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Terça-feira, 21 de Novembro de 1989 I Série - Número 17

DIÁRIO
da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 20 DE NOVEMBRO DE 1989

Presidente: Ex.ma Sr.ª Maria Manuela Aguiar Moreira

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Carlos Manuel Luís Apolónia.
Maria Pereira Teixeira.
João Domingos F. de Abreu Salgado.

SUMÁRI0

A Sr.ª Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 45 minutos.
A Câmara aprovou um voto de pesar pelo falecimento de João de Freitas Branco.
Iniciou-se a discussão, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 117/V (Orçamento do Estado para 1990) e 118/V (Grandes Opções do Plano para 1990), tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros das Finanças (Miguel Cadilhe), do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira) e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Oliveira Martins) e dos Srs. Secretários de Estado do Tesouro (Tavares da Silva) e dos Assuntos Fiscais (Oliveira Costa), os Srs. Deputados António Guterres (PS), Octávio Teixeira Lino
de Carvalho, Sérgio Ribeiro e António Filipe (PCP), Basílio Horta (CDS), Helena Torres Marques (PS), Nogueira de Brito (CDS), Sottomayor Cardia (PS), André Martins (Os Verdes), Silva Marques, Carlos Encarnação, Antunes da Silva, Vieira de Castro e Montalvão Machado (PSD), João Amaral (PCP), Rui Macheie (PSD), Carlos Lilaia (PRD), Vieira de Castro e Gilberto Madaíl (PSD), Adriano Moreira (CDS), António Barreto (PS), Manuel Filipe (PCP), Rui de Almeida Mendes (PSD), José Magalhães e Apolónia Teixeira (PCP), Joaquim Marques (PSD), António Campos (PS) e Oliveira de Matos, João Maçãs e António Vairinhos (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 23 horas e 55 minutos.

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A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alberto Monteiro de Araújo.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro José Martins Viegas.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Abrantes Pereira.
António Augusto Lacerda Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correira Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Sousa Encarnação.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Carlos Sacramento Esmeraldo.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Ferreira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco João Bernardino da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Germano Silva Domingos.
Gilberto Parca Madaíl.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Fernandes Marques.
Joaquim Vilela de Araújo.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Luís de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Luís Vieira de Castro.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Luís da Silva Carvalho.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Manuel Maria Moreira.
Margarida Borges de Carvalho.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Miguel Bento M. da C. de Macedo e Silva.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Afonso Sequeira Abrantes.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto de Sousa Martins.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Fernandes Silva Braga.
António Manuel de Oliveira Guterres.
António Miguel de Morais Barreto.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Martins Vale César.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Custódio João Maldonado Freitas.
Edite Fátima Matreiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.

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Francisco Fernando Osório Gomes.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
Jaime José Matos da Gama.
João António Gomes Proença.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luís Costa Catarino.
Jorge Paulo Almeida Coelho.
José Apolinário Nunes Portada.
José Barbosa Mota.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Fernando Sequeira Rodrigues.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Geordano Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.
Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Eduarda Maria Castro Fernandes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Luís Maria Bartolomeu Afonso Palma.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Rui Manuel Carvalho Godinho.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

José Carlos Pereira Lilaia.
Vítor Manuel Ávila da Silva.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

André Valente Martins.

Deputados independentes:

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Jorge Pegado Lis.
Maria Helena Salema Roseta;

Srs. Deputados, penso que há consenso por pane de todas as bancadas no sentido de se proceder imediatamente à votação do voto n.º 94/V, de pesar, sendo dispensável a sua leitura, uma vez que já foi distribuído.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.º Presidente, julgo que, apesar de tudo, seria preferível proceder à leitura do voto antes de se passar à votação.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Secretário irá, então, ler o referido voto de pesar.

O Sr. Secretário (João Salgado): - É o seguinte:

Voto n.º 94/V, de pesar

João de Freitas Branco faleceu em Lisboa no passado dia 17 de Novembro. Com o seu desaparecimento a cultura portuguesa perdeu um dos seus grandes expoentes do nosso século.
Tendo desenvolvido desde muito novo as mais diversas actividades para divulgação da música - nomeadamente através de colóquios, programas radiofónicos e televisivos -, João de Freitas Branco escreveu igualmente um vasto e valioso conjunto de obras relacionadas com a cultura musical portuguesa.
Fundador e dirigente de diversas associações culturais dinamizadoras de actividades musicais, foi durante muitos anos presidente da Juventude Musical Portuguesa e desenvolveu, em diversas épocas, funções de direcção no Teatro de São Carlos.
Deste modo, e considerando o relevantíssimo papel desempenhado na vida cultural portuguesa pelo Dr. João de Freitas Branco, a Assembleia da República manifesta profundo pesar pelo seu desaparecimento e apresenta votos de condolências a toda a sua família.

A Sr.ª Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca, Pegado Lis e Raul Castro.

Srs. Deputados, encontram-se a assistir à sessão alunos do Externato do Parque, de Lisboa, e da Escola Secundária n.º 1, da Portela, para os quais peço a vossa habitual saudação, esperando que a assistência a este debate lhes possa ser útil e que possam recordá-lo pela vida fora.

Aplausos gerais.

Vamos agora dar início ao período da ordem do dia, de que consta a discussão, na generalidade, das propostas de lei n.ºs 117/V e 118/V, Orçamento do Estado para 1990 e Grandes Opções do Plano para 1990, respectivamente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, quero apenas perguntar se a Mesa já está na posse do relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano relativo às propostas de lei que vamos apreciar.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr.ª Presidente, dá-me licença que use da palavra para esclarecer o Sr. Deputado João Amaral?

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Deputado, acabámos de efectuar uma reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano onde o relatório foi votado. Posso dizer que votaram a favor o PSD e o PRD e se absteve o PCP, não se encontrando presente o PS.
O relatório ainda não foi entregue na Mesa, mas sê-lo-á brevemente, porque estão ainda a ser introduzidas algumas correcções. De qualquer forma, julgo que isso não impede que iniciemos o debate desde já.

A Sr.ª Presidente: - A Mesa agradece o seu esclarecimento, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr.ª Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

A Sr.ª Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): -Sr.ª Presidente, não concordo com a posição que acabou de ser expressa pelo Sr. Deputado Vieira de Castro. O relatório tem de estar na Mesa para ser lido ou para ser dispensada a sua leitura. Portanto, peço que seja concedido o tempo necessário para que o relatório chegue à Mesa, a fim de ser tomada a decisão adequada.

A Sr.ª Presidente: - Então, aguardaremos alguns momentos até que o relatório dê entrada na Mesa.

Pausa.

Srs. Deputados, uma vez que a Mesa foi agora informada de que o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano ainda não se encontra concluído, suspendo a sessão por 30 minutos.

Eram 11 horas.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 11 horas e 55 minutos.

Srs. Deputados, embora a Mesa tivesse uma posição diferente quanto à estrita necessidade de estar na posse do relatório, não quis, neste caso, levanta problemas. De qualquer modo, informo a Câmara de que, em sede de comissão, foi decidido dispensar a sua leitura.
Assim, dou a palavra ao Sr. Ministro das Finanças, para apresentar as propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1990.

O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe): - Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A discussão do Orçamento constitui, em qualquer país democrático, um dos momentos mais altos da função parlamentar.
O Orçamento é o mais importante documento anual da acção governativa. Historicamente, este momento traduz uma das manifestações mais genuínas da democracia. Como é bem sabido, a instituição parlamentar está ligada, desde a nascença, a uma questão de ordem orçamental. Respeitar o Orçamento do Estado é respeitar a própria democracia.
E, no plano dos factos, o Governo pode afirmar que a sua prática tem sido norteada por um escrupuloso respeito pela instituição orçamental, como há vários anos não se assistia entre nós...
Desde logo, este é o 5.º Orçamento consecutivo que entregamos à Assembleia da República dentro do prazo legalmente fixado. Não pode falar-se em respeito pelo Orçamento do Estado quando se desprezam os seus parâmetros cronológicos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito Mm!

O Orador: - Temos encerrado o Orçamento do Estado de cada ano com um défice final sempre inferior ao défice inicial orçamentado, E este - o défice inicial - tem vindo a reduzir-se, de ano para ano, em percentagem do PIB (produto interno bruto).
Temos feito que o Orçamento do Estado reflicta a verdade da dívida pública, traduzindo todas as incidências das muitas operações de regularização e racionalização dessa dívida que temos vindo a efectuar.
O próprio Orçamento que aqui nos reúne corporiza um outro passo importante: pela primeira vez, cabe a esta Assembleia aprovar os orçamentos dos FSA (fundos e serviços autónomos).
Até aqui, uma enorme massa de recursos públicos escapava verdadeiramente à plenitude do controlo parlamentar, por ser veiculada por organismos com autonomia financeira.
Estava-se perante uma entorse às regras básicas do Orçamento, que se foi arreigando ao longo dos anos. Acabamos de a eliminar, permitindo ao Parlamento, também neste domínio, o exercício cabal das suas prerrogativas.
Contamos submeter brevemente à apreciação de VV. Ex.ªs uma proposta de lei que dê o devido enquadramento a outra tradicional fonte de subversão da verdade orçamental: as operações de tesouraria.
Este diploma vem juntar-se a outros, como a reforma da contabilidade pública, oportunamente entregue nesta Câmara, e a reforma do Tribunal de Contas, já publicada.
Hoje em dia, Sr.ªs e Srs. Deputados, na sequência da firme disciplina financeira e da intensa actividade reformadora do Governo, um observador desapaixonado terá de concluir que, no dealbar da década de 90, o nosso Orçamento do Estado está mais próximo da plena verdade democrática e da boa instrumentalidade da política económica e social do que alguma vez o esteve na nossa história.

Aplausos do PSD.

São indiscutíveis os esforços que o Governo Cavaco Silva tem desenvolvido para dignificar a instituição orçamental, para a arrancar, mesmo, a algum descrédito em que a terá lançado a menor disciplina financeira em que o nosso país foi fértil ao longo dos anos de regime democrático.

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Temos orgulho em haver libertado o País da situação de indisciplina orçamental em que havia caído repetidamente e que já levara, noutra época e noutras circunstâncias, Fernando Pessoa a escrever: "Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos, orçamentos falsificados!"
E já que falámos em reformas, hão-de VV. Ex.ªs reconhecer que muito mal andaria um governo social-democrata de quatro anos se não apresentasse, nos seus créditos, um estimável elenco de reformas.
Pois se é o carácter reformista por excelência que o distingue dos outros governos...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na democracia portuguesa não se encontra uma outra época com tão profundas reformas como nesta parte final dos anos 80.
Reportando-me apenas à área do Ministério das Finanças, há 10 ou 12 reformas de grande alcance para o País, que estão em curso ou foram já realizadas e que, directa ou indirectamente, se ligam à política orçamental e, por isso, se justifica que faça a VV. Ex.ªs breves referências de cada uma delas.
Desde logo, a reforma fiscal.
Depois, a nova dívida pública, também já realizada, incluindo o seu regime tributário, a diversificação dos instrumentos de captação da poupança, o PDP (programa de dívida pública) anual, as imensas regularizações da dívida
para pública oculta, a prática de taxas de juro de mercado, o modo de financiamento não monetário dos défices.
Como terceira reforma temos a que corresponde à estratégia do excedente primário do Orçamento do Estado, constituindo condição essencial para vergarmos a trajectória assustadora do peso da dívida pública total do PIB - a pesada herança do passado democrático que o País carrega e de que começamos a aliviar a carga desde o Orçamento do Estado de 1987 ou 1988, inclusive.
A quarta reforma, a da contabilidade pública, cuja proposta de lei está para apreciação de VV. Ex.ªs e foi enviada pelo Governo em meados de Julho de 1989.
A quinta reforma, a do Tribunal de Contas. A linha dominante, pós-reforma, é a independência e a dignificação do Tribunal de Contas. Acaso se esquecem os detractores - que os houve - que nenhum governo teve a coragem de mudar o status quo do Tribunal de Contas?
Obviamente, era mais cómodo - e nem se dava por isso - manter o Tribunal descalço de meios, a sua Direcção-Geral organicamente integrada no Ministério das Finanças e os seus juízes-conselheiros na dependência, espúria, de serem nomeados pelo Ministro das Finanças...
Quem acabou com esta situação foi o actual Governo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A sexta reforma, a do Tesouro, em vias de arranque, permitirá melhorar substancialmente a gestão da tesouraria, a gestão dos activos financeiros, a prestação de garantias, a função accionista do Estado.
Como sétima reforma, a nova política monetária deve ser vista em interconexão com a política orçamental e com a política da dívida pública, relevando, pois, e muito, para fins do Orçamento do Estado.
Tenhamos presente que, durante muito tempo, o financiamento do défice orçamental foi feito por recurso ao banco central com taxas de juros determinadas pelo próprio Estado, por decreto-lei ou por diploma de hierarquia inferior.
Aliás, o grau de imposição ou tributação do poder soberano do Estado, através deste modo de financiamento, foi tão longe que, em 1984, o Banco de Portugal detinha cerca de três quartos do total da dívida pública interna. E repito-porque isto é tão surpreendente que podem não ter registado convenientemente - que, em 1984, três quartos do total da dívida pública interna estavam colocados no Banco de Portugal.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por culpa de quem?

O Orador: - No final deste ano dever-se-á apenas cerca de três quartos da dívida pública total e não haverá nova dívida da nossa responsabilidade. Temos vindo a amortizar rapidamente e o que está lá é dívida antiga.

Aplausos do PSD.

A oitava reforma, o novo ordenamento cambial, nas vertentes das operações cambiais, dos operadores do comércio de câmbios e das infracções cambiais.
A nona reforma, a grande mutação do sistema financeiro, de que me permito destacar a liberalização da taxa de juro, a criação de novos produtos financeiros e a definição de novos tipos de instituições financeiras.
A décima reforma, a do mercado de capitais, que está a terminar a segunda fase da grande reforma legislativa, vai criar, por exemplo, o mercado de cotação única nacional de valores mobiliários e vai pôr a funcionar a comissão de mercados de valores mobiliários, ou seja, vai desgovernamentalizar este mercado.
Como décima primeira reforma temos as privatizações.
É domínio a que fiz, há poucos dias, referência desenvolvida, por ocasião da apresentação da proposta da nova lei das privatizações. Dispensar-me-ei, por isso, de sublinhar aspectos desta importantíssima reforma que o Governo tem em curso e que tantas resistências tem criado.
Como décima segunda reforma referiria as reestruturações e saneamento do SEE (sector empresarial do Estado). São conhecidas as grandes operações de reequilíbrio económico e financeiro de várias empresas públicas que, nos últimos anos, temos vindo a realizar com um verdadeiro sentido de reforma do sector.
Merece também referência a definição de dois grupos financeiros no âmbito do sector empresarial do Estado, um virado para o apoio das pequenas e médias empresas e o outro para o apoio do comércio externo e da cooperação.
Por seu turno, o IPE (Instituto de Participações do Estado) recebeu a incumbência, desde 1986, de procurar ser um parceiro de risco de pequenas e médias empresas.
Estão, pois, criadas as condições para termos, finalmente, um sector empresarial do Estado mais reduzido, mais racional, mais equilibrado, despido das concepções ideológicas de 1975.
Aí têm, Srs. Deputados, um inventário de uma boa dúzia de importantes e difíceis reformas.
E, com um pouco mais de jeito e alguma paciência adicional de VV. Ex.ªs, ainda seríamos capazes de acrescentar vários projectos de outras reformas. Por exemplo, as auditorias de gestão de serviços públicos, em face de lançamento, e que poderão vir a potenciar uma nova frente de reformas das finanças públicas com largo impacte no Orçamento do Estado.

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Mas julgo ser bastante. Até porque VV. Ex.ªs, Srs. Deputados da oposição, estão a contragosto neste tema político das reformas.
É que não bastavam os resultados da economia portuguesa para constituir a grande contrariedade da oposição. Havia este Governo de lhes somar uma vontade férrea, inquebrantável, de realizar reformas e, pior do que tudo isso, havia este Governo de conseguir mesmo levar a cabo, de facto, as tais reformas.

Aplausos do PSD.

É de mais para uma oposição de quatro anos! Têm VV. Ex.ªs inteira razão de queixa. A vossa queixa é, neste caso, o regozijo do País.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E vai continuar.

Todavia, quem faz reformas, atinge interesses, mexe com pessoas, fere privilégios. É inevitável! Por vezes, há que admiti-lo, nem será indiscutível o caminho escolhido. E podem surgir, mesmo no trilho das reformas, algumas injustiças...
As reformas são assim. Pior do que elas, contudo, pode ser o conservadorismo, porque cristaliza injustiças bem mais gritantes e, no extremo, consagra o imobilismo e bloqueia a modernização.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Muito pior ainda pode ser a revolução, porque subverte estruturas e desmantela a confiança, proporciona oportunismos, gera ilusões e expectativas impossíveis, provoca o deslumbramento seguido da frustração, compromete o sólido progresso.
Estaremos quase todos de acordo. Nem conservadorismo nem revolução. Mas valerá a pena? Valerá mesmo a pena trilhar a via das reformas?
É que, ao fazê-lo, estamos a "trilhar", quero dizer, a magoar, a macerar interesses... E, por isso, muitas vezes, o Governo que semeia reformas colhe, para si, tempestades.
E as oposições encontram aí um ambiente propício à acção política, acção que é legítima, e contamos com cia.
Disso não tínhamos dúvidas quando iniciámos o trilho das reformas (e estamos satisfeitos por isso), como não tínhamos dúvidas de que algumas pessoas recorreriam a todos os meios para resistir às reformas ou desviar o curso das mudanças.
Tínhamos dúvidas, isso sim, Srs. Deputados, de que os meios, algum dia, pudessem ultrapassar as raias da ignomínia.
Aí - precisamente aí - enganámo-nos!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Pensávamos que não seria possível ir tão longe. Mas temos assistido ultimamente - e digo-o com inteira serenidade - a atitudes que alguém classificou já de terrorismo moral e político. A expressão é forte, mas não é descabida.
Vale tudo... para certas pessoas.
E, se assim é -se "vale tudo" -, perguntaria de novo: valerá a pena fazer reformas?
E, fazendo-as, valerá a pena ser impermeável a pressões ilegítimas?
Não precisarei de responder. VV. Ex.ªs sabem qual, deve ser a resposta.

Aplausos do PSD.

Mas acharão, talvez, algo deslocadas estas palavras na apresentação do Orçamento de Estado para 1990. Ora, a verdade é que o ano de 1990 vai culminar uma série de profundas reformas. Desde logo, é o início das privatizações a 100 % das empresas públicas.
Depois, a reforma do Tribunal de Contas que entra em vigor em 1 de Janeiro, a reforma da contabilidade pública, que tem aplicação "intercalar" mediante normas da lei orçamental, e a reforma da política monetária, com transição para o controlo indirecto, que funcionará em cheio em 1990.
Por outro lado, a reforma do Tesouro, segundo o projecto de vulto que vai ser lançado, e a consolidação irreversível da reforma fiscal, no seu primeiro ano de cruzeiro, completo, de aplicação...
Eis uma parte, suficientemente assinalável, do elenco de reformas com impacte em 1990.
Por isso se justifica esta deambulação sobre as motivações e os meios de quem está contra as reformas.
Porque, mais do que em qualquer outro ano, estar contra as reformas vai ser estar contra 1990.
E nós queremos distinguir aqueles que, a nosso ver, actuam dentro das fundamentais regras de jogo democrático e do respeito pelas pessoas e instituições, daqueloutros que não olham a regras nem a limites e são capazes de tentar tudo - mesmo a perfídia nas suas formas mais vis de expressão- para atingir quem se lhes oponha e deles não acolha pressões nem resguarde interesses.
Creiam, Sr. Deputados da oposição, que distinguimos bem uma coisa da outra.
E se afirmamos que VV. Ex.ªs se sentem a contragosto político perante as reformas realizadas no País, também queremos deixar claro não ser nosso entendimento que algum dia tenham alinhado os parlamentares, em geral, por métodos inconfessáveis de actuação contra as reformas e contra o Governo. O vosso contragosto pelas nossas reformas é político, é natural, é legítimo e inspira, à luz do dia, o vosso discurso e a vossa prática, que até podem acabar por ser objectivamente anti-reformistas, neste sentido de estar contra o modo e o tempo de cada reforma que o Governo vai realizando.
Mas isso é distinto da motivação oculta e sombria da anti-reforma, que, na penumbra, busca quaisquer meios para atingir os fins e vai aumentando a parada dos "meios bastardos...". Não é, com certeza, essa a vossa forma de estar na política e de estar contra as reformas do Governo.
Creiam, Srs. Deputados da oposição, que não confundimos as vossas críticas azedas, duras, muitas vezes injustas, quase sempre puramente políticas, sobre as nossas reformas, daqueloutro atitude que, usando certo tipo de informação, espraia as mais ignóbeis mentiras ou insinuações e, assim, procura fazer esmorecer a vontade e o sentido das reformas do Governo. Não é - seguramente que não é - essa a vossa forma de estar contra o Governo.
Creiam, Srs. Deputados da oposição, que não duvidamos de que VV. Ex.ªs, estando obviamente a contragosto face às nossas reformas e aos nossos resultados, estão contra aquilo a que uma prestigiada emissora de rádio, em nota de abertura de há dias, designava como -e passo a citar - "a chantagem e o terror, sob a capa e disfarce da liberdade de informação".

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A vontade do Governo - de qualquer governo - seria, naturalmente, dar plena satisfação a todas as necessidades colectivas que se manifestam no País, mas essa vontade tem, forçosamente, de ceder perante as limitações económico-financeiras que balizam qualquer sociedade.
Quer dizer, em certo sentido, pode-se sempre afirmar que o Orçamento é um compromisso entre as aspirações e as limitações do País.
Todavia, há-de ser sempre irresistível a tentação parlamentar de dizer, por exemplo, que a educação exigiria mais dinheiro, ou a dotação para a saúde seria insuficiente, ou o apoio à agricultura deveria ser superior. É uma tentação natural! É, afinal, um denominador comum, porque nisso estaríamos à partida de acordo com VV. Ex.ªs! Se pudéssemos...
Pois não é uma evidência que, não fora o bem conhecido constrangimento orçamental, qualquer governo multiplicaria as escolas, renovaria os hospitais, construiria mais estradas, instituiria tribunais mais céleres, melhoraria, drasticamente, as pensões... e tudo, tudo, com menos impostos!
O vosso contributo nesta matéria, Srs. Deputados, é da maior importância, mas só poderá ter utilidade para o País se tiver presente a restrição orçamental.
O Orçamento que vamos analisar reflecte, como seria de esperar, o entrosamento de vários períodos da nossa vida colectiva, suporta o peso do passado, assegura o presente, prepara o futuro. Qualquer destas épocas imprime a sua marca nas verbas orçamentais de forma inapelável.
O passado exige-nos um tributo bem gravoso: contando, apenas, os juros da dívida pública e as pensões e reformas, ascende a mais de 800 milhões de contos, o equivalente a 24 % do total das despesas orçamentadas. Não é nossa intenção lamentar tais despesas, mas importa destacar esta crua realidade, para que se tenha plena consciência dos constrangimentos que avultam, actualmente, no quadro das nossas finanças públicas.
No que respeita ao presente, é dele, naturalmente, a fatia maior dos dinheiros veiculados pelo Orçamento. De facto, as despesas correntes do Estado, excluídas as pesadas reminiscências do passado, aproximam-se dos 1500 milhões de contos (cerca de 46% do total das despesas orçamentadas), e neste montante relevam os gastos com pessoal, da ordem dos 680 milhões de contos.
Verificarão VV. Ex.ªs que, juntando as despesas para as quais, no curto prazo, não há alternativa, ou seja, os juros e os encargos com o pessoal, obtêm-se um montante superior a V4 do total das receitas fiscais cobradas pelo Estado. Convenhamos, Sr.ªs e Srs. Deputados, que estamos perante um intenso constrangimento. Interessa não o perder de vista.
A despeito, porém, desta pesada restrição, o Orçamento não descura a preparação do futuro, como lhe compete. De facto, as despesas de capital, exceptuando a amortização da dívida, ultrapassam os 500 milhões de contos- cerca de 15% do total orçamentado. Se nos ativermos ao PIDDAC, veremos que, dos seus 215 milhões de contos - mais do que isso-, mais de metade são absorvidos pelas obras públicas e pela educação.
A preponderância das obras públicas resulta da conjugação de dois factores: as acentuadas carências do País neste domínio e a necessidade de aproveitar os
co-financiamentos comunitários.
O elevado peso relativo da educação decorre de uma opção do Governo: consideramos que o investimento mais reprodutivo é o que se faz nos recursos humanos. O desenvolvimento do País, amanhã, depende, em grande medida, da preparação que proporcionarmos aos nossos jovens de hoje. Como alguém dizia, em matéria de Orçamento, nós não herdámos o País dos nossos antepassados, nós pedimo-lo emprestado aos nossos filhos.
O Orçamento do Estado para 1990 prevê um total de despesas que, incluindo as verbas para amortização da dívida, ultrapassa os 3300 milhões de contos, o equivalente a cerca de 41 % do PIB. As despesas públicas têm justificado críticas ao Governo por dois motivos, por serem excessivas e... por serem insuficientes. É muito? É pouco?
Velha questão esta, à qual será bem difícil dar uma resposta objectiva em termos decisivos. De um lado, os apóstolos da liturgia estatista sugerem-nos, para todo e qualquer problema que se nos depare, a pronta intervenção do Estado. Tudo se resolve a golpes de orçamento. Do outro lado, os herdeiros dos possidónios de antanho apontam-nos, como único caminho para a salvação do País, a supressão de quase todas as despesas públicas.
Tudo se resolve com a "mão invisível", uns e outros falam com solenidade tanto maior quanto mais cómodo é o lugar que ocupam à mesa do Orçamento, uns e outros persistem em não dar conta das flagrantes contradições a que os conduz o seu discurso, por vezes cheio de estilo literário, mas quase sempre vazio de ideias e acções consequentes. Pois não se vê, com frequência, sequazes do estatismo criticarem, azedamente, o Governo, com a alegação de que cobra muitos impostos? E os novíssimos possidónios, quem não os viu, já, esticar o dedo acusador para o Governo, censurando o mau estado das estradas ou a insuficiência de escolas ou a carência de hospitais?
Contradições que mostram à saciedade a pouca consistência destas doutrinas extremas que podem proporcionar excelentes teses académicas, entusiásticas intervenções parlamentares, arrebatadores discursos de comício, mas dificilmente constituirão uma referência útil na prática da governação do País.
O objectivo central do Governo, Srs. Deputados, é fazer de 1990 o 5.º ano de progresso consecutivo de Portugal. Um ano de maior bem-estar das famílias, de boa saúde financeira das empresas, de crescimento rápido e seguro da economia nacional.
São de salientar três áreas fundamentais do Orçamento do Estado para 1990: a primeira é a aposta no bem-estar das famílias, reduzindo impostos (IRS e sisa), reforçando a educação e a saúde; a segunda é a aposta na modernização do País, investindo em infra-estruturas públicas, reforçando a justiça e a segurança interna; a terceira é a aposta na reforma da função pública em geral, com o novo sistema remuneratório, e, em especial, com o reforço dos serviços tributários.
Sem juros, isto é, sem o peso do passado, não há défice no Orçamento do Estado de 1990, há, sim, um excedente. O excedente primário do Orçamento do Estado para 1990 é igual a l ,5 % do produto interno.
O défice público e a dívida pública eram dois pesadelos que se agigantavam, de ano para ano, no nosso país ao longo da democracia. Criámos as condições para reduzir o peso da dívida pública (incluindo nesta a dívida pública que estava oculta). O superavit primário é o caminho certo. Com juros da dívida pública o Orçamento

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do Estado para 1990 tem um défice global da ordem dos 600 milhões de contos. O défice global do Orçamento do Estado mantém a trajectória descendente, em percentagem do PIB, que o Governo estabeleceu como estratégia desde 1986, inclusive, e vem cumprindo. Será 7,3% do PIB esse défice global, pressupondo a plena utilização da cláusula de regulação conjuntural.
Conseguimos em 1990 reduzir o peso relativo do Estado na economia do País, as despesas totais do Orçamento do Estado em percentagem do PIB projectado descem cerca de 3 pontos de 1989 para 1990. Do lado das receitas, os impostos descem 1 ponto na carga do PIB projectado de 1989 para 1990; do lado do défice,
verifica-se também uma melhoria que se insere na gradual redução da excessiva presença do Estado na economia: o défice global desce e o superavit primário sobe entre o Orçamento do Estado de 1989 e o Orçamento do Estado para 1990, como já dissemos.
As famílias portugueses auferirão, em 1990, o rendimento real mais elevado de sempre, líquido de impostos. O Orçamento do Estado para 1990 traz uma substancial diminuição dos impostos sobre as famílias.
O cenário macroeconomia) para 1990 é claramente de expansão, indo na tendência dos anos 1986 a 1989, ou seja, segundo a estratégia do progresso controlado. Prevê-se para 1990 que o PIB experimente, em termos reais, um aumento de 4 %.
A procura global manterá um forte ritmo de crescimento, quer na sua componente externa, quer na generalidade dos elementos da sua componente interna. A procura global crescerá 5,5 % em termos reais, a procura interna 4,5 % e as exportações 8 %.
No que toca ao consumo, o ligeiro abrandamento do seu ritmo de crescimento segue-se ao extraordinário incremento desta variável nos anos posteriores a 1985, na sequência da substancial elevação do poder de compra das famílias. Espera-se que o consumo privado cresça 3,25 %
Relativamente ao investimento, continuará a ser elevada a taxa de crescimento em 1990, após esta variável ter registado, nos últimos anos, um dinamismo excepcional, que é, afinal, o melhor comprovante do clima de confiança empresarial no País e que não encontra qualquer comparação nos últimos 20 anos ou mais. O investimento deverá crescer, em 1990, 9 % em termos reais.
Verificou-se, Srs. Deputados, no período posterior a 1985, um expressivo crescimento das importações, que se manterá com algum abrandamento em 1990. Espera-se que as importações cresçam em volume 9 %
A intensificação da componente importada da oferta de bens e serviços está associada a vários factores, com destaque para o crescente grau de abertura da nossa economia, para a progressiva sofisticação do consumo decorrente da elevação do nível de vida e, acima de tudo, para o amplo recurso à importação de tecnologia e equipamentos produtivos para investimento.
Em termos de inflação, é muito provável que se estejam a aliviar as tensões inflacionistas que se acumularam, por uma conjunção de factores, nos mercados de trabalho e de bens e serviços, durante a segunda metade de 1988 e a primeira metade de 1989. Os meses de Setembro e de Outubro últimos poderão ser um bom sinal de viragem. Pode antever-se que a moderação da procura se venha a conjugar com um crescimento da oferta interna, resultante dos efeitos induzidos pelo intenso investimento nos anos recentes.
Espera-se, pois, para 1990 uma melhor adequação entre, a procura e a oferta, também por aí havendo razões para esperar uma atenuação das tensões e pressões inflacionárias. A inflação em 1990 deverá situar-se entre 9,5 % e 10,5 % e, no que toca à balança de pagamentos, está-se perante um défice externo perfeitamente comportável e sem quaisquer dificuldades de financiamento, justificável pelo esforço de crescimento económico e de investimento que o País vem fazendo. A balança de bens e serviços deverá apresentar um défice na ordem dos 10,5 % do PIB e a balança de transacções correntes um défice na ordem dos 3,5 % do PIB, apenas.
Relativamente ao nível de emprego, prevê-se que a taxa de desemprego se mantenha ao nível meramente friccionai que regista actualmente, ou seja, o mais baixo nível da Europa Comunitária e, podemos considerar, nível de pleno emprego de recursos humanos na economia portuguesa. Prevê-se que a produtividade seja o principal componente do crescimento do produto interno português.
Srs. Deputados, a política monetária para 1990 assenta na continuação da desaceleração da liquidez. Dentro de certos compromissos e de certos pressupostos apontamos para uma variação da liquidez na ordem dos 6 % a 7 % no final de Dezembro de 1990. E a política cambial deverá fazer o escudo prosseguir, em 1990, uma desvalorização deslizante da mesma ordem de grandeza da que foi programada para 1989 e vem sendo cumprida, ou seja, 3,5 % no fim de Dezembro do ano de 1990 da taxa efectiva de câmbio.
O papel das empresas e dos sindicatos é decisivo na retoma do processo desinflacionário com pleno emprego no nosso país. A política de rendimentos não terá grande eficácia se não for gerida num contexto de concertação. E só há a verdadeira concertação social em espírito construtivo e liberto de denominações partidárias, o que, reconheça-se, não tem sido fácil nos últimos dois anos.
O Governo vai prosseguir na linha da política de rendimentos concertada, sem esmorecer em todas as tentativas de cooperação social que respeitem os limites da dignidade institucional e da própria valia do diálogo.
Sr.ª Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Temos para nós que o acesso do País à modernidade deve ser obra de todos os cidadãos, independentemente do quadrante político em que se possam rever. O filósofo Séneca dividiu, um dia, os homens em dois grupos: os que seguem em frente e fazem alguma coisa e os que ficam atrás a criticar. O País já constatou, claramente, o empenhamento do Governo Cavaco Silva em participar no pelotão da frente. Resta às oposições escolher qual o grupo que querem integrar nessa irrecusável viagem para o futuro, mas é quase uma fatalidade que tenham de cair no grupo que critica e vai a reboque.
Já o dissemos: ser oposição nas circunstâncias actuais envolve dificuldades acrescidas. Pois não é verdade que, no decurso da governação Cavaco Silva, e atendo-me apenas aos resultados macroeconómicos, para além das reformas referidas: o PIB cresceu em termos reais cerca de 20 %; o investimento cresceu mais de 50%, também em termos reais; o desemprego desceu para níveis mínimos no contexto europeu; a taxa de inflação média de 1986-1989, que é período de forte expansão, está 13 pontos percentuais abaixo da média registada entre 1982 e 1985, que foi o período de depressão; o peso do défice global do sector público alargado desceu 13 pontos percentuais entre 1984, 1985 e 1989, e o peso da dívida externa foi reduzido para menos de metade do que tinha em 1985?

