tudo muito bem, mas, por outro lado, diz que o relatório do Sr. Ministro da Administração Interna sobre segurança -que é um documento exaustivo...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exaustivo?

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O Orador: - ..., que cumpre integralmente as exigências da lei e até as excede - ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Perfeitamente!

O Orador: - ... está eivado de omissões.
A sua referência, em tom de crítica, no sentido de que o Governo coordena e centraliza as polícias leva-me a perguntar-lhe como queria V. Ex.ª que se combatesse o terrorismo, que se combatesse o banditismo, que se combatesse a droga. Acharia isso possível se não existisse uma coordenação, se não houvesse uma centralização?
Naturalmente que, se o Governo não coordenasse, não centralizasse, V. Ex.ª vinha aqui dizer exactamente o contrário daquilo que disse, ou seja, que o Governo não coordenava, que o Governo não centralizava, que as polícias andavam uma para cada lado e que, por isso, estavam impossibilitadas de garantir a segurança de todos nós.
V. Ex.ª referirá quais as omissões que o relatório tem, V. Ex.ª explicará como é que, por um lado, critica o Governo, afirma que ele está a dormir, diz que, em termos de segurança, nada está a fazer e, por outro lado, critica com a mesma veemência tanto os esforços de coordenação e de centralização que o Governo faz relativamente às forças de segurança como as medidas que adopta em termos de segurança interna.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães. O CDS concedeu-lhe três minutos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu queria exercer o direito de defesa da honra em relação à questão do «abandalhante». Para responder às ofensas e bocarras deste tipo tenho que exercer o direito de defesa da honra.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Como há outro pedido da mesma natureza, o Sr. Deputado José Magalhães responde primeiro às perguntas e depois darei a palavra, dentro dos limites regimentais, para defesa da honra, tanto ao Sr. Deputado José Magalhães como ao Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Presidente: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Mário Raposo: V. Ex.ª acha que eu, em público, faço relatos à sensation, que tenho imaginação delirante ... Sr. Deputado, não me diga que ainda há muito mais do que aquilo que revelei e que, portanto, V. Ex.ª conhece factos mais picantes do que aqueles que enumerei e que são já suficientemente escandalosos! Se os conhece, deve à puridade dizê-los, até porque V. Ex.ª foi ministro e o segredo de Estado não impediria que falasse perante o País para clarificar coisas.
Por outro lado, as posturas ...

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado, mas no tempo de V. Ex.a

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Com certeza, muito obrigado.

É evidente que, se me referi à imaginação delirante, é em relação a factos que não existem. Á imaginação reporta-se a factos inexistentes.

O Orador: - É isso que, aliás, me impressiona. V. Ex.ª foi demasiadas vezes ministro, em demasiados governos e em demasiadas formas governativas, para poder fazer, com credibilidade, o papel da Branca de Neve. Insiste nisso, mas não consegue! A não ser que os factos delirantes e imaginativos sejam o caso DINFO. Toda a gente sabe que nunca existiu! Ou o «São Bentogate», que, como V. Ex.ª sabe, é pura imaginação! Nem V. Ex.ª conhece ninguém que tenha o que quer que seja a ver com isso! Nem está próximo de V. Ex.a, ninguém! V. Ex.ª não sabe, sobretudo é cego em todas as direcções.
Para além disso, V. Ex.ª é ainda surdo. E é-o porque ignora ostensivamente -o que já lhe fica mal - as declarações estrepitosas do seu colega de bancada e chefe, Correia Afonso, que foi muito claro e, aliás, surpreendente em relação à questão da correspondência e das violações respectivas, embora agora esteja bastante reservado sobre o assunto.
Se isto é imaginação delirante, diga-me V. Ex.ª o que é que o não é, para podermos afinar padrões.
Segundo aspecto, e, com isso, respondia a dois. O relatório satisfaz? Srs. Deputados, isto da medida da satisfação depende muito. Ò famoso deputado João Morgado, «truca, truca», achava bastante! VV. Ex.ªs, em matéria de segurança interna, «truca», isto é, aquele papel satisfaz-vos, enche-vos as medidas.
No entanto, é totalmente nulo em relação aos aspectos que aqui referi e a outros que não referi como, por exemplo, a questão da segurança das altas entidades, que não é para brincar. Os senhores fazem o que fazem em relação a alguns casos sensíveis, embora estejam calados em relação a eles no Plenário. É o vosso novo estilo, correspondendo aos desejos do vosso dirigente de bancada, é o que se pode chamar o new look do PSD!
Quanto a aspectos centrais das relações internacionais, gostaria de saber, por exemplo, como é que vai a cooperação com as polícias europeias, que é um aspecto picante e interessante, porque envolve questões melindrosas. Zero!
Como é que vão certas questões de articulação da Polícia Judiciária com os outros serviços? Zero!
Dir-se-á que isto é «cuidadoso», porque deve ter-se «sentido de Estado».
Srs. Deputados, o sentido de Estado não tem nada a ver com o encobrimento de escândalos e de ilegalidades. Com esse sentido de Estado não se consegue outra coisa que não sejam escândalos de Estado, que é quando tudo rebenta, gente fugindo para todos os lados, procurando, obviamente, limpar-se dos salpicos de lama que, nessa altura, acabam por manchar as próprias instituições. E os senhores têm entre vós alguns dos casos em que isso já ocorreu e quiçá outros em que pode ocorrer. O que quer dizer que se deve falar com muito cuidado dessas matérias, que não se deve abrir a boca ao sentido de Estado nessa matéria, nesses termos, e sobretudo não fazer imputações aleivosas em relação aos partidos da oposição quando eles

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exercem o seu direito de procurarem exprimir o seu conceito da verdade, aduzindo factos que são comprováveis.
Em relação à questão das aleivosias e do tratamento abandalhante, tratá-la-ia em sede de defesa da honra, se me permite isso agora.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Correia Afonso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, para defesa da honra ou para interpelação à Mesa. Deixo a V. Ex.ª a classificação da figura. O que não há dúvida é que tenho que esclarecer o que, também aleivosamente, acabou de dizer o Sr. Deputado José Magalhães.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Há na Mesa três pedidos de defesa da honra. Para esse fim está inscrito em primeiro lugar o Sr. Deputado Narana Coissoró, que tem a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero exercer o direito da minha bancada em relação ao que disse o último Sr. Deputado do PSD, que pediu esclarecimentos ao Sr. Deputado José Magalhães.
Já vem sendo hábito do PSD, que julga que ter maioria parlamentar é ter a propriedade do Estado, dizer que a oposição ao Governo é a oposição ao País, ou que a oposição ao Governo é a oposição ao Estado.
Esse vezo que os Srs. Deputados do PSD aqui manifestam é, naturalmente, contrário ao regular funcionamento das instituições e é contrário às regras democráticas.
Começar sempre por dizer «a oposição diz coisas contrárias ao Estado, coisas contrárias ao País», não está certo e isso era costume ser dito na «Assembleia Nacional». Gostaria que este fantasma da oposição ao Governo ser oposição ao País ou oposição ao Estado desaparecesse de vez porque já está a ser de mais.
Qualquer deputado de segunda, terceira, quarta, quinta, sexta linha, repete a mesma coisa. E refiro todas estas linhas de deputados porque os jornais disseram o seguinte: «O Primeiro-Ministro responde a determinadas perguntas de alguns líderes, outros deputados de segunda linha respondem a outros líderes, a outros deputados ou a outras personalidades dos partidos». Como tenho dificuldade em saber quem é da primeira linha e quem é da segunda linha - para mim todas as linhas são válidas -, a única coisa que quero saber é o que significa esta repetição constante de que oposição ao Governo é «oposição ao País» e é «oposição ao Estado» feita por «segundas linhas» do PSD.
Disse o Sr. Deputado que também anteontem, no debate sobre a CEE, houve oposição ao Estado. O meu partido fez nessa ocasião uma intervenção clara, em que louvou os aspectos que eram de louvar e criticou o que era de criticar. Estiveram aqui os Srs. Secretários de Estado e os Srs. Ministros, o Sr. Primeiro-Ministro disse que ele tratava dos problemas políticos e que os Srs. Ministros e os Srs. Secretários de Estado tratavam de problemas de intendência (sic).
Ficámos à espera das respostas políticas e não dos problemas de intendência e não interviemos mais. Quanto aos problemas políticos, esses não foram respondidos pelo Sr. Primeiro-Ministro, que saiu da bancada do Governo exactamente quando a oposição começou a pôr esses problemas políticos.
De qualquer modo, queria protestar veementemente e gostaria que nunca mais se ouvisse nesta Câmara a insinuação de que qualquer oposição ao Governo, qualquer oposição à bancada da maioria é oposição ao País e oposição ao Estado. Que isto fique bem claro.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, é óbvio que o Sr. Deputado Narana Coissoró confundiu as coisas.
É evidente que todos nós desejamos e contamos com a cooperação da oposição para a resolução dos problemas nacionais. Essa é, aliás, a função da oposição e a função desta Assembleia. Só que assistimos aqui anteontem, por exemplo, a elogios rasgados às acções dos Governos Alemão e Francês na Cimeira de Bruxelas e a um minimizar, se não mesmo a um hostilizar, da intervenção do Governo Português nessa mesma Cimeira, na pessoa do Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto quando ouvimos governos estrangeiros elogiarem a intervenção do Sr. Prof. Cavaco Silva e as conquistas que ele conseguiu em Bruxelas para o nosso país.
O que está aqui em causa é uma questão nacional. O País está atento a esta situação e eu mantenho a observação que fiz há pouco, ou seja, a de que esta é uma questão em que a oposição não teve um civismo suficientemente profundo para distinguir uma situação em que um governante - que, por acaso, é o Sr. Prof. Cavaco Silva, podia ser outro - conseguiu para Portugal o que mais ninguém conseguiu para o seu país, na Cimeira de Bruxelas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para usar do direito de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há um problema sério de funcionamento das instituições quando o partido do Governo, ...

Uma voz do PSD: - O PSD!

O Orador: - ... tendo a dimensão que tem nesta matéria, tem as concepções que tem porque são concepções intolerantes que ferem aspectos fundamentais.

Protestos do PSD.

Os Srs. Deputados ficam perfeitamente excitados...

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O Primeiro-Ministro chega aqui diz um «ui» e VV. Ex.ªs aplaudem, a oposição pela VV. Ex.ªs começam imediatamente com sinais exteriores de inquietação! Têm de se tratar. É perigoso.
O vosso problema nesta matéria é altamente difícil de tratar, e eu serei fraco curandeiro para isso a não ser através dos meios regimentais. Porque quem está em crítica a Cavaco está contra Portugal - na versão mais traquibérnica, foi o que disse agora um Sr. Deputado do PSD! Quem critica uma decisão está imediatamente contra a Pátria!?

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não foi nada disso.

O Orador: - Meus senhores, isto cheira a mofo. Primeiro aspecto: é uma «chefolatria». As «chefolatrias» dão normalmente resultados «latrínicos». Agora quanto à linguagem do Sr. Deputado Pais de Sousa quero dizer que a noção de «abandalhamento» por ele usada é particularmente imprópria.
O que aconteceu foi que um deputado da oposição procurou fazer um rastreio de situações que considera preocupantes em matéria de segurança interna. Desafio o Sr. Deputado Pais de Sousa a ir àquela tribuna e a rebater uma a uma aquelas afirmações.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Isso, sim! V. Ex.ª chega lá e diz: «Más medidas não há, caso Dinfo nunca existiu, 'S. Bento Gate' - não há qualquer problema, o Ministro é sensacional, o antigo secretário de Estado, quando dizia o que dizia sobre o 'caso Aldo Moro' e outras parvoíces, estava perfeitamente na razão»..., etc. Ou então V. Ex.ª não diz isso e o problema é outro, que não qualifico (para não lhe dar direito de resposta!).
Quando coloco questões como as relativas à perversão policial dos Serviços de Informações, isto não é uma brincadeira.
Quando um seu colega de bancada confunde coordenação com centralização e diz: «Ah, mas então os senhores não queriam centralização? São tolos, a centralização é precisa!», isto quer dizer que este senhor não se deu ao trabalho de dedicar dez minutos a ler a Lei de Segurança Interna, porque, se tivesse lido e acompanhado os trabalhos preparatórios, teria percebido que a centralização é completamente vedada nos termos da Lei de Segurança Interna e não por acaso, embora os senhores a prossigam na prática, o que é grave! Mas não, confundem! É este o nível «gnoseo-lógico» e conceptual da vossa bancada, isto é, abaixo de qualificação.
Sentido de Estado? Queriam que nos calássemos em relação à situação da Polícia Judiciária em nome do sentido de Estado? Não há comissão de fiscalização da prática dos Serviços de Informação e os senhores queriam que nos calássemos? Queriam que coonestássemos isso, que é uma situação vergonhosa?
Meus senhores, sentido de Estado implica verdade, frontalidade e diferença de opinião. Transmitam-nos informações em reservado, que devam ser reservadas, ou em segredo de Estado e elas como segredo de Estado e reservadas serão. Mas discussão na «praça pública» das questões que devam ser discutidas na «praça pública» tê-la-ão enquanto exercermos os nossos direitos - e fá-lo-emos nos termos constitucionais. O nosso silêncio não o terão, nem com operações de intimidação, nem com amálgamas inqualificáveis e pedestres - como as que aqui foram praticadas -, nem com quaisquer métodos de coacção. Exerceremos os nossos direitos!
Os partidos da oposição é que não podem aceitar essa visão diminuída, amputada e castrada do regime. Os senhores gostam, estão bem nela, mas isso era melhor numa outra referenciação constitucional e legal que acabou em 25 de Abril e não é de retomar.

Protestos do PSD.

O Sr. Primeiro-Ministro revela, aliás, alguns resquícios negativos de certas concepções, designadamente quanto à imunidade parlamentar. Tem um conceito de imunidade parlamentar, um conceito em relação aos direitos da oposição que nós não aceitamos.
Vou concluir...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a linguagem parlamentar é viva, mas há limites, e um dos limites - de que, aliás, a Constituição fala - são as referências a períodos que felizmente morreram com o 25 de Abril de 1974.

O Orador: - Sr. Presidente, se me dá licença, gostaria de fazer uma separação radical entre aquilo que vou dizer sobre as suas palavras e aquilo que disse em exercício do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor Sr. Deputado.

O Orador: - É que creio que a observação que o Sr. Presidente fez, sendo filha de preocupações que são de manutenção da regularidade dos trabalhos na Câmara, pode induzir a uma confusão muito perigosa...

A Sr.ª Conceição Monteiro (PSD): - Ah é?

O Orador: - ..., que não é aceitável e que nós, pela nossa parte - terá V. Ex.ª isso em consideração -, não coonestaremos a qualquer título. Usaremos todos os meios regimentais de que dispomos contra essa concepção se ela for aplicada ou se insinuar a sua aplicação.
Quando eu afirmei que havia na concepção do mandato parlamentar do Primeiro-Ministro uma assimilação a um regime constitucional que já existiu em Portugal, estou a descrever uma verdade de facto...

Uma voz do PSD: - Não foi essa a intenção!

O Orador: - ..., narrada, aliás no Diário de Notícias de forma brilhante pelo Sr. Prof. Jorge Miranda quando fez o cotejo tabeliónico entre a Constituição de 1933 e a Constituição de 1976 em relação ao mandato parlamentar.
Qualquer referência feita a isto deve ser vista como uma defesa do 25 de Abril, e V. Ex.ª compreenderá que na Câmara não se pode deixar de fazer a defesa do 25 de Abril e não se pode entender como anómala a referência ao 25 de Abril. Depois os partidos terão os meios de defesa que entenderem para exercerem, naturalmente, o seu protesto se alguma coisa entenderem como politicamente errada. Agora, a referência ao 25 de Abril, Sr. Presidente, por favor...

Protestos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Serei muito breve, apenas direi duas linhas porque de facto não deveria responder àquilo que constitui uma verdadeira provocação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem tem resposta!

O Orador: - Sr. Deputado José Magalhães, já nos habituou ao seu estilo. Da última intervenção que fez claramente ratificou os adjectivos que lhe foram atribuídos. Note que não falei em «abandalhamento», falei em «abandalhante» - o que é susceptível de abandalhar.
Por outro lado, quero dizer o seguinte: para já o partido do Governo tem nome - é o Partido Social-Democrata. Quando o Sr. Deputado põe em causa as concepções do PSD, também põe em causa, e de forma menos correcta, a legitimidade que os Portugueses lhe atribuíram. O julgamento caberá aos Portugueses, não cabe, de forma solta, aqui e ali, ao deputado José Magalhães.
O senhor está aqui, hoje, mais do que nunca, para provocar meros incidentes regimentais. No fundo, o senhor está aqui para que eu e outros colegas de bancada lhe respondamos nos termos em que o fiz.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é que não!

O Orador: - Queria ainda dizer-lhe que não alinhamos no seu estilo. Nós estamos aqui para desempenhar um trabalho parlamentar sério e responsável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para o exercício do direito de defesa da honra, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o exercício da figura regimental que vou usar tem duas partes: a primeira é a defesa da honra da minha bancada; a segunda refere-se à minha defesa pessoal.
Quanto à defesa da honra da bancada social-democrata, quero lembrar que o Partido Social-Democrata tem provas prestadas de que é, e tem-no sido até hoje, um espaço onde se pratica democracia e liberdade, quer dentro, quer fora do partido. O mesmo não digo do Partido Comunista, que ainda hoje não pratica liberdade nem democracia lá dentro e que em 1974 e 1975 ainda não praticava liberdade nem democracia cá fora.

Aplausos do PSD.

Uma voz do PCP: - O Sr. Deputado Silva Marques faz melhor!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - A questão é a liberdade!

O Orador: - Relativamente ao aspecto que directamente me diz respeito, Sr. Presidente, quero dizer que o Sr. Deputado José Magalhães - com a prática que é habitual -, com o seu ar heterodoxo e livre cá para fora, mas ortodoxo e sujeito lá para dentro...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... resolveu brincar com coisas sérias, como seja a violação de correspondência que ontem referi. Portanto, julgo que devo dar conhecimento ao Plenário do que se passou para evitar mais especulações - e elas já são muitas.
Ontem, em conferência de líderes, dei conhecimento ao Sr. Presidente da Assembleia da República que havia correspondência de deputados do PSD que tinha sido violada. E disse mais, disse que, uma vez que se constatava o interesse de devassar as comunicações escritas dos deputados do PSD, era lógico pensar - porque o raciocínio não pára, tem uma dinâmica - que havia interesse em devassar outro género de comunicações e por isso lancei a interrogação: o que é que se passa com os telefones? Haverá ou não escutas?
Fui muito claro quando disse que não tinha elementos para afirmar que havia escutas, mas também fui muito claro depois de ter constatado a violação da correspondência quando disse que esta matéria era um assunto que me preocupava. O Sr. Presidente disse-me - e eu recordo-o - que o assunto era muito grave - e é -, pelo que deveria fazer a participação escrita. Já a fiz, tendo dado entrada na Presidência da Assembleia da República.
Entendo que este assunto só deveria vir a público depois do inquérito, mas alguém que estaria na conferência de líderes - e que não sei quem é, nem acuso - trouxe o caso para a comunicação social. Trouxe-o de forma diversa daquela que ocorreu lá dentro, daí a necessidade deste esclarecimento.
Quero dizer mais, Sr. Presidente, para todos os que aqui estão, para que efectivamente não haja dúvidas: não pertenço nem pratico sensacionalismo político. Limitei-me a relatar um facto, que comprovo. Não tiro especulações, mas quero aqui voltar a afirmar a minha preocupação.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixo inteiramente de lado as observações desprimorosas feitas pelo Sr. Deputado Correia Afonso em relação às nossas duas formações partidárias. Pela nossa parte, efectivamente, temos, não alguns, mas 67 anos de luta - que, aliás, recentemente celebrámos - rica, bastante diversificada, que merece respeito, seguramente não merece algumas das observações que fez e que são francamente lamentáveis. Aliás, devo dizer que essas operações realmente são como um meu camarada de bancada disse: «são normalmente executadas com mais estrepitoso carácter pelo Sr. Deputado Silva Marques ou por outro qualquer do mesmo jaez».
Em relação às observações que fez quanto ao caso da violação de correspondência, creio que não pode ser visto como negativo o facto de, estando em debate o

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relatório sobre segurança interna, nós termos entendido que, tendo sido suscitada, designadamente pelo Diário de Notícias, a questão nos termos em que o foi e não tendo o PSD procedido, de imediato, a uma clarificação pública - que seria imprescindível -, na Câmara ninguém compreenderia que, colocados os factos nos termos em que estavam, toda a gente guardasse silêncio, uma espécie de pacto de silêncio, ...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Silêncio, o quê?

O Orador: - ... silêncio em relação às interrogações do Sr. Deputado Correia Afonso quanto à eventualidade de escutas telefónicas no Parlamento.
Meus senhores, isto em qualquer sítio do mundo é motivo para interrogações legítimas. Mas em Portugal também!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Posso interromper?

O Orador: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, essa notícia surgiu hoje no Diário de Notícias. O senhor queria que fizesse uma edição especial do Diário de Noticias para desmentir?

Risos do PSD.

O Sr. Deputado sabe que, em declarações à rádio, logo de manhã, relatei o que se passou, tal como há pouco repeti. Não percebo! A sua antecipação de desmentidos transcende a minha compreensão.

O Orador: - Sr. Deputado Correia Afonso, compreendo que V. Ex.ª ainda não manda no Diário de Notícias a ponto de parar a edição para veicular a sua nota oficiosa. Não sabia que V. Ex.ª ...

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Mais uma provocação!

O Orador: - Ó Sr. Deputado, está excitadíssimo! Vê provocações em tudo. Esta caneta é uma provocação?

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - O senhor dirigiu--se ao líder do PSD dizendo «o senhor ainda não manda no Diário de Notícias»]

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Ainda não!

O Orador: - Não quer usar o microfone, Sr. Deputado Joaquim Marques?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não mantenham o diálogo.

Sr. Deputado José Magalhães, abrevie as suas considerações.

O Orador: - Sr. Presidente, é direito de qualquer partido, com assento nesta Câmara, dizer que o partido do Governo - o PSD - tem uma apetência em relação a órgãos de comunicação social traduzida na vontade de efectivo comando desses órgãos.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - É direito, mas é mentira!

O Orador: - Digo isto todas as vezes que quiser, Sr. Deputado, e V. Ex.ª ouve e agarra no microfone e f az o que entender.
Mas com isto queria concluir dizendo que V. Ex.ªs não têm o direito é de entender que, tendo o Sr. Deputado Correia Afonso entendido calar-se sobre esta matéria e tendo um deputado da oposição suscitado a questão, isso é uma provocação. Isso é que nós rejeitamos completamente, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Eu não disse isso.

O Orador: - V. Ex.ª não disse isso? Ainda bem! Informe então a sua bancada, porque eles estão excitados no sentido contrário.
Agora a questão é que isso traduz um entendimento empobrecido e redutor do mandato parlamentar. Há dias os senhores não queriam que se dissesse o que se disse em relação à questão da corrupção. Ameaçavam com o tribunal. Agora já é pior! Agora, além das guerras sujas espalhadas em certos pasquins por «homens de mão» vossos, ainda colocam em relação aos deputados que vos criticam a questão se serem provocadores. Alguém vai à tribuna e diz o que eu digo e tem um estilo «abandalhante». Isto já é o quase impensável - é o «PSDT», é o «PSD Torquemada». Mas o «PSD Torquemada» não tem pernas para andar num regime democrático. Chateia, irrita, mas é ridículo. E, com isto, disse!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - Disse mal!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Sampaio, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, de facto, há muito tempo, pedi a palavra, mas só agora é que V. Ex.ª mim pôde conceder, e eu percebo. É para a defesa da minha bancada, visto que o Sr. Deputado Guilherme Silva por duas vezes fez referências que, embora não as tenha assumido como sendo dirigidas ao Partido Socialista e nomeadamente ao secretário-geral do Partido Socialista e a toda a nossa bancada, eram manifestamente o caso, pelo menos, na sua segunda referência.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Embora seja para mim relativamente pungente - digamos assim - que num debate desta natureza tenhamos que voltar ao debate do dia 15. Foi pena que, nessa altura, o Sr. Deputado Guilherme Silva rigorosamente não tivesse dito o que disse hoje, quarenta e oito horas depois, porque estas coisas têm o seu faseamento.
Num debate suscitado pelo Governo em torno da integração europeia disseram pouco e disseram mal, a começar pelo Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

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O Orador: - Resolveram agora a propósito da segurança interna levantar as questões que eram referentes ao debate sobre a integração europeia.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Não discuto a legitimidade do facto, apenas quero dizer ao Sr. Deputado - e isto hoje já vai muito adiantado - o seguinte: V. Ex.ª e a sua bancada terão o Partido Socialista e esta bancada, direi mesmo, decididamente e quase que em direito de resistência - se for preciso e espero que não seja -, para afirmar permanentemente que, em primeiro lugar, existe o direito à diferença e à diversidade e que, em segundo lugar, temos o direito a defendermos a nossa interpretação do interesse nacional, o que isso representa para a história do País e para a história do Partido Socialista e de muitos que já eram socialistas antes de existir o Partido Socialista.
Por consequência, temos a noção perfeitamente clara de que nunca poderíamos vir a esta Câmara, no primeiro debate, em anos, suscitado pelo Governo - que teve inúmeras oportunidades para o fazer e fê-lo com as razões que obviamente se percebem e que eram as de que tudo isto saísse em parangonas, a propósito de uma coisa que consideramos importante e que é a Cimeira de Bruxelas ...
Na nossa intervenção, nesse debate, distinguimos claramente três coisas: em primeiro lugar, o que era de ser elogiado; em segundo lugar, o que tem a ver com o interesse real do País, e nisso estamos perfeitamente de acordo, e, em terceiro lugar, a necessidade da política interna poder dar correspondência aos desafios europeus e da construção europeia e daquilo que isso tudo representa para Portugal como parceiro.
Temos o nosso posicionamento, as nossas ideias, as nossas críticas. Não abdicamos da capacidade fiscalizadora e da capacidade crítica que é inerente a um partido da oposição e que reivindicamos. E fazemo-lo, precisamente, porque temos a noção do interesse nacional, daquilo que representa a diversidade deste hemiciclo e daquilo que é a nossa visão sobre a integração europeia e a problemática que rodeia o País nessa matéria. Por isso mesmo, Sr. Deputado, não poderemos tolerar que, a propósito de uma divergência que é real, que é profunda, sobre a orientação política do Governo de Portugal relativamente às reformas necessárias a proceder neste país, V. Ex.a, com um rápido labéu, diga que afinal não temos «sentido de Estado». É precisamente por termos sentido de Estado em todas as vertentes e em todos os momentos, inclusive aquando da assinatura do Tratado de Adesão -e espero que V. Ex.ª se relembre disso-, que V. Ex.ª nos terá aqui para dizermos da nossa justiça, porque foi para isso que nos batemos e continuaremos a bater.
Penso que este esclarecimento era indispensável. Não desejamos a este propósito fazer qualquer polémica, mas somos totalmente intransigentes quando está em causa o nosso dever, o nosso direito de explicitarmos a nossa capacidade fiscalizadora e o nosso direito à diferença. Lutaremos pelo pluralismo, nesta Câmara, e fora dela, como sempre o fizemos em todas as circunstâncias.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

