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Quinta-feira, 16 de Junho de 1988 I Série - Número 100

DIÁRIO Da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 15 DE JUNHO DE 1988

Presidente: Exmo. Sr. António Alves Marques Júnior

Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Cláudio José dos Santos Percheiro
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 15 horas e 40 minutos.
Foram aprovados os n.ºs a 91 do Diário.
Os pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os recursos apresentados pelo PCP, relativos à admissibilidade das propostas de lei n.º 47/V - Autoriza o Governo a alterar a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação dos Sectores) - e 57/V - Alteração do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, referente ao Sistema Eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira - foram aprovados, tendo intervindo na respectiva discussão, a diverso título, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Mário Raposo (PSD), Vera Jardim (PS), Nogueira de Brito (CDS), José Reis (PS), Raul Castro (ID), Almeida Santos (PS), Guilherme Silva e Coito Pita (PSD), Jorge Loção (PS) e Rui Silva (PRD).
Foi aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global a proposta de lei n.º 42/V -Autoriza o Governo a legislar no sentido da criação de benefícios fiscais para os emigrantes em países terceiros -, tendo intervindo, além do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Oliveira Costa),
os Srs. Deputados António Mota (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Fernando Moniz (PS), Luís Geraldes, Fernando Figueiredo, Adão e Silva e Guido Rodrigues (PSD).
Iniciou-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 46/V - Autoriza o Governo a alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados no sentido de permitir a intervenção de estagiários em processos penais -, sobre o que intervieram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro), os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP) e Vera Jardim (PS).
Procedeu-se à votação na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei n.º 55/V - Exclui da incidência do imposto do selo a que se refere o artigo 28 da respectiva Tabela as apostas mútuas desportivas do Totobola -, que foi aprovada.
A requerimento do PCP, o projecto de lei n.º 141/V - Garantias e direitos dos cidadãos que frequentam cursos de formação profissional - baixou às Comissões de Juventude e de Trabalho, Segurança Social e Família, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Rogério Moreira (PCP), Joaquim Marques (PSD), Narana Coissoró (CDS) e Jorge Lemos (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 40 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adão José Fonseca Silva.
Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Fernandes Ribeiro.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António José de Carvalho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Mário Santos Coimbra.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António Paulo Veloso Bento.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Armando Carvalho Guerreiro Cunha.
Armando Manuel Pedroso Militão.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Angelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carla Tato Diogo.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Matos Chaves de Macedo.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Ercília Domingos M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Milhomens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Granja Rodrigues da Fonseca.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José António Coito Pita.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís Campos Vieira de Castro.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mendes Bota.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria Assunção Andrade Esteves.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Natalina Pessoa Milhano Pintão.
Mary Patrícia Pinheiro Correia e Lança.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rosa Maria Ferreira Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.

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Fernando Ribeiro Moniz.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Guilherme Manuel Lopes Pinto.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Florêncio B. Castel Branco.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Manuel Torres Couto.
José Vera Jardim.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Maria Helena do R. da C. Salema Roseta.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Álvaro Manuel Balseiro Amaro.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo Brito.
Cláudio José dos Santos Percheiro.
Fernando Manuel Conceição Gomes.
João António Gonçalves do Amaral.
Jorge Manuel Abreu Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria de Lurdes Dias Hespanhol.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo S. de Sousa Moreira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Isabel Maria Costa Ferreira Espada.
Natália de Oliveira Correia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Maria Amélia do Carmo Mota Santos.

Agrupamento Intervenção Democrática (ID):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 88, 89, 90 e 91 do Diário da Assembleia da República, 1.º série, respeitantes às reuniões plenárias dos dias 13, 17, 19 e 20 de Maio findo.

Pausa.

Como não há oposição, consideram-se aprovados.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do parecer sobre o recurso apresentado pelo PCP relativo à proposta de lei n.º 47/V, que autoriza o Governo a alterar a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação dos Sectores).
O Sr. Deputado Secretário vai proceder à leitura do respectivo parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Pausa.
Srs. Deputados, a bancada do PCP sugere que se dispense a leitura do parecer. Se não houvesse objecções das restantes bancadas, assim se faria e passaríamos de imediato à apreciação do parecer sobre o recurso apresentado pelo PCP.

Pausa.

Não há objecções, pelo que, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De todas as propostas do Governo, esta, que hoje se discute, faz, sem dúvida, jus ao título de «a mais nebulosa».
No meio desse nevoeiro espesso três coisas se vislumbram com nitidez. Primeiro, a gula dos lobbies, depois a pressa do Governo e, finalmente, a inconstitucionalidade da proposta de lei.
A gula dos lobbies em relação aos sectores e empresas públicas rentáveis é enorme, muitas vezes subterrânea, impudente outras, indisfarçável em qualquer caso.
Fervilham as «capelinhas» e os grupos de interesse: os que querem ficar com o gás do Porto; os que querem o de Lisboa; os que cobiçam a QUIMIGAL depois de desmembrada; os que preferem os equipamentos terminais e os serviços rentáveis e complementares da rede básica de telecomunicações.
Dos candidatos a patrões siderúrgicos aos aspirantes à reconquista dos impérios dos transportes e da construção naval, todos deambulam pelos gabinetes ministeriais, todos têm amigos e inimigos no PSD, todos movem influências nos corredores do Poder.
Nesse quadro avulta o segundo facto visível: a pressa do Governo.
Antes de ser lei a proposta em debate já está em parte aplicada e parte em aplicação.
As empresas públicas de transportes marítimos - a Companhia Nacional de Navegação (CNN) e a Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos (CTN) -, cuja imperativa defesa era imposta pelo artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 46/77, estão, como sabem, em fase final de liquidação; a SOCARMAR é objecto de obs-

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curas manobras de apropriação, bem merecedoras de inquérito; a PORTLINE e a TRANSINSULAR foram pioneiras num caminho de privatização, com episódios nebulosos, que o Governo quer agora generalizar; do desmembramento da TAP nasceram, há anos, a Air Atlantis e a LAR, cujo processo de privatização parcial é triunfantemente propagandeado e, segundo Belmiro de Azevedo, mereceria, mais do que o caso SONAE, um inquérito; na CP foi criado em Agosto de 1987 o Gabinete do Nó Ferroviário de Lisboa, que não se exclui que seja integrado na rede complementar privatizável; na RN foram praticados actos de desmembramento propiciadores de alienação; o Ministro Mira Amaral, por sua vez, revelando a existência de adiantadas negociações com grupos privados, anuncia, pura e simplesmente, a um jornalista a concessão da exploração da Petroquímica e da SETENAVE, dispondo-se a despedir aqui mais 3000 trabalhadores, a somar aos 2082 postos de trabalho extintos entre Janeiro de 1981 e Dezembro de 1987.
Os preparativos são abundantes e não escapam a ninguém: gestores saneados e substituídos por «laranjas» testados na fidelidade absoluta ao chefe e ao capital; pública revelação por ministros de que o critério supremo do Governo é o pôr primeiro as empresas públicas a ganhar dinheiro e depois privatizá-las; o facto inteiramente evidente de que os grandes projectos nacionais foram abandonados ou estiolam nas gavetas, substituídos pelos projectos de grupos económicos nacionais e estrangeiros. Nem o armamento escapa à gula!
Muito daquilo que o Governo quer é, aliás, um segredo total. Excepto, talvez, para alguns. Postos perante perguntas, os ministros gaguejam, dizem que sim, dizem que não, dizem que talvez.
Anteontem mesmo o jornal Diário de Notícias registou este diálogo delirante entre um seu jornalista e o Ministro Oliveira Martins:

O jornalista - Sr. Ministro, está prevista a privatização de linhas da CP?

O Ministro - O Governo admite, embora a opção final só seja após a aprovação da Lei de Bases dos Transportes Terrestres.

O jornalista (insistindo) - Quer dizer que não está prevista a adjudicação a privados de partes da rede ferroviária para exploração comercial?
O Ministro (em resposta sibilina) - A concessão a entidades privadas só pode ser feita nos casos em que os transportes ferroviários não revistam as características de serviço público. [Quais são, não diz, é segredo!
O jornalista (já desesperado) - Conclui-se, portanto, que a CP e a RN, na área dos transportes, não virão a ser privatizadas?
O Ministro - Em princípio não, embora, teoricamente, essa possibilidade esteja em aberto.
Eis, Srs. Deputados, um típico ministro «cavaquista»!
Este não peca pelas massagens nem pelas palavras; entre o sim e o não revela claramente que o Governo não esperou que a proposta de lei n.º 47/V fosse aprovada para a pôr em marcha.
Tal como aconteceu com o «pacote laborai», » Governo pensou, pensou em tudo, excepto no essencial. E o essencial é que esta proposta de lei, que esta em marcha, não pode estar em marcha, porque tem um defeito e tem um defeito irremediável: a proposta é inconstitucional!
O que o Governo quer, Srs. Deputados, é pleno poderes para esvaziar as limitações de acesso do capital privado a sectores básicos da economia. Em vez de delimitar sectores vedados, a proposta de lei n.º 477V traça um mapa em que todas as aberturas são consentidas e em que todos os caminhos redundam em abertura.
Para isso o Governo quer criar dois caminhos t juntar-lhes dois atalhos.
Primeiro caminho: a liberalização do acesso de capital privado a todos os sectores que, em termo: económicos, podem ser qualificados como industriai: de base. A proposta faculta a constituição de empresas privadas nas indústrias petroquímica de base e de siderurgia e de refinação de petróleos. Quer isto dizer que só remanesceria vedada a indústria de arma mento, de carácter estratégico; segundo critérios pura mente económicos, nada ficaria vedado na área dr indústria.
Segundo caminho: o drástico esvaziamento do elenco dos sectores vedados, abrindo ao capital privado a produção, transporte e distribuição de energia eléctrica e gás para consumo público, um número indeterminado de serviços de telecomunicações ditos «complementares» e ditos «de valor acrescentado» - saiba-se lá e que isso é -, os transportes aéreos regulares interiores, um número indeterminado de transportes ferroviários não explorados em regime de serviço público e os transportes colectivos urbanos de passageiros nos principais centros populacionais.
No tocante às telecomunicações e transporte aéreo, prescreve-se que o capital privado tenha posição minoritária, mas a proposta é indefinida quanto à natureza das actividades que liberaliza. Já me referi às telecomunicações, devo também insistir na questão dos transportes aéreos, em que o Governo não especifica minimamente o que entende, deixando, aliás, em aberto a questão das regiões autónomas - a não ser que e Governo não as considere território nacional.
Sucedendo, porém, que para percorrer estes caminhos pode haver certas dificuldades, o Governo tratou de criar um atalho capaz de apressar todas as chegadas. A proposta de lei prevê, assim, que possa ser concedida a entidades privadas a exploração ou gestão das empresas públicas existentes em qualquer sector, incluindo as de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, saneamento básico, serviços não complementares de telecomunicações, transportes aéreos regulares exteriores e transportes ferroviários de serviço público, em que só a titularidade por entidades privadas continua a não ser prevista.
Mesmo aí, Srs. Deputados, haverá que apurar se, na sua confusa redacção, a lei dos 49% não permitirá outro atalho, qual seja a transformação das empresas desses sectores em sociedades de capital misto, abertas, portanto, ao capital privado, embora minoritário.

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É que no decurso da sua votação na especialidade foi alterada a redacção originária da proposta governamental, que não previa privatizações em sectores vedados.
O Governo - o Primeiro-Ministro, Cavaco Silva - exibiu isso aqui nesta sala como prova de moderação, dizendo algo como: «Vejam só, Srs. Deputados, que, ao contrário desse terrível PS no governo do bloco central, nós nem propomos privatizações em sectores que a lei vede!» Generoso, Sr. Primeiro-Ministro!... A habilidade era realmente circense. Em breve se descobriria que para o Governo a lei devia deixar de vedar o que quer que fosse! Seria proibido privatizar em sectores vedados, mas deixaria de haver sectores vedados. Eis uma habilidade tipicamente «cavaquista»!
Aparentemente, na votação em comissão mãozinha hábil fez cair mesmo essa magra limitação, e, se assim é, Srs. Deputados, temos criado um segundo atalho para a penetração do capital privado.
E eis que se torna patente o alcance exacto do quadro desejado pelo Governo. Por estes caminhos e atalhos deixaria de haver sectores vedados, pois a todos teria acesso o capital privado: nuns casos, teria acesso pela propriedade e gestão, total ou parcial, noutros, pela gestão sem propriedade, e, em ambos os casos, em vez de sectores vedados, teríamos sectores abertos. Poderiam variar os caminhos, mas certo e aberto seria o pomo de chegada. Em certos casos haveria condições a preencher para o acesso, mas sempre acesso, embora condicionado.
É isto que o parecer elaborado pela 1.ª Comissão e relatado pelo Sr. Deputado Mário Raposo não consegue contraditar. E não consegue também demonstrar que haja qualquer possibilidade de fazer passar por constitucional uma lei que tão por completo inverte o sentido útil do artigo 85.º, n.º 3, da Constituição. No vastíssimo património de reflexão jurídico-constitucional que, em Portugal, se estabeleceu em torno da problemática da delimitação de sectores abundam, todos sabemos, as divergências sobre o alcance do preceito constitucional, mas ninguém conseguirá extrair da jurisprudência (tanto da Comissão Constitucional como do Tribunal Constitucional) qualquer argumento útil a favor da proposta do Governo. Pelo contrário!
Como sublinhou o primeiro dos órgãos citados, estando fora de dúvida que «o legislador dispõe de larga adaptabilidade às circunstâncias», importa, primeiro, que não esvazie o sector básico vedado, antes o preencha com o mínimo que assegure uma efectiva subordinação do poder económico privado ao poder político democrático, e, segundo, que a exclusividade económica do Estado não possa ficar restrita a sectores básicos não lucrativos ou insuficientemente rendíveis.
Dir-se-ia que o Sr. Deputado Mário Raposo não leu os pareceres n.ºs 8/80, 10/80, 13/80 e 23/81 da Comissão Constitucional nem a jurisprudência do Tribunal Constitucional, incluindo a mais recente - refiro-me aos Acórdãos n.05 25/85 e 108/88 -, leitura que seria de molde a desencorajar o Governo, se não fosse de admitir que é isso mesmo que o encoraja e move no seu desafio às instituições.
O Governo, Srs. Deputados, insiste nesses dois pontos, primeiro, quanto ao esvaziamento dos sectores vedados. A proposta, tal qual está, frustra o conteúdo essencial da regra da vedação e deixa-a sem conteúdo
útil, atingindo, além disso, o princípio da coexistência dos diversos sectores de propriedade (permitindo comprimir ilimitadamente o sector público), compromete o respeito pelos princípios da subordinação do poder político democrático e faculta o esvaziamento do planeamento democrático da economia.
Quanto à possibilidade de concessão a privados da gestão/exploração de empresas públicas, a proposta é também flagrantemente inconstitucional. É que a revisão constitucional de 1982, Srs. Deputados, ao alterar o artigo 89.º, n.º 3, eliminou dúvidas sobre as consequências da gestão privada - uma empresa cuja gestão seja privada pertence ao sector privado, qualquer que seja a sua titularidade, e, quando tenha sido objecto de nacionalização, acarreta desnacionalização. Este efeito esteve bem presente na aprovação pelo PS da alteração ao artigo 89.º da Constituição, como o atesta a declaração de voto do Sr. Deputado Nunes de Almeida no Diário da Assembleia da República, 1.ª série, de 1 de Julho de 1982, p. 4599.
Se o artigo 9.º da Lei n.º 46/77, mesmo na sua redacção actual, é inconstitucional, por originar desnacionalizações não admitidas pelo artigo 83.º da Constituição, na versão alargadíssima que o Governo propõe não é inconstitucional, é superinconstitucional. E é a este aspecto que o parecer relatado do Sr. Deputado Mário Raposo não dedica uma linha. Este aspecto, que foi avultado por recentes debates, no Tribunal Constitucional e que ressalta meridianamente da leitura do acórdão, designadamente do que decorre da sua p. 26, foi, pura e simplesmente, escamoteado, subalternizado e desprezado no debate que se fez na 1.ª Comissão.
Dir-se-ia que o Governo e os seus deputados têm, em relação ao Tribunal Constitucional, uma atitude e apenas uma atitude: a atitude do enxovalho público, a acusação de que os juizes «estão alienados a partidos políticos», a acusação de que o Tribunal «não é independente», a acusação de que o Tribunal não obedece à Constituição quando não obedece ao Governo.
O recente Acórdão n.º 188/88 do Tribunal Constitucional, Srs. Deputados, veio reforçar o entendimento que aqui referi: uma gestão puramente privada não preenche os vectores aplicáveis, que, segundo aquele Tribunal, exigem sempre, ao menos, predomínio público na gestão.
Com esta proposta de lei o Governo quer escrever mais uma página negra na sua relação contenciosa com o regime democrático constitucional. Foi anunciado no primeiro conselho de ministros posterior à greve geral de 28 de Março. Na parte respeitante aos transportes, a privatização surgiu e surge como uma vingança e um castigo aos trabalhadores que fizeram greve.
Punição para os trabalhadores, prémio para os lobbies, esta proposta de lei é sobretudo um desafio, desafio à Assembleia da República, ao Tribunal Constitucional e ao Presidente da República. Afinal, ao regime democrático.
148 deputados poderão carimbá-la; 148 deputados poderão aprová-la sem um argumento; 148 deputados poderão aprovar o parecer que aqui foi relatado... Nem por isso abram garrafas de champanhe, Srs. Deputados do PSD!
A Constituição, neste ponto, como em outros, está claramente ao lado dos trabalhadores. Veremos!

Aplausos do PCP, do PRD e da ID.

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O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Já a de 1976 também estava! A de 1982, essa era fascista!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Vocês têm de acabar primeiro a redacção do «pacote laborai»! Vocês excitam-se muito!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Mário Raposo, Vera Jardim e Nogueira de Brito.
O PCP esgotou, com a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, o tempo que tinha disponível para este debate, tendo ainda utilizado três minutos que lhe foram cedidos pela ID.
Para responder aos pedidos de esclarecimento que que lhe vão ser feitos, o PCP disporá de tempo que lhe é cedido pelo PRD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Magalhães: Vou ser extremamente breve, até porque estou a usar do meu próprio tempo.
Devo dizer que o Sr. Deputado José Magalhães citou, em quantidade e com a qualidade que possui, o parecer que exarei no recurso do PCP à proposta de lei n.º 47/V.
A verdade é que, cautamente, a bancada do PCP requererá a dispensa da leitura do parecer. Isto, como é óbvio, para evitar que os Srs. Deputados tivessem completo acesso a um parecer que, exaustiva e concludentemente, demonstrara que a proposta de lei em debate é perfeitamente compaginável com a Constituição, quer com o seu texto, quer, digamos, com o seu contexto.
Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães revelou hoje uma nova faceta de uma certa práxis tendencialmente peculiar a todos os partidos, peculiar à própria política e, consequentemente, aos políticos que dela têm emanado. Essa práxis é a de a Constituição cada vez tender menos a ser invocada. Isto porque ela, visivelmente, na óptica do Sr. Deputado José Magalhães - e muito bem, porque realmente o Sr. Deputado sabe o que lê e sabe o que diz, embora muitas vezes não diga aquilo que sabe -, é cada vez menos um travão à natural expansão da economia, à natural disponibilidade da capacidade criativa, ao desenvolvimento. Por isso, o Sr. Deputado fez apelo a uma solução de recurso, a esse travão de recurso que são os lobbies.
Da última vez que tive o gosto, o prazer e a honra de intervir aqui consigo sobre uma proposta de lei análoga o Sr. Deputado José Magalhães teve ocasião de falar frequente e insistentemente nos lobbies. É, por assim dizer, a invocação por avença dos lobbies.
Logo no reinicio deste contrato de hoje neste hemiciclo vejo-o reiterando a problemática dos lobbies. Pergunto, portanto, ao Sr. Deputado José Magalhães se, na realidade, não acha que a Constituição é já, por si própria, um travão para esse tournant natural que a economia portuguesa tem de ter, em sintonia com a economia da geografia em que se insere. E se será necessário invocar situações pouco claras, até porque não explícitas, não concludentes e sem qualquer base factual, para defender qualquer tese. Não vejo a via lobbies por avenca como um argumento doutrinal.
Este é um ponto fundamental, porque, na verdade, mesmo a nível da revisão constitucional, é escassa a necessidade de fundo de alteração no artigo 85.º e nos demais que pôs agora em causa. Isso indicia, de maneira perfeitamente definitiva, que a própria Constituição não tem de ser, neste ponto, essencialmente alterada para permitir que se desenvolva em Portugal uma política económica moderna, conforme ao que se passa na Europa. Por mais que alguns queiram, não podemos situar-nos numa Europa que não é a nossa, que é outra, que pertence a uma geografia diferente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães deseja responder já ou responde no fim dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, a pergunta que lhe quero dirigir é muito simples, muito concreta, admitindo embora que a resposta possa não ser tão simples.
Como sabe, a Lei n.º 48/77, que o Governo se propõe alterar, já não está hoje no estado em que estava quando foi publicada.
Na verdade, por um lado, o n.º 1 do seu artigo 3.º, que vedava às entidades privadas o acesso à banca e aos seguros, está ultrapassado, como ultrapassada parece estar a alínea h) do artigo 4.º, que diz respeito aos transportes marítimos - essa pela prática -, como ultrapassada está também a proibição de acesso das empresas privadas ou organizações de natureza idêntica às indústrias adubeira e cimenteira.
A pergunta que lhe queria dirigir é a seguinte: entende o Sr. Deputado - e a bancada do PCP - que a Lei n.º 46/77, nos moldes e nos quadros em que se encontra hoje, não é passível de alteração sem se cometer uma inconstitucionalidade?

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado José Magalhães, na exposição que fez do recurso apresentado pelo seu partido à proposta de lei n.º 47/V, centrou toda a sua argumentação em dois dispositivos constitucionais. Essa argumentação foi coadjuvada pela evocação de outros preceitos, mas centrou-se, fundamentalmente, nos artigos 85.º, n.º 3, e 89.º, n.º 3, com a redacção que lhe foi dada na revisão constitucional de 1982.
A este segundo preceito lá iremos daqui a momentos, quando fizermos a nossa intervenção, no tempo que cabe ao meu partido.
A evocação isolada do artigo 85.º, n.º 3, leva-me a fazer-lhe esta pergunta: admite ou não o Sr. Deputado José Magalhães que o artigo 85.º, n.º 3, da Constituição confere à Assembleia da República o poder de definir, por lei, quais os sectores básicos vedados à iniciativa privada?

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Há ou não, portanto, um poder atribuído à Assembleia da Republica no sentido de definir o que é e o que não é vedado e esse poder é ou não um poder que sofre alteração conjuntural em função de variadíssimas circunstâncias?
No fundo, é um pouco, no enfoque do dispositivo constitucional invocado, uma pergunta semelhante à que lhe foi feita pelo Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Reis.

O Sr. José Reis (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães falou das questões ligadas à marinha de comércio, designadamente da extinção da CNN e da CTM. Falou também da PORTLINE, e agradeço-lhe ter falado nessa questão, porque penso que as questões ligadas à marinha de comércio são importantes e nunca estiveram aqui em debate.
Como é sabido, a extinção dessas duas empresas seculares já decorre há três anos, cujo prazo terminou o mês passado. Acontece que o Governo alargou esse prazo e a CTM continua em fase de extinção; acontece que as duas empresas que apareceram por extinção destas, a PORTLINE e a TRANSINSULAR, segundo consta, estão cada vez pior; acontece que o Governo se comprometeu, na altura da extinção daquelas empresas, a privilegiar a situação de emprego dos trabalhadores que ficassem, que não fossem para a reforma, colocando-os nessas novas empresas ou, então, colocando-os noutro sector, o que hão aconteceu. Aliás, nestas empresas trabalham pessoas ligadas aos CTT/TLP, que não têm nada a ver com a marinha de comércio; além disso, há quem esteja em funções de responsabilidade de shipping não sabendo sequer o que isso é e que tem até na sua secretária alguns elementos sobre questões técnicas desta área, porque não sabe sequer o que é o shipping.
Por outro lado, cada vez existem menos navios portugueses, já não os há e, portanto, é tudo fretado.
A questão que lhe quero colocar é a seguinte: não acha que já era altura de esta Assembleia se debruçar sobre os problemas da marinha de comércio em Portugal e sobre as vantagens ou desvantagens da extinção destas duas empresas seculares?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que as perguntas feitas pelo Sr. Deputado Mário Raposo são reveladoras de uma coisa (isso é claro!).
Quando há dias, na televisão, o Primeiro-Ministro dizia que «está acompanhado por juristas eminentes», V. Ex.ª acaba de adquirir o direito a sentar-se na companhia do Sr. Primeiro-Ministro, porque acaba de defender, aliás com elogio em boca própria - o que é inusual (quando seja merecido, normalmente faz-se por outros) -, o parecer que acabou de fazer. Eu estava a ouvi-lo e estava a lembrar-me de como ouvi extasiado o seu colega deputado Miguel Macedo, aí mesmo nessa cadeira onde está sentado, exaltar o carácter «absolutamente constitucional» do pacote laborai. Dizia ele: mas, meus senhores, é totalmente infundada qualquer crítica ou qualquer observação. Consulta pública? Qual consulta pública! Inconstitucionalidade
material? Plash!, qual inconstitucionalidade material! É à prova de bala, é trigo limpo, é farinha Amparo, é nada, é tudo, é limpo!
Srs. Deputados, pode fazer-se isso, mas isso vale o que vale, isto é, é um balão que se esvazia, porque nem quatro «sicofantas» da paixão política ou dos «mara-vedis» da Presidência do Conselho - não é este o caso de V. Ex.ª, como é óbvio - conseguem transformar em constitucional uma proposta que não seja constitucional. E V. Ex.ª não deu um argumento razoável de respostas às dúvidas e críticas que, pela nossa parte, formulámos.
Gostava de ouvir o Sr. Deputado Mário Raposo
- e ainda não perdi a esperança - dizer que a concessão de exploração ou de gestão de empresas públicas a entidades privadas é completamente constitucional. Por que é que o Sr. Deputado não o disse? Todavia, é essa a grande via em que o Governo aposta. O que nos conduz à questão dos lobbies. V. Ex.ª é um leitor de jornais como eu e terá lido, seguramente, as declarações do Sr. Ministro Mira Amaral. Elas são públicas e foram feitas ao jornal Semanário Económico. S. Ex.ª anuncia nem mais nem menos do que a concessão de exploração da SETENAVE e da PETROQUÍMICA, como se não houvesse nenhum problema. Há negociações em curso! Em relação, por exemplo, à SETENAVE, isso já deu escândalo. Em relação à SETENAVE, deu a demissão de um gestor e deu a revisão dos documentos de base que tinham presidido a negociações com o grupo alemão MPC. Ignoram-se, por exemplo, as operações de conjugação para absorção pela LISNAVE? Ou V. Ex.ª acha que isso é uma questão trivial; que nós devemos mover-nos no manto de diáfano da diáspora e outras abstracções e deixar de lado a questão concreta dos lobbies? V. Ex.ª desconhece o interesse do grupo do deputado Angelo Correia na sua qualidade de engenheiro (que, quando engenha, não deputa, quando deputa, não engenha, embora o resultado disso, frequentemente, seja convergente)?!

