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4534 I SÉRIE - NÚMERO 91

Quero deixar a minha esperança que, a partir de agora, não só cabe a chamada querela constitucional como todos abandonem fantasmas do passado e reconheçam a superioridade deste regime sobre os que anteriormente existiram em Portugal desde a época dos descobrimentos. Não tenho em mente apenas o despotismo e a monarquia liberal, mas também a primeira República, indevidamente mitificada por alguns ao arrepio da mais elementar verdade histórica e que de forma alguma soube ser a casa comum de todos os portugueses, e o Estado novo, expressão do domínio ilegítimo de uma minoria e do imobilismo, incapaz de se adaptar minimamente à evolução real e às aspirações da comunidade nacional.
Que, na sequência do que foi agora conseguido, se mudem alguns maus hábitos instalados na vida portuguesa! Que deixem de ser .privilegiados os episódios da luta pelo poder entre partidos ou o inconsequente brilhantismo - direi mesmo, narcisismo - individual! Que os ataques pessoais e a intriga, que conduzem à crispação total, sejam postos de lado! Que todos compreendam que o «salve-se quem puder» põe em causa o esforço colectivo indispensável no contexto da integração europeia! Que todos adoptem, em consequência, uma profunda mudança de estilo de «fazer política» em Portugal! Estes são os meus votos, neste momento crucial de viragem, que será decisivo para os portugueses de hoje e de amanhã.

II - APRECIAÇÃO NA ESPECIALIDADE

A veemente aprovação que, na generalidade, me merece a Lei de Revisão não me impede de expressar algumas críticas, mais ou menos severas e a título exclusivamente pessoal, quer a algumas opções surpreendentes introduzidas na Constituição, quer à manutenção de algumas proclamações demagógicas e de outros preceitos que já não têm sentido.
Deixando de lado o preâmbulo, texto meramente histórico sem valor interpretativo do novo articulado, e os artigos 1.º e 2.º, que já atrás apreciei positivamente, começo por lamentar que, por incompreensível teimosia, não tenha ainda sido possível consagrar no artigo 6.º aquilo que boa parte da doutrina tem por adquirido: que Portugal é hoje um Estado unitário regional. (Ver, por todos, Professor Jorge Miranda, in «Manual de Direito Constitucionais, vol. III, p. 244).
No artigo 7.º, se é de registar a manutenção dos laços de amizade com os países de língua portuguesa - assim designados pelas razões que enunciei na CERC - e a melhoria resultante da divisão do n.º 3 que antes permitia interpretações históricas perfeitamente descabidas numa Constituição, teria sido aconselhável a substituição da expressão ultrapassada «direito dos povos à insurreição» por «direito dos povos à resistência», terminologia utilizada, por exemplo, na importante Declaração das Nações Unidas sobre as relações entre os povos.
Ainda no mesmo artigo, se é de sublinhar a referência ao empenhamento de Portugal na Europa, é discutível o conceito introduzido de identidade europeia. Trata-se de um conceito mal definido que não pode pôr-se em confronto com conceitos consolidados como o da identidade nacional, histórico-cultural, de Portugal. Fica ainda a dúvida sobre qual a Europa a que o preceito se refere: a da Comunidade? A do Conselho da Europa? A que vai do Atlântico aos Urais? A única solução possível teria sido a de sublinhar o carácter pluri-cultural da identidade europeia, que exige atenção acrescida a todas as culturas do nosso continente e aos valores éticos, culturais e espirituais que o inspiram, como se afirma na Declaração da Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia a propósito das próximas eleições para o Parlamento Europeu.
Também no artigo 9.º verifico por um lado melhoras significativas introduzidas nas alíneas c) e é), ambas por propostas do PSD e, por outro, a manutenção na alínea d) de uma formulação que não só é demagógica e irrealista como é de execução impossível. O aditamento da alínea f) vem dar o relevo que faltava à língua portuguesa e ao dever primordial do Estado de a valorizar e divulgar. Mas se a este cabe - e muito bem - como tarefa prioritária zelar pela liberdade, pelo património cultural, pelo ambiente, pelo correcto ordenamento do território, não pode auto-atribuir-se a promoção da «igualdade real» entre os portugueses, que ninguém sabe o que é, em vez de garantir a igualdade de oportunidades e de direitos, ou seja, a igualdade social, como lhe competia e era proposto pelo PSD. Como demonstrei na CERC, aquela formulação utópica de idealismo igualitário não tem razão de ser. Em primeiro lugar, por ser absurda perante a evolução social que aponta para a complexificação crescente das sociedades do futuro; em segundo lugar, por esquecer que dentro de pouco tempo as fronteiras na Europa tenderão a esbater-se e a interdependência entre os países a acentuar-se, o que tira significado e efeito a acções isoladas do Estado português; em terceiro lugar, por limitar a liberdade de cada um escolher o seu próprio modelo de vida; em quarto lugar, por estar demonstrado, por exemplo em estudos e relatórios da OCDE, que as intervenções do Estado para promover artificialmente a igualdade dita «real» não só mantêm as discriminações existentes como acrescentam novas desigualdades, além de falsearem os mecanismos do mercado e dificultarem as intervenções a posteriori com vista à justiça redistributiva. Por isso, nalgumas sociedades «igualitárias» que se tentou erguer a liberdade morreu e quem aproveitou foram os «mais iguais» que os outros...
Fora da mitologia marxista nenhuma corrente ideológica hoje sustenta tão disparatada «tarefa» estadual. Os programas fundamentais dos partidos democratas-cristãos, liberais ou social-democratas europeus são claros. Estes últimos interpretam correctamente o direito à igualdade como igualdade social e de oportunidades, ao qual é acoplado o conceito fundamental de justiça, que, essa sim, deve ser promovida pelo Estado, nomeadamente através de adequados mecanismos de redistribuição. Razão tinha, já há decénios, Jacques Maritain quando escrevia: «É necessário afirmar ao mesmo tempo a igualdade essencial que une os homens na natureza racional e as diferenças naturais particulares que brotam desta unidade e igualdade (...). A unidade do género humano é o nome mais verdadeiro da igualdade natural entre os homens. Esta tende a espandir-se em diferenças individuais ou de grupo. Afirmar a igualdade é para o idealismo igualitário querer que toda a diferença desapareça. Para o realismo cristão é querer que das fecundas diferenças todos possam beneficiar. O idealismo igualitário vê a igualdade à superfície, enquanto o pensamento cristão a decifra em profundidade» (in «Princípios para a Política Humanista»),

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