Enquanto o Sr. Deputado prepara o microfone, reaviso a Câmara que está em processo uma votação na Sala D. Maria.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, não referi especificamente o Partido Socialista, mas registo com agrado que VV. Ex.ªs tenham entendido que o Partido Socialista estava envolvido na minha referência e na minha crítica.
Também registo aqui, depois da sua intervenção, que V. Ex.ª insiste em identificar o interesse nacional com o elogio que se fez e que se mantém -ao que parece - aos Governos Francês e Alemão na Cimeira de Bruxelas e com a preterição total da acção do Primeiro-Ministro português naquela mesma Cimeira.
Em segundo lugar, também registo que V. Ex.ª e eventualmente o seu partido tenham uma interpretação muito sui generis das intervenções dos deputados nesta Câmara relativamente a debates do passado, mesmo que seja um passado de véspera, como foi o caso da minha referência à Cimeira de Bruxelas. Parece que está vedado aos deputados, em qualquer circunstância, reportarem-se a debates que aqui tenham ocorrido e às posições partidárias que sobre os mesmos tenham manifestado. Anoto essa sua posição e naturalmente que V. Ex.ª só a terá quando convier ao seu partido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida o favor de me substituir por uns momentos, pois vou votar, e digo isto para ver se arrasto comigo mais alguns votantes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A problemática da segurança interna constitui uma vertente prioritária da política de segurança nacional, sendo um pressuposto básico para a realização da democracia em Portugal.
Trata-se de, à luz da Constituição como permanente referencial, compatibilizar os direitos e liberdades fundamentais com a autoridade democrática do Estado, garantindo a tranquilidade pública e a estabilidade institucional.
Neste sentido, a Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, veio iniciar um novo ciclo nesta matéria ao cometer à Assembleia da República a apreciação anual de um relatório, a apresentar pelo Governo, sobre a situação do País no que concerne à segurança interna, bem como sobre a actividade das forças e dos serviços de segurança desenvolvida no ano anterior.
Com efeito, a Câmara procede hoje ao exame de um primeiro relatório sobre segurança interna, no que dá lugar ao início de um percurso de elaboração doutrinal própria: as questões relativas à segurança interna reclamam um grande esforço de coordenação e cooperação inter institucional.
Com o que, a responsabilidade primeira do Executivo, no que toca a tarefas legislativas e às questões de organização e operacionalidade das forças e servi-

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cos envolvidos, não dispensa a permanente reflexão da Assembleia da República e o seu juízo crítico. Esta temática da segurança interna é, aliás, inseparável de factores como a estabilidade institucional, a idiossincrasia da população - o seu grau de cultura e civismo -, a capacidade económica e tecnológica do País, as organizações policiais e sua articulação.
Sendo certo que, perante as chamadas situações de excepção, e também na indispensável e permanente prevenção geral que não pode deixar de ser prosseguida, o exercício da autoridade do Estado democrático tem de levar em conta as liberdades e os direitos dos cidadãos.
Entre nós, constitui pista de reflexão essencial o princípio da livre circulação de pessoas e bens no espaço comunitário e tudo o que dele possa decorrer.
É que o crime internacional, e desde logo o terrorismo, não respeita fronteiras e dispõe de sofisticados meios de concepção e acção. Por outro lado, sabe-se que quanto maior for a vulnerabilidade de um país, quanto mais se encontrar desarmado em termos de meios de resposta eficaz, mais ele será procurado como «palco» do crime político.
Entrando agora na análise do relatório, diremos, em primeiro lugar, que se trata de uma importante reflexão, sistemática e coerente, sobre o problema da segurança interna, envolvendo uma interpenetração de vários elementos de análise e dados estatísticos.
Cabe uma uma nota especial para as questões derivadas da droga, tráfico e consumo de estupefacientes, relevando aqui a Resolução n.º 23/87, recentemente aprovada em Conselho de Ministros - o denominado Projecto VIDA.
Neste domínio permitimo-nos destacar, pelo seu significado, a apreensão pela Guarda Fiscal, na região de Lagos, de 3830 kg de haxixe e a apreensão pela Polícia Judiciária em finais de 1987, na área da Grande Lisboa, de um total de 109 kg de cocaína, em duas acções, e, mais recentemente, em 29 de Janeiro último, em Faro, de 147 kg também de cocaína.
Cumpre-nos também salientar, no que concerne à análise quantitativa e qualitativa da criminalidade e delinquência em 1987, com referência a 1986, e a título exemplificativo, alguns dados estatísticos:

Com relação a furtos de veículos automóveis, verificou-se um ligeiro decréscimo nas zonas urbanas, registando-se um aumento de 22 % na área rural;
Verifica-se um decréscimo de 42,2 % no que se refere a assaltos à mão armada, que, relativamente a bancos, se cifrou em 47,7 %.
Quanto à delinquência juvenil, assinala o relatório em apreciação que ela aumentou nas zonas urbanas (25 %), ligando-se frequentemente a situações de dependência de droga.
Aliás, este capítulo da delinquência juvenil e a sua articulação com o combate à droga deverão merecer especial tratamento por parte de todas as instâncias formais de controle. Globalmente, refere o relatório, não houve acréscimo significativo de actos que pusessem em causa a segurança interna do País.
Ao que acresce que, num plano comparado, Portugal apresenta índices de criminalidade inferiores à maioria dos países europeus, desde logo no que concerne à criminalidade violenta, o que, a nosso ver, não dispensa a implementação de acções preventivas.
De registar que o Executivo considera, no relatório em causa, que a redução da inflação, o crescimento da economia e a descida das quotas de desemprego contribuíram para a atenuação ou mitigar dos factores geradores de tensões sociais.
Uma última nota para a melhoria da imagem das forças de segurança perante o público em geral, o que decorre de medidas de natureza pedagógica e, noutro enfoque, do fortalecer do sentimento de tranquilidade, estabilidade e paz cívica.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Constitui tarefa essencial daqueles que, em cada momento histórico, detêm responsabilidade políticas e institucionais verificar até que ponto o Estado se encontra carecido de autodefesa.
Os Portugueses sublinham legítimas preocupações de defesa da ordem pública e segurança do País e de si próprios.
Cabe aos órgãos de soberania e, desde logo, à Assembleia da República afirmar a legalidade democrática e o sentido da realidade, numa linha de protecção da vida e integridade das pessoas, e de defesa da paz e da ordem pública.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Pais de Sousa, vou colocar uma questão muito singela e que é relativa a uma expressão por si utilizada na parte final do discurso que produziu. Disse o Sr. Deputado - e corrigir-me-á se eu estiver equivocado - que nesta lógica de segurança interna havia que garantir a autodefesa do Estado, a segurança do País e a segurança das pessoas.
A minha pergunta é a seguinte: é este o entendimento da lógica de prioridades que deve haver numa política de segurança interna? Quando o Sr. Deputado se refere à autodefesa do Estado, à segurança do País e à segurança das pessoas, está a definir o seu quadro hierárquico de prioridades relativamente à temática de segurança interna, ou isso é apenas, digamos, uma menor objectividade de expressão que utilizou no seu discurso?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, desculpe que diga, mas ou não esteve atento ou absorveu mal o que eu disse, e que foi o seguinte: «Os Portugueses sublinham legítimas preocupações de defesa da ordem pública e segurança do País e de si próprios.» Os Portugueses, Sr. Deputado!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Vai dar ao mesmo!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos hoje chamados a apreciar o relatório anual sobre a situação do País em matéria de segurança interna, que o Governo, ao abrigo do n.º 3 do artigo 7.º da Lei n.º 20/87 - Lei de Segurança Interna -, apresentou a esta Assembleia.

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Todos temos presente que a Lei de Segurança Interna, aprovada pela Assembleia da República, foi e é uma lei controversa, apesar de se poder considerar uma necessidade.
Segundo a própria lei, entende-se por segurança interna «a actividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática». São, pois, fins de tal modo vastos que implicavam uma definição mais rigorosa no artigo 3.º, que procura definir a política de segurança interna.
Segundo esse artigo, a política de segurança interna «consiste no conjunto de princípios, orientações e medidas tendentes à prossecução permanente dos fins de segurança interna». É, pois, uma definição que nada define e tem, como disse o Sr. Deputado Magalhães Mota aquando da discussão desta lei, «uma perigosidade latente, que consiste precisamente no seu carácter de nada delimitar, nada fixar, nada rigorosamente dizer».
Deste conjunto de «indefinições» se pode deduzir não só a importância, mas também o melindre que tal lei implica. Se, por um lado, e em abstracto, a lei se pode justificar, por outro, e no concreto, são legítimas as preocupações quando pode estar em causa o «exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos».
Não se tratando, neste momento, de questionarmos a Lei de Segurança Interna, mas tão-somente de analisar, no uso da nossa competência, o relatório que, nos termos da lei, o Governo apresentou a esta Assembleia, não pudemos deixar de fazer estas referências, na medida em que neste aspecto o relatório que estamos a analisar é verdadeiramente omisso, limitando-se à generalização de conceitos de tal modo amplos e indefinidos, de onde não é possível inferir qualquer política de segurança interna.
É competência da Assembleia da República fiscalizar a execução da política de segurança interna, para além, naturalmente, da sua competência em aspectos políticos e legislativos.
Neste âmbito se insere a audição dos partidos políticos da oposição e a sua informação com regularidade pelo Governo sobre o andamento dos principais assuntos da política de segurança, o que ainda não aconteceu.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - O relatório que nos é apresentado deveria, em nosso entender, e nos termos do n.º 3 do artigo 7.º, abordar a «situação do País no que toca à segurança interna, bem como sobre a actividade das forças e dos serviços de segurança desenvolvida no ano anterior».
Pensamos que é necessário uma grande dose de boa vontade para descortinar algo de relevante que nos permita conhecer a situação do País no que toca à segurança interna, quando são tão grandes as preocupações que a Lei de Segurança Interna suscita e são tão «irrelevantes» as questões abordadas neste relatório que não podem ser só interpretadas como uma «questão de estilo», nem sequer o facto de ser o primeiro relatório que tem plena justificação.
Referindo que as competências em matéria de segurança interna dependem de quatro Ministérios diferentes (Defesa Nacional, Finanças, Administração Interna e Justiça), assim como da sua correlação com o sistema de informações da República, deduz-se que a actividade de segurança interna abrange os domínios da informação, prevenção policial da criminalidade, manutenção da ordem pública e investigação criminal.
O relatório apresenta uma situação geral enunciando alguns factores com influência na segurança interna e uma situação interna com referência na segurança interna e uma situação interna com referência a algumas situações, como o terrorismo, a droga e a criminalidade económica, fazendo uma análise quantitativa da criminalidade e delinquência em 1987. Por último, enumera as actividades mais significativas das forças e serviços de segurança.
É, pois, um relatório que não apresenta uma política de segurança interna e que nos conduz a pensar que ou não há uma política que segurança interna, e a haver, ela não é importante ou não contém elementos importantes, ou, o que seria eventualmente mais grave, os aspectos relevantes da política de segurança interna estão omissos.
Quanto à actividade das forças e serviços de segurança, pode formalmente estar cumprido um dos requesitos da lei ao enumerar as áreas onde essa actividade se desenvolveu e uma quantificação das suas acções, mas penso que é insuficiente sem um juízo de valor que corresponda a uma política de acção, sem prejuízo de entendermos o mérito que é devido ao empenho e espírito de missão das forças de segurança e em especial aos agentes mortos no cumprimento do dever, que aqui e neste momento recordamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se era grande a preocupação relativa à aplicação da Lei de Segurança Interna, ela não fica melhor classificada pela apresentação deste relatório.
A nossa preocupação não resulta de um quadro triste e desastroso apresentado pelo relatório, mas, ao contrário, resulta do facto de o relatório não fazer qualquer referência, nem positiva nem negativa, às dificuldades e problemas resultantes da aplicação da Lei de Segurança Interna.
Será que não existem problemas? Ou será que os problemas estão omissos? Neste caso é razão para alguma preocupação, tendo em conta a competência da Assembleia da República na fiscalização da execução da política de segurança interna.
Estamos perante um primeiro relatório e essa pode ser uma razão invocada para a existência de algumas deficiências. Grave seria se o primeiro relatório contivesse omissões, que significariam uma postura inadequada e eventualmente grave.
Há ainda um conjunto de informações que tardam em ser dadas à Assembleia, o que, naturalmente, pode produzir alguma inquietação quando têm vindo a lume em órgãos de comunicação social algumas notícias que lançam dúvidas no espírito dos democratas, para quem os direitos e liberdades dos cidadãos não são simples palavras de retórica, mas sim valores que nenhuma circunstância nem condições podem pôr em causa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

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O Orador: - O relatório apresentado à Assembleia da República é quase só uma apresentação estatística e na grande maioria dos casos nem sequer é perspectivada a sua evolução em relação a anos anteriores, o que torna difícil uma análise comparada. Também o facto de ser o primeiro relatório não é justificação suficiente pela simples razão de que não podemos aceitar que ao nível, nomeadamente, de actividades mais significativas das forças e serviços de segurança os elementos sejam desconhecidos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Os dados existem!

O Orador: - É, pois, um relatório que, eventualmente, terá mais valor pelo que omite do que pelo que afirma.
Resta-nos conhecer as razões da omissão, se é que existem, para poder enquadrar o relatório no âmbito da Lei de Segurança Interna, isto é, para saber se este relatório cumpre e responde às exigências que nesta, como noutras matérias, a lei impõe e a Assembleia da República não pode alienar.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, de Os Verdes e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No decorrer deste debate já foi salientado que, pela sua natureza, a matéria de segurança interna deve merecer o mais amplo consenso possível, dadas as questões que ela supõe ao nível dos interesses do Estado.
De acordo com esta lógica e com este ponto de vista, penso que o Partido Socialista tem toda a autoridade política para também poder colocar a questão nesses termos. E isso porque não se eximiu, antes pelo contrário, a dar o seu concurso para a definição institucional e legal daqueles que são hoje os instrumentos essenciais de intervenção neste domínio. Começo por citar, na sequência da primeira revisão constitucional, o trabalho desta Câmara com o apoio activo do Partido Socialista no que diz respeito à aprovação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas. E se aqui faço essa invocação é para, a partir dela, estabelecer uma significação qualitativa entre aquilo que claramente passou a ser reconhecido por todos como sendo do domínio dos problemas da defesa externa do País e à sua inteira distinção relativamente às questões de segurança interna, fazendo-se uma clara demarcação de fronteiras, contribuindo para clarificar aspectos essenciais do funcionamento do Estado democrático, designadamente do papel das polícias.
Permito-me ainda referir a aprovação de diplomas, como a Lei do Estado de Sítio e Estado de Emergência, ou a Lei do Objector de Consciência, ou a própria Lei de Segurança Interna e a Lei do Sistema de Informações da República. Estes quadros legais, porventura com algumas carências legislativas, definem os normativos no âmbito dos quais qualquer governo, seja o governo do PSD ou outro amanhã, pode dispor dos instrumentos essenciais de intervenção num domínio garantido de respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Esperava-se, pois, que o Sr. Ministro da Administração Interna, ao ter remetido para a Assembleia da República o relatório sobre a política de segurança interna, tivesse, oportunamente, recorrido a esta nova faculdade de utilizar o debate parlamentar para informar a Câmara sobre algo mais do que as simples questões institucionais sobre o conjunto dos diplomas relativos à segurança interna. Porque isso já nós sabíamos! E sabíamo-lo tão bem que fomos nós, legisladores, os que tivemos a responsabilidade de contribuir para a definição desse quadro legal.
Por isso, quando o Sr. Ministro da Administração Interna gasta espaço no relatório e a parte mais substancial da sua intervenção a explicar-nos a nós, legisladores, qual foi e é o quadro institucional, teremos que dizer ao Sr. Ministro que, infelizmente, terá perdido o seu tempo. Ora, esse tempo teria sido melhor aproveitado se o tivesse utilizado para se referir às questões substanciais, o que efectivamente não fez.
Aliás, devo dizer que o Sr. Ministro da Administração Interna me fez lembrar a situação do mestre que procura esclarecer aos seus alunos sobre quais são as regras no quadro do qual esses alunos se moveriam. Mas, Sr. Ministro, permita-me que volte a reiterar o seguinte: seria desnecessária a lição, uma vez que, nesta matéria, já temos o conhecimento essencial das questões institucionais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Infelizmente!

O Orador: - Dito isto, valerá a pena chamar a atenção para o seguinte: é verdade que o relatório, nos termos da Lei de Segurança Interna, se reporta ao conjunto das políticas de segurança interna referidas no ano anterior, no caso concreto, ao ano de 1987.
Portanto, sem perder de vista esse horizonte temporal, nem por isso algumas questões terão que deixar de ser postas com toda a clareza. Em primeiro lugar, o Sr. Ministro não nos disse - e do meu ponto de vista deveria tê-lo feito - qual é a própria experiência de funcionamento dos órgãos resultantes da aplicação, em concreto, da Lei de Segurança Interna. Ou seja, ficámos a saber qual a competência do Governo e qual a articulação dessa competência com o Conselho Superior de Segurança Interna e deste com o Gabinete Coordenador de Segurança, mas não nos disse, em concreto, o que terá feito - se é que alguma coisa fez em termos de definição de política - o Gabinete Superior de Segurança Interna, nem o Gabinete Coordenador de Segurança. Definiu-se a arquitectura, mas não se referiu àquilo que seria o cumprimento das funções que essa arquitectura deixa subentender.
O Governo, que ao abrigo da Lei de Segurança Interna está obrigado a ouvir os partidos da oposição para lhes comunicar os aspectos essenciais da política que prossegue e, mais do que isso, para ouvir dos partidos da oposição os seus pontos de vista acerca dessas linhas de política, já que de questões de Estado se trata, como aqui foi sublinhado, então em nome da questão de Estado que estamos a tratar, tem que ser criticado neste momento pela circunstância de, até hoje, não ter tomado a iniciativa de cumprimento da lei, ouvindo, como lhe competia, os partidos da oposição acerca da política de segurança interna.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Importa ainda sublinhar o seguinte: por um lado, o relatório pretende, nos termos normativos, caracterizar a situação do País no que toca à segurança interna e, por outro lado, à actividade das respectivas forças e serviços de segurança.
Neste capítulo, o que no essencial o relatório faz é um desenvolvimento meramente estatístico das actividades das forças de segurança, mas deixa completamente na sombra questões que estariam inevitavelmente ligadas com a actividade dessas forças, como sejam as que passarei a sublinhar: compete ao Governo aprovar o plano de coordenação das forças e serviços de segurança. A pergunta é: terá entretanto o Governo aprovado algum plano de coordenação das forças e serviços de segurança? É muito estranho que no relatório sobre a política de segurança interna este ponto essencial não seja sequer referido!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, ficamos sem saber qual é o plano de coordenação, se é que ele existe, quais são, em concreto, as formas de cooperação externa das forças de segurança portuguesas com outras forças de polícia, designadamente no quadro europeu. Ficamos igualmente sem saber, nos domínios da prevenção da criminalidade e da coordenação da função das polícias para o combate à criminalidade, o que possa ter sido feito no decurso do ano de 1987, que era o ano adequado para que tal fosse feito, relativamente à preparação das forças de polícia para a sua actuação no âmbito do novo Código de Processo Penal.
Como se sabe, a partir de 1 de Janeiro deste ano, no âmbito do processo, as forças de polícia dependem funcionalmente do Ministério Público e podem receber, por parte deste e do juiz de instrução criminal, uma delegação pesada de competências em matéria de actos relativamente ao momento do inquérito preliminar. Ora, a adequação das polícias a esta nova lógica do processo penal teria que ser garantida no decurso de 1987 através de políticas objectivas, de recomendações expressas e decisões que fossem do conhecimento público.
Acerca disto o relatório não refere nada e da intervenção do Sr. Ministro da Administração Interna também não resultou qualquer conhecimento acerca desta possível preparação. Ora, daqui pode fazer-se uma leitura evidente: é que nada foi feito, mas absolutamente nada, no decurso de 1987 para adequar o funcionamento das polícias, das forças de segurança e dos serviços a esta nova lógica do processo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem agora!

O Orador: - Por outro lado, também não tem colhimento uma alegação que já foi hoje feita no Plenário no sentido de que ao Sr. Ministro da Administração Interna apenas competiria responder por aquelas forças de segurança sobre as quais tem directa tutela. Porém, não é assim porque o Sr. Ministro da Administração Interna veio aqui em representação do Governo para apresentar um relatório que o Governo tem o dever de apresentar à Câmara sobre todos os problemas relativos à segurança interna e, portanto, a todas as forças e serviços de segurança.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nesse sentido, era dever institucional do Sr. Ministro da Administração Interna, como representante do Governo, nos termos que a lei prevê, dizer--nos quais as adequações que estão pensadas, designadamente em termos de estatuto orgânico, para as respectivas forças de segurança. Ora, o que sabemos é que, quando há cerca de dois anos se anda a falar na reforma da orgânica da Polícia Judiciária, o Governo, por razões sucessivas, tem adiado, ocultado e impedido que esta questão seja clarificada na Câmara e, sucessivamente, tem remetido para uma fase posterior a apresentação da célebre proposta para a alteração do Estatuto Orgânico da Polícia Judiciária.
É, pois, altura de perguntar, Sr. Ministro, do que é que o Governo está à espera, quais são os problemas efectivos, por que é que numa matéria de tanta delicadeza continua a inexistir uma proposta de adequação da Lei Orgânica da Polícia Judiciária.
Isto está, obviamente, ligado ao problema da repartição de competências entre as várias polícias no domínio da investigação criminal. E aqui é o caos absoluto, na medida em que, não havendo repartição de competências, temos uma duplicação possível das competências das polícias. Nesse sentido, também o próprio Ministério Público encontrará, seguramente, muitas dificuldades em saber, do ponto de vista da vocação das polícias, qual aquela com a qual deve poder contar em cada caso concreto e em função da natureza do processo que estiver em fase de investigação. Estes são problemas essenciais de uma política de segurança interna para a qual também nada de substancial nos foi aqui informado.
Gostaria de me referir ao problema do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública.
Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: É um escândalo que continuemos com o mesmo Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública que estava em vigência - penso que ainda pode ser dito assim - antes do 25 de Abril de 1974!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Por força de circunstâncias várias estamos numa situação em que o Regulamento Disciplinar é anterior aos normativos constitucionais e às novas regras do Estado de direito democrático. Ora, perante esta situação gravíssima, o Governo continua a deixar passar os meses sem apresentar nesta Câmara uma proposta para que aprovemos o Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública. Por isso, também, continua sem nos clarificar se está ou não disposto a permitir a constituição de associações profissionais no âmbito da Polícia de Segurança Pública e se está ou não disposto a cumprir as recomendações do Conselho da Europa sobre o alcance que devem ter as associações profissionais no quadro das polícias e das forças de segurança.
Esta é, manifestamente, também uma outra área de preocupação para a qual temos um direito democrático elementar de obter resposta e para a qual o relatório e o discurso do Sr. Ministro da Administração Interna nada referiram.
Um outro problema de adequação do funcionamento e da orgânica tem a ver com a transparência em curso de competências para o serviço de estrangeiros e fronteiras, competências essas que no passado diziam rés-

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peito à Guarda Fiscal. Tendo sido perguntado ao Sr. Ministro como estava esse processo de transparência e de competências, foi respondido que tudo ia bem, mas mais nada nos foi explicado na Comissão acerca desta questão importantíssima. Portanto, mais nada ficámos a saber sobre qual é, neste momento, o grau de passagem efectiva de transferências para o serviço de estrangeiros e de fronteiras na sua articulação com a Guarda Fiscal.
Essa é, manifestamente, uma questão essencial na política de segurança interna para a qual também ficou um vazio e uma autêntica ausência de resposta.
Num outro capítulo, o Sr. Ministro, que no relatório e no discurso que produziu referiu o Projecto VIDA, disse-nos aqui, como se não soubéssemos, quais eram as três vertentes do Projecto VIDA. Mas isso nós sabemos, está aprovado em resolução! Porém, aquilo que o Sr. Ministro não nos disse foi qual era o resultado efectivo dos comandos que estão previstos em termos de execução no âmbito do Projecto VIDA.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Orador: - Por isso, terei de perguntar o seguinte: em função do preceito que manda realizar com carácter preventivo operações conjuntas das diversas forças e serviços com especial atenção à vigilância e fiscalização das zonas circundantes de estabelecimentos de ensino, designadamente casas de jogo, bares e recintos de diversões, está o Sr. Ministro em condições de nos dizer qual o nível e o número das operações conjuntas que entretanto foram coordenadas, pensadas e explicadas? Pode igualmente dizer-nos, relativamente à previsão de reforço do controle das fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, qual o novo recurso a meios de equipamento tecnicamente idóneos?
Disse-nos o Sr. Ministro que tem uma grande vontade de apetrechar melhor, em termos técnicos e humanos, as forças de segurança. Mas, perante esta orientação que o Governo se propôs para si próprio e que implica imediatamente o recurso a novos meios de equipamento tecnicamente idóneos, o que é que o Governo tem para nos dizer acerca do que já fez? O relatório não nos diz nada sobre esta questão tão importante e o Sr. Ministro também silenciou este aspecto, tal como o fez quanto ao problema, que também o Governo auto-definiu como meta para si próprio, do reforço do controle de encomendas postais oriundas do estrangeiro com respeito à garantia de inviolabilidade de correspondência.
A questão é actual e gostaria de saber quais os tipos de acções que traduziram este efectivo reforço que está definido no Projecto VIDA e se, ao nível da aplicação da Lei de Segurança Interna, o que tem a ver com o sistema de controle das comunicações, designadamente com a articulação entre a participação da Polícia Judiciária e o juiz de instrução criminal, essa articulação é adequada, se é a articulação com a qual o Governo se concilia ou se tem algumas reservas ou observações a fazer-nos.
Seria elementar que, num instituto de tanta sensibilidade, que estava a dar agora as suas provas quanto ao modo concreto de funcionamento, o Governo nos dissesse o que pensa acerca deste instituto. Também neste ponto o Governo nada nos disse, assim como nada nos disse sobre a melhoria das condições de actuação dos serviços alfandegários ou sobre o reforço dos meios da Polícia Judiciária no mesmo sentido.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as conclusões que apontam para uma perspectiva optimista dos problemas da segurança interna em Portugal não podem ser partilhadas pela bancada do Partido Socialista, porque não podemos deixar as questões da segurança à questão conjuntural de saber qual o nível da inflação em cada ano. Como o Governo parece querer considerar, haverá mais ou menos problemas de segurança interna quanto maiores ou menores em cada ano forem os índices da inflação e, como em 1987 o índice da inflação estaria estabilizado de uma maneira simples, se justificaria que também os problemas de segurança interna estariam relativamente estabilizados.
Porém, acontece que, quanto às questões de política concreta - e é isto que para concluir me permito de novo sublinhar -, como aqui pude demonstrar, o Governo silenciou todos estes aspectos essenciais da política de segurança interna, remeteu-se a um relatório de estatística e mais a um relatório sobre o funcionamento abstracto e institucional dos órgãos. Quanto ao conteúdo essencial da política de segurança interna, nada nos disse, e, portanto, o Governo fica politicamente onerado de, em próxima oportunidade, esclarecer novamente a Câmara sobre qual é a sua efectiva política de segurança interna, sob o risco de termos de concluir que o Governo não tem qualquer política efectiva de segurança interna.