Risos.

Ignora V. Ex.ª o que se passa em relação à Rádio Marconi? Ignora V. Ex.ª as peripécias da demissão do gestor que lá estava para pôr um gestor que «está lá» e que é à prova de bala, aparentemente, pela sua fidelidade cavaquista? Ignora V. Ex.ª ou quer que ignoremos o que se passa nos transportes aéreos? Não podemos!
Eu sei que Belmiro de Azevedo não é primeiro-ministro, para já! Sei também que Cadilhe não é Belmiro de Azevedo! Também sei! Mas quando se fala, com a boca cheia, da existência de irregularidades e ilegalidades superiores à do caso SONAE em matéria de transportes aéreos, Sr. Deputado Mário Raposo, dá que pensar! Sobretudo quando não se é deputado da maioria e, portanto, não se tem a consciência tranquilamente cavaquista e não se têm problemas.
Por outro lado, os corredores do PSD estão ou não cheios de peticionários? Basta ler os semanários!
Sr. Deputado Mário Raposo, quer que façamos este debate vestidos de anjos com umas asas enormes? Pela nossa parte, tenha paciência, mas não o podemos fazer!
Quanto ao mérito do parecer de V. Ex.ª, ver-se-á. O parecer será lançado ao mundo, será analisado, apreciado e assim veremos! Podia, porém, gastar mais uns minutos a tentar demonstrar o indemonstrável.

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O que me conduz às perguntas dos Srs. Deputados Vera Jardim e Nogueira de Brito. É evidente - e não foi por acaso que arrolei a jurisprudência da Comissão Constitucional - que o legislador tem nesta matéria um enorme poder de decisão. O legislador é realmente bem livre de talhar o mapa de sectores vedados e tem poderes incomparáveis com outros que a Constituição lhe assinala noutros passos. O elenco dos sectores pode ser encurtado. É óbvio! Isso é indiscutível! Agora não pode é ser nulificado, não pode ser reduzido a zero.
Primeiro, o que os Srs. Deputados do PSD não demonstram é que deixar de haver qualquer indústria básica vedada seja perfeitamente constitucional. Boa tarde... foram-se os cimentes, foram-se os adubos, mas também já agora vai-se a Petroquímica, vai-se a Siderurgia, vai-se tudo! O zero de vedação é vedação. É essa a demonstração que o Sr. Deputado Mário Raposo tem à frente: demonstrar que zero de vedação é igual a vedação e que mão vazia é igual a mão cheia. V. Ex.ª pode fazer operações de ilusionismo jurídico, V. Ex.ª terá a habilidade bastante para isso, mas isto é talvez de mais, nem um Houdini jurídico!
A segunda coisa que um legislador não pode deixar de fazer é de definir um elenco mínimo de sectores. E sucede que o Governo arromba os sectores vedados nas outras áreas, basta ver!
Terceiro, e mais importante, é que mesmo em relação àqueles que não sejam susceptíveis de apropriação por titularidade, portanto por propriedade, o Governo prevê a arma atómica. Tudo o que não possa ser apropriado directamente pode ser concedido em exploração.
Srs. Deputados, o que está por demonstrar - e quanto a nós é rematadamente inconstitucional - é que a Constituição permita a concessão de exploração ou gestão de todas as empresas públicas, situadas em sectores vedados ou não. Deixa de haver sectores vedados na vossa óptica. Mas como é que contornam a proibição constitucional de desnacionalização, sobretudo face ao Acórdão n.º 181/88 do Tribunal Constitucional? Esse acórdão é criticável em muitos aspectos - pela nossa parte dirigimos essa crítica pública -, mas num ponto ele faz assentar os seus raciocínios e esse ponto é que a gestão privada de uma empresa pública privatiza-a completamente. Aquilo que os senhores propõem é a concessão de exploração ou gestão a entidades privadas de empresas públicas, ainda que nacionalizadas. Isso é inconstitucional! Os senhores podem agarrar na lei e pô-la ao contrário, onde ela propõe o corte de quinze podem pô-la a cortar dez, ou/i, mas, nos termos exactos em que está redigida, ela é inconstitucional. E este é o ponto de vista principal que quisemos sustentar aqui, sobretudo porque a isto se soma o tal segundo atalho que o Governo incluiu, ou uma mão hábil do PSD - que não está aqui neste momento, não a vejo -, na lei dos 49%, ao permitir precisamente a «quarenta e nove percentização» mesmo em empresas de sectores vedados. Deixa, pois, de haver sectores vedados. Com esta Constituição não é possível! E o Sr. Deputado Mário Raposo poderá fazer os esforços hermenêuticos que quiser. Poderá dizer que a Constituição até já está revista e que não precisa de muitas coisas, como diz no seu parecer. Mas então por que é que o PSD propõe a revisão do artigo 85.º, n.º 3, no sentido de tornar facultativa
a delimitação de sectores? É uma proposta inútil? uma proposta ioiô? É uma proposta para entreter Não! É uma proposta necessária. Necessária, para PSD! Desnecessária e contraditória com o interesse nacional, para nós! Por isso é que nós entendemos que o Governo pretende forçar a nota, pretende penetra em terreno proibido para traçar uma nova cruzada contra o Tribunal Constitucional, contra o Presidente d República, contra nós aqui na Assembleia da República, no sentido de criar a ideia de que a Constituição não serve, que é precisa outra, que é precisa um Constituição à medida de Cavaco, que, como se sabe seria um fato invisível a Constituição inexistente, Constituição nulificadora, a Constituição zero, que a única que fica bem a S. Ex.ª Essa Constituição não pode haver! É isto que dói ao PSD!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Um texto legal será quase sempre uma forma de intervenção política. Governa-se, legislando Os governos ou os partidos que, estabilizada ou circunstancialmente, os apoiam, ao editarem um texto legal, não se desvincularão, por certo, dos pressupôs tos e objectivos que são os seus. Afeiçoam uma realidade, autorizam uma perspectiva, executam um programa. O exercício do Poder é, ou intenta ser, ou não é, mas deveria ser, um exercício de coerência.
Porque as coisas são mesmo assim, qualquer constituição, para que comporte as coerências, naturalmente diversas no seu cotejo global e apenas iguais dentre delas próprias, deverá ser o menos politizado dos textos legais. A política, essa, virá depois.
Uma Constituição partidariamente conotável torna-se ideologicamente asfixiante. Uma constituição não deverá querer exercer o poder político; será, sim, o quadro de actuação do poder político legitimado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Constituição zero!

O Orador: - E é deste modo que as constituições nascem e vivem nas democracias de tipo ocidental.
Esse será o seu comprometimento: o de não significar uma pré-leitura, datada e com post scriptum, de que com base nela se irá fazer através do exercício de poder político. Uma constituição fixista e programaticamente aferida por esta ou aquela bitola afoga, em maior ou menor grau, as pluralidades que a alternância democrática consente; deixa de ser um espaço aberto ao cumprimento, actualizado, da vontade geral livremente afirmada pelo voto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para além do que releva das grandes regras de organização do Estado - que, se podem ser mudadas neste ou naquele segmento, não deverão ser globalmente descaracterizadas -, numa única área a constituição se emancipará das conjunturas e das maiorias políticas. Essa área será a que tem a ver com o valor supremo da pessoa e com os seus direitos - poli-

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ticos, sociais e económicos. Aqui não poderá a Constituição prescindir de desígnios permanentes. Ao invés, deverá resguardar o presente, comandar a esperança e arriscar mesmo a utopia.
Aconteceu, no entanto, que a nossa Constituição procurou drenar um processo revolucionário em que a mais influente dimensão fora a da colectivizacão da economia - deambulando pela ambivalência dos conceitos e pela prolixidade das retóricas. Drenou as tensões, recolhendo, mais do que as ideias, palavras que muito pouco poderiam significar. E daí o ser uma constituição semanticamente pesada, em que as palavras se acotovelam, muito pouco convencidas da sua praticabilidade e da sua validade perceptiva.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o caso da delimitação de sectores!

O Orador: - A revisão de 1982 melhorou este estado de coisas, mas não o resolveu por completo. De qualquer modo, operou uma considerável depuração da carga dogmática e activou a ideia, que a realidade já havia avalizado, de que a regra fundamental é a da liberdade económica, entendida esta, claro está, numa acepção moderna e, portanto, não desligada de propósitos socializantes. Uma realística socialização nada terá, no entanto, a ver com um modelo socialista colectivista; este é, ao invés, por aquela contra-indicado.
Só que uma constituição nascida sob o signo da prolixidade muito dificilmente se tornará alguma vez sóbria e comedida.
E é nessa prolixidade residual que se esteiam entendimentos como os que são feitos pelos Srs. Deputados do PCP. Não se lhes pode levar a mal que actuem em consonância com a opção ideológica e com a práxis que são as suas.
Não têm razão, mas terão as suas razões, que se enfeixam num padrão económico de sinal colectivista. E, com amparo em palavras avulsas de um texto ainda demasiado politizado, dele fazem uma leitura política. Mas tal leitura é contraditada pelo texto na sua intencionalidade global; muito simplesmente, pelo contexto.
Aliás, o Sr. Deputado José Magalhães ainda agora acabou de revelar que está tão pouco convencido do travão que a Constituição representa para uma liberalização adequada da economia e dos agentes económicos que não só disse exactamente isso, como teve ocasião de, uma vez mais, invocar factores exógenos à própria Constituição, ao próprio mundo jurídico nos seus traços permanentes e definidores, convocando situações concretas ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vejam lá! ...

O Orador: - ... que, evidentemente, não se podem avaliar nesta sede, mas noutra diversa.
Portanto, é numa floresta de enganos aquela com que o Sr. Deputado José Magalhães encobre a verdadeira realidade desta questão.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual será? A das nuvens?!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O não se concordar com uma dada interpretação das normas contidas numa constituição ainda demasiado anfibológica não traduz perda de respeito ou desvio de relacionamento. É evidente que há o maior respeito e o maior relacionamento. O direito à não coincidência de opiniões é apanágio dos países livres.
Aliás, o que se passa entre pessoas ou entre deputados - e isto vem a propósito de um ponto que o Sr. Deputado também referiu há pouco - passar-se-á também entre os órgãos do Estado, desde que resguardada a dignidade institucional de cada um.
Não tenho dúvida de que, se, na circunstância agora em apreço, for convocada a pronúncia do Tribunal Constitucional, este comprovará o bem fundado do entendimento que o Governo fez, e que esta Assembleia por certo irá fazer, do questionado enquadramento constitucional.
Mas, se, por mera hipótese, por absurdo, tal não viesse a acontecer, ninguém poderia criticar qualquer órgão do poder - designadamente o Governo - por dissentir publicamente do juízo feito.
Meio indevido de pressão? E por que não antes uso perfeitamente devido de uma intransferível disponibilidade de expressão?
Dá-se, aliás, o caso de o acatamento devido a uma decisão definitiva de um tribunal (seja judicial, seja não judicial) não significar que cada um se esvazie da própria opinião, ou que a arrume, à espera de oportunidade, no rol das frustrações em carteira.
É bom para o País que as posições de cada um sejam postas, desde que não haja transgressão de competências, com concludência e frontalidade.
E isto sobretudo quando esteja em causa a Constituição e o relevo que no que tem de certo, no que tem de menos claro ou no que ainda tem de errado deve justificar.
Há que trocar os mistérios do imaginário pelo debate concludente e responsável de tudo o que respeite a uma lei cada vez mais prementemente fundamental.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Raul Castro e Vera Jardim. Acontece, porém, que o Sr. Deputado Mário Raposo já não dispõe de tempo para responder aos pedidos de esclarecimento.

Pausa.

A Mesa foi, entretanto, informada de que o CDS cedeu um minuto ao Sr. Deputado Mário Raposo, a que acresce mais um minuto cedido pela Mesa.
Tem, assim, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Mário Raposo, a leitura do parecer de que V. Ex.ª foi relator e uma parte da sua intervenção quase me levaram a concluir que o Sr. Deputado estaria a defender a opinião da menor necessidade - não digo desnecessidade - de revisão do texto constitucional, de tal maneira ele teria resultado clarificado na revisão de 1982, designadamente no que respeita aos propósitos de definição de um modelo de sociedade para o nosso país. Verifiquei depois que V. Ex.ª, apesar de tudo, continua a atribuir uma razoável dose de «equivocidade» ao texto, não deixando de apoiar a sua revisão.
De contrário, estaríamos perante uma contradição do seu partido. Ainda há dias o Sr. Primeiro-Ministro e

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presidente do PSD gritava, mais do que nunca, «a revisão é, afinal, necessária», perante o desaire que tinha sofrido com a jurisprudência do Tribunal Constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ele só diz isso depois dos chumbos do Tribunal Constitucional!

O Orador: - De qualquer modo, concordo com V. Ex.ª quando diz que a obra feita na revisão de 1982 foi muito importante. No entanto, foi uma obra de compromisso, tal como a que, eventualmente, resultará do labor de revisão a que se está a proceder nesta Assembleia.
Portanto, muita coisa se não pôde fazer e muita coisa se fez mal.
Mas, concretamente nesta matéria, que tem directamente a ver com o pedido de autorização legislativa que é neste momento dirigido à Assembleia, pergunto-lhe se a Constituição não terá piorado em 1982. Penso que esse foi um aspecto que V. Ex.ª considerou um pouco mais ligeiramente no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Pergunto-lhe, concretamente, se a redacção dada em 1982 ao n.º 3 do artigo 89.º não veio criar alguns problemas e reforçar a argumentação que o Partido Comunista expendeu no sentido da inconstitucionalidade do diploma. Isto é, a circunstância de se ter passado a definir «sector privado» como sendo aquele que é identificado pela prioridade ou pela gestão não trará algumas dificuldades a esta proposta de lei?
Tenho sobre isso a minha opinião, que expendirei quando fizer uma intervenção sobre esta matéria, mas gostaria de conhecer a opinião de V. Ex.ª, porque entendo que ela não está expressa nem clara no parecer e também não o esteve na exposição que acabou de fazer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Mário Raposo, V. Ex.ª tem, naturalmente, um excesso de funções, visto que, além de presidir à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi também o relator deste parecer sobre o recurso, como, aliás, tem acontecido com outros pareceres, e surgiu ainda aqui hoje com uma tripla função: a de defesa da proposta de lei.
É claro que esta acumulação de funções veio ainda a ser agravada com uma situação um pouco original: é que o Sr. Deputado, praticamente, na defesa que fez do diploma do Governo, apresentou aqui uma espécie de prefácio ao projecto de revisão constitucional do PSD, o que, aliás, seria oportuno, porque, de facto, a exposição de motivos do projecto de lei de revisão constitucional do PSD é excessivamente lacónica. O Sr. Deputado fez hoje aqui uma longa dissertação que entendo no sentido daquilo que V. Ex.ª julga que deve ser uma constituição: despida de quaisquer elementos ideológicos.
Recordo-me de que há algum tempo atrás, quando começou a existir esta tese de despir a Constituição de elementos ideológicos, houve um memorista do Jornal de Notícias que disse isto: «Bom, mas, se tirarmos todas as expressões ideológicas da Constituição, ela transforma-se num romance cor de rosa.»
Naturalmente que pode haver uma outra interpretação, que é a de que o que se pretende não é que a Constituição fique sem qualquer expressão ideológica, mas que fique com uma certa expressão ideológica que se contente com umas fórmulas em branco, o que é, afinal, característico, como o Sr. Deputado sabe, do neoliberalismo.
Mas, para já, o que lhe quero perguntar, em concreto, é o seguinte: na Constituição que está em vigor, como acha o Sr. Deputado possível ultrapassar-se o n.º 3 do artigo 85.º, no qual se diz que «a lei definirá os sectores básicos nos quais é vedada a actividade às empresas privadas [...]»? Por aquilo que o Sr. Deputado aqui sustentou, navegando nas águas do Governo, parece que, afinal, não é vedada em parte nenhuma, ou seja, este n.º 3 não existiria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Mário Raposo, a pergunta que lhe quero fazer é muito clara e é a seguinte: entende o Sr. Deputado - já que para mim não é claro no parecer, tal como não o foi para o Sr. Deputado Nogueira de Brito - que os meios de produção cuja gestão está a cargo de entidades privadas, embora a sua titularidade seja pública, são bens do sector público ou do sector privado?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Raposo, para o que dispõe de três minutos, um cedido pelo CDS e dois pela Mesa.

O Sr. Mário Raposo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, agradeço o tempo que me foi cedido para poder responder às questões que me foram postas.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, quando se fez a revisão constitucional, em 1982, tive ocasião de enviar para a Mesa uma série de declarações de voto. Isto porque sempre me pareceu que essa revisão constitucional, dentro do fatalismo prolixo e retórico de que a Constituição padece geneticamente, não estava a ser a revisão necessariamente ousada e operante. Como é óbvio, não estava em causa, da minha parte, a subversão de nenhum valor essencial, a não ser, evidentemente, com os directamente tributáveis do colectivismo, que devia ser resguardado. A minha declaração de voto final, salvo erro - lembro-me desta data porque foi em pleno Verão -, de 22 de Agosto ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - 12 de Agosto!

O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães corta-me sempre ao meio: eu disse 22 e ele disse logo 12. Tende sempre a diminuir-me!...
Não haverá dúvida de que essa revisão foi inacabada, mas parece-me que há ainda alguns pontos a alterar, suportando embora aquela conformação textual, pois não se pode transformar uma constituição de 300 artigos numa de 80, 90 ou 100 artigos.
Parece-me que a Constituição tem de manter - e com isto respondo ao Sr. Deputado Raul Castro - uma certa carga ideológica, mas no que respeita ao homem: à defesa do homem e à defesa dos direitos

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sociais, económicos e políticos. Aí, sim, como dizia há pouco, a Constituição deve não só preservar o presente, mas arriscar mesmo a utopia.
Agora, quanto ao tabelamento mecânico da economia - Deus nos livre! Em qualquer caso, não é necessário evocar a Constituição nem chamar avulsamente lobbies. É que agora já não temos os lobbies propriamente ditos; temos os lobbies do Sr. Deputado José Magalhães, que é contra os lobbies que possivelmente por aí gravitam e de que ele fez uma elencagem que me dispensa até da leitura dos jornais. Não quero diminuir os jornais e a mensagem que transmitem, mas a mensagem do Sr. Deputado José Magalhães chega-me sempre avante la lettre.
Gostaria também de dizer ao Sr. Deputado Vera Jardim - ia a dizer «meu querido amigo», mas, no fundo, todos o são e, portanto, o melhor é não particularizar ninguém - que, no fundo, o que releva para a definição da natureza prívatística ou publicística, ou seja de direito privado ou de direito público, já não é a categoria formal de estar inserida no espaço público ou no espaço privado; é servir ou não interesses públicos, e o interesse público fundamental da economia é o de que ela funcione com eficácia, transparência, regularidade e normalidade, sem lobbies, sem os maus lobbies. Se puder fazer alguma coisa para isso, naturalmente que o farei. Para já, o que posso fazer é ler os jornais e ouvir o Sr. Deputado José Magalhães.
Entendo, na verdade, que a economia deve ser clara, transparente e deve funcionar, não mecanicamente, mas disponivelmente, o que, de forma alguma, significa um laisser faire, laisser passer, uma selva; significa, sim, uma economia concertada, tendo em vista o interesse do País, com resguardo pela capacidade de intervenção e de actuação dos agentes económicos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa Constituição económica assenta, a meu ver, fundamentalmente num triângulo de base constituído pelos artigos 80.º, 85.º e 89.º e a lei que o Governo se propõe alterar é uma daquelas leis fundamentais que estão intimamente ligadas à parte económica do nosso texto constitucional.
Na verdade, o n.º 3 do artigo 85.º constitui aquilo que se costuma chamar uma disposição aberta, porque permite ao legislativo vir a concretizá-la no futuro. A nossa Constituição, nesta matéria, não dá critérios - abstém-se de os dar - e diz apenas que haverá uma lei que determinará quais os sectores que são chamados de reserva, absoluta ou relativa, do sector público.
O que me proponho aqui provar é o seguinte: em primeiro lugar, que a proposta do Governo é, contrariamente ao parecer do ilustre deputado Mário Raposo e meu querido amigo, manifestamente inconstituicional; em segundo lugar, que esta proposta só se pode entender numa estratégia global da parte do Governo de fazer a revisão antes da revisão e de afrontamento aos órgãos institucionais da democracia, e em terceiro lugar, proponho-me provar que essa proposta é contraditória com as próprias posições que o PSD tomou ao apresentar a sua proposta de revisão constitucional.
Quanto ao primeiro aspecto, dizia eu que a lei que o Governo se propõe alterar é a continuidade lógica e a execução do n.º 3 do artigo 85.º da Constituição, é dar um conteúdo concreto a essa norma aberta, uma norma que existe, aliás, em muitas constituições europeias do pós-guerra - a Constituição alemã de Worms, o preâmbulo da Constituição francesa de 1946, a Constituição italiana e, muito mais recentemente, a Constituição espanhola. Todas elas têm disposições deste tipo, ou seja, dão ao legislativo o poder de legislar no sentido de reservar determinadas actividades ao sector público.
Não é, portanto, nenhuma novidade nem é, como pretende às vezes o Governo, lançando esse papão da CEE, uma disposição que contradiga, de qualquer modo, a nossa adesão ao Mercado Comum.
Por outro lado, as três disposições que citei dos artigos 80.º, 85.º e 89.º, sobretudo depois da revisão de 1982, vieram criar um sistema chamado de economia mista (claramente de economia mista), em que coexistem os vários sectores - sector público, o sector privado e o sector social ou cooperativo -, retirando o sector social alguma coisa da titularidade do sector público e conjugando também com as cooperativas. Como dizia, a nossa Constituição, sobretudo depois de 1982, assenta na coexistência em nível de igualdade - acentuo, em nível de igualdade - destes três sectores de propriedade dos meios de produção, sem nos esquecermos, no entanto, que existe ainda na Constituição o n.º 3 do artigo 80.º, exigindo, como tarefa fundamental do Estado, a apropriação dos principais meios de produção. É ainda isto o que lá está!
Daí que eu dissesse que estas três disposições constituem, a meu ver, o cerne desta problemática que é a de saber que sistema económico é que a Constituição propõe para uma comunidade política. É um sistema de economia mista? É um sistema de economia aberta? Não há hoje qualquer confusão a esse propósito sendo os autores unânimes nesse sentido - e não vale a pena citá-los.
O que pretende então o PSD? Pretende, pura e simplesmente, deitar completamente por terra o sector público dos meios de produção. É essa a estratégia que se adivinha nesta proposta de lei, que não tem outro sentido do útil. E o Governo propõe-se fazê-lo de forma a esvaziar por completo - por completo, direi - aquilo que ainda hoje é a execução do n.º 3 do artigo 85.º da Constituição.
Efectivamente, na pergunta que dirigi ao Sr. Deputado José Magalhães, quis fazer realçar antecipadamente à minha intervenção que o Partido Socialista também pensa que esta lei pode efectivamente ser alterada pelo legislativo; contudo, não pode ser alterada em dois sentidos: não pode alargar o sector público de tal maneira que deixe o sector privado como residual, mas também não pode alargar o sector privado de tal maneira que deixe o sector público sem qualquer significado no conjunto do sistema económico português.
Qualquer uma destas duas alterações é manifestamente inconstitucional e não apenas a que está em jogo, pois a outra também seria, ou seja, que uma lei pretendesse alargar de tal maneira o sector público que iria acabar com o sector privado ou iria remetê-lo, digamos, apenas para um resto do sector público.
Daí que, pelo conjunto destas disposições, me pareça que esta proposta do Governo é manifestamente inconstitucional, porque despe, efectivamente, o sector público daquilo que é a sua substância. E despe-o de

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duas maneiras, uma porventura pior do que outra: despe-o, em primeiro lugar, quanto à titularidade dos meios de produção, e, depois, alarga de tal maneira a capacidade de entregar a gestão dos meios de produção públicos a entidades privadas, que, então aí, as coisas chegam ao extremo de não permitir qualquer dúvida sobre a inconstitucionalidade do diploma.
Fiz há pouco a pergunta ao Sr. Deputado Mário Raposo sobre se ele considerava ou não que as unidades de produção cuja titularidade é do sector público e estão entregues à iniciativa privada são públicas ou privadas e a resposta foi, se bem entendi, que eram privadas.
Então, Sr. Deputado Mário Raposo, não é só o Governo que entra em contradição consigo próprio, é a bancada do PSD que entra em contradição com a proposta do Governo - a proposta do PSD - para a revisão constitucional. Se V. Ex.ª ler a proposta do PSD para a revisão constitucional, no n.º 3 do artigo 89.º vem que «O sector privado é constituído pelos bens e unidades de produção cuja propriedade ou gestão [e não é «e», é «ou»] pertençam a pessoas singulares ou colectivas privadas [...]». É esta a proposta do PSD no que diz respeito a esta matéria.
Mas mais: a proposta do PSD não vai no sentido de alterar o artigo 85. º de tal maneira que não venha a haver uma lei de delimitação de sectores. Só que o PSD diz «poderá», ao contrário de dizer «deverá», mas pergunto se este «poder» não será um «poder-dever» na óptica do próprio projecto de revisão constitucional do PSD?
Daí que tenha dito que o Governo entra em contradição nítida, clara e frontal com o seu próprio projecto de Constituição, o que leva a perguntar se já não é válido o projecto de Constituição ou se é lapso da bancada do PSD?
A finalizar, Sr. Presidente, o tempo já não me corre de feição para não dizer senão isto: esta proposta afronta claramente as instituições democráticas, na medida em que aparece, a meus olhos e aos olhos da nossa bancada, como uma verdadeira provocação - mais uma - ao Tribunal Constitucional, porventura ao Presidente da República e à Assembleia.
Finalmente, Sr. Presidente, o Governo começa a parecer-se muito com o cavaleiro da triste figura de Cervantes que confunde moinhos de vento com cavaleiros armados e castelos, e pergunto à bancada do PSD se não começará a parecer-se de mais com o Sancho Pança, que a única resposta que tinha era esta: «Meu amo, já vi tanta coisa hoje, ainda hei-de ver mais?!»