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Tudo isto são verdades inatacáveis; tudo isto configura um quadro difícil para qualquer oposição, justiça lhe seja feita. Perante este quadro, ouvir classificar a política económica e social do Governo com as notas mais negativas - como o tem feito alguns ilustres analistas - só nos pode deixar tranquilos quanto à credibilidade das suas apreciações.
A avaliar pela obra de alguns dos nossos opositores sempre que foram Governo, bem poderíamos dizer que lhes sucede o que se dizia do regente durante a infância de Luís XV: eles têm todos os talentos, menos o talento de os aplicar...

Aplausos do PSD, de pé.

A Sr.º Presidente: - Srs. Deputados, informo a Câmara de que se encontra na tribuna do corpo diplomático o Sr. Vice-Presidente do Parlamento do Canadá.
Saudamos na sua pessoa os nossos colegas canadianos e o povo dessa nação amiga, onde vivem centenas de milhares de portugueses e luso-canadianos.

Aplausos gerais, de pé.

Srs. Deputados, estão inscritos para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados António Guterres, Octávio Teixeira, Lino de Carvalho, Sérgio Ribeiro, Vítor Ávila, António Filipe, Basílio Horta, Nogueira de Brito, Helena Torres Marques, Sottomayor Cardia e André Martins.
Suponho que é correcta esta lista da Mesa. Não há mais pedidos de palavra? Neste momento são 12 horas e 30 minutos e julgo que leremos de suspender os trabalhos às 13 horas. Vamos, pois, iniciar este período de perguntas e respostas, mas é natural que não haja tempo de o finalizar, pelo que retomaremos os trabalhos da pane da tarde.

O Sr. António Guterres (PS): - Peço a palavra, Sr.ª Presidente.

A Sr.ª Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr.ª Presidente, é para dizer que, da nossa parte, não haveria inconveniente se as perguntas fossem feitas de manhã e as respostas dadas à tarde. Penso, no entanto, que haveria que escolher se se fazem as perguntas de manhã e as respostas são dadas também de manhã ou se se interrompe entre as perguntas e as respostas. Como digo, pela nossa parte não temos qualquer problema em relação a qualquer das modalidades.

A Sr.ª Presidente: - Sr. Deputado, ao Sr. Ministro das Finanças é que cabe dizer se prefere responder pergunta a pergunta ou responder no final; portanto, não é uma decisão da Mesa.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr.ª Presidente, dá-me licença?

A Sr.ª Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr.ª Presidente, preferia responder a todas as perguntas hoje de manhã, naturalmente.

A Sr.ª Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças pretende responder hoje de manhã. Se os Srs. Deputados estiverem de acordo, podemos, também, proceder ao prolongamento desta sessão até ao fim deste período de perguntas e respostas.

Pausa.

Como não há objecções, assim se fará. Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): -Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Finanças: Este Orçamento do Estado para 1990 tem um pecado original. Este pecado original é o de ter sido feito por si. De facto, Sr. Ministro, como bem acentuou, e muitas vezes nesta Câmara, a questão das políticas tem muito a ver com o conteúdo das políticas, mas tem cada vez mais a ver com a credibilidade das políticas e com as expectativas criadas nos agentes económicos.
Temos de reconhecer que a política financeira do Governo tem hoje um défice de credibilidade. O Sr. Ministro já nos disse, a nós e ao povo português, muitas vezes, muitas coisas, e a verdade é que a maior parte das vezes essas coisas não se verificaram e as pessoas deixaram de acreditar naquilo que nos diz. Não acreditam os pequenos aforradores, que o Sr. Ministro empurrou para a Bolsa que elogiava e onde perderam uma grande parte das suas poupanças, como sabe. Não acreditam os trabalhadores, que acreditaram em si, em promessas de inflação a 6 %, que rejubilaram quando viram aumentos de salários de 9 % e 10 %, para perceberem mais tarde que era uma armadilha e que iam perder poder de compra.
Em suma, não acreditam sequer os cidadãos em geral, a quem o Sr. Ministro prometeu no ano passado que iam pagar menos impostos e, como todos sabemos - nós, os que pagamos os impostos, o Sr. Ministro também, que os pagou, o próprio Ministro das Finanças, nessa outra qualidade, ao apresentar o Orçamento rectificativo -, afinal, pagou-se muito mais do que aquilo que linha sido prometido.
Aliás, esta questão da credibilidade não diz apenas respeito ao Sr. Ministro. A credibilidade tem também a ver com a coerência das políticas no seio do Governo, e todos sabemos que a política do Sr. Ministro não é igual à do Sr. Ministro do Plano, que a do Sr. Ministro do Plano não é igual à do Sr. Ministro da Indústria, e que, até agora, o Sr. Ministro da Indústria e o Sr. Ministro do Comércio começaram a ter também dificuldades. É um problema global do Governo, e em particular do Sr. Primeiro-Ministro.
É por isso, Sr. Ministro, que coloco esta questão: tendo chegado à conclusão que os enganos que este Governo tem tido começam a ser propositados - porque de outra forma não se explicaria o engano que o Orçamento rectificativo veio corrigir, era evidente desde o princípio que assim teria de ser -, quais são os impostos que vão ser cobrados este ano, qual é o engano que o Governo propositadamente fez e que valor teria o Orçamento rectificativo que o Sr. Ministro apresentaria em Outubro se ainda fosse nessa altura Ministro das Finanças.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Presidente: - A Mesa depreende que o Sr. Ministro responderá apenas no final.

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Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Com grande probabilidade, este é o último Orçamento que foi elaborado sob a orientação do Sr. Ministro.

Risos do PSD.

Aliás, um certo tom emocional e, até, alguma mágoa que o Sr. Ministro emprestou à sua intervenção parece-me que apontam claramente neste sentido.
Mas, sendo este o último Orçamento que o Sr. Ministro apresenta a esta Assembleia, sempre seria de esperar que, pelo menos à laia de despedida, nos apresentasse, desta vez, um Orçamento com rigor e com transparência. Claramente, as expectativas estão completamento goradas!
É um Orçamento que visa, fundamentalmente, a propaganda eleitoralista, que diz que há prioridades onde não as há, que fala em diminuição da carga fiscal quando o nível de fiscalidade, em relação ao produto interno, aumenta, é um Orçamento que não tem em atenção as alterações que se registaram na recente revisão da Constituição. Ao fim e ao cabo, é um Orçamento com uma série de sofismas, de ficções e de manipulações numéricas.
Aliás, o problema é idêntico nas GOP (Grandes Opções do Plano). Fala-se na mais justa distribuição da riqueza e as estatísticas, quer as do Banco de Portugal quer as do Departamento Central de Pagamento, mostram que a participação da massa salarial no rendimento nacional tem vindo a descer-baixou dos 46 % em 1985 para os 42 % em 1988 e vai baixar ainda em 1989.
Fala-se em justiça social e toda a gente pode ver, no nosso país, que é cada vez maior a injustiça social.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estas questões serão, aliás, aprofundadas em intervenções do grupo parlamentar durante esta discussão. De imediato, gostaria de colocar-lhe duas questões. A primeira, tem a ver com a credibilidade deste Orçamento. Um Orçamento que é elaborado com base numa taxa de inflação implícita de 9 % quando o próprio Governo aponta como meta de inflação para Portugal em 1990 entre 9,5 % e 10,5 % (e, por exemplo, a Comissão das Comunidades aponta para qualquer coisa da ordem dos 11,5%), nesta situação, com esta taxa de inflação implícita, pode haver alguma credibilidade neste Orçamento, Sr. Ministro? Não é claro que isto distorce por completo todas as perspectivas das dotações que podem ser dadas pelas dotações de despesas e pelas próprias previsões de cobranças?
A segunda questão relaciona-se com o problema da distribuição equitativa da riqueza e já lhe referi o problema da distribuição do rendimento nacional. Os custos reais do trabalho diminuíram 12 % de 1986 para 1988, praticamente o triplo da queda que houve na Comissão das Comunidades, e o Sr. Ministro e o Governo continuam a assentar a competitividade da economia portuguesa nos baixos salários e na baixa social dos portugueses. Portanto, a questão concreta é esta: como é que isto pode jogar com a distribuição mais equitativa da riqueza e com a justiça social?

Aplausos do PCP.

A Sr.ª Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr.ª Presidente, Sr. Ministro das Finanças: Estamos, de novo, perante um Orçamento do Estado que, tal como os anteriores, procura, em nossa opinião, iludir e penalizar as autarquias locais, diminuindo-lhes a sua real capacidade financeira, e que ao mesmo tempo persiste em não cumprir a Lei das Finanças Locais.
De facto, as transferências que o Orçamento do Estado prevê para as autarquias locais, ao abrigo da Lei das Finanças Locais no quadro do Fundo de Equilíbrio Financeiro, correspondendo ao aumento nominal de 19,3 %, significam uma quebra real de, pelo menos, mais de 2 % em relação aos valores transferidos em 1989.
Basta contabilizar os valores acrescidos com o aumento das despesas com a Segurança Social, com o aumento da massa salarial, com a transferência indevida e, porventura, inconstitucional para os GAT (gabinetes de apoio técnico) de uma parte do FEF, com os valores reais da inflação esperados, e verifica-se - como, aliás, assinala a própria Associação Nacional de Municípios Portugueses- que, somando tudo isto, estamos de facto não perante o reforço da capacidade financeira das autarquias e do FEF, mas perante uma efectiva diminuição real.
Depois, se somarmos a isto as retenções na fonte previstas na proposta de lei do Orçamento do Estado, as novas competências referidas, mas não explicitadas, no artigo 53.º da proposta de lei do Orçamente" do Estado, sem qualquer garantia das correspondentes contrapartidas financeiras que a Lei das Finanças Locais impõe, as novas isenções no âmbito da sisa, à custa das finanças locais, e, sobretudo, a sua avaliação do IVA, facilmente se conclui que, de facto, estamos perante uma quebra real e um golpe sério na capacidade financeira das autarquias locais.
Por outro lado, salientamos a insistência contumaz do Governo em não cumprir a Lei das Finanças Locais, como foi, efectivamente, concluído há poucos dias por unanimidade pela própria Associação Nacional dos Municípios Portugueses.
Perante isto, Sr. Ministro, a nossa pergunta é esta: está o Governo disponível para, na sequência do que acabámos de dizer e das próprias posições públicas da Associação Nacional dos Municípios Portugueses, concertar com os partidos da oposição - e em especial connosco, PCP - um reforço das verbas que são atribuídas ao FEF, na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1990, de modo a garantir, pelo menos, às autarquias locais a mesma capacidade financeira real de 1989, dando cumprimento integral à Lei das Finanças Locais? Esperamos a resposta, Sr. Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ribeiro.

O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados Sr. Ministro das Finanças: Ouvi V. Ex.ª com a maior atenção. A impressão de falta de rigor que resulta do trabalho já realizado sobre este Orçamento do

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Estado e estas GOPs não foi, de nenhum modo, atenuada com a sua exposição. Não vou, agora, voltar às inflações que V. Ex.ª tem imposto como esperadas e que alimentam o anedotório nacional, às decorrentes e fraudulentas subavaliações de receitas, às comparações entre orçamentos iniciais ou alterados, conforme convém, às devoluções relativas a um ano deduzidas nas previsões de receitas do ano seguinte, aos enganos, aos erros, às omissões.
Como exemplo da falta de rigor, e politicamente muito relevante, pergunto o que representa a verba de 158 milhões de contos do capítulo X, grupo 15, artigo 01 - Alienação de partes sociais de empresas. Apesar de representar um acréscimo de 251 % em relação ao Orçamento anterior, esse valor deixa-me algumas dúvidas. Quais as alienações a que se propõe o Governo? Vai cumprir o que tem ameaçado no que respeita a privatizações, a sua décima primeira reforma? E, assim, essa verba representa escandalosa subavaliação ou venda a escandaloso desbarato? Ou será que vai o Governo desaproveitar a autorização legislativa que a maioria "laranja" lhe oferta e ser comedido no processo de privatizações?
Outra questão: não considera V. Ex.ª que todo o processo de participação de Portugal na passagem à união monetária e financeira, a manter-se este projecto comunitário, terá de ser revista à luz da real divergência nominal que a nossa inflação ilustra e da divergência social que se agrava?
Ainda outra questão: como encara o Governo este processo de crescente peso do investimento co-financiado? Como uma feliz fatalidade, uma fatalidade feliz ou como algo que é necessário acompanhar com muito cuidado e procurar corrigir? Que pensa o Governo fazer nesse sentido, se é que pensa fazer alguma coisa?
Uma última questão: quando nas GOPs se atribui a uma comissão constituída pelos interlocutores nacionais dos três fundos comunitários a responsabilidade global pela gestão e execução do quadro comunitário de apoio, excluem-se dessa comissão, nas intenções do Governo, representantes do poder local e sindicais?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro: Como é sabido, grande parte do PIDDAC e também uma verba assinalável do orçamento da Segurança Social estão afectos a financiamentos comunitários, correspondendo à participação portuguesa nesses investimentos. É sabido também como esses financiamentos- designadamente a nível do Fundo Social Europeu (FSE) - tem sido prejudicados, tanto no seu montante como na sua eficácia prática, por um conjunto de escândalos que existem, embora o Governo insista em minimizá-los. Até 1980 sabe-se que o grau de aproveitamento real do Fundo Social Europeu não ultrapassou os 60%. A pergunta é muito concreta: quais são as perspectivas para 1990, quando esta situação, como se sabe, está muito longe de se poder considerar ultrapassada?
Uma segunda questão: o Governo acaba de fixar unilateralmente os salários dos professores em valores inferiores aos dos demais técnicos e técnicos superiores do Estado. Isto contraria, precisamente, a prioridade que o Governo anunciou que ia conferir à educação, na medida em que não se dignifica a educação sem dignificar, naturalmente, a função docente. O momento em que é apresentado o Orçamento do Estado é um momento privilegiado para perguntar ao Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, se vai ou não honrar os compromissos assumidos com os professores na véspera das eleições para o Parlamento Europeu.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: De uma maneira sistemática, podemos dizer que V. Ex.ª dividiu a sua intervenção fundamentalmente em duas partes: a primeira tem a ver com os queixumes pessoais e a segunda com a propaganda do Governo. Haverá, eventualmente, uma terceira, que V. Ex.ª dedicou ao possidonismo, mas que penso ter sido menos relevante na sua intervenção.

Risos do PS.

Quando falo aqui em possidonismo, é evidente que foi uma crítica acerba que V. Ex.ª fez a Possidónio da Silva, obviamente. É melhor dizê-lo para que não haja interpretações terceiras desta afirmação.

Risos do PS.

Falando agora a sério, no que toca o primeiro aspecto, isto é os queixumes pessoais, quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que o CDS distingue totalmente a figura das mulheres e dos homens daquelas funções que eles, em cada momento, exercem; distingue a pessoa e distingue o político. Nunca V. Ex.ª verá desta bancada, nem pessoal, nem colectivamente, qualquer atitude que, por acção ou omissão, participe ou seja cúmplice em tentativas de assassínio de carácter, que nos repudiam como partido personalista que nos honramos de ser.

Aplausos do PSD e do CDS.

Consideramos que este não e, obviamente, o momento oportuno para tratar desse tipo de questões.
Entendemos também que seria um erro grave culpar os órgãos de comunicação social desse tipo de atitudes, seria injusto e seria gravemente limitativo das coordenadas de um Estado democrático em que todos, sem excepção, seguramente queremos viver.
Ainda sobre este aspecto perguntava o seguinte: sendo certo que este não e o momento de tratar desses assuntos e sendo certo que V. Ex.ª, daquela tribuna, levantou um véu politicamente importante dizendo que esse tipo de atitudes se podiam prender com pressões relacionadas com as reformas que o Governo a que pertence estão a levar a efeito, perguntava se V. Ex.ª estaria de acordo em propor ao Sr. Primeiro-Ministro, e nomeadamente ao seu grupo parlamentar, que esse assunto fosse debatido especificamente nesta Assembleia,...

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O Sr. Sottomayor Cardia (PS): -Muito bem!

O Orador: -... para que V. Ex.ª aqui possa dizer com clareza a que tipos de interesses se refere, que pressões tem sorrido, a fim de todos nós, politicamente, podermos analisar esse assunto e tomar as medidas que uma acusação de tal maneira grave seguramente justifica.
Tem V. Ex.ª e o seu partido o apoio inteiro da minha bancada para que esse esclarecimento se faça e para que não fiquem suposições, que pesam sobre as instituições e, mais gravemente ainda, sobre as pessoas.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Quanto ao segundo aspecto, isto é, quanto ao conjunto de reformas, quero dizer muito rapidamente que nunca criticámos o Governo por fazer reformas; por vezes, criticámo-lo pela ausência de reformas ou pelo ritmo menos correcto que nós entendemos que o Governo assume nessas reformas.
Não somos contra as reprivatizações, obviamente. Contudo, entendíamos que elas deviam ter ido mais longe e que deviam ter sido feitas mais cedo.
Não somos contra a reforma do Tribunal de Contas, bem pelo contrário, entendemos que o Tribunal de Contas devia ter outras competências. E não chega dizer que os juízes já não são nomeados pelo Ministro das Finanças, é necessário abrir à fiscalização do Tribunal de Contas largos sectores da Administração, que, infelizmente, ainda lhe estão vedados.
Finalmente, Sr. Ministro, porque o tempo não permite mais, quero apenas salientar um aspecto que talvez seja o mais importante, mas que V. Ex.ª não referiu. É que o Sr. Ministro, na sua intervenção, não disse uma palavra sobre as indemnizações, e eu penso que não chega dizer que a Lei das Reprivatizações já as contempla.
O Sr. Ministro apresenta êxitos, mas suponho que não é muito difícil apresentar grandes êxitos económicos quando o Governo está a vender por 100 000 aquilo que pagou por 100. Esse, Sr. Primeiro-Ministro, é um talento que V. Ex.ª tem e que, pelos vistos, aplica.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Ministro das Finanças, o senhor é o principal responsável pela elaboração do Orçamento do Estado e quer que os deputados, esta Câmara e este país acreditem neste que o senhor nos apresenta.
Não pretendo falar da diferença abissal da inflação que o senhor, com um ar sério, no ano passado, aqui nos propôs, mas gostaria de referir que este ano se esqueceu de falar nesse enormíssimo engano e das consequências que daí advieram, nomeadamente tornando irrealista o Orçamento que está em curso.
Sr. Ministro das Finanças, gostaria de falar-lhe sobre os impostos que todos pagamos. Sistematicamente, o Sr. Ministro subavalia os impostos, para dizer que a carga fiscal é menor, e, no fim do ano, quando todos pagamos mais, diz que o défice é menor.
Muito concretamente, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: qual é o limite de erro nos impostos acima do qual o senhor admite que se demitiria?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Está mesmo obcecada!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro das Finanças, o seu discurso de hoje, que foi, no meu entender, substancialmente diferente daqueles que V. Ex.ª costuma fazer nesta Câmara, suscitou-me comentários de vário tipo.
Foi um discurso erudito, carregado de citações, onde o senhor não esqueceu até -como já referiu o meu colega de bancada Basílio Horta - de fazer referência ao político republicano Possidónio da Silva, que, como todos sabem, era um defensor extreme do equilíbrio orçamental. Porém, pelo caminho que as coisas levam este ano, estamos certos de que, ao menos nesta matéria, V. Ex.ª não é, realmente, um seguidor de Possidónio da Silva.

Risos do PS.

O Sr. Ministro fixou e sublinhou no seu discurso de hoje uma mela para a inflação, que, como já aqui foi dito, tem pouca credibilidade. Isto porque, em primeiro lugar, o que se passou nos dois últimos anos levam-nos a tornar pouco credíveis as previsões que o Governo faz neste domínio; em segundo lugar, porque neste Orçamento é patente o abandono de uma boa parte dos instrumentos de controlo da procura que o Governo consagrou e executou no ano passado.
V. Ex.ª falou do problema da inflação. Quanto a este assunto, ê certo que o combate à inflação e a sua redução mantêm-se como um objectivo claro no Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego (PCEDED), na sua versão corrigida e rectificada, muito embora nas Grandes Opções do Plano e neste Orçamento essa meta apareça um pouco diluída numa outra, que é a da manutenção dos grandes equilíbrios macroeconómicos.
No entanto, cremos que o Governo não vai desistir inteiramente da meta da inflação, e como há alguma nebulosidade na formulação da política dos objectivos da política cambial e também no que respeita à política monetária, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: Sr. Ministro, V. Ex.ª vai tentar combater a alta do índice de preços no consumidor através de instrumentos de política cambial, designadamente através de uma revalorização do escudo, atenta a situação, sem dúvida confortável, que, do ponto de vista cambial, resulta dos afluxos de divisas?
Por outro lado, como é que, concretamente, vai ser conduzida a política monetária neste trânsito do controlo directo para o controlo indirecto? Vai ou não ser intensificada a política dos limites de crédito?
Finalmente, Sr. Ministro, uma questão algo desligada desta. V. Ex.ª falou nos acréscimos de produtividade que, porventura, resultarão dos investimentos feitos na nossa economia como sendo uma das perspectivas para um crescimento não tão acentuado do índice de preços.
Nestas circunstâncias, pergunto como é que V. Ex.ª concilia acréscimos e ganhos de produtividade com o desemprego ainda decrescente durante este ano em Portugal.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

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O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Ministro das Finanças, propositadamente inscrevi-me no final, porque tenho consciência de que a questão que vou suscitar é diferente das que habitualmente são colocadas ao Sr. Ministro das Finanças. Lamento que assim seja, mas afigura-se-me ser uma questão essencial, como, certamente, V. Ex.ª e a Câmara verificarão.
A questão que vou colocar-lhe tem a ver com as despesas militares. É certo que neste Orçamento se verifica um decréscimo da percentagem das despesas militares relativamente ao produto interno bruto, o que é positivo, mas por que não um decréscimo maior?
Tendo presente a situação internacional, para além do exagero que, desde há muito tempo, representa no Orçamento do Estado Português a parte destinada às forças armadas, tendo em consideração apenas o que há de positivo nas perspectivas novas, e não o que há de negativo no astro que vamos gerindo, pergunto a V. Ex.ª que metodologia vai o Governo adoptar no próximo ano para que o Orçamento do Estado para 1991 possa alcançar níveis razoáveis de dotação orçamental para as forças armadas.
Não sou conhecedor da política orçamental nos seus aspectos técnicos. Todavia, afigura-se-me que não é razoável que num país, embora desenvolvido nos termos que são conhecidos, mas pouco desenvolvido, haja da parte do Estado a preocupação de restringir as verbas destinadas à saúde e não seja aplicado, não direi esse critério que se aplica à saúde -e não estou a formular sobre ele um juízo de valor -, mas um critério análogo no que ele possa ter de razoável - porque pode haver analogias razoáveis com opções desrazoáveis... - na parte relativa às dotações orçamentais das forças armadas.

O Sr. Presidente: - Por último, para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado André Martins.

O Sr. André Martins (Os Verdes): - Sr. Ministro das Finanças, dado que o rigor a que o senhor se refere, quando fala nos aspectos financeiros da política do Governo e nas previsões e estimativas das principais variáveis macroeconómicas nos anos anteriores, deixa muito a desejar, perguntamos: como pretendem o Sr. Ministro das Finanças e o Governo fazer acreditar a oposição e o povo português nas perspectivas de evolução dos indicadores macroeconómicos da economia em 1990, em particular na previsão da evolução da inflação, considerando as previsões e os resultados alcançados nos anos anteriores?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou procurar responder o melhor possível às perguntas que me foram colocadas, embora não saiba se conseguirei responder a todas.
O Sr. Deputado António Guterres disse que este Orçamento do Estado - o nosso 5.º Orçamento - está ferido de pecado original. Porquê? Porque este Orçamento é feito por este Ministro das Finanças, que, pelos vistos, é o ministro que dará o tal pecado original. Porquê ainda? Por falta de credibilidade, disse o Sr. Deputado. Devo dizer-lhe que nestes últimos 12 meses é a terceira vez que ouço o Sr. Deputado António Guterres insistir, com falta de credibilidade da sua parte, na minha falta de credibilidade para apresentar instrumentos de política económica... Mas até sou capaz de compreender a sua posição.
Por exemplo, sempre que o ouço dizer que nós não temos credibilidade, reúno com os meus secretários de Estado e com os meus assessores e pergunto-lhes: "Será que o dinheiro está a sair do País, como aconteceu, noutros tempos, quando o Partido Socialista governava o País?"

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - E o seu partido também!...

O Orador: - "Será que o escudo está a cair aos trambolhões, como aconteceu, noutros tempos, quando o Partido Socialista era governo? Será que os salários estão em atraso? Será que o desemprego aumenta? Será que os salários reais caem abruptamente, como aconteceu quando o seu partido era governo?"

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PS: - E o seu partido também!...

O Orador: - "Será que o investimento está a bater no fundo, em termos reais, como aconteceu quando o seu partido era governo?"

Vozes do PS: - E o seu partido também!...

O Orador: - E dizem-me aqueles que me aconselham: "Não, nada disso se passa!"
Então, o Sr. Deputado António Guterres está, certamente, a pregar aos peixes!...

Aplausos do PSD.

Certamente que mais credível seria um orçamento do Estado preparado pelo Sr. Deputado António Guterres... mas terá de esperar muitos anos!

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Olhe que não!

O Orador: - Como o futuro longínquo a Deus pertence, veremos o que acontecerá nessa altura.
O Sr. Deputado referiu que os pequenos aforradores não acreditavam na política do Governo. Ora, nós nunca aconselhámos os pequenos aforradores a irem à Bolsa - este foi o seu argumento -, antes pelo contrário, sempre dissemos que os pequenos investidores, que não conhecem o risco nem as operações, deveriam evitar ir directamente à Bolsa e que, por exemplo, já valeria a pena irem à dívida pública.
Já agora, será que o Sr. Deputado não se recorda ou não sabe - aliás, o senhor não pode saber de tudo - que a dívida pública, na altura em que o seu partido era governo, pagava aos aforradores miseráveis taxas de juro reais negativas? Hoje, as taxas de juro da dívida pública são reais e positivas! E mais: por exemplo, para o pequeno aforrador, os certificados de aforro são, sem dúvida alguma, a melhor colocação de capitais que há no mercado, sem qualquer concorrência. É dívida pública, e quem a determina é este Governo que está perante V. Ex.ª

Aplausos do PSD.

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O Sr. Deputado também argumentou dizendo que a falta de credibilidade junto dos trabalhadores era notória. Mas porque?
Perguntei igualmente aos meus assessores se acaso o emprego estava a cair e o desemprego a subir, se o rendimento real disponível das famílias estava a baixar, o consumo a baixar, o bem-estar a bater no fundo, tal qual o investimento e as pensões a degradarem-se. Responderam-me os meus assessores: "Não, passa-se o contrário! Isso aconteceu há alguns anos atrás, quando o PS era governo!"

Aplausos do PSD.

Vozes do PS: - E o seu partido também!...

O Orador: - Um dos argumentos utilizados pelo Sr. Deputado António Guterres para explicar a eventual, hipotética, falta de credibilidade da política económica conduzida por este Governo, em particular por este Ministro das Finanças, foi o dos contribuintes. Também quanto a este assunto, Sr. Deputado, mandei saber o que se passou com os salários reais em termos de garantias durante os últimos 15 anos.

O Sr. José Lello (PS): - Afinal, o ministro não sabe nada!

O Orador: - Não, tenho muito respeito pela opinião do Sr. Deputado António Guterres e nunca pensei que ele falasse de cor e sem conhecimento de causa, ainda por cima.
Mas, como estava a dizer, mandei saber o que se passou durante os últimos 15 anos em termos de salários e concluí que, há alguns anos atrás, quando o PS era governo, a inflação chegou a "picar" os 30 %, e nem por isso os impostos profissional e complementar que recaíam sobre as famílias viram os seus escalões actualizados! O rendimento real, bruto, sem considerar os impostos, baixou! Teve evolução negativa! E se considerarmos os impostos, pior ainda! Os salários reais, em termos líquidos, foram violentamente tratados quando o PS liderava o Governo.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Isso é um pecado mortal, não é um pecado original!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Mais um assessor!

Risos do PS.

O Orador: - O Sr. Deputado António Guterres referiu igualmente que este Governo não tinha credibilidade porque cada ministro tinha a sua política. Aí, meu Deus!... Isso fez-me lembrar alguns anos atrás quando no Governo dirigido pelo partido de V. Ex.ª cada cabeça sua sentença, ninguém se entendia no meio daquela...

Vozes do PS: - Dirigido por quem? Diga, diga!

O Orador: -Era o PS quem governava e cada cabeça sua sentença!...
Neste Governo...

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia o silêncio da Câmara para que o Sr. Ministro possa continuar a responder às questões que lhe foram solicitadas.

O Orador: - Sr. Presidente, de facto, o desnorteamento de uma bancada nunca foi bom sinal!

Risos do PSD.

Alguma coisa corre mal. Espero não ter contribuído minimamente para esse desnorteamento.

Risos do PSD.

Mas de uma coisa posso assegurar VV. Ex.ªs, e de uma coisa podem estar certíssimos: é que no Governo de Cavaco Silva cada ministro não faz a política isolada e de costas voltadas para os outros. Há coordenação, há articulação e há coerência da política económica, social, global ou sectorial.

Aplausos do PSD.

Já agora, quanto aos enganos dos impostos em 1990 a que fez referencia o Sr. Deputado António Guterres, gostaria de dizer que a sua receita é determinada, matematicamente e com erros estatísticos perfeitamente justificáveis, em grande parte, em função da evolução do rendimento, do PIB, bem como do emprego, da inflação, da eficiência do sistema fiscal e também da confiança que os agentes económicos depositem no País.
Já agora perguntar-lhe-ia, Sr. Deputado, se se recorda qual era o desvio entre receitas orçamentadas e receitas efectivamente cobradas nos governos em que o partido de V. Ex.ª era determinante.

Vozes do PS: - Mas olhe que o Secretário de Estado do Orçamento era do PSD!

O Orador: - O que acontecia várias vezes - meu Deus, isso sim, é que é condenável - era as receitas cobradas no fim do ano ficarem abaixo do orçamentado.
Connosco nunca isso aconteceu, e isto é boa gestão orçamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto é boa gestão orçamental. Está nos manuais mais primários, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira diz, no seguimento do Sr. Deputado António Guterres... É interessante que se tem notado nos últimos tempos um entrecruzar de bolas de um lado para o outro, e um segue na sequência do outro e vice-versa.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Deputado Octávio Teixeira diz que é o meu último Orçamento do Estado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Provavelmente!

O Orador: - Provavelmente essa é a sublime esperança do Sr. Deputado'. O próximo Orçamento será do Partido Comunista mais Partido Socialista. Falta saber se o Partido Comunista é o da linha dura ou o da linha soft. Espero que isso seja resolvido internamente. Não direi qual é o meu desejo, mas adivinha-se.

Risos do PSD.

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Já agora, Sr. Deputado, sempre lhe diria que ouvi-lo dizer pela quinta vez que este Orçamento é o último que o Ministro das Finanças apresenta é, para mim, um elogio vindo do Partido Comunista.

Risos do PSD.