Aplausos do PS, do PRD, do PCP, de Os Verdes e da ID.

Durante a intervenção, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, queria solicitar, ao abrigo das disposições regimentais, uma suspensão dos trabalhos para além do intervalo, na medida em que temos marcada uma conferência de imprensa para as 17 horas e 30 minutos.
No entanto, como certamente o Sr. Deputado Jorge Lacão, que acabou de produzir uma intervenção, terá pedidos de esclarecimento dirigidos a ele, o intervalo poderá ser feito depois, mas desde já apelo para que os pedidos de esclarecimento e as respostas sejam o mais breve possíveis.

O Sr. Presidente: - Apenas está inscrito o Sr. Deputado Mário Raposo, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Lacão, a quem o PRD cedeu dois minutos para responder, uma vez que o Grupo Parlamentar do PS já esgotou o tempo que tinha disponível.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, não digo, evidentemente, que V. Ex.ª tenha feito uma confusão. A palavra «confusão» é sempre pouco lisonjeira. E, quando se trata de si, será injusta. Direi, pois, que fez uma «perturbação» entre os dois últimos números do artigo 7.º da Lei de Segurança Interna.

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O primeiro desses números refere-se a uma situação dinâmica, isto é, a uma situação de diálogo entre o Governo e os partidos da oposição. Reporta-se o outro número a uma posição estática, a um relatório, a um dado escrito, a uma posição retrospectiva, descritiva e em certa medida - por que não dizê-lo - devassável, porque é discutido a céu aberto, num acto público da Assembleia da República. Ora, pela natureza das coisas - que é sempre um bom princípio a que se deve fazer apelo nestas circunstâncias -, óbvio será que os problemas da segurança interna devem ser tratados em diálogo aberto, franco e disponível, como sempre tem sido revelado por parte do Ministério da Administração Interna. Mas não, evidentemente, num relatório escrito, tendencialmente vocacionado para uma divulgação, para uma publicitação.
Consequentemente, entendo que pelo menos 90% das considerações que o Sr. Deputado fez - e receio não ser excessivo - terão inteira pertinência quando tivermos um diálogo com o Sr. Ministro da Administração Interna e com o Sr. Secretário de Estado, com aquela disponibilidade que sempre têm evidenciado perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que é, certamente, a sede adequada para tal diálogo. Já não terão pertinência em sede de relatório. Ora, é este o que estamos hoje a apreciar.
Por isso disse há pouco «eis um relatório sério, claro, sucinto, conciso», que franqueia pistas de reflexão e que, por certo, propiciará o tal diálogo vivificante e construtivo a que há pouco me referi.
Nestas circunstâncias, pergunto ao Sr. Deputado se não considera que, pondo de lado, evidentemente, os problemas de organização, administrativos, internos da Polícia Judiciária, sobre os quais, certamente, o Sr. Ministro da Administração Interna não terá informações suficientes ou, pelo menos, não será o membro do Governo indicado para prestar agora esclarecimentos, grande parte das questões que o Sr. Deputado pôs terão a sua sede adequada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, em reuniões que, com certeza, o Sr. Ministro da Administração Interna estará disponível para ter. Esclarecimentos que não terão razão de ser em sede de discussão deste relatório.
Entendo, consequentemente, que grande parte dos pontos que foram objecto de censura por parte do Sr. Deputado não têm, salvo o devido respeito, razão de ser.

O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lacão, para responder, quero lembrar que o termo da eleição que está a decorrer na Sala D. Maria é às 18 horas, pelo que os Srs. Deputados que ainda não votaram têm cerca de meia hora para o fazer.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Mário Raposo, correspondendo ao apelo feito pela Sr.ª Deputada Maria Santos, vou responder-lhe telegraficamente e desde já lhe peço que me desculpe por esse facto.
O Sr. Deputado disse que há dois momentos, o primeiro dos quais é o momento dinâmico, em que o Governo deve ouvir os partidos da oposição sobre a política de segurança interna. Bom, quanto a esse momento dinâmico, temos de lamentar a total ausência de dinamismo governamental, uma vez que se esqueceu de cumprir esse normativo de ouvir os partidos da oposição sobre o assunto.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Quero apenas dizer-lhe que, como é evidente, uma relação dinâmica estabelece-se entre dois pólos. Portanto, é necessário que para ele partam o Governo e a oposição.

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado, mas, como poderá verificar, é o Governo que tem o dever de solicitar a comparência dos partidos da oposição, e não estes que têm o ónus de ir bater à porta do Governo para serem recebidos sobre esta matéria.
Quanto ao momento estático, ele significa que apreciamos um relatório sobre política de segurança interna reportado ao ano de 1987. Como as questões que levantei não constam do relatório, nem foram traduzidas no discurso do Sr. Ministro da Administração Interna, a conclusão, com confusão ou sem ela, parece-me óbvia: é a de que no ano de 1987 nenhum destes problemas foi objecto da política de orientação do Governo, o que, do ponto de vista do Partido Socialista, é muito grave, e foi isso que procurei sublinhar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender os trabalhos até às 18 horas e 20 minutos.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Está reaberta a sessão, Srs. Deputados.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Vai hoje o Parlamento pronunciar-se sobre o relatório anual do Governo sobre a situação do País em matéria de segurança interna, inserindo-se na competência de fiscalização dos actos do Governo, por parte da Assembleia da República, consagrada no artigo 165.º, alínea a), da Constituição, e de harmonia com a norma específica do artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, que atribui à Assembleia da República não só a competência política, legislativa e financeira, mas ainda para fiscalizar a execução desta política.
E não se pode deixar de sublinhar, preliminarmente, como exige reiterada inversão de situações por parte do Governo, que não é a este que cabe fiscalizar a Assembleia da República, e muito menos pronunciar-se sobre ela, mas, pelo contrário, acatar e respeitar a capacidade fiscalizadora do Parlamento, nomeadamente através do exercício das funções dos deputados, ainda que não inseridas no coro encomiástico da maioria que o apoia.
De resto, o presente relatório constitui, mais uma vez, a demonstração de que o Governo tem uma noção aberrante do que significa estar sujeito à fiscalização da Assembleia da República.

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Na verdade, o relatório sobre a situação do País em matéria de segurança interna é um vago repositório de factos que são do conhecimento público, meramente temperado com alguns dados estatísticos, que estão também ao alcance do público, pois podem ser recolhidos das publicações estatísticas oficiais.
Ainda, o relatório substitui, em muitas matérias importantes, os dados precisos por adjectivos, que se poderiam chamar de «indefinidos», nova figura gramatical criada pelo Governo, pois era até agora apenas própria dos substantivos.
Disto são exemplos, a p. 12, a expressão «resultados visíveis», no combate à toxicodependência, ou o investimento, não concretizado, dos meios operacionais das forças e serviços de segurança, a p. 14, não ter havido «acréscimo significativo» na criminalidade e delinquência em 1987, ou, a p. 11, «um amplo e coerente conjunto de iniciativas no combate ao tráfico e uso de estupefacientes».
Por outro lado, dos quatro sectores a que o relatório se refere, pode dizer-se que, relativamente ao que respeita a dois deles, «Informações» e «Manutenção ou reposição da ordem e tranquilidade públicas», o relatório é praticamente omisso, impedindo a acção fiscalizadora do Parlamento.
E não se diga que se trata de matérias reservadas, pois não está em causa o secretismo de certas matérias, mas aquelas que o não são, sob pena de se ter de concluir que a exigência do relatório anual não tem sentido.
Finalmente, há que referir que alguns dados contidos neste relatório, nomeadamente quanto ao aumento de furtos em estabelecimentos comerciais, de veículos e no interior de veículos, de burlas, e quanto ao aumento da delinquência juvenil, especialmente nas áreas urbanas, revelam uma evolução preocupante da delinquência no nosso país, desmentindo o optimismo do relatório, em especial quanto à influência da política governamental em tal pseudo risonha situação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Um relatório destes não foi elaborado para permitir a fiscalização institucional desta Assembleia, mas para a iludir.
Não pode, por isso, merecer a nossa aprovação.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, igualmente para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A propósito deste primeiro relatório de segurança interna, que, quanto a nós, se apresenta genérico, que não tem nenhuma indicação que satisfaça os nossos direitos de informação e de fiscalização efectivos, ele reforça, a nosso ver, as justas inquietações da opinião pública quanto aos riscos que comporta o funcionamento dos serviços de informação.
Inquietações que, em nosso entender, aumentam, face à intransparência com que o Governo trata estas coisas, de que é sintomática a escassez de informação.
Nós defendemos um novo conceito de igualdade, não a imposição de um único padrão de comportamento e aplicação a todos de um código uniforme que ignore as diferenças e especificidades, mas antes a criação de quadros legais e humanos em que se conjuguem as diversas vivências possíveis.
É no respeito por estes princípios que poderá constituir-se uma sociedade plural, em que ninguém oprima indivíduos ou minorias. Uma sociedade em que ser minoria não seja ser discriminado, diminuído, subalternizado ou perseguido. Uma sociedade em que as liberdades de pensamento e expressão se conjuguem com a liberdade de organização e de defesa prática de ideias, independentemente da sua adaptação a padrões maioritários.
Por isso, já anteriormente nos pronunciámos e pronunciamos contra toda a legislação que tende a censurar ou codificar comportamentos.
Por isso, exigimos o fim da violência a que os reclusos são hoje submetidos e o respeito pelos direitos dos presos.
Por isso, nos preocupamos com as graves situações de abandono, discriminação e desintegração de minorias étnicas, cujos problemas têm sido subalternizados pelo poder instituído, dando azo a campanhas de ódio racial, intolerância e segregação.
Por isso, no debate sobre a Lei de Segurança Interna dissemos «que Portugal possui o instrumento fundamental da sua segurança, a nossa democracia, cujo aprofundamento se exige, como garantia da nossa tranquilidade, do nosso progresso social, no respeito pela integridade nacional».
Daí que, na apreciação deste primeiro relatório, manifestemos a nossa preocupação face à obscuridade de tudo o que nele se diz (e se não diz) sobre as actividades dos serviços de informação; a nossa preocupação perante a situação actual do sistema prisional; a nossa enorme, a nossa grande sensibilidade face a fenómenos muito inquietantes de restrição da livre investigação dos jornalistas, com o pretexto de defesa da segurança interna; a subsistência entre as forças de segurança de métodos, atitudes e práticas que violam os direitos dos cidadãos, incluindo a própria violência nas esquadras; o atraso no reconhecimento às polícias, por outro lado, de direitos profissionais básicos, e sobretudo preocupamo-nos que todo esse volume de meios seja usado para a intervenção nos conflitos sociais -de que é também exemplo a atitude face aos estudantes em Coimbra -, enquanto as pessoas se queixam, com toda a razão, de que lhes falta protecção e vêem invadido o seu quotidiano por acções e presenças policiais indesejáveis.
Como o Sr. Ministro sabe, votámos contra a Lei de Segurança Interna e continuamos a considerar, como dizia o poeta Jorge de Sena, que «sempre que um Governo invoque a lei e a ordem para calar alguém, como fizeram desde que o mundo é mundo, nega-se a liberdade».
Pensamos que se afirma a liberdade quando rejeitamos instrumentos de excepção e criamos na prática condições sociais que levem a uma maior participação, individual e plural, no respeito por todas as diferenças.
Poderá o Sr. Ministro dizer que tudo isto é utopia e que é muito difícil. Achamos que sim, mas que vale a pena construir essa nova sociedade por que nós, Os Verdes, pugnamos.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Prescindo, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Nesse caso, concedo a palavra ao Sr. Ministro da Administração Interna, para produzir uma intervenção.

O Sr. Ministro da Administração Interna: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Irei nesta intervenção responder às questões que os Srs. Deputados tiveram a amabilidade de me colocar.
À Sr.ª Deputada Maria Santos quero dizer que nunca classificaria de utópica uma boa parte das afirmações que fez. Contudo, devo dizer-lhe que não estou de acordo consigo quando mencionou a atitude da polícia em Coimbra, face aos estudantes, como exemplo da utilização de meios brutais por parte da polícia. Talvez a Sr.ª Deputada não tenha conhecimento do que aconteceu, mas devo dizer-lhe que não houve nenhuma actuação brutal por parte da polícia. A notícia que constou dos jornais foi a de que uma senhora teria sido ferida, mas a declaração que ela própria fez no hospital foi a de que se feriu porque caiu e não porque tivesse sido agredida pela polícia.
Portanto, lamento que tenha feito essa afirmação porque ela não corresponde à realidade e, se quiser, pode comprová-lo junto da pessoa visada.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - O chão está sempre escorregadio!...

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, não pretendi dar nenhuma lição, apenas me permiti, por ser o primeiro relatório, fazer algumas referências de natureza enquadrante e preambular. Apesar disso, enfim, estamos todos a aprender, como disse.
Afirmou o Sr. Deputado José Magalhães que já conhecia o quadro institucional, mas a verdade é que referiu uma instituição que não figura na Lei de Segurança Interna: o Gabinete Superior de Segurança. Fiquei na dúvida se seria uma nova entidade a ser criada ou se foi uma mera confusão de conceitos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gabinete Coordenador ...

O Orador: - Não, falou em Gabinete Superior de Segurança. Enfim, penso que se queria referir ao Conselho Superior de Segurança Interna.
Quanto à questão levantada pelos Srs. Deputados Jorge Lacão, Marques Júnior e José Magalhães de que o Governo não tem informado a Assembleia da República sobre as questões de segurança interna, também me permito discordar. Tive oportunidade de, por quatro vezes - duas a propósito da elaboração do Orçamento do Estado para 1988 e posteriormente outras duas -, me pôr à disposição dos Srs. Deputados, em comissão parlamentar, durante o tempo por eles pretendido. Nem eu nem o Sr. Secretário de Estado nos eximimos a vir à comissão parlamentar e viremos sempre que for necessário. Portanto, discordo das afirmações dos Srs. Deputados de que o Governo não tem estabelecido diálogo com a Assembleia da República sobre esta matéria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro, há alguns equívocos que não vale a pena alimentar.
Creio que a observação feita tem um conteúdo distinto. Aquilo a que se fez alusão reiterada foi a um novo direito instituído pela Lei de Segurança Interna -direito não da Assembleia como tal, mas dos partidos da oposição como tais, singularmente tomados-, que é o direito a serem consultados sobre a política de segurança interna. Ora, isto envolve um contacto de outra natureza. V. Ex.ª conhecerá os contactos já realizados ao abrigo de uma figura genérica, que é o direito de oposição democrática, mas são contactos desse tipo que este mecanismo da Lei de Segurança Interna prevê e não os contactos gerais e comuns que V. Ex.ª fez, nos termos da Constituição e da lei, é certo, mas não tendo nada a ver com esse específico instituto. A não ser que V. Ex.ª não se tenha apercebido da existência disso, que é realmente uma novidade da Lei de Segurança Interna. Mas haverá seguramente, no Governo, memória colectiva de como esse dispositivo foi constituído.

O Orador: - Além da memória colectiva, há a memória individual, porque também eu li a Lei de Segurança Interna, como os Srs. Deputados.
Continuando a tentar responder ao Sr. Deputado Jorge Lacão, lamento que não tenha ouvido ou que, tendo ouvido, não tenha acolhido a informação que lhe dei quanto às adaptações, em termos de informação e de formação dos agentes das forças e serviços policiais, às novas realidades decorrentes da entrada em vigor do Código de Processo Penal. Quer na Comissão, quer agora no relatório, referimos que em 1987 foram desenvolvidas várias acções nesse sentido, concretamente no período de preparação da entrada em vigor do Código de Processo Penal.
Fez-me uma crítica implícita paralela a uma crítica explícita do Sr. Deputado José Magalhães: a de, ridiculamente, correlacionar inflação e segurança interna.
Não foi isso que disse. O que afirmei foi que a inflação, como outros aspectos de natureza macro-económica, nomeadamente o desemprego e o aumento dos rendimentos disponíveis -que, como o Sr. Deputado sabe, está ligado à inflação-, é um factor a tomar em consideração numa política de segurança interna, na medida em que quanto mais agradáveis forem as condições objectivas de vida da população, menor será a probabilidade de ocorrência de tensões.
Portanto, quanto ao elogio que me foi referido como tendo sido feito ao Sr. Ministro das Finanças e à questão da correlação, não direi ridícula, porque não foi essa a expressão que o Sr. Deputado usou, embora pense que estaria na sua mente, penso que, de facto, entre inflação e segurança interna não existe uma relação linear, mas há, de certeza, que considerar o impacte positivo no nosso caso das actuações do Governo em determinadas áreas económicas, que têm, pensamos, de ser consideradas porque, repito, têm um efeito positivo e são em certa medida uma componente da política de segurança interna.
O Sr. Deputado José Magalhães minimizou a referência que é feita na parte final do relatório, designadamente quando o Governo diz que é uma das preocupações nesta área o fenómeno da droga e os tipos de criminalidade que normalmente lhe estão associados e que a esses o Governo continuará a prestar a mais viva atenção.

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Em relação a este aspecto queria apenas citar a seguinte afirmação: «A luta contra o tráfico de droga e os crimes ligados a ela converteram-se numa das principais tarefas do meu governo.» É uma afirmação do Ministro do Interior da União Soviética da actual administração.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O que é que tem uma coisa a ver com a outra?! Essa afirmação era apenas uma desênfase em relação ao terrorismo!...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate do relatório sobre a segurança interna.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura da acta referente à eleição para o presidente do Conselho Nacional de Educação.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, é do seguinte teor a referida acta:

Aos 17 dias do mês de Março de 1988, na Assembleia da República, sala de D. Maria, realizou-se a eleição para presidente do Conselho Nacional de Educação.

A eleição obteve o seguinte resultado:

Votos entrados - 201;
Votos sim - 136;
Votos não - 46;
Abstenções - 18;
Brancos - 1.

O candidato do PSD Mário Pinto foi eleito presidente do Conselho Nacional de Educação.

Seguem-se as assinaturas dos Srs. Deputados escrutinadores.

O Sr. Presidente: - Na sequência dos resultados agora anunciados, proclamo eleito para o cargo de presidente do Conselho Nacional de Educação o Sr. Deputado Mário Pinto.
Vamos dar início ao debate conjunto dos projectos de deliberação n.ºs 12/V, do PSD, sobre a constituição de uma comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil, e 13/V, do PSD, para constituição de uma comissão parlamentar para contactos com as Cortes Espanholas.

Pausa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, gostaria que fosse clarificado o quadro em que vamos realizar o presente debate.
O Sr. Presidente anunciou a discussão conjunta dos dois projectos de deliberação, mas pelo nosso lado temos preparadas duas intervenções, uma sobre a comissão relativa às Cortes Espanholas e outra sobre a comissão luso-brasileira.
Se pudéssemos dar alguma arrumação à discussão, pelo nosso lado era conveniente. Fica a sugestão de discutir primeiro a questão da comissão relativa às Cortes Espanholas e numa segunda fase a comissão luso-brasileira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a informação que a Mesa tem é a de que outros grupos e agrupamentos parlamentares têm um arranjo do mesmo género. Estávamos precisamente a procurar saber qual deverá ser a sequência dos diplomas em termos da sua discussão, mas penso que começar por um ou por outro é praticamente indiferente.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara, para uma intervenção.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A criação das duas comissões eventuais propostas não se situa, para nós, no plano da mera rotina parlamentar nem significa tão-só a renovação de uma prática já consagrada.
Envolve uma atitude de política, que cumpre explicitar minimamente.
Em primeiro lugar, não poderemos esquecer as relações histórias especiais que se estabeleceram entre as duas soberanias peninsulares. Mais, entendemos terem sido criadas novas obrigações recíprocas, quer em virtude do acesso de ambos os Estados, em passado próximo, a um estatuto de vivência plenamente democrática, quer pelo ingresso de ambos nas Comunidades Europeias e da participação, também comum, no projecto e nas estruturas da Aliança Atlântica.
É pelo fortalecimento positivo dos laços institucionais, promovidos aos mais diversos níveis dos Estados, que se reforçam o respeito mútuo e a sã cooperação, bem como se afirma a independência de soberanias no que elas encerram de inalienável e imprescritível, sobretudo numa época e numa conjuntura que põe a sua ênfase na solidariedade e na progressiva integração económico-social.
O desconhecimento e o isolamento são, por conseguinte, atitudes intoleráveis entre países forçados pela geografia, pela história e pela vontade política a viver em conjunto.
O Brasil constitui, por outro lado, o exemplo mais rico e mais enobrecedor da expansão e da colonização portuguesas.
Este motivo só por si justificaria o estabelecimento de relações privilegiadas entre os nossos dois Estados e entre os nossos dois parlamentos.
Une-nos uma história comum, uma língua comum, traços culturais idênticos e uma vontade, nunca interrompida, de renovar estes laços através da presença recíproca dos nossos povos, dos seus projectos e trabalho.
Um país com as características do nosso tem de saber gerir estrategicamente o seu relacionamento externo.
O estreitamento dos laços políticos entre o nosso país e o Brasil, para além da plena justificação histórica e cultural que encerra, representa a continuação da decisão de independência e de mundialismo de que Portugal nunca abdicou, nem quer abdicar, para lá das obrigações decorrentes dos compromissos livremente assumidos no plano do direito internacional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não têm sido ermas de conflitos, desconfianças e macerações as relações entre Portugal e Espanha. Vizinhos, portadores de um vasto património comum, frequentemente estimulados pelo abraço solidário, brigaram muitas vezes nos pequenos acidentes de caminho, enfrentaram-se outras com inusitado furor. A proximidade avoluma a crispação e o dissenso natural, mas enlaça também, de forma perduradora, a projecção das raízes singulares. Daí que, aquém e além de disputas e altercações, se encontrem portugueses e espanhóis como irmãos que partilham anseios e propósitos, um desejo de reciprocidade de acções bem-vindas.
Nem falarei, detidamente, dos confluentes rios de produção cultural, dos autos castelhanos de Gil Vicente ou da paixão de Unamuno por quanto nos pertence, dos heróis andarilhos que Camões imortalizou em Os Lusíadas e desse Quijote fabuloso que continua meandrando, afinal, com o seu Sancho Pança infalível, nos destinos de todos nós. Não evocarei com detalhe a voz humaníssima que, desde as amarguras da guerra civil e do holocausto gerado pela barbárie nazi, sintonizou com as inquietações, as lutas, os sonhos dos que, de um e outro lado da raia, quiseram construir a liberdade. Não referirei, neste debate instrumental e conjunturalizado, a longa perseverança comum na busca de destinos desconstrangidos e prósperos. É certo que, na hora que corre, convocamos memórias, alegrias e tristezas, trazemos o testemunho da história. Só que, vencida a vilania das ditaduras recentes, o fazemos alicerçando o futuro. Sabemos bem o que nos une e o que nos singulariza, o que nos confunde e identifica; não nos movemos já por quaisquer inibições, nem sob a tutela de concepções seguidistas que apenas detonariam inconsequências, fragilidades, desaires rotundos. Por isso, entendemos positiva, necessária mesmo, a recuperação, nesta Casa, de uma comissão que incremente, no plano parlamentar, as realizações de amizade luso-espanhola.
A experiência pretérita, embora curta, permite concluir que a senda a desbravar é a do intercâmbio e a do diálogo sem complexos. São bastantes e de índole diversa os problemas a suscitar e resolver: no domínio das pescas como no das decorrências nefastas da integração europeia; na área da reciprocidade de empreendimentos culturais, seja na divulgação das literaturas ou na consideração dos efeitos da propagação das novas tecnologias do áudio-visual; na remoção dos obstáculos ao desenvolvimento das zonas fronteiriças, que, ao invés de se terem por terras do fim do mundo, deverão espelhar a fraternidade e o progresso em que ambos os povos se empenham; na solução dos desafios da esfera económica, comercial, industrial, da investigação científica, do turismo.
Não nos incumbe a nós, deputados, definir o que só ao poder executivo concerne; está, porém, nas nossas mãos o fazer fermentar a atmosfera de bom relacionamento, no quadro da democracia e da sua funcionalidade institucional. O órgão que agora criamos é, a esta luz, valioso e insubstituível. Pena que, na sua composição, porque o PSD constantemente visa potenciar, mesmo de forma indébita, a sua maioria, se não haja atingido um modelo consentâneo com a reprodução correcta da representatividade dos partidos. Assinalamos o facto; não polemicaremos aqui em torno dele, mas, como se compreenderá, exprimimos uma oposição legítima.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Vivimos de espaldas», ouve-se em Tui, Aiamonte ou Madrid; «Estamos de costas voltadas uns para os outros», proclama-se em Valença, Alcoutim, Vila Real de Santo António ou Lisboa. Apesar do que já se construiu, apesar da atitude franca e leal que os anos de edificação democrática proporcionaram.
Que a Assembleia da República dê o seu sério contributo, reassumindo a partir da votação que vai operar-se dentro de instantes, para que cada vez mais Espanhóis e Portugueses marchem, braço a braço, para um futuro de justiça social e escorreita cooperação.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após quase 60 anos de regimes ditatoriais e autoritários, Portugal e Brasil voltaram a viver quase em simultâneo a luz da democracia.
Ao longo da história comum, portugueses e brasileiros tiveram o sentimento de serem povos irmãos. Um pequeno olhar sobre o passado do início do século.
O regicídio de 1 Fevereiro de 1908 frustrou a visita que o rei D. Carlos devia fazer ao Brasil. Uma viagem que incrementaria as relações entre os dois povos, conforme comentara a imprensa portuguesa da época, que referia a certo passo: «Quando os jornais da Europa ineptamente nos amesquinham, na mais vergonhosa ignorância do que fomos e do que somos, a visita do rei de Portugal à República do Brasil ensinará ao mundo uma emocionante página da história.»
A morte violenta do rei e do príncipe não permitiu que se realizasse a visita já programada para Maio desse ano, morte lamentada pelos irmãos brasileiros, que atribuíam o atentado aos republicamos da época.
Apesar disso, em 1922 quando o Presidente António José de Almeida visitou o Brasil, foi clamorosamente recebido, numa manifestação impar de vontade de cooperação, e a esta recepção não esteve ausente a colónia portuguesa.
Anos mais tarde coube ao Presidente Francisco Higino Craveiro Lopes visitar o Brasil. Repetiram-se as mesmas manifestações de afecto por parte das autoridades e do povo brasileiro. Exemplos que nos permitem concluir que nem sequer divergências político-partidárias chegaram para desunir portugueses e brasileiros quando finalmente estavam em causa pátrias irmãs.
As visitas recentes e recíprocas dos Presidentes de ambos os países são o corolário da história que ao longo de cinco séculos se cimentou, uma manifestação impar de amor e solidariedade.
O Brasil já foi para os Portugueses terra de colonização, lugar de exílio e porto de abrigo, até para escritores, como, de entre outros, Jaime Cortesão, Rodrigues Lapa e Torga.
O Brasil represente para nós, como estamos certos que Portugal representa para o Brasil, não só um parceiro privilegiado, mas principalmente um companheiro fraterno em todos os domínios ou, parafraseando o

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autor, «um cais do lado de lá do nosso destino» - um cais que não seja uma «saudade de pedra», mas uma realidade visível.
Como refere o preâmbulo do projecto de deliberação, áreas naturalmente privilegiadas para as ligações entre os dois países e para o desenvolvimento mútuo estão muito longe de corresponder às intenções e aos discursos.
Da teoria passemos à prática. O PRD, integrado na comissão agora formada, faz votos para que a aproximação entre os nossos dois Parlamentos tenha o resultado naturalmente desejado de que os nossos países e povos, hoje livres, sejam por igual e em conjunto contemporâneos e construtores do futuro.
Simultaneamente, saudamos com amizade a iniciativa da formação de uma comissão parlamentar para contactos com as Cortes Espanholas.
Recuperamos assim a anterior comissão eleita e votada por unanimidade em Janeiro de 1986 que, por razões óbvias da pouca duração legislativa, não pôde cumprir a missão que lhe tinha sido confiada.
Os povos português e espanhol, amigos ou rivais ao longo dos séculos, souberam sempre manter a sua identidade ibérica de países irmãos. Aos laços de amizade e fraternidade demonstrados pelos seus povos têm-se associado os governos de ambos os países, num permanente e estreito contacto comercial, político e institucional.
A adesão simultânea às comunidades europeias e a colaboração mútua no âmbito das diversas áreas consideradas de interesse comum justificam plenamente que se aprofunde e dinamize as relações parlamentares entre os dois países.
O diálogo que resultará do contacto regular entre a Assembleia da República e o Congresso de Deputados Espanhol irá fortalecer o sentido mútuo de entreajuda e solidariedade, bem como o acordo de amizade luso-espanhol.
Entendemos também que não basta que se proponha a formação de comissões parlamentares, é urgente e necessário que o nosso Parlamento transporte para a Europa, e principalmente para a Europa Comunitária, todo um manancial de capital humano de qualidade que possuímos e que num todo de muito importante apoie com os mecanismos institucionais ao seu dispor o engrandecimento e desenvolvimento do nosso país.
O contacto parlamentar que iremos aprovar deverá privilegiar um diálogo aberto e construtivo que, além de fortalecer os laços de amizade, nos catapulte também e em definitivo para o lugar da Europa que ambos os países por direito próprio merecem. São os nossos votos, e na colaboração que iremos dar à comissão tudo faremos para que se atinjam estes objectivos.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Os Verdes): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Diz-nos José Mattoso em O Essencial sobre a Formação da Nacionalidade que:

[...] Há fenómenos peculiares da Península Ibérica e da Europa que é necessário ter em conta para enquadrar a nacionalidade portuguesa num conjunto do qual não se pode isolar.