Aplausos do PS, do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de ter feito uma pergunta ao meu querido amigo Vera Jardim, mas, como o tempo de que disponho é curto aproveitarei a minha intervenção, que me dará a oportunidade de glosar algumas das afirmações feitas pelo Sr. Deputado na intervenção que agora produziu.
Esta proposta de lei do PSD merece-nos, como iniciativa legislativa, alguns comentários, cujo desenvolvimento deixaremos para devida oportunidade, ou seja,
para a discussão da matéria, dado que agora estamos apenas a discutir o recurso apresentado pelo PCP relativamente à constitucionalidade.
O primeiro comentário, de que deixarei, porém, já um apontamento, refere-se ao recurso do Governo r um pedido de autorização legislativa nesta matéria. É que se trata, efectivamente, de uma das iniciativas mais importantes desta sessão legislativa (uma iniciativa destinada a ter consequências de enorme monta no que respeita ao nosso sistema económico)., que, apresentado como um pedido de autorização legislativa, merece e atenção reduzida que todos temos oportunidade de testemunhar e isso, de facto, constitui, mais uma vez objecto de crítica pela nossa parte.
E claro que o PSD tem, nesta matéria, antecedente, para evocar, e esses antecedentes são uma parceria que teve com o Partido Socialista quando, no governo do bloco central - de triste memória, a nosso ver - apresentou também um pedido de autorização legislativa que utilizou para alterar, pela primeira vez, a Lê de Delimitação dos Sectores, que, na sua versão inicial, foi uma lei aprovada pela Assembleia da República em 1977, como o Sr. Dr. Mário Raposo se deve recordar.
Este será, portanto, o meu primeiro motivo de crítica.
O outro motivo de crítica é, efectivamente, o d coincidência de textos que levantam dúvidas em mate ria de constitucionalidade. Não podemos fugir a isso e tenho nessa matéria uma opinião que vou expor, ma as dúvidas estão patentes nas intervenções que foram feitas e já há aí jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional em fazer coincidir a discussão de propostas que apresentam dúvidas nesta matéria com próprio processo de revisão constitucional.
Sendo certo que não há propriamente contradição a contradição que surge é uma contradição sucessiva, Sr. Deputado Vera Jardim. O Partido Social-Democrata faz estas propostas porque entende, porventura ingenuamente, que elas não estão em desacordo cor a Constituição e faz uma manobra de maior risco, que é a de manter intactas as disposições constitucionais porventura, violadas por este tipo de propostas, tal vê em demonstração da sua enorme boa fé e da sua enorme candura, depois, quando o Tribunal Constitucional diz que é inconstitucional, grita «aqui d'el-rei e depois só lá está o CDS, porque o CDS apresento propostas de revisão constitucional que resolvem todos estes problemas. Disso não há dúvida nenhuma, pó foi o único, mais ninguém apresentou... Depois estão as propostas do CDS!
Esperemos que elas venham a ter a adesão as VV. Ex.ªs Já foi assim para o pacote laboral; já foi assim para a própria composição do Tribunal Constitucional; é agora para o artigo 83.º; é para artigo 85. º; é para o artigo 89.º O CDS resolver todos estes problemas, porque tem a coragem de assumir a revisão constitucional que entende que devia ser feita.
A outra questão que se prende com esta discussão é a da constitucionalidade como questão prévia a Assembleia. Temos tomado uma posição contrária votar estes pareceres no sentido positivo ao parecer e inconstitucionalidade, pois temos entendido sempre que a Assembleia não deve utilizar este expediente, a não ser em casos extremamente graves e em casos em que

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seja claríssima e nítida a inconstitucionalidade, para eliminar a possibilidade de discutir o fundo da questão e aí voltar a pôr o problema da constitucionalidade.
Por exemplo, seria mau se nesta discussão ficássemos pela intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, que já nos aguçou o apetite para uma outra intervenção muito mais suculenta, sem termos a oportunidade de discutir o fundo da questão. Portanto, em princípio, somos contrários a esta matéria.
Agora vou referir-me à questão da inconstitucionalidade propriamente dita. Srs. Deputados Vera Jardim e José Magalhães, penso que a invocação dos princípios da apropriação colectiva dos principais meios de produção - que será um dos princípios que estará porventura em jogo com esta iniciativa -, ...

O Sr. Vera Jardim (PS): - Claro!

O Orador: - ... que figura no artigo 80.º da Constituição, é talvez desajustada perante uma iniciativa deste tipo. E porquê? E desajustada porque está relacionada com a definição dos sectores básicos vedados à iniciativa privada. E digo porquê? É que ainda se mantém em vigor o artigo 83.º da Constituição e ele mantém intocáveis - até ver - as nacionalizações que foram feitas após o 25 de Abril de 1974. Ora, suponho que essas nacionalizações são mais do que suficientes para satisfazer o apetite e a gula socializante, ou colectivizante, da apropriação colectiva dos meios de produção.
Com esse limite o legislador fica livre para definir, de acordo com o n.º 3 do artigo 85.º, com a conjuntura e com o interesse público, o que são ou não os sectores vedados à iniciativa privada. Porque a limitação que é imposta pelo princípio da apropriação colectiva é a que decorre já das muitas nacionalizações que foram feitas e que continuam intocáveis.
Portanto, considero que aqui não há que invocar a violação do artigo 85.º, n.º 3, conjugado com o princípio da apropriação colectiva, pois penso que o legislador tem realmente liberdade, nesta matéria, para fazer as propostas que entender mais adequadas.
Resta-nos o problema do n. º 3 do artigo 89.º, que, mais uma vez e ingenuamente, o PSD mantém intocado na revisão constitucional. Realmente, suponho que esta é a disposição em que há maior risco de violação com esta proposta de lei. Há, efectivamente, depois da revisão constitucional de 1982, vários autores que entendem que a gestão pública é essencial à caracterização do sector público e que a gestão privada, qualquer que seja a sua forma, é descaracterizadora do sector público. Isto é, havendo gestão privada, mesmo que gestão concedida, ela descaracteriza o sector público. Porém, nem todos pensam assim. Mota Pinto, Oliveira Martins, Sousa Franco, Jorge Miranda ... pensam de maneira diferente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já agora cite os outros!

O Orador: - Por um lado, podemos entender que o acórdão do Tribunal Constitucional citado pelos Srs. Deputados José Magalhães e Vera Jardim, ao apontar a gestão pública como essencialmente caracterizadora (juntamente com a titularidade) do sector público, não está a decidir nessa matéria, mas a constatar que não há violação da Constituição. Mas, por outro lado, podemos pensar que o entendimento do Tribunal é no sentido de que não será toda a gestão privada que será descaracterizadora do sector público, mas só alguns tipos de gestão privada. A gestão concedida, por exemplo, não seria descaracterizadora do sector público.
Portanto, também aí, Sr. Deputado Mário Raposo, embora possamos, porventura, discutir este aspecto mais detidamente, entendo que poderá não haver violação da Constituição com um diploma deste tipo. Porém, lamento que o parecer se não pronuncie directamente sobre este assunto. É isso que temos de lamentar.
Esta é a nossa posição quanto ao fundo da questão, ou seja, em relação ao recurso que estamos a discutir e também em relação à sua fornia, que entendemos não dever ser utilizada como expediente para nos impedir de discutir verdadeiramente o cerne e a substância desta iniciativa legislativa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vera Jardim inscreveu-se para pedir esclarecimentos, mas a Mesa informa que nem o PS nem o CDS dispõem de tempo para responder.
Porém, informam-me de que o PRD cedeu um minuto do seu tempo disponível ao PS e ao CDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim, que dispõe de um minuto.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, é pena que o Regimento nos proporcione apenas este escasso tempo, porque esta matéria mereceria naturalmente uma discussão muito mais aprofundada, mas por enquanto estamos apenas em sede de admissibilidade e na altura da discussão de fundo teremos naturalmente ocasião de discutir mais aprofundadamente estes temas.
Procurei demonstrar que o próprio Governo entrava em contradição aberta com o seu próprio projecto de revisão constitucional e V. Ex.ª trouxe, e muito bem, outros exemplos, vários exemplos, de nítida contradição entre a atitude que agora toma o Governo, ao apresentar determinadas propostas, e a que tomou na altura em que o PSD entregou o seu projecto de revisão constitucional.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado: V. Ex.ª pensa que tudo isso é coincidência? Tudo isso é asneira? Então qual será a sua interpretação?
Digo-lhe já, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que, na minha interpretação, poderá tratar-se de duas uma: ou a prova provada de que a arrogância é a irmã siamesa da asneira (uma das possibilidades) ou a de estar em jogo uma nova estratégia do PSD no que diz respeito à própria revisão constitucional.
Era sobre isto que gostava de o ouvir.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, que dispõe de um minuto.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Vera Jardim, o que eu disse foi que não havia contradições e realmente não há. É precisamente para que ela não se verifique que nos aparecem estes projectos de lei e a revisão constitucional, tal como está apresentada. Isto significa que, quando o PSD preparou a

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sua revisão e apresentou estes projectos de lei - e tudo isto não foi feito há dois ou três dias, tem já um tempo largo na Assembleia da República -, preferia porventura a revisão da Constituição pela via da legislação ordinária.
Essa é a única resposta que lhe posso dar face à comparação destes dois textos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ora aí está!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei do Governo, como, aliás, já aqui foi salientado por vários deputados, é clara e gritantemente inconstitucional.
Podemos mesmo dizer que há no diploma inconstitucionalidades em três aspectos: a primeira violação decorre dos n.05 l e 2 do artigo 89.º da Constituição, que asseguram a existência de um sector público, visto que com esta proposta de autorização legislativa praticamente desapareceria o sector público; a segunda violação tem a ver com o n.º 3 do artigo 85.º, no qual se estabelece que há sectores nos quais é vedada a actividade de empresas privadas, o que deixaria de acontecer; a terceira violação surge com o entendimento, contrário ao disposto no n.º 3 do artigo 89.º, de que a gestão privada não altera a característica pública da empresa.
Na realidade, é sabido que a redacção do n.º 3 foi introduzida na revisão constitucional de 1982 e que foi aqui acrescentada a expressão «[...] cuja propriedade ou gestão pertençam a pessoas singulares ou colectivas privadas [...]». Ora, isto significa que se conferem características de sector privado quanto há também uma gestão privada.
Para além daquilo que se pode considerar uma inconstitucionalidade em três tempos, a proposta de lei tem ainda outras revelações sensacionais, e uma delas respeita ao serviço público de transportes ferroviários, que, segundo o Governo, deve permanecer vedado, mas, desde que sejam libertadas linhas, elas deixam de pertencer ao sector público e podem ser privatizadas. Se não, reparem, Srs. Deputados, o que é uma construção totalmente aberrante: primeiro, diz-se que se trata de um serviço público que deve ser vedado à iniciativa privada, mas, encerrada uma linha, ela pode passar a ser privada e, portanto, já não é serviço público.
Finalmente, gostaria ainda de referir outra aberração, que se reporta ao n.º 3 do artigo 4.º da Lei n.º 46/77, em relação ao qual se diz que este número já não tem razão de ser, porque a CNN e a CTM já estão em fase de liquidação.
Bom, é certo que ainda há a SOCARMAR, mas isso não tem importância de maior. Quer isto dizer que o Governo nem sequer se preocupa com o facto de ainda existir uma empresa neste sector, para além daquelas duas que já estão em fase de liquidação. Na realidade, isto significa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, se esta proposta de lei não fosse, como a todas as luzes claramente é, inconstitucional, estar-se-ia praticamente perante uma lei à custa da qual o Governo faria desaparecer todo o sector público e passaria a existir só um sector privado, porque o Governo ficaria com a faculdade de privatizar tudo aquilo que quisesse.
Por isso, acompanhamos, naturalmente, o recurso interposto pelo PCP, pensando que esta proposta de autorização legislativa é claramente inconstitucional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há inscrições, nem para pedir esclarecimentos, nem para intervenções, pelo que podemos dar por terminada a apreciação do parecer sobre o recurso, apresentado pelo PCP, relativo à proposta de lei n.º 47/V. A votação deste parecer será efectuada às 19 horas e 30 minutos em conjunto com as outras votações já agendadas.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do parecer sobre o recurso, apresentado pelo PCP, relativo à proposta de lei n.º 57/V - Alteração do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, referente ao Sistema Eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira.
O Sr. Deputado José Magalhães era o primeiro orador, mas, em virtude de não se encontrar presente na Sala, vamos aguardar uns minutos.

Pausa.

Srs. Deputados, se não houver objecções, apresento uma proposta, que me foi sugerida pelo PCP, que é a de alterarmos a nossa ordem de trabalhos, no sentido de passarmos desde já à discussão de outro diploma.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que, em relação à apresentação do recurso, não temos qualquer objecção em que a primeira intervenção seja produzida pelo PS. Foi isto o que comuniquei à Mesa e creio que não há qualquer razão para alterar o que havíamos comunicado.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. De facto, houve da parte da Mesa informações cruzadas relativamente à continuação dos nossos trabalhos, mas, sendo assim, vamos continuar a ordem de trabalhos.
Srs. Deputados, por consenso geral, está dispensada a leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativamente à apreciação do parecer sobre o recurso apresentado pelo PCP, e, passando, portanto, às intervenções, dou a palavra ao Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando nos últimos dias de Abril de 1976 dei comigo na incómoda situação de ter de redigir, Deus sabe porquê, praticamente sozinho, durante escassas 48 horas, sem dormir, sem fazer a barba e iludindo as refeições, os estatutos provisórios das regiões autónomas, estava longe de que um deles - ou seja o da Madeira - viesse a vigorar durante mais de doze anos.
Devo concluir que para estatuto provisório, saiu definitivo de mais!

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Quando o legislador constituinte, a par da imposição da aprovação de um estatuto provisório até 30 de Abril de 1976, previu no artigo 228.º da Constituição a aprovação de estatutos político-administrativos definitivos para as regiões autónomas, estava ele também longe de supor que, doze anos após, a Assembleia da República seria confrontada com uma proposta de lei destinada a alterar uma disposição constante do sobredito cujo.
Reside nessa surpreendente demora, devida a uma confessa teimosia do Presidente do Governo Regional da Madeira, a origem do presente imbróglio.
Estamos lembrados. A Assembleia Regional da Madeira enviou-nos uma proposta de estatuto definitivo com quase tantas inconstitucionalidades quantas as normas; aqui se fez a poda que a maioria de então deixou fazer; mas as remanescentes chegaram e cresceram para ferir de inconstitucionalidade o diploma todo ele.
Reacção do Presidente do Governo Regional da Madeira: «Ai é inconstitucional? Pois não verão outro!»
E, como o direito de iniciativa cabe em exclusivo à Assembleia Regional da Madeira e esta sobrevaloriza as opiniões daquele ilustre governante até à aparência - seguramente falsa - de um verdadeiro diktat, continuamos à espera desse godot até que nos cansemos de ser espectadores dessa e outras, aliás pitorescas, bizarrias.
Por não se ter admitido tão dilatada vigência, nem o legislador constituinte nem o ordinário se preocuparam em prever e regular o processo da eventual alteração do próprio estatuto provisório antes da aprovação do correspondente estatuto definitivo.
Diga-se que o legislador constituinte foi desatento ao ponto de não ter previsto sequer o formalismo da alteração do próprio estatuto definitivo.
Disso se cuidou aquando da primeira revisão, estabelecendo-se que se aplique às alterações o mesmo formalismo da feitura do próprio estatuto.
Dizem os recorrentes a fundamentar a sua alegação de inconstitucionalidade: pois por não ter sido prevista a forma de alteração do estatuto provisório e por, ao invés, ter sido estabelecido que este estatuto estaria em vigor até serem promulgados os estatutos definitivos é que a Assembleia Regional da Madeira não pode substituir à proposta do estatuto definitivo a proposta de alteração do estatuto provisório.
Nessa medida, esta proposta seria inconstitucional.
Será?
Estamos, manifestamente, em terra nunca dantes cultivada. Há que desbravá-la.
Primeira constatação: o legislador constituinte fixou prazo para a aprovação do estatuto provisório, mas não fixou prazo para a aprovação, ou a proposta do correspondente estatuto definitivo.
E, como imputou o direito de iniciativa às assembleias regionais, é forçoso que tenha admitido que este direito pudesse vir a ser exercido com algum atraso relativamente à diligência que teve por normal e desejável.
Assim sendo, terá ele querido assumir a eventualidade e a correspondente responsabilidade de impedir ou não admitir a modificabilidade, ainda que pontual, do estatuto provisório?
Quem legisla não pode pressupor a perfeição nem a durabilidade das leis. Assim sendo, sempre o legislador constituinte há-de ter admitido a hipótese de o estatuto provisório não sair obra acabada, mesmo sem ter admitido as lamentáveis condições em que veio a ser redigido!
Assim terá sido, com efeito. Chamou-lhe decreto-lei, disse quem o propunha, quem o sancionava e quem o aprovava, e terá pensado para consigo: se precisar de alterações pontuais, altera-se por outro decreto-lei!
Como de facto. Pouco depois veio a ser pontualmente alterado pelo Decreto-Lei n.º 427-F/76, de 1 de Junho! E já então vigorava o n.º 3 do artigo 302.º da Constituição originária, segundo o qual o estatuto provisório estaria em vigor até ser promulgado o definitivo!
Dito isto, é impensável defender que deixou de poder ser assim só porque, entretanto, desapareceu a Junta Regional - a quem competia a proposta do estatuto provisório -, foi extinto o Conselho da Revolução - a quem competia sancioná-la - e passou a competência legislativa a ser repartida entre o Governo e a Assembleia da República!
Normal é então que se pense que aqueles decretos-leis estão para as novas competências legislativas na mesmíssima posição em que se encontram todos os demais aprovados pelo XI Governo Provisório?
Não tanto! O que é provisório não pode pretender o tratamento do que é definitivo. Se são concebíveis alterações pontuais de um estatuto provisório enquanto não é substituído pelo definitivo correspondente, já não é admissível a substituição de um estatuto provisório por outro igualmente provisório, com a mesma amplitude com que um decreto-lei pode revogar outro decreto-lei.
Temos, no entanto, de reconhecer que, no caso vertente, é de uma alteração pontual que se trata. O essencial do estatuto provisório permanece de pé.
Diz-se, porém, no douto parecer da 1.ª Comissão que o novo n.º 4 do artigo 228.º da Constituição ao prescrever que «o regime previsto nos números anteriores é aplicável às alterações dos estatutos», tanto se aplica aos definitivos como aos provisórios.
E, com efeito, a proposta da Assembleia Regional da Madeira vem formulada «nos termos do artigo 228.º da Constituição da República».
Digamos que este novo ângulo repõe algum embaraço.
É para mim óbvio que o artigo 228.º da Constituição só contempla os estatutos definitivos. E, em relação a estes, e só a estes, confere às regiões um incipiente poder de auto-organização - ao nível da iniciativa dos próprios estatutos -, poder esse que, em formas mais dilatadas, costuma caracterizar as competências e os poderes dos estados federados.
Que poder é esse? O de propor - o texto inicial e as alterações -, o de balizar as áreas de intervenção ou de alteração por iniciativa da própria Assembleia da República e o de emitir parecer sobre a rejeição ou alteração das suas propostas.
Nada disto existiu em relação aos estatutos provisórios. Quanto a estes, as juntas regionais propuseram o que propuseram e o Governo aprovou o que entendeu dever aprovar - devo dizer que com grande margem de autonomia e modificabilidade.
Se agora aplicássemos o formalismo do artigo 228.º às alterações do estatuto provisório, a consequência mínima seria a de, no âmbito das alterações introduzi-

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das, estas, e só estas, passarem a ter o tratamento que a Constituição assegura ao estatuto definitivo! Era verdadeiramente uma baralhada?
Este não é, porém, o único embaraço. Na verdade, não se me afigura que o Sr. Presidente da Assembleia da República tenha encarado ou esteja a encarar esta proposta de lei segundo as normas específicas dos artigos 164.º e seguintes do Regimento, aplicáveis à feitura e alteração dos estatutos político-administrativos das regiões autónomas. E ainda bem. Porque, se assim não fosse, teríamos nós, os que nos opomos a esta proposta, via aberta para impugnar a lei que viesse a ser aprovada com base nela, e nessa altura com base numa patente inconstitucionalidade formal. Nada nos demoveria de ir por aí. É bom que isto fique bem claro!
Outro aspecto: terá a alteração pontual de que se trata natureza materialmente estatutária?
Consiste ela em fazer corresponder um deputado a cada 4000 eleitores recenseados, e não a 3500, como agora acontece.
Será que o facto de constar do estatuto provisório a norma a alterar lhe confere natureza estatutária?
A resposta é não. Sempre se entendeu que a matéria eleitoral não deve ter nem tem essa natureza.
E, embora eu seja co-responsável - é uma das minhas muitas responsabilidades - pela inclusão nos estatutos da norma em questão, facto de que me penitencio, tenho hoje de sobrepor a esse meu erro o disposto no n.º 2 do artigo 302.º da Constituição originária, segundo o qual o Governo, até 30 de Abril de 1976, deveria aprovar «estatutos provisórios para as regiões autónomas [...] bem como a lei eleitoral para as primeiras assembleias regionais».
Não se podia ter sido mais claro, apesar de eu não ter visto esta clareza! Foram as tais 48 horas! Estatuto é estatuto, lei eleitoral não é! É lei eleitoral. E nem sequer se fala nisso nos artigos 229.º a 235.º da Constituição, aí onde se arrolam as matérias que ao estatuto cabe regular.
Apesar disso, a normazinha insinuou-se. Ganhou, por isso, foros de matéria estatutária?
De modo nenhum! Até porque, em caso de dúvida, aí estaria a alínea y) do artigo 167.º da Constituição, antes de revista, a incluir a matéria das eleições dos titulares dos órgãos das regiões autónomas na reserva de competência da Assembleia da República e a mesma alínea do mesmo artigo da Constituição revista a incluí-la na sua reserva absoluta.
Como seria então? A Assembleia da República teria competência absoluta para legislar sobre essa matéria e, apesar disso, só podia fazê-lo por iniciativa e no âmbito da iniciativa das assembleias regionais? Seria essa a única alínea do artigo 167.º contendo uma competência absolutamente relativizada?
Não haveria, de facto, competência absoluta mais... relativa!
Eis, pois, Srs. Deputados, que uma questão aparentemente simples envolve o risco de, se resolvida pela via que aparentemente vem proposta, gerar jurisprudência amputatória de uma importantíssima prerrogativa desta Assembleia!
Que assuma essa responsabilidade quem quiser.
O meu grupo parlamentar rejeita-a e chama enfaticamente, nomeadamente à maioria, a vossa atenção para ela.
Como se sai do impasse? Situando e discutindo a matéria e a proposta no quadro da alteração de uma lei ordinária por outra lei ordinária, lei que só divergiria das demais por, quando muito, e mesmo aqui sem absoluta segurança, depender da iniciativa do órgão do Governo próprio da região.
Isto no imediato. No próximo futuro a solução está em aprovar a proposta do meu grupo parlamentar, em sede de revisão da Constituição, no sentido da fixação de um prazo à Assembleia Regional da Madeira para propor à Assembleia da República um estatuto definitivo dentro do referido prazo, sob pena de o direito de iniciativa ser deferido a esta.
Para grandes teimosias, grandes tira-teimas!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E o CDS?