Acerca da distribuição de rendimentos em Portugal, Sr. Deputado Octávio Teixeira, e já para não falarmos na distribuição de rendimentos nos países do Leste que agora despeitam a atenção de todos nós, devo dizer-lhe que em Portugal a distribuição de rendimentos tem vindo a melhorar a favor do trabalho, incluindo aí as prestações sociais como deve ser, ano após ano, desde 1986, inclusive, contrariamente ao que se passou em anos anteriores a 1986, mercê da evolução do emprego, mercê da evolução dos salários reais e mercê da evolução das pensões que, em termos reais, têm crescido como nunca cresceram na democracia portuguesa.
Quanto aos salários reais, também diria que o Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros deputados do Partido Comunista estão sempre a dizer que eles vão mal. O que se tem passado é que, entre 1986 e 1989, os salários cresceram em termos reais cerca de 12 %.
Registe, por favor, que não encontra nenhum outro quadriénio ao longo da democracia portuguesa, e mesmo antes, com esta evolução de salários reais, tirando a loucura do ano de 1975, em que o seu partido andava a querer mandar no País todo e depois teve a lição que mereceu, tirando esse ano em que houve aquela loucura dos salários nominais e reais a subirem de um modo impressionante, com a produtividade a descer também de modo impressionante - essa conjunção foi a mais dramática para atirar o País para o fundo, já disse isto pela quinta vez.
O Sr. Deputado registe que é para eu não voltar à sexta.

Aplausos do PSD.

Repito isto incessantemente, porque espero que o Partido Comunista aprenda a lição daquela conjunção louca de 1975, com salários nominais a subir e a produtividade a baixar, e a leve também para os seus camaradas dos países do Leste.
Olhe que é uma lição importantíssima! De valia histórica!

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Primeiro-Ministro já fez isso!

O Orador: - O Sr. Deputado Lino de Carvalho, do Partido Comunista Português, fala-nos das autarquias locais. Sr. Deputado, as autarquias locais nunca tiveram tanto dinheiro como agora. Estamos num Estado pobre de autarquias ricas.

O Sr. João Amaral (PCP): - É falso!

O Orador: - Estamos na situação de haver depósitos das autarquias locais, em geral, e o Estado endividado. As receitas fiscais dos últimos quatro anos multiplicaram--se por dez vezes, mas só as receitas fiscais das autarquias locais. As transferências que o Orçamento do Estado faz para as autarquias locais também subiram de maneira substancial nos últimos anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Não estão a cumprir a lei!

O Orador: - Estamos a cumprir a lei totalmente! Sr. Deputado Lino de Carvalho, compreendo a sua posição, respeito-a e admiro-a. Faz muito bem em pedir cada vez mais para as autarquias locais. Mas se eu lhe pedir para fazer o equilíbrio entre as finanças públicas do Estado e as finanças locais não tenho dúvidas de que o Sr. Deputado, com vergonha, reconhecerá que este equilíbrio não existe, porque há um desequilíbrio a favor das autarquias locais.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Sérgio Ribeiro ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Não estão a cumprir a lei!

O Orador: - Estamos a cumprir integralmente a lei, mas os Srs. Deputados da Assembleia da República saberão melhor do que nós. Portanto, se houver alguma coisa a modificar, modificá-la-ão.

Sr. Deputado Sérgio Ribeiro, as receitas das privatizações estão orçamentadas em 150 milhões de contos. Como sabe, é uma transferência que entra imediatamente no Fundo de Regularização da Dívida Pública. Desde a primeira hora, ainda os Srs. Deputados não sonhavam com esta matéria das receitas das privatizações, que o Governo assumiu esta posição de independência, que consistiu em dizer que as receitas das privatizações são receitas anormais, são receitas de carácter patrimonial, não devem entrar como receitas normais no Orçamento do Estado, vão à parte e servem para amortizar antecipadamente a dívida pública ou para reequilibrar o sector público empresarial. Fomos nós os primeiros a dizê-lo.
Mais tarde, alguns Srs. Deputados - alguns deles merecem-nos, aliás, como todos, o maior respeito e consideração técnica- vieram à praça pública dizer "Receitas das privatizações? Nós não queremos que o Governo engorde o Orçamento do Estado. Queremos que essas receitas vão para a amortização da dívida pública." Isso já nós o tínhamos dito, escrito e praticado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado aparece agora com um atraso de anos, o que em si não é normal. O Sr. Deputado costuma andar muito bem informado e o Fundo de Regularização da Dívida Pública presta uma informação periódica à Assembleia da República sobre as receitas das privatizações e a sua aplicação.
Quanto aos erros, enganos, e parece que falou em falsificações,...

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): - Fraudes.

O Orador: -... fraudes no Orçamento do Estado, Sr. Deputado, não lhe respondo porque isso nem é próprio da sua estrutura intelectual, que muito admiro.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nos nosso Orçamento não há fraudes nem falsificações e há uma margem de erro muito pequena. Essa tem sido, aliás, a nossa fonte de orgulho,

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porque não havemos de o dizer. Em governos anteriores da democracia portuguesa o que houve foi derrapagem orçamental. O Sr. Deputado sabe que, olhando ao longo da democracia portuguesa, o défice executado foi sempre superior ao défice inicialmente orçamentado,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Largamente!

O Orador: -... excepto nos anos de 1977 e de 1980 e, de modo sistemático - e isso é que tem significado -, em 1986, 1987, 1988 e 1989, e asseguro-lhe que vai acontecer o mesmo em 1990. Quais são os governos que conseguem, desta forma sistemática, pôr o Orçamento do Estado fora de derrapagem?
O Sr. Deputado António Filipe falou dos professores no sistema remuneratório da função pública. Eu pedia que este assunto fosse visto globalmente na configuração do novo sistema remuneratório da função pública, podendo depois ser respondido na Comissão de Economia, Finanças e Plano, noutra comissão qualquer ou por um colega meu do Governo.
Sr. Deputado Basílio Horta, agradeço as suas palavras, mas, já agora, sempre lhe diria que queixumes pessoais não os faço. Está enganado. Registo que o Sr. Deputado, perante uma vilania, parece que responderia com um queixume. Eu nunca faria isso! Não viro as costas à vilania, mas não uso de queixumes pessoais!
Não preciso disso!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado, a vilania e a ignomínia, se alguma coisa me provocam, é um profundo sentimento de revolta e, por vezes, de impotência para responder. É que nós não temos os mesmos meios. Nem os Srs. Deputados nem os membros do Governo nem outros titulares de órgãos de soberania podem usar os ignóbeis meios que são usados por outras pessoas, que, aliás, não aparecem às claras.
Sr. Deputado, dir-lhe-ia ainda que esse sentimento de profunda revolta é recriado e dá-nos mais resistência e mais força anímica para continuar a lutar pelo País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, entrou no período suplementar de tempo que lhe é atribuído.

O Orador: - Sr. Deputado Basílio Horta, V. Ex.ª teve o gesto, que vou registar perante a Câmara, de me vir falar pessoalmente e dizer que o que se passava comigo e com outros membros do Governo era inqualificável, e que eu poderia utilizar este seu pensamento em quaisquer circunstâncias: que uma coisa é o combate político, e nesse combate o Sr. Deputado é duro, é agressivo, é severo, aqui nesta Câmara; outra coisa são os tais caminhos, os tais meios ínvios que o Sr. Deputado não subscreve.

Aplausos do PSD.

Depois, quanto à sugestão que faz sobre a análise das pressões ilegítimas, devo dizer que a Assembleia da República é livre e soberana. Nada tenho a comentar. A Assembleia fará os debates que bem entender e tomará também as iniciativas que bem entender. Apenas registo também da nossa parte a sua intervenção nessa matéria.
Quanto às indemnizações, o Governo apenas está a cumprir a lei da Assembleia da República, que vem desde 1977. Uma coisa são as privatizações e outra coisa são as indemnizações.
A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques perguntou-me qual é o limite de erro no nosso Orçamento do Estado. Como sabe, há uma teoria matemática que diz que a demissão de um ministro das Finanças é uma função inversa do logaritmo do
co-seno do erro orçamental.

Risos do PSD.

Como esta função é transcendental e muito complicada, não comentaria mais o seu pedido sobre qual o limite de erro para levar à demissão deste Ministro das Finanças.

Aplausos do PSD.

Mas, Sra. Deputada, fico muito impressionado com a substância e a valia das suas perguntas.

Risos do PSD.

Quanto à receita fiscal, também lhe diria que é outra função matemática, ou quase matemática, do rendimento, do produto, dos preços, do emprego, da confiança, que é uma variável abstracta, mas que pode ser quantificada através de umas variáveis estatísticas especiais, as quais têm um nome muito esquisito, que depois, para não estar a maçar os Srs. Deputados, poderei transmitir à Sr." Deputada, que, aliás, sabe bem isto.
Já agora, pergunto-lhe: a Sr.ª Deputada saberá qual tem sido o desvio orçamental das receitas ou das despesas em países como, por exemplo, o Reino Unido e a vizinha Espanha? Valerá a pena informar-se, para ficar, a contragosto, com os sucessos que este Governo tem tido em matéria orçamental.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito falou do Possidónio da Silva e do défice, que gostaria de ver mais depressa reduzido. Pergunto-me sobre o que aconteceria ao nosso défice orçamental e à nossa disciplina de finanças públicas se o Governo fosse do "Possidónio de Brito", ou do "Possidónio Horta", ou do "Possidónio Coissoró".

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ou só do "Possidónio" que é V. Ex.ª!

Risos.

O Orador: - O Sr. Deputado desculpar-me-á, mas se alguma coisa é saliente e notoriamente reconhecida é a positiva evolução do défice do sector público em Portugal nos últimos quatro anos. Conseguimos baixar esse défice global do sector público em 13 pontos percentuais do produto interno. Mas, ao mesmo tempo, em sentido inverso, ou seja, puxando o défice para cima, os juros da dívida pública são hoje juros verdadeiros e de mercado, o que não acontecia há cinco anos atrás.
Fazer mais do que isto, Sr. Deputado, só por milagre, e não acredito em Possidónio nenhum.
Quanto à credibilidade, já disse, quando respondi ao Sr. Deputado António Guterres, que ela tem a ver com indicadores, como o investimento, o emprego, o risco do País, que algumas instituições internacionais publicam e de acordo com as quais Portugal está melhor do que nunca, as reservas de divisas e, por exemplo, com o facto de hoje a dívida externa de Portugal ser, em termos líquidos, negativa, ou seja, de podermos pagar toda a dívida externa que temos.

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Quanto à evolução da política monetária e cambial, posso dizer que, de facto, a política monetária vai evoluir para o controlo monetário indirecto. O Banco de Portugal apenas faz o seu juízo sobre a segurança da transição. Da parte do Governo, já cumprimos com tudo o que havia para cumprir em matéria de requisitos para essa transição, desde a liberalização das taxas de juro à uniformização do coeficiente de reservas de caixa e à nova política de dívida pública, fundamental para esse fim.
Quanto à política cambial, já disse que ela está orientada no sentido de o crawling peg do escudo ser na ordem dos 0,25 % ao mês de desvalorização, o que é bastante para assegurar a competitividade externa de Portugal, tendo em conta também a evolução da produtividade e dos diversos custos da produção.
O Sr. Deputado Sottomayor Cardia falou também das despesas com a defesa nacional. Essas despesas têm a ver também com a lei de programação militar, mas penso que é uma questão de política orçamental fundamental. Tem toda a razão, Sr. Deputado, quando levanta questões dessa ordem. Penso que é uma das questões mais substanciais hoje aqui levantadas, mas o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional terá certamente muito gosto em lhe responder a seguir.
O Sr. Deputado André Martins falou da inflação, assunto de que já tratei. Mas acrescentaria o seguinte: como já tem sido dito várias vezes, o Governo fez a opção política, fundamental para o País, de puxar o emprego, o investimento e o progresso económico do País para cima e o desemprego para baixo, sacrificando um pouco, em troca, o objectivo da inflação. Não há ninguém no País, a nível sindical, de famílias, de empresas ou mesmo de partidos, que perante esta pergunta pudesse ter outra resposta.
O que é que o Sr. Deputado André Martins prefere? Que puxemos mais depressa a inflação para baixo, sacrificando, em contrapartida, os níveis óptimos de desemprego e os ritmos óptimos de crescimento do investimento que temos? Não precisará de me dar a sua resposta, porque eu sei qual é.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para complementar as respostas às perguntas colocadas pelos Srs. Deputados, tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Eurico de Melo): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, o clima de desanuviamento político Leste-Oeste, que se traduz na democratização do Leste Europeu, com a pública e reconhecida falência dos regimes comunistas, vai provocar certamente um reequilíbrio de forças de defesa, que está na dependência das conversações de Viena, como V. Ex.ª sabe.
Em Portugal, e já no sentido das conversações de Viena, que julgamos que será positivo, em termos de diminuição de despesas com assuntos de defesa, procurámos modernizar as forças armadas dentro de uma reestruturação, que será concentração, dentro de um redimensionamento, que será diminuição, e de um reequipamento, para equilibrar a capacidade das forças armadas, tendo em conta essa reestruturação e redimensionamento.
O Orçamento do Estado para 1990 é globalmente estabilizado em relação ao Orçamento deste ano, que foi um Orçamento de baixa relativamente ao de 1988. Digo "globalmente" porque há um ligeiro acréscimo em despesas de manutenção e de funcionamento para maior prontidão e operacionalidade das forças armadas. Na esperança de que essas conversações de Viena cheguem a bom termo, iremos ter certamente, a partir de 1990 - faremos, naturalmente, um esforço nesse sentido
-, uma diminuição nas despesas com a defesa. Já este ano o Orçamento reflecte proporcionalmente a vontade que o Governo tem de aumentar substancialmente despesas noutros departamentos, como a saúde, a educação e as obras estruturais de que o País carece. Mas, naturalmente, essa diminuição tem o limite que permite às forças armadas cumprir as suas missões, que, como o Sr. Deputado sabe, não são missões impostas pelo Governo, mas sim obrigações constitucionais.
Nesse sentido, nunca permitiríamos que as forças armadas não pudessem cumprir essas obrigações constitucionais.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS):- É para defesa da honra da minha bancada, bem como da figura do primeiro-ministro do IX Governo Constitucional.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - De acordo com o que ficou fixado, o Sr. Deputado António Guterres terá de esclarecer em que termos sentiu ofendida a honra da sua bancada.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, não posso deixar de estranhar a aplicação tão rigorosa do princípio pela primeira vez nesta Câmara...

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Não é a primeira vez, Sr. Deputado.

O Orador: - Mas respondo-lhe com toda a clareza, Sr. Presidente.
Em minha opinião, as afirmações produzidas pelo Sr. Ministro das Finanças contêm gravíssimas acusações ao meu partido e aos governos de que o meu partido foi responsável ou co-responsável e que foram presididos, com muita honra nossa, pelo Sr. Dr. Mário Soares. Sinto que não poderia ficar calado nesta oportunidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é a primeira vez que isto acontece e tenho rigorosamente aplicado o que combinámos.
Mas dou-lhe a palavra, Sr. Deputado, para defesa da honra.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - Em que sentido?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Para que o Sr. Deputado António Guterres esclarecesse a Mesa. e, através desta, a Câmara, na base de que disposição regimental é que pede a palavra para defender a honra de qualquer governo que seja.

Protestos do PS e do PCP.

Compreendemos a pressa do Sr. Deputado em estar no Governo para defender a sua honra, mas, como ainda não está, gostaria de saber qual é a disposição regimental que lhe permite defender a honra do primeiro-ministro do IX Governo Constitucional.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Disse que era a do partido dele.

O Orador: - Do partido e do primeiro-ministro do IX Governo Constitucional.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pediu a palavra e eu solicitei-lhe uma justificação. O Sr. Deputado António Guterres deu uma explicação que é uma explicação compósita. Em face do que ele disse, dei-lhe a palavra para defesa da honra da sua bancada.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Duarte Lima verificará, aliás, que no rigor com que defenderei a honra da minha bancada defenderei também a honra da sua, bem como a dos membros do IX Governo sentados nesta, nessa e naquela bancada...

Aplausos do PS.

... que dele fizeram parte e cujo trabalho patriótico deve ser agradecido pelo País e pelos nossos dois partidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - A minha bancada não precisa da sua defesa.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficámos hoje a saber que a perda de credibilidade do Sr. Ministro das Finanças não atinge ainda os seus adjuntos. Fico muito satisfeito por isso. De outra forma, seguramente já lá não estariam!...
O que me parece de relevar é que o Sr. Ministro das Finanças, sempre que intervém em sua defesa, nunca o faz sem atacar, de uma forma que me parece incorrecta e - permita-me que lhe diga, sem agressividade - com pouca isenção do ponto de vista intelectual,...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: -... tentando comparar aquilo que é a acção deste Governo com a acção dos governos anteriores, alguns deles do PS ou com a participação do PS e vários deles presididos pelo Dr. Mário Soares. Estou, aliás, para ver como é que o Sr. Ministro se vai sair desta quando forem as eleições presidenciais!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Discuta a questão! Já que pediu a palavra, não desvie a conversa.

O Orador: - O que me parece importante sublinhar, em primeiro lugar, é que o Partido Socialista chegou ao poder por duas vezes: a primeira vez quando o País estava empurrado para uma crise económica gravíssima, próxima da bancarrota - e o Sr. Deputado Silva Marques vai ouvir-me dizer, em defesa do rigor, que era culpa dos excessos do gonçalvismo e não apenas de uma crise internacional que afectava Portugal; da segunda vez, por culpa não apenas de uma crise internacional de que Portugal sofreu os efeitos, mas também dos excessos de uma governação, em nossa opinião algo irresponsável, dos governos da Aliança Democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Das duas vezes, o Partido Socialista pegou no País numa situação de gravíssima crise económica, próxima da bancarrota: da primeira, sozinho; da segunda, em coligação com o PSD. Foi vice-primeiro-ministro, primeiro, o Dr. Mota Pinto, depois, o Dr. Rui Machete.
Das duas vezes, Sr. Ministro das Finanças, orgulhamo-nos de, com prejuízo político evidente para o Partido Socialista, ter conseguido salvar o País da bancarrota e entregá-lo a governos de que o Sr. Ministro fez parte em condições de poder ser governado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Orgulhamo-nos profundamente disso, Sr. Ministro.
Já agora, quero recordar que o Secretário de Estado do Orçamento do IX Governo Constitucional, que hoje aqui tanto criticou, nem sequer era do Partido Socialista. Era o Sr. Dr. Alípio Dias, militante do PSD, que nesse governo representava o PSD. Nós, na altura, nunca o criticámos, porque na altura era muito difícil elaborar o Orçamento do Estado e verificava-se até que os orçamentos conduziam a erros de avaliação, já que a situação não estava controlada. Foi depois controlada e continua, graças a Deus, controlada. É por isso que hoje é muito fácil fazer o Orçamento do Estado.
É por isso também, Sr. Ministro, que, quando hoje o Governo se engana em mais de 100 milhões de contos na cobrança de impostos, nós dizemos: não se engana fruto das circunstâncias, mas porque quer, porque subavalia propositadamente os impostos no Orçamento, para depois poder cobrá-los de uma forma menos nítida politicamente ao longo do ano.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero, portanto, dizer-lhe, Sr. Ministro, que não temos nada a envergonhar-nos do nosso passado. Assumimos esse passado com total frontalidade e integralmente e assumimos também, com honra, a parte do nosso passado em que comungámos das mesmas preocupações com o partido de que V. Ex.ª faz parte e em que juntos fomos capazes de dar uma resposta positiva à crise política gravíssima para que o País unha sido empurrado.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado António Guterres, é interessante que o Sr. Deputado tenha defendido a sua honra, mas não tenha pensado minimamente em que a honra de membros do Governo também existe. Quando, por exemplo, o Sr. Deputado começa por dizer que o pecado original do Ministro das Finanças está a ferir este Orçamento do Estado e que um orçamento feito por este ministro não tem credibilidade,...

Vozes do PS: - Isso é verdade!

O Orador: -... isto atinge a honra...
Desculpar-me-á, Sr. Deputado, mas não atinge. É que não atinge porque, vindo da sua parte, e como repetidamente o Sr. Deputado António Guterres afirma isso, mas logo a seguir os resultados económicos globais do País são o que são e as reformas vão marchando, por mais difíceis que elas sejam, o Sr. Deputado deixa de ofender a honra de qualquer membro do Governo quando diz que o Governo não tem credibilidade.
Já agora, quanto à sua frase mais árida sobre a desonestidade intelectual, ...

O Sr. António Campos (PS): - A grande desonestidade!

O Orador: - Sim, a grande desonestidade intelectual...
Quando os Srs. Deputados do Partido Socialista tiverem a honestidade intelectual, a objectividade, a independência, a isenção de reconhecer o que têm sido os resultados dos últimos quatro anos da governação Cavaco Silva, nós faremos, então, o contraste com anos anteriores, assumiremos explicitamente os pressupostos e as circunstâncias e continuaremos a dizer que como estes quatro anos nunca houve na democracia portuguesa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - É para a defesa da minha consideração. O Sr. Deputado António Guterres dirigiu-se expressamente...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de caracterizar a figura regimental.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, esta sessão prolonga-se um pouco para além do que estava previsto, mas ainda bem. É bom que as grandes questões não prejudiquem aquilo que parecem ser pequenas questões, mas que também são grandes, como são as da seriedade e do rigor, não só das nossas discussões, mas também dos nossos comportamentos.
O Sr. Deputado confundiu discussão com ataque pessoal. Ora, não confundimos isso e nunca deixaremos de discutir, mesmo sob a pressão moral da parte de VV. Ex.ªs ao fazerem a identificação entre discussão e ataque pessoal.

Protestos do PS.

Este é um ponto que me leva a reagir - e penso que pertinentemente -, não porque me sinta sentido, mas para o avisar de que não precisam de insistir nem com nenhum membro do Governo, nomeadamente com o Sr. Ministro que acabou de falar, nem com nenhum membro desta oposição, que é tão séria, mas também tão frontal quanto os senhores.

Protestos do PS.

O Orador: - Segundo ponto, não me sinto na necessidade de defender os membros do Governo da AD, apesar da vossa discussão acre relativamente à sua política.

O Sr. José Lello (PS): - Nem o Balsemão!

O Orador: - Não confundo a vossa discussão acre e as vossas reprovações com ataques pessoais.

Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço o silêncio da Câmara.

O Orador: - Sr. Deputado António Guterres, dir-se-ia que o Partido Socialista apenas assume o poder em consequência dos erros alheios e não do mérito próprio, mas creio que não será esse o caso, em rigor.
Finalmente, lembrar-lhe-ia, Sr. Deputado António Guterres, que eu respeito muito todos os meus colegas que estiveram nos governos do bloco central, respeito-os muito. Pessoalmente, discordei, a partir de certo momento, profundamente da linha que o meu partido seguiu nessa matéria, mas nunca constituí nem integrei uma operação que se pudesse designar de boicote à liderança do meu partido, enquanto V. Ex.ª, integrado na fracção do chamado "Secretariado", o fez, por decisão deliberada e expressa, na reunião de Coimbra, em que V. Ex.ª boicotaram o Dr. Mário Soares.

Aplausos do PSD. Protestos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente...

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que criassem as condições para que o Sr. Deputado António Guterres pudesse dar explicações.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Com todo o gosto. Já tinha saudades de ouvir o Sr. Deputado Silva Marques e foi para mim um prazer tê-lo observado a fazer esta intervenção.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito obrigado!

O Orador: - Em primeiro lugar, gostaria de dizer, com toda a clareza, que não fiz nenhum ataque pessoal. Se alguma coisa fiz foi defesas pessoais de pessoas que foram aqui envolvidas e defesas pessoais, inclusivamente, de membros do seu partido.

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O Sr. Duarte Lima (PSD): - Nós não precisamos.

O Orador: - Quero aproveitar, já agora, para esclarecer que eu não proferi as palavras «desonestidade intelectual». Expressamente não o fiz, porque a desonestidade é uma questão subjectiva, e eu não quero avaliar subjectivamente o Sr. Ministro das Finanças. Aquilo que disse foi «falta de isenção intelectual», porque a isenção é uma questão objectiva, e essa posso eu apreciar. Se o Sr. Ministro das Finanças se recorda foi esse o conteúdo rigoroso daquilo que disse.
No entanto, a questão fundamental não é essa. A questão fundamental foi aqui trazida de novo à colação pelo Sr. Deputado Silva Marques: é que o PSD não pode riscar a sua história.
Não há nenhuma razão para que o PSD a risque, porque, em minha opinião, o PSD não tem de se envergonhar de ter estado no governo do bloco central.

Vozes do PSD:- Não, não!

O Orador: - O PSD desempenhou no governo do bloco central um papel positivo para a vida do nosso país e não pode o PSD, para defender este Governo, continuar sistematicamente a atacar-se a si próprio e a denegrir o papel que ele próprio, PSD, desempenhou, em associação com o PS, na história.

Vozes do PCP: - Pode, pode!

O Orador: - Devo dizer-lhe que a grande diferença entre o PS e o PSD é que nós assumimos toda a nossa história e todo o nosso passado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E ato não tenho dúvidas nenhumas em lhe dizer que dentro do Partido Socialista sempre assumi o confronto democrático com os meus camaradas, quando entendi que o devia fazer. Disso me orgulho, porque no PS, que é um partido democrático, o confronto democrático é não só tolerado como estimulado.
É esse confronto que faz a nossa riqueza e é esse confronto que faz do PS, em minha opinião, o partido central da democracia portuguesa...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E aí, Sr. Deputado, tenho de lhe dizer com sinceridade que nesse aspecto o PSD tem, em minha opinião, menos razão para se orgulhar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper para o almoço por um período de duas horas. Reunimo-nos, de novo, as 15 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, de acordo com as nossas inscrições, provisoriamente, porque muitas vezes é necessário fazer ajustamentos, a sequência das três primeiras intervenções será a seguinte: o Sr. Deputado Octávio Teixeira, o Sr. Deputado António Guterres e o Sr. Ministro do Planeamento. São estas as três primeiras intervenções programadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Antes de iniciar a minha intervenção, e porque no final desta manhã o Sr. Ministro das Finanças tentou desmentir algumas das questões que levantei, designadamente sobre os custos salariais unitários e sobre a evolução do rendimento nacional, entregarei na Mesa alguns dados estatísticos do Banco de Portugal e da Comissão das Comunidades Europeias, solicitando que seja entregue uma fotocópia a cada um dos grupos parlamentares e à bancada dos Srs. Jornalistas.
As propostas das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1990 são um retrato vivo das opções de fundo deste Governo e do seu estilo de governação.
As alterações da Constituição operadas no tocante às questões orçamentais e de planeamento foram puramente ignoradas pelo Governo: as propostas subtraem à aprovação parlamentar os orçamentos dos fundos e serviços autónomos, foram elaboradas sem revisão prévia da lei de enquadramento do Orçamento do Estado, surgem à revelia da nova lei orgânica do planeamento e dos órgãos de participação que a Constituição hoje prevê.
O que nos é apresentado são umas GOP que dão por garantidos processos e calendários que cada vez mais se apresentam como indefinidos e um Orçamento viciado, fruto de uma política de injustiças sociais, de penalização do factor trabalho e de benefício do capital, enquadrado por uma política global propiciadora de e envolvida em escândalos.
A proposta de orçamento foi elaborada por uma equipa em crise, cuja condução das finanças e do quadro macro-económico nacionais não tem hoje qualquer credibilidade no País.
Nega princípios básicos do rigor e da transparência, forja e manipula taxas de inflação sem qualquer credibilidade, subavalia despudoradamente receitas e despesas, agrava o défice global e deteriora o chamado «saldo primário», inverte prioridades, agrava a carga fiscal. É um Orçamento feito à imagem do Governo e à medida dos seus interesses imediatos de mera propaganda eleitoralista.
A apreciação, na generalidade, das propostas de lei sintetiza-se no sublinhar de dois factos e na denúncia de cinco grandes sofismas, que durante o debate serão aprofundados noutras intervenções do meu grupo parlamentar.
O primeiro facto a sublinhar é, mais uma vez, a insistência do Governo na falta de rigor e transparência dos Orçamentos de Estado que apresenta à Assembleia da República.
O facto de o Governo apresentar um Orçamento elaborado com uma taxa de inflação implícita de 9 %, inferior às próprias metas por si oficialmente definidas, que vão dos 9,5 % aos 10,5 %, distorce por completo as previsões de receita e as dotações para as despesas e retira qualquer credibilidade ao Orçamento do Estado e às projecções macro-económicas apresentadas pelo Governo.
Distorções que são ampliadas com a prática comprovada de premeditada subavaliação das receitas e em que se destaca a subprevisão das cobranças do IVA em

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cerca de 30 milhões de contos, com o objectivo primeiro de defraudar as finanças das autarquias locais em 7,7 milhões de contos, impedindo-as, nomeadamente, de aproveitar cabalmente os co-financiamentos comunitários integrados no quadro comunitário de apoio ou, em alternativa, empurrando-as para excessivos níveis de endividamento comprometedores das suas solvabilidade e capacidade de investimento futuras.
O segundo facto tem a ver com a significativa ausência, este ano, quer nos documentos apresentados quer na propaganda do Governo, de qualquer referência ao índice que ele próprio criou e designou de «saúde económica» (consubstanciado na soma das taxas de inflação e de desemprego), e que orgulhosamente vinha apresentando como sendo o indicador mais expressivo de que a economia portuguesa evoluía com mais saúde que a economia comunitária no seu conjunto.
Percebe-se o esquecimento a que nestas GOPs e no Orçamento do Estado o Governo votou tal índice: de acordo com ele, e com base nos últimos valores oficiais, a «saúde» da economia portuguesa, em vez de melhorar a sua posição em relação à da economia comunitária após 1988, como o Governo assegurava, agrava-se em termos absolutos e relativos. Na verdade, estes e outros indicadores económicos, como o da evolução da balança comercial, dos défices orçamentais e do crédito interno, e tal como o sublinham a própria Comissão das Comunidades Europeias e o Departamento Central de Planeamento, mostram que a saúde da economia portuguesa se apresenta precária e que o estado febril registado prenuncia complicada pneumonia.
No que concerne aos cinco sofismas em que assentam as GOPs e o Orçamento do Estado para 1990, o primeiro inscreve-se nas GOPs quando o Governo apresenta o objectivo de «alcançar mais solidariedade e justiça social» e afirma «apostar numa mais equilibrada e justa repartição da riqueza».
Os factos e as verbas desmentem as palavras.
A natureza anti-social da política económica do Governo está bem patente nas próprias GOPs, ao assentá-la numa «absoluta necessidade de reforçar os índices de competitividade da economia nacional» através do sacrifício «dos aspectos que se revelem como avanços significativos no domínio social» e ao apelar a um «consenso social sobre a distribuição do rendimento a curto prazo», acenando com miríficos benefícios a médio e longo prazos.
O sofisma da justa repartição da riqueza, que a vida e a realidade nacional comprovam, é profundamente demonstrado pela distribuição do rendimento nacional (a massa salarial baixou de 44,4 % do rendimento nacional em 1985 para 42 % em 1988),...

O Sr. João Amaral (PCP): - É um escândalo!

O Orador: -... pelo benefício fiscal dos rendimentos de capital ou ainda pela impressionante redução dos custos salariais reais unitários que se verificou de 1986 para cá (-12 %), com o consequente ganho dos lucros empresariais e a divergência cada vez maior em relação à evolução média na CEE. Isto é, a verdadeira aposta económica do Governo continua a assentar na vantagem comparativa da baixa situação salarial e social dos trabalhadores portugueses, e não na justiça social e na justa repartição da riqueza.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Do mesmo sentido é o segundo sofisma governamental, o da taxa de inflação para 1990.
É certo que as metas de 1990, entre os 9,5 % e os 10,5 %, se revestem de mais algum pudor que as metas que o Governo fixou para 1989 e que a vida se encarregou de desmentir de forma estrondosa. Mas a verdade é que, tal como há um ano, nem nas GOPs nem no Orçamento do Estado o Governo tenta, sequer, esboçar uma justificação para a sua previsão, que a própria Comissão das Comunidades Europeias desmente, e que nem a política económica anunciada nem o enquadramento económico internacional (actualmente previsível) permitem fundamentar.
Mais uma vez, a previsão oficial do Governo tem como objectivo único a limitação, a um nível subavaliado, da base para as negociações salariais, visando continuar a agravar o baixo nível de vida dos trabalhadores e a injustiça social, características de marca da política governamental.

O Sr. João Amaral (PCP): - É isso mesmo.