Assim, e para referir apenas um exemplo mais claro e mais determinante no nosso caso, não se podem ignorar os constantes e contraditórios movimentos a que podemos chamar centriptos e centrífugos no âmbito da Hispânia, e da sua maior ou menor força em determinadas conjunturas. Isto é, o processo nacional português não se pode isolar da história dos nacionalismos ibéricos que materializam a tendência centrífuga, nem das renovadas forças de unificação peninsular nas suas diversas manifestações políticas, religiosas, culturais ou económicas.
Indubitavelmente que hoje se nos depara uma perspectiva nova e condizente com tais pressupostos, que procura não destruir o equilíbrio próprio da nossa nacionalidade, apontando especialmente para um .maior estreitamento de relações com os povos ibéricos, com os países de expressão oficial portuguesa, bem como com os chamados latino-americanos, onde o Brasil assume um papel de extraordinário significado histórico e afectivo, no relacionamento entre Portugal e os restantes povos do mundo.
Portugal e a Espanha têm necessidade de se ligarem mais em termos culturais. [...]
A vocação histórica dos povos da Península Ibérica seria a de constituírem um ponto de ligação entre essa grande região que é a América do Sul e Central, com os povos africanos de língua ou expressão oficial portuguesa, como agora se diz. É, digamos, uma utopia, que seria a invenção de uma grande bacia cultural atlântica. Era tornar isso numa profunda unidade cultural, mantendo-se, evidentemente, as diferenças, mas com a aproximação destes povos todos.
Afirmações de José Saramago que não constituem casos isolados. Miguel Torga, no prólogo do seu livro A Missão do Mundo, editado em Espanha, afirma:

Sou um português hispânico. Nasci numa aldeia transmontana, mas respiro todo o ar peninsular. Cioso da minha pátria única, da sua independência, da sua história, da sua singularidade cultural, gosto, contudo, de me sentir galego, castelhano, andaluz, catalão, asturiano, ou vasconso nas horas complementares do instinto e da mente.

E, como à dura condição de existir junto a de escrever, muito papel tenho levado a contar emoções desse convívio físico e espiritual sem fronteiras.
Um pouco desta visão humanista também poderemos ver expressa no início deste século em Amorim Girão:

Digamos aos nossos vizinhos que o território português não é distinto da Espanha, e com isto, longe de menosprezar o nosso patriotismo, tê-lo-emos exaltado, mostrando que o vínculo nacional é tão forte que não tivemos necessidade de encontrar um território à parte, para vivermos uma vida independente.

Mais recentemente, nas II Jornadas da Beira Interior, António Paulouro afirmava, em consonância com as conclusões do debate ali travado:
A raia tem de ser traço de união. Tem de ser a confirmação da vontade de povos vizinhos (portu-

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gueses e espanhóis) se colocarem lado a lado discutindo problemas das suas regiões, permitindo a troca de experiências, um melhor conhecimento mútuo e principalmente deliberações de grande interesse comum como aqueles que levaram ao repúdio de um «modelo de desenvolvimento que passa pela transformação da raia em zona de entreposto comercial ou sede de indústrias poluentes expulsas dos países desenvolvidos da Europa».
Concluiria: Actualmente, o mundo forma um todo em que cabem diferenças políticas, sociais e culturais; a cooperação internacional generalizou-se e só nesta perspectiva se pode compreender e aceitar verdadeiramente o desenvolvimento de cada sociedade, no respeito pela diferença, partilhando a diversidade, para que se fortaleçam os laços de amizade e acção conjunta entre Portugal e o Brasil; entre Portugal e a Espanha.
Votaremos favoravelmente os projectos de deliberação para a criação de uma comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e Brasil e entre Portugal e Espanha porque sentimos que votamos o aprofundamento da solidariedade institucional e da amizade entre povos que historicamente caminham juntos, na plenitude das suas identidades nacionais.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS apoia as duas propostas referentes, respectivamente, à criação da comissão eventual para contactos com as Cortes Espanholas e à constituição de uma comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil.
Quanto à primeira destas propostas, a que diz respeito à Espanha, o que gostaria de acentuar é que com a entrada de Portugal e Espanha para as Comunidades Europeias, com a assinatura do Acto Único, assistimos a uma definição nova do perfil quer de Portugal quer de Espanha na cena internacional porque, pela primeira vez na história, os dois países pertencem a um mesmo espaço formalmente definido por tratado, com obrigações e objectivos comuns.
Estas circunstâncias inteiramente novas, se nos obrigam a procurar, como sempre, apoio na experiência do passado, devem sobretudo trazer ao nosso espírito a circunstância de que enfrentamos uma definição nova, da qual não temos experiência.
Mas o que podemos afirmar em relação ao que tantas vezes se indica serem os complexos entre os dois países sem nunca os definir é que, definitivamente, nesta estrutura e depois de uma história secular, a ameaça da exportação do poder político deixou de existir.
Aquilo que hoje existe é a exportação da capacidade científica, tecnológica, económica. E essas são as novas armas de tecer solidariedades, de manter igualdades e independências.
O que está a acontecer nestas relações de Portugal com Espanha é que, provavelmente, as sociedades civis estão a andar mais depressa do que os representantes das soberanias. As duas sociedades civis estão a fazer a interpenetração destas maneiras novas de os povos se tornarem interdependentes e talvez tenhamos de reconhecer que os órgãos de soberania não têm acompanhado com a mesma diligência esta evolução das circunstâncias novas.
Em relação ao Brasil gostaria apenas de quase repetir o que tive ocasião de dizer na Câmara aquando da visita do Presidente José Sarney.
Recordo-me de ter dito nessa intervenção, talvez de uma maneira um pouco obscura para os Srs. Deputados mas muito clara para ele, se seria momento de termos de reconhecer que a noite tinha descido de novo sobre Alcântara.
Alcântara, como sabem, é uma cidade abandonada, hoje considerada património comum da Humanidade. Ora, aconteceu-me, quando era mais jovem, ter um pequeno acidente numa avioneta pilotada pelo próprio Presidente José Sarney. E aterrámos em Alcântara, onde pouco depois desceu a noite. Um título de um belo livro de Josué Monteio - Desceu a Noite em Alcântara.
A referência a esse facto, se também terá descido a noite sobre Alcântara nas relações luso-brasileiras, tem que ver com profundas inquietações que não posso deixar de transmitir - e faço-o com tanta mais sinceridade quanto é certo que suponho ser suficientemente conhecida a minha intimidade com o Brasil, o amor pelo Brasil, o trabalho em instituições brasileiras ao longo de muitos anos.
Devo dizer que já nunca surpreende que os discursos oficiais sobre o Brasil comecem normalmente pela seguinte afirmação: «Chega de declarações, como temos feito no passado, vamos finalmente começar a obra.»
Aquilo de que justamente tenho receio no que respeita às nossas relações com o Brasil é de ter de verificar que a obra parou e as palavras é que são muitas. E porquê? Porque o estreitamente das relações de Portugal com o Brasil a partir do tratado de 1825 foram como que dominadas por um fantasma, que é o artigo 3.º desse tratado, em cujo texto se diz que «o império do Brasil se obriga a não aceitar a adesão de nenhum território português africano». E o Brasil ficou de costas para uma grande parte da política internacional portuguesa que foi dominante até 1974.
Por outro lado, quem construiu, preservou, as relações de Portugal com o Brasil foi, mais uma vez, a sociedade civil. Foi a sociedade civil que fez que a solidez do escudo português durante um século, depois da independência do Brasil, assentasse nas remessas do Brasil. Não foi a actividade dos órgãos de soberania. Foi a sociedade civil emigrada que construiu as grandes instituições culturais preservadoras da cultura portuguesa, de que são exemplos os Reais Gabinetes de Leitura; procurou evitar o analfabetismo na emigração portuguesa, a que corresponde o Liceu Literário Português; procurou que não houvesse carentes na comunidade portuguesa - correspondem a isso as instituições de beneficência, os hospitais. Tudo isso foi obra dessa sociedade civil e não obra da soberania, dos órgãos da soberania.
Houve um grande momento em que parecia que os órgãos de soberania finalmente se aproximavam e que foi o momento da visita de António José de Almeida ao Brasil.
António José de Almeida tinha o condão de, algumas vezes por inspiração, acertar na essência das si-

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tuações. Inesperadamente, quando chegou ao Brasil, no seu discurso, teve esta frase extraordinária: «Venho agradecer ao Brasil o ter-se tornado independente.»
Isto calou na alma dos brasileiros, da colónia chamada portuguesa e na alma dos próprios portugueses que em 1825 entenderam que, tendo o Brasil deixado de ser a sede do império, a única maneira de continuar português era assumir-se como país independente.
E durante 150 anos essas relações foram sólidas.
Mas, peço a atenção da Câmara para examinar a evolução da historiografia brasileira dos últimos vinte anos, para não falar nas últimas manifestações respeitantes ao ensino da literatura ou da língua portuguesa ou à proposta de deixar de chamar portuguesa à língua que se fala no Brasil.
Houve a implantação de uma tendência nova que, em vez de festejar as origens portuguesas da cultura brasileira, se queixa de o Brasil, infelizmente, ter sido colonizado por Portugal.
Alguns dos autores desta tese são por vezes tão festejados entre nós que tenho a impressão que os festejam sem os ler - o que talvez seja bom para eles e para quem os festeja!

Risos.

Mas, neste momento, a situação parece-me ser, claramente, a seguinte: o Brasil tem uma herança cultural portuguesa, mas a herança cultural do Brasil não é só portuguesa. O Brasil, neste momento, tem uma herança italiana, uma herança alemã, uma herança japonesa e começa a autonomizar-se a ideia da herança da cultura negra.
Por consequência, não podemos confiar apenas na natureza das coisas e no esforço de uma colónia portuguesa que não tem sido renovada, para continuar o desenvolvimento da presença portuguesa no Brasil.
Realmente, é preciso passar das palavras aos actos, mas não é a sociedade civil que tem de o fazer. A sociedade civil chegou, talvez, ao extremo daquilo que podia fazer.
É o momento de os órgãos da soberania passarem das palavras aos actos.
É por isso que, com esperança, convicção e entusiasmo, também damos a nossa aprovação a esta proposta presente à Câmara.

Aplausos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista, com gosto, prazer e convicção, vai dar a sua aprovação a estes dois projectos de deliberação.
Na verdade, Espanha constitui hoje o estímulo e o desafio maiores das relações externas de Portugal. Estímulo e desafio acrescidos com a adesão conjunta dos dois países às Comunidades Europeias.
O Brasil representa para nós a profundidade estratégica da língua portuguesa e, também, a afirmação dos valores da origem portuguesa na América Latina.
A Assembleia da República, ao deliberar constituir estas duas comissões, marcha no sentido correcto da diplomacia portuguesa e marcha também no sentido correcto do reforço do seu próprio papel nas relações internacionais do País.
É certo que estas comissões, embora designadas por comissões eventuais, são, na verdade e na sua realidade prática, grupos de amizade parlamentar com os parlamentos desses países.
No desempenho da sua actividade, essas comissões não devem colidir com o papel de V. Ex.ª, Sr. Presidente da Assembleia da República, nem com o papel de outras comissões que organicamente, no quadro específico das suas responsabilidades, têm o dever de acompanhar de perto o relacionamento internacional do País, como sejam a Comissão de Negócios Estrangeiros, a Comissão incumbida de acompanhar os assuntos europeus, a Comissão para os Assuntos de Timor-Leste e a própria Comissão de Defesa Nacional no seu âmbito específico.
Mas estas duas comissões agora constituídas, pelo carácter informal de que se revestem, podem vir a ser um instrumento precioso de potenciação das relações externas do nosso país.
Tudo dependerá, naturalmente, do programa de actividades que elas souberem estruturar, de forma como o vierem a concretizar e, sobretudo, da capacidade e rapidez com que conseguirem obter, nos parlamentos dos respectivos países, interlocutores à altura de tão elevadas responsabilidades. Diria mesmo que na fase inicial da sua instalação estas comissões deveriam privilegiar a constituição de contrapartes nas instituições parlamentares de Espanha e Portugal porque, tratando-se não de uma actividade para consumo próprio dos parlamentares portugueses mas, sim, de um instrumento para relacionamento externo e para diálogo internacional, o que elas vierem a fazer dependerá do seu interlocutor em terceiros países.
Por conseguinte, o Partido Socialista vai aprovar esta iniciativa feliz. Ao mesmo tempo, porque entende que Espanha e Brasil representam quadros importantes, mas não exclusivos, do relacionamento externo português, o Partido Socialista, para completar a direcção certa contida nestas propostas, apresentou hoje mesmo na Mesa da Assembleia uma outra proposta - e põe à consideração de V. Ex.a, Sr. Presidente, a oportunidade de a sua votação se efectuar, hoje, em conjunto com estas duas propostas ou, oportunamente, depois de um melhor amadurecimento da iniciativa - no sentido de se constituírem idênticas comissões para o relacionamento interparlamentar com cada um dos cinco países africanos de expressão oficial portuguesa.
Na verdade, do contacto entre a Assembleia da República e as Assembleias de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe resultará, certamente, uma projecção no relacionamento internacional português, complementar daquela que as propostas em apreço pretendem significar.
No entanto, a direcção do relacionamento de Portugal com África, inclusivamente no plano das organizações parlamentares, não pode nem deve ser esquecida pela Assembleia da República.
Na verdade, há muito a esperar de um diálogo interparlamentar que hoje está limitado ao quadro da União Interparlamentar. Porém, se a Assembleia da República souber agir com dinamismo, pode vir a criar as condições para uma solidariedade e uma união interparlamentar do conjunto de todos os países de língua portuguesa.
O empenhamento das organizações parlamentares no reforço do papel da língua portuguesa à escala inter-

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nacional - que se não faz a dois ou a cinco, mas a sete-, apresenta-se como uma perspectiva que a Assembleia da República, através da proposta que hoje apresentamos, também virá a acolher de forma adequada.

Estou certo de que o Parlamento Português saberá apreciar esta iniciativa do PS com o mesmo sentido de abertura, de espírito universalista e de tolerância internacional com que acolheu as duas propostas antecedentes, às quais desejamos um bom augúrio na sua concretização.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Já que, em face da intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama, se colocou à Mesa o problema da votação da proposta que referiu, gostaria de dizer ao Sr. Deputado que é evidente que a conferência de líderes e a Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação a irão examinar. Porém, penso que se deduzirá mesmo das suas palavras que não se irá hoje proceder à sua votação, visto não ter sido convenientemente apreciada pelos diferentes grupos parlamentares, aos quais, foi, aliás, distribuída há apenas algumas horas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos como bastante positivo o facto de se criar novamente na Assembleia da República uma comissão eventual com vista a estabelecer o diálogo da Assembleia da República com as Cortes Espanholas.
Assim se retoma uma iniciativa da legislatura anterior e que surgiu por força da Declaração de Lisboa, assinada pelo então Presidente da Assembleia da República Portuguesa, Dr. Fernando Amaral, e pelo Presidente das Cortes Espanholas.
A comissão parece-nos essencial para se debaterem assuntos bem importantes para os dois países, que, muitas vezes, têm atravessado momentos menos bons e tido problemas que poderão e deverão resolver-se através do diálogo.
Temos também um caminho comum no âmbito da CEE e muitos dos interesses espanhóis e portugueses são igualmente comuns, o que justifica um cada vez maior estreitamento das relações ente os dois países, de modo a ultrapassar os problemas surgidos.
Finalmente, impõe-se que não andemos mais de costas voltadas. Somos dois países da Península Ibérica que, agora e em vivência democrática, poderão - têm disso todas as possibilidades - dar bons exemplos de vizinhança e de conhecimento mútuo. Esse será, aliás, um acto cultural que não desprezamos.
Como é evidente, de igual modo apoiamos que se retome iniciativa idêntica quanto às relações com o Brasil - país irmão com o qual temos, infelizmente, tido uma relação cultural muito menos estreita do que a que se impunha.
Na anterior sessão legislativa, a comissão então criada iniciou a sua actividade tendo, desde logo, o apoio do embaixador do Brasil - o grande amigo de Portugal e grande poeta Costa e Silva. Essa comissão surgiu, aliás, numa data assinalável: exactamente durante a visita a Portugal de Tancredo Neves.
«Nas relações entre Portugal e o Brasil temos de nos deixar de boas intenções, dos discursos de palavras e mais palavras e passarmos aos actos.», assim referiu desta tribuna o então Sr. Presidente do Brasil Tancredo Neves.
Estes actos devem, na nossa opinião, servir para um melhor e mais adequado estreitamento das relações entre a Assembleia da República e a Assembleia Legislativa do Brasil.
A história a isso nos obriga. E um primeiro, um grande passo para esse tipo de relacionamento novo, mais culto e positivo, passa, sem dúvida, pelos encontros entre parlamentares e pelo diálogo entre estas instituições.
Por esse motivo, a ID apoia e vai votar favoravelmente os dois projectos de deliberação.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Câmara aprova hoje, com algum atraso, a comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil. Acto necessário e nobilitante este, ademais pelo reencontro recente de ambos os países com a vida e as instituições democráticas.
O diálogo entre os povos não é, certamente, interpretado apenas pelos protagonistas parlamentares. Múltiplas são as vias do cruzamento - mais ou menos regular - do nosso quotidiano colectivo com o das diferentes comunidades internacionais, todas elas relevantes, no domínio do político ou do diplomático, como no do comércio, do turismo, da cultura. Às assembleias representativas cabe, no entanto, uma realização fundamental: a do estabelecimento dos mecanismos de um são debate plural que vise, na afirmação da singularidade das pátrias, as aproximações bi ou multilateralmente vantajosas, o incremento de acções que traduzam, num plano material, os enlaces da natureza histórica, geográfica, ideológica ou mesmo afectiva.
No decurso das eras se falou sempre, em tom enleado, das relações que mantemos com o Brasil ou, na vertente complementar, das que os Brasileiros connosco promovem. Escassas têm sido, entretanto -há que reconhecê-lo!- as progressões além da retórica amável. No tempo das ditaduras, sabemos, os liames existentes quedavam-se por entendimentos magros, no plano da sobrevivência das classes dominantes, minorias revéis à voz das populações. A explosão da fraternidade gerada pelo 25 de Abril e pela queda dos generais proporcionou rumos ousados, formas novas de efectivação de compromissos que estão longe de potencializar-se. As visitas dos Presidentes Tancredo Neves e José Sarney perduram na memória dos Portugueses como jornadas festivas, dinamizadoras de percursos fecundos no trato dos universos da cultura como nos da contratação económica, industrial, comercial ou tecnológica. De igual modo, a deslocação oficial do Sr. Presidente da República ao Brasil revestiu-se de extrema importância, tendo-se saldado por sensíveis passos adiante no itinerário da cooperação real.
O episódio deslustrante do acordo ortográfico não pode deixar de ser agora chamado à colação. Com efeito, a crispação que produziu a plataforma negociai plasmada em algumas das bases conhecidas não deverá

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contaminar as águas deste velho e rico sentimento de amizade e respeito mútuo. Mais: não deverá inviabilizar a confecção de um tratado escorreito de unificação que favoreça e engrandeça a projecção no Mundo da língua de Camões e Castro Alves, Eça de Queirós e Machado de Assis, Fernando Namora e Jorge Amado, José Saramago e Carlos Drumond de Andrade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Constituintes Brasileiras elaboram, no momento presente, uma lei fundamental inovadora, aberta à conflitualidade do viver gregário, conformadora da multiplicidade de propostas, arejada e flexível no reger do funcionamento dos órgãos do poder democrático. A esta luz será repensado, não duvidamos, o estatuto dos cidadãos nossos compatriotas domiciliados além-atlântico, no sentido de um favorecimento que dê expressão a raízes centenárias de ligações comuns, correspondendo a idênticos gestos que, em Portugal, podemos avançar no após Revolução de 1974.
Certamente que o intercâmbio de experiências salutares dos parlamentos envolvidos a todos beneficiará. São, como se disse, uma parcela de nexos globais, mas uma parcela medular, pela qual se talha também o futuro deste demorado e caloroso aperto de mão entre nações que, olhos nos olhos, querem caminhar, em progresso e liberdade, para um melhoramento profundo do teor de existência dos respectivos povos. Que a comissão ora criada contribua, pois, para que, tão cedo quanto possível, cheguem ao homem da rua - razão primeira e última, afinal, da nossa intervenção de deputados - os sinais práticos e positivos de uma fraternidade seivada no concreto.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para a última intervenção desta parte do debate, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Costa.

O Sr. Soares Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Espanha e o Brasil são dois países com os quais Portugal mantém, de há muito, relações privilegiadas, num caso por razões de vizinhança e não só; no outro por laços, mesmo de sangue, que igualmente se traduzem, por via da língua comum, numa identidade e interpretação cultural de que ambos os países justificadamente se orgulham.
Portugal e a Espanha convergiram, na última década, na instituição do regime democrático e vieram assim dar o seu valioso contributo para a construção e aprofundamento da democracia de que hoje se reclamam os países da Europa Ocidental.
Aderimos simultaneamente às Comunidades Económicas Europeias e hoje, como membros de pleno direito, estamos, por isso, igualmente empenhados em cumprir o Acto Único Europeu e na edificação de uma Europa livre e democrática, que, cada vez mais, se afirme cultural e economicamente no contexto mundial, em consonância com as responsabilidades e as tradições históricas europeias.
Portugal e Brasil mantêm entre si laços de amizade e motivos de estreita cooperação entre os dois povos, que remontam, na sua origem, à gesta histórica dos Descobrimentos Portugueses, cujos 500 anos hoje se comemoram.
Para além de uma longa história vivida em conjunto, a união cultural que a língua comum possibilita tem consolidado, entre os dois povos irmãos, o desejo, amplamente expresso, do aprofundamento das relações de cooperação entre duas nações geograficamente separadas pelo Atlântico; têm, contudo, sabido manter entre si e protagonizar no mundo o exemplo vivo do que deve ser o relacionamento entre povos onde muito existe de comum pelas origens e pelos sentimentos.
A aproximação entre os povos, configurada na intensificação do diálogo e na permuta de experiências, consolida-se pelo desenvolvimento da cooperação e pela firme vontade de concretizar o relacionamento entre as instituições que os representam.
As instituições parlamentares, pela genuinidade da representação democrática, de que são, em si mesmas, portadoras, constituem as instâncias privilegiadas para essa intensificação do diálogo entre os povos.
Os dois projectos de deliberação que esta Assembleia da República irá votar, subscritos por deputados do Grupo Parlamentar do PSD, visam reinstituir duas comissões parlamentares eventuais que, com os mesmos objectivos, haviam igualmente sido criadas na legislatura anterior.
O PSD regozija-se com as motivações que informam o projecto de deliberação para a constituição da comissão parlamentar para os contactos com as Cortes Espanholas e o projecto de deliberação para a instituição da comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil. Por isso iremos votá-los com entusiasmo e muita esperança.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada esta parte do debate relativa à constituição das duas comissões eventuais.
A partir das 19 horas e 30 minutos, procederemos à votação final global do projecto de lei n.º 1947V - Âmbito da aplicação do artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).
Igualmente procederemos à votação final global da proposta de lei n.º 13/V, que autoriza o Governo a aprovar as penas a aplicar pelo recurso ao trabalho de menores com idade inferior à determinada na lei para o acesso ao emprego.
De igual modo se efectuará a votação final global da proposta de lei n.º 17/V, que revê o regime da participação do sector público e procede à concentração dos princípios gerais a ele relativos.
Votaremos ainda os projectos de deliberação n.ºs 12/V - Constitui a comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil e 13/V - Cria a comissão parlamentar para os contactos com as Cortes Espanholas.