O Orador: - E o CDS também propõe o mesmo! Honra lhe seja feita!
Esta é, porém, apenas uma das vertentes do recurso em apreço. Ele tem ainda por fundamento a violação do princípio da representação proporcional na conversão de votos em mandatos.
Se a inconstitucionalidade houver de consistir apenas em fazer corresponder um deputado a cada 4000 eleitores recenseados, em vez de 3500, não vejo como defender que a fronteira entre o constitucional e o inconstitucional passe entre estes dois números.
Mas as coisas não são tão simples!
Temos que a proposta de lei não se propõe alterar o n.º 1 do artigo 7.º, segundo o qual «haverá onze círculos eleitorais, correspondentes a cada um dos concelhos compreendidos pela região [...]».
E sabemos que, em resultado da conjugação da regra do n.º 2 (um deputado por cada 3500 eleitores ou fracção) com a do n.º 1 (onze círculos), existem já dois círculos que só elegem um deputado: Porto Moniz e Porto Santo.
Sabemos ainda, por antecipação matemática infalível e indisputável, que, com a alteração para 4000 eleitores, que aliás atrás parecia inocente, não só os círculos de Porto Moniz e Porto Santo se afastam mais da possibilidade de elegerem um segundo deputado, como o círculo de São Vicente, que tem menos de 6000 eleitores, passará a eleger um apenas, quando hoje elege dois.
Como aplicar a regra da conversão de votos em mandatos de harmonia com o princípio da representação proporcional na eleição de um só deputado? Atribuindo a um partido as pernas e a outro os braços?
Tem-se entendido que círculos que elejam um só deputado violam, como é óbvio, a regra da proporcionalidade, por mais artifícios argumentatórios que se inventem.
O que tanto vale como dizer que o n.º 1 do artigo 7.º do estatuto provisório da Madeira, ao fixar no n.º 1 onze círculos e ao fixar no n.º 2 3500 eleitores por deputado nasceu inconstitucional, deu origem a círculos uninominais, assim violando a regra da conversão de votos em mandatos constante do n.º 5 do artigo 116.º da Constituição.
O que significa que, ao propor o aumento do número dos eleitores a que corresponde um deputado, a proposta de lei em apreço dá origem a mais um círculo uninominal e afasta cada vez mais os círculos já uninominais da binominalidade. É, assim, claramente

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inconstitucional, na medida em que reforça a inconstitucionalidade, quer do n.º 1, quer do n.º 2 do artigo 7.º do estatuto provisório da Madeira.
Tudo isto para dizer, Srs. Deputados, que não votaremos a favor do recurso interposto com base na primeira inconstitucionalidade invocada, mas votaremos, sem a menor hesitação, na segunda.
Votaremos, assim, pelo respeito do disposto no n.º 5 do artigo 116.º e no n.º 2 do artigo 233.º da Constituição. Votaremos ainda pela transparência e contra a habilidade, não obstante a proposta em apreço ser tão transparente que não engana ninguém.
Uma advertência final: a maioria pode, se nisso caprichar, aprovar esta proposta. Nesse caso, impõe a lealdade que desde já reservemos o direito de arguir na sede própria a inconstitucionalidade do artigo 7.º do estatuto provisório, com ou sem alteração em causa.
Será o direito dos provocados a reagirem contra a provocação.

Aplausos do PS, do PCP, do PRD, do CDS e da ID.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Nogueira de Brito, Guilherme Silva e Coito Pita.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, agradeço-lhe o facto de ter recordado que também a nossa proposta de revisão constitucional tem um inciso respeitante à necessidade de aprovação do estatuto e também a consequência de transferir para a Assembleia da República a competência para o fazer se realmente não houver proposta nessa matéria.
Como disse o Sr. Deputado, acontece que esta proposta nos é apresentada ao abrigo do artigo 228.º da Constituição. No entanto, suponho que V. Ex.ª entende que ela respeita a matéria que releva da competência exclusiva da Assembleia da República.
Assim, pensa o Sr. Deputado que, tendo sido apresentado ao abrigo do artigo 228.º, poderemos tratar esta proposta como uma proposta de lei ordinária que se inclua em matéria da competência absoluta da Assembleia da República? Isto é, julga V. Ex.ª que poderemos entender apenas a proposta feita pela assembleia legislativa como um excesso de zelo ou de cuidado e tratar assim o processo?
É esta a questão que gostaria de ver esclarecida, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, na intervenção que produziu V. Ex.ª referiu que lhe parecia que não se podia dar a esta proposta de lei de alteração do estatuto provisório da Madeira a tramitação regimental prevista para as alterações e aprovação dos estatutos das regiões autónomas.
Ora, se se seguir essa tramitação - e admito que, na dúvida, ela não deva ser seguida -, gostaria de saber se existe aqui qualquer preterição de formalidades que implique minimamente qualquer inconstitucionalidade formal ou outra.
Uma outra questão que gostaria de colocar diz respeito ao princípio da proporcionalidade. O Sr. Deputado Almeida Santos sabe perfeitamente que as regiões autónomas têm condicionalismos específicos. Foi em função dessas especificidades que a Constituição lhes deu um estatuto próprio e não é fácil encontrar para círculos eleitorais que têm desfasamentos populacionais de alguma amplitude uma solução - como, aliás, se regista noutras áreas e noutras paragens - que permita uma pureza teórica integral de observância do princípio da proporcionalidade.
Atendendo a estas especificidades das regiões autónomas e ao facto de numa situação de onze círculos haver nesta ocasião dois e mais um terceiro que elegeu um só deputado, gostaria de saber se o Sr. Deputado Almeida Santos considera ou não isto ofensivo do princípio constitucional da proporcionalidade. E isto tendo também presente que o partido a que V. Ex.ª pertence apresentou na Assembleia Regional uma proposta que tem exactamente um parágrafo que refere o seguinte: «Garantir-se-á, pelo menos, um deputado por círculo.»
Ora, não me parece muito correcto que na Assembleia da República o PS considere um deputado por círculo ofensivo do princípio da proporcionalidade e na Assembleia Regional apresente uma proposta em que diz que terá de ser salvaguardado pelo menos um deputado por círculo. Parece-me que a Assembleia Regional deverá conhecer melhor o contexto da Madeira e daí a coerência da proposta.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Coito Pita.

O Sr. Coito Pita (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª diz que a matéria que se pretende alterar é eleitoral e não estatutária. Como tal, em sua opinião, a via por que se optou não terá sido a correcta.
Aquando da discussão do estatuto definitivo dos Açores, o PCP e o MDP/CDE defendiam a eliminação do artigo 11.º, que é o correspondente ao estatuto definitivo dos Açores. Portanto, gostaria que o Sr. Deputado Almeida Santos dissesse se esta é ou não matéria estatutária e se no presente caso não se deverá aplicar o princípio da hierarquia das leis, sabendo-se que esta matéria consta do estatuto eleitoral.
Por outro lado, convém ler o que dispõe o preâmbulo do sistema eleitoral na Região Autónoma da Madeira. O quarto parágrafo do Decreto-Lei n.º 318-E/76, de 30 de Abril, que aprovou o Sistema Eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira, dispõe o seguinte: «Não obstante, houve que contemplar as particularidades impostas pela natureza especial da Assembleia Regional, nomeadamente os dispositivos de natureza eleitoral consagrados no estatuto da Região.» Ora, isto significa que a matéria eleitoral é matéria estatutária e, como tal, se pretendemos alterar esta disposição, teremos de proceder à alteração do estatuto, e não da lei eleitoral.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, que dispõe de dois minutos.

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, como ouviu, e reproduziu, consideramos que estamos no domínio da competência absoluta da Assembleia. Só que a Região Autónoma da Madeira não está impedida de formular propostas sobre esta matéria e, se isto for encarado como o exercício normal dessa competência, evidentemente que não temos nada a objectar do ponto de vista da constitucionalidade.
Agora estamos convencidos de que esta matéria não vai ser conduzida ou agendada como uma proposta de alteração ao Estatuto Regional da Madeira, porque, se o for - aliás, fomos muito claros nesse sentido -, requereremos a inconstitucionalidade de todo o artigo 7.º do Estatuto. E estamos a tempo de o fazer: o que não se fez em dia de Santa Maria faz-se noutro dia!
Devo dizer que só agora fiz uma reflexão que me conduziu a conclusões seguras, pois, quando fiz o estatuto, naquelas 48 horas, não me apercebi claramente de que não se tratava de matéria materialmente estatutária. Não me apercebi nem do ponto de vista doutrinal nem me apercebi de que o artigo que citei na minha intervenção mandava fazer um estatuto e uma lei eleitoral, separando manifestamente uma coisa da outra. É a Constituição que o diz, não sou eu, não é ninguém!
Portanto, entendemos não só que podemos, mas também que devemos, considerar esta proposta como uma lei ordinária, porque, quando se usa um formalismo que está incorrecto, nada impede que ele seja corrigido no sentido de o canalizar para os canais que são correctos e próprios.
O Sr. Deputado Guilherme Silva disse que, se se fizer a tramitação como alteração do estatuto provisório, haverá alguma inconstitucionalidade formal. Efectivamente, penso que assim é - aliás, é minha convicção fundamentada de que existe inconstitucionalidade.
Compreendo que não é possível considerar o estatuto provisório com as mesmas garantias de iniciativa e de regras de alterabilidade do estatuto definitivo. E nitidamente a Constituição, na parte que se refere às regiões autónomas, só contempla o estatuto definitivo, e fala mesmo em estatuto político-administrativo, enquanto que nos outros só se fala em estatuto provisório. É óbvio para mim que não pode ser de outra maneira e a prova disso é que a primeira alteração do estatuto provisório foi feita em Julho de 1976 por um decreto-lei que revoga outro decreto-lei, e não pelas vias que estão previstas para a alteração do estatuto definitivo - aliás, como já referi, nem poderia ser de outra maneira, pois o que viéssemos agora a introduzir no estatuto provisório ganhava em inalterabilidade.
Por outro lado, o Sr. Deputado referiu-se aos condicionalismos específicos da Madeira. Bom, em primeiro lugar, não vejo, por mais boa vontade que tenha, como ligar os condicionalismos específicos da Madeira à existência de onze círculos eleitorais na própria ilha da Madeira. Ninguém me convence de que isso é a tradução ou a exigência da especificidade da ilha da Madeira. Porquê onze, não dez, não nove, não oito, na própria ilha? Ninguém me convence disso! Por que não dois concelhos em cada círculo eleitoral?!
O Orador: - Não há nada que justifique isso!
Mas devo dizer-lhe mais: na parte da Constituição que se refere especificamente à eleição da assembleia regional volta a repetir-se o princípio da proporcionalidade. Não é só a regra genérica do artigo 116.º, mas sim a regra específica da eleição da própria assembleia regional. Portanto, a Constituição não quis que, nesta matéria, se tomasse em conta nenhuma espécie de especificidade para o efeito de afastar a regra da proporcionalidade; logo, a regra da proporcionalidade é, obviamente, pela natureza das coisas, contrária a círculos uninominais, pelo que não tenho dúvidas nenhumas de que a inconstitucionalidade é patente.
É bom que a maioria pense nisto seriamente, pois foi uma advertência muito leal que fizemos. Se entenderem que devem aprovar esta proposta de lei, façam favor, só que ficam desde já a saber que iremos invocar a inconstitucionalidade de todo o artigo 7.º e depois veremos quem é que tem razão ...
O que diz o PS regional é respeitável, só que, se calhar, eles sabem mais da região e nós sabemos mais da Constituição, e o que se trata aqui é de respeitar a Constituição, e não outra coisa, pois não invocámos outra causa para a posição que assumimos. Sr. Deputado Coito Pita, devo dizer-lhe que o estatuto dos Açores, no qual passaram algumas inconstitucionalidades, como sabe - aliás, isso já várias vezes foi referido -, e só agora nos apercebemos de que também passou esta inconstitucionalidade e, porventura, outras no estatuto provisório; no entanto, estamos sempre a tempo de corrigir aquilo que é inconstitucional!
O facto de constar do estatuto, como lhe disse, dá-lhe natureza formalmente estatutária, e não materialmente estatutária, e aquilo que conta aqui é a natureza material, e não a formal; caso contrário, nunca mais a Assembleia da República poderia tomar a iniciativa de legislar em matéria eleitoral para os Açores e para a Madeira.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não tem mais inscrições relativamente à discussão deste ponto da nossa ordem de trabalhos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, face à hesitação que parece tolher a bancada do PSD, o meu grupo parlamentar não tem nenhum problema em fazer uma intervenção sobre esta matéria ...

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Então faça!

O Orador: - ... o que pode permitir, aliás, que a bancada do PSD se decida por uma opção não silenciosa neste campo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães deseja, pois, inscrever-se para uma intervenção?

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Os onze concelhos são uma base histórica!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP impugnou a admissão desta proposta de lei depois de, porfiadamente ao longo de meses, na Região Autónoma da Madeira se ter batido, por todos os meios constitucionais, pela não aprovação de qualquer proposta deste tipo.
No ano de 1987, no mês de Setembro, surgiram os primeiros indícios de que o PSD regional queria rever o regime eleitoral para a Assembleia Regional. Na altura, o meio pensado era outro: visava-se a mera alteração por lei ordinária. Alertámos para a gravidade desse procedimento e, desde então, o PSD hesitou e ziguezagueou permanentemente entre uma forma e outra.
Quanto ao que está em causa, ou seja, a substância da proposta de lei, creio que o objectivo do PSD é altamente reprovával, pois a proposta tendente à redução do número de deputados da Assembleia Regional é claramente injusta, distorcedora da representação do Parlamento regional e francamente persecutória. Os objectivos são, pois, claros e indisfarcáveis! Sucede que a redução de deputados não tem a mínima razão! Face à natureza do Parlamento regional, face ao seu funcionamento infrequente, face às necessidades das populações (e muitas são!), face à necessidade de intensificação da fiscalização das actividades dos deputados e do Parlamento como tal face às necessidades de legiferação que a região tem, face à necessidade de atribuir ao Parlamento regional a dignidade e o papel que lhe cabe no sistema de poder regional -acabando com a situação de subalternização sistemática a favor do Governo e dentro do Governo à personalização na figura do Presidente do Governo Regional-, face a tudo isto a aspiração da redução do número de deputados não passa de uma tentativa de liquidação dos direitos da oposição política na Região Autónoma. Mais um golpe sucedendo-se a outros, típicos da acção do PSD regional, neste domínio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta é uma medida que está ao nível de outras como, por exemplo, a instituição da comissão de censura aos jornalistas que cobrem os trabalhos do Parlamento regional (que é uma das propostas que o PSD regional se orgulha), está à altura das actividades do PSD regional (limitativas dos direitos dos partidos da oposição nos diversos planos, incluindo no que diz respeito à liberdade de propaganda) e está à altura das insistências na multiplicação de entraves ao exercício de direitos normais da oposição política que a levou, de resto, a ter de abandonar os trabalhos da Assembleia Regional na altura do debate orçamental, tendo o Governo usado o «debate» para um verdadeiro festival e banquete de propaganda com transmissões em directo para efeitos de manipulação de cunho eleitoralista.
O que move o PSD nesta matéria é claro: não é o cumprimento da Constituição, não é o reforço da democracia na Região Autónoma, não é o respeito do pluralismo político, é o contrário de tudo isto, e nada disso nos merece aplauso, antes pelo contrário, tudo nos merece o mais claro combate. Assim fizemos na Região e assim fazemos aqui impugnando, desde logo, a admissão desta proposta, porque tal, como ficou demonstrado abundantemente nos debates em comissão,
e como acaba de ser salientado pelo Sr. Deputado Almeida Santos, a proposta de lei apresentada é inconstitucional por vários ângulos, tal como se assinala no recurso apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que, agora, importa salientar é que o PSD tem má consciência quanto a esta proposta por tudo o que anunciei e ainda mais pela maneira como apresentou o texto que agora estamos a debater.
O PSD começa por apresentar uma proposta de lei banal de alteração da lei eleitoral. Na 1.ª Comissão aleitámos para a inconstitucionalidade supina desse procedimento, e o PSD recuou e de afogadilho na Assembleia Regional fez aprovar uma outra proposta, agora, de alteração ao Estatuto Político-Administrativo Provisório da Região Autónoma.
Curiosamente, quem folheou essa proposta verá que ela está baptizada de forma inócua. A proposta titula alteração do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, referente ao sistema eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira. Ora, já aqui, Sr. Presidente e Srs. Deputados, vai contrabando e não por acaso. É que, ao não enunciar clara, frontal, directa e transparentemente que querem alterar este decreto-lei que, «por acaso», é o Estatuto Político-Administrativo Provisório da Região Autónoma da Madeira, os Srs. Deputados do PSD traem aquilo que é a sua intenção fundamental, ou seja, fazer passar de contrabando aquilo que é uma alteração institucional que suscita problemas gravíssimos.
Mas mais, quiseram com isso furtar-se ao cumprimento por parte da Assembleia Regional da Região Autónoma de obrigações regimentais imperativas para a alteração dos estatutos político-administrativos. Foi assim que, apresentada a golpe, num belo dia, esta proposta foi agendada com carácter urgente, tendo sido recusado aos partidos da oposição o exercício dos seus direitos em relação à alteração estatutária. Não puderam sequer apresentar propostas de alteração.
Enquanto o PSD aqui reclama que, sendo esta matéria estatutária, só por alteração estatutária pode ser alterada, na Região Autónoma espezinhou direitos elementares dos partidos da oposição na elaboração de alterações que considero não estatutárias. Isto revela toda uma duplicidade e é também o sinal de uma postura que não abona «chá» democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por outro lado, esta proposta que assim foi feita de afogadilho coloca tais problemas que o deputado relator da 1.ª Comissão não pôde descalçar a bota: diga-se a verdade, o pé é enorme e o sapato é péssimo ...
Como ficou demonstrado, desde logo, o Sr. Deputado Guilherme Silva, que é o relator ilustre do relatório, não pôde demonstrar esta coisa simples: é que círculos uninominais em proliferação acelerada significam respeito pelo princípio da representação proporcional. Poderá ser possível fazer a demonstração de que o azul é verde, de que o verde é preto e de que o preto é chinês, mas é extremamente difícil fazer a demonstração de que um círculo uninominal e a sua proliferação respeitam escrupulosamente a Constituição, na parte em que determina imperativamente a garantia da representação proporcional.
As regiões autónomas são, naturalmente, autónomas; as regiões autónomas estão separadas de nós por muito mar, mas não há especificidade regional nenhuma que

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transforme o uninominal em proporcional. Não há nada, nem no sítio mais belo da Região Autónoma da Madeira que transforme um em dois e que transforme dois em proporcional, onde não o seja. A proposta, desse ponto de vista, é rematadamente inconstitucional.
Em segundo lugar, a proposta coloca problemas gravíssimos, pois os Srs. Deputados do PSD, além de terem uma maioria, têm de ter um bocado de razão e algum argumento, o que não foi evidenciado até agora, embora eu não perca a esperança de que ainda o venha a ser.
Tal como já foi possível salientar, aqui, a Assembleia ficou colocada, pela vossa démarche, perante um duplo risco, ou seja, se a Assembleia da República aceita, como o Sr. Deputado Almeida Santos sustentou, que nos estatutos das regiões autónomas há dois tipos de matérias, as que são materialmente estatutárias e as que não o são, podendo estas últimas (que só são «formalmente estatutárias») ser alteradas livremente, então está aberto um precedente para a demolição, por direito ordinário por lei normal e com um processo de tramitação normal, de muitos dos aspectos que constam dos estatutos.
Devo alertar que não é só a matéria eleitoral que não tem carácter materialmente estatutário, ou em relação à qual essa questão é polémica e de difícil dilucidação, mas há outras, quiçá, mais especiosas. Será que os Srs. Deputados querem precipitar uma catadupa de projectos de lei, designadamente, dos partidos da oposição no sentido de alterar este, aquele e aquele aspecto, e enfrentar aqui uma catadupa de recursos contra a sua admissão? Querem transformar a questão do regime do Estatuto numa questão de chicana permanente?
O segundo risco que se corre é admitir-se, tal como consta no parecer que vem subscrito pela 1.ª Comissão, que o Estatuto da Região Autónoma da Madeira, que é provisório, pode ser alterado de qualquer forma,...

O Sr. Coito Pita (PSD): - De qualquer forma não!

O Orador: - ... de qualquer forma, tantas vezes quantas forem necessárias. A Região teria direito de remendar a bochechos, a bocados, a parágrafos, a artigos e a números o Estatuto Provisório, que poderia ficar eterno até ao ano 2000. Isto é um absurdo, não tem o mínimo de fundamento.
Termino, Sr. Presidente, Srs. Deputados, afirmando que ainda nos bateremos por todos os meios regimentais até ao último dos últimos mecanismos e sem renunciar a algum para que este aborto jurídico não possa ser transformado em lei da República. Fazemos um apelo à bancada do PSD, se alguma sanidade lhe resta, para que não perpetre este atentado, que é também um atentado contra as autonomias.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - O Sr. Deputado José Magalhães, com a posição que aqui assumiu, revela, tal como acontece com o Partido Socialista, que o Partido Comunista Português tem uma posição na Assembleia da República e tem outra posição na Assembleia Regional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Oh! Sr. Deputado!

O Orador: - V. Ex.ª parece que corrobora a posição do Sr. Deputado Almeida Santos no sentido de que o actual artigo 7.º do Estatuto e a correspondente disposição da Lei Eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira é já hoje inconstitucional por permitir círculos com um só deputado. Sendo assim, pergunto como é que o Partido Comunista Português apresenta na Assembleia Regional um projecto de um novo estatuto em que mantém exactamente incólume a disposição existente na lei eleitoral equivalente àquela que se pretende alterar neste momento no Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira. Gostaria que o Sr. Deputado José Magalhães esclarecesse esta contradição.
O Estatuto Definitivo da Região Autónoma dos Açores, como aqui referiu o Sr. Deputado Coito Pita há pouco, tem uma norma correspondente a esta, que rege a eleição para a Assembleia Regional dos Açores. Foi aqui levantada a questão de se tratar de uma matéria de natureza não estatutária, de ser uma matéria da competência exclusiva da Assembleia da República e, em consequência disso, não deveria constar do estatuto. Mas esta Câmara aprovou, com o voto contrário do seu partido é certo, que se mantivesse essa norma.
Sabendo-se do valor supralegislativo dos estatutos sem que a Constituição distinga este ou aquele tipo de normas, pergunto ao Sr. Deputado se acha que, se for passada para o Estatuto uma norma deste tipo e estando-se perante uma questão de hierarquia formal legislativa, efectivamente, a partir daí, não teremos de considerar a norma com esse valor supralegislativo e seguir a tramitação própria que o Regimento e a Constituição prevêem para as alterações estatutárias, independentemente de discutirmos se materialmente deveriam ou não constar. A partir do momento em que constam, parece-me que ganharam o foro de estatuto e consequentemente tem de se seguir essa tramitação, conforme se está a fazer agora nesta alteração proposta, que está em discussão. Eram estes os pontos que gostaria de ver esclarecidos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Coito Pita.

O Sr. Coito Pita (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, admitimos uma situação abstracta para V. Ex.ª poder explicitar as inconstitucionalidades eventualmente existentes, com as quais não posso de forma alguma concordar.
O Tribunal Constitucional declarava determinadas normas estatutárias inconstitucionais, normas essas que, por exemplo, constam do actual Estatuto Provisório. Ficar-se-ia perante um vazio legislativo, que teria de ser suprido pela aprovação de novas disposições, cumprindo-se o processo legislativo para a elaboração e a aprovação dos estatutos.
Tendo em atenção a hipótese formulada, pergunto ao Sr. Deputado se a Assembleia Regional em questão teria de promover a alteração de todo o Estatuto? Qual a disposição constitucional que impediria a apresentação de um projecto que se limitasse a propor novo clausulado que cumprisse e atendesse ao acórdão do Tribunal Constitucional?

