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19 DE OUTUBRO DE 1989 45

Dá-se, para mais, o caso de. a actividade do Conselho da Europa se ter, nesta matéria, muito especialmente intensificado. E não é de esquecer que Portugal assinou, em 14 de Maio de 1981, a Convenção, de 28 de Janeiro do mesmo ano, para a Protecção das Pessoas Relativamente ao Tratamento Automatizado de Dados de Carácter Pessoal. Antes disso já a OCDE havia fixado, em 23 de Dezembro de 1980, as linhas directrizes regulamentadoras da protecção da vida privada e dos fluxos transfronteiras de dados de carácter pessoal.
Sr. Presidente, Srs, Deputados: Não irei, por certo, alongar-me em considerações sobre os valores que estão ligados ao direito ao resguardo da vida privada. São temas de tal maneira conhecidos de todos nós (o direito à riservatezza, ao resguardo, à intimidade, à privacy dos Norte-Americanos e dos Anglo-Saxónicos, em geral) que escusam de ser aqui reiterados. Mas parece-me, no entanto, de lembrar uma coisa muito importante: é que um grande ordenador de há 20 anos tinha a mesma, capacidade de armazenamento de dados que um micro-computador pessoal de hoje, o que é realmente perturbante em matéria da necessidade e da redobrada intensidade da defesa de um cidadão perante a penetração, a intervenção, a intromissão da informática na sua vida privada.
Noutro plano, será de recordar o que Norberto Bobbio referiu, em 1980, em «La democrazia ed il potere invisible», na Rivista italiana di Scienza Política. Se a democracia se quer cumprir verdadeiramente como o «governo do povo», necessário se torna que ela seja o «governo em público» ou o «governo do poder visível». Nada pode ser escamoteado!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Não reluto em saudar, enquanto tal, enquanto ideia, enquanto corpo de ideias (não estou a falar na especialidade), a iniciativa legislativa do Partido Socialista, adaptada que seja, desde logo (isso é evidente!), ao novo texto constitucional.
Não concordo, entretanto - desde já devo dizê-lo, aliás suponho que já o disse -, com a composição da Comissão Nacional de Informática e Liberdades, repescada, quanto ao nome, do modelo francês, mas não quanto ao seu miolo. Porquê segregar por completo o Governo - este ou qualquer outro - da intervenção na Comissão? Aliás, em relação ao Sr. Deputado Alberto Martins - o qual, devo dizer, funciona quase sempre em relação a mim como um complemento de consciência e a quem muito saúdo nessa vertente -, por certo concordará com este aspecto da minha intervenção. E neste momento eu perguntaria por que é que qualquer Governo, qualquer órgão que dependa do Governo, não é autónomo.
Ora o Governo não «infama» necessariamente qualquer órgão que dependa dele. As pessoas que dependem de um governo podem ser o mais independentes possível, não têm necessariamente de ter o ferrete da dependência, da não autonomia, da sujeição, da conformidade estatutária. Salvo o devido respeito, quer pelas pessoas que fazem parte dos órgãos autónomos do Governo quer pelo Sr. Deputado Alberto Martins, discordo inteiramente desta asserção. De uma asserção que é correntia, é vulgar, e que na verdade choca porque uma pessoa pode fazer pane de um órgão dependente de um governo e ser tanto ou mais intocável na sua autonomia e tão tangivelmente independente do que a que fizer parte de um órgão formalmente autónomo.
Não entendo por que é que o Governo tem de ser. segregado total e drasticamente desta Comissão. E pergunto: não seria mais natural uma composição quadripartida, sendo dois membros eleitos pela Assembleia, dois designados pelo Conselho Superior da Magistratura e pelo Conselho Superior do Ministério Público (um por cada) e dois indicados pelo Governo, cabendo a presidência a uma individualidade nomeada pelo Presidente da República?
Por vezes esquecemos o protagonismo necessário que neste tipo de grandes comissões terá de ter o Presidente da República. Entendo que este ou qualquer outro chefe do Estado, como topo da pirâmide institucional, deverá propagar a sua autoridade, o seu prestígio, a sua dissociação de qualquer vertente ou componente política ou conjuntural para este tipo de comissões. Portanto, pessoalmente, entendo - não estou a veicular qualquer pensamento do meu partido- que essa competência deveria pertencer ao Presidente da República. É assim que acontece, que me recorde, na República Federal da Alemanha.
Isto é evidente, estou a dar um exemplo de uma viável solução...
Não é, de resto, de esquecer que as homólogas comissões britânica, suíça e alemã federal se situam na órbita do governo. Em Portugal, as leis são muitas vezes feitas a pensar' na conjuntura que existe e não - na exactidão dos princípios. Aconteceu isso designadamente em 1982, aquando da revisão constítucional, o que na altura eu tive ocasião de, em extensas declarações de voto, dizer. E está à vista o resultado que, em alguns aspectos, daí adveio.
Só desculpará o partido apresentante do - presente projecto o reconhecimento que implicitamente faz de que a actual maioria se manterá por muitos e bons anos e ainda melhores eleições. E, portanto, temerá que este Governo possa ter alguma «interferência» na Comissão que se quer autónoma e independente, como é óbvio.
Por outro lado,- e muito sinceramente, não vejo como muito previsível que uma comissão deste tipo justifique um estatuto tão carregado e absorvente.
Se bem me recordo, o seu presidente tem a categoria-idêntica ao Provedor de Justiça e os restantes membros a magistrados do Supremo Tribunal de Justiça. Não vejo que uma comissão deste tipo justifique, a menos que se vá criar uma comissão que desde logo fique bastante esvaziada de sentido e de tarefas, a afectação a tempo inteiro de personalidades que se querem desejavelmente de relevo, autónomas e independentes, e que por isso têm de ser personalidades que não irão ser para ali remetidas como um exílio dourado ou qualquer coisa assim, mas como uma tarefa realmente assumida e bem cumprida.
É claro que a dúvida carece, no entanto, de melhor reflexão em sede de especialidade.
Finalmente, estou em supor que o regime aplicável aos fluxos de dados transfronteiras deveria ficar, desde já, regulamentado. No projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista remete-se para uma nova lei e eu acho que a Constituição, sobretudo na formulação actual do artigo 35.º, n.º 6, aponta injuntivamente para a regulamentação dos fluxos transfronteiras. Ora, entendo que com , base nos trabalhos elaborados no âmbito do Conselho da Europa, da OCDE e das comunidades, que poderão servir, neste ponto, de excelente ponto de partida, deveria, desde já, encarar-se a regulamentação dessa matéria. Isso a par de um aspecto que o meu colega de bancada deputado Carlos Encarnação irá tratar, e que é a criminalidade informática.