Pausa.

Srs. Deputados, como ainda não são exactamente 19 horas e 30 minutos, há uma pequena intervenção que ficou acordado ser produzida no início do debate dos projectos de lei n.ºs 172/V, do PSD (lei sobre a investigação e desenvolvimento tecnológico), e 199/V, do PS (lei do enquadramento da promoção da investigação científica e tecnológica).
Assim, para abrir esta parte do debate, concedo a palavra ao Sr. Deputado Adriano Moreira.

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O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os textos em discussão sobre a organização da investigação científica, não obstante a diversidade partidária da origem e tendo em conta a discussão já havida na Câmara, parecem exprimir um consenso que seria desejável ver repetido em outros assuntos de interesse nacional. Por isso mesmo a nossa breve intervenção tem apenas o sentido e o objectivo de chamar a atenção para algumas questões que gostaríamos de ver abordadas na especialidade e que pudessem contribuir para a definição do espírito que deve presidir à execução dos normativos que vierem a ser aprovados. Temos por certo, pela experiência, que são distintas as vocações de investigar, de ensinar e de administrar a ciência, embora todos os envolvidos neste complexo processo devam estar habilitados a compreender e participar nas várias vertentes.
Mas existe um perigo, que parece evidente na evolução do Estado, que é burocratizar a investigação, porque andamos muito resignados a ver substituir a lei pelos regulamentos. O plano não é o método e o método não pode ficar submetido a dependências burocráticas, porque na invenção dele começa a primeira manifestação da criatividade; o investigador precisa de ser responsavelmente livre e confiável exclusivamente pela titulação que garante a sua idoneidade.
Consideramos necessário dizer isto porque na simples docência não faltam sinais de a autoridade burocrática supor que pode complementar, suprir ou corrigir a liberdade de ensinar, que é o mesmo que condicionar a liberdade de aprender. E com isto não podem transigir as instituições de ensino, porque a autonomia, sobretudo universitária, é mais isso do que a autonomia financeira, que sempre, entre nós, dependerá das liberalidades possíveis do Estado, já que são diminutas as fontes privadas que abundam nas sociedades onde as universidades são empresariais por princípio.
Por outro lado, não pode a planificação eliminar ou diminuir a área da acção dos investigadores individuais, a investigação desinteressada submetida ao único plano de investigar sem compromisso com os resultados. O ambiente sadio e institucional dos estabelecimentos universitários é a única garantia de que não se estabelecerá uma investigação de desperdício, que não é a mesma coisa que uma investigação sem compromisso.
Por outro lado ainda, é evidente, vista a evolução do instrumental da investigação, do ensino e da administração da ciência, mesmo nos países ricos que detêm os centros dominantes, que as universidades não serão nunca mais, em países de recursos limitados, os centros produtores de ciência que foram no passado; mas seria errado não ligar às universidades, por laços federais, as instituições exclusivamente de investigação. Porque isso nos parece um pressuposto para algumas reformas essenciais: redefinir os graus académicos, para evitar a aristocratização que já resulta da existência de institutos politécnicos e universidades; acrescentar as licenciaturas com diplomas de estudos aprofundados antes ou ao lado dos mestrados; manter os cursos de actualização permanente. Mas isto vai exigir uma legal circulação entre a investigação e a docência que o laço federal ajudará a institucionalizar.
Por outro lado, e finalmente, na mobilização dos nossos recursos para a investigação não pode esquecer-se que existem patrimónios culturais e científicos quase mortos e que é urgente mobilizar, designadamente para fins de cooperação com os países de expressão portuguesa.
As nossas academias, como a Academia das Ciências, a Academia da História, a Academia Internacional de Cultura Portuguesa, o Arquivo Histórico Ultramarino ou a Sociedade de Geografia, são detentoras de um capital científico e cultural nacionais que não são rentabilizados pelos métodos de trabalho mantidos em vigor nem pelas desactualizadas funções entregues aos seus membros. Não se pode desperdiçar a mobilização de tais patrimónios e capacidades, quer para a investigação quer para o ensino aprofundado, porque não faltam qualificações aos responsáveis, nem, certamente, vontade de repor as suas instituições na vida activa portuguesa.
O CDS tem feito, repetidamente, uma proposta construtiva nesse sentido e julga que não ficaria mal ao Governo tomar essas sugestões em consideração, se é de um interesse nacional que se trata e do consenso que se parte.

Aplausos gerais.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, ouvi V. Ex.ª anunciar várias votações finais globais - umas que se encontram agendadas e outras que o não estão.
O acordo que se tomou, em sede de conferência de líderes, foi no sentido de que virão para votação todas as matérias em votação final global que chegam à Mesa, mas que constam da agenda. Isto porque, senão, chegamos qualquer dia aqui e é-nos anunciado, à última hora, um rol de votações para o qual não estamos preparados.
Teria assim sido importante que hoje de manhã, ao elaborar-se a agenda, tivessem sido incluídas as votações finais globais que se efectuariam no dia de hoje.

O Sr. José Lello (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Lello (julgo que se irá pronunciar sobre a mesma matéria), gostaria de dizer que o que constitui prática da Câmara e que, aliás, ficou acordado em conferência de líderes, foi que poderiam ser votadas todas as matérias que, entretanto, chegassem à Mesa e estivessem em condições de ser votadas.
Sempre se tem colocado o problema deste modo. Aliás, julgo que neste caso tal vem escrito expressamente na súmula, sendo que, do boletim informativo extraído da súmula, consta a votação especificada do projecto de lei n.º 194/V, aditando-se que «serão votados outros diplomas que estejam em condições de subir ao Plenário para votação final global».
Tem sido, repito, esta a regra, estando tal indicado na informação produzida pelo Sr. Secretário Reinaldo Gomes na última conferência.
Entretanto, chegaram à Mesa, com parecer da comissão respectiva, para votação final global, as propostas que indiquei.

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Aquilo que foi discutido no dia, até à hora, é que muitas vezes se inclui ou não, conforme a natureza das questões. Porém, como todos os grupos e agrupamentos parlamentares estavam de acordo, adicionaram-se as duas propostas de resolução, porque, de acordo com as regras seguidas pela Câmara, tal nos parece um procedimento normal.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª permite-me uma explicação adicional?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, creio que o alcance do acordo feito na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares é, há algum tempo, o de que os agendamentos têm de ser sempre considerados na conferência de presidentes dos grupos parlamentares.
Ora, no que toca às votações finais globais, fez-se um acordo neste sentido: desde que estejam prontas, está dispensada a consideração em conferência. Contudo, Sr. Presidente, não se pode dispensar que seja incluída na agenda do dia, para que os deputados se possam orientar e saber antecipadamente que votações se vão realizar. É, portanto, este o sentido, o alcance do acordo feito em conferência - não pode ser outro -, já que, repito, não podemos estar a votar diplomas que, efectivamente, não constam da agenda. Aliás, tal só pode suceder se, atendendo à urgência da matéria, se formar um consenso especial para que se proceda dessa forma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fomos confrontados com o anúncio desta votação mesmo na altura em que nos preparávamos para votar. Achamos que este não é o procedimento mais curial, na medida em que, como o Sr. Presidente referiu, na agenda dos trabalhos apenas está uma nota de pé-de-página em que se diz que serão votados outros diplomas «que estejam em condições».
Portanto, na referida agenda não estão formalmente inseridos estes dois diplomas que o Sr. Presidente agora apresentou à votação final global.
Consideramos que não estamos em condições de proceder a esta votação pelas razões que já aqui foram aduzidas pelo Sr. Deputado Carlos Brito e, também, porque consideramos não ser este o procedimento mais curial para futuras votações porque os grupos parlamentares têm que estar preparados e os deputados ...
Como, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a minha observação não lhe era dirigida. Efectivamente, sucede que, devido ao ruído na Sala, a Mesa tem dificuldade em ouvir a sua interpelação. Portanto, tratou-se de uma manifestação de desagrado ...

O Orador: - Sr. Presidente, se não consegui suplantar o ruído que se ouve na Sala, apenas queria repetir-lhe que, pelas razões que já aduzi, não estamos em condições de proceder à votação das duas propostas de lei que V. Ex.ª anunciou.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso tem a palavra. Presumo que é para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - É, sim, Sr. Presidente.
Estou verdadeiramente surpreendido, porque, a juntar a outras, esta é mais uma forma de impedir o andamento dos trabalhos.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, a conferência de líderes tem competência própria e, ontem, foi claramente decidido que a proposta de lei n.º 17/V seria hoje posta à votação.
Neste momento, os partidos e respectivos grupos parlamentares não podem afirmar que o desconheciam.
Por outro lado, é da praxe, que já vem de legislaturas anteriores, que aqueles diplomas que estão em condições de serem votados ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas não o interrompi, portanto, deixe-me terminar.
Portanto, Sr. Presidente, para não demorar mais, direi apenas que todos os deputados sabiam que, hoje, a esta hora, seriam votados estes diplomas.
A Mesa já decidiu nesse sentido e estamos perante um expediente para se evitar a votação e para se impedir o bom andamento dos trabalhos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, era para fazer uma interpelação à Mesa a fim de tentar clarificar um pouco a matéria que está em debate.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, certamente terá presente o n.º 2 do artigo 155.º do Regimento, que, no que toca às votações finais globais, determina claramente que estas só se efectuarão na segunda reunião plenária posterior à publicação do respectivo texto no Diário da Assembleia da República ou após a distribuição, em folhas avulsas, do texto aprovado em Comissão.
Por consenso, foi aprovado que, quando os deputados e os grupos parlamentares tivessem oportunidade de saber, atempadamente, que as matérias iriam ser agendadas, poderíamos ultrapassar esta disposição regimental e proceder à votação final global.
Por outro lado, Sr. Presidente, compulsando a súmula da conferência de líderes, ontem realizada, não surge nenhuma referência a qualquer deliberação quanto ao agendamento das votações das duas propostas de lei agora anunciadas, contrariamente ao que aqui foi afirmado por membros da bancada do PSD. E tenho esta súmula na minha mão!
Efectivamente, há um projecto de lei do PSD cuja votação está inscrita na agenda e que não está em

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causa, pois os deputados conheciam-no. No entanto, há duas propostas de lei cuja votação final global a Mesa só anunciou às 19 horas e 30 minutos.
E, Sr. Presidente, das duas uma: ou o PSD quer legislar, impedindo que os grupos parlamentares tenham sequer conhecimento do que vai ser votado (risos do PSD) -e é importante ter este aspecto em consideração, Sr. Presidente- ou, então, cumpra-se o Regimento. E se o Regimento manda que decorram duas reuniões plenárias antes da votação final global ...
Ora, não é isso que estamos a pedir, mas sim que estas votações não sejam inscritas na sessão de hoje, por impossibilidade de se equacionar o voto em relação aos textos em causa.
Não quereríamos recorrer à invocação das disposições do Regimento e estamos certos de que o Sr. Presidente decidirá da melhor maneira, tendo em conta que estas são decisões consensuais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos agora encetar um longo debate sobre esta matéria; no entanto, gostaria de referir alguns pontos.
Uma das propostas de lei em questão foi referida na conferência de líderes de ontem.
O segundo ponto refere-se a uma nota na agenda em que se mencionam «outras matérias que estejam preparadas para votação final global», nota esta que já tem sido inserida noutras ocasiões.
Queria relembrar ao Sr. Deputado Jorge Lemos um facto que nós dois vivemos, para demonstrar que, na história desta Casa, o seu argumento não é assim tão exacto.
Efectivamente, no caso da Lei de Bases do Sistema Educativo, com toda a sua importância, a reunião da Comissão Parlamentar de Educação terminou às 6 horas da manhã e a respectiva votação final global teve lugar no dia seguinte, cerca das 10 horas, sem o conhecimento de alguns membros do grupo parlamentar em causa ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por consenso!

O Sr. Presidente: - ... porque a regra adoptada foi que no momento da votação estaria preparado quem tivesse podido estar (aplausos do PSD). De resto, é impossível que os partidos com assento nesta Câmara cujos representantes fazem parte das respectivas comissões não tenha votado de algum modo os diversos artigos que constituem estes diplomas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Em boa fé, tinha decidido que seriam estas as votações que se fariam e serão estas as votações que se farão, excepto se a Câmara impugnar a decisão do Presidente.

Aplausos do PSD.

Srs. Deputados, não vale a pena prolongarmos muito o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a questão é a seguinte: todos sabemos que, nos termos regimentais, os deputados podem sempre requerer o adiamento das votações, por uma sessão, mesmo que aquelas estejam já agendadas. Isto tem uma explicação. É que os deputados têm o direito elementar de procederem a votações com o pleno conhecimento intelectual da matéria em causa.

Risos do PSD.

A questão que aqui se passa, agora, é a seguinte: alguns grupos parlamentares que, conforme consta dos respectivos relatórios apensos aos articulados, obviamente participaram nas votações destes diplomas em sede de especialidade, por razões compreensíveis, poderão não ter apurado totalmente o seu sentido de voto quanto à votação final global.
E penso que bastava que esta questão elementar fosse suscitada por um único grupo parlamentar para que, em nome da jurisprudência das cautelas, a Mesa ponderasse essa solicitação e, nesse sentido, adiasse a votação final global, por uma sessão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados do PSD: Não está em causa qualquer tentativa de obstrução (risos do PSD) à continuação dos debates parlamentares. Porque, se os Srs. Deputados tivessem estado atentos, já teriam visto demonstrações de sobra do nosso espírito de cooperação, superando todas as limitações regimentais, quanto à disponibilidade de votação em matérias sobre as quais, apesar da nossa discordância de fundo, concordámos votar, tendo em vista, algumas vezes, a urgência da respectiva publicação. Portanto, sem prejuízo de posições de voto negativas, mais do que uma vez temos dado consenso - e dispor-nos-emos a dá-lo, certamente, no futuro- para que as votações se façam com prejuízo do cumprimento de algumas regras regimentais, desde que tal ocorra com o consenso dos vários grupos parlamentares.
Em síntese, Sr. Presidente, declaro-lhe que não interporemos recurso da decisão da Mesa porque, como acabámos de ver pelo tipo de reacção dos membros da bancada do PSD, esse recurso não viria a ser votado favoravelmente.

Protestos do PSD.

Mas, uma vez que não há consenso manifesto dos grupos parlamentares, fazemos um apelo muito sincero ao Sr. Presidente e à Mesa no sentido de não pôr à votação final global as propostas de lei que não estavam agendadas para hoje.
É esta a questão que, em termos de lealdade parlamentar, pomos ao Sr. Presidente e à Câmara. E penso que qualquer espírito de boa fé daqui concluirá que não há nenhum propósito de obstrução dos trabalhos parlamentares.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados Jorge Lemos e Carlos Brito, queria informar o Srs. Deputados que deu entrada na Mesa e está a ser distribuído um requerimento pedindo o prolongamento dos nossos trabalhos para além das 20 horas.
A seguir à votação deste requerimento, convoco os representantes dos grupos parlamentares para uma breve conferência de líderes no meu gabinete.
Srs. Deputados, vamos, pois, proceder à leitura do requerimento apresentado por deputados do PSD.

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Foi lido. É o seguinte:

Requerimento

Nos termos regimentais, os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento dos trabalhos até à conclusão do debate sobre o projecto de lei n.º 1727V - lei sobre a investigação e desenvolvimento tecnológico.

Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Peço aos Srs. Deputados o favor de não abandonarem a Sala e aos líderes dos grupos e agrupamentos parlamentares o favor de se reunirem imediatamente comigo no meu gabinete.

Pausa.

Srs. Deputados, tem sido prática na Assembleia da República votarem-se, em votação final global, matérias que foram preparadas para serem votadas e que, em devido tempo, tenham dado entrada na Mesa. Foi nesse espírito que anunciei a votação do conjunto de diplomas que estavam preparados para serem votados.
Surgiram, no entanto, por parte de alguns grupos parlamentares, devido à maior complexidade dos problemas relativos às propostas de lei n.ºs 13/V e 17/V, algumas dúvidas - que considero legítimas - sobre o estado de preparação dos grupos parlamentares para votarem esses diplomas. Ora, a transparência dos processos poderá levar a um arrastamento das votações das propostas de lei para uma hora muito tardia para que os grupos parlamentares possam examinar completamente a matéria desses diplomas.
Tendo em conta as trocas de impressão havidas com os diferentes líderes dos grupos parlamentares, a análise da situação, a facilidade do processo legislativo e as posições tomadas por cada grupo parlamentar e ainda a posição da Mesa, a Mesa decide pôr hoje à votação o projecto de lei n.º 194/V e os projectos de deliberação n.ºs 12/V e 13/V e diferir para a sessão de amanhã, às 12 horas, a votação das propostas de lei n.ºs 13/V e 17/V.
Vamos votar, em votação final global, o projecto de lei n.º 194/V - alterações ao artigo 106.º da Lei n.º 38/87, de 23 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra o projecto de lei n.º 194/V, subscrito por deputados do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata, pelo seguinte conjunto de razões:
Primeira, na medida em que não evita que um futuro e sempre previsível aumento do valor das alçadas volte a criar a situação suscitada pela entrada em vigor do artigo 106.º da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, comporta uma solução a prazo, não sendo de fácil entendimento que os proponentes não tenham sentido a necessidade de a converter numa solução definitiva e alicerçada em razões válidas da dogmática jurídica. Acresce que, a ser considerado inconstitucional o referido artigo 106.º, inconstitucional continuará a ser na sua projecção no futuro.
Segunda, na medida em que não cuida evitar os efeitos já produzidos no passado, ou seja, a preclusão do direito de recurso, direito existente no momento em que as partes tomaram a decisão de litigar, o projecto mantém intacta a injustiça do texto inicial, e nessa medida a inconstitucionalidade - supondo que exista - do referido artigo 106.º, na sua projecção sobre o passado.
Terceira, o artigo 1.º do projecto de lei em apreço não resolve, antes cria, o problema dos prazos para recurso que decorram na data da entrada em vigor do novo diploma, ou seja, da sua fatal redução em duração correspondente à parte já decorrida dos prazos legais, para cada tipo de recurso.
Justificava-se, assim, uma norma transitória que evitasse esse resultado, fixando novo início da contagem desses prazos, como constava do projecto apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Resumindo: uma solução, apesar de inteligível, na actual versão - o que não acontecia com o projecto originário - continua a apresentar-se como limitada, coxa, divorciada de realidades que o legislador não podia razoavelmente deixar de contemplar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Coelho dos Santos.

O Sr. Coelho dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quisemos com esta lei dar acolhimento às expectativas criadas por uma tradição processual de dezenas de anos.
Mantivemos intocados os casos julgados entretanto formados, não por razões de inconstitucionalidade mas porque o direito carece, na medida do possível, de traves mestras que constituam certezas para todos nós.
Julgamos que esta lei será útil a todos os que se movem na esfera dos tribunais, já que todas as acções pendentes à data da entrada em vigor da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais continuam a gozar dos mesmos direitos de recurso que antes da vigência desta Lei Orgânica.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamentamos profundamente ter tido que votar contra esta iniciativa legislativa. Ela resulta de um esforço de correcção daquilo que foi uma injustiça, reconhecida pela bancada do PSD. No entanto, o esforço de correcção foi surdo às tentativas, que, pela nossa parte, multiplicámos, de considerar soluções que permitissem ultrapassar aquele que era o vício fundamental da lei aprovada aqui, já nessa altura contra as nossas advertências.
Consideramos particularmente importante que tenha sido possível levar à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a voz daque-

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lês que pensam que esta lei não é só inconstitucional como é extremamente injusta e que essa voz tenha, desapaixonadamente, podido exprimir argumentos que, infelizmente, não obtiveram provimento.
Ouvimos, digo eu, os representantes da Ordem dos Advogados que se nos tinham dirigido e que pugnaram por uma solução a que o PSD foi inteiramente indiferente.
A solução que acabou de ser aprovada é, ela própria, uma correcção coxa, como aqui muito bem foi dito, de um dispositivo injusto e inconstitucional.
Aquilo que acabou por prevalecer foi a tutela das expectativas - aliás, pouco legítimas - criadas por uma lei inconstitucional e injusta, expectativas essas traduzidas nuns quantos casos julgados - e não somos capazes de avaliar quantos são e, sobretudo, o que nos inquieta particularmente, quais sejam.
O que quer dizer que penderá sobre esta lei uma outra suspeição que é inteiramente nefasta para o prestígio das instituições democráticas: a de não ser uma lei geral e abstracta, mas antes uma lei que vem resolver e dar tutela a um conjunto de interesses, os quais não são, seguramente, confessáveis.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não compreendemos que, numa matéria deste tipo, se tenham agitado argumentos como o do respeito pelo caso julgado nos termos em que isso ocorreu. Não só ele não tem entre nós o estatuto constitucional que vem pressuposto, como haveria de opor às expectativas criadas essas outras muito superiores, muito mais volumosas e, seguramente, mais dignas de tutela que se geraram por parte daqueles que esperavam que a solução anterior ao artigo 106.º fosse acatada e aplicada até ao desfecho normal dos processos encetados.
O PSD está, verdadeiramente, a travar uma luta contra o direito ao recurso. E esse direito ao recurso, que é um direito constitucional eminente, ao ser diminuído e atacado desta forma, vai dar um determinado resultado. Esse resultado pode ser o de descongestionar certos tribunais superiores, mas o preço que será pago em conflitualidade adicional e o preço que será pago em injustiça e, em certo caso, em injustiça desprestigiante para a Assembleia da República será extremamente caro, não só para a bancada do PSD, como em termos de imagem pública da própria Assembleia.
O recurso, que é visto como um direito de luxo, passa agora a ser um direito negado para milhares de casos, em nome de algo que talvez um dia se venha a saber.
Lamentamos profundamente que isso tenha ocorrido apesar de todos os esforços que desencadeámos em sentido contrário até ao último dos últimos minutos, e com isto invoco o que aconteceu na última reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Aplausos do PCP e de Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Votámos contra este projecto de lei, mas também não queremos deixar de aproveitar a oportunidade da declaração de voto para expressamente reconhecer o mérito da iniciativa.
Só temos a lamentar que se tenha tratado apenas, ao fim e ao cabo, de uma meia correcção, ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Meia?

O Orador: - ... de uma meia solução para o problema que existia. Continua a ameaça para o futuro de uma norma injusta e continua também a pender sobre todo um grande número de casos no passado uma solução injusta. É isso que diminuirá aos olhos do povo português o papel e a capacidade de correcção deste Parlamento que, no entanto, esteve iminente com a iniciativa que começou e que se desencadeou, mas que acabou por ter um desfecho com o qual não podemos concordar.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao publicar a Lei Orgânica dos Tribunais e ao estabelecer a imediata entrada em vigor da disposição respeitante às alçadas, o Governo começou por cometer um acto grave - que é o da brutal elevação das alçadas. Por outro lado, cometeu uma ilegalidade e uma inconstitucionalidade ao estabelecer que essa disposição se aplicava imediatamente a todos os processos pendentes. Desta forma, foram iludidas e violadas as legítimas expectativas daqueles que tinham acções propostas na segura convicção de que tinham direito a delas recorrer.
A presente iniciativa legislativa do PSD, evidenciando que se trata, na verdade, de remediar algo do grave mal cometido na Lei Orgânica dos Tribunais pelo Governo, não deixa, contudo, de ser uma providência restrita que não corresponde àquilo que era desejável. Isto é, deixa para trás todos os casos de direito a recurso anteriormente à publicação do presente projecto de lei, que continuam sem ter recurso, muito embora na data de propositura das respectivas acções a ele tivessem direito.
De resto, a questão da inconstitucionalidade deste artigo - aliás já requerida - virá demonstrar que efectivamente se trata de uma grave e frontosa disposição do próprio sistema constitucional.
Por isso, não podemos votar favoravelmente um projecto de lei que, na realidade, não vem colmatar uma das graves deficiências que a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais veio provocar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de deliberação n.º 127V - sobre a constituição de uma comissão eventual para a cooperação parlamentar entre Portugal e o Brasil.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de deliberação n.º 13/V - sobre a constituição de uma comissão eventual para o contacto com as Cortes Espanholas.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

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Srs. Deputados, são 20 horas e 40 minutos e ainda temos a discussão de dois diplomas; portanto, parece mais prudente fazer agora o intervalo para jantar e retomar os trabalhos às 22 horas.
Está, pois, suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 30 minutos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que não está, sequer, reunido o quorum de funcionamento. Como não está presente o CDS, penso que podíamos aguardar mais uns minutos. Estou a tentar junto da minha bancada para que venham mais colegas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, combinámos que podia não estar um grupo parlamentar; no entanto, sou sensível ao seu pedido. Portanto, aguardemos um pouco para chamar os colegas.

Pausa.