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães. Dispõe de quatro minutos.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Guilherme Silva, sabe perfeitamente que a posição do PCP, aqui e na Assembleia Regional da Madeira, é uma e a mesma, isto é, é inteiramente ilegítimo invocar aquilo que o Sr. Deputado invocou para sustentar uma dualidade inexistente -o que é gravíssimo-, porque V. Ex.ª sabe que na Assembleia Regional da Madeira -como pode ser comprovado pelo meu camarada Mário Aguiar, deputado na Assembleia Regional da Madeira, e que está sentado na tribuna dos convidados- o PCP foi impedido de apresentar um projecto de revisão do Estatuto Político-Administrativo porque o vosso «regimento-rolha» proíbe aos deputados que sejam o único representante de um partido terem a iniciativa legislativa em matéria estatutária.
Portanto, o Sr. Deputado invoca, abusivamente, ideias para uma revisão, ainda por cima ocultando o facto de haver uma rolha na boca do deputado do PCP da Assembleia Regional da Madeira. É francamente de mais. Dualidade não há. A dualidade que existe é a do PSD, que critica aqui coisas que resultam da sua censura lá.
Em segundo lugar, quanto às confusões em relação a votações, Sr. Deputado Guilherme Silva, felizmente existem actas cá e lá onde toda a gente poderá ver que votámos favoravelmente a norma do Estatuto dos Açores sobre a questão da composição da Assembleia Regional. É fácil verificar isso, votámos a favor, inequivocamente, pois foi aprovado por unanimidade. A questão que está colocada é diferente, atendendo a que o Estatuto da Madeira não é definitivo, é provisório, Srs. Deputados, e o Dr. Alberto João Jardim não quer que seja apenas provisório, quer que seja eterno. Pelo menos quer um estatuto até ao próximo milénio porque coloca a seguinte opção de chantagem: ou a revisão constitucional altera a Constituição alterando os contornos da autonomia ou não há estatuto revisto e definitivo. A Região Autónoma da Madeira espera até que haja outra Constituição para ter um estatuto definitivo e isto é inaceitável. É o mesmo senhor, de resto, que no jornal Tempo, de 9 de Junho, dizia quadradamente, a propósito do projecto do PSD em relação à revisão constitucional, que era um projecto de revisão constitucional tímido, cinzento e de metodologia criticável, porque metodologia não criticável para S. Ex.ª é proceder como S. Ex.ª sugere no mesmo artigo: quando não se podem abrir as portas, devem-se substituir as fechaduras. Isso em bom português chamava-se arrombamento e esta proposta de arrombamento leva-me à pergunta do Sr. Deputado Coito Pita.
Sr. Deputado, se o Tribunal Constitucional vier a declarar inconstitucional - como de resto espero, se VV. Ex.ªs insistirem - uma determinada norma, está declarada inconstitucional. E, agora, depende na natureza dessa norma: se a norma for programática, ocorre uma coisa; se a norma não for programática, ocorrerá uma outra. V. Ex.ª, porventura, estaria a referir-se a matéria eleitoral.

O Sr. Coito Pita (PSD): - Por exemplo!

O Orador: - Está preocupado com a matéria eleitoral? Acho justo que esteja preocupado com a matéria eleitoral porque a situação é de resposta extremamente difícil. Não me imputem a tese que o Sr. Deputado
Almeida Santos aqui ventilou sobre a natureza dos estatutos e sobre a revisibilidade por lei ordinária de matéria estatutária ainda que só de carácter formal. Eu não sustentei, o meu partido, cautelarmente, não a sustentou porque abrir essa porta é abrir a porta do inferno, mas abrir a outra porta que VV. Ex.ªs entendem é desencadear uma ventania sem fim. VV. Ex.ªs colocam a Assembleia da República e o regime democrático perante um dilema horrendo: num extremo rebenta com a autonomia, noutro acaba-se por permitir a revisão, aos bochechos, do Estatuto Provisório da Madeira, eternizando-o. O Sr. Deputado não compreende, não alcança a diferença entre um estatuto provisório e a diferença que há entre o Estatuto da Região Autónoma dos Açores e o Estatuto da Região Autónoma da Madeira, que desse ponto de vista é aberrante?

O Sr. Coito Pita (PSD): - A Constituição não distingue, o Sr. Deputado não deve distinguir!

O Orador: - É esse absurdo que é uma originalidade «jardínica» típica que é preciso quebrar. Isso é que cria escolhos, isso é que estabelece confusões, isso é que inquina as relações entre a República e a Região, isso é que torna difícil um diálogo que é institucionalmente indispensável.
Numa lei desta responsabilidade e desta matéria, Srs. Deputados, o PCP dará o seu consenso a todos os esforços no sentido de se ponderarem soluções constitucionais adequadas para todas, mas todas as questões eleitorais. Votámos favoravelmente a proposta relacionada, por exemplo, com o regime de exercício de voto dos cegos e deficientes. Votámos favoravelmente, é óbvio! O nosso problema não está aí. Agora, quanto a propostas inconstitucionais que têm o valor de um horrendo precedente em relação a questões fulcrais para a definição do regime democrático, não contem com a nossa posição favorável nem aqui nem em qualquer região autónoma. A nossa posição é uma e uma só.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Coito Pita (PSD): - Ainda bem que não estão divididos!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não obstante as suas profundas raízes históricas, temos de reconhecer que só o 25 de Abril deu verdadeira forma e expressão política às autonomias regionais dos Açores e da Madeira.
Não temos quaisquer dúvidas em afirmar que as autonomias, pelo que vêm permitindo de recuperação do atraso das populações insulares, durante anos votadas ao abandono, constituem a mais positiva experiência da nossa democracia.
Passados doze anos sobre a consagração constitucional dos regimes autonômicos, é natural que os ensinamentos entretanto recolhidos imponham correcções e aperfeiçoamentos que tornem ainda mais eficientes as instituições regionais.
A proposta de lei n.º 57/V, enviada pela Assembleia Regional da Madeira à Assembleia da República, visando a alteração do n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-

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-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril - Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira -, insere-se nesse âmbito de preocupações de aperfeiçoamento das instituições regionais.
Recolhe largo consenso a opinião de que a operacionalidade parlamentar passa pela redução do número de deputados, sem prejuízo da representatividade democrática que se tem sempre de salvaguardar.
A Assembleia Regional da Madeira é actualmente composta por 50 deputados, número que se vem revelando excessivo, atenta a dimensão geográfica e populacional da Região.
O aumento da população e o recenseamento agora concluído permitem a previsão de que, a manter-se o disposto no n.º 2 do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, o número de deputados à Assembleia Regional elevar-se-ia para 56 no próximo acto eleitoral, o que viria agravar ainda mais os inconvenientes, designadamente financeiros, que se vêm já registando.
Por muito bem intencionadas que possam ser as opiniões que a este propósito se manifestem e independentemente das entidades e quadrantes donde provenham, temos para nós que a Assembleia Regional da Madeira estará, ela própria, na melhor posição para ajuizar, como ajuizou, do interesse e pertinência da alteração legislativa veiculada através da proposta de lei n.º 57/V.
Tratando-se, como se trata, de diploma que se ocupa do sistema eleitoral para aquela Assembleia Regional e atenta a base democrática da sua composição, decorrente de eleição por sufrágio universal e directo, impõe-se-nos ponderar e reflectir no respeito que deve merecer aquela iniciativa legislativa, sem prejuízo do debate que se tenha por adequado e do pleno exercício das competências que à Assembleia da República estão constitucionalmente cometidas.
Hoje, instaurada a democracia, não é mais possível formular juízos e desenvolver interpretações relativamente a questões respeitantes às regiões autónomas, sem ter bem presente o princípio constitucional da autonomia.
Vêm estas considerações a propósito da circunstância de alguns deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português terem interposto recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 57/V por alegadas inconstitucionalidades.
Baixou aquele recurso à 1.ª Comissão, que elaborou parecer, presente agora a Plenário, para ser votado.
Trata-se, mais uma vez, não de um recurso que se justifique constitucional e regimentalmente, mas de um mero expediente dilatório de que o Partido Comunista lança mão para protelar iniciativas legislativas de que discorda.
Este caso concreto, pela sua natureza e características e pelas implicações que tem para a Assembleia Regional da Madeira, permitirá ver de forma clara quem está, efectivamente, com as autonomias regionais e quem se serve delas, oportunisticamente, para retirar dividendos políticos.
O Partido Social-Democrata, pela posição que detém nas regiões autónomas e pelo muito que tem feito, inequivocamente, em prol das autonomias, está completamente à vontade nesta matéria e não precisaria de mais esta oportunidade para confirmar de que lado efectivamente está.
Não deixa de ser curioso e significativo que forças políticas que se reclamam e se apresentam como defensoras constantes da Constituição e mesmo contrárias à sua revisão se permitam assumir posições que, a fazerem vencimento, seriam claramente violadoras do princípio constitucional da autonomia.
Pretende-se, com a proposta de lei n.º 57/V, introduzir alterações que, sem colidirem com os princípios constitucionais e com a filosofia que inspira os diplomas que, actualmente, regulam o sistema eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira, permitam a redução do actual número de deputados, número este que cresceria face ao aumento de eleitores recenseados.
Assim, aumenta-se de 3500 eleitores recenseados ou fracção superior a 1750 para 4000 eleitores recenseados ou fracção superior a 2000, como número necessário para que em cada círculo se eleja um deputado.
Por via do recurso interposto da admissão da proposta de lei n.º 57/V, quer-se, em última análise, inviabilizar esta alteração legislativa, alegando-se que a mesma seria inconstitucional por duas ordens de razões: constituindo o Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, o Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira, o artigo 294.º da Constituição, ao referir que os «estatutos provisórios» estarão em vigor até serem promulgados os «estatutos definitivos», impediria tal alteração; estaria, assim, vedada às assembleias regionais qualquer iniciativa de alteração aos estatutos provisórios.
Por outro lado, a alteração em causa seria susceptível de agravar sérias distorções no princípio da representação proporcional.
Não fixando a Constituição qualquer prazo para as assembleias regionais tomarem a iniciativa de elaboração do estatuto definitivo, afigura-se-nos atentatório do princípio constitucional de autonomia que se possam cercear os poderes das assembleias regionais nesta matéria.
Constitucionalmente só às assembleias regionais compete decidir da oportunidade e conveniência de tais iniciativas, sem prejuízo, obviamente, da sua posterior apreciação e aprovação pela Assembleia da República.
Qualquer alteração pontual ao estatuto provisório não significa que ele não continue, como tal, em vigor até ser promulgado o estatuto definitivo.
Seria, aliás, absurdo que as assembleias regionais pudessem tomar a iniciativa de revogar totalmente os estatutos provisórios e não os pudessem alterar parcelarmente.
No que diz respeito a eventuais distorções do princípio da proporcionalidade, há que ter presente os condicionalismos específicos das regiões autónomas, que, no caso concreto da Madeira, determinaram a sua divisão em círculos eleitorais coincidentes com os concelhos existentes.
A questão está em que, por força do reconhecimento constitucional das especificidades geográficas, económicas, sociais, culturais e históricas próprias das regiões autónomas, não é possível aplicar ali o princípio da proporcionalidade de forma radical.
Aliás, a ciência política ensina, sem que isso implique necessariamente preterição do princípio da proporcionalidade, que nem sempre, por força de diferenciações regionais, é possível manter a sua aplicação prática em termos de absoluta pureza.

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Na Região Autónoma da Madeira em onze dos seus círculos eleitorais, actualmente, apenas dois elegem um só deputado.
Com a alteração que se pretende introduzir, é provável que surja um círculo eleitoral mais a eleger um só deputado.
Não há, pois, assim qualquer distorção séria ou grave do princípio da proporcionalidade.
Por todas estas razões, por integral respeito do princípio constitucional da autonomia e pelo seu empenho na melhoria do funcionamento das assembleias regionais e na sua maior eficiência, o Partido Social-Democrata votará favoravelmente o parecer emitido pela 1.º Comissão relativamente ao recurso interposto do despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei n.º S7/V, apresentada pela Assembleia Regional da Madeira.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Guilherme Silva, não sei se terei compreendido bem, mas julguei ouvir, nas suas palavras, a afirmação de que o actual processo legislativo permitiria averiguar quem estava e que não estava a favor das autonomias regionais.
Se o Sr. Deputado Guilherme Silva proferiu esta afirmação - e gostaria que me esclarecesse -, dá-me a ideia de que estará muito mal colocado na sua bancada para proferir uma afirmação de tal tipo, lembrando-me eu, como me lembro, de incidentes que tiveram ocorrência no Plenário da Assembleia da República ainda não há muito tempo e onde os Srs. Deputados do PSD da Região Autónoma da Madeira ficaram claramente isolados, no seio do seu próprio grupo parlamentar, relativamente a iniciativas legislativas oriundas dessa Região Autónoma.
Nessa ocasião tiveram oportunidade de sublinhar a solidariedade que tiveram dos partidos e dos deputados da oposição. Pergunto, portanto, ao Sr. Deputado Guilherme Silva se não acha que, no mínimo, é precipitado vir agora aferir por este processo quem está e quem não está a favor das autonomias regionais, já que, se utilizássemos o mesmo critério, diríamos, sem margem para dúvidas, que quem não tem estado a favor da autonomia regional tem sido o seu próprio grupo parlamentar aqui na Assembleia da República.
Passando ao fundo da questão, gostaria de me colocar estritamente, sublinho, no quadro do raciocínio do Sr. Deputado Guilherme Silva.
Nos termos do parecer que nos apresenta e que submete à apreciação da Assembleia, deduzo que estamos perante uma alteração do Estatuto e nesse caso, se isso assim for, as alterações têm de obedecer a uma série de requisitos processuais na própria Assembleia Regional da Madeira. Ora, o que nós sabemos é que o processo na Assembleia Regional da Madeira teve carácter de urgência, não respeitou os prazos consignados para a apreciação de iniciativas de alteração ao respectivo Estatuto.
Sendo assim, portanto, serão os grupos parlamentares representados na Assembleia Regional da Madeira que poderão vir, por esta via, a suscitar, como incidente, a preterição de formalidades essenciais para a apresentação de iniciativas legislativas que contendam com a alteração do Estatuto e daí a razão por que eu pergunto ao Sr. Deputado Guilherme Silva se não acha que por esta via está, de facto, a admitir a possibilidade de todo este processo estar inquinado por contestação superveniente, devido à preterição das tais formalidades essenciais que deveriam ter sido cumpridas e o não foram em tempo oportuno.
Por outro lado, e olhando para o seu parecer, verificamos que na pressa ou na ânsia de ganhar a votação favorável para esta proposta de alteração, também se admite que ela venha a ser considerada como uma proposta de alteração em sede de lei ordinária.
E aqui estamos caídos no outro dado da questão, pois a admissão que o Sr. Deputado Guilherme Silva faz dessa segunda possibilidade e a abertura das portas para que qualquer grupo parlamentar na Assembleia da República tome as iniciativas legislativas que entender de alteração nesta matéria. E, assim sendo, resultará da aprovação do parecer do Sr. Deputado Guilherme Silva que as suas soluções serão legítimas. Só que qualquer delas, em última instância, estará contra os próprios interesses da autonomia regional tal como o Sr. Deputado Guilherme Silva aqui a defendeu! Então, concluo dizendo que, se há contradição, ela está ínsita na própria iniciativa e nos termos como foi defendida pelos deputados do PSD e não, obviamente, nas outras posições aqui assumidas, designadamente pelo meu grupo parlamentar, tanto na Assembleia da República como na Assembleia Regional da Madeira.

O Sr. Coito Pita (PSD): - É isso que gostaria de ver!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Guilherme Silva, faço dois comentários: um em relação ao método argumentativo que usou e outro em relação aos argumentos.
Em relação ao método argumentativo, francamente, devo dizer, que não precisamos de atestados de fidelidade autonômica. No Memorial do Convento, Saramago - que tudo descreve - pinta, com rigor, o retrato da Blimunda e do Baltasar passeando por ruas onde há vendedores de bulas, de bentinhos, de santos e Santochões. V. Ex.ª constitui-se aqui numa espécie de vendedor de atestados de fidelidade autonômica. Devo dizer que para nós não, muito obrigado. Temos os nosso próprios atestadores de fidelidade autonômica e com eles contamos, neles confiamos. Questão é que VV. Ex.ªs não procurem viciar o sistema eleitoral introduzindo elementos de batota que impeçam a emissão regular dos atestados. Essa é que é a questão. Porque, se VV. Ex.ªs insistem em dizer-nos que ser fiel às autonomias é sacrificar no «altar de jardim» o que Jardim entender plantar, desenganem-se, não conseguem. Se para ser fiel às autonomias, é necessário dizer que «constitui um absurdo antipatriótico que a revisão constitucional não procure o diálogo mas antes, colonialmente, se pretende introduzir, na outorga miguelista de uma cana constitucional por parte de classe política do continente português sobre as populações insulares» - como foi dito pelo Dr. Jardim Ramos, presidente do Grupo Parlamentar do PSD na Assem-

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bleia Regional da Madeira -, nós dizemos que isso não. Dizemos porque isso, além de ser totalmente tolo, é um insulto a qualquer sentimento de inteligência e de respeito mínimo pela solidariedade devida à República. E, além do mais, divide, cava num sítio onde não se deve cavar; o que é necessário é construir a autonomia no quadro do todo nacional, estimulando os laços de solidariedade e não fazer o contrário.
Também não nos peçam para dizer que a Comissão Nacional de Eleições não deve ir à Região, também não nos peçam para dizer que «o Tribunal Constitucional só gasta dinheiro do povo», como diz o mesmo senhor umas páginas à frente, etc. Portanto, atestados e argumentos ad terrorem, meus senhores, muito boa tarde, estamos conversados, não nos impressionam!

O Sr. Carlos Lélis (PSD): - Depois vê-se!

O Orador: - Em relação aos argumentos, gostávamos de ouvir algum porque o Sr. Deputado limitou-se a repetir que os estatutos provisórios podem ser objecto de alterações pontuais. E eu pergunto-lhe: ao abrigo de quê e por que é que os senhores hão-de desencadear uma enorme guerra inconstitucional fazendo também aí um desafio à Assembleia da República, ao Tribunal Constitucional, ao Presidente da República, aos partidos da oposição, ainda por cima não assumindo isso de frente? Os senhores querem desafiar o Presidente da República? Os senhores vão a Belém, desafiem o Presidente da República, façam uma «belenzada» e digam: «O senhor promulgue isto porque é necessário para a defesa do interesse»...

O Sr. Coito Pita (PSD): - Mas vai promulgar!

O Orador: - Mas, não tendo a coragem de o fazer, utilizam o método ínvio, utilizam a «belenzada» envergonhada, a «belenzada» dos valentinhos, isto é, utilizam uma forma ínvia, baptizam a proposta não de alteração estatutária, procuram fazê-la passar de contrabando e só quando vos puxamos para o terreno, obrigando-vos a declarar que é uma alteração estaturária, é que aí então, mas sem argumentos, vêm dizer o que o Sr. Deputado Guilherme da Silva veio dizer. E vamos incomodar o Presidente da República com isso, vamos incomodar o Tribunal Constitucional com isso, vamos criar uma guerra desse tipo agora, a poucos meses das eleições regionais? É com esse clima que os senhores querem ir para as eleições regionais ...

O Sr. Coito Pita (PSD): - Não invente coisas!

O Orador: - ... ou precisam de um alibizinho que permita ao Dr. Jardim arranjar mais umas escapatórias, ocultar o facto de não ter salvo a dívida, ocultar o facto de o Ministro Cadilhe lhe dizer não e outros aspectos pouco nobres que vos envergonham e nos envergonham?

Protestos do PSD.

Esta é a questão. Já agora, gostava que o Sr. Deputado Guilherme Silva argumentasse um bocadinho sobre a questão jurídico-constitucional, em relação ao precedente e em relação à guerra que os senhores querem abrir. Estamos disponíveis para o consenso, Sr. Deputado Guilherme da Silva, mas não para a inconstitucionalidade. Não digam que a inconstitucionalidade é necessária para a defesa da autonomia, porque, ao contrário, a inconstitucionalidade é o caminho para a destruição da autonomia. Poderá também ser é o caminho para outras estrelas. Mas isso é uma conversa em que VV. Ex.ªs saberão tudo e nós não sabemos nada.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Deputado Guilherme Silva, a Madeira tem, desde 1976, um estatuto provisório, situação realmente estranha, uma vez que estamos em 1988 e esse Estatuto, que já tem doze anos, continua a ser o mesmo. Mas, de súbito (o que, aliás, é confirmado no preâmbulo da proposta de lei), invocando aproximação do acto eleitoral, pedem uma alteração pontual do Estatuto. E qual é a vossa preocupação? É o número crescente de deputados que se iria verificar com o acto eleitoral.
Afinal, o que os senhores querem é diminuir, em vez de aumentar, o número de deputados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claramente!

O Orador: - Ora, se na Constituição, além do sistema proporcional já aqui invocado, existe um outro limite material da própria revisão da Constituição, que o pluralismo da organização política, é manifesto que o que os senhores querem é pôr em causa, para além do sistema proporcional, esse princípio. Isto porque não se trata de uma alteração quantitativa e relevante mas, sim, de uma alteração que praticamente consistiria em fazer diminuir o número de deputados que não se identificam com o PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva. Informo que dispõe de três minutos.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Jorge Lacão, antes de entrar propriamente na questão que brota do parecer sobre o recurso aqui em discussão, referiu que o PSD, relativamente a um incidente que aqui se passou com uma proposta de lei vinda da Assembleia Regional da Madeira e que foi recusada pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, revelava, com a atitude que tinha tomado, que não era um partido tão defensor da autonomia quanto eu tinha referido na intervenção.
A propósito desse incidente, tive ocasião de distinguir claramente a posição do PSD nesse particular da posição histórica do PSD em matéria de autonomia, pelo que a posição que agora tomo é de mera reafirmação de que essa excepção, esse incidente de forma alguma retira ao PSD a circunstância de ser ele, entre todos os partidos, aquele que mais tem feito pelas autonomias regionais. Por vezes, a excepção confirma a regra e este é mais um caso. Efectivamente, esse incidente nada tem a ver com a história que o PSD tem em matéria de autonomia.
Pelo contrário, ao assumir a posição que, neste particular, o PS está a adoptar, sabendo-se da importância que esta matéria tem para a Assembleia Regional

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da Madeira e provindo esta proposta de lei dessa Assembleia -diploma esse que diz respeito ao sistema eleitoral-, não tenho dúvidas de que essa posição que o Partido Socialista está a adoptar é claramente uma posição antiautonómica.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O quê?!

O Orador: - Quanto à natureza da norma em questão, ou seja, se tem ou não dignidade estatutária, quero deixar claro que a posição que sempre defendi, quer no parecer, quer na intervenção, é a de que se trata de uma disposição que tem natureza estatutária, pese embora ser matéria da competência reservada da Assembleia da República. Passou para lá, assim como norma idêntica passou para o estatuto definitivo dos Açores e, quer se queira, quer não, tem de obedecer, constitucional e regimentalmente, ao sistema de alterações que se prevê para o estatuto.
No que diz respeito à tramitação que esta proposta de lei teve na Assembleia Regional da Madeira, quero dizer ao Sr. Deputado Jorge Lacão que o respeito que todos temos de ter por esta Assembleia da República, assim como pelo princípio da autonomia regional leva-me, pura e simplesmente, a não me pronunciar sobre essa questão. Não sei, nem tenho de saber, o que se passou na Assembleia Regional da Madeira. O seu partido, assim como outros, têm assento na Assembleia Regional da Madeira e, por certo, usaram das figuras regimentais ao seu alcance para impugnar qualquer situação que entendessem dever ser impugnada.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Boa resposta!...

O Orador: - Quanto às questões que o Sr. Deputado José Magalhães levantou, não tenho o pelouro de passar atestados de fidelidade à autonomia, mas, se o Sr. Deputado se portar bem nesta matéria, talvez eu possa, junto das instituições regionais, procurar passá-lo. Será talvez o único atestado de fidelidade que podemos passar.
Quanto a entender que constitucionalmente não é possível a alteração pontual do estatuto provisório, pergunto-lhe, Sr. Deputado José Magalhães, onde é que está na Constituição a norma que proíbe essa alteração. A regra é a da livre alteração, de harmonia com os trâmites legal e constitucionalmente estabelecidos das leis em geral, designadamente do estatuto provisório. Não há norma alguma na Constituição que proíba, mas, se houvesse, tinha de ser respeitada. V. Ex.ª põe o problema ao contrário ao perguntar onde é que está a norma que permite. Sr. Deputado, a regra é a da permissão; o que temos de procurar é a norma que proíbe, e essa não existe.

Aplausos do PSD.

Queria dizer ao Sr. Deputado Raul Castro que as previsões feitas relativamente à redução do número de deputados para a Assembleia Regional da Madeira afecta principalmente, senão exclusivamente, o PSD. Portanto, não há aqui révanche partidária quando se propõe a redução do número de deputados para a Assembleia Regional da Madeira. O que se pretende é uma maior contenção de despesas, melhorar as instituições regionais, dar mais operacionalidade e eficiência à Assembleia Regional da Madeira.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, é pena que o respeito pela autonomia tenha impedido os Srs. Deputados Madeirenses de esclarecerem o cumprimento dos trâmites necessários à proposta de lei de alteração ao Estatuto para podermos ter uma ideia sobre a posição que VV. Ex.ªs acabam por assumir nesta matéria, ou seja, se VV. Ex.ªs aceitam a proposta de lei como alteração estatutária ou se a consideram como lei ordinária da Assembleia da República. É pena!
Devo dizer que não estou de acordo com o Sr. Deputado José Magalhães quando diz que é perigoso abrir a porta, por via legislativa ordinária, às alterações dos estatutos autonômicos, porque a questão está posta apenas em relação aquelas matérias em que há reserva absoluta de competência da Assembleia da República. Considero que a reserva absoluta de competência da Assembleia da República é incompatível com o processo das alterações estatutárias, na medida em que constitui uma limitação inadmissível aos poderes da Assembleia da República. Isto é, a questão não é de dignidade formal, porque essa resultaria, até, porventura, enriquecida com as exigências particulares que são feitas em matéria de iniciativa; mas o que não resultaria salvaguardado era, sem dúvida, a competência da Assembleia da República, que veria limitados os seus poderes por não poder ter iniciativa numa matéria que era de reserva absoluta da sua competência. Mas, Srs. Deputados, não é essa questão que mais nos preocupa.
Há pouco, eu disse que o CDS tinha por hábito não aceitar a apreciação prévia da constitucionalidade no sentido de votar a inadmissibilidade, a não ser que estivessem em causa questões que reputava de claramente inconstitucionais e extremamente graves.
Tenho de lhes dizer, Srs. Deputados, que reputamos de extremamente grave a alteração que VV. Ex.ªs pretendem introduzir ao número de eleitores necessário nos círculos eleitorais da Madeira, na medida em que ela conduz, por via recta, directa e imediata, à eliminação do princípio da proporcionalidade que, para nós, é um princípio fundamental.
Renovo o convite, que já hoje foi feito ao Grupo Parlamentar do PSD, no sentido de reflectir mais detidamente nesta matéria. Designadamente, gostaria que reflectissem tendo em conta um texto recente -que foi encomendado por um governo da República, pelo X Governo Constitucional-, que é o Código Eleitoral e que foi publicado no Boletim do Ministério da Justiça, em que essa matéria é considerada expressamente em termos diametralmente opostos. Isto é, é proposta no Código Eleitoral uma norma para os círculos eleitorais em geral, dizendo que a cada círculo correspondem dois mandatos, um por cada 6000 recenseados, e, dada a dificuldade de aplicação da norma em relação às regiões autónomas, a alternativa que a Comissão propõe (é verdade que se trata apenas de um anteprojecto, mas que teve honras de elogio do Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro, Durão Barroso, e honras de publicação no Boletim do Ministério da Justiça) é a constituição de dois círculos únicos, um nos Açores e outro na Madeira ou, então, círculos sempre com dois mandatos e com 6000 eleitores, no mínimo.