O Orador: - O terceiro sofisma é o da alegada abertura ao diálogo, dos «consensos nacionais», da «participação democrática», da «mobilização interveniente dos cidadãos», da regionalização e descentralização. A prática governativa é suficiente para o desmentir.
Inversamente ao que decorria das GOPs, o Governo não deu qualquer prioridade à institucionalização do Conselho Económico e Social.
Contrariamente ao que diz pretender, o Governo não deixa qualquer margem para a participação democrática na definição dos objectivos e estratégias do desenvolvimento económico, pois elaborou sozinho o PDR e negociou com a CEE o quadro comunitário de apoio sem dar cavaco a ninguém.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - As GOPs e o Orçamento do Estado confirmam as efectivas opções centralistas do Governo, ao reforçar o papel das comissões de coordenação regional, pretendendo iludir com uma alegada «opção pragmática» a real opção programática do Governo e do PSD de impedirem, a todo o custo, a efectiva regionalização do continente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Em quarto lugar, o Governo sofisma com a alegada prioridade orçamental à função social do Estado. As dotações orçamentais revelam, pelo contrário, que a intervenção orçamental do Estado aumenta proporcionalmente mais nas funções económicas, de soberania e de juros de dívida pública.
O sofisma do Governo assenta no escamoteamento, para efeitos comparativos, das alterações orçamentais para 1989 discutidas pela Assembleia da República na passada sexta-feira, designadamente no âmbito das despesas correntes da educação e da saúde.
Feita essa correção necessária ao Orçamento inicial de 1989, a verdade é que as dotações para a função social do Estado crescem nominalmente apenas 11,5 % (tanto

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quanto a taxa de inflação prevista pela CCE), enquanto as das funções de soberania crescem 16%, as funções económicas mais de 19 % e os juros da dívida pública 24%. A situação é ainda mais gritante quando se verifica, dentro da função social, que as dotações nominais para habitação diminuem 33 % e as da Segurança Social decrescem 3 %, ao mesmo tempo que as verbas para a saúde têm uma evolução real negativa. Aliás, face ao Orçamento apresentado e às declarações da respectiva ministra, tudo indica que o Governo se prepara para diminuir de novo, em 1990, as comparticipações do Estado no preço dos medicamentos.
No que respeita à educação, e tendo em conta o Orçamento revisto, um crescimento real das dotações da ordem dos 2 % não lhe pode conferir qualquer grau de prioridade.
Em suma, e inversamente ao propagandeado pelo Governo, as dotações orçamentais para 1990 não dão qualquer prioridade às funções sociais, antes privilegiam as funções económicas e as transferências para o sector privado - que atingem já os 180 milhões de contos neste Orçamento - e dão cobertura ao grande aumento dos juros da dívida, decorrente quer do aumento da capital em dívida quer do agravamento das taxas de juro internas que a política monetária do Governo tem provocado.
Finalmente, o quinto sofisma do Governo reporta-se à sua insistente referência à diminuição da carga fiscal em 1990.
Baseia-se nas actualizações dos escalões e das deduções e abatimentos que propõe para o IRS. Mas ilude, em sede de IRS, três questões essenciais: que o elevado nível das cobranças deste ano ultrapassaram em muito o que decorreria da cobrança dos impostos abolidos, sobrecarregando fiscalmente os rendimentos do trabalho; que o Governo não reduz as taxas do imposto, em especial a do primeiro escalão, sem o que não haverá efectiva diminuição da carga fiscal; que pretende manter no próximo ano o sistema de empréstimo forçado sobre os rendimentos do trabalho dependente, que este ano, segundo os seus cálculos, atingirá os 28 milhões de contos.
Acresce, e o Governo escamoteia, que o alívio fiscal em IRS é mais que compensado com o agravamento registado nos impostos indirectos. Designadamente no imposto sobre os produtos petrolíferos, com aumentos de 12 % na gasolina, de 20 % no gasóleo e de 400 % (!) no fuelóleo, com pesadas repercussões nos custos industriais e agrícolas, nos transportes públicos e privados, e bem assim nos preços da electricidade e do gás.
De facto, no que se refere à carga fiscal global, mais uma vez, os próprios documentos oficiais mostram que existe um enorme fosso entre o propagandeado e a verdade dos números inscritos no Orçamento do Estado. Estes mostram que a previsão das receitas fiscais atinge os 1796 milhões de contos, mais de 21,3 % que os previstos no Orçamento do Estado para 1989. Sendo certo que o Governo prevê que a actividade económica evolua a uma taxa nominal de 13,3 %, é manifestamente insustentável a tão repetida quanto falsa afirmação governamental. Há, de facto, um aumento real da carga fiscal, bem patenteado pelo nível de fiscalidade que passa de 20,6 % do PIB no Orçamento do Estado de 1989 para 22 % do PIB no Orçamento do Estado para 1990.
Em suma, Sr. Presidente, Srs. Deputados, as GOP e Orçamento do Estado para 1990 não privilegiam o que o Governo sente tanta necessidade de afirmar como privilegiado.
E sente essa necessidade porque sabe que os seus sofismas correspondem a outras tantas reclamações da população.
Impõe-se a efectiva participação democrática dos cidadãos e dos agentes políticos e sociais na definição dos objectivos e estratégias a prosseguir, a urgente regionalização do País e uma descentralização concretizada em actos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Exige-se uma mais justa repartição da riqueza, o aumento do peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional, uma evolução salarial que cubra as taxas de inflação e integre uma justa parcela dos ganhos de produtividade.
É inadiável uma efectiva prioridade por parte do Estado à habitação, à Segurança Social, à educação e à saúde, para aí canalizando verbas volumosas que, através de benefícios fiscais e de subsídios, estão a ser oferecidas ao capital e à corrupção.
Reclama-se uma maior justiça fiscal a favor dos rendimentos do trabalho, passando, nomeadamente, pela tributação efectiva dos rendimentos e mais-valias financeiros e pela redução das taxas dos primeiros escalões do IRS, como propomos no projecto de lei que apresentámos há dois meses e que retomaremos em sede de Orçamento do Estado.
É no sentido da satisfação destas reclamações populares que se orientarão as propostas que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará na discussão e votação na especialidade.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Encarnação Antunes da Silva e Vieira de Castro.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Deputado Octávio Teixeira, como aliás ainda há pouco exibiu nesta Assembleia, perante o Sr. Ministro das Finanças, tem pouca coisa a dizer de novo. A pergunta que o Sr. Deputado Octávio Teixeira dirigiu, há pouco, ao Sr. Ministro das Finanças foi exactamente a mesma pergunta que fez na discussão do último Orçamento do Estado. Se isso lhe dá a garantia de que na verdade pensa sempre o mesmo, dá-lhe, por outro lado, a certeza de que V. Ex.ª é pouco imaginativo e não encontra outros motivos para se ocupar na discussão deste Orçamento do Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - V. Ex.ª diz que a equipa deste Governo está em crise. Mas, Sr. Deputado, se nós medíssemos a gravidade e intensidade das crises, como fundamento de apresentação de ideias políticas, então devíamos dizer que o PCP devia estar todo reunido hoje, porque penso que não há partido político que esteja em crise maior, designadamente em crise de liderança, do que o PCP.

Aplausos do PSD.

Não 6 um militante qualificado do PCP a dizer que o problema do PCP e, nesta altura, o seu secretário-geral? Qual 6 o problema que se põe a um partido político, que quer dar alguma credibilidade às suas afirmações, que neste altura se permite, perante a opinião pública, discutir o seu secretário-geral na praça pública?

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o Orçamento?

O Orador: - Sr. Deputado, V. Ex.ª e um especialista em orçamentos, principalmente na zona agrária, na zona de expropriação, já percebi, na zona das UCP. Mas V. Ex.ª, mesmo como responsável por economias desse género, e responsável por uma serie de atropelos, de desmandos, de «desconomias».
Portanto, V. Ex.ª se quiser discutir orçamentos, 6 melhor que fique a discutir os orçamentos das UCP do que discutir este Orçamento.

O Sr. João Amaral (PCP): -E os mais de 500 acórdãos que não cumpriram!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - A cortiça não a pagaram. Levaram-na e não a pagaram.

O Orador: - Como V. Ex.ª sabe eu sou uma pessoa que não me deixo entusiasmar pelos seus entusiasmos...

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Mas estava!

O Orador: - E não me deixo embarcar nas suas dúvidas. V. Ex.ª tem muitas dúvidas, certamente terá mais, ainda vai ter dúvidas muito mais fundas. Mas eu não lenho nada a ver com isso, porque eu, em contrapartida, tenho certezas, e acredito cada vez mais neste Governo e na sua política orçamental.
Por isso, a grande questão está posta do vosso lado. V. Ex.ª discuta lá as dívidas das UCP, discuta lá os orçamentos disso tudo e venha para cá pôr menos questões em relação a este Orçamento. Aliás, V. Ex.ª já variou de assunto, porque, nesta altura e neste Orçamento, V. Ex.ª fez perguntas sobre municípios e sobre cooperativas se calhar está no bom caminho.

Protestos do PCP.

Mas dizia eu que o Sr. Deputado Octávio Teixeira fez aqui uma acusação gravíssima a este Governo. Disse o Sr. Deputado que este Governo apresenta um Orçamento com diferença em relação à perspectiva da previsão da inflação. A pergunta concreta que, entre outras, gostaria de lhe fazer é esta: qual foi o Governo que neste país apresentou menor diferença em relação à previsão da inflação se não este Governo que está perante V. Ex.ª? Se me puder dizer, gostaria que me salientasse quais foram as diferenças - e de vários dígitos - que outros governos, que antecederam os governos do PSD, apresentaram na previsão em relação à inflação esperada e à inflação verificada.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Se V. Ex.ª quiser também caminhar por aí, penso que escolheu um mau exemplo e está a andar por mau caminho: é que V. Ex.ª está a dar, ao fim e ao cabo, um crédito de previsão a este Governo.
Acabarei, Sr. Presidente, dizendo que o Sr. Deputado tem uma posição - que e a do PCP -, perante tudo, meramente repetitiva. Onde o PCP vê que a economia melhora diz que a piora; onde o PCP vê que é verdade diz que é mentira.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - É estrábico!

O Orador: - Ao fim e ao cabo, esta questão principal não e só estrabismo; e uma questão política essencial, porque V. Ex.ª quer repelir dentro deste país os anos de mentira do estalinismo lá de fora.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª não conseguiu ainda libertar-se disso e tenta transformar e transpor essa linguagem cá para dentro. Mas para o nosso país não pega, por isso, Sr. Deputado, arranje outros argumentos que estes também não servem.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - E o muro?

O Orador: - Olhe, aí está uma boa coisa para V. Ex.ª se preocupar, mas, nesta altura do debate do Orçamento, não vale a pena nós estarmos a falar nisso. Depois, lá iremos. O Sr. Deputado tenha calma que, a seu tempo, iremos discutir o «muro», esse «muro» que e, na verdade, um peso na sua consciência!
Gostaria, contudo, de lhe dizer, Sr. Deputado, que as suas propostas, ao fim e ao cabo, sendo propostas essenciais, são muito simples, são as propostas que qualquer oposição faz, e o seu conteúdo é simples: mais receita a menos e despesa a mais! Estas são as grandes opções que o Partido Comunista defende em termos de Orçamento.
Gostaria de saber, Sr. Deputado, que políticas alternativas é que V. Ex.ª defende; que políticas comparadas, do ponto de vista internacional, é que V. Ex.ª oferece? São as políticas da miséria, da redistribuição da pobreza, da confusão social permanente, da queda dos regimes dos países ditos' socialistas? É isso que V. Ex.ª nos oferece em alternativa? Então, Sr. Deputado, se e isso que V. Ex.ª nos oferece em alternativa, fique com esses exemplos para si, porque nós ficamos com o nosso e estamos muito bem. Até porque a única coisa que V. Ex.ª pode e deve dizer deste Orçamento - e acho bem que o diga, enfim, para tentar salvar, do seu ponto de vista e perante o País, a sua honestidade intelectual - e que «este Orçamento é bom e não posso criticá-lo».

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, deseja responder já ou no fim?

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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Antunes da Silva.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): -Sr. Deputado Octávio Teixeira, ouvi, com a atenção que me merece, a sua intervenção e, por estranho que pareça, estou inteiramente de acordo com a passagem em que diz «que este Orçamento do Estado e as GOP são o retrato vivo da actuação deste Governo».
De facto, quando o Governo nos propõe um Orçamento que aposta no bem-estar das famílias, que aposta na modernização do País, que aposta na reforma da função pública, 6, sem dúvida, o retrato de um Governo que actua bem e por isso nos apresenta este documento.
O Sr. Deputado, entre outras coisas que, com certeza, serão objecto de outros pedidos de esclarecimento, insistiu em que o Governo apresenta um Orçamento que reflecte o aumento da carga fiscal e, de seguida, diz-nos, com toda a ligeireza, que 6 um Orçamento eleitoralista.
O Sr. Deputado sabe muito bem, ião bem como qualquer um de nós, que não há um agravamento da carga fiscal, porque se os valores resultantes da tributação fossem maiores teria de haver uma base de incidência muito maior e, por isso, não pode fazer a firmação de que há um agravamento da carga fiscal.
Mas, supondo, para efeitos de raciocínio, que havia uma carga fiscal, como 6 que o Sr. Deputado poderia, nessas circunstâncias, afirmar que este era um Orçamento eleitoralista?
Postas estas questões, perguntava ao Sr. Deputado se compreende ou não que caiu numa contradição ao afirmar, por um lado, que este e um Orçamento eleitoralista e, por outro, que há um agravamento da carga fiscal?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo: Sr. Deputado Octávio Teixeira, vou dizer-lhe que esperava um discurso bem mais crítico, um discurso diferente. É que o Sr. Deputado não fez nenhuma referencia ao desemprego, não fez nenhuma referência à evolução do investimento, não fez nenhuma referência ao crescimento económico e, uma vez que não nos deu a oportunidade de ouvir uma única palavra relativamente a estes três aspectos, pedia ao Sr. Deputado Octávio Teixeira o favor de o fazer quando me responder a este pedido de esclarecimento.
Conheço, porem, a razão para o não ter feito: é que estas três variáveis macro-económicas tem tido uma evolução excelente, e se é verdade que até há algum tempo a oposição podia repetir que a sua evolução era negativa, a partir de agora, se o fizesse, só perdia o resto da pouco credibilidade que ainda terá.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira falou também em rigor e transparência. Sr. Deputado, V. Ex.ª tem de arranjar outro argumento, porque nesse ninguém acredita!
Vou dizer-lhe o seguinte e o Sr. Deputado, depois, fará o favor de me contrariar, se puder: no ano em que o Sr. Prof. Cavaco Silva foi Ministro das Finanças cumpriu-se o défice orçamental; nos anos em que o Sr. Prof. Cavaco Silva é Primeiro-Ministro lambem se tem cumprido os defites do Orçamento do Estado. Tem sido, afinal, os governos do Sr. Prof. Cavaco Silva que tem regularizado as situações do passado. Já vamos em 600 milhões de contos! Como e que pode o Sr. Deputado Octávio Teixeira falar em falia de rigor e transparência? Eu só compreendo o seu discurso pelo mal-estar que a digestão de alguns «muros» e também de algumas entrevistas, porventura, lhe estão a causar!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado Carlos Encarnação, em resposta à primeira questão que me colocou, gostaria de lhe sugerir que, depois, num pequeno intervalo, V. Ex.ª e o Sr. Deputado Vieira de Castro resolvessem chegar a uma conclusão única sobre se eu critiquei de mais ou se não critiquei nada.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Uma divergência seria!

O Orador: - É um problema que os senhores têm de debater.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Desculpe-me, Sr. Deputado, mas não tenho tempo.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Gastarei do meu tempo.

O Orador: - Sr. Deputado, se for do seu tempo, certamente que permitirei que me interrompa. Não sei é se o Sr. Presidente o permite.

O Sr. Presidente: - As interrupções descontam no tempo do orador.

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Deputado Carlos Encarnação, mas V. Ex.ª compreenderá as razões por que não posso permitir.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eu retribuía-lhe, se me permitisse interrompo, Sr. Deputado.

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Encarnação acusa-me também de não dizer nada de novo e de fazer as mesmas críticas que fiz ao Orçamento passado. Eu diria, Sr. Deputado, quase de certeza absoluta, que as fiz também ao Orçamento de 1988 e de 1987, e isto por uma razão muito simples: e que os pecados e os sofismas dos Orçamentos apresentados pelo Governo são sempre os mesmos. Fundamentalmente, trata-se do tal problema do rigor, da transparência, porque aquilo que dizem não é aquilo que consta dos documentos, aquilo que apresentam como previsões e avaliações não são as efectivas e reais, Sr. Deputado Vieira de Castro!

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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): suplementares!

Ver Orçamentos

O Orador: - Sobre a questão da crise na equipa e na liderança do Ministério das Finanças, já esta manhã falámos sobre o assunto e julgo, Sr. Deputado, que o problema é indiscutível, pois e uma realidade a falta de credibilidade que a equipa do Ministério das Finanças tem neste momento perante o País; ela é clara, evidente e insofismável e, por conseguinte, nada mais temos a dizer!
Quanto ao problema da menor perspectiva de diferença de inflação, pede-me o Sr. Deputado Carlos Encarnação que apresente um governo que tenha errado menos. Estamos num ano, que ainda não chegou ao fim, em que essa diferença é quase de 100 %. Se considera isto pouco, então, Sr. Deputado, paciência...
Por outro lado -e este é um aspecto que considero fundamental-, como é que se pode admitir que um governo apresente, na elaboração do Orçamento, uma certa taxa de inflação e para tudo o resto apresente, em termos de previsão, uma taxa de inflação completamente diferente? Não pode! Não dá! Isto não joga! Há qualquer coisa que está mal, claramente!
Sobre o problema das receitas a menos, a questão essencial, Sr. Deputado, não e de receitas a menos ou a mais. O essencial é uma mais justa repartição da carga fiscal de acordo com os vários extractos da população, de acordo com os diferentes tipos de rendimento.
Sobre a última questão que me colocou, se eu afirmasse aqui aquilo que o Sr. Deputado Migrou, digo-lhe, com toda a sinceridade, que a minha honestidade intelectual seria totalmente violada.
Sr. Deputado Antunes da Silva, este Orçamento é, de facto, o retrato vivo do Governo e da sua prática, porque propagandeia uma coisa e apresenta outra completamento diferente. Esse e quo e o retrato do Governo!
O problema não é o de um Orçamento eleitorista, nem assim eu lhe chamei. O que disse - e isso pode ler - é que é este um Orçamento aproveitado com fins exclusivamente eleitoralistas, porque está de acordo com o tal retrato vivo do Governo de propagandear uma coisa quando a realidade é outra.
Já agora gostaria de dizer-lhe uma coisa em relação a essa questão das receitas fiscais. É que substituir a carga dos impostos directos pela carga dos impostos indirectos é uma forma de iludir e de tentar enganar a população, porque os impostos directos são sentidos mensalmente no bolso por qualquer elemento da população, mas a carga indirecta parece que são os preços que subiram, pura e simplesmente, sem ninguém se lembrar daquela parcela de fiscalidade. Aí, sim, há de facto um aspecto eleitoralista!
Finalmente, Sr. Deputado Vieira de Castro, o problema de ser ou não ser crítico terá de ser resolvido dentro da sua bancada. Apenas quero dizer-lhe uma coisa: se não pôs em causa nenhuma das críticas que fiz ao Orçamento e às GOPs do seu Governo é porque, de facto, o Sr. Deputado deve, em consciência, estar de acordo com as minhas críticas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A discussão do Orçamento do Estado c
das Grandes Opções do Plano representa o momento certo para uma análise global da política económica e financeira e para um debate sério e rigoroso das alternativas possíveis para a resolução dos grandes problemas nacionais.
O debate político na Europa democrática conduziu, basicamente, à afirmação de duas estratégias alternativas para a abordagem das grandes questões que hoje se põem às economias modernas: a primeira, com pendor predominantemente liberal, claramente protagonizada pelos partidos do centro-direita e da direita moderada; a segunda, com predomínio do pensamento social-democrata ou do socialismo democrático, assumida pelo grupo de partidos da Internacional Socialista, a que o PS se honra de pertencer; uma terceira visão possível, assente no colectivismo, está hoje completamente posta em causa.
Também em Portugal é possível caracterizar aquelas duas estratégias alternativas.
Não somos adeptos do liberalismo económico, mas reconhecemos que é possível apresentar perante o País uma solução liberal típica para os problemas da economia portuguesa, solução que, aliás, pareceria caber no espaço político e ideológico em que o actual Governo se insere.
Passo, agora, a caracterizar, sumariamente, essa possível solução. Em primeiro lugar, e para esta perspectiva, só ao mercado se pediria a solução para as deficiências estruturais do País. O Estado deve abster-se de intervenções correctoras e limitar ao mínimo a sua presença na economia, libertando os recursos para o investimento privado. Daí, em complemento, a defesa de um ritmo rápido no processo de privatizações.
Em segundo lugar, e uma vez que a taxa de inflação é superior ao dobro da média europeia e que a dívida pública tem já um peso muito expressivo, duas prioridades se impõem à política económica de curto prazo no quadro desta opção liberal: reduzir a inflação e as despesas públicas, visando uma drástica diminuição do défice orçamental, aliviando, com isso, a política monetária e a pressão sobre as taxas de juro que incidem sobre as actividades produtivas.
O combate à inflação poderia ainda recorrer à arma mais poderosa disponível para o efeito. Refiro-me, e não foi por acaso que o Sr. Deputado Nogueira de Brito hoje, aqui, levantou a questão com oportunidade, a uma eventual revalorização pontual do escudo, acompanhada, nesta perspectiva, de fortes restrições ao crescimento dos salários, tirando partido da folga existente ao nível das nossas contas externas e, em particular, do razoável aumento das exportações e desprezando, o que naturalmente nós não aconselhamos, os efeitos negativos da medida sobre a competitividade externa de alguns sectores.
Uma carga fiscal moderada e não progressiva completaria este quadro.
Uma política deste tipo, se existisse, não mereceria o nosso apoio, mas reconhecer-lhe-íamos clareza e consistência. E que teria ela a ver com o PSD e com este Governo? Aparentemente, tudo. Pois não disse o Sr. Ministro das Finanças, em 22 de Maio de 1986: «Em menos de três anos, nos finais de 1988, a inflação portuguesa estará pontualmente encostada à inflação média da Europa do mercado comum. Reafirmamos este objectivo fundamental.» E, por sua vez, o Sr. Primeiro-Ministro não afirmou, no recente debate da moção de censura: «Na verdade, ao escutar insistentes vozes do PS a reclamar aqui o que designam por estratégia de modernização, sentimo-nos transportar 20 ou 30 anos atrás»?

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À frente veremos se estas afirmações ainda têm ou não, hoje, algumas consequências práticas na acção do Governo.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para nós, socialistas, e em alternativa, o Orçamento do Estado para 1990 e as Grandes Opções deveriam respeitar uma restrição principal e responder a dois objectivos fundamentais.
Qual é para nós essa restrição? O peso, porventura, excessivo da dívida pública recomenda que as despesas do Estado não subam nos próximos anos a um ritmo superior ao do crescimento da riqueza nacional e que se limitem os défices orçamentais.
Reconhecemos, também aqui, gostosamente, a contribuição positiva que para isso poderá ser dada por um processo seguro e transparente de privatizações. Esta preocupação de rigor impede-nos, naturalmente, de reclamar sistematicamente mais despesas e menos receitas para o Estado. Tal seria fácil para um partido da oposição, mas tal não é aceitável para quem, como nós, quer a confiança dos Portugueses para voltar a governar Portugal.
Quais são, então, para nós, aqueles objectivos fundamentais? Os dois objectivos centrais a alcançar são, naturalmente, a redução possível das injustiças e desigualdades na sociedade portuguesa e um novo tipo de crescimento económico que permita a criação gradual de novas vantagens comparativas em que se baseia a competitividade externa da nossa economia, fazendo-a assentar cada vez mais na qualificação da mão-de-obra e na capacidade tecnológica do País.
Aceitaríamos, assim, conscientemente, que nos próximos anos, em contraste com a opção liberal, se sacrificasse deliberadamente a rapidez na integração económica e sobretudo monetária na Europa, à rapidez e qualidade do nosso crescimento. Não gostaríamos ainda que uma excessiva preocupação no combate à inflação pudesse comprometer o êxito a prazo do nosso desenvolvimento, embora repudiemos também o lascismo e o relativo descontrolo em que caímos nos últimos tempos.
Mas uma nova estratégia de desenvolvimento implica naturalmente o estabelecimento de uma rigorosa articulação (articulação que neste momento não existe) entre as políticas educativa, de formação profissional, de investimento público e de apoio ao investimento privado e de investigação científica e tecnológica, mobilizando também nessa direcção, de forma concentrada e coordenada, o essencial dos fundos comunitários.
Está, para nós, em causa a valorização integral do Homem, a criação de uma mão-de-obra qualificada e de uma verdadeira capacidade tecnológica nacional. Já aqui o afirmei e repito-o sem receio quantas vezes forem necessárias.
Não se trata naturalmente de uma estratégia imposta pelo Estado, nem inventada por qualquer sistema de planeamento burocrático e centralizado. Trata-se, sim, da criação de um amplo consenso, baseado num diálogo sério e profundo entre o Estado e os principais agentes económicos nacionais, e que permita que todos orientem os seus esforços e canalizem os seus recursos para uma mesma transformação do nosso actual modelo de especialização produtiva, tão arcaico e tão frágil. Já aqui afirmei, e repito, que há que apostar na criação de centros de excelência, ligados às tecnologias de ponta, quer na universidade, quer na investigação, quer na vida empresarial, em áreas como a microelectrónica e as tecnologias da informação, as biotecnologias, as novas energias e os novos materiais.
Mas há que apostar sobretudo na reconversão dos sectores tradicionais e na inovação em áreas de tecnologia intermédia desde que a procura mundial ofereça perspectivas de dinamismo sustentado, para as quais é relativamente mais fácil a nossa adaptação. Não ando longe de sugerir aquilo que foi possível com êxito na condução da economia japonesa nas últimas décadas, ressalvando naturalmente as necessárias distâncias e as evidentes diferenças.
Não ando longe também do que é hoje a clara tentativa de resposta que os países mais desenvolvidos do centro da Europa tentam agora formular face ao próprio desafio japonês.
O liberalismo provinciano de quem se limita a endeusar o mercado, sem perceber que o mercado só por si nunca fez mais do que agravar os desequilíbrios existentes, já só tem a defendê-lo, no quadro das Comunidades Europeias, a Sr.ª Margareth Thatcher e o Prof. Cavaco Silva. As consequências para o sistema produtivo britânico estão bem à vista. Em Portugal, felizmente, estamos a tempo de arrepiar caminho.

Aplausos do PS.

Tudo isto que disse, a ser lido em conta, teria consequências evidentes no Orçamento do Estado e nas Grandes Opções do Plano.
Não basta dizer que aumentam as verbas para a educação. É preciso saber mobilizar os professores e é preciso, sobretudo, que aquelas verbas se destinem a preparar os quadros para a mudança e não os quadros que reproduzem a estagnação. Veja-se só, a título de exemplo, como é hoje absurdamente baixa a nossa capacidade de formação de engenheiros em electrónica e telecomunicações.
É também preciso saber canalizar as dezenas de milhões de contos do Fundo Social Europeu para a educação e para cursos de formação profissional que realmente sirvam para alguma coisa. Também os apoios comunitários são preciosos de mais para que se desperdicem, ajudando a espalhar, com dinheiros públicos, fábricas de confecções de norte a sul do País, em condições de extrema precariedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não basta, porém, assegurar apenas o desenvolvimento, importa também garantir, com realismo, uma maior justiça e uma maior equidade.
Justiça e equidade desde logo no plano regional. É preciso descentralizar poderes, competências, serviços e recursos do Estado central para as regiões e para as autarquias. Já devia haver hoje regiões administrativas; já devia haver hoje orçamentos regionais e as finanças regionais e locais já hoje deviam representar uma percentagem significativa das finanças públicas.
Não é a oposição, é o Governo que só pensa no Terreiro do Paço, e é natural que assim seja com um Governo que, do Terreiro do Paço, nada deixa sair.
É preciso dar à província e ao interior novos poderes próprios de decisão, criando condições para que aí se fixem verdadeiras élites políticas e, com elas, élites económicas, sociais e culturais, para que aí se estabeleçam actividades produtivas modernas e com futuro. A não reforma administrativa e a não regionalização são talvez os mais graves falhanços políticos deste Governo.

Aplausos do PS.

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Mas é preciso que também haja mais justiça e equidade entre os cidadãos e isso tem tudo a ver com o Orçamento do Estado. Por isso, o nosso Orçamento, o Orçamento do PS, teria de assentar em dois princípios essenciais: no plano das receitas, na aplicação de um sistema fiscal minimamente justo e, portanto, profundamente diferente do actual; no plano das despesas, garantindo que as despesas sociais pudessem aumentar gradualmente em percentagem da despesa global e do produto interno, sem ampliar o défice, e assegurando com isso uma melhor satisfação das necessidades básicas, com relevo para a eliminação das bolsas de pobreza e das suas causas. O conjunto educação-saúde-segurança social-habitação merece-nos assim claramente uma maior prioridade relativa, prioridade essa que a conjuntura internacional favorável torna agora possível, ao contrário do que aconteceu sistematicamente, com uma ou outra excepção momentânea, desde 1973 a 1984.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Partindo de uma mesma análise das realidades, que creio objectivas, descrevi assim sinteticamente duas perspectivas ideológicas e políticas diferentes, cada uma delas com a sua lógica e coerência internas e a sua hierarquia própria de prioridades.
Exprimi naturalmente a minha preferencia, que é a preferencia do PS, mas merecem-me todo o respeito os que, com igual honestidade e coerência, exprimam a preferência contrária.
É a esta luz, ou, se quiserem, à luz destas duas concepções, que vos convido, Srs. Deputados, a pegar agora nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento do Estado para 1990 que o actual Governo aqui nos apresentou.
Ora, estes documentos não revelam nem a lógica nem a coerência interna de nenhuma das perspectivas que referi. As propostas do Governo acumulam apenas os inconvenientes de ambas, sem tirarem partido das vantagens e potencialidades de nenhuma delas. A política do Governo não corresponde a nenhuma ideia para o futuro do País, corresponde apenas a uma necessidade de sobrevivência para o PSD. É uma mistura cheia de contradições. Para o Governo não está em causa fazer Portugal ganhar o desafio europeu, está em causa a tentativa de fazer o PSD ganhar as eleições de 1991.

Aplausos do PS.

Senão, vejamos: o Orçamento e o Plano recusam qualquer estratégia de correcção estrutural para a economia portuguesa. As estratégias, por definição, só produzem efeito a médio prazo e 1991 está demasiado próximo. Nisto se alinha integralmente com a cartilha liberal. Deixa-se ao mercado a solução de todos os nossos problemas estruturais, até porque, quando tudo começar a correr mal, sempre se poderá dizer que a culpa foi do mercado! Só que, sem estratégia para o País, dificilmente haverá estratégias, por exemplo, para o próprio sistema educativo. Lá vamos também espatifar mais umas dezenas de milhões de contos do Fundo Social Europeu (mesmo assim, reconheço, é bom que continuem a vir, para que aumentem as reservas de divisas e melhore a situação de tesouraria de muitas empresas).

Vozes do PSD: -Ah!

O Orador: - Hoje, já estava a estranhar o vosso silêncio!

Risos do PS.

Lá vai o Sr. Ministro do Plano dar mais uns subsídios a torto e a direito para as indústrias de que o Sr. Ministro da Indústria não gosta. Lá continuará o Sr. Ministro da Indústria atrás do Sr. Ministro do Comércio para lhe roubar a paternidade de algum investimento estrangeiro verdadeiramente interessante para o País.
Mas, liberal quanto à estrutura, o Governo já o não é tanto face à conjuntura. O combate à inflação desapareceu corripletamente das prioridades da política económica, até porque, reconheçamos, não dá muito jeito na perspectiva de eleições, conter as despesas públicas ou fazer demasiada pressão sobre os salários.
Se tivermos sorte manter-se-á a tendência para a redução no ritmo da subida dos preços internacionais, o que atenuará os efeitos do pendor inflacionista dos governos do PSD sempre que se aproximam as eleições.
Mas qual é então o verdadeiro carácter deste Orçamento? Não é fácil dizer. Em primeiro lugar, porque os respectivos números não tem grande credibilidade. Haverá ainda alguém em Portugal que acredite no que diz o Dr. Miguel Cadilhe?

Vozes do PSD: - Muita gente!

O Orador: - Quando um governo confessa em Outubro deste ano que está a cobrar mais 91,3 milhões de contos de impostos do que tinha prometido no respectivo Orçamento, pouco valor tem agora os números que nos apresenta para 1990.

Aplausos do PS.

Em segundo lugar, o Orçamento e o respectivo relatório são uma obra acabada de mistificação para tornar possível uma gigantesca operação de marketing, sem base real. Dou-vos um exemplo, já evidenciado por um camarada meu. Sendo muito maiores, em 1989, as despesas e receitas efectivas do que as despesas e receitas inicialmente orçamentadas, o Governo, na sua propaganda, vai fazendo as suas comparações com uma estranha duplicidade de critérios. Quando quer provar que baixa os impostos, compara os impostos previstos para 1990 com os efectivamente cobrados em 1989. Mas se o objectivo é demonstrar que reduz o défice, então já os mesmos impostos previstos para 1990 são comparados com os que tinham sido previstos no Orçamento para 1989.

Risos e aplausos do PS.