A pedido de uma bancada, vai ser lido o relatório da Subcomissão Permanente de Ciência e Tecnologia.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - O relatório da Subcomissão Permanente de Ciência e Tecnologia é do seguinte teor:

Relatório Análise dos projectos de lei n.º 172/V e n.º 199/V

A Subcomissão Parlamentar para a Ciência e Tecnologia foi convocada pelo seu presidente para a análise do projecto de lei n.º 172/V (lei sobre a investigação e o desenvolvimento tecnológico), apresentado pelo Grupo Parlamentar do PSD, e do projecto de lei n.º 199/V (lei de enquadramento da promoção da investigação científica e tecnológica), apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS.
Do debate travado e das intervenções efectuadas pelos diferentes membros da Subcomissão foi possível extrair as seguintes conclusões:
O progresso e a modernização de um país estão intimamente ligados ao seu desenvolvimento científico e tecnológico.
Daí a importância das actividades da ciência e da tecnologia nas sociedades modernas, como vectores fundamentais da melhoria da qualidade de vida dos cidadãos, do progresso das actividades económicas e da modernização.
Ao Estado, em colaboração com o sector privado, cabe uma missão insubstituível na criação dos meios de apoio às actividades de investigação científica e de desenvolvimento tecnológico, assim como, de uma forma geral, à instalação de um clima favorável que as incentive e estimule.
Impõe-se, hoje, de maneira particularmente premente, reafirmar a prioridade destas actividades, acompanhando-as do estabelecimento dos necessários instrumentos à sua materialização prática.
Este imperativo prende-se em larga medida com a importância da evolução tecnológica dos nossos dias e com os seus poderosos impactes, nomeadamente económicos e sociais.
Acresce que a adesão de Portugal à CEE, espaço que dispõe de uma estratégia própria norteada por objectivos de afirmação, por um lado, e de integração económica, por outro, veio abrir novos horizontes, mas também acrescidas responsabilidades.
Torna-se pois urgente clarificar as grandes opções de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais e proceder às reorganizações institucionais e redefinições funcionais capazes de favorecer o aproveitamento de todas as nossas capacidades.
Tudo isto, quer em termos da contribuição para o reforço do potencial científico e tecnológico nacional, quer em termos de aplicação económica dos resultados da investigação comunitária.
Portugal dispõe de um número significativo de investigadores que, nos laboratórios do Estado, nas universidades, em centros mistos resultantes da associação dos sectores público, universitário e privado e ainda em empresas privadas, têm vindo a dar um importante contributo para o reforço da autonomia tecnológica nacional.
Importa apoiar este esforço e sobretudo perspectivar a sua integração numa estratégia nacional de desenvolvimento e de modernização.
Importa igualmente dotar de forma progressiva as actividades com os necessários meios financeiros, fundamentais para assegurar condições mínimas de trabalho e para viabilizar o arranque de projectos de relevância nacional.
Importa finalmente incentivar a cooperação entre o Estado, as universidades e demais centros com os sectores produtivos, instituindo para o efeito os mecanismos necessários, na convicção de que se trata do melhor processo de dinamizar a inovação, de permitir o aproveitamento útil dos recursos nacionais e ainda de viabilizar as tarefas de reforço das capacidades tecnológicas e produtivas existentes no País.
O apoio às actividades e àqueles que a elas consagram o melhor da sua capacidade profissional passa não só pela concretização dos grandes princípios atrás enunciados, mas também por um conjunto de definições estratégicas directamente ligados aos meios financeiros e à valorização dos recursos humanos.
Torna-se por isso imperioso, sem esquecer a situação global do País, mas pensando no melhor futuro para este, fixar objectivos realistas quanto às despesas em investigação científica e tecnológica, aproximando-as progressivamente dos níveis comunitários, e ainda promover acções concertadas e continuadas de estímulo e motivação aos profissionais, melhorando o respectivo estatuto e beneficiando as condições de trabalho.
A definição de uma política científica e tecnológica constitui igualmente a base necessária a uma política externa no mesmo domínio, com incidência tanto na participação governamental nos órgãos de decisão das organizações internacionais competentes, como na participação das instituições de investigação ou das empresas em projectos de

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cooperação internacional, permitindo, designadamente, valorizar a contribuição portuguesa na medida da sua relevância para a realização dos objectivos de política nacional de investigação e desenvolvimento.
Finalmente, considera-se determinante a necessidade de proceder à avaliação sistemática dos resultados obtidos com a política nacional e respectivo enquadramento no desenvolvimento do País, em ordem a permitir conhecer a evolução verificada e a introduzir correcções, quando tal se mostrar conveniente.
O representante do Partido Socialista afirmou o propósito do respectivo Grupo Parlamentar em apresentar uma proposta de eliminação do artigo 3.º do projecto de lei n.º 199/V e uma outra de emenda do artigo 20.º do mesmo projecto, substituindo o prazo de 15 de Setembro de 1987 por 15 de Setembro de 1988.
Nestes termos, entende a Subcomissão Parlamentar para a Ciência e Tecnologia que os projectos de lei n.ºs 172/V e 199/V, abordando a problemática enunciada e preconizando soluções que demonstram significativa convergência de propósitos, estão em condições de ser apreciados em sessão plenária, reservando os grupos parlamentares para essa altura a sua posição definitiva.

Palácio de São Bento, 8 de Março de 1988. - O Presidente da Comissão, Fernando Conceição. - O Relator, Raul Bordalo Junqueira.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que já estão reunidas as condições de quorum mas, ainda assim, faria uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a Mesa tem alguma informação sobre a participação ou não do Governo ao presente debate?
Sr. Presidente, faço esta pergunta por uma razão: na passada legislatura - como sabe - discutiram-se diplomas com os mesmos objectivos. Na altura, e creio que foi de positivo para a Assembleia da República, o Sr. Secretário de Estado da Investigação Científica esteve presente e participou no debate. Por isso, pergunto à Mesa se tem alguma informação sobre as intenções do Governo de participar ou não no debate. Depois tirarei as necessárias ilações políticas da presença do Governo no debate.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há cerca de quinze dias, houve uma situação análoga à de hoje e o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares veio ao Parlamento e colocou uma posição sobre aquele caso.
Neste momento, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares tem conhecimento da existência deste debate e a Mesa não tem informações adicionais a dar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Sr. Ministro está a seguir o debate pelos circuitos internos!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para uma interpelação.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Registo a informação do Sr. Presidente, mas creio que seria importante que, pelo menos, ficasse registada na acta o seguinte: que o Governo tem dois pesos e duas medidas. Quando sente que há projectos de lei que a sua maioria, eventualmente, não estará em condições de defender - como se tratou com o projecto de lei sobre a instalação de antenas, apresentado pelos nossos colegas do Partido Socialista -, ...

O Sr. Presidente: - Oh, Sr. Deputado ...!

O Orador: - ... o Governo faz-se representar e intervém activamente no debate. Em situações como esta, que são situações de interesse para o País, o Governo ignora a Assembleia da República. É significativo, Sr. Presidente!

Protestos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Já está dito!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tinha interpelado a Mesa. Dei-lhe a resposta, não se justifica qualquer comentário adicional.

O Sr. Deputado Fernandes Marques pede a palavra para que efeito?

O Sr. Fernandes Marques (PSD): - É para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria registar que esta reunião já deveria ter começado e creio que já perdemos algum tempo, devido à ausência de deputados do Partido Comunista. Esta era a primeira coisa que queria que ficasse registada na acta.

Protestos do PCP.

Em segundo lugar, era para perguntar à Mesa se entende que esta pseudo-interpelação do Sr. Deputado Jorge Lemos se insere na figura regimental da interpelação ou se é uma utilização abusiva dessa figura.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Foi feita à Mesa uma pergunta e julgo que a maneira como a Mesa reagiu tem implícita a resposta.
O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para o exercício do direito de defesa, visto que o meu nome foi focado.

Protestos do PSD.

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Srs. Deputados do PSD, começaria por vos sugerir alguma calma, porque já reparei que as sessões nocturnas após o jantar vos perturbam, mas o problema não é nosso, é vosso! Os senhores é que têm indicações da vossa direcção política para que nos obriguem a trabalhar à noite.

Protestos do PSD.

Portanto, se não estão em condições de trabalhar depois do jantar, o problema não é nosso, é vosso e tomem as medidas necessárias junto dos vossos deputados.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para defesa da honra e agradeço-lhe que a use para esse efeito.

O Orador: - Sr. Presidente, foi aqui referido que era por culpa do Partido Comunista Português que não havia quorum para que se iniciasse a sessão. É falso, Sr. Presidente! Os deputados do PCP estiveram presentes à hora regimental, a maioria tem 148 deputados e são necessários 50 deputados para que haja quorum de funcionamento. Portanto, se alguém é responsável pelo atraso na abertura dos trabalhos, não é certamente uma bancada da oposição.
Ainda uma segunda questão, Sr. Presidente: penso que é absolutamente legítimo que, sendo o Governo um agente parlamentar, as bancadas da oposição questionem a Mesa sobre a participação ou não do Governo nos debates, uma vez que o Governo tem por norma estar presente na Assembleia da República e é muito estranho que numa matéria de importância tão relevante para o País, como é a matéria de investigação científica e do desenvolvimento tecnológico, o Governo não se faça sequer representar pelo Ministro responsável pelos contactos com o Parlamento. É esta a noção e é isto que queremos que fique registado em acta.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Fernandes Marques.

O Sr. Fernandes Marques (PSD): - Sr. Presidente, acho que aquilo que afirmei é objectivo e não necessita de mais explicações.
Aquilo que perguntei - e tive de referir-me naturalmente ao Sr. Deputado Jorge Lemos com toda a educação, porque foi ele que fez essa pseudo-interpelação à Mesa - foi para afirmar claramente que esta utilização de figura regimental da interpelação foi abusiva e isto é o mais objectivo possível, portanto, mais do que isto não posso explicar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Belém.

O Sr. João Belém (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passando o País por profundas alterações económicas e sociais, nomeadamente as resultantes da sua entrada na CEE, a existência de uma inteligência científico-tecnológica e empresarial, competente e competitiva, é essencial para assegurar um desenvolvimento económico e um progresso social de base sólida.
Ora, Portugal dispõe de número significativo de investigadores que, quer em laboratórios e institutos nacionais de investigação e desenvolvimento tecnológico, quer em empresas públicas e privadas, com ou sem fins lucrativos, têm vindo a dar um importante contributo para o reforço da autonomia tecnológica nacional.
Caminha-se assim para que o País actue em favor da ciência e da tecnologia, utilizando métodos e atitudes científicos no seu desenvolvimento e concretização.
Considera-se, por isso, como condição sine qua non do desenvolvimento atrás referido a modernização e o esforço que se venha a fazer nos próximos anos nos sectores da educação e investigação científica. Está isto em sintonia com o Programa do Governo do Professor Cavaco Silva, que indica como seus objectivos essenciais no domínio da ciência e tecnologia, o aproveitamento e valorização do conjunto dos recursos nacionais de todos os tipos, a promoção da inovação e a contribuição nacional para a expansão do saber.
No sentido da concretização de tais objectivos convém referir, por exemplo, o reforço das verbas atribuídas à JNICT, que, apesar das constrições a que a despesa pública tem de ser submetida, aumentou mais de 31 vezes de 1985 para 1988 e que a despesa pública em investigação e desenvolvimento quase que triplicou a preços correntes no mesmo período de tempo. Por outro lado, a preços constantes e admitindo que em 1988 a relação entre valores iniciais e finais se manterá igual à de 1987, verifica-se que a despesa pública será multiplicada relativamente a 1985 por um factor muito próximo de 2,3.
Neste sentido, o projecto de lei do PSD contém medidas que considera essenciais e prioritárias para o desenvolvimento científico-tecnológico, e que podem levar a reforço da regionalização que vise uma melhor homogeneização dos recursos que possam contribuir para eliminar todos os desequilíbrios de desenvolvimento regional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Considerando que uma adequada educação científica é o ponto de partida de qualquer tentativa para atingir um nível de conhecimento que permita ir ao encontro das necessidades mais prementes, ao projecto do PSD não foram alheias as reformas introduzidas nas universidades, nomeadamente as referentes aos graus de doutoramento e mestrado, por atribuir particular importância ao incremento da investigação fundamental nos estabelecimentos de ensino superior através do apoio aos programas de investigação, à intensificação da formação de investigadores e ao reapetrechamento de laboratórios e outros centros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aposta-se também numa política de captação de jovens licenciados para a investigação científica, admitindo-os como bolseiros sem vínculo ao Estado, em dedicação exclusiva, em complemento da via tradicional do recrutamento de assistentes para o ensino superior e para os laboratórios do Estado, como forma de facilitar a mobilidade, e desse modo, a difusão da ciência e tecnologia no tecido social e económico.
Sentindo a importância que o domínio da tecnologia tem para o nosso país, pois ela constitui o verdadeiro motor do bem-estar e progresso das sociedades

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modernas, o projecto do PSD estabelece uma lei quadro que contempla grandes linhas de orientação no domínio da investigação e desenvolvimento tecnológico, passando por estabelecer orientações quanto à sua despesa, levantamento dos recursos materiais, humanos e financeiros existentes, programar a articulação entre as diversas unidades de investigação, avaliar sistematicamente os resultados obtidos, coordenar e fomentar a cooperação internacional, favorecer a mobilidade do pessoal investigador e promover a difusão da cultura científica e técnica.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, para que se consigam resultados, é necessário investir. Desta situação resulta que se proponha como meta que os encargos da despesa nacional pública e privada de investigação científica e desenvolvimento tecnológico atinja, no prazo de dez anos, 2,5 % do PIB, o que nos deve aproximar razoavelmente de países mais avançados da Comunidade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Parece, pois, estar ao nosso alcance vermos atribuído ao sector da ciência e tecnologia um montante correspondente a 1 % do nosso produto interno bruto em 1990, colocando-nos assim no limiar do espectro onde se situam os países desenvolvidos que tomam as coisas da investigação científica a sério.
Lembra-se que os Estados Unidos atingiram o nível de 1 % do PIB para o orçamento da ciência e tecnologia em 1950 e que a percentagem média relativa aos países da Comunidade Europeia é actualmente de 1,8 %. Para que alcancemos aquela meta em 1990 muito ajudará que consigamos progressos visíveis em 1988 e 1989 quanto ao resultado dos projectos como quanto à própria forma de apresentação e organização dos meios para os realizar.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: A ciência e tecnologia desempenham hoje em dia um papel muito importante na maioria dos aspectos da nossa vida. Quase todos os temas de política pública têm implicações científico-tecnológicas, pois todos os que têm que tomar decisões, quer sejam parlamentares, funcionários públicos, dirigentes de comércio ou indústria, ou eleitores numa sociedade democrática, necessitam de compreender as bases científicas das suas decisões.
Todos necessitamos de ter alguma compreensão da ciência, das suas realizações e limitações pois aumentar esta compreensão não é um luxo, é, pelo contrário, um investimento vital para o futuro bem-estar da nossa sociedade.

Aplausos do PSD.

Conseguir um aumento substancial de compreensão da ciência pelo público depende, especialmente, de a própria comunidade científica reconhecer as suas responsabilidades para com o mesmo.
Deve, pois, requerer-se que o sistema educativo e os meios de comunicação social assumam o desafio de apresentar a ciência ao público de uma forma mais geral e que sejam fornecidos meios adequados por parte daqueles que têm o poder para o fazer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tem, pois, o Grupo Parlamentar do PSD a convicção de que o projecto de lei apresentado dá a resposta conveniente aos nossos objectivos de apoiar o desenvolvimento e modernização do País, através do reforço da inovação científico-tecnológica, matéria sobre a qual o Governo e o Partido Social--Democrata têm vindo a produzir claras manifestações de vontade política de realizar reformas e melhorar a situação actual, como prova o recente aumento de cerca de 15 %, relativamente ao ano passado, da verba para a investigação científica aprovado no Orçamento do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Podemos, pois, ter a certeza de que uma lei que proclame a investigação e o desenvolvimento tecnológico como prioridades nacionais terá, certamente, efeitos benéficos sobre o crescimento do sistema científico-tecnológico, sobre o seu planeamento, expansão e formação e aproveitamento óptimo.
Neste sentido há pois, por isso, que transpor a ideia da constituição de redes para o campo institucional fora das universidades e dos laboratórios. É, salienta-se mais uma vez, com este fito que estamos empenhados na formação de uma instituição capaz de corresponder à preocupação expressa no Programa do XI Governo de «procurar interessar no processo da inovação as instituições financeiras, as empresas de capital de risco, bem como os grandes utilizadores nacionais susceptíveis de garantir um primeiro mercado capaz de servir de apoio à conquista dos mercados internacionais, e nomeadamente, do mercado comunitário.»

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, gostaria apenas de fazer um pequeno reparo.
O debate que aqui hoje estamos a travar tem uma importância que certamente nenhum de nós deixaria de realçar. No entanto, considero que esta não é a melhor ocasião, nem a melhor composição do Parlamento, para o fazer.
Gostaria de fazer aqui um reparo em relação a isto, uma vez que já foi feito um reparo em relação à ausência do Governo, mas coíbo-me de fazer, agora, qualquer comentário.

Protestos do PSD.

Vozes do PSD: - Na bancada do PCP só estão oito deputados!

O Orador: - Em relação à intervenção do Sr. Deputado João Belém, gostaria apenas de lhe fazer uma pergunta que, segundo creio, tem algum significado para a matéria que estamos a apreciar.
Penso que é de extremo significado a discussão e a preocupação em relação à ampliação e a uma adequada ponderação da actividade de investigação científica no nosso país, pois dela dependeria, certamente, o desenvolvimento económico e social do País, e também a sua vertente autónoma e de capacidade própria de realização do conhecimento português.

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Creio que um aspecto relevante desta matéria é, sem dúvida, a forma de captação de novos conhecimentos e, em particular, de jovens investigadores para a intervenção neste domínio.
A dado momento da sua intervenção o Sr. Deputado referiu que, através do projecto de lei do PSD, se procura a captação de jovens bolseiros investigadores para exercerem de forma integral, segundo creio, a actividade da investigação científica nos laboratórios do Estado e noutros departamentos de investigação. Com efeito, Sr. Deputado, percorrendo de uma ponta à outra o projecto de lei do PSD não me é perceptível onde figura qualquer disposição nesse sentido. Acrescento desde já que o meu grupo parlamentar acaba de apresentar na Mesa um conjunto de propostas de alteração aos projectos de lei em apreço onde é feita, de facto, uma referência directa e clara em relação à participação dos jovens investigadores no sistema científico e tecnológico nacional.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado onde e em que parte do projecto de lei do PSD se vislumbra e é visível essa preocupação, pois, pela nossa parte, é uma preocupação fundamental hoje. Preocupamo-nos, acima de tudo, com um sistema que de forma inacreditável e incrível actua para com os jovens investigadores como o que hoje se verifica nos laboratórios do Estado, onde centenas de jovens estão num regime completamente periclitante de vínculo para com o laboratório do Estado. São centenas aqueles que se mantêm numa situação de tarefeiros, em regime de prestação de serviços, e regime de bolsas, mais ou menos incompreensíveis em algumas circunstâncias, e que não são devidamente integrados e valorizados no trabalho que desenvolvem nos laboratórios nacionais.
Em relação a esta matéria, que é importante, gostaria que o Sr. Deputado exprimisse alguns esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Deputado João Belém, gostaria, em primeiro lugar, tal como fizeram com a minha estreia, de lhe dar os meus parabéns pela sua estreia naquela tribuna e, principalmente, de lhe dar os parabéns por fazer a sua estreia numa matéria tão importante como a que estamos a tratar.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS e do PCP.

Em segundo lugar, gostaria também de congratular a bancada do PSD, em particular os deputados que de alguma forma tiveram um papel na elaboração do projecto de lei que é agora apresentado, na medida em que pensamos que ele é substancialmente melhor do que aquele que foi apresentado na anterior legislatura.
Penso que convém referir que essa melhoria se deve em parte à adopção, por parte da bancada do PSD, de algumas propostas de alteração que o nosso partido apresentou na anterior legislatura e que foram levadas em conta.
Pensamos que esta é das tais situações em que se nota, e é perfeitamente relevante, quão importante pode ser o diálogo saudável entre os partidos da Assembleia para se conseguirem soluções optimizadas. É um exemplo a seguir!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Em relação a esta matéria, estamos todos de parabéns e, em última análise, está de parabéns o País, porque pode beneficiar de uma lei quase perfeita. E digo quase perfeita na medida em que, na verdade, considero que existem algumas lacunas no projecto de lei do PSD que foi apresentado pelo Sr. Deputado João Belém e é precisamente em relação a elas que gostaria de colocar três questões.
A primeira questão diz respeito à definição de metas, em termos de taxas médias do crescimento anual das dotações orçamentais que serão canalizadas para a investigação e desenvolvimento.
O Sr. Deputado não pensa que seria importante que, para além de serem fixadas as metas em termos de médio prazo, ou seja, a contribuição do PIB para a investigação científica, seria também interessante postular, a nível de prazo anual, as dotações orçamentais, tanto para o pessoal investigador como das próprias dotações orçamentais?
Em segundo lugar, verifico que existe outra lacuna no projecto de lei do PSD e que se refere à contribuição da Assembleia da República e do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia para definir e avaliar todas as políticas estatais referentes à investigação científica. Esta questão não está consagrada no projecto de lei do PSD e gostaria de saber em que termos é que o PSD pensa colocar o papel destas duas instituições, que reputo de importantíssimas, para contribuírem na definição e avaliação das políticas.
Em último lugar, parece que há uma outra lacuna que se refere ao próprio papel dos investigadores na definição das políticas e na avaliação dos projectos anuais e nos planos plurianuais e, portanto, do contributo que o homem investigador pode dar para a definição e avaliação dessas políticas.
É em relação a estes três aspectos, que penso que são lacunares e que, portanto, não estão consagrados no projecto do PRD, que gostaria que o PSD desse a sua opinião.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado João Belém, creio que todos estamos de acordo quanto à importância da matéria que está em discussão.
Não será por certo estranho para o Sr. Deputado que consideremos bastante arrojada a meta de 2,5% do PIB para investigação científica a dez anos, que o PSD propõe no projecto de lei.
Gostaria, ainda assim, de lhe colocar algumas questões quanto à concretização dessa vossa meta e acrescento desde já que estamos dispostos a votá-la. Mas, se compararmos o que se tem passado em termos de investimento em investigação científica, verificamos que, depois de o vosso projecto ter sido apresentado - e já lá vais mais de um ano -, não se inverteu a tendência essencial do desinvestimento na investigação científica. Por exemplo, com dados de 1978 e em termos do PIB, o investimento em investigação científica e desenvolvimento tecnológico não ultrapassou os 0,45%, lembro-lhe que em 1984 estávamos em 0,40% e em dez anos os senhores propõem 2,5%. Pergunto: como, se não alterarem o essencial, ou seja, a política que vêm desenvolvendo?

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Sr. Deputado, peco-lhe dados concretos! É fácil uma lei quadro dizer que em dez anos se atingiu esta meta, mas os senhores não falam sobre recursos humanos, em esforços anuais, em planos, naquilo que tem que ser desenvolvido por cada plano trienal. Os senhores ignoram completamente esses aspectos.
Na primeira discussão deste projecto - que agora está melhorado - dissemos que ele era emblemático, e continua a ser!

Vozes do PSD: - Ah!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito obrigado!

O Orador: - Mas a intenção é uma coisa e a vossa acção política é outra!
Sr. Deputado João Belém, a segunda questão que gostaria de lhe colocar prende-se com a ideia de que esta lei é uma lei de orientação - e estamos de acordo. Mas, se o é para determinadas matérias, não o é para outras, pelo seguinte: quanto ao investimento e quanto aos recursos humanos, já vimos quanto peca o vosso projecto de lei.
Por outro lado, em determinados aspectos muito específicos os senhores têm o cuidado de prever ao milímetro ...

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - É o rigor!

O Orador: - ... aspectos meramente regulamentares. No entanto, no caso dos contratos os senhores não definem sequer o que são contratos de investigação científica e era bom que o Sr. Deputado o fizesse. O que é que pretendem quando no artigo 12.º do vosso projecto de lei falam em contratos? Que tipo de contratos? São os contratos de prestação de serviços? São os contratos de desenvolvimento? Que tipo de contratos são?
E quando falam na mobilidade? Devo dizer que a mobilidade não resolve o problema da criação de emprego na investigação científica. Pelo contrário, pode vir a destruir, isso sim, inúmeros postos de trabalho e inúmeras equipas que estão a funcionar.
São aspectos que os senhores têm que clarificar em termos de generalidade e de especialidade quando for caso disso.
A terceira questão é a seguinte: o Sr. Deputado João Belém não nos respondeu, na sua intervenção, a algo que já foi aqui amplamente debatido: o ponto como o PSD encara todo o processo de participação do Governo na definição da política de investigação científica e desenvolvimento tecnológico.
Para o PSD há uma entidade única que intervém: o Governo. O Governo define, o Governo apresenta, o Governo estipula, o Governo marca as metas e a Assembleia apenas se limita a aprovar este projecto de lei, apresentado pelo PSD que - diga-se em boa verdade - é muito fraquinho.

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Então há bocado dizia bem e agora ...!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado João Belém, qual é a sua ideia quanto à participação da comunidade científica em relação ao processo de discussão dos projectos de lei apresentados? Estão os senhores dispostos, por exemplo, a que entre o debate na generalidade e a aprovação em Plenário deste projecto de lei se realize um amplo debate público sobre os projectos apresentados e as propostas de alteração? E, para além disso, qual o papel que reservam ou que pensam poder reservar à comunidade científica e às entidades directa ou indirectamente relacionadas com esta matéria, quanto à intervenção em concreto?
Seria bom que o Sr. Deputado João Belém pudesse clarificar estes pontos de vista, sob pena de continuarmos a ter intervenções emblemáticas, o que é mau, na Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Junqueiro.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Deputado João Belém, começo por referir que, em nossa opinião, o projecto de lei n.º 172/V, apresentado pelo PSD, é um contributo importante para o estabelecimento de um amplo consenso sobre a política de ciência e tecnologia no nosso país e para os estímulos que devem ser dados, nomeadamente, às actividades de investigação e desenvolvimento tecnológico.
Creio que o projecto de lei é uma tentativa séria de consenso entre, nomeadamente, os projectos de lei que o PSD e o PS apresentaram na anterior legislatura e, igualmente, os diplomas que então o PRD apresentou.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Penso, portanto, que é uma tentativa séria e importante e creio que, aquando da discussão na especialidade deste projecto de lei, seremos capazes de ir ainda mais além.
Faço esta referência porque, numa matéria tão importante - e desejaria que isso acontecesse com outros -, é fundamental que se estabeleçam no País consensos o mais alargados e duráveis possíveis.
Vou, no entanto, colocar-lhes duas questões. O Sr. Deputado referiu na sua intervenção - e bastantes vezes - a necessidade que há de se fazer um grande esforço, nomeadamente a nível financeiro, para fomentar as actividades de ciência e tecnologia. Neste aspecto estamos inteiramente de acordo. Mas há um ponto que não focou na sua intervenção, que não consta do projecto de lei apresentado pelo PSD e sobre o qual penso que também nos deveríamos centrar, embora não o regulamentando fortemente mas, pelo menos, definindo alguns princípios gerais. Refiro-me exactamente aos recursos humanos, porque na actividade de ciência e de tecnologia eles são, na verdade, a parte fundamental. Precisamos de criar estímulos que tenham a ver com os nossos investigadores, incentivem os docentes universitários e que sejam capazes de lhes proporcionar, de facto, as condições de trabalho de que necessitam para realizarem as suas relevantes funções. Por isso, creio que no projecto de lei em causa há que consagrar alguns princípios, nomeadamente no que toca à carreira de investigação - que penso ser muito importante -, à sua equiparação, no essencial, com a carreira docente universitária, definindo melhor as regras da mobilidade entre estas duas carreiras (penso que isso é também um contributo decisivo para o avanço destas actividades) e, finalmente, um conjunto de medidas que nos permitam evitar aquilo a que países como o nosso estão particularmente sujeitos, ou seja, à fuga de cérebros.

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Por outro lado, gostava também de retomar um tema que já aqui foi focado por um colega nosso e que é o da participação da comunidade científica na definição da política de ciência e tecnologia. É algo que deveríamos referenciar nesta lei. Talvez o nosso próprio projecto seja também um pouco parco nessa matéria.
Creio que deveríamos ir um pouco mais além e referenciar melhor o papel da comunidade científica na definição desta política porque importa que o tal consenso a que me referi se estabeleça, não apenas entre órgãos de soberania ou entre o poder político, mas também com aqueles que são no fundo os protagonistas da actividade da ciência e tecnologia, ou seja, a própria comunidade científica.

Vozes do PS e do PRD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Belém.

O Sr. João Belém (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer as perguntas que me foram feitas, pois provam bem, como já aqui foi dito por alguns colegas meus, a importância do debate em questão.
Começo por responder a algumas das perguntas solicitadas pelo Sr. Deputado Rogério Moreira.
Quanto ao problema dos jovens investigadores, devo dizer que isso é uma matéria que, em princípio, na generalidade digamos o projecto de lei não abarca ...