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Depois de termos feito este estudo ponderado, em conjunto com especialistas, pergunto se, efectivamente, as circunstâncias específicas da Região que VV. Ex.ªs apontam em defesa da solução que aqui apresentam são de tal ordem que levem a uma alteração deste tipo. Suponho que mesmo os Açores tiveram a preocupação contrária e onde havia um círculo que tivesse apenas um deputado caminharam no sentido de eliminar essa possibilidade, indo para os dois deputados. Esta questão é para nós importante, porque põe em causa um princípio fundamental da nossa organização política, pelo que estamos a ponderar seriamente em reflectir o nosso voto, tendo em conta esse tipo de considerações.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP interpôs recurso de admissibilidade da proposta de lei n.º 57/V, com base nos seguintes fundamentos:

a) Ofensa das normas constitucionais relativas à elaboração dos estatutos autonômicos, que não conferem às assembleias regionais competência para impulsionar alterações aos seus estatutos provisórios;
b) Susceptibilidade de agravar sérias distorções no princípio da representação proporcional, violando o disposto nos artigos 233.º, n.º 2, e 116.º, n.º 5, da Constituição.
O parecer da 1.ª Comissão foi no sentido do indeferimento do recurso e da sustentação da decisão do presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei apresentada pela Assembleia Regional da Madeira.
Vejamos cada um dos fundamentos de per si, começando desde logo por determinar se a Assembleia Regional da Madeira tem ou não competência para «impulsionar alterações» ao seu estatuto provisório.
O n.º 4 do artigo 228.º da Constituição da República Portuguesa estabelece que «o regime previsto nos números anteriores é aplicável às alterações dos estatutos», isto é, que, designadamente, o n.º 1 do mesmo preceito constitucional, ao determinar que «os projectos de estatutos político-administrativos das regiões autónomas serão elaborados pelas assembleias regionais [...]» se aplica às alterações dos estatutos.
Pode, pois, concluir-se que a proposta de lei n.º 57/V não ofende o disposto no artigo 228.º da Constituição da República Portuguesa, porquanto a Assembleia da Madeira tem competência para elaborar o projecto do seu Estatuto Político-Administrativo, conforme determina o seu n.º l, bem como para desencadear o processo de alteração do mesmo estatuto, ao abrigo do n.º 4 do referido artigo 228.º
É essa, aliás, também a conclusão de Vital Moreira e Gomes Canotilho ao afirmarem, em anotação m ao artigo 228.º da Constituição da República Portuguesa, que «o regime de elaboração originaria dos estatutos regionais vale também para as alterações dos mesmos».
Analisemos agora a segunda questão, e aquela que mais nos preocupa, anotando igualmente que a falta de dados relativos ao actual recenseamento impede conclusões precipitadas, no sentido de que a alteração preconizada seja «susceptível de agravar sérias distorções no princípio da representação proporcional».
O princípio da proporcionalidade, enquanto princípio constitucionalmente acolhido e conformador do sistema eleitoral no que respeita à eleição das assembleias representativas e demais órgãos colegiais directamente eleitos, não se esgota na garantia da representação das diversas correntes políticas e ideológicas nem na proporção dos votos obtidos; mas também deve garantir uma razoável e adequada proporção entre o número de representantes a eleger em cada círculo eleitoral e o número de cidadãos eleitores nele inscritos.
Tal proporção não deverá ser mínima, pondo em causa a necessária e desejável eficácia política, nem excessiva, que comprometa essa vertente do princípio democrático de representação pluralista das várias tendências político-ideológicas existentes no universo eleitoral.
Como afirmou um dia Jorge Miranda, nesta mesma Assembleia e então deputado do PPD, «a experiência histórica da ditadura e da generalidade das ditaduras mostra que a diminuição do número de deputados é uma das formas que sistemas antidemocráticos utilizam para reduzir o peso da instituição parlamentar. [...] A instituição parlamentar é a instituição central da democracia, a instituição sem a qual não existe democracia».
Parafraseando, diríamos que a Assembleia Regional é a instituição sem a qual não existe verdadeira autonomia regional.
Sendo assim, não se estará com a presente proposta de lei a pôr em causa aquilo que, no preâmbulo da mesma, se pretende acautelar, isto é, a «transparência das eleições regionais» e da representação política? É dúvida que não poderá deixar de sobreviver, já que aquela instituição regional sempre funcionou perfeitamente, tendo sempre gerado uma maioria monopartidária. Ou será que o partido que detém tal maioria já não se sente tão seguro de a vir a obter?
Face à posição já anunciada pelos deputados do PSD, teremos oportunidade de nos pronunciarmos sobre esta matéria na discussão que brevemente terá lugar nesta Câmara. Face ao parecer da 1.ª Comissão e pelo que expusemos, não podemos dar, obviamente, o nosso voto favorável.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães. Dispõe de um minuto, cedido pela ID.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Rui Silva está de acordo com o segundo argumento do recurso, mas, em relação à revisibilidade dos estatutos provisórios, invocou a autoridade constitucional de dois comentadores -Vital Moreira e Gomes Canotilho- no sentido de afirmar que eles sufragam a tese da revisibilidade do Estatuto Provisório da Região Autónoma da Madeira.
Se V. Ex.ª verificar, a página que citou não diz respeito, a título nenhum, à revisão pontual de um estatuto provisório, mas à alteração normal de um estatuto definitivo.
Gostaria que clarificasse se teve isso em consideração.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva. Dispõe de 30 segundos.

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O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Deputado José Magalhães, logicamente que a ideia a que aludi na intervenção que fiz foi generalizada e apenas adaptada ao caso concreto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tem nada a ver com os autores!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, passamos à discussão da proposta de lei n.º 42/V, que autoriza o Governo a legislar no sentido da criação de benefícios fiscais para os emigrantes em países terceiros.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (Oliveira Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta de lei tem a ver com a problemática das isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes dos Estados membros.
Na verdade, há duas directivas, sendo uma a Directiva n.º 83/181/CEE, que diz respeito a países terceiros e sobre a qual houve, no momento da negociação do Acto de Adesão, uma derrogação até 31 de Dezembro de 1988. Ao abrigo da alínea/) do artigo 44.º da Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro, o Governo está autorizado a legislar e, portanto, a interiorizar no direito português essa directiva.
O mesmo acontece quanto à Directiva n.º 83/183/CEE, de 28 de Março de 1983, que diz respeito aos cidadãos dos Estados membros, a efectuar ao abrigo da alínea c) do artigo 44.º da Lei n.º 2/88, de 26 de Janeiro.
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 246-A/86, de 21 de Agosto, estabelece benefícios fiscais para a importação de carros por parte de emigrantes. É este o diploma que está agora em causa, uma vez que o Governo pede a sua revogação, porque importa agora estabelecer para os emigrantes um regime idêntico ao que consta daquelas directivas. Aliás, somos confrontados nas Comunidades com uma queixa contra Portugal, porque este diploma contém princípios que se consideram discriminatórios e que têm a ver, designadamente, com o facto de se preverem benefícios fiscais de expressão diferente para os carros comprados em Portugal relativamente àqueles que são adquiridos no estrangeiro e também porque não consagra a exigência do regresso definitivo.
Portanto, o Governo, ao apresentar esta proposta de lei, tem precisamente em vista aplicar os mesmos princípios das directivas da CEE para os emigrantes de países terceiros, as quais integram, fundamentalmente, quatro restrições à plena Uberdade de importação de automóveis.
A primeira diz respeito à mudança de residência habitual.
A segunda concerne a bens adquiridos nas condições gerais de tributação dos respectivos números do mercado interno do país de procedência.
A terceira obriga a que o uso do interessado nesses bens (neste caso os automóveis) se prolongue a, pelo menos, seis meses. Aliás, neste âmbito, coloca-se ainda uma restrição adicional, a qual tem a ver com a faculdade de só poder ser utilizada de quatro em quatro anos.
Por fim, a quarta, e última restrição, é a de que, para efeitos de alienação, o respectivo período é de um ano.
Sem dúvida que aquilo que agora se pretende é extremamente benéfico para os emigrantes de terceiros países, colocando-os em paralelo com os emigrantes dos países integrantes da Comunidade Económica Europeia.
Neste aspecto, apenas se põe a questão de esta medida não poder ser utilizada senão quando os emigrantes regressem definitivamente. Com efeito, sublinho esta parte, porque é ela que difere do diploma actualmente em vigor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados António Mota, Nogueira de Brito e Fernando Moniz.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, queria colocar-lhe uma questão muito simples.
Naturalmente que consideramos a medida que o Governo tenta hoje aplicar com a apresentação desta proposta de lei uma medida justa, somente pecando por tardia.
Assim, Sr. Secretário de Estado, gostaria de saber por que é que quase só passados dois anos é que o Governo vem aplicar esta directiva da CEE, igualizando a isenção fiscal dos emigrantes provenientes de terceiros países.
Neste âmbito, da intervenção de V. Ex.ª ficou-me a seguinte dúvida: será que o Governo pretende aplicar esta igualização de direitos a todos os emigrantes porque houve uma queixa contra Portugal?
Não considera o Sr. Secretário de Estado que, de facto, dois anos para igualizar os direitos dos emigrantes, quer estejam nos países comunitários ou fora deles, foi demasiado tempo, tendo criado algumas injustiças para muitos emigrantes regressados dos países não membros da Comunidade?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, a minha questão é um pouco semelhante à levantada pelo Sr. Deputado António Mota, embora não se reporte ao problema dos dois anos, mas à Lei n.º 2/88.
Com efeito, por que é que, sendo a referida lei datada de 26 de Janeiro, e estando nós quase no fim de Junho, só nesta altura o Governo vem tomar esta iniciativa?
Será porque o Governo esteve a ponderar a vantagem que, porventura, resultava da lei actual, relacionada com a possibilidade de interpretação, mesmo que não houvesse mudança definitiva de residência? Será porque, em tudo o mais, a directiva aponta no sentido da isenção total e, efectivamente, a isenção é hoje tanto mais valiosa, quanto é certo que o novo imposto sobre os automóveis é mais oneroso do que até aqui existia? Terá sido esta ponderação que levou o Governo a demorar até agora, até ao mês de Junho, quando tinha uma autorização legislativa para, em relação à directiva, actuar a partir do mês de Janeiro?

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É evidente que a aplicação da directiva implicaria, em termos de igualização, a alteração do diploma actual para os emigrantes provenientes de países que não os comunitários. Porém, a lei do Orçamento do Estado já permitia ao Governo legislar nesta matéria, com vista a pôr em vigor a directiva comunitária.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Moniz.

O Sr. Fernando Moniz (PS): - Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, propõe o Governo, para além da revogação referida por V. Ex.a, o Decreto-Lei n.º 246-A/86, a revogação da alínea o) do artigo 13.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Assim, gostaria de perguntar a V. Ex.ª se não entende que a revogação, agora proposta, deste Decreto-Lei n.º 246-A/86, que veio introduzir algumas reduções ao imposto sobre venda de veículos automóveis, o qual foi, entretanto, extinto pelo Decreto-Lei n.º 405/87, de 31 de Dezembro, se não entende, dizia, que esta revogação deveria ter sido operada exactamente nesta data. Isto porque, a partir desta data, este Decreto-Lei n.º 246-A/86 ficou sem qualquer sentido prático, dado que estabelecia algumas reduções a um imposto que não existe desde Dezembro.
Por outro lado, foram provocadas alterações, actualmente vigentes, ao artigo 13.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, igualmente em 31 de Dezembro. Porém, na altura em que processou tais alterações, o Governo sabia já, porque tinha apresentado uma proposta de autorização legislativa nesse sentido, que, de imediato, iria revogar as mesmas alterações.
Então porquê toda esta falta de clareza e de objectividade nesta forma de legislar?
Uma outra questão iria no sentido de saber se o Sr. Secretário de Estado não entendeu que o Decreto-Lei n.º 179/88, que estabelece critérios diversos no que concerne à importação de bens sem carácter comercial, consagrando regras diferentes conforme eles provenham ou não de países comunitários, estatui, com esses mesmos critérios, um regime contraditório com o espírito de paridade que o Governo vem agora defender.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não apresentou esta proposta mais cedo e não legislou ainda ao abrigo da alínea f) do artigo 44.º da Lei n.º 2/88, precisamente porque a derrogação que foi negociada prevê que ela seja utilizada a partir de 31 de Dezembro de 1988. Portanto, ao apresentarmos agora esta proposta, harmonizando-nos relativamente a países terceiros e à Comunidade, estamos até a antecipar uma obrigação que teríamos de assumir em pleno a partir de Janeiro de 1989.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No entanto, sublinho que o que pode estar aqui em causa, embora não tenha a ver directamente com os emigrantes, mas, sobretudo, com cidadãos de países da Comunidade, é a Directiva n.º 837
183/CEE. Com efeito, essa é que importa, já que a Directiva n.º 83/181/CEE relaciona-se com países terceiros.
Assim, repito, aquilo que se está a fazer traduz-se, afinal, numa antecipação da aplicação da Directiva n.º 83/181/CEE, já que é ela que, no fundo, tem a ver com emigrantes de países terceiros.
Sr. Deputado Fernando Moniz falou na revogação do artigo 13.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, colocando a questão da sua permanência em vigor ou não.
Sr. Deputado, o referido preceito estava a ser aplicado no quadro do Decreto-Lei n.º 246-A/86, pois, no âmbito deste diploma, estava já previsto no Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado a isenção deste imposto.
Porém, podemos agora dela prescindir, precisamente porque a Directiva n.º 83/181/CEE cobre todos os impostos, incluindo o IVA e os direitos aduaneiros, enquanto que a segunda directiva cobre outro tipo de impostos, como seja o imposto automóvel.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Moniz.

O Sr. Fernando Moniz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vem o Governo solicitar a esta Assembleia autorização legislativa para legislar no sentido da criação de benefícios fiscais, para os emigrantes em países terceiros, similares aos que decorrem da Directiva n.º 83/133/CEE, do Conselho, de 26 de Março de 1983, para os emigrantes em Estados membros da CEE.
No sentido de se operar a transposição para o direito interno da disciplina constante da citada Directiva da CEE, foi já, em 26 de Janeiro, dada a necessária autorização ao Governo, através da Lei n.º 2/88.
O PS concorda com o estabelecimento da paridade de tratamento entre emigrantes comunitários e de países terceiros, por a considerar absolutamente pertinente e justa.
Solicita, por outro lado, o Governo autorização para revogar a alínea o) do artigo 13.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado.
Este mesmo artigo e nesta mesma matéria havia sido alterado em 31 de Dezembro de 1987, através do Decreto-Lei n.º 404/87, posteriormente, pois, ao pedido de autorização legislativa, para a transposição para o direito interno da disciplina da Directiva n.º 837 133/CEE.
Seria, pois, mais eficaz e mais consentâneo com a boa técnica legislativa que não se tivesse operado a alteração do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado em Dezembro de 1987, sabendo-se então da necessidade da revogação da alteração proposta. A eficácia, a clareza e objectividade da lei a esse cuidado obrigariam.
O Governo, neste como noutros casos, esqueceu-se de dar adequado tratamento a matérias de índole fiscal, reveladoras, afinal, de já mais que evidente improviso e inexistência de uma política global e coerente.
Vejam-se as propostas avulsas e desfasadas no tempo apresentadas pelo Governo, como, por exemplo, a que se refere à isenção do imposto do selo para as transacções efectuadas na bolsa, a isenção de mais-valias,

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os aumentos de capital das sociedades, etc. Veja-se a proposta de taxas para a reforma fiscal que amanhã aqui discutiremos.
Mas o Governo, nesta pacífica proposta de alteração legislativa, mais uma vez se alheou de outro aspecto impeditivo da clareza da lei.
Com efeito, ao imposto sobre venda de veículos automóveis (IVVA), criado pelo Decreto-Lei n.º 697/73, de 27 de Dezembro, foram estabelecidas reduções relativamente a emigrantes produtivos, através do Decreto-Lei n.º 246-A/86, de 21 de Agosto.
Entretanto, o Decreto-Lei n.º 405/87, de 31 de Dezembro, cria o imposto automóvel e extingue o IVVA, ficando então desprovido de conteúdo o citado Decreto-Lei n.º 246-A/86, que, nessa altura, deveria ter sido revogado.
Acontece que só agora o Governo vem, através da proposta de lei n.º 42/V, propor a sua revogação, passados que foram vários meses.
Não obstante, os emigrantes não devem ser penalizados pelas omissões do Governo e o PS votará favoravelmente a proposta apresentada.

O Sr. Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (António Capucho): - Por acaso, essa foi boa!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A Directiva do Conselho das Comunidades n.º 83/183/CEE, de 28 de Março de 1983, prescreve a atribuição de isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um Estado membro.
Concretamente, refere no n.º 1 do artigo 1.º que os Estados membros concedem, nas condições e nos casos a seguir indicados, uma isenção dos impostos sobre o volume de negócios, dos impostos sobre consumo específicos e outros impostos sobre o consumo, normalmente exigíveis na importação definitiva, por um particular, de bens pessoais provenientes de um outro Estado membro. E o n.º 2 acrescenta que a presente directiva não abrange os direitos e imposições específicos e ou periódicos respeitantes à utilização desses bens no interior do País, tais como, por exemplo, os direitos cobrados aquando do registo de veículos automóveis, os impostos de circulação rodoviária, as taxas de televisão, nas condições descritas nos artigos subsequentes.
É oportuno salientar que a distribuição geográfica dos portugueses não residentes se não circunscreve aos países comunitários e se prolonga por muitos outros, com uma considerável densidade.
Se o Estado Português se limitasse a tutelar as directivas comunitárias só nos interesses residentes nos países comunitários, criaria grave disparidade e injustiça. Os cidadãos portugueses seriam, portanto, discriminados em função do local de residência ou de exercício de profissão. O Estado Português estaria a faltar aos seus principais deveres se não tomasse a iniciativa, constante da proposta de lei n.º 42/V, tendente a defender os interesses de todos os cidadãos portugueses não residentes.
O Grupo Parlamentar do PSD apoia esta importante iniciativa e espera, dados os importantes interesses em causa, que os restantes partidos representados nesta Câmara dêem, igualmente, o seu voto favorável a esta proposta de lei.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo traz hoje à Assembleia da República uma proposta de lei que visa estabelecer a paridade entre emigrantes em países da Comunidade e em países terceiros relativamente a benefícios fiscais na importação de bens pessoais.
Tratando-se de uma medida justa, não convencem as razões pela sua apresentação tardia pelo Governo. O que se pode dizer é que tardam as iniciativas para a resolução da imensidão dos problemas com que se debatem os nossos emigrantes.
Saber dar respostas adequadas e à insegurança em que muitos vivem seria, na nossa opinião, a questão central de uma política de emigração.
O Governo continua sem dar a devida protecção aos que partem como temporários contratados por empresas para trabalhar no estrangeiro e que se vêem obrigados a viver longos períodos separados da suas famílias, na maior parte dos casos em instalações provisórias, superlotadas, sem o mínimo de condições, por vezes afastados dezenas de quilómetros dos centros populacionais mais próximos.
São obrigados a cumprir horários de trabalho desumanos com as tarefas mais penosas, estando sujeitos à impune violação dos contratos que lhes anunciaram à partida.
Os clandestinos, sobretudo os jovens, são frequentemente ludibriados e sujeitos às mais duras tarefas e degradantes condições de vida.
Quem pôde contactar com os compatriotas que tiveram de recorrer à emigração clandestina e conhecer de perto o seu trabalho e a sua habitação não pode deixar de concluir que é necessário dar toda a protecção e apoio àqueles que estão emigrados nas piores condições.
Os que há muito estão radicados no estrangeiro e têm a sua situação regularizada -com os filhos simplesmente integrados na nova comunidade- encontram-se indecisos entre o regresso a Portugal e a sua inserção na vida do País.
A compatibilização dos projectos entre as duas gerações é hoje um problema vivo de grande parte dos emigrantes. Um problema para muitos que já não tem solução e que está mesmo a ser agravado: pelas limitações impostas do direito ao reagrupamento familiar; pelas múltiplas discriminações e tentativas de alienação de que os jovens, particularmente os jovens emigrantes, são vítimas no trabalho e na escola; pela falta de apoio do Estado Português no campo do ensino da língua e da divulgação da cultura portuguesa; pelas más condições de vida em Portugal e pela falta de um efectivo apoio aos emigrantes que desejam regressar às suas famílias.
Entregue a si própria, a emigração continua a viver o secular problema de falta de protecção do Estado Português.

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A falta de protecção sente-se na partida, estando os emigrantes entregues a uma chusma impune de exploradores sem escrúpulos que, no estrangeiro, não cumprem contratos aqui assinados, ou se aproveitam da boa fé dos candidatos para lhes ficarem com bens vultosos.
Sente-se no estrangeiro pela falta de apoio social, cultural e consular, pela falta de informação sobre Portugal e sobre os seus direitos e pelo abandono em que ficam os familiares que permanecem no País. Sente-se no regresso pela falta de trabalho e condições de vida, pela falta de protecção contra oportunistas e burlões que, em Portugal e no estrangeiro, se tentam aproveitar das sua poupanças, pela falta de apoio na sua reinserção e na dos filhos, pelo isolamento que muitas vezes experimentam na sua própria terra.
A mulher na emigração é utilizada pelo patronato em empregos de piores condições. O desenraizamento social da mulher emigrante resulta, por um lado, do seu baixo nível cultural e, por outro, da sua mudança para meios sociais e laborais que lhe são adversos. Não obstante esta situação, tem-se assistido ao desenvolvimento da participação activa da mulher na vida geral da comunidade, tal como no plano associativo.
Durante o período de férias, a esmagadora maioria dos emigrantes encontra-se perante uma situação desesperada para resolver os seus problemas burocráticos.
Apontamos a necessidade de haver uma informação sobre as questões burocráticas, jurídicas e o seu tratamento no campo administrativo, tanto ao nível nacional, como autárquico.
Muitas perguntas se podiam fazer: que está a fazer a Secretaria de Estado das Comunidades Europeias, para além de acordos pontuais no sentido da legalização dos milhares de clandestinos, que são explorados sem qualquer segurança quanto ao futuro?
Que faz o Governo na preparação do regresso dos emigrantes? Que organismos os ajudam na sua reinserção? O desemprego que têm de enfrentar, desenquadrados da realidade do seu País? Que informações são dadas aos emigrantes sobre o país de origem? Que formação profissional? Como é tratada a reinserção das crianças no período escolar? Quanto à segurança social, como são tratados os seus direitos?
E quanto ao ensino de português no país de acolhimento? E a rede consular, como vai ser a sua reestruturação? Nada ou quase nada.
Compatriotas nossos, para tratarem de simples formalidades burocráticas, têm de percorrer, muitas das vezes, algumas centenas de quilómetros.
São algumas perguntas, entre muitas outras, que podiam ser feitas, para as quais, além de respostas, seriam necessárias soluções que dignificassem quer o nosso país, quer os nossos emigrantes.
Se os problemas de emigração fossem tratados e resolvidos como são propagandeados por alguns membros do Governo e não só junto dos jornais, rádio e TV, já há muito as comunidades viviam num autêntico paraíso.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É perante tal situação que o meu partido, através do meu grupo parlamentar, irá apresentar na Mesa da Assembleia da República um projecto de lei que visa, concretamente, dar solução a estes problemas e constituir uma verdadeira carta dos direitos do emigrante.
De entre um conjunto de medidas, salientamos: o direito à emissão gratuita de passaporte, direito ao seguro de viagem e frequência gratuita de um curso de aprendizagem da língua e civilização do país de destino; o assegurar, nos países onde se encontrem emigrantes, das adequadas condições de exercício e actividade, nomeadamente e correcta aplicação dos contratos; o acesso facilitado ao território nacional durante os períodos de férias, traduzido em preços reduzidos nas empresas de transportes públicos, maior frequência de transporte, alargamento dos períodos de funcionamento dos serviços de fronteira e alfândegas e medidas de apoio à segurança rodoviária; o direito à frequência gratuita de cursos de formação profissional aquando do regresso, visando uma mais fácil reintegração na sociedade portuguesa; a implementação de um regime fiscal especial para os emigrantes, no momento do seu regresso definitivo; Medidas especiais de cumprimento do serviço militar, que têm em conta as condições específicas aos jovens emigrantes.
Com a apresentação desta iniciativa, o PCP visa ainda garantir aos emigrantes o exercício efectivo do direito ao ensino, à segurança social, à informação, à formação profissional, à cultura e ao reagrupamento familiar.
É um projecto de lei que aponta soluções concretas para os problemas com que se debatem os emigrantes.
Por esta razão, consideramos que deve merecer, por parte desta Câmara, especial atenção, uma vez que contribui para a resolução dos problemas dos nossos compatriotas que trabalham, lutam e sofrem fora da sua pátria.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Figueiredo.