Neste passe de mágica se eliminam os tais 91,3 milhões de contos.
Se se pretende evidenciar moderação no crescimento da despesa pública, compara-se a despesa prevista para 1990 com a efectivamente realizada em 1989. Se, pelo contrário, se quer apresentar um grande esforço na educação e na saúde, já a comparação é feita com a despesa prevista em 1989 e com outro passe de mágica se eliminam os 75 milhões de contos das despesas do orçamento rectificativo. Com esta desfaçatez, tudo é possível! O que é preciso é agradar a toda a gente ou fingir que se agrada a toda a gente, na esperança de não se ser descoberto até 1991.

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Mas por muito grande que seja a mistificação dos números, ela não ilude aquela que é para nós a razão central de rejeição deste Orçamento. É que, num quadro favorável, são agravadas as injustiças e desigualdades e comprometem-se os já difíceis consensos sociais indispensáveis ao desenvolvimento.
É iniludível que o peso das despesas sociais, no seu conjunto, suportadas pelo Estado, quando comparadas com a riqueza nacional, continua a diminuir. Vai assim continuar a degradar-se, por exemplo, a situação na saúde. Os problemas da habitação, que enfrenta ainda para mais o encarecimento do crédito e o aumento especulativo dos preços nos terrenos urbanos, vão tornar-se ainda mais graves.
E se alguma expectativa dos Portugueses foi completamente frustrada por este Governo, foi-o no acesso à habitação condigna. Que o digam os jovens que procuram, hoje, alugar ou comprar casa e não o conseguem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É, porém, sobretudo no plano das receitas que se torna particularmente escandaloso o carácter imoral, iníquo mesmo, do Orçamento, porque iníqua foi a reforma fiscal em que assenta.
O Partido Socialista não se conforma com um sistema fiscal em que o contribuinte está indefeso face ao arbítrio da Administração.

O Sr. Gameiro dos Santos (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista não aceita um IRS que faz cair quase todo o peso da fiscalidade directa sobre os rendimentos do trabalho e sobre os depósitos a prazo e títulos similares, e é bom lembrar que estes depósitos a prazo, na maior parte dos casos, correspondem à poupança acumulada por aqueles que trabalham.
Que sentido tem obrigar um neurocirurgião a dar ao Estado 40 % do que recebe durante um ano, fruto de um trabalho esgotante, altamente especializado e exigente, se um especulador que tenha ganho vários milhões de contos na Bolsa não paga nada ou, no máximo, pagará 10 %?

Aplausos do PS e do deputado independente João Corregedor da Fonseca.

Como podemos aceitar um IRS e um IRC que, no seu conjunto, penalizam a distribuição dos dividendos resultantes da actividade das empresas, mas favorecem a especulação financeira dos que se limitam a comprar e a vender quilos de papel. É assim que queremos promover uma bolsa sólida e credível?
Como podemos aceitar uma lei da sisa que é um permanente convite à fraude? Como podemos aceitar um imposto sucessório que se transformou numa verdadeira ficção e numa armadilha para os incautos, que passa à margem da transmissão de todas as grandes fortunas, mas que apanha com taxas proibitivas os pequenos patrimónios urbanos ou rurais, sobretudo nos sítios onde as direcções de Finanças já promoveram as respectivas reavaliações, ou que expropria, de forma implacável, as contas bancárias dos que não tiveram a esperteza de as pôr em comum ou se esqueceram de assinar cheques em branco?
Como é possível que um filho que herda de um pai um andar médio de habitação em Lisboa tenha de dar ao Estado 31 % do respectivo valor, ou 42 % na situação inversa, enquanto nada paga quem herdar milhões de contos em acções, mesmo que seja de um primo afastado?

Aplausos do PS.

A nossa rejeição de tudo quanto descrevi, do que é verdadeiramente iníquo, do que é apenas injusto, ou até do que é tão-só completamento idiota, levou-nos, aliás, a que, neste domínio central para o futuro do País e para o bem-estar de todos nós, o Partido Socialista tenha apresentado uma proposta global de reforma fiscal.
Por isso entregámos na Mesa da Assembleia da República três projectos de lei: o primeiro, que assegura os direitos e garantias de defesa do contribuinte face à administração dos impostos; o segundo, que reforma profundamente o IRS e o IRC, repondo a justiça fiscal e criando um imposto verdadeiramente único sobre os rendimentos pessoais, por forma que um efectivo alargamento na tributação dos que mais podem permita um efectivo desagravameno dos rendimentos do trabalho e das classes médias; finalmente o terceiro, sobre a sisa e o imposto sobre as sucessões e doações, limitando drasticamente as possibilidades de fraude, repondo a equidade e permitindo também, com o alargamento da base sobre que incidem os impostos, reduzir drasticamente as respectivas taxas.
Temos consciência do carácter complexo e sensível destas matérias. Por isso mesmo, e para além de algumas precauções que tomámos nos próprios textos legais, para acudir, por exemplo, a uma eventual e inesperada redução de receitas, estamos disponíveis para um diálogo sério, profundo e, se necessário, demorado com o Governo e com todos os partidos representados nesta Câmara. Da mesma maneira que queremos discutir com todos como conter os exageros na evolução dos leques salariais e como conceber medidas, necessariamente inovadoras, para que, sem pôr em causa a capacidade da economia gerar poupança, se possa evitar a contínua diminuição do peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional, diminuição que será irreversível se nada se fizer.
Como queremos discutir com todos formas razoáveis de legislação que impeçam os abusos de compra de terras por estrangeiros, as pressões excessivas sobre os bens imobiliários, bem como a transferência de centros de decisão económica, fundamentais para o exterior, por venda das melhores empresas portuguesas.
Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro das Finanças: Desçam do pedestal da vossa auto-suficiência, que é inútil e não tem fundamento. Venham discutir, com seriedade e empenho, tudo isto connosco. O País só terá a ganhar com isso.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Montalvão Machado, Duarte Lima e Silva Marques, o Sr. Secretário de Estado do Tesouro e ainda os Srs. Deputados Basílio Horta, Rui Macheie e Pedro Pinto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado António Guterres: Foi com um merecido interesse que aguardei a sua intervenção. Mas confesso - e confesso-o muito lealmente - que me senti algo defraudado quando V. Ex.ª terminou. V. Ex.ª optou

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por minorizar um sector do Orçamento e por majorar uma, pelo menos discutível, política económico-financeira, à mistura com umas alfinetadas com um fim eleitoralista e umas não menos alfinetadas com o objectivo de fazer que os ministros se guerreiem uns aos outros.
É claro que eu esperava do Sr. Deputado António Guterres, líder incontestado de uma bancada que tem responsabilidades na vida democrática portuguesa, uma intervenção algo diferente. Esperava que o Sr. Deputado pelo menos se lembrasse de que estamos aqui a discutir as Grandes Opções do Plano e um Orçamento do Estado para um ano que se aproxima. Mas o Sr. Deputado quase que esqueceu isso. Não teve sequer, dentro da lealdade de princípios que lhe conheço, uma palavra de reconhecimento de algo de bom na política do Governo. E eu permitia-me, pelo menos, Sr. Deputado, lembrar-lhe o seguinte: nos tempos dos Governos PS e PS/PSD e PS/CDS, etc., as propostas do Orçamento do Estado corriam sempre muito mal. Eram apresentadas tardiamente, violando sistematicamente o prazo legal. Nesses tempos, com uma dívida pública oculta enorme, onde estava a verdade, a transparência e a disciplina orçamental?
Então, ano a ano, iam sendo apresentadas alterações orçamentais para correcção das chamadas derrapagens do défice; sistematicamente faziam-se mais despesas do que as previstas e também sistematicamente cobravam-se muito menos receitas do que as orçamentadas. Perante estas verdades, não seria legítimo que o Sr. Deputado António Guterres tivesse aqui reconhecido que este Governo não comete erros dessa monta, que este Governo cumpre com os prazos, com transparência e com claridade? Não seria de esperar da sua lealdade reconhecer que, pelo menos nestes aspectos, o PS não tem o direito moral de fazer críticas?
Sei, porventura, aquilo que o Sr. Deputado me vai responder; adivinho, porventura, que o Sr. Deputado vai dizer que, nalguns desses governos do pretérito, também nós estivemos. Mas, a esse respeito, quero também dizer-lhe que nós, sociais-democratas portugueses, reconhecemos os nossos erros, sabemos reconhecer os nossos erros, não nos envergonhamos em nada do nosso passado e, mais do que isso, nunca por nunca fazemos que outros paguem aquilo que por nós apenas seja devido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª deseja responder já ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. António Guterres (PS): - Atendendo a que o Sr. Deputado Montalvão Machado, meu ilustre amigo, é o líder parlamentar da oposição,...

Vozes do PSD: - Mais devagar!

O Orador: - ... perdão, da bancada do Governo, não queria misturar...

Vozes do PSD: - Não antecipe os próximos 10 anos!

O Orador: - Lá virá o tempo!
Como dizia, atendendo a que o Sr. Deputado Montalvão Machado é o líder parlamentar da bancada do Governo, não queria misturar esta intervenção com as próximas. Por isso, gostaria de responder desde já.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Montalvão Machado, o essencial da sua intervenção pode resumir-se da seguinte forma: o PSD reconhece os seus erros, congratulo-me com isso; este Governo tem mérito por cumprir os prazos, não o nego.
Porém, o que não posso é considerar que isso seja defesa suficiente para este Orçamento e Plano, porque todas as críticas que fiz ficam em cima da mesa. Mais, não basta dizer que outros governos não cumpriram prazos, porque, como sabe, esses governos até os cumpriram nos anos em que não havia instabilidade governamental. Não os cumpriram quando, de facto, os governos caíam, e este tem o apoio de uma bancada maioritária, aliás, muito disciplinada, que é a sua.

Vozes do PSD: - Diz bem!

O Orador: - Quanto aos erros de elaboração desses Orçamentos, remeto-o, Sr. Dr. Montalvão Machado e meu querido amigo, para o Dr. Alípio Dias, porque foi dele a responsabilidade da elaboração de todos os Orçamentos nos anos 80, antes do presente Governo.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, secretário-geral do Partido Socialista, espero que não considere a minha observação impertinente, visto eu levar a sério as vossas posições políticas. Os senhores já fizeram que uma sessão parlamentar se não iniciasse por, naquele preciso momento, não se encontrar presente o Sr. Primeiro-Ministro, invocando, com alguma legitimidade formal, o argumento de que estando presente o líder principal da oposição, o Sr. Primeiro-Ministro tinha a obrigação de também estar. Sendo certo que os senhores são homens sérios e que o vosso secretário-geral não está presente, estando o Sr. Primeiro-Ministro, tenho de concluir que o senhor é o secretário-geral.

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado António Guterres, sei que na sua mente não está, de forma alguma - longe disso! -, a imagem de vir a ser secretário-geral do PS, mas acentuei este ponto para vos lembrar e, se mo permitem, apelar para que não se entreguem, como partido democrático que são, que ainda são - presumo eu-, a um discurso ético estritamente reduzido a um desenfreado verbalismo sem consequências práticas, sob pena de se colocarem no ridículo e não poderem ser levados a sério.

Aplausos do PSD e risos do PS.

Vozes do PS: - Olha quem fala!

O Orador: - Mas posta de lado esta questão, que não é menor, Sr. Deputado António Guterres, sob pena de considerarmos que, afinal, as nossas formas institucionais não têm preço - portanto, não é uma questão menor -, devo dizer-lhe que a sua dissertação sobre as ideologias e os modelos programáticos, que há pouco fez, mesmo do ponto de vista académico, está bastante ultrapassada. De qualquer modo, para além de estar ultrapassada mesmo no plano académico...

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O Sr. José Lello (PS): -Porquê?!

O Orador: - Porquê? Porque o Sr. Deputado José Lello não tem seguido a doutrina dos últimos anos...

Risos do PSD e do CDS.

... em matéria de correntes políticas, e por isso aconselho-o a uma rápida consulta aos livros,...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Samuelson!

O Orador: -... do seu colega Carlos Laje, que costuma trazer bons e actualizados livros, de que me tenho servido, aliás já os invoquei numa intervenção.
Mas, Sr. Deputado António Guterres, o senhor leve dificuldade em classificar este governo e de facto ele não é classificável, do ponto de vista dos esquemas arcaicos...

Risos do PS.

... de que o senhor se serviu.
Dir-lhe-ei que este 6 um Governo que se tem orientado firmemente por um valor de solidariedade social, de modernização, e por aquilo a que eu chamaria de gradualismo.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - É o que se tem visto!

O Orador: - Isto é, perante graves situações com que o país se defronta, eu diria mesmo de que o País enferma, o Governo tem actuado com gradualismo. Penso que está bem, que está correcto, porque muitas das enfermidades do nosso país, vindas em consequência de doenças antigas, algumas intensificadas no pós 25 de Abril, corriam o risco de morrer de cura excessivamente rápida. Permito-me dar-lhe um exemplo flagrante - e espero que o senhor tenha a suficiente sensibilidade para compreender que este exemplo reflecte uma problemática muito geral: o Partido Socialista tem uma grave e volumosa dívida à Segurança Social.

Vozes do PSD: - É verdade!

Risos do PS.

O Orador: - Riam-se, Srs. Deputados, riam-se! Os senhores começaram por rir com a referência ao secretário-geral, afinal de contas com o rigor e a dignificação das instituições e do sistema de governo que temos,...

Vozes do PS: -E a dívida do Freitas do Amaral!?

O Orador: - .... e agora continuam a rir. É pena que o vosso riso não constitua receita, porque senão os senhores estavam milionários.

Aplausos do PSD.

Pergunto-lhe, Sr. Deputado António Guterres: pensa ou não o PS pagar a sua dívida à Segurança Social? Presumo que V. Ex.ª esteja a par da dívida do PS à Segurança Social, que é um acto particularmente grave, porque, primeiro, constitui um financiamento abusivo, uma situação de injustiça relativamente aos partidos que pagam...

Vozes do PS: -E a dívida do Freitas do Amaral!?

O Orador: - Concretamente, o CDS tem uma dívida insignificante...

Risos do PSD e do CDS.

... são 26 contos, que rapidamente o Sr. Deputado Narana Coissoró pagará com o aumento acabado de receber pelos deputados.

Risos do PSD e do CDS.

Mas o PS tenciona pagar a sua dívida à Segurança Social, primeiro, em nome da disciplina financeira do País; segundo, ou se quiser em primeiro, em nome da eliminação das bolsas de pobreza; em terceiro, ou se quiserem em primeiro lugar, em nome do exemplo que deve ser dado, a começar pelos próprios partidos? O Sr. Deputado referiu-se a tudo isto!
O Sr. Deputado tenciona pagar? Pergunto-me, inclusivamente, se o Sr. Deputado sabe que o seu partido deve, porque um dos motivos de demissão do ex-deputado Vítor Constâncio foi exactamente o problema de se sentir impossibilitado de pagar as dívidas do seu partido à Segurança Social, o que politicamente foi correcto. Por isso, só admito que o Sr. Deputado tenha as posições que tem desconhecendo a dívida do seu partido, mas se isso é verdade ofereço-me para, nesta mesma sessão, lha revelar.

Aplausos do PSD.

Uma voz do PS: - Tem de nos dizer como é que o PSD paga. Onde é que vai buscar o dinheiro!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, há ainda outros pedidos de esclarecimento. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Guterres (PS):- No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Tesouro.

O Sr. Secretário de Estado do Tesouro (Tavares da Silva): - Sr. Deputado António Guterres, ouvi com grande atenção a sua intervenção, que, à primeira vista, é atraente, mas que, e lamento dizer-lho, eslava eivada de imprecisões, omissões e mesmo erros que não esperaria do seu espírito rigoroso de engenheiro.

Risos.

Por isso, dar-lhe-ei a oportunidade, com estas minhas questões, de corrigir alguns dos erros e de colmatar algumas das omissões que cometeu ao longo do seu discurso.
Começando pela área social, que tão cara é ao Sr. Deputado, devo dizer que se esqueceu de dizer, ou talvez o queira fazer a seguir, por exemplo, qual foi o período na economia portuguesa em que as pensões subiram tanto como nos últimos anos; qual foi o período em que o emprego subiu mais; quando é que os salários reais subiram mais.

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Já que falou em habitações, talvez pudesse comparar o seu nível de construção e até mesmo de crédito, se quiser, dos últimos três anos com o que se verificava nos anos anteriores.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Vamos analisar os pedidos de crédito de 1989!

O Orador: - Talvez nos queira falar da evolução da situação na península de Setúbal. Talvez nos queira falar, a propósito de justiça fiscal, e tal como já salientou o Sr. Ministro das Finanças, de manhã, da actualização de escalões do imposto profissional e complementar quando a inflação era bem maior do que é hoje, e do que se passa actualmente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A propósito da receita fiscal e dos erros das previsões de que falou, V. Ex.ª confunde, também, o erro de previsão devido a variáveis exógenas - instrumentos, se quisermos - com o erro de previsão ou desvio de previsão relativo a variáveis endógenas. Dir-lhe-ei, desde já, e sabe isto certamente, embora não o tivesse querido dizer, que uma maior receita fiscal, em valor absoluto, não é sinónimo, de modo algum, de uma maior carga fiscal. Por exemplo, no caso da tributação indirecta, bastará que o consumo privado seja maior - e este é certamente um bom sinal para as famílias -, bastará que a inflação seja um pouco maior para que a receita fiscal dos impostos indirectos seja superior sem que, por isso, a carga fiscal seja maior.
Do mesmo modo, no caso dos impostos directos, como sabe, uma maior receita fiscal pode ver-se num maior rendimento disponível ou, simplesmente, numa redução da evasão fiscal.
Aliás, a propósito desta questão, de uma maior carga fiscal nos impostos directos, referirei, muito rapidamente, uma história que hoje de manhã me contaram. Os trabalhadores de uma empresa, que não vale a pena identificar, mas que é muito conhecida, afirmavam que tinham, de facto, uma maior carga fiscal este ano. Isto chegou aos ouvidos do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que se dispôs a colocar à porta dessa empresa uma carrinha para que todos os trabalhadores pudessem fazer as suas contas. A carrinha não teve clientes porque os trabalhadores diziam simplesmente: «De facto, se anteriormente pagássemos imposto complementar pagaríamos menos agora, mas como não havia retenção na fonte não éramos obrigados a declarar tudo. Por isso, não pagávamos.»

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Está a contar histórias para crianças!

O Orador: - Um outro aspecto atractivo no discurso do Sr. Deputado, que gosto muito de ouvir, é a questão da política estrutural e da correcção estrutural.
Tanto o Sr. Deputado como o seu partido tem dito várias vezes que o Governo não tem políticas estruturais. Não fala, por exemplo, das reformas do sistema financeiro, que implicam mudanças estruturais de maior profundidade; não fala da própria evolução do défice do sector público; não fala das empresas públicas. E, já agora, devolvo-lhe a pergunta: como se fazem essas políticas estruturais? Isto é, se o Partido Socialista fosse governo, que tipo de intervenção e de política tinha para conseguir essa correcção estrutural da economia de que fala? É que temos lido várias vezes esta discussão, noutros fóruns, e a resposta é, aliás, extremamente difícil.
Finalmente e para terminar, há bem pouco tempo atrás, aquando da discussão da moção de censura, o Sr. Deputado António Guterres teve a isenção intelectual de referir uma série de elementos positivos da evolução económica nos últimos quatro anos, o que, aliás, mereceu fartos aplausos da Câmara, designadamente da bancada do Partido Social-Democrata. Algum tempo depois, não sei bem precisar quantos dias depois, mas poucos certamente, o Sr. Deputado António Guterres não encontra qualquer factor positivo na evolução da economia portuguesa.
Pergunto: o que é que o fez mudar, em tão pouco tempo, de opinião? Ter-se-á esquecido? Foi lapso, omissão? O que é que o fez mudar?

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Deputado António Guterres, é evidente que vou cometer duas deselegâncias com V. Ex.ª Primeiro, não vou, obviamente, questioná-lo sobre as dívidas do seu partido à Segurança Social. Só uma grande deselegância poderia justificar uma posição dessas.

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Há pouco penso ter ouvido um deputado do PSD, o Sr. Deputado Silva Marques, que se referia ao meu partido dizendo que devia 25 contos à Previdência. Suponho que foi isso...

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Vinte e seis!

O Orador: - Ou 26, sim.
Queria dizer-lhe, e aproveito já agora para esclarecer também a sua bancada, que esses 26 contos de dívida são seguramente mais fáceis de explicar perante esta Câmara e perante o País, do que as receitas do partido do Sr. Deputado Silva Marques.

Vozes do PS: - Muito bem!

Aplausos do PS de pé.

O Orador: - O segundo aspecto tem a ver com outra deselegância, que não faria também ao Sr. Deputado, que é falar permanentemente no passado e das comparações sistemáticas com o passado, dando a entender que antes de S. Ex.ª o Primeiro-Ministro ser Primeiro-Ministro não havia passado, havia só passivo,...

Risos do PS.

... e passivo que era distribuído por todos, nem sequer escapando os próprios colegas de partido do Sr. Primeiro-Ministro. Imagino como deve estar embaraçado o Sr. Deputado Rui Macheie, que foi vice-primeiro ministro no governo do bloco central, e outras pessoas que se sentam na bancada do PSD e no Governo até! Com que incómodo devem estar permanentemente a ouvir estas críticas, algumas com fundamento eventualmente, mas

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outras sem o mais pequeno fundamento, porque só quem não viveu os tempos conturbados de 1975. 1976 e 1977 é que pode fazer críticas desta natureza.

Aplausos do PS.

Concretamente, Sr. Deputado António Guterres, em relação à sua intervenção propriamente dita, queria perguntar a V. Ex.ª o seguinte: penso que V. Ex.ª teve uma preocupação de separação de águas entre sociais-democratas, mas não explicou correctamente a crítica que faz ao Governo, se é por ser social-democrata de menos ou liberal de mais. A não ser que o Sr. Deputado Silva Marques tenha razão quando diz que o Governo não tem qualificação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não tem!

O Orador:- Não tem qualificação - foram as suas palavras!
É que é capaz de estar aí o grande problema, porque se V. Ex.ª critica o Governo por ser liberal, tenho de perguntar a V. Ex.a, muito concretamente, se considera que é liberal um governo que reprivatiza desta forma, reprivatiza a 49 %, reprivatiza tarde e a más horas, não coloca a questão da revisão constitucional como a primeira prioridade, deixa-se estar e, consequentemente, depois de o muro de Berlim (para usar um slogan muito utilizado) já estar derrubado, ainda só temos meia dúzia de empresas reprivatizadas, e com os 150 milhões de contos orçamentados nem sabemos quantas mais vamos ter!

Risos do PS.

Também queria perguntar-lhe se é um governo liberal um governo que tem esta política fiscal, uma política fiscal que sobrecarregou, durante o ano passado, de forma injustificada, os Portugueses com 92 milhões de contos de receitas a mais, que estavam subestimadas, e quando dizíamos que a carga fiscal ia aumentar dizia que não. Pois está à vista, obviamente que aumentou para que agora alguns brilharetes se possam fazer. Se considera isso uma política liberal...
Depois, este é um governo que se malquista com todas as profissões liberais. Não há uma profissão liberal que se reveja neste Governo, que se reveja na tutela. Pensa que isso 6 próprio de um governo liberal, de um governo que se arroga do liberalismo?
Este é um governo que não tem a reforma administrativa como a sua primeira prioridade, como é próprio dos governos liberais, bem como a diminuição da carga do Estado.
Em termos de Grande Opções, este é um governo que tem uma visão estreita da descentralização. Tem medo da regionalização, regionaliza mal, não sabe bem como é que vai fazer, continua a ter interlocutores que não são os representantes das verdadeiras regiões, enfim, não tem a regionalização como uma primeira prioridade, como é próprio dos governos liberais.
Finalmente, em termos de política geral, este Governo tem um deficiente entendimento do papel de oposição. Relaciona-se mal com o Parlamento, ao contrário obviamente, do que acontece com os governos liberais.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - V. Ex.ª considera ainda que este Governo é liberal?!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Enquanto o Sr. Deputado Basílio Horta pedia esclarecimentos, solicitaram a palavra à Mesa os Srs. Deputados Silva Marques e Montalvão Machado, e eu desejava saber para que efeito, num caso e noutro.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, solicitei a palavra para defesa da honra da minha bancada e explico já porquê. O Sr. Deputado Basílio Horta fez uma insinuação grave ao meu partido no que respeita ao recebimento de financiamentos.

O Sr. Presidente: - Só um momento. Sr. Deputado Silva Marques, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para defesa da consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Podia identificar, se faz favor?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Basílio Horta dirigiu-me diversos adjectivos personalizados...

Protestos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS):- É contra o Regimento!

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Quais adjectivos?

O Orador: - Sr. Deputado, não quero qualificar os seus adjectivos.
Sr. Presidente, o que posso dizer é que pretendo usar da palavra para defesa da consideração pessoal em consequência dos adjectivos que o Sr. Deputado me dirigiu.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Basílio Horta, na sua intervenção, afirmou aqui perante todos nós, o mesmo é dizer que perante o País, que os 26 contos que eventualmente o seu partido deve à Segurança Social (não sei se deve ou se não deve, parece que deve)...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não, o Sr. Deputado Silva Marques é que disse que devíamos!

O Orador: -... era uma questão mais fácil de explicar do que aquilo que o meu partido recebia ou aquilo que era o financiamento do PSD.
É claro que atirar isto para o ar 6 grave. Mas é mais grave ainda fazê-lo aqui sem qualquer espécie de fundamentação ou de explicação. Por conseguinte, Sr. Deputado, desafio-o a que diga aqui perante todos onde é que está a ilegitimidade daquilo que o meu partido recebe, onde é que está a ilegalidade das quantias que são recebidas pelo meu partido,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Isto agora é prática corrente!

O Orador: -... onde é que está efectivamente a irresponsabilidade daquilo que recebemos.
Se o Sr. Deputado tem conhecimento que este partido recebe um tostão que seja a mais do que lhe é devido, diga-o aqui na frente de toda a gente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não falei em financiamentos ao PSD, quem falou...

Vozes do PSD: - Falou, falou! Então falou em quo?

O Orador: - Repito, não falei em financiamentos ao PSD, falei em receitas do PSD. Não falei em financiamentos, financiamentos; foi o Sr. Líder do Grupo Parlamentar do PSD que os referiu, não fui eu.
Em segundo lugar, quem falou nesta Assembleia naquilo que deve ser a intimidade dos partidos, que não interessa rigorosamente nada ao Orçamento do Estado, quem falou, para amesquinhar o meu partido nesse domínio, em dívidas à Segurança Social, quem entrou nesse domínio não fui eu, foi o seu partido. Não fui eu, foi o Sr. Deputado Silva Marques, que veio aqui trazer em plena discussão do Orçamento do Estado a questão das dívidas dos partidos à Segurança Social, o que não tem rigorosamente nada a ver uma coisa com a outra, tem apenas por objectivo, obviamente, colocar nesta Assembleia e perante o País aspectos perfeitamente marginais em relação a essa questão.
O que disse ao Sr. Deputado António Guterres e agora tenho muito gosto em o repelir a V. Ex.ª, Sr. Deputado Montalvão Machado, é que a nossa explicação da dívida dos 26 contos é perfeitamente fácil de dar, se V. Ex.ª entender pedi-la formalmente, não a deixando apenas insinuada, como deixou o deputado da sua bancada...

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Não pedi nada disso!

O Orador: - Quer-me interromper, faça favor.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muito obrigado por me permitir interrompê-lo.
Sr. Deputado, desculpe, mas não lhe pedi, de maneira nenhuma, que me explicasse a sua dívida dos 26 contos. Nada disso! Não lhe perguntei nada sobre isso! Só lhe pedi para o Sr. Deputado dizer aqui, na frente de todos, se aquilo que o meu partido recebe, chame-lhe financiamentos ou receitas,...

O Orador: - Já lá vou, Sr. Deputado. Ainda não acabei!

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - ... e ilegítimo ou é ilegal. É disso que fico à espera.

O Orador: - Ainda não acabei, já vou explicar isso. Mas, entretanto, Sr. Deputado, aproveitando a sua interrupção, dou-lhe tempo para o Sr. Deputado me responder a propósito de que ó que a sua bancada e o seu partido falou na dívida do meu partido à Segurança Social. Explique-me, se faz favor porquê e a propósito de quê!

Protestos do PSD.

Quer explicar porquê ou não quer?

Protestos do PSD.

O que disse e repito, e digo-o ao Sr. Deputado e à sua bancada, é que se quiser discutir nesta Assembleia este aspecto, temos o maior gosto em explicar as nossa dívida de 26 contos, e seguramente uma dívida de 26 contos é muito mais fácil de explicar - foi isso que disse - do que receitas tão vultosas que permitem, isso é público, do vosso orçamento, fazer investimentos na ordem das centenas de milhares de contos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - A sede do PSD foi bem paga!

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Muito bem! Protestos do PSD.

O Orador: - Isso 6 muito simples, muito claro e muito transparente. Não fiz...

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Se V. Ex.ª quer abrir um debate sobre a intimidade da vida dos partidos nesse domínio - e do meu ponto de vista não temos nada a esconder sobre isso, nada! -, o que disse, e repito, 6 que deve ser mais fácil explicar uma dívida de 26 contos do que receitas no valor... V. Ex.ª quer dizer quais são as receitas globais do seu partido, já agora?!
Entretanto, assumiu a presidência o vice-presidente Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Basílio Horta e Sr. Deputado Montalvão Machado, neste momento o Sr. Deputado Basílio Horta não pode dar tempo porque já ultrapassou aquele de que o CDS dispunha para dar explicações, pelo que estamos a desrespeitar os tempos regimentais.
Sr. Deputado Basílio Horta, solicitava-lhe que terminasse rapidamente.

O Orador: - Da nossa parle, há total abertura para esclarecer iodos os assuntos que a bancada do PSD entenda levantar perante o meu partido. Só que aí pedimos, e até podemos mesmo exigir, o direito da reciprocidade. Nós explicamos, mas VV. Ex.ª também explicam! Nós explicamos 26 contos de dívidas à Segurança Social, VV. Ex.as explicam as vossas receitas! Ninguém acusa ninguém, vamos então explicar ambas as coisas.

Aplausos do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Nos termos regimentais, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, para defesa da consideração.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Basílio Horta, VV. Ex.as são muito fortes quando ficam com as palavras, porque quando são confrontados com os factos VV. Ex.as caem, e não diria que caem muito baixo porque não desejaria que essa minha expressão fosse entendida num sentido de menos apreço por VV. Ex.as, mas caem.
Repare como caem: o Sr. Deputado, ainda há pouco, desafiou o Governo e a maioria a discutirmos aqui, sem cerimónias, as pressões e os abusos, de forma concreta; bastou que citássemos de forma concreta um abuso para que VV. Ex.as caíssem, e de que forma, estatelando-se!
Sr. Deputado Basílio Horta, não é pertinente abordar a questão!? Como assim? Não estamos a discutir o Orçamento do Estado? O Orçamento do Estado não financia o orçamento da Segurança Social? E quem financia o orçamento da Segurança Social se não todos aqueles que pagam as suas contribuições?

Aplausos do PSD.

E quem se autofinancia de forma abusiva, escandalosamente abusiva, se não aqueles que não pagam as suas contribuições? E sobretudo quão escandaloso não é quando aqueles que não pagam são aqueles que exigem aos outros que paguem!

Risos do CDS.

Porque é muito fácil, Srs. Deputados da oposição, governar com o dinheiro dos outros, governar com o dinheiro daqueles que pagam! O Sr. Deputado sabe muito bem que hoje toda a sociedade civil, as empresas privadas, as empresas públicas e as empresas cooperativas estão obrigadas a ter em dia as suas contribuições para a Segurança Social, sob pena de não poderem receber qualquer subvenção da parle do Estado ou mesmo celebrar qualquer contrato. Os únicos que hoje estão excepcionados dessa obrigação saneadora são os partidos políticos, e o que eu podia esperar da vossa parte era que houvesse ao menos um pouco de sobriedade na vossa compostura política, para já não dizer esta declaração: «Hoje, aqui mesmo, declaramos que vamos pôr em dia as nossas dívidas à Segurança Social.»
Mas, em vez disso, o que VV. Ex.as fazem, com a vossa atitude, é dar um mau exemplo de manter a indisciplina nas finanças públicas e nas diversas instituições do Estado. A vossa atitude é a negação daquilo que se poderia esperar de partidos que, seriamente, reclamam a disciplina das finanças públicas.
Sr. Deputado Basílio Horta, repare que a questão é tão grave que não é só o Partido Socialista a ter uma grande dívida para com a Segurança Social, mas que o mesmo se passa com o próprio Partido Comunista.
Assim, quando se fala do Orçamento do Estado e da Segurança Social e, sobretudo, quando tanto os partidos da oposição como nós próprios apelamos à disciplina das finanças públicas, não tenho a menor relutância, política ou moral, em falar claro e dizer que os partidos políticos deveriam ser os primeiros a pôr em dia as suas dívidas à Segurança Social, em vez de estarem à espera de que os contribuintes paguem mais para assim se podem continuar a sustentar esses buracos orçamentais.
O próprio Sr. Deputado Guterres disse que deveria haver uma contenção dos défices...