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Ah! Bom!

O Orador: - ..., mas no âmbito de uma política seguida até pelo Ministério da Juventude - o Sr. Deputado sabe-o com certeza - estão previstos clubes e semanas de ciência e tecnologia para a juventude. Em relação aos jovens inventores vai certamente ser criado um sistema de apoio técnico, financeiro, de formação, de incentivação à criatividade e outras coisas relacionadas com a investigação, de modo a isto ser dinamizado ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Que coisa?!

O Orador: - ... independentemente da questão das bolsas, e também me refiro a isto na intervenção. Devo dizer que a questão das bolsas está, portanto, elaborada no sentido de também se caminhar para uma formação de cérebros de jovens investigadores.
Quando na minha intervenção refiro - e o Sr. Deputado deve, penso eu, ter presente - a formação universitária, os mestrados ... e uma data de coisas que podia referir agora aqui, mas já o fiz aquando da intervenção ...

Vozes do PCP: - São coisas!?

O Orador: - Sr.ª Deputado Isabel Espada, em primeiro lugar, desejo agradecer-lhe as palavras amáveis que me dirigiu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto aos pontos apresentados pela Sr.ª Deputada e em relação às metas, devo dizer que, fazendo um plano trienal, é capaz de, nestas coisas de investigação científica, ser-se muito mais certo e seguro, havendo evidentemente ajustamentos anuais. Mas isso está também previsto no projecto de lei.
Quanto ao Conselho Superior de Ciências e Tecnologia, devo dizer-lhe que ele não tem nada a ver com o diploma em discussão, uma vez que é um órgão autónomo onde estão incluídos os diversos, se não mesmo todos, organismos interessados na investigação científica.
No entanto, no artigo 14.º propõe-se que «no prazo de um ano a seguir à data da publicação o Governo irá promover as reorganizações necessárias de órgãos e quadros da estrutura de investigação científica». Isso está referido no próprio projecto e responde à questão que o Sr. Deputado colocou.
Sr. Deputado Jorge Lemos, é verdade que a questão que colocou dos 2,5% do PIB se pode considerar um pouco optimista. Mas quem não deve ser optimista na questão da investigação científica? Em relação à investigação científica a nível empresarial, é costume dizer-se que ou se investiga e inova ou se morre! Assim, esperamos que com estas metas se investigue e inove e não se morra!
Em relação ao tom emblemático que o Sr. Deputado pensa que tem o nosso projecto de lei, devo dizer que, de facto, ele tem um tom emblemático e creio que nenhum dos meus colegas se envergonhará de o utilizar e fomentar, como lei de bases que se trata.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Acabou de reconhecer!

O Orador: - Sr. Deputado Raul Junqueiro, agradeço as palavras que me dirigiu e devo dizer que vou de encontro à introdução que formulou. De facto, caminhamos e estamos interessados numa busca de consenso a nível da ciência e da tecnologia, porque todos temos a ganhar com isso.
Em relação aos recursos humanos, já referi ao Sr. Deputado Rogério Moreira alguns aspectos que me parecem importantes a respeito da mobilidade, das bolsas e da própria formação dos nossos investigadores. Porém, há apenas um problema que gostaria de focar, pois creio que neste momento não está a haver «fuga de cérebros». Creio, pois, que os investigadores se estão a começar a fixar em Portugal. É evidente que na investigação científica não se tem investido o necessário, mas sim o possível, mas, apesar disso, está a haver uma fixação de cérebros no País.
Gostaria ainda de referir que a carreira de investigação científica, como importante que deve ser, não deve estar ligada a este diploma; deve ter um decreto-lei próprio que dê dignidade ao próprio estatuto da carreira docente e seguintes.

Aplausos do PSD.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, está neste momento em debate um assunto a que ninguém contesta a importância e que é a investigação e desenvolvimento tecnológico. Assim, já que foi iniciado esse processo de ditar para a acta, quero, em nome da ban-

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cada do PSD, exprimir aqui o meu inconformismo, porque num debate desta importância estão presentes 12 deputados do PS, 9 do PCP, 1 do CDS, 1 do PRD, zero de Os Verdes, zero da ID e 80 do PSD.

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Isso não é verdade! Confira o livro de ponto!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isso são contas de merceeiros!

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Vocês é que começaram!

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, gostaria de dizer que é pena que um debate que estava a decorrer com manifesto interesse e elevação tivesse sido subitamente interrompido por um inventário porventura mais adequado em diligências judiciais que para o efeito estão previstas no Código de Processo Civil.
Enquanto a Assembleia da República não assumir claramente a faceta de modernização tão apregoada, creio que todos poderíamos ganhar muito se nos debates estivessem presentes aqueles Srs. Deputados que estão verdadeiramente interessados em determinado tema, como acontece em todos os parlamentos do Mundo, enquanto que os outros poderiam estar a trabalhar no edifício ou edifícios que um dia esperemos que existam.
Tenho estado a reparar - e devo dizer que cheio de inveja- que um dos tais 80 Srs. Deputados do PSD, por quem tenho tanta consideração e que se encontra na última fila da bancada, tem estado a ler o tri-semanário A Bola, que é um jornal que também gosto muito de ler.

Risos.

Ora, eu, que também hoje comprei esse jornal, mas que ainda o não consegui ler porque me encontro na primeira fila da minha bancada, estou cheio de pena e se estivesse nas mesmas condições daquele Sr. Deputado ...

Aplausos do PS, do PCP e do CDS.

... que tem todo o direito de ler A Bola, mas que, infelizmente, não tem um gabinete ... A verdade é que com estes novos aparelhos que permitem ver o que se passa no Plenário, esse Sr. Deputado poderia ter esta faculdade admirável que é ler A Bola e ouvir o que se passa no Plenário.
Portanto, gostaria de manifestar a V. Ex.ª, Sr. Presidente, o nosso empenhamento sério, permanente, total, como todos os membros da Mesa conhecem, assim como o Sr. Deputado Correia Afonso. É, pois, bom que o Plenário possa funcionar dia e noite, com gabinetes para os Srs. Deputados poderem ouvir as pessoas que pretenderem, poderem estar presentes nos debates em que desejem participar e não naqueles para que não são manifestamente úteis, como se passa em qualquer parlamento do Mundo, e não tenham, não sei bem para quê - duvido que seja para qualquer acta, tanto mais que agora anda tudo a escutar ...

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado, pois isso alivia o ambiente e depois estaremos em melhores condições para ouvirmos os Srs. Deputados Raul Junqueiro, João Belém, Rogério Moreira, etc., que é o que interessa.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, só tenho pena que diga coisas com tanta graça e com um ar tão sério.

Risos do PSD.

O Orador: - O que é que eu hei-de fazer, Sr. Deputado?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, V. Ex.ª não está actualizado! Ler A Bola é olhar para um problema de desenvolvimento tecnológico!

Risos.

O Orador: - Pois é, Sr. Deputado! Eu lá estive ontem pelo meu clube na bancada ...

Risos.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, falando agora a sério, apenas gostaria de dizer o seguinte: só tenho pena de que aquilo que o Sr. Deputado dirigiu para a bancada do PSD depois das palavras que proferi não o tivesse feito em relação ao PCP, pois foi ele quem iniciou este processo da acta.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Sr. Presidente, o que acabei de dizer não foi contra o Sr. Deputado do PSD, que até já pediu a palavra para se justificar e a quem peço encarecidamente que não leve a mal as minhas palavras, que até foram um elogio, porque acho que as condições desta Assembleia propiciam inevitavelmente que, enquanto uns fazem debates, outros leiam jornais. Portanto, isto não é censura para ninguém, porque, como toda a gente sabe, é intolerável aguentar os debates durante doze horas seguidas.
Só me levantei porque se referiu que havia doze deputados do Partido Socialista, muito interessados, com certeza, neste debate. Umas vezes serão mais, outras serão menos, mas é assim que tem de ser para que isto ande. A nossa disponibilidade é total a esse respeito, aqui dentro e lá fora.

Aplausos do PS.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Muito bem.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, neste espírito do bom humor que também faz falta ao nosso relacionamento parlamentar, gostaria de, usando a figura de interpelação à Mesa, dizer ao Sr. Deputado Correia Afonso que apenas me dirigi à Mesa solicitando uma verificação de quorum porque me parecia que não era dignificante - e, de facto, não era - iniciarmos um debate sobre uma matéria tão importante como esta com apenas 39 deputados na Sala. Creio que o Sr. Deputado Correia Afonso concorda comigo e, aliás, a sua bancada foi sensível a esse problema.
O PSD tem em relação ao prolongamento das sessões uma determinada orientação. Ora, cabe ao PSD, pela orientação política que traçou, assegurar uma maior participação de deputados nos debates. A oposição, obviamente, participa deles, mas não se esqueçam os Sr. Deputado do PSD que têm maioria absoluta nesta Casa e que a maioria absoluta não serve apenas para ganhar votações, implica também responsabilidades, e, quando interpelei a Mesa, foi precisamente com esse sentido.
Creio que é pedagógico que cada um de nós saiba assumir nos momentos próprios as responsabilidades que tem e que não estejamos a inventariar, a meio de debates que até estão a ter interesse, se há 9, 10, 15 ou 20 deputados. Na altura própria creio que teria graça, mas no momento em que o fez, passo a expressão, não foi de muito bom gosto, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - O Sr. Deputado não tem é sentido de humor!

O Sr. Milhomens (PSD): - Peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Milhomens (PSD): - Quero apenas dizer ao Sr. Deputado Jorge Sampaio que lamento que se tenha servido de um facto pontual para fazer a observação que fez, quando muitas vezes se tem visto nesta Casa vários deputados lerem jornais - e este até é um jornal conceituado.
Lamento que tenha feito essa observação, que não dignifica em nada a sua bancada e, no caso concreto, um ilustre deputado como é V. Ex.ª, para, através de uma provocação, tentar dividir este debate e levá-lo para outros campos que não considero dignos.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Jorge Sampaio para dar explicações, gostaria de, quase da mesma maneira como têm estado a ser feitas as interpelações à Mesa, dizer que pessoalmente até estou envolvido nos projectos em discussão, como é do conhecimento da Câmara. Estive envolvido nas posições iniciais dos projectos, bem como na sua formação final, já que eles resultaram de discussões, nomeadamente com a comunidade científica, de que tive o prazer de participar.
Fez-se aqui um debate na última sessão legislativa dos mais bonitos que até hoje aconteceram e gostaria que esta discussão, até pela importância da matéria, tivesse exactamente o mesmo espírito da que fizemos aqui há um ano e pouco a esta parte.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Quero apenas esclarecer o Sr. Deputado Milhomens, a quem presto todas as homenagens e desejo todos os sucessos, que também estou solidário com V. Ex.ª, porque também tenho aqui o jornal A Bola.

Aplausos do PSD.

O que disse, foi apenas por ter imensa pena de não poder fazer o mesmo, porque imagine o que seria eu estar aqui na primeira bancada a ler A Bola. Tive imensa inveja do Sr. Deputado, porque, não estando particularmente interessado, V. Ex.ª fez bem em ocupar o seu tempo. Pela minha parte, só logo à noite, depois de acabar a sessão, é que poderei ir ler A Bola, porque não vi como é que isto foi ontem.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Com esta nota de bom humor, verdadeiramente científica ...

Aplausos do PSD, do PS e do PRD

... dou a palavra ao Sr. Deputado Raul Junqueiro, para uma intervenção.

O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo PS, visando a promoção da investigação científica e tecnológica, constitui, antes de mais, um contributo para o debate nacional que urge fazer sobre a política de ciência e tecnologia.
Todos compreendemos a importância que a ciência e a tecnologia têm para qualquer país, sobretudo nos dias de hoje, em que é visível e palpável o seu poderoso efeito transformador.
A ciência e a tecnologia constituem o verdadeiro motor do bem-estar, progresso e desenvolvimento das sociedades modernas, onde tais valores estão cada vez mais relacionados com os da capacidade e da autonomia tecnológica.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Daí que a actividade de investigação científica e tecnológica seja considerada em todas as nações desenvolvidas como a primeira das prioridades nacionais.
Mas o processo de evolução tecnológica conhece facetas diversificadas, de acordo com as diferentes regiões do mundo.
Enquanto os países do Terceiro Mundo continuam à margem, correndo o risco dramático de ficarem cada vez mais pobres, isolados e dependentes, os Estados Unidos e o Japão aparecem claramente como os dois pólos de maior desenvolvimento.
Enquanto os novos países industrializados ensaiam com algum êxito políticas de modernização, passando progressivamente de produtores de mão-de-obra barata a produtores de alta tecnologia, os países europeus só recentemente começaram a esboçar políticas comuns, a fim de poderem acompanhar quer Americanos quer Japoneses na liderença daquilo a que se chama a «terceira revolução industrial».
Daí o fosso que separa actualmente os Europeus dos EUA e do Japão, que, a meu ver, só será atenuado com um decisivo e grande esforço conjunto dos países da Europa.

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Para Portugal, recém-chegado às Comunidades Europeias, a adopção de uma política correcta, quer a nível interno, quer do lado dos seus novos parceiros, será fundamental para a preservação dos interesses nacionais e para uma plena participação no processo da evolução tecnológica.
As posições ultimamente definidas pelos responsáveis políticos europeus e os projectos lançados pelas Comunidades visando a promoção do desenvolvimento tecnológico e a associação de instituições de investigação e de empresas europeias constituem factos positivos e indesmentíveis sinais de esperança.
Como já tivemos a ocasião de acentuar, o mau seria que, perante o desenhar de um novo mapa-mundo, com o Pacífico ao centro, os países europeus mantivessem políticas de passividade e estagnação, preocupados em salvar os destroços da segunda revolução industrial, esquecidos de que o futuro já começou a ser construído.
Portugal deve, pois, aproveitar o novo impulso que a Europa deu neste domínio, participando activamente nos diversos projectos europeus, e deve ainda, a nível interno, criar as indispensáveis condições de trabalho que permitam aproveitar um clima geral propício à promoção da investigação científica e tecnológica, como elemento essencial da estratégia mais vasta de desenvolvimento e modernização.
A criação de condições de trabalho passa, naturalmente, por muitos factores, desde que os que se relacionam com as infra-estruturas até aos que têm a ver com a remuneração e perspectivas de realização profissional dos investigadores.
Para tudo isto é preciso dinheiro. Dinheiro a ser coerente e progressivamente afectado a projectos hierarquizados de acordo com uma escala de prioridades definidas a nível nacional. Dinheiro a ser distribuído em conformidade com planos estabelecidos a médio prazo e que correspondam a grandes opções estratégicas. Dinheiro que viabilize a capacidade de iniciativa existente e que permita o urgente salto qualitativo que importa promover. Dinheiro que se traduza em sensibilização e formação de novos técnicos e investigadores. Dinheiro que, finalmente, possa, ao fim e ao cabo, dar corpo ao projecto nacional que muitas vezes temos defendido, indispensável à construção de um país mais justo e desenvolvido.
Mas, no domínio da investigação científica e tecnológica, se o dinheiro é importante, ele não é seguramente tudo.
Mais importante será a convicção nacional de que sem investigação científica e tecnológica não há progresso, não há desenvolvimento, não há futuro.
Daí que, ao lado de um orçamento nacional de I & D, ao lado de orçamentos empresariais de I & D, ao lado do reforço das verbas das nossas universidades e institutos superiores, seja fundamental desencadear um vasto conjunto de medidas que, devidamente articuladas, terão de constituir a política nacional de investigação científica e de desenvolvimento tecnológico. A começar pela reforma do próprio sistema nacional de educação, com destaque para as reformas curriculares e para a reformulação das carreiras docentes e de investigadores. Impõe-se igualmente uma actuação concertada entre a universidade, o Estado e o sector produtivo. Voltar as universidades para o meio que as cerca, levá-las a colaborar com o aparelho produtivo nacional, como já hoje felizmente começa a acontecer, é condição indispensável para o sucesso. Mas também é condição indispensável rever a situação da maior parte das instituições directamente dependentes do Estado, que se encontram ainda numa posição difícil, sem proveito para ninguém.
Detentoras de verbas desajustadas, com uma população envelhecida, continuam a dedicar a maior parte do seu tempo e energia à resolução de problemas burocráticos ou de gestão administrativa.
Não fora a dedicação e o empenho de muitos desses investigadores, desde os técnicos aos dirigentes, e poderíamos estar numa situação muito mais grave do que aquela em que nos encontramos.
Impõe-se, pois, encontrar soluções novas, que libertem os investigadores das «malhas burocráticas» e, cumulativamente, viabilizar os projectos que o interesse nacional aconselhe.
Importará igualmente permitir o aparecimento de novas iniciativas empresariais e apoiar a reconversão das já existentes.
Nada do que foi referido terá qualquer sentido se o País não for capaz de fazer surgir pequenas unidades produtivas nas diversas áreas de actividade económica, nomeadamente a agrícola e a industrial, encabeçadas pela jovem geração, disposta a arriscar nas novas tecnologias e a criar riqueza.
Temos de ir eliminando o trauma criado à juventude portuguesa que hoje, ao iniciar a vida activa, opta preferencialmente pela segurança, o mesmo é dizer por um emprego no Estado ou numa empresa pública.
E preciso combater este estado de espírito, eliminar o anátema, lançando na sociedade cada vez menos funcionários públicos e cada vez mais jovens de iniciativa, capazes de apostar com risco no progresso e na modernização do País.

Aplausos do PS, do PSD e do PRD.

Mas, se o que acabo de referir é importante, importa igualmente salientar a grande abertura que se começou a verificar na universidade portuguesa.
Durante muito tempo, para além da investigação fundamental, a universidade foi essencialmente um espaço de transmissão de conhecimentos.
No entanto, nos últimos anos, graças a uma nova geração de professores e de investigadores, as coisas começaram a alterar-se. A universidade compreendeu que, independentemente das suas missões tradicionais, tinha de procurar um vínculo estreito com as comunidades em que se inseria.
A universidade procurou o diálogo e rapidamente começou a associar-se com o meio envolvente, daí nascendo um vasto conjunto de iniciativas e projectos.
Temos hoje um pouco por todo o País exemplos disto mesmo, em múltiplos domínios, desde a investigação agro-pecuária à microelectrónica.
A universidade napoleónica está a morrer; em seu lugar começa a surgir a universidade empresarial.
Este é, sem dúvida, o facto mais positivo que sucedeu no nosso país nesta área e constitui igualmente um sinal de que, sabendo tomar as medidas que se impõem, poderemos encarar o futuro com esperança.
O projecto de lei do PS, ao consagrar o princípio da prioridade às actividades de investigação científica e de desenvolvimento tecnológico, ao estabelecer os instrumentos da sua materialização prática, ao apontar a

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necessidade de valorização dos recursos humanos, ao estimular a colaboração entre sectores, nomeadamente público, privado e universitário, ao consagrar meios de apoio, ao definir percentagens de crescimento da despesa em investigação científica e ao procurar estabelecer uma efectiva política de cooperação internacional, está a dar respostas claras aos desafios que a ciência e a tecnologia hoje colocam e a contribuir para a clarificação das opções estratégicas a tomar nesta matéria.
Trata-se de uma área onde importa promover os mais amplos consensos e obter a colaboração de todos, nomeadamente da comunidade científica.
Esperamos, pois, que a nossa iniciativa possa contribuir para reforçar a capacidade e a autonomia tecnológica de Portugal, até porque destas dependem cada vez mais o bem-estar dos cidadãos e a própria independência nacional.

Aplausos do PS, do PSD, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, concedo a palavra ao Sr. Deputado Jorge Lemos.
Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: É importante e positivo o debate que agora iniciamos, discutindo a situação da ciência e da tecnologia em Portugal, preocupando-nos em encontrar as necessárias respostas para os problemas de um sector de actividade de inegável importância estratégica para o desenvolvimento e o progresso social, que tão arredado tem andado, infelizmente, das preocupações de sucessivas equipas governativas.
Considerado, embora, por todos como sector de primordial relevo para o desenvolvimento do País, a realidade vem demonstrando as sucessivas penalizações, designadamente de carácter orçamental, a que vem sendo condenado pela falta de perspectivas ou de vontade política dos responsáveis pelas opções de financiamento das despesas públicas. Os indicadores comprovam-no: o escasso número de investigadores fala por si, o mesmo acontecendo com a diminuta despesa em investigação e desenvolvimento experimental, facto que nos vai distanciando daqueles países que têm optado pelo investimento num quadro de promoção do desenvolvimento.
Significativa, também, a débil estrutura organizacional de suporte ao sistema científico e técnico nacional, quer ao nível das universidades, quer ao nível dos institutos e laboratórios da administração central.
São instituições que importa valorizar, na perspectiva da integração do ensino, da investigação e da produção.
Tudo aponta para que essa integração se diversifique em metodologias que vão dos contratos-programas à criação de interfaces investigação-produção.
Não é hoje aceitável, por ultrapassada, a dicotomia em que alguns pretendem insistir (designadamente os autores do projecto apresentado pelo PSD) segundo a qual a investigação fundamental se deveria confinar à universidade, deixando para o exterior, para os institutos, laboratórios e indústria, apenas a investigação aplicada. A realidade vem demonstrando que, bem ao contrário, Srs. Deputados do PSD, se impõe cada vez mais uma planificação do desenvolvimento, a criação de uma rede diversificada de ligações de variada índole entre organismos de vários enquadramentos e tutelas. Só assim será possível dotar o País de uma estrutura económica mais moderna e mais competitiva, sustentada por um esforço de desenvolvimento globalmente planificado.
Tudo isto, Srs. Deputados, pressupõe vontade política e, sobretudo, nova política.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não estando em causa a necessidade de aprovação de uma lei quadro, o facto é que a lei por si só não virá resolver os enormes atrasos a que tem vindo a ser sujeito o País. A prática de sucessivos governos tem vindo, aliás, a demonstrar em variadíssimos casos que a existência de lei se fica pela mera declaração de intenções, porquanto a actividade quotidiana dos executivos impede, por acção ou omissão, a sua plena aplicação e desenvolvimento.
Estas questões são particularmente pertinentes no actual quadro político, sendo de realçar o facto de o projecto apresentado pelo PSD se definir pelo seu carácter vago, omisso e governamentalizador quanto a questões essenciais, aspecto que, contraditoriamente, surge associado a uma excessiva pormenorização de normativos extremamente específicos.
Já dissemos, Srs. Deputados do PSD, que o projecto melhorou desde a última legislatura, mas ainda o poderemos melhorar bastante mais na especialidade.
Apontando alguns aspectos que contrariamos no projecto do PSD, diremos que, apesar de se prever, em termos percentuais, um crescimento da despesa com a investigação científica e desenvolvimento no PIB, se ignoram as medidas concretas de investimento necessário e o reforço dos recursos humanos que o possibilitem. Será que o PSD pretende ficar pela intenção emblemática do objectivo a alcançar?
Penso que a resposta dada há pouco pelo Sr. Deputado João Belém, sendo embora uma resposta bastante sincera, é, ao mesmo tempo, preocupante. Ao ter referido o projecto do PSD como emblemático e de intenção, deixa antever que, mais do que pôr em prática o que vamos escrever numa lei da República, se pretende deixar grandes orientações, grandes intenções que, na prática, não virão a ser cumpridas. O futuro o dirá e as práticas políticas o virão a dizer, sobretudo as de quem estiver à frente dos órgãos que têm de pôr em prática essas mesmas políticas.
Mas o que se pode dizer desde já é que, seguramente, não atingiremos o percentual proposto nem a dez, nem a quinze, nem mesmo a vinte anos, se permanecerem os traços essenciais da política definidos pelo Governo para o sector.
Todos estaremos de acordo, Srs. Deputados, pelo menos em teoria, que é manifestamente impossível gastar bem os recursos financeiros que venham a ser disponibilizados para a investigação e desenvolvimento sem, simultaneamente, se desenvolverem os recursos humanos que hão-de levar por diante os programas e projectos de trabalho. E tem sido precisamente na ausência de uma verdadeira política de recursos humanos que tem residido o principal bloqueamento da expansão e modernização do sistema científico e técnico nacional.
A não ser encarado de frente este problema, manter-se-ão os estrangulamentos do sistema. Neste quadro, a insistência na «mobilidade» pode abrir caminho ao desmantelamento das equipas de investigadores e à violentação, até, de profissionais, considerados pouco pró-

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dutivos à luz de critérios conjunturais, de critérios definidos não se sabe por quem nem para quê. Mobilidade nada tem a ver com aumento de efectivos, que, esse sim, é o problema essencial.
Há pouco coloquei a questão ao Sr. Deputado João Belém, que não me respondeu.
Continuo a aguardar uma resposta concreta sobre o problema por parte do PSD.
Urge proceder a uma correcta reclassificação funcional e profissional dos quadros investigadores e técnicos, adoptar medidas que proficiem o rejuvenescimento e o reforço dos efectivos dos organismos de investigação e desenvolvimento, correspondendo, por esse modo, às sucessivas solicitações que, nesse sentido, vêm sendo apresentadas pelos responsáveis dos institutos, das universidades e dos laboratórios públicos de investigação. Por outro lado, importa assegurar a devida dignificação das carreiras do pessoal científico e dos investigadores (não garantida pelo recentemente publicado Decreto-Lei n.º 68/88) e criar o necessário espaço de carreira adequada para o pessoal técnico.
Sr s. Deputados, outros bloqueamentos são conhecidos, para eles não se vislumbrando resposta nos projectos hoje em apreciação. Não surgem devidamente referenciadas as formas de ultrapassar a actual debilidade das estruturas técnico-científicas de apoio à investigação e desenvolvimento para além das carências de pessoal técnico auxiliar e operário e da falta de oficinas, de instalações piloto, de gabinetes de projecto, protótipos, entre outros.
Por outro lado, não se vê reflectida a necessidade de dar resposta à chamada insuficiência de institutos e laboratórios aplicados. É indispensável criar novos laboratórios expecializados em domínios criteriosamente seleccionados. A título exemplificativo, e em relação a toda uma área de primordial importância na exportação e também no emprego, podemos mencionar os ramos do calçado, da metalomecância, dos transportes, da química, do carvão e dos petróleos.
Todos estes aspectos merecem ser equacionados no presente debate. Poderemos até reconhecer que, de um ponto de vista discursivo, eles recolhem generalizado consenso, mas também teremos de reconhecer que, na prática, são necessárias medidas para que eles possam ser efectivamente alterados e é isso que todos esperamos que possa vir a decorrer a partir do presente debate. Isto é que importa alterar, Srs. Deputados.
Consideramos positivas as medidas propostas quanto à necessária planificação orçamental plurianual. Mas não podemos ficar por aí. E necessário que, no concreto, se reveja a política geral de recursos humanos, a política de infra-estruturas de suporte e as opções orçamentais.
Daí considerarmos a necessidade de, no texto da lei, ser prevista uma nova metodologia de gestão dos laboratórios e institutos que, consagrando uma necessária autonomia, permita, dos pontos de vista orgânico, funcional e financeiro, que se avance para a flexibilização da gestão, para dotações adequadas, para um correcto enquadramento de pessoal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Factor relevante é o problema do contributo da comunidade científica para o aprofundamento do debate que hoje estamos a realizar.
Creio que, mais uma vez, todos estaremos de acordo por certo, que não é possível avançarmos com este debate, aprofundá-lo, chegar a boas conclusões se não tivermos em conta as opiniões da comunidade científica.
E penso que o devemos fazer a dois níveis. Por um lado, até à discussão na especialidade, deveríamos avançar com um debate público, ouvindo a comunidade científica. Há alterações nas propostas agora apresentadas, pelo que seria bom que o debate não se ficasse apenas pela Assembleia.
Vamos, pois, ouvir os institutos, as universidades, os laboratórios, os cientistas.
Por outro lado, penso ser essencial que consagremos na lei, para além do que já está consagrado em decreto-lei governamental, uma estrutura em que participe a comunidade científica, a Assembleia da República, representantes do governo, representantes das universidades, de outros sectores da actividade empresarial, de outros sectores de actividade sindical, de sociedades científicas, para que possa haver o apuramento de vontade quanto à política de investigação científica e desenvolvimento, em termos futuros.
Nas propostas que vos distribuímos terão oportunidade de verificar que propomos a criação do chamado Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.