O Sr. Fernando Figueiredo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Mota: Ouvi com a atenção habitual a sua intervenção, perfeitamente deslocada do problema em causa. Embora todos os assuntos da emigração nos mereçam o maior respeito, julgo que estávamos a discutir um caso específico, e não a falar da emigração em todos os seus aspectos e todas as suas vertentes.
São notáveis as suas preocupações que, aliás, são também as nossas - nós, o maior partido, que temos três dos quatro deputados eleitos em representação dos emigrantes portugueses, dado que o PCP nunca mereceu o voto significativo dos emigrantes.
Sem me deter no «historial» que o Sr. Deputado desenhou, queria fazer-lhe algumas perguntas sobre a proposta de lei que está hoje em causa.
Concretamente, o Sr. Deputado considera ou não que é benéfica para os emigrantes esta iniciativa tomada pelo Governo?
Em segundo lugar, considera ou não que existe uma antecipação deste Governo em relação às respectivas obrigações quanto à entrada em vigor desta proposta de lei e acha ou não que esta vai beneficiar directamente os emigrantes em países terceiros?
Quanto a algumas das outras questões que formulou, digo-lhe que deve ser do seu conhecimento que contratos feitos por empresas portuguesas com emigrantes são normalmente acompanhados, na medida possí-

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vel, pelo Governo Português no sentido de verificar a respectiva legalidade e justeza, sendo acompanhados nos próprios países onde esses contratos vão vigorar.
Dado que certamente conhece o Programa do XI Governo, igualmente será do seu conhecimento a alteração que já existe no serviço de apoio consular e na informação, os quais foram substancialmente melhorados nos últimos tempos, continuando o Governo a fazer um esforço grande nesse sentido.
Embora esta matéria merecesse um debate mais alongado, não poderemos gastar muito mais tempo. Assim, se, na realidade, a adesão de Portugal à CEE beneficiou, inequivocamente, a maioria dos emigrantes que vivem nesses países, gostaria de saber por que é que o Partido Comunista Português foi sempre um feroz opositor a essa adesão que tantos benefícios trouxe a tantos milhões de portugueses.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Adão e Silva.

O Sr. Adão e Silva (PSD): - Sr. Deputado António Mota, ouvi a sua intervenção com a atenção merecida e não posso deixar de lhe fazer uma pergunta muito concreta.
O Sr. Deputado afirmou que, sobretudo no período de tempo que passam em Portugal, os emigrantes não são devidamente apoiados, que são mesmos confundidos por aspectos burocráticos e que os serviços do Estado não têm feito a devida divulgação da política e do apoio que eles realmente merecem.
Das suas afirmações parece-me ressaltar um dos três aspectos seguintes: ou há incorrecção, ou há desconhecimento, ou há uma profunda injustiça. É que presumo que o Sr. Deputado desconhece o esforço louvável que tem sido feito pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas, através do Instituto de Apoio à Emigração e as Comunidades Portuguesas, e, designadamente, através do impulso muito personalizado de uma colega nossa, a Dr.ª Manuela Aguiar, quando promoveu uma descentralização da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas verdadeira, real e «no terreno». Por exemplo, posso citar-lhe que, hoje, em Portugal, há uma distribuição bastante equilibrada dos serviços desta Secretaria de Estado, que tem delegações em Bragança, Guarda, Chaves, Braga, Porto, Aveiro, Faro e Viana do Castelo.
Para além disto, Sr. Deputado, porventura desconhece a enorme eficácia e a capacidade que têm sido evidenciadas pelas chamadas «operações fronteiras», que são serviços localizados nas fronteiras portuguesas com maior trafego de emigrantes, e que, sobretudo, respondem, de uma forma cabal, objectiva e total às ansiedades manifestadas pelos nossos emigrantes quando se deslocam a Portugal nas épocas festivas do Natal e da Páscoa e também na época de Verão.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Deputado António Mota, pelo que ouvi de V. Ex.ª não me parece que essa seja uma carta do Partido Comunista: mais parece uma «cartolina».
Gostaria de lhe referir que na sessão plenária de quinta-feira passada proferi uma intervenção sobre as atitudes que este Governo tem tomado em prol das comunidades portuguesas e, na altura, não observei nenhuma reacção da parte de V. Ex.ª De facto, nessa intervenção, referi aspectos importantíssimos dessa política do Governo, nomeadamente o intercâmbio de jovens que, este ano, atinge números inimagináveis, o apoio consular, a abertura de novos consulados, a criação dos institutos de cultura.
Para finalizar, e na sequência do que referiram os meus colegas de bancada, dir-lhe-ia que, de facto, a matéria em apreço é a que diz respeito à proposta de lei n.º 42/V, e não uma discussão generalizada em termos de política governamental para as comunidades portuguesas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.

O Sr. António Mota (PCP): - Srs. Deputados, começaria por dizer que o meu partido não apresentou nenhuma «cartolina», mas sim um projecto, uma carta dos direitos do emigrante que os Srs. Deputados vão ter oportunidade de ler. Portanto, acho prematuro, e até grosseiro, que o Sr. Deputado Luís Geraldes afirme algo sobre um documento que ainda não leu. Não o conhecendo, seria bom que o tivesse lido antes de fazer as suas críticas - julgo que as fará.
Quando apresentámos esta carta dos direitos do emigrante, fizemo-lo por estarmos preocupados com o problema dos emigrantes. Sei que os senhores viajam muito e visitam os vários núcleos de emigração portuguesa, mas a ideia que tenho é que ouvem muito pouco os emigrantes e as reivindicações, quer das respectivas associações quer, até, das associações de pais. Há Srs. Deputados que têm uma grande responsabilidade pela situação degradante que hoje se vive na emigração.
Pouco tenho viajado pelos centros de emigração, mas onde tenho ido verifico que a política realizada por este governo nesse domínio não é motivo de grande satisfação.
Por exemplo, como o Sr. Deputado sabe, os emigrantes portugueses residentes em Zurique não têm consulado português, tendo de deslocar-se a Berna.

O Sr. Luis Geraldes (PSD): - Há, há! Em Zurique abriu um consulado!

O Orador: - Está bem, mas diga-me: quando é que foi aberto esse consulado!?
Como o Sr. Deputado sabe, os emigrantes residentes em Valência, na Venezuela, têm que perder dois ou três dias e deslocarem-se 600 ou 700 km para tratarem de um simples papel burocrático.
Estas são situações que conhecemos, mas naturalmente há outras que o Sr. Deputado conhece também mas que não abordou aqui no Plenário - e era bom que o tivesse feito para tomarmos conhecimento delas.
Respondendo ao Sr. Deputado Fernando Figueiredo, dir-lhe-ei que comecei a minha intervenção afirmando que considero justa esta iniciativa do Governo quanto a esta equiparação de benefícios fiscais para os emigrantes. Independentemente das justificações dadas pelo Sr. Secretario de Estado, considero que esta medida que o Governo adoptou é tardia e que não constitui

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nenhuma antecipação. Considero-a uma medida pontual. Levantei o problema, tendo aproveitado esta situação para falar dos problemas da emigração porque considero que, sendo justa, esta é uma medida pontual. Os Srs. Deputados sabem tão bem como eu próprio que a emigração é um problema complicado e grave para o nosso país. Perguntou-me se não conheço o que se faz nas alfândegas. No ano passado visitei algumas das fronteiras portuguesas na altura do grande movimento dos emigrantes e a única coisa que observei foi a distribuição de um lindo panfleto, e pouco mais se fazia. De facto, o que vi foram bichas e bichas intermináveis de emigrantes à espera de atravessarem as fronteiras. Isto ninguém pode escamotear nem negar porque é uma grande realidade.
Portanto, se o Sr. Deputado considera que ajudar os emigrantes quando chegam à Pátria é dar-lhes um papelinho para lerem pelo caminho, eu considero isso muito pouco.
Julgo que o nosso projecto de lei apresenta algumas propostas para a resolução deste problema e estou esperançado que os Srs. Deputados, que, tal como eu próprio, estão preocupados com esta situação da emigração, lhe farão as vossas críticas construtivas para que, de uma vez por todas, consigamos resolver estes problemas da emigração e que não andemos a promulgar leis pontuais que, no fundo, «tapam um buraco» aqui e «descobrem» outro ali. Os emigrantes continuam a sofrer, fora do nosso país, situações que todos conhecemos, que são degradantes, que envergonham todos nós nesta Câmara e também o nosso país, para além de envergonharem os portugueses que estão no estrangeiro, que são ferozmente explorados e cujos interesses devemos defender nesta Assembleia, independentemente dos locais onde estejam.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais: Na Assembleia da República não devemos sofismar as questões. De facto, esta iniciativa é positiva e, em conformidade com essa sua natureza, vamos votá-la favoravelmente. Mas também devo dizer que, realmente, não esperávamos ver esta medida enquadrada num conjunto político favorável à emigração que, francamente, não temos lobrigado na actividade do Governo.
Se atentarmos às medidas tomadas, desde os célebres cortes orçamentais à Secretaria de Estado da Emigração na vigência do X Governo Constitucional - antecessor imediato deste - até à política adoptada em matéria de imposto de capitais, etc., vemos que esta nos aparece como uma medida sem dúvida positiva, porém, isolada, imposta pelo cumprimento de uma directiva comunitária que o Governo se comprometeu introduzir na ordem interna do País já na proposta de lei do Orçamento do Estado para este ano.
Há pouco, o Sr. Secretário de Estado salientou que, agora, o que estava em causa era a questão dos emigrantes portugueses em países terceiros, mas é evidente que, uma vez aplicada a directiva comunitária, não poderiam ficar de pé duas situações diferentes, uma para emigrantes em países comunitários e outra para emigrantes em países terceiros.
Portanto, digo que tanto a justeza como o carácter positivo desta medida têm de ser realçados, e sê-lo-ão com o nosso voto, que, obviamente, é a favor, mas também tem que ser sublinhado o facto de que a medida é introduzida tardiamente - podia tê-lo sido mais cedo. Por outro lado, queremos manifestar a esperança de que esta medida constitua uma inversão da marcha do Governo em relação aos emigrantes.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Geraldes.

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, fico extremamente feliz quando diz que o CDS vai votar a favor desta proposta de lei. Aliás, esse é o aspecto que ressalta desta situação.
O mesmo já não posso dizer quando V. Ex.ª, como brilhante economista que é, refere os cortes orçamentais. Verificaram-se cortes orçamentais no ano que teve início em 1987. Assim, pergunto a V. Ex.ª: quais foram os resultados eleitorais nesse ano, em termos de comunidades portuguesas?

O Sr. Adão e Silva (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Quanto à redução dos impostos, pergunto-lhe: então o Sr. Deputado não concorda que é do interesse nacional, e inclusivamente das comunidades portuguesas, ir verificar-se um mais justo equilíbrio, tanto no empréstimo como na oferta, por parte das entidades para um maior desenvolvimento do nível de vida no país?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Luís Geraldes, só posso agradecer encarecidamente a V. Ex.ª a pergunta que me dirigiu porque já suspeitava que o vosso critério era o dos resultados eleitorais. Por isso mesmo, deixo aqui um aviso para os emigrantes: cuidado! Vocês vejam lá o que fazem porque estes «nossos amigos» vão sempre aferir as medidas em termos de resultados eleitorais! Vocês votam neles e depois eles dizem: pois muito bem, mais cortes orçamentais. Não é verdade?
Não quer isto dizer que estejamos contra os cortes orçamentais. Entendemos, até, que devia haver mais cortes orçamentais, mas de uma forma selectiva.
No presente caso, pareceu-nos - e desde logo nos manifestámos - que o corte orçamental não emanava directamente de uma política global de reforma administrativa, mas foi um corte orçamental que atingiu directamente a possibilidade de actuação junto dos emigrantes.
É claro que, se os resultados eleitorais foram bons - como diz o Sr. Deputado Luís Geraldes -, temos de concluir que também foram bons os cortes orçamentais!
Sobre a outra questão que o Sr. Deputado me coloca, ou seja, se eu acho mal ou bem que haja ou não uma tentativa de maior igualização nesta matéria, dir-lhe-ei o seguinte: durante muitos anos, nos anos negros da balança de pagamentos, o País tudo fez para

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captar os emigrantes, e as medidas que tomou - que se compreendem numa perspectiva de justiça fiscal de igualização em matéria de imposto de capitais - têm, porém, nos anos bons, em matéria de balança de pagamentos, um sabor, um ressaibo a ingratidão que não nos ficam bem.
Quanto ao mais, Sr. Deputado Luís Geraldes, nomeadamente quanto a distinções entre contribuintes A e contribuintes B, o Governo não é alheio a elas e amanhã vamos ter ocasião de o explanar devidamente quando discutirmos as taxas da nova reforma fiscal.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A matéria em questão, os benefícios fiscais de que gozavam os emigrantes portugueses no estrangeiro, quando, após alguns anos de labor, pretendiam dispor em Portugal de um automóvel, importado ou adquirido no País, tem-se revelado necessariamente difícil.
No que respeita à legislação em vigor, o Decreto-Lei n.º 246-A/86, de 21 de Agosto, estabelece uma redução no imposto automóvel que é exclusivamente função do período de tempo em que o emigrante desempenhou uma actividade produtiva no país de emigração e ainda da circunstância de a viatura ser importada ou adquirida no País.
Esta dedução não tem qualquer relação com a idade do veículo, aplicando-se, assim, a um veículo novo ou a um veículo com dez ou mais anos.
Por outro lado, o Decreto-Lei n.º 405/87, de 31 de Dezembro, cria o imposto automóvel em substituição do imposto sobre a venda de veículos automóveis, definindo o imposto em função exclusiva da cilindrada da viatura.
A concatenação destes dois decretos-leis conduziu a uma discussão sobre a matéria, na qual se referia amiúde legislação anterior existente, muito especialmente porque ela afectava um considerável número de portugueses, os emigrantes.
A correcção da situação iniciou-se com as disposições contidas na alínea c) do artigo 44.º da Lei Orçamental para 1988, cuja epígrafe se refere, especificamente, às «isenções fiscais de importação» e que autoriza o Governo a adaptar à ordem interna a Directriz Comunitária n.º 83/183/CEE do Conselho, de 28 de Março, relativa às isenções fiscais aplicáveis às importações definitivas de bens pessoais de particulares provenientes de um dos Estados membros.
O período de derrogação da directiva permitia-nos a integração na ordem interna até ao final deste ano. Ainda antes dessa data tal será feito.
Assim, os benefícios de que disporão os emigrantes portugueses nos países da Comunidade ficam perfeitamente definidos pela adopção da directiva em causa.
Porém, verificar-se-ia ainda uma discrepância significativa no que respeita aos emigrantes em outros países que não os da Comunidade. E é a correcção desta discrepância, desta discriminação, que é objecto da proposta de lei do Governo n.º 42/V, à qual o PSD dá, obviamente, o seu acordo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições relativamente à discussão desta proposta de lei, passamos de imediato à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 46/V, que autoriza o Governo a alterar o Estatuto da Ordem dos Advogados no sentido de permitir a intervenção de estagiários em processos penais.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça (Borges Soeiro): - Sr. Presidente, Srs. Membros do. Governo, Srs. Deputados: Teve o Decreto-Lei n.º 84/84, de 16 de Março, diploma legal que aprovou o Estatuto da Ordem dos Advogados, uma especial atenção aos problemas que rodeiam a formação dos advogados, atendendo ao meio específico onde vão desenvolver a sua actividade e a todo o circunstancialismo inerente à sua função.
Na verdade, se, por um lado, se requer a eliminação de entraves ao pleno acesso à profissão, por outro, impõe-se que o tirocínio se faça com a melhor preparação possível dos jovens advogados.
Nas directrizes estabelecidas no Estatuto, foi vincada preocupação dar um papel mais activo à Ordem dos Advogados, sem descurar a fundamental relevância que desempenha o patrono do estágio, pretendendo-se, assim, obter um equilíbrio que permita dar uma melhor formação, quer técnica, quer deontológica, àquele que vai iniciar a nobre profissão de advogado.
Consequentemente, estabeleceram-se medidas de descentralização, com a criação dos centros distritais de estágio, aos quais competem a instrução dos processos de inscrição preparatória dos advogados estagiários, a orientação geral do estágio nas comarcas que integram, os direitos a que correspondem e a instrução dos processos de inscrição dos advogados.
Por sua vez, foi estabelecida a duração do estágio em dezoito meses, sendo dividido em dois períodos distintos, o primeiro com a duração de três meses e o segundo com a de quinze meses.
O período inicial, no dizer do próprio diploma legal, «destina-se a um aprofundamento de natureza essencialmente prática dos estudos ministrados nas universidades e ao relacionamento com as matérias directamente ligadas à prática da advocacia».
Já o segundo período tem por fim familiarizar o advogado estagiário com a prática forense, nos seus múltiplos actos e termos.
Com esse desiderato dá-se a possibilidade ao estagiário, nos termos do artigo 164.º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 84/84, no aludido segundo período, de exercer quaisquer actos da competência dos solicitadores e, ainda, exercer a advocacia em quaisquer processos por nomeação oficiosa, em processo penais, com excepção dos de querela e nos processos não penais cujo valor caiba na alçada dos tribunais de 1.ª instância e ainda nos processos da competência dos tribunais de menores.
Contudo, o novo Código de Processo Penal veio acabar com a distinção entre as formas de processo de querela e correccional, estabelecendo uma só forma de processo penal comum, mas reflectindo, na atribuição da competência para o julgamento, a gravidade do

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crime em função da pena aplicável, critério que anteriormente servia para a distinção entre as formas de processo de querela e correccional.
Tomou-se como ponto de referência o processo comum, a cujo modelo, concebido para a criminalidade mais grave, se reconduz no essencial o formalismo processual, que hoje pode dizer-se apenas variável em função da natureza e composição do tribunal -singular, colectivo ou do júri- sem prejuízo de se preverem processos especiais (sumário e sumaríssimo), de tramitação acelerada e simplificada para situações de média e pequena criminalidade.
E, partindo do pressuposto que o parâmetro distintivo para a fixação da composição do tribunal é a gravidade do crime em função da pena aplicável, será competente para o julgamento o tribunal singular ou o tribunal colectivo ou do júri, consoante a dosimetria da pena a aplicar.
Assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a alteração que ora se propõe ao artigo 164.º, n.º 2, alínea b), do Decreto-Lei n.º 84/84 (Estatuto da Ordem dos Advogados) tem em mente manter a razão de ser que impedia que os advogados estagiários interviessem nos julgamentos criminais de maior gravidade.
Trata-se, pois de proceder tão-somente à adaptação desta norma ao novo Código de Processo Penal.
Com efeito, na vigência do anterior Código estavam impedidos de intervir em julgamentos de querela; agora passarão a estar sempre que haja intervenção do tribunal colectivo ou do júri.
A alteração que o Governo propõe a VV. Ex.ªs, com o óbvio parecer favorável da Ordem dos Advogados, não configura, pois, qualquer alteração substancial da competência atribuída pelo Estatuto aos advogados estagiários, mas tão-só numa adaptação da norma em vigor do Estatuto da Ordem dos Advogados aos novos princípios e às novas formas de processo, contidos no Código de Processo Penal em vigor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Apenas uma singela questão.
E referido no preâmbulo da proposta de lei que estamos a apreciar um parecer da Ordem dos Advogados, cujo teor desconheço. Pediria ao Sr. Secretário de Estado que informasse a Câmara, em termos sumários, do conteúdo desse texto e, até, se possível, o disponibilizasse à consideração de cada um de nós.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Secretário de Estado, muito folgo em ver o Governo tão preocupado com os advogados estagiários. Igual preocupação têm os advogados com o Governo, mas por outras razões, e já lá iremos.
Já que, efectivamente, há grande preocupação do Governo com o que se passa em relação ao estágio dos advogados, gostaria de perguntar a V. Ex.ª o que se passa com a proposta da Ordem no que diz respeito ao pagamento aos advogados que fazem oficiosas.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça.

O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Relativamente à questão colocada pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, considero que não se possa falar de um parecer da Ordem dos Advogados. Ò que sucedeu foi que a base deste processo legislativo assentou numa iniciativa da Ordem dos Advogados, ou seja, a Ordem alertou o Governo de que, face à entrada em vigor do Código de Processo Penal, havia uma disposição do seu Estatuto desactualizada porque, como há pouco disse, da terminologia do novo Código já não consta o processo de querela.
Portanto, foi essa tomada de posição da Ordem dos Advogados que veio desencadear o processo legislativo do Governo, motivo pelo qual não se pode falar propriamente num parecer, mas sim numa comunicação formal, por escrito, que o Governo, nas suas linhas mestras, aceitou, após fazer a adequada preparação do diploma legal.
Em relação à questão apresentada pelo Sr. Deputado Vera Jardim, posso esclarecer que o Governo está interessado na preparação e na formação dos advogados e certamente que não são estranhos ao Sr. Deputado os incentivos, os estímulos e os apoios que o Centro de Estudos Judiciários tem dado à Ordem dos Advogados. Há dois anos que, desde as 6 horas da tarde até depois das 8, toda a estrutura do Centro de Estudos Judiciários está a colaborar -e muito bem- com a Ordem dos Advogados. Os docentes do referido centro, que é uma instituição do Ministério da Justiça, estão a dar aulas aos advogados estagiários, constando já no programa para o próximo ano dos jovens magistrados a regência por advogados de parte de cadeiras ou matéria atinente à deontologia profissional. Igualmente, já sucedeu que nas facções de audiência de discussão e julgamento, feitas no Centro de Estudos Judiciários, a par de candidatos a magistrados tomaram também parte advogados estagiários.
Está, portanto, a haver uma colaboração muito íntima entre o Ministério da Justiça -via Centros de Estudos Judiciários- e a Ordem dos Advogados.
Considero que é assim que se tem de prosseguir porque os frutos estão a ser benéficos para todos.
Quanto à pergunta que, concretamente, me colocou, julgo que extravasa, por completo, a questão de fundo que aqui nos traz -empregando a linguagem forense, pode dizer-se que foge ao tema decidendi e ao tema probandi-, podendo, apenas, dizer ao Sr. Deputado que tem havido troca de correspondência entre o Sr. Ministro da Justiça e o Sr. Bastonário da Ordem dos Advogados relativamente a esse ponto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O inferno das oficiosas constitui o universo para que, necessariamente, reenvia o presente debate. Com tudo o que nele grita contra os injustos patamares da realização de uma justiça que continua sendo, muitas vezes, deficiente, precária, condicionada. Com o inevitável desventrar do quotidiano dos tribu-