O Sr. António Guterres (PS): -Já vou explicar isso!

O Orador: - Mas como é possível haver contenção se não 6 feito o saneamento dessas dívidas à Segurança Social? Os senhores mesmos é que deviam ser os primeiros a tomar essa iniciativa.
Ao não o fazerem, os senhores colocam-se numa posição política incorrecta, diria mesmo que, no plano do rigor político, a vossa é uma posição de hipocrisia.
Protesto quanto a essa posição e digo-o sem cerimónias! Mais: não tenho a menor dúvida em dizer quanto recebe o meu partido.
Proporcionalmente aos votos obtidos nas últimas eleições legislativas, o meu partido recebe 361000 contos por ano; o Partido Socialista recebe 168000 contos; o Partido Comunista Português, 85 000; o Partido Renovador Democrático, 37000; o CDS, 33000 e o Partido Ecologista Os Verdes recebe 5000 contos,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Devo dizer que esta é uma lei que nem sequer foi aprovada pelo meu partido, mas, segundo penso, foi aprovada, há muitos anos, com os votos do Partido Socialista e do Partido Comunista.
Assim, os senhores não tem a menor autoridade moral para a tomada de posição que acabaram de ter. Pelo contrário, os senhores deveriam ser os primeiros a dar o exemplo, afirmando que vão pagar as vossas dívidas. E, entretanto, os senhores estão é à espera de que os contribuintes paguem à Segurança Social as suas dívidas enquanto os senhores não as querem pagar...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, já excedeu largamente o seu tempo, pelo que, se não terminar rapidamente, serei obrigado a retirar-lhe a palavra.

O Orador: - Sr. Presidente, apenas desejo mostrar o ponto da situação quanto às dívidas dos partidos à Segurança Social, porque, como deputado, tenho obrigação de me interessar por todos estes aspectos.
Assim, o Partido Socialista deve 69720 contos, importância que, com os juros acumulados, deve ascender a 140000 contos; o Partido Comunista Português deve 6152 contos, o que, com a acumulação dos juros, deve ascender a 13 000 contos; ...

O Sr. João Amaral (PCP): - É falso!

O Orador: -... o Partido Renovador Democrático deve 1588 contos, o que, com juros acumulados, deve ascender a 4 mil contos; o Partido do Centro Democrático Social deve 26 contos.
Mas, Sr. Deputado Basílio Horta, convenhamos que este valor não resultará tanto de uma gestão rigorosa como do facto de o vosso partido não ter praticamente pessoal ao seu serviço.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que esta é, talvez, uma das poucas vezes em que deveremos agradecer ao Sr. Deputado Silva Marques a sua intervenção.

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De facto, penso que é uma intervenção muito clara e, fundamentalmente, é muito representativa do espírito do partido do Sr. Deputado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Isto é, em pleno debate orçamental, o Sr. Deputado chega aqui, lança a ideia de que os partidos devem dinheiro à Segurança Social e, de maneira perfeitamente deslocada, deixa pairar uma suspeição grave sobre todos os partidos, sugerindo um debate aprofundado sobre esta matéria. Assim, quero dizer ao Sr. Deputado que, pela parte do CDS, tomaremos a sério um tal debate.
De facto, deveremos 26 contos à Segurança Social, mas nem é bem essa quantia, pois trata-se de matéria que está em juízo e, em nosso entender, nem sequer devemos nada. Mas estamos é dispostos - e fá-lo-emos - a colocar em cima da mesa todas as nossas receitas: o que recebemos e o que não recebemos do Estado, para alem de irmos expor todas as nossas despesas. Esperamos que o Sr. Deputado faça o mesmo em relação ao sai próprio partido e que, em seguida, explique aos Portugueses como é que, tendo 361 000 contos de receitas do Estado, o PSD faz as despesas que faz.
Depois, vamos todos entender-nos: somos nós que não temos pessoal ou são os senhores que tem pessoal a mais?
Portanto, pela nossa parte, está aceite esse repto, neste momento, perante a Assembleia e perante o País, e espero que a vossa posição seja a mesma.
Para terminar, atrever-me-ia a pedir ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, que também é o secretário geral do PSD, que nos esclarecesse sobre qual é o montante global da despesa do vosso partido, para que possamos passar a ter uma ideia mais clara e, assim, aguçarmos o apetite para o que se vai seguir.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para declarar que as contas do meu partido são públicas.

Risos do CDS.

Uma voz do PSD: -E as do vosso também são?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sempre!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois do que acaba de se passar, não poderia aguardar pelo fim de todas as outras intervenções sem primeiro usar da palavra.
Começo por dizer que a intervenção do Sr. Deputado Silva Marques foi, a todos os títulos, lamentável.
Se o objectivo do Sr. Deputado, tal como o do PSD, é o de contribuir para uma campanha contra a democracia portuguesa,...

Uma voz do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - ... então o Sr. Deputado Silva Marques acaba de nos dar uma prova de enorme coerência com esse seu objectivo.

Aplausos do PS.

O Orador: - Mas já que chegámos a este ponto, vamos, então, discutir o problema em toda a sua clareza.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que o meu partido tem dívidas, tem dificuldades financeiras, que assume essas dívidas e que tem intenção de as pagar.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não foi o meu partido, mas o seu, que, tendo dívidas, as não pagou, obrigando assim um dirigente político de grande prestígio no País, o Prof. Freitas do Amaral, a trabalhar para pagar as dívidas de uma campanha eleitoral em que os senhores o apoiaram.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - É uma vergonha!

Aplausos do PS.

O Orador: - Mas, Sr. Deputado Silva Marques, não é desta maneira que devemos discutir este problema, e se falei assim foi por indignação.
De facto, e porque, infelizmente, nada se pode fazer sem a vossa aquiescência, por terem a maioria, há muito tempo que, formalmente, o PS pôs ao PSD a questão da necessidade de se rever o sistema de financiamento dos partidos políticos em Portugal.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): - Querem mais?

O Orador: - Não, Sr. Deputado, já vai ouvir tudo!
É que o actual sistema de financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais em Portugal constitui um óbvio convite à fraude e é um campo permanente de suspeições.
Ora, o que é que desejamos e até já propusemos ao PSD?
Em primeiro lugar, propusemos que se estabeleça um nível razoável e adequado de financiamento público aos partidos, porque, Srs. Deputados, é preferível que o Estado dê mais dinheiro a um partido do que a um particular que, a seguir, irá dar uma parte desse dinheiro a um partido.

Aplausos do PS.

O Orador: - E se queremos evitar a corrupção, o tráfego de influências e a degradação do sistema político português, temos de definir um adequado sistema de financiamento aos partidos políticos.
E que, Sr. Deputado Silva Marques, é manifesto que as despesas de qualquer campanha eleitoral feitas pelo seu partido não tem nada a ver com as contas que o seu partido apresentou ao Tribunal de Contas.

Aplausos do PS.

O Orador: - Repito que é manifesto, e se o Sr. Deputado tiver alguma dúvida a este respeito mostre-me as contas, que eu explicar-lhe-ei por que é impossível ter feito a campanha eleitoral com esse dinheiro.

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Todo o sistema está viciado e inquinado...

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Mas não basta que haja um financiamento razoável aos partidos. É preciso que haja transparência nas doações que são feitas aos partidos políticos pelas entidades privadas.
É que, neste momento, vivemos numa perfeita hipocrisia: a lei proíbe as empresas de darem dinheiro aos partidos políticos. Sabemos que isto é uma completa hipocrisia. O que é necessário é encontrar formas -à semelhança do que têm os Alemães e outros países europeus - através das quais pode haver financiamento de entidades privadas aos partidos, mas com clareza e com limites, para que toda a gente saiba quem dá a quem. Sc assim passar a ser, estes problemas deixarão de existir.
Finalmente, também queremos que o Tribunal de Contas fiscalize as contas dos partidos políticos.

Aplausos do PS.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Muito bem! É isso que eles não querem!

O Orador: - Sr. Deputado, é o seu partido que se recusa a discutir connosco estas questões porque o sistema actual vos convém, embora não nos convenha a nós.

Aplausos do PS.

O Orador: - Não vou responder à questão sobre o secretário-geral do nosso partido, pois essa faz pane de uma campanha que é conhecida, que não tem qualquer credibilidade e à qual não vale a pena responder.
O Sr. Secretário de Estado do Tesouro colocou-me algumas perguntas e, sinceramente, devo dizer-lhe que, ao ouvi-lo, me pareceu claramente que as trazia estudadas de casa e que não ouviu o que eu disse. É que os erros de que falou não constam desta minha intervenção - poderiam ter constado da que fiz por ocasião do debate da moção de censura - e o que afirmou que eu não disse por acaso foi dito hoje, embora não o tenha sido na intervenção por ocasião da moção de censura.
À parte esse pormenor, temos ainda a questão dos erros de previsão.
Evidentemente que há e sempre houve erros de previsão, mas quanto aos cometidos pelo actual Governo em matéria fiscal penso que há uma importante diferença qualitativa. É que não tem nada a ver com as questões endógenas e exógenas, mas sim com a existência de previsões deliberadamente diminuídas no início para dar a ilusão de que a carga fiscal não aumenta, sabendo-se que, a seguir, os impostos cobrados terão, necessariamente, que atingir as verbas que constituem a carga fiscal. Portanto, não se trata de uma questão endógena ou exógena, mas sim a de haver ou não erros deliberados de previsão.
Repare que as questões de natureza estrutural que referi não têm a ver com a reforma do sistema financeiro. É que, hoje em dia, os problemas da dependência e os do desenvolvimento não tem a ver com as questões financeiras, mas sim com as questões tecnológicas.
Hoje, o problema da estratégia de desenvolvimento tem sobretudo a ver com a qualificação da mão de obra e com a capacidade tecnológica do País. É isso que está em causa e, portanto, por muito que reforme a dívida pública ou o sistema financeiro, não é assim que lá chegará com toda a certeza.
Quanto ao Sr. Deputado Basílio Horta, em minha opinião «colocou o dedo na ferida». Efectivamente, o que está em causa é saber qual o verdadeiro carácter desta política do Governo.
Há aspectos em que este Governo é liberal, como, por exemplo, no das políticas estruturais ou no da ausência do reconhecimento da necessidade de uma estratégia para corrigir as deficiências estruturais da nossa economia. Como afirmei, é liberal nestes aspectos, mas já o mesmo não acontece em relação à política conjuntural. Porque se o Governo fosse liberal daria prioridade ao combate à inflação, à redução da despesa pública e do défice. Ora, manifestamente, este Governo não o faz.
Mas, do ponto de vista do socialismo democrático ou da social-democracia, poder-se-ia dizer que ainda bem que o Governo não o faz, porque, ao manter mais Estado na economia portuguesa, consegue atingir um objectivo de justiça social. Só que, infelizmente, a estrutura das receitas e das despesas é contrária a este objectivo de justiça social. Ou seja, temos mais Estado, ao contrário do que desejariam os liberais, mas não temos melhor Estado, como desejariam os socialistas e os sociais-democratas.
Esta é uma questão de contradição essencial neste Governo. É por isso que me parece útil que o CDS tenha colocado as questões que colocou hoje de manhã e que continue a fazê-lo, hoje à tarde, pela voz do Sr. Deputado Basílio Horta.
É preciso que se torne claro perante os Portugueses que há modelos racionais de solução dos problemas do País, que há modelos defensáveis sob diversas perspectivas ideológicas e que há modelos que podem confrontar-se democraticamente, evitando esta confusão e este apodrecimento político em que nada do que é essencial se discute e em que só se trazem a esta sede assuntos que seria melhor terem-se deixado em casa.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para defesa da honra e da consideração por a minha intervenção ter sido adjectivada de antidemocrática, de impertinente, para além de outros «mimos» do género.

O Sr. Presidente: - Então, nos termos regimentais, tem a palavra para defesa da consideraçâo, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, em primeiro lugar, na referência que fiz à questão do secretário-geral do seu partido não pretendi lançar qualquer campanha, mas apenas mostrar-lhe, de forma evidente, quanto é errado um discurso verbalista que não tem a mínima intenção de correspondência no plano prático.
Repito que os senhores já chegaram ao ponto de exigirem o adiamento da abertura da sessão devido à ausência do Sr. Primeiro-Ministro. Ora, quem assim procede tem obrigação de não cometer falhas, ou, então, não o faz e deve procurar ser sóbrio, que e uma atitude que fica bem muito à democracia e aos respectivos agentes parlamentares.

Uma voz do PS: - Sóbrio? Modesto?

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O Orador: - Sim, tem a obrigação de ser sóbrio, modesto, de reconhecer a nossa relatividade e as nossas dificuldades e de não se armar em paradigma das virtudes, sob pena de se estatelar à primeira oportunidade. Portanto, foi isto que quis dizer.
Em segundo lugar, temos o problema de saber porque levantei a questão das dívidas dos partidos. Por um lado, foi por causa do vosso discurso ético que, levado a sério, teria o seu quê de injuriante e, mais, constituiria até um certo retorno a uma espécie de PREC moderno.
É que, como sabe, se levado a serio, o vosso discurso ético pressupõe que a outra parte política não é credível, não por diferenças de programa, que, aliás, os senhores hoje esbatem cada vez mais, mas por razões morais, isto é, nós vamos fazer o mesmo que eles, só que eles são pressupostamente desonestos e nós virtuosos.
Este discurso, que é liminarmente injurioso (mas púnhamos isso de lado), do ponto de vista político é pressupostamente antidemocrático e constitui um apelo ao retomo ao PREC, em que se rejeitava uma parte da Nação para governar em democracia.
Ponderados estes aspectos, Sr. Deputado António Guterres, o que quis foi mostrar o efeito demagógico dos vossos discursos, que, mesmo quando as palavras estão relativamente bem organizadas e actualizadas, não têm credibilidade por não corresponderem minimamente a um comportamento prático.
Repare: a lei do financiamento dos partidos não é nossa, é vossa e do PCP. Ela tem sido sempre aplicada da mesma maneira e o PS sempre que esteve em maioria nunca reclamou contra ela. Se o senhor me disser que o actual PS e a sua nova direcção pensa de forma diferente, dar-lhe-ei o benefício da dúvida nesse ponto, mas mesmo assim a vossa posição é politicamente hipócrita, porque se os senhores recusaram, ainda na semana passada, a lei de aumentos dos cargos políticos em nome do discurso miserabilista da pobreza, recebendo, evidentemente, esses aumentos, agora tem por obrigação, já que tanto vos preocupa a democracia, de tomar a iniciativa de apresentar um projecto de lei com o fim de dar mais dinheiro aos partidos. Por que e que não o fazem?
O Sr. Deputado comunicou-nos que anda a conversar com o meu partido - o que eu não sabia e considero uma gentileza da parte do meu partido. De qualquer forma, do ponto de vista político e no que diz respeito à vossa posição, ela é insignificante. Apresentem um projecto de lei pedindo mais dinheiro para os partidos. Por que é que não o fazem? Estão à espera de que? Que o façamos nós, para tomarem a mesma atitude que tomaram a semana passada? Para tentarem juntar o discurso...

Aplausos do PSD.

... do pragmatismo do aumento patrimonial com a imagem do ascetismo? É essa a vossa posição? O que 6 que vos paralisa então, se por acaso o financiamento dos partidos está errado? De qualquer modo, no actual quadro da lei, é correcto, pertinente, e direi mais, um dever, que se levante, publicamente, e aqui mesmo, a questão das dívidas dos partidos à Segurança Social, por múltiplas razões que não vou repetir.
Sr. Deputado António Guterres, é fácil fazermos afirmações e dizer que assumimos, mas é muito mais difícil fazer. O seu colega de partido Vítor Constâncio apresentou, entre outros, como motivo da sua demissão, a dificuldade e a forma de resolver as dívidas do seu partido.
Os senhores introduziram uma direcção nova no PS, pura e simplesmente legada a um verbalismo que não tem qualquer correspondência prática. É isso que tenho o direito e, mais, o dever de pôr em evidência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, creio, francamente, que não vale a pena dar explicações, porque depois de ouvirmos e de vermos associado a isto uma acusação de verbalismo, convenhamos que já nada mais há para dizer.
Entretanto, para não deixar uma questão decisiva em claro, gostaria de dizer que o meu partido não vai esperar mais nenhum momento por respostas do PSD e vai apresentar um projecto de lei sobre o sistema de financiamento aos partidos políticos.

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Fazem muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Para defesa da honra da minha bancada, Sr. Presidente, porque o Sr. Deputado Silva Marques, há pouco, se referiu a uma dívida do PCP à Segurança Social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados , Srs. Membros do Governo: O que o Sr. Deputado Silva Marques disse acerca da dívida do meu partido à Segurança Social é corripletamente falso, pelo que o desafio a retratar-se aqui e a dizer que as contas do meu partido com a Segurança Social estão inteiramente correctas, pois o meu partido não deve absolutamente nada à Segurança Social.
Não quero dizer com isto que esteja a coonestar a forma inadequada, incorrecta e abusiva como o Sr. Deputado Silva Marques trouxe aqui questões da vida dos partidos e da sua situação financeira e que não subscreva integralmente as observações e as críticas que aqui foram formuladas à sua postura, designadamente pelo Sr. Deputado Basílio Horta e pelo Sr. Deputado António Guterres.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado João Amaral, os senhores tem uma ideia errada de democracia, de debate político e de parlamento. Presumo, ao ouvir--vos, que, para vós, democracia e uma espécie de pântano, de águas paradas e de acomodação, a não ser quando se trata de atacar os outros. Quando os senhores atacam o Governo e os membros do Governo, os senhores ...

Protestos do PCP.

Não imaginam quanto eu vou responder ao vosso apelo.

Protestos do PCP.

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Estou a caminhar directamente para vós, como vão reparar. O que vos incomoda, Srs. Deputados, é quando a questão toca de forma que não vos agrada a vós mesmos. É aí que se revela a vossa hipocrisia.

O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Agora ouçam!

O Orador: - Quem tem medo, afinal de contas, de discutir livremente no Parlamento e face ao País? Quem tem medo, afinal de contas, dos factos?

Vozes do PCP: -É você!

O Orador: - Tudo se deve discutir no Parlamento, sobretudo quando é de forma frontal e com base em factos.

Vozes do CDS: - Vamos a isso!

O Orador: - Vamos a isso? O vosso desafio está já a ser posto em prática e não deixará de ter desenvolvimento porque nós também estamos de acordo com isso.
Sr. Deputado João Amaral, pode mover-me um inquérito parlamentar...

Vozes do PCP: - Não se trata disso!

O Orador: -... em consequência das minhas afirmações e pode ter a certeza de que eu o aceito. Mais: vou-lhe dizer qual é a situação das dívidas do seu partido à Segurança Social. Em Braga...

Vozes do PCP: - É mentira!

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado.

O Orador: - Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - O Sr. Deputado tem na sua mão um papel que vai passar a ler, e eu fazia-lhe uma pergunta: que papel é esse? Como o obteve? A que se refere concretamente e que data tem?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, obtive-o no exercício das minhas obrigações parlamentares, obrigações que os senhores tanto elogiam e preconizam, quando vos convém. Hoje, infelizmente para vós. Compreendo-vos, porque a situação é desagradável, mas tenho de responder que, de qualquer modo, os Srs. Deputados tem ao alcance um inquérito parlamentar e, já que tanto adoram os inquéritos, fazem favor de me fazer um inquérito sobre isto, porque de facto tenho o ónus de apresentar, em última instância, a prova das minhas afirmações e inclusivamente a dos meus documentos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Como os obteve? É algum mágico?

O Orador: - A situação das dívidas do seu partido à Segurança Social é a seguinte: em Braga deve 108 contos,...

Vozes do PCP: - Pago!

O Orador: -... em Castelo Branco deve 127 contos ,...

Vozes do PCP: - Pago!

O Orador: -... no Porto deve 5917 contos, ...

Vozes do PCP: - Pago!

O Orador: -... num total de 6152 contos.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Você é mentiroso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria informar a Câmara de que dado os tempos disponíveis e de acordo com o estabelecido em conferência de líderes e dado que são 18 horas e 10 minutos, é bom prepararmo-nos para prolongar a sessão para depois do jantar.
O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, eu tinha formulado uma pergunta ao Sr. Deputado Silva Marques. Como não me respondeu, pergunto agora ao Sr. Presidente, usando a figura da interpelação, se deu entrada na Mesa algum requerimento pedindo informação sobre as dívidas do PCP à Segurança Social. Entretanto, aproveito para fazer um requerimento, neste momento e por intermédio da Mesa, ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social para que diga aqui se é ou não verdade que o PCP não deve absolutamente nada à Segurança Social.

Aplausos do PCP.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - É por essas e por outras que já nem o presidente do seu partido acredita em si!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho uma boa memória, mas, apesar de tudo, não consigo saber de todos os requerimentos.

Sr. Deputado Luís Filipe Meneses, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, mas queira identificar a interpelação.

O Sr. Luis Filipe Meneses (PSD): -Sr. Presidente, julgo que ainda estão inscritos dois colegas da minha bancada para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Guterres.

Vozes do PCP: -Ah!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, houve várias inscrições que enunciei de início, mas, entretanto, a Mesa foi informada de que alguns dos Srs. Deputados tinham prescindido da palavra. Para formular pedidos de esclarecimento apenas está inscrito o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): -Sr. Presidente, queríamos pedir, após o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rui Macheie e a eventual resposta do Sr. Deputado António Guterres, um intervalo regimental de 30 minutos.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é regimental e, portanto, será concedido nas condições que sugeriu, que seriam aquelas que a Mesa determinaria.

O Sr. Deputado João Amaral pede a palavra?

O Sr. João Amaral (PCP): -Sr. Presidente, peço desculpa, não pretendo monopolizar o debate, mas quero esclarecer este ponto: fiz uma interpelação em que requeri uma informação à Mesa no sentido de saber se há algum requerimento formulado pelo Sr. Deputado Silva Marques ou por qualquer outro deputado acerca da questão das dívidas do PCP à Segurança Social, e como o Sr. Presidente tem possibilidade de obter esta informação dos serviços num curto espaço de tempo, pedia-lhe que, em vez de dizer que tem dificuldade em fazê-lo, determinasse aos serviços, aqui, agora e publicamente, que os serviços o fizessem no mais breve espaço de tempo. Por outro lado, insistia com o Sr. Ministro no sentido de responder à pergunta que lhe fiz.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há pouco, quando lhe disse que não tinha de memória se foi formulado algum requerimento, é óbvio que não linha nem podia ler de memória. Segunda questão: as publicações dos requerimentos, embora atrasadas, tom sido feitas e constam da 2.ª série do Diário da Assembleia da República. Posso, evidentemente, perguntar aos serviços, só que isso leva algum tempo.
Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Rui Machete.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não sei se se justificará, mas eu julgo que sim, voltarmos a discutir o Orçamento e a intervenção do Sr. Deputado António Guterres.
Já lá vai tanto tempo que se torna um pouco difícil rememorar tudo aquilo que disse, visto não dispormos ainda do texto escrito. Todavia, o Sr. Deputado António Guterres seguiu um caminho lógico e interessante, pois começou por expor duas orientações básicas, deixando de parte, como de menor relevância, a terceira (a colectivista); referiu uma orientação liberal num determinado número de casos; referiu depois uma orientação socialista ou social-democrata e explicitou uma crítica ao projecto de Orçamento apresentado pelo Governo, dizendo que era incoerente, porque não escolhia nenhum dos modelos, e finalmente apresentou o seu modelo de Orçamento.
É em relação a esse modelo de Orçamento, que designou de Orçamento que o PS apresentaria, que gostaria de fazer algumas perguntas e tecer também certas considerações.
A primeira impressão com que fiquei certamente que V. Ex.ª me corrigirá na resposta foi a de que o Orçamento do PS também não é, pelo menos, um orçamento coerente. É que o PS preconiza uma diminuição do défice, uma diminuição das despesas públicas - aliás, diz que uma grande preocupação deveria ser a luta contra a inflação, que qualifica como uma preocupação essencialmente liberal -, vindo depois afirmar no seu Orçamento que as despesas sociais devem aumentar. Assim, afirma que devem aumentar as despesas com a Segurança Social, em matéria de saúde e de educação ou em matéria de habitação, porque é fundamental fornecer às pessoas uma habitação condigna.
Não se percebe, pois, muito bem como é que V. Ex.ª concilia esta necessidade de, por um lado, conseguir, com a redução do défice, um equilíbrio orçamental tão perfeito quanto possível, uma diminuição do peso da fiscalidade, advogando, simultaneamente e por outro lado, esta ideia do aumento das despesas. É que nos fica a impressão de que, afinal de contas, o Orçamento do PS, embora seja apenas um orçamento ideal e imaginado, aqui configurado por V. Ex.ª para efeitos de discussão, é, bem feitas as contas, um orçamento perfeitamente eleitoralista.
Assim, é nessa perspectiva que me interrogo, e o interrogo, no sentido de saber se, afinal de contas, é nessa óptica que o PS pretende ganhar a credibilidade que nega ao PSD e ao seu Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminaram os pedidos de esclarecimento.
Entretanto, fui informado de que o tempo que o PSD requer para intervalo regimental é de 15 minutos.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Rui Macheie, em primeiro lugar quero dizer-lhe que me deu um enorme prazer ouvi-lo. Na verdade, sendo embora o PS um partido adversário político do PSD, gosto de ver que no PSD ainda há quem consiga, nesta Câmara, ter uma postura de grande dignidade e de grande sentido de debate democrático.

Aplausos do PS.

Espero que a sua pedagogia no interior do seu grupo parlamentar, embora necessariamente demorada, acabe por produzir os seus frutos, para bem do PSD, para bem desta Câmara e de todos nós.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - É inglório!

O Orador: - Aliás, o Sr. Deputado Silva Marques é quem mais tem de aprender consigo!
Indo direito à sua questão, penso que o Sr. Deputado Rui Machete não me ouviu bem. Com efeito, eu disse que a nossa política orçamental leria uma condicionante e dois objectivos.
A condicionante não tem a ver com a necessidade de diminuir o défice - não foi isso que eu disse. O que eu disse foi que, em meu entender, as despesas não deveriam subir mais do que o ritmo de crescimento da riqueza nacional. Portanto, em relação ao Orçamento concreto que nos é apresentado por este Governo, eu não advogaria que o défice aumentasse. Por isso, quando disse - e mantenho - que as despesas sociais deveriam ter um tratamento mais favorável, mantenho-o, no entanto, dizendo que isso se trata de uma questão de hierarquia interna de prioridades nas despesas e que, portanto, ao aceitar que essas despesas tem de ter um tratamento mais favorável, sem agravar o défice, reconheço a necessidade de, globalmente, o conjunto das despesas não sociais ter de sofrer alguma redução.
Finalmente, e em relação às receitas, o que eu disse também não foi necessariamente no sentido de uma abrupta redução dessas mesmas receitas, mas no sentido

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da necessidade de um sistema fiscal de outro tipo que possa assegurar mais justiça e equidade na cobrança dos impostos e que, nomeadamente, não faça incidir a quase totalidade dos impostos directos sobre os rendimentos do trabalho, e que, por outro lado, não faça incidir a quase totalidade do imposto sobre as sucessões e doações sobre os patrimónios rústicos e urbanos e sobre os dinheiros depositados no banco, nos casos em que se não foge à fraude conhecida nessa matéria. Por conseguinte, quer isto dizer que eu não reclamo aqui um orçamento com mais despesas e menos receitas, mas com despesas diferentemente hierarquizadas e com receitas cobradas de uma outra forma.
A grande distinção a seguir vem também com a própria lógica e a própria perspectiva do crescimento económico e do desenvolvimento, e não hesito em dizer aqui que considero que um país periférico e dependente como o nosso, se quiser fugir ao círculo vicioso dos baixos salários como única vantagem comparativa, tem de ter uma estratégia voluntarista de correcção dessa deficiência, através da concessão de uma efectiva prioridade à criação de uma mão-de-obra qualificada e da sua ligação com uma capacidade tecnológica nacional.
O que eu disse foi, assim, que a existência dos actuais apoios comunitários, se convenientemente organizados, e a conjugação dos esforços do Estado e dos agentes empresariais e trabalhadores, poderia levar a essa mesma concentração de esforços e produzir os efeitos de que falei, como aconteceu em alguns países do Extremo Oriente, nomeadamente no Japão, embora eventualmente com estratégias diferentes das que deveríamos adoptar. O que é inegável é que o Japão deu sucessivos saltos tecnológicos ao longo das últimas décadas, fazendo precisamente uma concentração dos recursos públicos e privados na formação, na investigação e no investimento nessas mesmas áreas.
Penso, aliás, e em síntese, que do conjunto destes pedidos de esclarecimento se torna evidente que a estratégia do PSD e do Governo é a de que não se discuta este Orçamento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E por isso a estratégia destes pedidos de esclarecimento teve sempre a ver com a tentativa de criação de factos exteriores ao Orçamento, para fazer fugir a discussão desse mesmo Orçamento.
O PSD e o Governo lá sabem por que é que não querem discutir o Orçamento!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, conforme o anunciado, vamos agora proceder a um intervalo regimental de 15 minutos.
Está interrompida a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 50 minutos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pretendia interpelar a Mesa acerca de questões que já há pouco enunciei...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, solicitei aos serviços que me fornecessem a informação pretendida, o que ainda não aconteceu.

O Orador: - Sr. Presidente, eu sei que os requerimentos estão organizados nos serviços pelo nome do deputado. Portanto, suponho que será extremamente fácil fornecer essa indicação.
Por outro lado, queria anunciar ao Sr. Presidente que vou entregar na Mesa um requerimento, que peço seja de imediato endereçado ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social, solicitando que a resposta à questão que coloquei, sobre se é ou não verdade que o PCP nada deve à Segurança Social, seja fornecida ainda hoje ou, no máximo, até ao termo do presente debate na próxima quarta-feira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, reafirmo que já fiz o pedido aos serviços.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático tem estado particularmente empenhado na análise e discussão das propostas do Governo relativamente às Grandes Opções do Plano (GOP) e ao Orçamento do Estado para 1990, tendo participado activamente nos trabalhos da comissão. Tal posicionamento advém de uma postura cívico-política e de plena responsabilidade perante os eleitores, mas também, e fundamentalmente, por reconhecermos que o momento que estamos a viver se afigura de primordial importância face ao necessário tema de discussão que o aproximar do mercado único nos coloca a todos, e não só a este Governo.
Entendemos que, face ao pouco tempo disponível, os documentos que estamos a discutir assumem uma importância da maior relevância, até porque o Governo, deliberadamente, não tem por hábito utilizar instrumentos de política económica de tipo globalizante e integradores de programas e acções relativos ao conjunto da economia e da sociedade portuguesa. Por tudo isto, pelas características dos instrumentos em presença e pelo momento decisivo em que nos encontramos, a maior responsabilidade deve ser pedida à oposição e ao Governo na análise e discussão destas matérias. É o País que o exige, na convicção de que a construção do futuro de Portugal não pode ser exclusivamente obra de uns quantos, por mais iluminados que acreditem sê-lo.
Pela nossa parle assumimos o desafio da discussão, sem posições à partida definidas, sendo profundamente críticos em relação àquilo de que discordamos, mas indicando desde já as áreas, e as correcções ou alternativas, que no nosso entender se afiguram necessárias e que concretizaremos no final deste debate, na próxima quarta-feira, como condicionante da nossa posição final de voto.
É justo reconhecer que o Governo tem feito um grande esforço no sentido de dotar o País de uma estratégia de desenvolvimento. Mas é também claro que esse esforço não tem ido além da generalidade, com que é difícil estar em desacordo.