O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Já o há!

O Orador: - Não há, Sr. Deputado Fernando Conceição. Terei oportunidade de clarificar isso, se mo perguntar.
Pensamos que deve ser a Assembleia a fazê-lo, com todo o rigor, com definições claras, impedindo e evitando que numa matéria de tão grande importância a Assembleia da República lave mãos e diga que o Governo faz tudo.
A Assembleia tem uma palavra muito importante a dizer sobre esta matéria. Não nos fiquemos por aqui. Saibamos intervir em todo o processo.
É este o apelo que fazemos através das propostas que já vos foram distribuídas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático considera, desde sempre, a investigação científica e o desenvolvimento experimental como pedras basilares, verdadeiras e imprescindíveis componentes estruturais e estruturantes, para a correcta evolução da nossa sociedade, no sentido de procurar um justo equilíbrio dialéctico entre autonomia nacional e interdependência europeia e internacional, na busca de uma crescente dignificação do povo português.
Um pequeno extracto do programa do PRD evidencia claramente esta postura e a intenção política de lhe dar seguimento:

A escassez dos recursos humanos, científicos, tecnológicos e financeiros, a par da reconhecida falta de motivação em matéria de inovação - por receio do risco, falta de confiança e ausência de apoios -, explicam, em parte, a situação a que se chegou. Mas é na não existência de uma adequada política de desenvolvimento científico e tecnológico que se deve procurar a origem do facto de a mo-

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dernização não ter chegado à generalidade dos sectores mais tradicionais da economia portuguesa, estando igualmente longe de poder contribuir para a dinamização daqueles sectores que são vitais para o sucesso do processo de desenvolvimento e modernização da sociedade portuguesa.
Foi neste entendimento que o Grupo Parlamentar do PRD apresentou um conjunto de propostas, aprovadas na generalidade e por unanimidade em Plenário de 24 de Abril de 1986. O seu espírito e substância mantêm-se nas propostas de alteração que, na semana passada, entregámos, aliás no dia em que se julgava subirem estes projectos de lei ao Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É bem sabido que a ciência e a tecnologia fazem - aliás sempre fizeram - parte da cultura de um povo. Historicamente, as civilizações cresceram, desenvolveram-se, afirmaram-se, estiolaram, de acordo com a sua capacidade em se não deixarem ultrapassar científica e tecnicamente. Ë paradigmático o caso português dos descobrimentos, a maior parte das vezes recordados em atitude passadista de sonho perdido e irrecuperável, em vez de o serem num propósito de criatividade, de esperança e de renovação. A saga, a beleza, a extraordinária epopeia humana e universalista da nossa aventura maior foi conseguida porque os nossos antepassados de 400 e 500 estavam à frente da ciência e da técnica do seu tempo.

O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Mas não é uma visão estreita economicista que nos informa. Não se devem esquecer, pela sua capital relevância, os valores essenciais ligados à prática da ciência. Obriga à racionalidade, modela o espírito na tolerância e no respeito mútuos, aconselha ao diálogo, à humildade criadora de considerar o erro como parte integrante no processo de alcançar verdades transitórias, convida à civilidade.
Não deve também, nesta ocasião e nesta Câmara, ser esquecido que a política de ciência e tecnologia em Portugal tem sido caracterizada por excessivas influências pessoais que, por vezes, atingem as raias do caciquismo. Conseguem-se verbas através de lobbies ou da manipulação grosseira, mas rendosa, da comunicação social e incentivam-se lutas entre instituições para promoção de interesses individuais ou de grupos.
De referir, nesta oportunidade, pela sua importância estratégica, o problema das remunerações do pessoal de investigação. Tem de ser encontrada por este Governo e pelos vindouros, como corolário irrecusável do facto de a lei agora em apreço considerar prioritária a investigação e o desenvolvimento experimental, uma solução equilibrada, de compromisso inteligente, que evite a fuga de cérebros. E, como a comunidade científica e tecnológica portuguesa vem dizendo com frequência e desde há muito, aumentar simplesmente as remunerações dos investigadores não basta. É preciso e urgente dotar as instituições - universidades, laboratórios, institutos e centros tecnológicos - com o equipamento indispensável às suas tarefas. A prática malthusiana de pé-de-meia, baseando-se no pressuposto de Portugal ser um sítio que se vende ou aluga ou um entreposto manufactureiro, esta atitude cultural anacrónica e antipatriótica, impede a criatividade dirigida para a produção, o espírito de empresa virado para o progresso continuado, e não, como floresce por aí, a inversão especuladora típica de um novo-riquismo aventureirista e amoral.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passo a expor de seguida os vectores marcantes das propostas de alteração apresentadas pelo PRD.
A responsabilidade do Estado fica inequivocamente estabelecida, definindo-se as suas obrigações, limpidamente decorrentes da assunção do princípio da prioridade nacional atribuída à actividade de investigação. Para a indispensável clareza, é imposto o tão longamente reclamado «orçamento-envelope» para a investigação, que permitirá seguir, sem subterfúgios nem demagogias, o que cada governo atribuir ao sector. Por outro lado, postula-se a fixação de taxas de crescimento anuais médias para as dotações orçamentais e para os efectivos do pessoal investigador, por forma a que, a médio prazo, o peso da I & D represente cerca de 2 % do produto interno bruto.
Não nos venham sofisticadamente dizer que a Lei do Orçamento não permite a fixação de tais metas. Como não, se despesas militares, compromissos relativos à aplicação de fundos das Comunidades ou de empréstimos externos obrigam já a inscrição orçamental compulsiva de despesas plurianuais? Se o próprio conceito de Plano, constitucionalmente lavrado, a isso conduz e o seu prolongado desrespeito é de verberar? Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a coerência política e ainda a coerência da lógica e da inteligência impõem-nos, nesta hora de encruzilhada de opções, a tantos títulos decisivas, a adopção legal e imperativa destes preceitos. Não o fazer é condescender, irresponsavelmente, com o subdesenvolvimento e a dependência nacional.
A segunda vertente das nossas propostas, que desejo realçar, está ligada à concepção humanista da organização do sistema científico e técnico português. Esta formulação decorre naturalmente do nosso ideário, em que a democracia não se confina à componente da representatividade delegada pela deposição do voto numa uma, mas antes se quer e se procura que seja participativa, com o empenhamento dos cidadãos, de modo continuado e consciente. Temos de recusar passar a fronteira do século XXI com a mentalidade do século XIX. Assim, achamos que devem os investigadores participar institucionalmente na definição das políticas, seja nacional, através do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, seja na do seu próprio estabelecimento de investigação, por integração nos seus órgãos de gestão. Por outro lado, damos um contributo para a definição responsável do estatuto do investigador, tipificando as suas competências, preocupando-nos com a sua formação e garantindo a sua autonomia no exercício da sua criatividade. Aqui, como em tudo, da política e do social privilegiamos as «pedras vivas» de António Sérgio.
E assim que rejeitamos as distorções funcionalistas e instrumentalizantes do investigador-funcionário, defendendo uma concepção participativa e humanizada do homem-investigador.
Por fim, desejo referir-me a um aspecto particularmente caro ao PRD. Trata-se da regionalização que o meu partido tem vindo a defender com clareza e sem

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subterfúgios, em todas as circunstâncias, lugares e ocasiões. Uma vez mais, no quadro geral da investigação, avançamos com orientações neste sentido. A grande maioria, mais de 80 %, das infra-estruturas de investigação está instalada em Lisboa - situação típica do subdesenvolvimento, que tem de ser remediada urgentemente, aproximando-se dos nossos parceiros sociais. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há larga margem consensual entre os partidos desta Assembleia para que, ainda nesta sessão, seja aprovada a lei quadro da investigação e do desenvolvimento experimental. Poremos todo o nosso esforço e dedicação para que assim aconteça, para o progresso de Portugal e a dignidade dos Portugueses.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Costa.

O Sr. Soares Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matéria que hoje nos ocupa na Assembleia da República, consignada nos projectos de lei do PSD e do PS sobre a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico, reveste uma enorme nobreza. Por isso, queria congratular-me pela forma elevada e pela dignidade com que este debate está a decorrer.
Na hora em que para o País é vital avançar decididamente, com espírito de mudança, pelos caminhos do desenvolvimento e do progresso, a definição do enquadramento a que devem obedecer as políticas de investigação e desenvolvimento tecnológico é uma matéria que consideramos de grande importância e sobre a qual é necessário que se verifique um grande consenso nacional.
À comunidade científica nacional cabe grande parte da responsabilidade de, com criatividade, gerar a inovação e criar novas formas de aproveitar e potencializar os recursos disponíveis. Mas, para isso, a comunidade científica necessita de se sentir enquadrada por normativos claros de actuação e estimulada pelo apoio das forças políticas verdadeiramente empenhadas no desenvolvimento do País.
Do projecto que o PSD apresenta nesta Câmara importa aqui fazer sobressair a intenção clara de estimular a investigação e, por via, as actividades de ID, nomeadamente aquelas que se orientam para o desenvolvimento tecnológico. A esta intenção se procura conferir o estatuto de prioridade e promover a articulação e a participação activa, quer do Estado, quer do sector privado, numa matéria de enorme relevância nacional.
A proposta visa estabelecer o quadro de referências em que a investigação científica e tecnológica deverá mover-se para que possa, a um tempo, integrar-se nos grandes objectivos nacionais de modernização e desenvolvimento e, por outro lado, enquadrar-se numa perspectiva de mobilização da inteligência e da comunidade científica nacional que estimule a criatividade e a inovação.
São introduzidos novos conceitos e regras que importa particularmente referir, em especial a menção expressa no projecto de lei ao carácter plurianual dos programas, o que, para quem trabalha ou trabalhou na investigação científica, é, no plano financeiro, qualquer coisa de extremamente importante, pela tranquilidade que traz da continuidade de quem trabalha em investigação.
Em segundo lugar, realço a vertente da cooperação Estado-universidade-indústria, nomeadamente através de contratos-programas.
Em terceiro lugar, destaco igualmente a regionalização das actividades de I & D, de acordo com as necessidades do desenvolvimento económico e social das regiões.
Em quarto lugar, sublinho a vertente da cooperação internacional, não só no que respeita à transferência de tecnologias e conhecimentos, mas também, e sobretudo, na valorização da participação portuguesa no desenvolvimento de programas internacionais.
Finalmente, consagro ainda a introdução de normas e regras de avaliação da eficácia dos projectos, quer no que respeita à utilização dos recursos financeiros - isto, naturalmente, no cumprimento dos programas -, quer, acima de tudo, na avaliação da eficácia de utilização dos recursos humanos e, direi também, dos próprios equipamentos que se utilizam.
Já agora, e porque a questão foi aqui levantada, gostaria de fazer uma referência especial à alínea c) do artigo 14.º do projecto, em que se prevê e se consagra que as modalidades de organização e funcionamento das instituições públicas de I & D serão definidas por decreto-lei e conterão, especificamente, as formas de participação do pessoal investigador e demais elementos da comunidade científica na gestão e na definição da política das instituições públicas; enfim, a participação de quem trabalha e de quem faz a investigação naquilo que é para eles, naturalmente, tão caro definir.
No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se defendemos a programação, o enquadramento e a avaliação da eficácia das actividades de I & D, não perfilhamos uma orientação centralizadora e administrativista da investigação científica, porque ela poderia ser, em si mesma, limitativa da criatividade e da espontaneidade da actividade científica, muito especialmente no que diz respeito à investigação fundamental.
Os dois projectos em apreço revelam identidade nos seus grandes objectivos e apresentam muitos pontos comuns, sobretudo nas questões essenciais. As diferenças que existem - e que são normais, dada a origem diferente dos projectos - são, na nossa óptica, susceptíveis de serem dirimidas e ajustadas na apreciação, em sede de especialidade, dos dois projectos de lei.
Considerando a já referida conveniência de que a Assembleia da República manifeste uma intenção clara de adesão aos princípios fundamentais que ambos os projectos em apreço contemplam, o Grupo Parlamentar do PSD declara a sua disponibilidade para votar também favoravelmente o projecto apresentado pelo PS, o qual, no essencial, segue também as propostas contidas no nosso projecto.
Pretendemos que esta atitude constitua um sinal da confiança e do estímulo que entendemos ser nosso dever transmitir à comunidade científica nacional, para que se empenhe na grande tarefa nacional que está efectivamente em causa.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

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O Sr. Presidente: - Dou a palavra, para uma intervenção, ao Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também quero deixar explícito o quanto nos regozijamos com a aprovação, para agora ou para breve, destes projectos de lei e com o espírito de convergência aqui manifesto. Estou convencido que, com o esforço e a colaboração dos vários grupos parlamentares, poderemos chegar ao «fabrico» de uma lei melhor do que os projectos de lei agora em debate, se conseguirmos manter, nos trabalhos que se seguem, o espírito de colaboração que acabamos de exprimir.
Permitam-me, no pouco tempo que resta ao meu grupo parlamentar, partilhar convosco de duas ou três brevíssimas reflexões, não sem antes dizer que não procuro incidentes - será a última coisa que eu farei neste Plenário - mas que se lamento a ausência do Governo nesta sessão é, em primeiro lugar, pelo respeito que a pessoa do Prof. Arantes e Oliveira nos merece. Já trabalhámos com ele em comissão variadíssimas vezes e a sua participação e o seu contributo a um debate sobre a ciência, a investigação e a tecnologia é indispensável.
Por outro lado, melhor que as leis óptimas são as boas políticas. Há alguns aspectos interessantes, indispensáveis à discussão deste problema, que não se limitam, ou não se reduzem, à discussão do articulado ou à discussão do que está previsto nos projectos de lei. Dar-vos-ei exemplo de dois ou três problemas que, para nós, são tão importantes quanto aos projectos de lei aqui discutidos, mas que, obviamente, estão ou ausentes ou apenas implícitos no articulado destes projectos de lei.
Em primeiro lugar, o papel da escola. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia não pode ser considerado como uma actividade de alta qualificação, de alta sofisticação. Para que a ciência, a tecnologia, o desenvolvimento e a inovação «colem» ao corpo da sociedade é necessário que comecem na escola, é necessário que a escola seja o principal veículo de uma cultura científica, o principal veículo de uma cultura tecnológica, é necessário que a ciência e tecnologia sejam a linguagem permanente nas escolas. Só assim se conseguirá que a política tecnológica e científica seja uma política não apenas - ou exclusivamente - de promoção de elites, mas uma política de promoção generalizada das potencialidades humanas. Só com uma alargada massa crítica de potencialidades humanas desenvolvidas é que os melhores sábios, é que as melhores invenções e que as mais qualificadas elites resultam. E isso num clima da maior igualdade de oportunidades e de maior equilíbrio social, cultural e humano numa sociedade.
Em segundo lugar, o problema da universidade. Pareceu-me, nomeadamente no texto do PSD, que o papel a desempenhar pela universidade está como que esbatido no conjunto das instituições e empresas que colaboram e que trabalham e obram para a investigação, a ciência e a tecnologia - não só a fundamental, como aliás é referido explicitamente no nosso projecto, mas também toda a investigação científica e tecnológica.
Nas universidades há algo que não se repete em nenhuma outra instituição e em nenhuma outra empresa. Nas universidades há aquilo a que se poderá chamar o desperdício necessário à investigação tecnológica e científica. Muitas vezes um enorme desperdício é necessário para se obter o mais pequeno avanço na ciência e na tecnologia. Outro tipo de instituições não é capaz de assegurar este desperdício colectivo, indispensável e necessário a pequeníssimos passos - mas importantíssimos passos - no desenvolvimento científico.
Por outro lado, há o problema das prioridades. Encontrei nos projectos de lei - no nosso e no do PSD - uma noção diferente das prioridades em matéria de ciência, de investigação e de tecnologia. Prefiro as nossas, mas isso não vem ao caso. Problema é que, em certo sentido, ambas estão ligeiramente deslocadas daquilo que pode ser o mais interessante debate, porque é um debate de política científica e um debate que extravasa o que está estipulado nos projectos de lei. E vou dar um ou dois exemplos sobre o que quero dizer.
Um dos aspectos mais interessantes em matéria de definição de prioridades não é aquilo que nos parece globalmente calhado ou universalmente aceite na modernidade em que vivemos, mas sim aquilo que Portugal pode fazer. Nos últimos anos temos assistido a uma espécie de euforia, seja com as novas tecnologias, seja com as tecnologias mais sofisticadas, sendo frequente em Portugal dizer-se que o sinal da modernidade será o nosso cada vez maior envolvimento na nova ciência e na nova tecnologia - e passo sobre a falta de rigor ou sobre a falta de definição do que é uma nova tecnologia.
Ora, muitas vezes, para Portugal a real modernidade seria atacar problemas que exigem ciência, exigem investigação, mas que só nós poderemos fazer, não por sermos portugueses, evidentemente, pois nada nos calha para sermos melhor que os outros. Quero, a propósito, dar o exemplo tão trágico da peste suína africana, que grande parte dos países do mundo não tem, não investiga, e que só nós - ou pouco mais do que nós - podemos e devemos trabalhar nesse assumo. Veja-se também o caso da doença do sobreiro, que começa a danificar o património do nosso montado.
Para estes casos não é necessária, seguramente, uma investigação científica e tecnológica de alta sofisticação. Basta, muitas vezes, uma racionalidade e uma compreensão adequada do que é a importância da ciência, da tecnologia e da investigação para as necessidades da nossa população. Isto para já não falar das vastíssimas hipóteses de trabalho em ciências ditas «ciências tropicais», nas quais temos experiência, tradição e investigadores - quiçá laboratórios -, através dos quais poderíamos encontrar um formidável campo de trabalho com os países africanos de língua portuguesa e até com outros países africanos vizinhos desses, e que, a meu ver, a nosso ver, é um campo que tem sido desperdiçado nos últimos tempos.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Muito bem!

O Orador: - Uma rapidíssima reflexão sobre a ideia do planeamento, sobre o qual me pareceu ver, em um ou dois Sr. Deputados que fizeram as suas intervenções hoje, algum desagrado pelo excesso de planeamento ou pelo excesso do seu peso.
Só lhes quero dizer, Srs. Deputados, que é verdade poder haver num excesso de planeamento algum obstáculo, alguma dificuldade à investigação científica e

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tecnológica. Mas vamos ser precisos sobre que matéria. As mais importantes realizações científicas e tecnológicas do mundo moderno foram conseguidas com um enorme, com um formidável esforço de planeamento - a longo prazo e a médio prazo -, com permanentes correcções, rectificações e avaliações do que vinha sendo feito e com uma participação da comunidade científica.
Não se chegou à Lua apenas com livre empresa, chegou-se à Lua também com um formidável esforço de planeamento e de previsão.
Todas as grandes descobertas científicas do século XX, todas as grandes inovações, todas as grandes obras da ciência, da técnica e da tecnologia do século XX representaram e traduziram um esforço humano múltiplo e variado de previsão, de planeamento, de rigor, de correcção, de avaliação, de crítica e de autocrítica. É esse o verdadeiro esforço científico de uma colectividade, é esse o verdadeiro esforço científico de uma comunidade. Utiliza-se este termo para muito poucas coisas no mundo, mas utiliza-se, seguramente, para as comunidades científica e académica.
A ciência é obra de um povo, a tecnologia é obra de uma comunidade, pelo que temos de sublinhar esta ideia do esforço colectivo em prol da ciência e da tecnologia, integradas no esforço de desenvolvimento social e económico.
Finalmente, falámos com frequência sobre o que acontecerá em 1992, sobre o mercado único, sobre a integração definitiva e cada vez mais profunda na Europa. Falámos também frequentemente da nossa própria identidade, que vai sofrer transformações. Preservaremos alguns dos seus aspectos, mas também nos vamos ligar ao mundo.
Dentro de dez, vinte ou trinta anos a identidade dos Portugueses será diferente da de hoje, porque nós Portugueses, nós Nação, decidimos juntar-nos um pouco mais intimamente aos povos nossos vizinhos. E, se quisermos conservar algo do que temos e que constitui parte do nosso património, garanto-vos que, mais que tudo, a ciência, a cultura e a educação são os aspectos que melhor nos poderão salvar.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre esta matéria.
A próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas.
Da ordem dos trabalhos consta a discussão da proposta de lei n.º 23/V - atribui ao Ministério dos Negócios Estrangeiros competência para verificar a autenticidade dos documentos destinados à execução em Portugal de decisões que constituem título executivo, proferidas em virtude da aplicação dos tratados dos instituintes das Comunidades Europeias, e do projecto de lei n.º 179/V (PS) - reabilitação e reintegração do ex-cônsul de Portugal em Bordéus, Aristides de Sousa Mendes, que de acordo com a deliberação da conferência de líderes será amanhã discutido e votado na generalidade, seguindo-se a respectiva votação final global.
Procederemos ainda às votações finais globais das propostas da lei n.ºs 13/V e 17/V e às votações na generalidade dos projectos de lei n.ºs 172/V (PSD) - lei sobre a investigação e desenvolvimento tecnológico e 199/V (PS) - lei de enquadramento da promoção da investigação científica e tecnológica.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram O horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Maria Pereira.
Armando de Carvalho Guerreiro Cunha.
Arménio dos Santos.
Carla Tato Diogo.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando Barata Rocha.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
João Álvaro Poças Santos.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Angelo Ferreira Correia.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mendes Bota.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Amadeu Barradas Amaral.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
José Vera Jardim.

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18 DE MARÇO DE 1988 2291

Manuel António dos Santos.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Vítor Manuel Caio Roque.
Vítor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Luísa Amorim.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Fernando Monteiro do Amaral.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Maria Manuela Aguiar Moreira.

Partido Socialista (PS):

Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Balseiro Amaro.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
Lino António Marques de Carvalho.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação relativa aos projectos de lei n.ºs 159/V (PSD), 166/V (PS) e 181/V (PCP) - Criação da freguesia de Vale da Pedra, no concelho do Cartaxo.
O PS votou a favor, na generalidade, os projectos de lei do PSD, do PS e do PCP relativos à criação da freguesia de Vale da Pedra, no concelho do Cartaxo, e absteve-se na especialidade e na votação final global do projecto de lei apresentado pelo PSD pelas razões adiante expostas:

No caso da freguesia de Vale da Pedra, todos os pareceres dos órgãos do poder local, amplamente fundamentados, são unânimes, na sua generalidade, quanto à legitimidade da criação da nova freguesia. Todavia, também por unanimidade, expressaram todos os órgãos autárquicos a preocupação e a ressalva de que a nova divisão territorial entre a freguesia antiga e a agora a criar seja estabelecida por consenso das populações e dos órgãos autárquicos envolvidos como forma de, por um lado, não se inviabilizar as duas freguesias em termos de área territorial e, por outro, garantir que a nova partilha administrativa não crie, também, potenciais focos de conflitualidade entre as respectivas populações. Assim, é de realçar o trabalho desenvolvido neste sentido pelos órgãos do Município do Cartaxo, que através de uma comissão de estudo conseguiram apresentar a esta Assembleia da República uma proposta para a divisão a poente da freguesia de Vale da Pedra, que mereceu a concordância unânime de todas as partes envolvidas.
Foi essa a proposta de delimitação territorial da freguesia de Vale da Pedra que o PS, no respeito que lhe merecem as autarquias e no cumprimento da lei, apresentou no seu projecto e que, estranhamente, não mereceu a aceitação do PSD, que impôs uma divisão administrativa entre as duas freguesias contra tudo e contra todos. Basta lembrar que, com isso, partilhou a povoação de Cruz do Campo pelas duas freguesias, situação administrativamente incorrecta e, quiçá, geradora de potenciais conflitos sociais. A nossa proposta de emenda salvaguardava essa situação, que reputamos de grave atentado administrativo e que não serve as populações nem defende os interesses do Município do Cartaxo, cujos órgãos representativos, por unanimidade, tentaram evitar tal erro.
Apesar de, como último recurso, ter sido apresentado um requerimento onde se pedia a baixa à Comissão de Administração do Território, Poder Local e Ambiente, por um período de oito dias, dos projectos de lei apresentados, a fim de os deputados proponentes poderem contactar directamente com as populações e, dessa forma, constatarem a razão de ser da proposta de alteração do limite poente da nova freguesia, o PSD, em manifesto contraste com posições assumidas noutros projectos de lei (veja-se o voto favorável do PSD ao requerimento de baixa à Comissão, por um período de oito dias, dos projectos de lei do PCP e do PS sobre a criação da freguesia de Bicos, no concelho de Odemira), votou desfavoravelmente o requerimento apresentado, negando a possibilidade de entendimento com a população local.
Lamentamos, por isso, que, mais uma vez, a imposição prepotente da maioria parlamentar tenha impedido que a criação da freguesia de Vale da Pedra, cuja génese mereceu a concordância das populações e das autarquias, não consubstancie no texto legislativo final a expressão total de toda essa concordância. Se por um lado existem as prerrogativas de uma maioria parlamentar, por outro também existe a razão e o respeito da vontade unânime da população directamente atingida pelo acto legislativo em causa.
A agora criada freguesia de Vale da Pedra, as populações envolvidas e as autarquias do Município do Cartaxo mereciam maior consideração por parte do PSD, pois com os consensos unânimes que, através dos seus pareceres, apresentaram a esta Assembleia mostraram uma imagem de maturidade política que urge realçar como exemplo de governação onde a busca de consensos e a recusa à conflitualidade gratuita dignifica o exercício do poder e servirá de exemplo a quem tem como cartilha política a governação da prepotência e da arrogância, ignorando, ostensivamente, a vontade democrática dos governados.

O Deputado do PS, Carneiro dos Santos.

Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Cacilda Nordeste - Carlos Pinto da Cruz - José Diogo.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n. º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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