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nais, cravejado de malformações, adiposidades adjectivas, disfunções e carências de cuja gravidade já ninguém seriamente duvida.
Quem, de entre nós, não viveu, ou, no mínimo, não tem notícia do que é a chamada assistência judiciária, dessa forma objectiva de defraudar expectativas e desacautelar direitos que é, frequentemente, a prática do patrocínio oficioso? Nem vale a pena engrossar o traço do desenho-diagnóstico, tão feio é. Importa, isso sim, interrogar o poder político em torno das suas omissões e falências. Por exemplo: como vai a instituição de um imperativo sistema de acesso ao direito? Aberto o Gabinete de Consultadoria Jurídica, na Infante Santo, que resultados se conhecem? Para quando a extensão de departamentos congéneres a outros distritos judiciais, desde logo Porto e Coimbra, mas também Braga, Setúbal, Évora, Faro, Funchal ou Ponta Delgada?
As verbas inscritas no Orçamento do Estado, em anos precedentes, em processo que muito deve a esta Assembleia e, sem autocomprazimento nem excesso se afirme, dentro desta ao Grupo Parlamentar a que pertenço, que programas informáticos concretos foram ou vão ser accionados? As respostas não deixarão de causar-nos o travo amargo das urgências preteridas, das insuficiências prolongadas. A luz que mal começou a bruxulear com a parcimoniosa legislação aprovada em matéria de acesso ao direito prossegue invisível para a maioria dos portugueses em demanda de apoio técnico efectivo; o País desconhece-a e o Governo pouquíssimo faz para a difundir e impor, para eliminar o fosso cavado entre o estabelecido constitucional e a incipiente efectivação, nos domínios do real de todos os dias, dos direitos fundamentais de que nos honramos. Assim sendo, subsiste a assistência judiciária, os novos modelos que a teriam que substituir não ganham corpo, apesar da filosofia do Código de Processo Penal, a justiça é sonegada, mal grado o discurso dos responsáveis.
Enquanto isto, que se passa com os estágios da advocacia? A exiguidade do espaço dos escritórios dos advogados, a sobrecarga de solicitações a que estes se acham ligados, com a consequente diminuição das disponibilidades para uma acção formativa dos que, a seu lado, fazem o tirocínio profissional, acarretam a manutenção de um sistema generalizadamente condenado. Os passos timoratos do Decreto-Lei n.º 84/84 não foram potenciados e situam-se bem longe do que seria desejável.
Na verdade, o primeiro período do estágio, de três meses, não logra os objectivos de aprofundamento dos conhecimentos universitários adquiridos e de relacionamento natural com os procedimentos forenses comuns; o segundo período, por seu turno, avoluma as deficiências, com o advogado estagiário não raro entregue a si próprio, enfrentando desafios para os quais a sua impreparação deveria revelar-se menos patente.
A não criação de um corpo docente devidamente remunerado, a ausência de condições pedagógicas, as restrições perseverantes à existência de centros de estudos nos distritos judiciais são, por certo, razões indiscutíveis a sustentar o fracasso. O PCP já teve ensejo de, nesta Câmara, propor soluções, soluções questionáveis mas viabilizadoras de um equilibrado regime de transição, sem que, até ao presente, o eco do seu projecto de lei se fizesse ouvir como urge. Não desesperaremos nem renunciaremos, contudo, às nossas prerrogativas. Defendemos, nomeadamente, que, sob a égide da Ordem dos Advogados, em colaboração com o Centro de Estudos Judiciários, se faculte ao estagiário a possibilidade de optar por um estágio em escritório de patrono qualificado, cuja melhoria e sensível remodelação se preconiza ou em autênticos centros de formação, que terão que ser criados, organizados, financiados com dimensão e natureza exigíveis.
É no quadro de precariedades que acabo de esquiçar que nos surge a proposta de lei n.º 46/V, mediante a qual o Governo pede autorização para legislar por forma a alterar o estatuto da Ordem dos Advogados no sentido de permitir a intervenção de estagiários em processo penal.
Vem a iniciativa do Executivo justificada com a necessidade de conformar a norma constante do artigo 164.º, n.º 2, alínea b), às metamorfoses culminadas no Código de Processo Penal de 1987, facultando aos advogados estagiários o exercício da advocacia em acções de competência do tribunal singular. Assinale--se que a mudança não é de tomo. Extintos os processos querelares na sua especificidade pretérita, distinguem-se hoje as competência para julgamento em tribunal colectivo e em tribunal singular, apenas se concedendo aos estagiários, na lógica do passado, a intervenção neste último. Impunha-se, é evidente, a alteração. Só que ela, por si, não conduz à resolução de qualquer dos problemas ingentes que aguardam medidas e aos quais, de passagem, me referi já.
Muito há, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a fazer neste domínio.
O Secretário de Estado teve oportunidade de informar a Câmara de que a alteração agora preconizada veio sustentada pela própria Ordem dos Advogados, com a perspectiva de uma consonantização dos mecanismos habituais de procedimento nos tribunais àquilo que fora decidido na legislação penal adjectiva entretanto entrada em vigor, e esta razão é, por si só, bastante para ajudar a definir o sentido de voto da bancada do PCP.
Entendemos, todavia, que a altura é asada para uma pequena digressão, que nem sequer é demasiado lateralizante, com o intuito de sinalizar muito do que urge fazer, para além do já enunciado, por forma a nobilitar cada vez mais a acção dos advogados e a própria advocacia enquanto forma de intervenção na administração da justiça em Portugal.
A moldura concreta que hoje os licenciados em Direito enfrentam, ao ingressar na vida profissional, é assaz diferente da que existia, por exemplo, ao tempo do primeiro congresso dos advogados portugueses e, suponho não exagerar se disser, mesmo ao tempo do segundo congresso, que, como se sabe, é recente.
E são tais as mudanças, parcelar ou globalmente consideradas, que se impõe, num quadro legiferante relativamente minucioso e audacioso, intervir de modo a impedir que a advocacia comece a ser uma segunda profissão, apenas um pequeno «gancho» de pura sobrevivência económico-financeira e, em alguns casos, uma instância crescentemente degradada.
O Sr. Deputado Vera Jardim teve ocasião de fazer ao Sr. Secretário de Estado uma pergunta importantíssima, que é a do pagamento do patrocínio exercido em oficiosas por advogados estagiários. A resposta que veio não é, apesar de tudo, concludente, embora indicie a opção governamental.

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Penso que a remuneração é, indiscutivelmente, um aspecto a merecer consideração, embora existam outros que a Câmara não deve, de todo em todo, apartar.
Num parecer lavrado a propósito do projecto de lei n.º 115/V, do meu partido, que cria um novo regime de apoio à formação dos jovens advogados, o presidente da 1.ª Comissão, o Sr. Deputado Mário Raposo, teve o ensejo de aglutinar uma série de observações tendentes à defesa de uma filosofia - que não vou, sequer, agora questionar - do que seja o advogado nos tempos presentes e sobretudo à da valorização de vertentes de natureza subjectiva, como sejam o risco, a audácia, o fazer face aos desafios que uma profissão deste género levanta.
O que creio é que mesmo estes vectores devem ser considerados na óptica de uma valorização profissional que não ande alhures dos problemas concretos assinalados por aqueles que hoje se confrontam com essa realidade, muitas vezes negra e difícil, que é o tirocínio.
De entre estes problemas, existem os que se reivindicam de uma natureza eminentemente monetária, o que, sendo evidente, nem sequer é deslustrante e deve suscitar uma ponderosa apreciação por parte de todos nós.
Obviamente, não quereria alongar-me neste desvio, que, apesar de tudo, não é, como o qualifiquei, muito lateral em relação à problemática de fundo em apreço. No entanto, deixo este sinal, que julgo pertinente e urgente, para que - para além da medida que agora o Governo não deixará de adoptar nos 90 dias que são pedidos num dos artigos da proposta de lei que votaremos - se comece a ensejar, no plano do Executivo, ou mesmo no plano da Assembleia da República, através de um trabalho colectivo, ou singular, o conjunto das medidas que urgem para dignificar a função do advogado e a própria advocacia.

Aplausos do PCP e da ID.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, somos chegados à hora prevista para as votações e a Mesa recebeu já várias inscrições relativas ao debate a que estamos a proceder.
Assim sendo, talvez seja este o momento ideal para fazer um ponto da situação relativamente à continuação dos nossos trabalhos.
Se todos os tempos atribuídos forem esgotados, prevê-se que os trabalhos possam terminar entre as 20 horas e 30 minutos e as 20 horas e 45 minutos, pelo que gostaria de saber a opinião das diversas bancadas relativamente à continuação dos trabalhos.
As votações que se vão processar agora são relativas aos seguintes diplomas: proposta de lei n.º S5/V; projecto de lei n.º 141/V, apresentado pelo PCP; apreciação do parecer sobre o recurso apresentado pelo PCP relativamente à proposta de lei n.º 47/V; apreciação do parecer sobre o recurso apresentado pelo PCP relativamente à proposta de lei n.º 57/V; proposta de lei n.º 42/V.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares : - Sr. Presidente, pode informar-me se o Plenário tenciona prosseguir os trabalhos depois das votações?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, a Mesa pôs esse facto à consideração das diversas bancadas, de quem espera uma opinião, no sentido de saber se hoje se devem ou não esgotar os tempos atribuídos.
Relativamente a esta reflexão proposta pela Mesa, não houve qualquer reacção negativa, o que pode levar a Mesa a deduzir que haverá consenso para a continuação dos trabalhos.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares : - Sr. Presidente, se me permite, a opinião do Governo, sem pretensão de que ela seja determinante, vai em sentido diverso.
Se V. Ex.ª reparar, e permita-me que assinale o facto, estão agendados dois diplomas para votação final global, o que quer dizer que, a três minutos por grupo parlamentar, os tempos que V. Ex.ª referiu podem ser manifestamente ultrapassados.
Assim sendo, a opinião que o Governo gostaria de avançar é a de que se interrompesse a discussão do diploma que tem estado a ser apreciado e que a mesma continuasse na sexta-feira, depois da sessão de perguntas ao Governo, já que hoje, nesta bancada, não estaríamos disponíveis para continuar os trabalhos depois das 20 horas.

O Sr. Presidente: - Relativamente a esta sugestão apresentada pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, e uma vez que se está a discutir uma proposta de lei, a Mesa gostaria de saber se alguma das bancadas vê inconveniente nesta mesma sugestão.
Se não houver qualquer objecção, suspenderíamos a discussão desta proposta de lei, considerando as inscrições que, entretanto, já foram feitas.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, parece-me que a continuação da discussão deste diploma, pelo que posso apreciar - e V. Ex.ª poderá consultar as bancadas nesse sentido -, não vai demorar muito mais tempo, dada a sua simplicidade.
Portanto, em lugar de interromper agora a discussão, talvez fosse melhor concluirmos a discussão deste diploma e só depois passarmos às votações agendadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pelo que ficou dito, creio que a Mesa poderá apresentar a sugestão de se proceder às votações, após o que voltaríamos a ponderar sobre este assunto.
Srs. Deputados, vai ser submetida à votação na generalidade a proposta de lei n.º 55/V, que exclui da incidência do imposto do selo a que se refere o artigo 28.º da respectiva Tabela as apostas mútuas desportivas do Totobola.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos passar à votação na especialidade da mesma proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

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Vamos passar à votação final global.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n.º 141/V, apresentado pelo PCP.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, desejo comunicar que o meu grupo parlamentar apresentou um requerimento, ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Regimento, com vista à baixa à Comissão de Juventude deste projecto de lei, antes de se efectuar a votação agora anunciada.
Assim sendo, gostaria de usar do dispositivo regimental adequado para a apresentação do requerimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quer fazer o favor de ajudar a Mesa no sentido de esclarecer qual a disposição regimental que invoca para apresentar o requerimento?

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, creio que disponho de dois minutos para apresentar o requerimento e, segundo me dizem, é ao abrigo do artigo 91.º ou de um outro a ele aproximado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, salvo melhor interpretação, a Mesa crê que o anúncio deste requerimento, feito na base do artigo 148.º do Regimento, não tem direito aos dois minutos relativos à apresentação do requerimento, conforme pretende o Sr. Deputado.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, não farei questão relativamente a esse assunto.

Se é essa a interpretação da Mesa, não obstamos a que assim seja. De qualquer forma, creio que eu deveria ler o requerimento, que é curto, para, em seguida, o fazer chegar à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor de ler o requerimento, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - O requerimento apresentado pelo PCP é do seguinte teor:

Requerimento

Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Regimento da Assembleia da República, requerem a baixa à Comissão de Juventude, pelo prazo de 30 dias, do projecto de lei n.º 141/V, sobre as garantias e direitos dos cidadãos que frequentam cursos de formação profissional.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, a questão agora referenciada pelo Sr. Deputado Rogério Moreira, foi, de certa forma, tratada informalmente.
O PSD poderá aceitar a baixa à Comissão deste projecto de lei, mas não estamos de acordo com a Comissão a que o PCP se refere no requerimento.
Não votaremos favoravelmente este requerimento, se ele não se referir à baixa à Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que use da palavra?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Presidente, tendo em consideração a referência agora feita pelo Sr. Deputado Joaquim Marques, a solução mais adequada, e que propomos, é a de que o projecto de lei n.º 141/V baixe a ambas as comissões, visto que ambas trataram do diploma em sede de parecer na generalidade.
Nesse sentido, damos o assentimento a essa alteração no requerimento.
Eventualmente, poderão as duas comissões entender que uma comissão mista deve tratar do assunto, mas isso é matéria a abordar em sede da comissão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de ser esclarecido sobre o seguinte: esta matéria foi agendada pelo PCP. No n.º S do artigo 61.º do Regimento, diz-se:
Se o requerimento de fixação da ordem do dia for para apreciação de projecto de lei ou de resolução, não pode interromper a discussão e votação de qualquer projecto ou proposta de lei que esteja a decorrer, mas o grupo ou partido tem o direito de requerer, no termo da última reunião, a respectiva votação.
O que o PCP pode fazer é, apenas, requerer a votação e nada mais.
Ou o PCP exerce o seu direito potestativo de requerer a votação ou não requer a votação e o diploma fica em banho-maria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa pensa que a interpretação correcta a dar ao n.º 5 do artigo 61.º do Regimento é a de, no final do dia em que o assunto é agendado e discutido, se requerer a votação. Não foi esse o caso.
Por consenso, quando a matéria foi discutida, foi adiada a votação para um dia a marcar posteriormente, que acabou por ser o dia de hoje, às 19 horas e 30 minutos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, não estou a pôr em causa o adiamento da votação que vai ter lugar agora.
O que estou a pôr em causa é se, em lugar da votação - diz o Regimento que o PCP só pode requerer a votação do seu diploma -, também se pode pedir a baixa à Comissão, sem votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o artigo 148.º do Regimento, que foi o artigo invocado, diz que «até ao anúncio da votação podem dez deputados, pelo menos,

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requerer a baixa do texto a qualquer comissão para o efeito de nova apreciação, no prazo que for designado, não se aplicando neste caso o disposto no artigo 145.º».
Foi ao abrigo desta disposição regimental que o Sr. Deputado Rogério Moreira informou a Mesa de que iria apresentar um requerimento e a Mesa crê que é nestas precisas condições que se enquadra este requerimento.
Aliás, de acordo com aquilo que a Mesa pode deduzir, inclusivamente, há um largo consenso relativo à alteração dos termos do requerimento, pelo que o requerimento está a ser distribuído.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, esta interpelação não pretende criar qualquer problema na condução dos trabalhos.
No entanto, para que, de futuro, não se fixe, uma doutrina que impeça os requerentes de apresentar os seus requerimentos, lembraria ao Sr. Presidente que a matéria dos requerimentos é contemplada no artigo 86.º do Regimento e que não há qualquer diferença relativamente a requerimentos.
No n.º 1 do artigo 86.º, diz-se que «são considerados requerimentos apenas os pedidos dirigidos à Mesa respeitantes ao processo de apresentação, discussão e votação de qualquer assunto ou ao funcionamento da reunião». No n.º 4 do mesmo artigo diz-se que «os requerimentos orais, assim como a leitura dos requerimentos escritos, se pedida, não podem exceder dois minutos».
Ou seja, em qualquer caso há lugar a apresentação por dois minutos.
Isto para que, de futuro, não fique a ideia de que haveria qualquer limitação a requerimentos deste tipo. Não quisemos estar a questionar a Mesa sobre isso mas queremos apenas que se firme a doutrina regimental sobre a matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito que sobre este incidente não se gere uma outra discussão.
De qualquer modo, a Mesa pensa ser correcta a interpretação do Sr. Deputado Jorge Lemos relativamente aos requerimentos.
Quando a Mesa solicitou informação sobre qual a norma regimental em que o PCP baseava o requerimento, foi invocado um artigo do Regimento diverso deste, pelo que creio que o Sr. Deputado Rogério Moreira não ajudou suficientemente a Mesa no sentido de saber qual a norma regimental ao abrigo da qual solicitava os dois minutos para apresentar o requerimento.
De qualquer modo, a Mesa pensa que em todo o momento pode e deve ser questionada no sentido de esclarecer as normas regimentais que melhor podem contribuir para a condução dos trabalhos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, em matéria de requerimentos, e sobretudo à luz do artigo invocado, não há lugar à apresentação de requerimentos mas, eventualmente, à sua leitura, num limite máximo de dois minutos.
No entanto, a leitura de um requerimento não tem nada a ver com a sua apresentação.

O Sr. Presidente: - Creio que a interpelação do Sr. Deputado Silva Marques também ajuda a clarificar melhor a questão da apresentação e da leitura dos requerimentos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró para interpelar a Mesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não quero arrastar o debate, mas, segundo a minha interpretação - e este é um problema que deve ser debatido na altura própria, pois devemos debater esta questão talvez em conferência de líderes ou numa outra reunião qualquer -, e lendo bem os n.ºs 5 e 6 do artigo 61.º do Regimento, não tenho dúvidas de que ele consagra um regime especial para os agendamentos, pelos partidos, dos projectos de lei.
Trata-se de dar a cada partido, principalmente aos partidos da oposição, o direito de votar na generalidade e na especialidade o seu projecto de lei em circunstâncias especiais ou excepcionais em relação a iniciativas gerais já agendadas em outras ordens do dia.
Não pretendendo arrastar o debate, desejo salientar que não tenho nada contra o requerimento de baixa à Comissão do projecto de lei n.º 141/V. Se todos os partidos estão de acordo, não vai faltar o consenso do CDS. No entanto, tomamos esta posição com a consciência de que estamos a infringir o Regimento.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos, pede a palavra para interpelar a Mesa?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não calculávamos que uma solicitação tão simples do nosso grupo parlamentar -que, aliás, não é originária, tem-se procedido desta maneira já por diversas vezes em sede de direito de marcação- pudesse provocar tanta celeuma. No entanto, penso que estamos a actuar no seguimento do que foi o debate realizado na passada quinta-feira: havia um pouco o consenso de que seria este o sentido normal, como se poderia deduzir das intervenções da generalidade dos partidos.
Gostaria de dizer apenas que a ser firmada como tese regimental o que acaba de dizer o CDS, isso significaria que, se um qualquer partido, da oposição ou não, utilizasse o seu direito regimental de marcar uma ordem do dia, perderia todos os outros direitos regimentais.

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Ora, isso não pode ser. Há um mais em relação a outros direitos que é exigir a votação. Mas, se há esse mais, também tem de haver o menos, como seja, não havendo a votação, requerer a baixa do projecto a uma determinada comissão. Isto é óbvio e evidente. Penso que não é levar muito longe o raciocínio regimental.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do requerimento apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, que vai ser lido de novo, dado ter sofrido uma pequena alteração.
Foi lido. É o seguinte:

Os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo do disposto no artigo 148.º do Regimento da Assembleia da República, requerem a baixa às Comissões de Juventude e de Trabalho, Segurança Social e Família, pelo prazo de 30 dias, do projecto de lei n.º 141/V, sobre garantias e direitos dos cidadãos que frequentam cursos de formação profissional.

Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PCP, do PS, do PSD, do PRD, de Os Verdes e da ID e a abstenção do CDS.

Srs. Deputados, vamos seguidamente passar à votação do parecer sobre o recurso apresentado pelo PCP relativo à proposta de lei n.º 47/V, que autoriza o Governo a alterar a lei n.º 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação dos Sectores).
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do CDS, votos contra do PCP, do PRD, de Os Verdes e da ID e a abstenção do PS.

O Sr. Deputado Rui Silva pede a palavra para que efeito?

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, é para anunciar que faremos chegar à Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Vera Jardim pede a palavra para que efeito?

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, é para anunciar também que faremos chegar à Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer sobre o recurso apresentado pelo PCP relativo à proposta de lei n.º 57/V - Alteração do artigo 7.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 318-D/76, de 30 de Abril, referente ao Sistema Eleitoral para a Assembleia Regional da Madeira.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e da ID.

Srs. Deputados, vamos agora votar, na generalidade, a proposta de lei n.º 42/V, que autoriza o Governo a legislar no sentido da criação de benefícios fiscais para os emigrantes em países terceiros.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, vamos passar à votação na especialidade da mesma proposta de lei.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Vamos agora passar à votação final global.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

Srs. Deputados, dado que estamos próximos da hora regimental de conclusão dos nossos trabalhos, gostaria de pôr à consideração da Câmara se devemos ou não continuar os trabalhos.
O tempo disponível que nos resta é de 1 hora e 31 minutos.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares propôs a continuação da discussão da proposta de lei n.º 46/V na próxima sexta-feira e o Sr. Deputado Vera Jardim propôs que continuássemos os trabalhos de hoje até final da discussão da referida proposta de lei.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, talvez tenha ouvido mal porque a acústica não é boa, mas julgo que o Sr. Presidente pôs o problema de saber se os trabalhos devem continuar.
Pela nossa parte, entendemos que os trabalhos devem ser suspensos neste momento, continuando-se o debate noutro dia.

O Sr. Presidente: - A proposta apresentada pelo PSD é, pois, no sentido de se interromperem agora os trabalhos e que a continuação da discussão da proposta de lei n.º 46/V seja efectuada noutro dia; a proposta do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares é no sentido de continuarmos a discussão da referida proposta de lei na próxima sexta-feira.
Como esta marcação é feita pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, penso que deverá ser o Sr. Presidente a marcá-la posteriormente.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer que «outro dia» envolve necessariamente a sexta-feira, e estamos de acordo que a discussão da proposta de lei prossiga nesse dia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nestes termos a continuação da discussão desta proposta de lei terá lugar na próxima sexta-feira, registando já a Mesa inscrições de alguns Srs. Deputados.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, o Plenário reúne amanhã, quinta-feira, dia 16, às 15 horas, com período antes da ordem do dia; do período da ordem do dia constará a discussão da proposta de lei n.º 59/V - Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas.

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4122 I SÉRIE - NÚMERO 100

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adriano Silva Pinto.
Amândio Santa Cruz D. Basto Oliveira.
António Maria Pereira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Joaquim Vilela de Araújo.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Angelo Ferreira Correia.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mário Lemos Damião.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Joaquim Batista Cardoso.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Gomes da Silva.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Manuel Oliveira Guterres.
António Miguel Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
José Apolinário Nunes Portada.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Ricardo Manuel Rodrigues Barros.

Partido Comunista Português (PCP):

Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel Antunes Mendes.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta de Franca.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
Carlos Alberto Pinto.
César da Costa Santos.
Domingos da Silva Sousa.
Fernando Barata Rocha.
Gilberto Parca Madaíl.
João Manuel Ascensão Belém.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Pereira Lopes.
Luís António Martins.
Manuel João Vaz Freixo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
João Barroso Soares.
João Rui Gaspar de Almeida.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Raul Manuel Bordalo Junqueira.
Vítor Manuel Caio Roque.
Vítor Manuel Ribeiro Constando.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Luísa Amorim.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Declarações de voto enviadas à Mesa para publicação relativas à votação do parecer relativo ao recurso Interposto pelo PCP quanto à admissão da proposta de lei n.º 47/V que autoriza do Governo a alterar a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação dos Sectores).

O Partido Socialista entende que a proposta de lei n.º 47/V, que autoriza o Governo a alterar a Lei n.º 46/77, de 8 de Julho (Lei de Delimitação dos Sectores), ao pretender dar poderes ao Governo para alterar a Lei n.º 46/77, contém manifestas inconstitucionalidades ao pretender:

a) Possibilitar a entrega da gestão da quase totalidade das empresas em relação às quais existe hoje uma reserva a entidades privadas em regime de concessão, fazendo-as assim passar para o sector privado;
b) Possibilitar, em medida que reduz drasticamente os sectores de reserva pública, fazendo perder todo o sentido útil ao dispositivo do artigo 85.º, n.º 3, da Constituição, o acesso de entidades privadas aos sectores até aqui reservados ao sector público.

No entanto, e a fim de permitir a discussão de fundo do problema e na linha da posição que tem tomado em relação a muitos diplomas, em relação aos quais se levantaram e levantam idênticos problemas de inconstitucionalidade, o PS entendeu dever abster-se na votação do parecer relativo ao recurso apresentado pelo PCP.

17 de Junho de 1988. - O Deputado do PS, Jorge Sampaio.

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16 DE JUNHO DE 1988 4123

O PRD votou favoravelmente o recurso interposto por deputados do Grupo Parlamentar do PCP quanto à admissibilidade da proposta de lei 47/V, por estar em desconformidade com o actual normativo constitucional designadamente por violar o estabelecido nos seguintes preceitos:

a) O artigo 9.º, alínea d), o artigo 80.º, alíneas b) e c), conjugados com o artigo 90.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, em virtude de, com a proposta que constitui objecto do presente recurso, se inverter o alcance, a lógica e os princípios fundamentais ordenadores da Constituição económica, pondo-se em causa a existência de economia mista, da coexistência e concorrência de sectores, bem como o pretender-se abrir à iniciativa privada sectores básicos, que correspondem a satisfação de necessidades fundamentais da sociedade, sem se assegurar eficazmente o necessário controle do poder económico pelo poder político democrático;
b) O artigo 89.º do CRP, por permitirem-se modos de gestão privada do sector público quando a Constituição determina «modos sociais de gestão».
Tais razões têm a sua justificação no actual quadro constitucional, embora o PRD considere que o mesmo se encontra desajustado à realidade económica e social do País, sobretudo na perspectiva da construção do Mercado Único Europeu - daí o projecto de revisão apresentado, que visa dar soluções a bloqueamentos actualmente existentes.
Deveria, pois, o Governo ter esperado pela conclusão do processo de revisão constitucional, ora em curso, de modo a clarificar-se melhor a matriz caracterizadora do sistema económico, a não ser que o partido que apoia o Executivo se tenha já demitido do seu dever de pugnar por uma revisão consensual da Constituição, preferindo-se atalhar apressadamente pela via da sua revisão antecipada e ilegítima, apoiada exclusivamente na força que lhe advém da sua maioria, arriscando-se a, ou preferindo, agudizar conflitos institucionais, nomeadamente com o Tribunal Constitucional, promovendo-se assim, para além da instabilidade social, a instabilidade política e institucional, sempre prejudiciais ao normal e necessário desenvolvimento do País.

Os Deputados do PRD, Rui Silva - Marques Júnior - Isabel Espada.

As REDACTORAS: Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz.

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