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Quem não concordará, por exemplo, que é importante «informar e mobilizar a sociedade», que é imprescindível «reconverter e modernizar a economia» e que 6 decisivo «valorizar os recursos humanos e fortalecer o tecido social»?
E não será uma banalidade dizer que isso passa pela «projecção dos valores da identidade nacional», pela «organização do Estado», pelo «aumento da eficácia das instituições», pelo «desenvolvimento dos recursos produtivos», pela «infra-estrutura económica», pelo «investimento produtivo», pela «reconversão industrial», pela «agricultura e desenvolvimento rural», pelo «desenvolvimento regional e local» e pelo «reforço das estruturas sociais»?
No entanto, as grandes questões continuam sem obter dos nossos governantes qualquer tipo de resposta. Qual é a prioridade estratégica de cada um dos eixos atrás enunciados? Como é que vão ser concretizados?
Qual é o cenário sócio-económico que nos serve de orientação na reconversão e modernização da economia? Será que a estrutura dos investimentos que estão a ser financiados pelo PNICIAP vai de facto no sentido dessa modernização? É assumida a opção por uma especialização florestal que está implícita na estrutura das despesas do PEDAP? Que país queremos e qual a especialização económica que se pretende no quadro europeu e mundial?
Estas são, provavelmente, das menos importantes questões que as GOP deixam sem resposta. Sc as opções não estão explicitadas, trata-se de um documento inútil que poderá servir como suporte propagandístico, mas sobre o qual não merece a pena determo-nos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A economia portuguesa registou um forte dinamismo nos últimos anos e o Governo revê-se nesse facto. No entanto, quanto a nós, a evolução recente da economia portuguesa deveria ser, sobretudo, fonte de grandes preocupações.
Excluindo o efeito dos fundos comunitários, o comportamento da economia nacional é relativamente modesto. Para 1990, quando o saldo das transferencias financeiras da comunidade aumenta num valor que, só por si, poderia representar um aumento de cerca de 1,5 % do produto interno bruto (PIB), o Governo prevê que o PIB cresça a uma taxa provavelmente inferior à registada no corrente ano. Que irá acontecer se, mesmo pela necessária viragem a leste, em 1993 deixarmos de contar com os fluxos financeiros da Comunidade?
O crescimento da economia tem-se apoiado na dinâmica do investimento, liderado pelo investimento público, e só recentemente começa a ler relevância o crescimento das exportações. Porem, o investimento privado continua a revelar grandes vulnerabilidades, a reproduzir o padrão tradicional de especialização da economia e a depender fortemente de capitais estrangeiros. Os sistemas de apoio ao investimento contribuíram para a dinamização do investimento privado, mas o ritmo de execução dos projectos candidatos aos sistemas de incentivos está a ser extraordinariamente lento e haverá, provavelmente, grande número de desistências.
Os sectores tradicionais continuam a dominar a estrutura produtiva nacional e não há indícios de reconversão a três anos da data de todos os perigos.
Sector decisivo na economia nacional, o turismo viu avolumar-se recentemente as ameaças que sobre o mesmo pesam por incúria dos poderes públicos, e não se sabe se ainda haverá tempo para salvar o essencial.
Estamos à beira de uma dramática contradição: pretende-se «menos Estado», apregoa-se a «libertação da sociedade civil», mas o investimento privado responde de forma muito lenta, colocando grandes dúvidas no sentido de se saber se o desmantelar do sector público produtivo é, só por si, gerador de progresso e de eficiência económica.
De nada adianta enterrar a cabeça na areia ou utilizar a imagem gasta da separação entre os que são a favor ou contra a dita «libertação da sociedade civil». Não basta reconhecer que a economia nacional tem de se apetrechar para suportar uma dupla concorrência, mas implementar de imediato as medidas necessárias a esse apetrechamento.
Vivemos hoje numa situação de desafogo graças ao fluxo de fundos comunitários e de capitais externos, mas não é imprevisível um período recessivo dentro de alguns anos, quando nos forem impostas as normais regras comunitárias e se fizerem sentir os efeitos das grandes transformações político-económicas que estão a ocorrer na Europa. Este Governo está a cometer a insensatez de impor ao País as suas obsessões, sem cuidar de perceber os sinais do futuro.
As obsessões do Governo giram à volta de três grandes equívocos.
Em primeiro lugar, o equívoco das infra-estruturas, principalmente das acessibilidades. Embora sem que ponhamos em causa a necessidade de equipar o País para garantir condições de vida às populações e de funcionamento às actividades económicas, não se compreende que o Governo reduza tudo às infra-estruturas materiais. Será que os problemas das regiões fronteiriças são resolúveis com medidas «essencialmente no domínio das comunicações rodoviárias»? E não será estranho que mesmo no eixo «potencial endógeno das regiões e desenvolvimento local», onde o que importa são acções de dinamização e mobilização, não se consigam identificar medidas concretas que não sejam infra-estruturas físicas? O Governo assumiu-se como um grande empreiteiro e assume a construção civil como um pólo motor do desenvolvimento nacional. Nisto, pelo menos, é inovador.
Em segundo lugar, o equívoco das privatizações, que, em si mesmas, não representam nada em termos de desenvolvimento económico, tratando-se tão-somente da transferência de propriedade, frequentemente para não nacionais. Privatizações, sim! Desde que não se substituam às medidas estruturais que é necessário tomar. E algumas dessas medidas talvez exigissem um sector empresarial público gerido sem intervenções do compadrio político. O que está em causa no processo das privatizações, como grande conclusão do debate político sobre a matéria, ocorrido nesta Câmara na passada semana, é justamente a garantia de como o acto de privatizar se traduz em desenvolvimento e progresso económico e social, tornando possível a modernização e eficácia das empresas, a reconversão da economia nacional, a sua diversificação e a redução da dependência relativamente ao exterior.
Em terceiro lugar, o equívoco da infalibilidade da tecnocracia iluminada, com forte secretismo e exagerada dose de autoconfiança na tomada de decisões, sonegação de informação e afastamento do País real. Este Governo conseguiu incompatibilizar-se com o País; foi a causa da maior agitação social que se viveu nos últimos anos, mas, numa posição infantilmente orgulhosa, recusa-se, inclusivamente, a remodelar-se.

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Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Numa fase de abundância de recursos financeiros, existem meios para contemplar as aspirações mais imediatas. Por isso, e pela atitude seguidista da maioria, torna-se inútil entrar em pormenores relativamente a estas GOP e a este Orçamento do Estado. Contudo, embora reconhecendo que a maioria, orgulhosa e autoconvencida, não lhes irá dar a atenção que merecem, existem alguns pontos sobre os quais gostaríamos de tecer algumas considerações.
Primeiramente, a necessidade de dar mais eficácia aos apoios ao investimento produtivo e de impedir que os seus efeitos sejam contrariados por políticas de crédito restritivas. Objectivos de contenção da inflação são incompatíveis com um elevado nível de investimento público, tendo até agora o Governo optado por estabelecer o equilíbrio através do recurso ao controlo do crédito e do consumo privado. Justificar-se-ia, em nossa opinião, uma reanálise dos projectos que o Governo se propõe realizar e reforçar as verbas dos apoios ao investimento à custa dos projectos de menor interesse. O Governo reconhece que, por falta de verbas, só foram aprovados dois terços dos projectos que reúnem as condições de acesso e as empresas queixam-se de enormes demoras no desbloqueamento dos subsídios concedidos. Mas, na proposta do Governo, os apoios crescem menos do que o PIDDAC global.
Mas não basta reforçar as verbas orçamentadas para os esquemas de incentivos. Importa simplificar e reforçar a eficácia da sua gestão. Dois aspectos devem merecer atenção: por um lado, as empresas queixam-se da enorme burocracia e da falta de preparação das estruturas oficiais para tratarem com os empresários; por outro, sabe-se que, provavelmente, em mais de metade dos casos, as empresas fariam sempre o investimento, pelo que é nulo o efeito do incentivo, sendo necessária uma análise menos burocratizada e menos tecnocrática dos projectos.
Por fim, podem estar a verificar-se efeitos perversos no aprofundamento da especialização industrial tradicional (a maioria dos projectos é de expansão ou reequipamento) e na realização de investimentos por parte de empresas com fraca possibilidade de sobreviver.
Segundo, as transferencias para as autarquias locais. O Governo diz fazer uma proposta enquadrada no espírito da Lei das Finanças Locais, aumentando as verbas do FEF em pouco mais de 19 % e argumenta que os municípios vêm revelando significativos saldos positivos. Trata-se de uma discussão estéril sobre se o Governo aplica bem ou mal a Lei das Finanças Locais. O que é certo é que é aplicada contra os municípios, já que, de acordo com dados conhecidos, as autarquias reivindicam um saldo a seu favor, desde 1987, de 12,8 milhões de contos. Desde que haja sistemática subavaliação da previsão do IVA, o mecanismo encontrado para a projecção do FEF funciona contra os municípios.
Não importa discutir se houve falha do legislador não prevendo situações que, efectivamente, estão a ocorrer ou se o Governo deliberadamente subavalia o IVA para assim prejudicar as autarquias locais. O que importa é tomar, definitivamente, consciência desta situação e preveni-la. O Governo e a Oposição devem dar provas de que estão dispostos a resolver uma situação para a qual, directa ou indirectamente, concorreram.
Pela parle do Partido Renovador Democrático pensamos que a Lei do Orçamento do Estado deverá incluir mecanismos que impeçam que sistemáticas subavaliações
se repercutam na projecção do FEF para 1990 e anos seguintes. Ao mesmo tempo, o Governo deve dar provas de que se encontra disponível para corrigir as situações do passado e admitir, entre outras soluções possíveis, por exemplo, a inscrição no Orçamento de 1990 do montante em causa e destiná-lo a um programa de apoio a investimento produtivo a ser desenvolvido pelo conjunto dos municípios portugueses, traduzido através de uma figura como o programa municipal para o desenvolvimento endógeno, que poderia consistir em apoios integrados à criação de pequenas unidades produtivas utilizando o potencial endógeno. Tal programa, segundo os dados disponíveis, poderia vir a criar cerca de 10000 postos de trabalho.
Terceiro, o PIDDAC. A natureza do PIDDAC continua a ser para nós motivo de séria apreensão. Trata-se não só de um documento que não é passível de análise, mas também de algo que o próprio Governo leva pouco a sério, ao admitir, como o faz no artigo 19.º, a possibilidade de diversas alterações à respectiva programação financeira. O carácter estratégico que este documento deveria assumir perde-se ao procurar integrai- todos os projectos da Administração. O desafio que queríamos fazer era o de reter para uma análise mais séria e detalhada apenas os projectos que de facto assumem carácter estratégico para o desenvolvimento do País, sendo os restantes para o orçamento de funcionamento dos ministérios e para «envelopes regionais», a serem geridos pelos serviços desconcentrados cujas competências o Governo diz querer reforçar. Não só se anularia muito do desperdício de tempo e de recursos na preparação do PIDDAC como, mais importante ainda, esta Assembleia poderia discutir a concretização das grandes prioridades nacionais.
Isto assume uma relevância particular quando ainda ninguém nos conseguiu demonstrar que o Governo esteja a actuar de acordo com as prioridades nacionais. O que é hoje mais importante no âmbito das acessibilidades? São realmente as estradas? E destas as que estão em execução serão as prioritárias? A saúde poderá ser secundarizada relativamente à formação profissional? Estas são algumas das questões que merecia a pena serem discutidas em concreto face a um plano de investimentos da Administração.
As prioridades implícitas no PIDDAC merecem uma atenção particular, na medida em que parecem estar a ser influenciadas pela possibilidade de terem acesso, ou não, aos fundos comunitários, com sectores como a habitação e urbanismo, o desporto e a OTL a revelarem evoluções pouco significativas. Noutros casos, o Governo revela incongruência com o discurso, como é o caso do ambiente, em que o acréscimo das verbas do PIDDAC se limita a valores abaixo dos 5 %. O Governo pode argumentar que as negociações com a Comunidade se basearam no PDR elaborado e aprovado pelo Governo de Portugal, mas a tendência será para cada vez mais as opções serem, pela via financeira, fortemente determinadas pelas instâncias comunitárias. Tal situação, a ser verdadeira, é muito grave e tem várias repercussões no plano social, ao relegar para segundo plano áreas de investimento com carências acentuadas e que se vão agravando ao longo do tempo, como é o caso da habitação.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Embora já referido em relação às previsões do IVA, pensamos que a sistemática subavaliação das receitas fiscais no seu conjunto não abonam o rigor do Governo. Se tal facto resulta de uma política deliberada tendente a reduções do défic aprovado pela Assembleia, tal deve ser

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politicamente condenado. Se resulta de erros de previsão nas projecções, há que fazer as devidas correcções. Da análise da estimativa e previsões de cobrança, nos anos de 1989 e 1990, retira-se que as receitas fiscais vão continuar a crescer a um ritmo superior ao da inflação, o que pode ser sinónimo de carga fiscal.
No caso do IRS, significa que as actualizações ou aumentos verificados e propostos nas deduções, abatimentos, escalões, etc., se mostram insuficientes e vão contribuir, nomeadamente no âmbito da tributação do rendimento pessoal, para uma discriminação do rendimento disponível das famílias. Verifica-se igualmente que, após a publicação de um tímido diploma o Decreto-Lei n.º 354/89-, que veio excluir da retenção da fonte os pequenos contribuintes, titulares de rendimentos de profissão liberal e rendas prediais, não se avança para medidas mais profundas neste campo.
A generalização das retenções na fonte para todos os tipos de rendimentos não só constitui pesada penalização para os contribuintes, como se pode mostrar pela devolução dos estimados 28 milhões de contos cobrados a mais um ano depois da ocorrência e sem lugar a compensação, como igualmente constitui medida criticável ao afastar-se da tendência europeia, em que países como a RFA, o Luxemburgo, a Dinamarca, a Holanda e ato os próprios Estados Unidos não efectuam retenções na fonte relativamente aos juros e dividendos. Países há, inclusive, como é o caso da França, que não praticam retenções sobre o rendimento do trabalho e, no caso da Bélgica, o regime é de opção, beneficiando os contribuintes que por tal optem de um desconto.
Vinte e oito milhões de contos (e ninguém assegura que não seja um valor superior) evidencia que foram cobrados cerca de 9% a mais de impostos as pessoas singulares e, se tal pode ser tolerável, visto tratar-se do primeiro ano de aplicação do imposto, o Governo tem de dar garantias de que tal não voltará a suceder sem uma justa compensação. É que, para além de se diferirem consumos, se lança um «imposto adicional» de 4 milhões de contos, que é o que, efectivamente, resulta da aplicação de uma taxa de 14 % sobre os impostos cobrados a mais, a não ser que o Governo pretenda englobar tal situação no quadro das medidas de combate à inflação. Se o deseja, deve dizê-lo de uma forma expressa.
Por tudo isto, e atendendo às previsões do Governo, que credibilidade podem merecer a esta Câmara as previsões de que a taxa de inflação em 1990 se vai situar entre 9,5 % e 10,5 %? A resposta para nós está dada, quando nem sequer existiu a humildade suficiente para a autocrítica do Governo relativamente às previsões anteriormente feitas e solenemente afiançadas a esta Câmara pelo Sr. Ministro das Finanças.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma palavra, ainda, para duas áreas que não mereceram mais uma vez, por parte do Governo e no quadro da proposta de lei do Orçamento do Estado, a atenção que a gravidade das situações exigia. Não se contempla ainda o caso dos aposentados da função pública, tantas vezes referido nesta Câmara, tudo continuando na mesma relativamente à redacção do artigo 59.º do Estatuto da Aposentação. O Governo continua insensível aos argumentos dos que referem a necessidade de se estabelecer que a actualização das pensões resulta automaticamente de todo e quaisquer aumentos dos vencimentos dos trabalhadores no activo e em percentagem igual à fixada para este, eliminando-se, de uma vez por todas, a disposição que mantém a limitação genérica dos aumentos das pensões aos valores líquidos das correspondentes remunerações do activo.
A discussão do Orçamento do Estado poderia ser também um ponto de encontro para pôr fim ao diferendo entre professores e Governo no que se relaciona com a sua carreira e vencimentos. Os professores não devem ser discriminados face aos demais quadros da Administração Pública. O que é hoje uma responsabilidade do Governo pode transformar-se numa responsabilidade de parte desta Câmara.
Por último, uma referência à política de pessoal para a Administração Pública. Não parecem defensáveis as disposições respeitantes à redução do vencimento dos funcionários constituídos em excedente. Ou o Governo tem capacidade de gerir os efectivos humanos, encontrando o trabalho certo para a pessoa certa, ou, então, não devem ser os funcionários a sofrer as consequências. O que deve ser feito, em nosso entender, é encontrar as formas para a reciclagem deste pessoal.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Vieira de Castro e Gilberto Madaíl e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Carlos Lilaia: O País está habituado a que a oposição diga sempre mal do Governo. Finalmente, V. Ex.ª veio aqui reconhecer que a economia portuguesa tem registado um forte dinamismo! Tenho de homenagear V. Ex.ª pela coragem que teve! Pensamos que, de facto, é esse o papel da oposição, e não apenas aquele que se limita a criticar sem nenhum fundamento. Por isso a oposição está tão desacreditada!
V. Ex.ª falou, depois, nas políticas de crédito restritivo. Nem de propósito! A OCOE, num estudo que publicou em Julho passado - vão, portanto, poucos meses decorridos -, diz o seguinte: «As recentes medidas do Governo foram tomadas na boa direcção.»
V. Ex.ª bate, agora, a única tecla que a oposição vai tendo. E qual é ela? A tecla de que existe uma subavaliação das receitas! Falamos sobre isso sem nenhum complexo, pois pensamos que criticável era não existir a conveniente prudência. No passado assim foi. Cobravam-se menos receitas. E não se passava apenas isso pois faziam-se maiores despesas, como aqui já há pouco foi lembrado pelo meu colega Montalvão Machado. A oposição vai falando menos num pseudo-agravamento fiscal decorrente da entrada em vigor da reforma fiscal, e é bom que assim seja, porque poucos meses faltam para que os contribuintes possam provar a si próprios, inequivocamente, que em IRS vão pagar menos do que aquilo que pagariam em imposto profissional e em imposto complementar.
Sr. Deputado Carlos Lilaia, uma última nota. Criticam VV. Ex.as o Governo porque estão previstas devoluções do IRS em função da apresentação das declarações de rendimento computorizadas em 28 milhões de contos. Sr. Deputado, mas que outro mecanismo, que não o de basear a retenção na fonte das deduções e abatimentos mínimos, seria possível para ir retendo, mês a mês, o montante devido de IRS pelos contribuintes?

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lilaia quer responder já?

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): -No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Gilberto Madaíl.

O Sr. Gilberto Madaíl (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Carlos Lilaia: Muito brevemente, queria também salientar o aspecto positivo da intervenção de V. Ex.ª quando refere o bom andamento da economia portuguesa, o que é testado, aliás, não só pelo nossa própria experiência, como também pelas próprias reduções do défice que vêm sendo realizadas no Orçamento do Estado.
E queria apenas centrar-me em dois ou três pontos da sua intervenção, o primeiro dos quais é o seguinte: V. Ex.ª refere que as grandes questões têm ficado sem resposta. Sr. Deputado, nós perguntamos se, de facto, todas as reformas que já foram realizadas e aquelas que ainda hoje ouvimos aqui ser anunciadas pelo Sr. Ministro das Finanças, que irão também ser realizadas, não são, de facto, a resposta às grandes questões e aos grandes problemas dos Portugueses e do nosso país.
Refere, também, V. Ex.ª que o investimento tem sido realizado no nosso país apenas com investimentos públicos. Pergunto-lhe se se não considera que o investimento privado tem tido uma dinâmica como nunca conheceu neste país e se a evicção do investimento privado não é hoje, como também nunca tinha acontecido neste país, muito menor ou praticamente nula relativamente ao passado.
Disse V. Ex.ª também, que uma das razões do bom andamento da economia portuguesa são os fundos comunitários, e gostaria de lhe perguntar, Sr. Deputado, se, apesar de o destino dos fundos comunitários ser exactamente esse, ou seja, para ajudar o nosso país na grande caminhada que este tem de fazer em termos de Europa e da sua própria modernização, V. Ex.ª já consultou as transferências e os saldos entre o nosso país e a Comunidade e se os comparou com o Orçamento do Estado para verificar, efectivamente, qual o peso que isso tem.
Quanto aos equívocos das infra-estruturas de que V. Ex.ª falou, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que nós também temos visto em todo o País, como nunca aconteceu, a realização de obras e de infra-estruturas de que há muito as pessoas e as populações estavam carentes. São estradas, são desenvolvimentos ferroviários e portuários, são infra-estruturas, que se vêm multiplicando-se e crescendo no País e que tem, de facto, proporcionado um muito melhor nível de vida e uma muito melhor capacidade de resposta, particularmente das populações do interior, aos problemas que se lhes colocam em termos do seu desenvolvimento económico. Por isso, Sr. Deputado, gostaria de lhe dizer que nós pensamos que o Governo está, de facto, a actuar de acordo com as prioridades principais. E estas gostaria de ouvir a sua opinião sobre isto - não serão, de facto, os investimentos que têm vindo a ser realizados, na saúde, na educação, nas infra-estruturas que já citei, e também na segurança?

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Sr. Secretário dos Assuntos Fiscais (Oliveira Costa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Carlos Lilaia: O Sr. Deputado tira conclusões demasiado lineares, o que faz que tropece pelo caminho. Desde logo diz que a receita cresce mais do que a inflação e que, consequentemente, aumenta a carga fiscal. Ora, o Sr. Deputado esquece que essa relação não se pode estabelecer porque há outros factores de permeio que são dominantes. E esqueceu-os, sobretudo quando o Sr. Ministro das Finanças, na sua intervenção, sublinhou que o peso das receitas fiscais totais, em função do PIB, decresce em l %. Sc isto é agravar a carga fiscal, eu não entendo o que quer dizer! Depois, continua na mesma senda e diz que isso talvez seja devido ao facto de os abatimentos do IRS não serem os suficientes ou que aquilo que se fez não é suficiente. Aliás, esse lapso parece ter sido também cometido pelo Deputado Silva Lopes nas declarações que lhe ouvimos hoje.
No entanto, lenho aqui o resultado comparado entre aquilo que os cidadãos pagam actualmente e aquilo que passam a pagar com os abatimentos que agora ficam consagrados no quadro da proposta que o Governo apresenta à Assembleia da República e ainda, também, obviamente, outras deduções e abatimentos, e verificamos que, até à classe de rendimentos, por exemplo na situação de casado único titular, de cerca de 650 contos, há um desagravamento a 100 %.
Depois, nas outras classes de rendimentos que chegam à casa dos 700 contos, o desagravamento e de 60 %. Na classe entre 700 e 800 contos há aqui valores que variam entre 50 %, 40 % e 30 %, e chegamos aos rendimentos da classe dos 1526 contos e o desagravamento é ainda de 18 %. Todos são desagravados, Sr. Deputado! Não pode V. Ex.ª portanto, concluir de modo diferente, sob pena de estar a faltar à verdade dos factos.
O Sr. Deputado alude também ao facto de haver uma retenção na fonte generalizada. Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que em direito fiscal ou há ou não há retenção na fonte. Sc não, haverá os filhos e os enteados, e esse não é um sistema fiscal justo! Há, portanto, retenção na fonte para o trabalho dependente e independente, como linha de ser necessariamente.
V. Ex.ª alude, depois, ao problema de uma verba de que se fala de 28 milhões de contos e diz que esta se traduz, efectivamente, em imposto retido a mais aos cidadãos no decurso de 1989. Nada mais falso. Sr. Deputado! Já reiteradamente temos dito e sublinhado, mesmo aqui nesta Câmara o dissemos há cerca de três ou quatro dias, que esse é um valor de referencia que não pode, de forma alguma, ser considerado como real, e a verdade é que não temos o dom de adivinhar.
De facto, o que aqui está em causa é o cálculo que prevê que todos os contribuintes utilizem os abatimentos pelo máximo, e não é crível que assim aconteça. Por outro lado, prevê lambem todos os gastos que os cidadãos tenham com a saúde, e o que é certo é que não temos conhecimento desses valores que irão ser apresentados. Ora, como todos sabemos, no IRS as despesas para com a saúde não têm limites e tomam em consideração valores que poderão ter algum significado, e certamente que em termos de agravamento tê-lo-ão.
Também devem ser consideradas as contas de poupança da habitação e os PPR.
Assim, sintetizando todos estes aspectos, gostaria de saber se, no seu raciocínio, o Sr. Deputado considerou ou

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estas questões e as ponderou devidamente. Porém, após ter ouvido o discurso que produziu, creio que não! Em todo o caso, gostaria de obter um esclarecimento em relação a isso!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sc os Srs. Deputados e o Sr. Secretário de Estado não virem inconveniente, responderei conjuntamente às questões que foram colocadas, até porque cias são relativamente parecidas - aliás, ale as organizaria em grupos de dois -, e assim poupar-se-ia algum tempo.
Gostaria de dizer ao Sr. Secretário de Estado que, não obstante o reparo que há pouco fez, estava a ouvi-lo com toda a atenção, muito embora estivesse lambem a ouvir um comentário que me estava a ser dirigido por um Sr. Deputado. Aliás, devo dizer que a minha capacidade é, pelo menos, idêntica à de V. Ex.ª e por várias vezes lenho reparado que em intervenções do mesmo tipo, quer o Sr. Secretário de Estado, quer outros membros do Governo, têm respondido a questões que lhes são presentes nessa altura. Ora, a minha capacidade 6 idêntica à do Sr. Secretário de Estado!
Sr. Secretário de Estado, eu não disse que o facto de a receita aumentar mais do que a inflação significaria um aumento da carga fiscal, mas sim que a receita fiscal, crescendo mais do que a inflação, poderia ser um indício de aumento da carga fiscal. Isso está suportado pelos números que lemos e, ao contrário do que refere o Sr. Secretário de Estado, para nós representa um ligeiro agravamento da carga fiscal em 1990.
Quanto à referência que fez relativamente a uma coincidência de pomos de vista entre mim e o Dr. Silva Lopes, devo dizer que fico muito feliz com essa coincidência, que não conhecia, porque o Dr. Silva Lopes me merece toda a confiança nus análises que faz. Portanto, para mim, essa é a prova de alguma certeza nas afirmações que fiz.
Quanto a retenção na fonte, Sr. Secretário de Estado, certamente que mais tarde iremos ter oportunidade de debater esse aspecto quando se verificar que provavelmente nem serão os 28 milhões de contos, mas sim mais do que isso ... Como V. Ex.ª sabe, já hoje muita gente admite que possa ser mais do que essa quantia! A ser assim, e útil como referi na intervenção que fiz, verifica-se um imposto forçado de cerca de 4 milhões ou mais de contos se através de um período médio de cerca de um ano se aplicar uma taxa de 14 %.
É evidente que há outras formas de resolver isso. Se o Sr. Secretário de Estado acompanhou a minha intervenção terá verificado que referi sistemas em diferentes países, nomeadamente na França e na Bélgica, em que se copiam por sistemas diferentes.
Relativamente às outras questões que foram colocadas, aquilo que gostaria do dizer e que lambem me surpreende que não haja mais confiança da iniciativa privada neste Governo e que a taxa de crescimento do investimento privado não seja maior do que aquilo que efectivamente é. Aquilo que referi na minha intervenção - e com isto respondo tanto aos Srs. Deputados Vieira de Castro como Gilberto Madaíl - e que na componente de crescimento de investimento há um poso muito grande de investimento público. Ora, nós, que desejamos e apregoamos a libertação da sociedade civil, devemos ficar preocupados com essa situação.
Sinceramente, estou preocupado pelo facto de não haver uma maior capacidade de resposta do investimento privado. Estou convencido de que isso será devido ao facto de não existir uma confiança total, ou aquela confiança que o PSD gostaria que existisse, em relação a este Governo.
Quanto à questão da subavaliação das receitas é óbvio que um governo que faz do rigor um dos seus cavalos-de-batalha não pode e não deve trazer, sistematicamente, a esta Assembleia previsões de receitas fiscais subavaliadas, provavelmente pelas razões que explicitei. Nomeadamente, em matéria de IVA não se compreendem os níveis de erro que aparecem nessas previsões, que são demasiados - se fosse de 3 % ou de 4 % ainda se aceitava...
É óbvio, e essa é uma realidade, que nos últimos anos se nota um certo dinamismo da economia portuguesa. Porém, isso já é matéria dada! Por várias vezes abordámos essa questão e ficou demonstrado que isso se fica a dever não tanto à iniciativa do Governo mas a lodo um conjunto de factores que aqui referimos, nomeadamente de ordem externa e comunitários. Portanto, presto justiça ao referir isso na intervenção que fiz, mas o Sr. Deputado Vieira de Castro também tem de fazer a justiça de não aproveitar essa minha apreciação para outros fins diferentes daquele que referi.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): - Prestei homenagem a V. Ex.ª!

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Deputado!
Portanto, creio que V. Ex.ª deveria ler toda essa parte da minha exposição, nomeadamente as pp. 3 e 4, onde essas situações são referidas.
De qualquer forma, agradeço as questões que me foram colocadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para a boa organização dos nossos trabalhos, e tendo em atenção que as votações marcadas para hoje ainda nos ocupariam bastante tempo, a Mesa sugere que as façamos amanhã, o que permitirá uma melhor organização dos trabalhos. Há alguma objecção?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, se me permite, eu gostaria de sugerir que as votações, em vez de lerem lugar amanhã, se realizassem na próxima quarta-feira a seguir à votação, na generalidade, do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: - Depois, ver-se-á, Sr. Deputado! O que para já importa esclarecer é que essas votações não se realizarão hoje.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Grandes Opções do Plano para 1990 confirmam o acerto das que fizemos em anos anteriores e inscrevem-se, naturalmente, no quadro de médio prazo que aqui apresentámos o ano passado.
Do ponto de vista metodológico, retomámos a prática de discutir muito antes de seleccionar as linhas fortes de actuação, que para isso se impõe sejam poucas e muito nítidas.

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É a modernização da sociedade portuguesa que queremos estimular em ritmo acelerado, nos diferentes vectores que com que ela se processe de fornia harmoniosa, focando-se mais nas pessoas do que nas coisas, mas não negligenciando estas, porque o que faz progredir uma comunidade repousa em muitas realizações materiais que representam o suporte de uma actividade económica dinâmica e capaz de aguentar uma concorrência cada vez mais refinada e agressiva.
É, todavia, nosso entendimento que o melhor recurso que podemos mobilizar são os próprios Portugueses, porque os sucessos que tivermos ou são protagonizados por todos eles ou não serão nem grandes, nem duradouros no tempo, nem sustentados na sua estrutura. O desenvolvimento não é aventura só para alguns, por definição; tem de abranger o maior número e de assentar num clima de entusiasmo em que o sucesso atrai sucesso, a confiança faz generalizar esse sucesso e a estabilidade permite contemplar medidas estruturantes de longo alcance.
Á modernização profunda da economia e da sociedade portuguesas tem de ir, assim, à raiz dos comportamentos, alterando rotinas e inculcando novos valores. Ora, uns e outros só se mudam se se abandonar a postura tradicional de assistir a «concertos com solistas», passando antes à execução de grandes peças em que todos participem, dando o melhor do seu esforço para a harmonia do conjunto.
Se falamos tanto em fomento empresarial, em estímulo da iniciativa de cada um, em realização pessoal através do trabalho, em soluções que reclamam a organização de redes de solidariedade social e em robustecimento do poder local é porque acreditamos firmemente na necessidade da contribuição de todos. Mas, para isso, é preciso que esses todos conheçam o seu lugar no espaço e no tempo e aprendam a assumir as responsabilidades que competem aos agentes de um processo de desenvolvimento dinâmico e participado. E por tudo isso que se mantém a nossa primeira grande opção: «Informar e mobilizar a sociedade.»
Os exemplos são mais do que muitos, por esse mundo fora, de que não há sociedade que progrida, em sentido integral, se não atender, com empenhamento, ao lado económico desse progresso. Não vou repetir as análises do passado longínquo e dos acontecimentos recentes que determinaram, em Portugal, níveis de investimento insuficientes em muitas infra-estruturas públicas ou a desagregação das frágeis estruturas económicas que possuímos, nem vou relembrar as razões pelas quais não diversificámos a nossa base económica, dando-lhe solidez adequada à concorrência que todas as economias têm hoje de suportar.
Aponto, antes, os resultados positivos que já se começam a verificar na economia e até no ordenamento do espaço, por se ter escolhido como prioridade absoluta o investimento nas vias de comunicação, e em certas infra-estruturas, que se traduzem em economias importantes, obtidas fora dos muros das empresas.
Foi em quatro anos que o panorama mudou radicalmente; é período muito escasso para se obterem alterações drásticas. Todavia, cias estão a suceder e, muitas vezes, até ocorrem só com a expectativa de que as coisas mudem em breve neste sector. É a confiança a operar e por isso eu dizia que se confirma o acerto das opções que fizemos logo no início do X Governo.
«Reconverter e modernizar a economia» permanece, assim, a nossa segunda grande opção, com tudo o que ela
acarreta de assunção de responsabilidades na construção de infra-estruturas de que os operadores económicos beneficiem, em primeira mão, e atrás deles toda a população, através dos empregos que obtém, dos produtos que consome, dos lucros que consegue e dos auxílios que estão à sua disposição para empreender e criar riqueza.
A modernização da economia implica uma quebra expressiva das tendências passadas. É um exercício difícil o que temos pela frente: há que tirar vantagens, enquanto é tempo, das exportações em que somos hoje competitivos, mas é preciso ter a consciência de que não há vantagens comparativas que perdurem se não fizermos um esforço de actualização permanente. É esse o sentido da prioridade que damos ao robustecimento da nossa base científica e tecnológica.
Nenhuma actividade pode sustentar-se a níveis elevados e em processo dinâmico se os seus próprios agentes não forem objecto de uma valorização constante; quer no sentido de recurso, quer especialmente como destinatários de todos os esforços de desenvolvimento, surgem os Portugueses, cujas virtualidades de realização pessoal se nos impõe potenciar. É esse o sentido da terceira grande opção enunciada: «Valorizar os recursos humanos e fortalecer o tecido social.»
Trata-se, assim, não só de promover as qualidades adquiridas dos indivíduos, mas de lhes determinar também atributos especiais de pertença a um sistema solidário, em que as soluções para muitos problemas individuais são garantidas através da associação voluntária dos que estão em posição de prover às suas próprias necessidades e às dos mais frágeis e vulneráveis dentro do grupo.
Este conjunto de três opções forma um todo, que estrutura o médio prazo e, por coerência de actuação, determina também o que nos propomos fazer em 1990. Enumerei, há um ano, as razões pelas quais estão interligados os efeitos destas três grandes escolhas. Não vou repeti-las agora, mas quero, no entanto, reafirmar a sua permanência.
Confirmam-se, assim, as Grandes Opções de Médio Prazo e demonstra-se o acerto do exercício complexo de coordenação que tem vindo a ser feito para garantir não somente coerência nos princípios e nos objectivos, mas também eficácia nos resultados. Nem a coerência nem a eficácia sucedem se não se fizer para isso um esforço deliberado. Este tem sido rigorosamente conseguido e as provas são de múltipla natureza: em primeiro lugar, os resultados tangíveis traduzidos pelos números que estão nos textos fornecidos e que, para poupar o vosso tempo, me dispenso de reproduzir; em segundo lugar, a coerência patente nos múltiplos documentos que temos vindo a apresentar com propósitos diversos, todos eles demonstrando a exigência de um fio condutor que mostra que nos sabemos organizar para a acção - as Grandes Opções a Médio Prazo, as Grandes Opções do Plano para 1990, os sucessivos Orçamentos do Estado, o Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego, o Plano de Desenvolvimento Regional apresentado às instâncias apropriadas da Comunidade Europeia e numerosos outros instrumentos operacionais que, nos diversos sectores, têm balizado o nosso trabalho.
Insisto nesta prova de eficiência interna da organização dos meios de acção porque muitos a tentaram, aqui e lá fora, e poucos a têm conseguido. É sempre mais fácil ser-se excelente num sector isoladamente do que sê-lo nesse sector e, simultaneamente, num conjunto. Isto requer determinação e nós temos honra em demonstrá-la.

