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27 DE ABRIL DE 1988 3225

exigências que sejam capazes de evitar a frequente ocorrência de práticas ilegais em que, por compadrio ou favor político, por vezes se tem deixado envolver, traduzidas em alienações para construção de baldios, ainda que reconhecidamente necessários ao logradouro comum, e até no seu loteamento total para o mesmo fim, com precedência, ou nem sequer, de falsas justificações notariais, em que aqueles bens são usurpados aos povos e fraudulentamente integrados no património privado da autarquia.
Mas, se somos partidários de uma mais ampla intervenção das juntas de freguesia neste campo, em que importa assegurar a maior utilidade pública ou social dos baldios, tenham ou não deixado de exercer a sua função tradicional de complemento de explorações agrícolas de índole familiar, é, por outro lado, indubitável que tal atitude de nenhum modo nos pode conduzir à eliminação pura e simples dos conselhos directivos e das assembleias de compartes, constituídas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 39/76, de 19 de Janeiro, já que a isso se opõe frontalmente a Constituição.
Há, com efeito, que ter em conta, nesta matéria, o que expressamente dispõe o artigo 89.º, ao distinguir, no corpo do n.º 2, como elementos constitutivos do sector público, os bens e unidades de produção pertencentes a entidades públicas, como são as autarquias, e os pertencentes às comunidades, e ao autonomizar, quanto ao modo social de gestão, na alínea c), os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais.
Bens desta última categoria são justamente os baldios - porventura até os únicos - e as comunidades locais, que os gerem, assumem tal relevo para o legislador constitucional, que, no artigo 94.º, n.º 2, são chamadas a participar na elaboração do Plano, ao lado das autarquias, em representação das respectivas populações.
É, assim, incontroverso que, se a lei quisesse deferir a posse e gestão dos baldios às juntas de freguesia, não teria criado para aquelas uma alínea privativa, já que ficavam, desde logo, contempladas na alínea á) do referido artigo 89.º, n.9 2, por se tratar, em tal hipótese, de bens geridos por pessoas colectivas públicas, como são as autarquias.
Consagra, pois, o artigo 89.º, n.º 2, e sua alínea c), que resistiram à revisão de 1982, o regime instituído pelo Decreto-Lei n.º 39/76, ao qual vieram, assim, conferir dignidade constitucional.
O que nos obriga a repelir que, por maior intervenção que se queira atribuir às autarquias na posse e gestão dos baldios, ela terá sempre de respeitar aquelas balizas constitucionais, e, por isso, por mais ampla e profunda que se configure, não pode ser substitutiva dos compartes, contra a sua vontade, salvo nos casos atrás contemplados, mas antes suplicava, complementar ou meramente subsidiária.
Onde os compartes, naturalmente através dos seus órgãos de gestão de baldios, estejam em plena actuação a cumprir e prosseguir os fins da administração comunitária, a intervenção das autarquias tem de ser liminarmente recusada, por ofensiva do já referido ditame constitucional, exceptuadas as referidas hipóteses em que se justifique o arrendamento compulsivo ou a expropriação por utilidade pública.
Ora, é no quadro das realidades que ficam descritas, e dos princípios expostos, que o projecto de lei n.º 41/V do PS carreia soluções sobre a posse e gestão dos baldios que compatibilizam os interesses em jogo, ao respeitar a vontade dos compartes quando ela prossegue o interesse comunitário, mas também ao supri-la pela intervenção das autarquias quando ela deixa de se manifestar nos termos que fundaram o seu acatamento constitucional.
Assim é que, no seu artigo 3.º, se reconhece que a administração dos baldios compete, em primeira linha, a um conselho directivo eleito pela assembleia de compartes, salvo se pelo antigo costume for outra a entidade administrante. Mas, se o baldio não for reivindicado pelos compartes dentro de certo prazo, é essa administração atribuída às juntas de freguesia.
Respeita-se, assim, a posse e gestão das comunidades locais onde elas estejam a ser regularmente exercidas, de harmonia com o uso tradicional e o interesse comunitário, mas, onde tal não se verifique, as autarquias são chamadas a assumir definitivamente essa administração. Vê-se, pois, que sobre a matéria em análise, entre as posições do PSD e do CDS, de um lado - que subtraem os baldios à posse e gestão das comunidades locais, contra o inciso expresso do artigo 89.º, n.º 2, da Constituição -, e a posição estática ou imobilista do PCP - para quem tudo se deve manter como está desde 1976, não obstante o abandono de extensas áreas, que é uma realidade que não se pode ignorar e a que urge dar remédio-, o Partido Socialista adopta uma posição intermédia ou de síntese, que logra conciliar a tradição e o interesse actual dos povos com a necessidade de promover o aproveitamento dos baldios, para que prestem o máximo de utilidade pública ou social.
Ao darmos, por estas razões, o nosso voto ao projecto de lei do PS, temos, obviamente, de recusá-lo aos projectos do CDS e do PSD, já que eles enfermam de manifesta inconstitucionalidade.
Anotar-se-á ainda que, propondo-se estas duas iniciativas liquidar a propriedade comunal, integrando-a no domínio público da freguesia, como explicitamente se proclama no artigo 1.º, n.º 2, do projecto do PSD, seríamos levados a pensar que elas são, além do mais, prematuras, pois deveriam aguardar a revisão constitucional para nela se tentar consumar previamente aquele propósito.
Mas o mais curioso é que, se o projecto de revisão constitucional do CDS propõe, coerentemente, a eliminação pura e simples do artigo 89.9 da Constituição, o do PSD, bem ao contrário, mantém no seu projecto, como categoria autónoma do sector público, os bens das comunidades locais e por elas geridos, que só podem ser, como têm sido, os baldios.
É, assim, o próprio PSD quem se prepara para confirmar, na revisão constitucional, a inviabilidade do projecto que agora trouxe a este Plenário.
Temos, por outro lado, de reconhecer que o projecto do PRD, se, com o seu exíguo articulado, ignora as grandes questões que o projecto do PS encara, ele tem, contudo, o mérito de respeitar a Constituição, não procurando substratos baldios ao tradicional domínio dos seus titulares, que são os compartes.
Discordamos, é certo, de alguns dos seus preceitos, como do seu artigo 2.9, n.9 2, que vem admitir, na linha do Código Administrativo de 1936, a usucapião dos baldios, que, além de contrário ao princípio aceite da inalienabilidade, sempre constituiu fonte de injusta espoliação dos povos dos seus direitos comunitários.
Tudo concorre, pois, para que, não obstante a maioria de que desfrutam, os projectos de lei do PSD e do CDS, inconstitucionais como são, e como continuarão a sê-lo, mesmo depois da revisão constitucional estejam votados a completo naufrágio. O que significa que a luta em defesa dos povos utentes dos baldios tem condições para prosseguir, para além do desfecho que se adivinha neste Plenário, e estamos certos de que há-de triunfar.

Aplausos do PS e do PCP.

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