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Tomada, e bem, a opção da integração na Comunidade Europeia, temos agora de fazer, por razões de todos conhecidas, um esforço suplementar para chegar onde os outros já estão, sem perder o nosso próprio estilo, a nossa identidade e a nossa maneira de ser, nem quebrar com laços que foram atados e reforçados durante 500 anos. Sabemos que não é da renúncia às relações com os amigos de sempre que nos podem advir vantagens que durem e sabemos, também, que esse capital de confiança pode jogar a nosso favor nó quadro comunitário a que agora pertencemos. Em vez de esquecer as potencialidades que as relações extracomunitárias nos oferecem, entendemos que nos é muito conveniente mobilizá-las para aquilo que representa a nossa estratégia geral e que tem de ser a convergência real entre as economias portuguesa e comunitária, naturalmente impondo, tal como temos vindo a conseguir, um ritmo de crescimento para o nosso país superior à média comunitária. Tudo isso tem de ser feito assegurando a coesão económica e social no plano interno, começando por salvaguardar os equilíbrios macroeconómicos e promovendo a redução das disparidades regionais e a atenuação das disfuncionalidades sociais.
O sentido prático dos 10 eixos de acção que referimos no documento que submetemos à vossa apreciação é o da promoção desse crescimento acelerado, mas feita ao nosso modo, cuidando da dimensão social e atendendo ao que chamamos «condições de enquadramento», que reflectem a especificidade da nossa situação.
Quanto à dimensão social, baseia lembrar os benefícios, tangíveis e intangíveis, ligados à segurança de um salário e à dignidade de ganhá-lo e de ser independente, que representam para todos os portugueses o terem vindo a usufruir de uma das mais baixas taxas de desemprego da Comunidade.
Esta é, para nós, uma preocupação maior, mormente por termos a consciência de que, para manter a situação, é preciso fazer um esforço suplementar na educação e na formação profissional. Neste momento quem tem uma profissão e a sabe exercer com competência não está desempregado, mas as condições de evolução muito rápidas de envolvente comunitária vão exigir que a nossa mão-de-obra tenha produtividades cada vez mais elevadas, o que começa por reclamar uma educação de base progressivamente mais robusta (para essa mão-de-obra poder ser versátil) e uma capacidade de manejo de máquinas e de processos cada vez mais refinada.
As verbas gastas em despesas correntes e em investimentos na educação representam a quota mais elevada do Orçamento. E, em matéria de investimento, tomado à parte, o sector da educação é o segundo grande gastador. Deve, contudo, esclarecer-se de que não se pode reduzir a ele só o investimento feito directamente nas pessoas dos Portugueses.
Na ciência e na tecnologia, muitos gastos correspondem a bolsas de estudo e os restantes à criação das condições materiais, em laboratórios e centros de pesquisa, para aumentar os conhecimentos e para dar um novo conteúdo às actividades em que eles se ocupam.
Na cultura, muitas das verbas a gastar correspondem a formas de promover as pessoas, não só para abrir os seus horizontes, mas, especialmente, para diversificar os modos da sua própria realização e, por via deles, melhorar a sua qualidade de vida.
Na formação profissional, são múltiplos os programas que têm implicações directas nas pessoas, sejam elas já activas, sejam jovens ainda no período da sua primeira formação, sejam adultos desempregados de longa duração ou já formados que procuram uma inserção na vida activa.
Poderia alongar-me na referência a programas diversos que têm a pessoa como centro das atenções. Estas referências não exaustivas chegam, no entanto, para sustentar a afirmação de que as Grandes Opções que propomos se estruturam em torno da preocupação de oferecer a cada português as maiores e melhores oportunidades de escolha para a sua realização pessoal, tendo nós como certo que isso se consegue primordialmente através da elevação do seu nível de educação, de cultura, de entendimento do mundo e da evolução da História e da sua capacidade para compreender e responder aos desafios do nosso tempo.
Nos eixos que designámos como condições de enquadramento inserimos tudo quanto respeita à coesão do grupo que constituímos e ao funcionamento das instituições que asseguram as funções colectivas que ele reclama. A primeira exige uma acção esclarecida em relação aos outros grupos, por via do reforço daquilo que deles nos distingue e daquilo que constitui o nosso património material e moral; a segunda impõe uma modernização muito determinada do conteúdo das funções e, especialmente, do modo de prestá-las. Há, infelizmente, algumas áreas que se têm revelado difíceis de desburocratizar e adaptar às exigências do nosso tempo. Temos, por isso, de prosseguir com uma acção que deve ser paciente e discreta para se tomar eficaz, sendo certo que as grandes operações espectaculares, neste domínio, geram mais anticorpos do que resultados positivos.
No conjunto dos cinco eixos em que se organiza a acção directa sobre a estrutura económica conta-se um variado grupo de programas, que vão das estradas à energia, das telecomunicações à agricultura, da indústria ao comércio, da reconversão dos sectores em crise ao estímulo da criação de novos produtos e processos, da pesca ao ambiente e ao turismo.
À tradicional abordagem sectorial juntam-se, de forma ainda mais expressiva do que nos anos transactos, os exercícios de integração. É certo que através deles se obtêm melhores condições de apoio comunitário, mas a razão fundamental para que assim suceda assenta na nossa convicção de que o sucesso só se consegue e a optimização dos gastos públicos só se garante se distribuirmos encargos e responsabilidades de uma forma que seja convergente.
Os exemplos de que assim é são numerosos: dizemos à comunidade científica que a apoiamos, mas que o faremos de modo mais expressivo se os seus membros se associarem com empresários; transferimos verbas avultadas para as autarquias locais e facultamos o seu acesso a apoios comunitários, mas estimulamos a elaboração de planos e de programas que vinculem os principais agentes em torno de objectivos comuns e através de acções com calendários rigorosos; promovemos contratos-programa para a preservação do ambiente, mas damos preferência àqueles em que os poluidores assumam responsabilidades patentes no tratamento de efluentes nefastos; apoiamos numerosas instituições que desempenham funções dirigidas aos grupos mais vulneráveis ou carecidos dentro da sociedade, mas privilegiamos as organizações que, voluntariamente, assumam alguns encargos de investimento e de gestão corrente.
Os exemplos poderiam repetir-se. O sentido da enumeração seria o mesmo: demonstrar que o projecto de modernização estrutural da economia e da sociedade

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portuguesas que temos em mente não pode ser tarefa de alguns nem prescinde da energia, da vontade e da capacidade de todos. Este entendimento tem expressão mesmo na organização material da nossa proposta, no que toca aos investimentos: o quadro-resumo do PIDDAC distingue, por isso, os investimentos sectoriais daqueles que representam apoios a outros agentes cuja participação queremos incitar. Em ambas as partes há contribuições comunitárias de vulto que foi possível negociar, na sua quase totalidade, numa perspectiva de médio prazo. O PIDDAC do próximo ano reflecte já o esforço extraordinário que teremos de fazer para andar mais depressa do que os nossos parceiros comunitários.
Na sua globalidade, juntando a parte chamada tradicional à que designamos por apoios, o PIDDAC nunca foi tão grande: iremos investir, sob responsabilidade directa da Administração Central, quase 216 milhões de contos, animando muitos outros investimentos de origem privada, ou pública local, ou de empresas de serviço público. Nunca foi tão elevado esse montante! Em relação ao ano transacto ele cresce à volta de 26 %, o que nos impõe cuidados particulares na execução de tão numerosos e vultosos empreendimentos.
Está bem expressa, por isso, a relevância das funções de acompanhamento e de avaliação que há quatro anos justifiquei perante a Assembleia e que, através do departamento competente, prepararam o caminho para a grande operação que temos entre mãos.
É evidente que não poderíamos ser tão ambiciosos se não tivéssemos um apoio comunitário tão expressivo em relação ao programa de modernização que temos em mente. Mas a verdade é que soubemos justificar bem a proposta que apresentámos e negociar com competência os apoios concedidos. Trata-se de uma grande responsabilidade que temos sobre os ombros, assumida voluntária e conscientemente e lambem muito bem avaliada previamente à nossa vinculação ao contrato que cia representa.
No nosso país há sempre os cépticos e os timoratos. Os primeiros não acreditam que sejamos capazes de montar as estruturas para gastar bem tudo quanto nos propomos investir; os segundos acham que ousamos demasiado e propugnam um comportamento mais conservador. Nem uns nem outros entenderam que esta é uma oportunidade única que temos de aproveitar, importando mais analisar e discutir as escolhas feitas e estimular o envolvimento de quem tem meios e ideias para acrescentar valor ao que fazemos do que pôr em causa, por hábito e teimosia, o que representa um sistema exequível e de eficácia provável muito elevada.
Sr. Presidente, lenho na minha responsabilidade a tutela das autarquias locais. Todos sabem o que pensamos acerca da valia da sua contribuição para o desenvolvimento do País e do modo como elas têm correspondido, na imensa maioria dos casos, aos desafios para o transformar, aceleradamente, num membro moderno da Comunidade Europeia. O envolvimento dos numerosos agentes dinâmicos que são os autarcas no processo de desenvolvimento, mais do que apetecido, é garantido por via do acesso a uma parle importante dos auxílios comunitários e por um reforço notável das transferências financeiras para as autarquias locais. Só o Fundo de Equilíbrio Financeiro, que este ano monta a 128,4 milhões de contos, experimenta um acréscimo, em relação a 1989, de quase 20 %. A este valor há que juntar algumas outras contribuições, que, nunca satisfazendo as ambições e
a vontade de realizar dos autarcas, são, em termos absolutos e relativos, muito elevadas.
As autarquias locais vão, assim, dispor de muito dinheiro, mas é preciso que façam, tal como a Administração Central, um esforço muito grande de contenção das despesas correntes por via de uma racionalização e modernização profunda dos seus serviços, libertando para o investimento os meios indispensáveis para assegurar as contrapartidas locais necessárias para realizar os projectos que propuserem como candidatos a apoios comunitários.
Tenho um grande respeito pelo dinamismo evidenciado pelas autarquias locais. Abre-se agora uma nova fase em que às qualidades já demonstradas se reclama que se lhes juntem uma inventiva acrescida no domínio da engenharia financeira, uma gestão ainda mais rigorosa e competente, a determinação constante da procura da escala mais conveniente para a prestação de serviços, a vontade de conseguir essa escala por associação com os vizinhos e a preocupação teimosa de só fazer o que de facto contribuir para o desenvolvimento dos seus concelhos e da área em que eles se inscrevem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não entrei, nesta exposição, em pormenores nem em referências a números porque já tive oportunidade de o fazer em trabalho com três comissões parlamentares. Nas reuniões havidas analisou-se com detença o conteúdo das propostas e penso ter esclarecido, cabalmente, os Srs. Deputados que nelas participaram. O trabalho foi conduzido em clima de grande franqueza e -se me é permitido um juízo de valor revelou-se útil e gratificante.
Antes, durante e depois dessas reuniões, tive ocasião de apresentar numerosos elementos de informação que me foram solicitados ou que são de regra. Alguns deles foram mesmo produzidos pela primeira vez - como é o caso do documento intitulado «Planeamento plurianual das actividades de investigação científica e desenvolvimento tecnológico», em obediência ao estipulado na Lei n.º 91/88 - e outros contêm dados e análises que representam melhorias substanciais em relação a tudo quanto se apresentou no passado - como é o caso do «Relatório do estado do ambiente e ordenamento do território».
Estou convicto de que a Assembleia nunca dispôs de tantos elementos de informação e tão prontamente fornecidos como este ano. Isso traduz, naturalmente, uma melhoria substancial do funcionamento da administração que nos apoia, mas significa, especialmente, a vontade que o Governo tem de justificar e de tornar transparente o processo de decisão que culmina nas propostas de Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano. Elas traduzem as preocupações de rigor que o Governo tem, mas representam, também, a medida da ambição que nos orgulhamos de manifestar e da capacidade que já demonstrámos ter.
O julgamento, agora, pertence-vos!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Sérgio Ribeiro, Adriano Moreira, António Barreto e Manuel Filipe. O Governo dispõe, para responder, de nove minutos do tempo de amanhã.
Para pedir esclarecimentos, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Sérgio Ribeiro.

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O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Diz V. Ex.ª no seu discurso que não tinha referido números, mas referiu um, o do PIDDAC para 1990, dizendo que tinha o montante de 216 milhões de contos.
Em relação a este número, há uma dúvida ainda não esclarecida: é a de que no PIDDAC do ano passado para 1990 o que estava orçamentado era 262 milhões de contos. Portanto, há uma diferença de 46 milhões de contos que pediria ao Sr. Ministro que, se possível, esclarecesse.
Por outro lado, há uma questão que exige esclarecimento, porque a política do «facto consumado» não pode colher: são estas GOP mais um passo no reforço das comissões de coordenação regional em substituição das regiões, quer no que respeita à delimitação territorial recortada em gabinete, em vez de debate e decisão participada, quer no que respeita às funções? É porque o Governo governamentaliza em vez de, democraticamente, descentralizar e contribuir para que se acabe o edifício institucional do poder local!...
Peço-lhe, Sr. Ministro, que me confirme se é ou não disso que se trata.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ministro manifestou o desejo de responder no termo de todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Eu não tinha qualquer intenção de pedir um esclarecimento à intervenção do Sr. Prof. Valente de Oliveira, porque pensava que esta matéria -sobre a qual vou pedir um esclarecimento - viria a propósito amanhã, quando, espero, se verificar uma intervenção do Sr. Ministro da Educação. Mas como foi o Sr. Prof. Valente de Oliveira que na sua exposição -que me parece uma tentativa, ainda não sucedida, mas na continuação de meritórios esforços!, de dar uma cobertura filosófica à intervenção orçamental do Governo- tratou desta matéria, que é a educação, e como é uma matéria em que, julgo, se encontrará até mais à vontade do que eu, tenho um esclarecimento para lhe pedir.
E este esclarecimento que tenho para pedir-lhe está relacionado, em primeiro lugar, com a inquietação que, mais do que uma vez, aqui manifestou - aliás, com brilho - sobre o problema da identidade nacional e, em segundo lugar, com a trave fundamental do desenvolvimento do País, que é a investigação e o ensino.
No que toca à identidade nacional, devo dizer-lhe que não pode senão dar-nos satisfação a circunstância de membro ião ilustre do Governo mostrar estar profundamente preocupado com ela. E gostaria de informá-lo de que não me causou, a mim, a menor preocupação poder ler nos noticiários correntes e sem qualquer desmentido - que um governante português, num acto que devia ser puramente literário, fez uma versão de discurso clássico de Jefferson para invocar o direito de que um povo, chegado o momento querido por Deus - foi assim que Jefferson falou -, reclame o seu lugar, independente e igual, na comunidade das nações. A versão foi feita numa tradução breve e, creio, simplificada, em português básico - não tinha a grandeza da declaração de Jefferson -, mas apareceu nos jornais e acho que o Sr. Ministro faz bem em não largar esse problema porque ele interessa-nos a todos.
Notícias destas devem ser imediatamente corrigidas e não podem deixar-se circular desta maneira, afectando, naturalmente, a confiança que nós podemos ter sobre a circunstância de quem governa ter uma concepção bem definida, inatacável e incriticável do que é a identidade nacional.
Em segundo lugar, quanto ao problema da trave mestra da investigação e do ensino, que tem muito que ver com a identidade nacional, tivemos já ocasião de trocar, creio, úteis - pelo menos para mim - impressões sobre a questão, em tempos de menores encargos para o Sr. Prof. Valente de Oliveira mas de que guardo uma recordação enriquecedora. E isso me permite fazer-lhe, com toda a oportunidade, uma pergunta, que faço declarando previamente o seguinte: depois de o Prof. Veiga Simão ter sido Ministro da Educação deste país nunca o Governo - qualquer governo - teve um discurso tão brilhante como o que tem o actual Ministro da Educação. É um discurso estruturado, pensado, claro, com objectivos que eu subscrevo.
No entanto, quero informar o Sr. Prof. Valente de Oliveira de que, até esta data, as universidades ainda não começaram a funcionar este ano! Quero informá-lo porque vejo que reina sobre isto o maior dos silêncios! - que a geração que, este ano, ganhou penosamente o direito do acesso às universidades do Estado está completamente perturbada, está com uma total quebra de confiança nas instituições, está magoada. E está perturbada emocionalmente porque o Estado, a quem cabe a obrigação de assegurar o ensino, passa, tão silenciosamente quando pode, sobre uma das situações mais dramáticas de uma geração que quer entrar na universidade, que eu conheço da minha experiência como docente, embora esta não seja tilo rica como a do Sr. Prof. Valente de Oliveira. Ora, eu não percebo que se possa discutir este assunto da investigação e do ensino na Assembleia da República portuguesa passando totalmente em silêncio sobre a situação dramática que o País está a viver.

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - E quero acrescentar-lhe isto: um estudo recentemente publicado sob a direcção do Prof. Braga da Cruz - que merece, naturalmente, suponho que a V. Ex.ª tal como a mim, uma total confiança do ponto de vista da sua idoneidade científica - conclui pelo completo desprestígio da profissão de professor em Portugal. E não sei se isso é o que «mais ajuda» a manter forte a tal trave mestra da investigação e do ensino!
Isto leva-me a perguntar ao Sr. Prof. Valente de Oliveira, agora na qualidade de ministro, se esta situação teve alguma consideração na elaboração do discurso optimista que lhe ouvimos nesta Câmara, há momentos. E queria dizer-lhe que tenho a certeza de que não é o Prof. Valente de Oliveira - e eu também não o farei - que vai desviar a questão para a «discussão das culpas», como é costume, porque nós estamos no âmbito das responsabilidades - não das culpas, mas das responsabilidades! A responsabilidade de enfrentar esta situação é do Governo! Não é de culpas que se trata!... É a Constituição que lhe atribui essa responsabilidade!
V. Ex.ª pode dizer à Câmara que a acção governamental tomou isto em conta?
A acção governamental está preparada para assumir a responsabilidade desta situação dramática?

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Que «remédio» para este drama de que lhe dou informação tem o Governo que lhe permite fazer este discurso optimista?

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.

O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro Valente de Oliveira: Notei que talvez seja esta a primeira vez ou uma das raríssimas vezes que o Sr. Ministro vem à Assembleia debater um problema de conjunto, um problema global, escondendo - esqueceu-o ou ignorou-o- qualquer referência importante à regionalização e à descentralização.
Entendo isso como uma opção política e não como um lapso; entendo isso como uma escolha do Governo, aliás, a confirmar algumas das suspeitas que tínhamos sobre a política de descentralização e de regionalização a seguir, isto é, para o Governo a travar.
Em segundo lugar, eu gostaria de fazer-lhe, pela quarta vez desde que eu estou aqui - o que representa uma vez por ano -, um apelo a que a avaliação do «já feito», daquilo que está para trás comece a ser um hábito mais frequente da parte da Administração portuguesa.
Todos os anos estamos aqui a discutir planos de centenas ou milhares de milhões de contos e são raríssimos os elementos dados e trazidos ao debate de real avaliação do que se gastou. E já nem falo de taxas de execução, porque essas, em geral, reflectem as taxas de levantamentos, que é um assunto diferente da taxa de «execução física», de concretização e de avaliação do que ficou para trás.
Ora, era bom que, de facto, cada vez mais tivéssemos acesso e debatêssemos em total liberdade e com conhecimento de fundo os relatórios de execução das instituições, dos organismos com autonomia financeira e administrativa e o conjunto da avaliação política que o próprio Governo faz da execução em 1988 e da execução em vias de acabamento em 1989. Isso tem sido uma gravíssima deficiência que este Governo, com condições institucionais e políticas muito mais vantajosas do que as anteriores, já poderia ter introduzido na vida portuguesa.
Em terceiro lugar, e cada vez mais brevemente (e o Prof. Adriano Moreira retirou-me palavras), dir-lhe-ei, em resumido e aqui vou repetir um pouco -, que o Sr. Ministro, através do PIDDAC, é o grande financeiro do sistema educativo, que tem a segunda fatia, em termos brutos.
Pergunto se o Sr. Ministro, como «financeiro», não se sente muito seriamente inquieto e preocupado com o facto de aos caloiros deste ano já chamarem a «geração perdida». Não há aulas!... As universidades estão perturbadas e a responsabilidade principal é do Governo!
Em segundo lugar, pergunto se com todo esse investimento, maciço, do PIDDAC, o Sr. Ministro não está preocupado com a zanga dos professores com o Governo e com o Ministério da Educação. Os professores estuo, de facto, profissional e estatutariamente, humilhados na sociedade portuguesa e o Governo não reconhece a dignidade, a utilidade e a importância do papel dos professores. Todo esse investimento, sem homens, sem mulheres, sem profissionais e sem dedicação, faz alguma espécie de sentido?
Por outro lado, pergunto, uma vez mais, Sr. Ministro, quando é que o Governo está disposto e disponível a dar autonomia à investigação científica da Universidade e a não mante-la amarrada ao poder político.
A terminar, Sr. Ministro, pergunto que sentido faz aprovarmos aqui algumas medidas, tais como (e estou a lembrar-me desta, porque é das mais significativas, pois são 2 % do PIDDAC deste ano) a do Centro Cultural de Belém. A obra é discutível, muitíssimo discutível sob qualquer ponto de vista. O conceito é discutível; a localização - a meu ver, humilde ver- é errada. Num dos sítios mais originais, talvez o sítio mais original do património português, que é o Manuelino, entre a Torre de Belém e os Jerónimos, foram implantar aquela «coisa», que ... Bom, veremos o que vai sair dali, daqui a algum tempo!...
No ano passado, aprovámos l milhão de contos para uma obra total, mas quando foi perguntado ao ministro competente quanto ia custar no fim a resposta foi -e ficou escrita- que eram 6 milhões de contos. Este ano perguntei ao ministro competente quanto vai custar o Centro Cultural de Belém, em fim de obra, e o ministro respondeu-me 12 milhões de contos, quando no PIDDAC se referem 14,5 milhões de contos. Que sentido faz aprovarmos planos, a dois ou três anos, se, de ano para ano, a alteração dos custos e dos preços globais é de tal ordem?
Por amor de Deus, não me responda com as técnicas tradicionais do planeamento, porque os defeitos dos anteriores responsáveis nunca justificam os nossos próprios defeitos!... Não faz sentido!
Finalmente, pergunto-lhe quanto é que vai custar, em fim de causa, o Centro Cultural de Belém.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Filipe.

O Sr. Manuel Filipe (PCP): - Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, as Grandes Opções do Plano praticamente não referem que opção, que plano, tem o Governo para com um grande grupo de cidadãos, os portadores de deficiência, que são quase 1 milhão.
O Governo aprovou o Plano Orientador de Reabilitação, mas no presente Orçamento nenhuma verba lhe é atribuída e a sua implementação necessita de vários milhões de contos. Conhecem os Srs. Ministros, por acaso, a forma como vivem os milhares de deficientes deste país? Sc não querem falar com as associações, tais como a APD, o UCNOD, a ACAPO, basta andarem pelas ruas de Lisboa e, rapidamente, vêem como eles vivem!
Foi aprovada nesta Assembleia, por unanimidade, a Lei de Base de Reabilitação, mas, segundo pudemos observar, as verbas disponíveis para a prevenção descem no presente Orçamento.
Para quando, Sr. Ministro, se espera a implementação do chamado Plano Orientador de Reabilitação? Para tal, já existe a Resolução n.º 51/88, do Conselho de Ministros. De facto, em termos sociais, temos de considerar que o Governo é deficitário, tem da criatura humana uma visão economicista e do deficiente um ser que pouco ou nada produz e que, com tal, não conta nos vossos planos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

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O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço as perguntas que tiveram a atenção de me colocar. Gostaria de responder a todas elas, mas, como só disponho de cinco minutos, vou responder apenas a algumas.
No que respeita à regionalização, perguntou-me um Sr. Deputado por que é que me esqueci dela e outro Sr. Deputado insinuou que estávamos a governamentalizar departamentos com preocupações de atrasar qualquer esforço de participação. Srs. Deputados, nunca foi feito tanto esforço de participação como na elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional. Tive ocasião de dizê-lo nesta Câmara; eu próprio tive ocasião de participar em numerosas reuniões, além daquelas que foram promovidas directamente pelas próprias comissões de coordenação regional e por inúmeros técnicos. Um dia, farei a avaliação e o relato de tudo isso, que significou efectivamente um movimento imenso em todo o País...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A verdade é que é através dessa fórmula muito mais pragmática de fazer as coisas, do que através de discursos, que preferimos construir os hábitos da regionalização.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador:- Para nós, a prática de tomar decisões descentralizadas reclama, naturalmente, um conhecimento profundo, até de uma forma de comportar-se num nível que não faz parte da nossa tradição, e isso é feito através do alargamento sucessivo de horizontes, de baixo para cima, e não colocando agentes do Governo central nas regiões. Pelo contrário, o que gostaríamos era de alargar sucessivamente os horizontes e as formas de entender da região e daquilo que vem a ser a problemática regional.
Srs. Deputados, se alguma vez tiverem reuniões com autarcas e responsáveis locais, podem muito bem verificar que nas nossas preocupações estão, em primeiro lugar, os seus concelhos e,, muito remotamente, algumas vezes, o âmbito superior. E preciso, pacientemente, construirmos o hábito da reunião e da cooperação para, então, em passos sólidos, termos a capacidade de pôr estruturas intermédias entre o poder local e o poder central a funcionar sem sobressaltos.
Quanto à avaliação, Sr. Deputado António Barreto, fomos nós quem criou o Departamento de Acompanhamento e de Avaliação de Projectos, que está a funcionar! No primeiro ano, avaliou 50 projectos; no segundo ano, cerca de 100 projectos; hoje, temos mais de 100 projectos a serem acompanhados e avaliados, distinguindo as duas operações que referiu, ou seja, o acompanhamento físico e o financeiro, meramente rotineiro daquilo que vem a ser.
Respondendo à sua pergunta no sentido de saber afinal para que é que isto serviu, se os objectivos que estavam em mente foram atingidos, se isso é que é avaliação, se isso é que a distingue do acompanhamento, devo dizer-lhe que isso está a fazer-se em Portugal através desse Departamento de Acompanhamento e de Avaliação, que existe no Ministério do Planeamento e da Administração do Território.
De maneira que isso que nos aconselha não é nada de novo, não é nada que tenha necessidade de nos recomendar, porque nós, há quatro anos, demos conta de que isso era importante e há quatro anos que estamos a fazê-lo.
É evidente que nos preocupa sempre que um sistema ou um subsistema dentro de um sistema não funcione, mas não estamos nem somos pessimistas. O Sr. Prof. Adriano Moreira disse que fiz um discurso optimista.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É evidente que tenho um discurso optimista, porque tanto eu como os Portugueses temos razões para assim estarmos, não só em resultado dos indicadores tangíveis, mas também das muitas realizações e da modificação de comportamento que está a verificar-se em tudo quanto vêm a ser os diferentes agentes. É outra confiança!
É evidente que é muito arreliador - todos o achamos! - que haja um subsistema dentro de um sistema que está a ter dificuldades de funcionamento. Mas isso não vai ser a morte, e como as pessoas são mais robustas do que o Sr. Deputado Adriano Moreira imagina não ficam destroçadas para a vida se aparecerem com algum tempo escolar de atraso. E digo isto porque muitas outras instituições por esse mundo fora param e isso não acontece... Param os transportes, param os sistemas educativos, param as universidades!... A França, Espanha e muitos outros países têm, neste momento, exemplos de interrupções que são muito gravosas para a vida dos cidadãos!... As pessoas são mais robustas do que se pensa, não são "plantas de estufa" ...

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Peço desculpa, mas já não disponho de tempo.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - São só três ou quatro palavras.

O Sr. Ministro tem filhos em idade universitária?

Vozes do CDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: -Não tenho ... e V. Ex.ª já sabia que não tinha!...

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Atente, pois, Sr. Ministro, mais ao que eu lhe digo do que àquilo de que o informam abstractamente! A geração caminha para estar emocionalmente "perdida" ...

O Orador: - Estamos, naturalmente, atentos, Sr. Deputado! Todos nós nos preocupamos com isto. A verdade é esta: se eu não tenho filhos, o Sr. Ministro da Educação, que amanhã irá intervir, esse tem filhos para todas as idades e para todos os feitios!...

Risos do PSD e do PS.

Amanhã, o Sr. Ministro responderá a V. Ex.ª Ao Sr. Deputado Manuel Filipe, muito rapidamente, direi que o Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social terá oportunidade de referir tudo o que respeita aos deficientes e, portanto, de esclarecê-lo.
Dir-lhe-ei, contudo, que na minha intervenção tive oportunidade de salientar o tom e a nossa perspectiva fundamental: o que preferimos é suscitar o envolvimento de organizações não governamentais, que se encarregam de muitas coisas e, nomeadamente, esse é um campo importante.

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Finalmente, Sr. Deputado António Barreto, quanto ao Centro Cultural de Belém, devo dizer que houve muitas evoluções no que respeita à construção desse Centro. Ele tem componentes diversas e a nossa ambição foi melhorada, acomodada. Previa-se, em determinada ocasião, o afundamento da via férrea e da rodovia que se encontra ao lado desse Centro e verificámos que não tínhamos meios para tanto e que podíamos diferir algumas coisas. Há uma parte destinada a museu, outra a galerias, outra a auditório e centro para grandes reuniões. Efectivamente, houve composições diversas que foram acomodadas às receitas.
Quanto ao preço final, quando for feito o concurso de adjudicação da obra, estaremos em posição de quantificar rigorosamente aquilo que vai custar. Neste momento, são estimativas, que, como sabe, variam muito, e variaram ainda mais porque fomos "puxando" a nossa ambição, tentando conciliá-la com as receitas, que são um "tecto" fundamental para tudo isto.
Termino, reforçando o meu optimismo relativamente ao pessimismo do Sr. Prof. Adriano Moreira. Há razões para sermos optimistas; há razões para levar por diante o desenvolvimento de toda a sociedade que temos e é nossa ambição não destruir ninguém. Aliás, relativamente aos jovens, como tive ocasião de referir na minha intervenção, é nossa ambição chamá-los e envolvê-los neste grande movimento que é a preparação do futuro.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão ainda inscritos para intervenções os seguintes Srs. Deputados: Rui Macheie, Apolónia Teixeira, António Campos e Joaquim Marques e todos os outros que para o efeito venham a solicitar a palavra.
Interrompemos agora a sessão para o jantar e retomaremos os nossos trabalhos às 22 horas.
Está, pois, suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 22 horas e 25 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Macheie.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Governo, em cumprimento dos seus deveres constitucionais, apresentou a esta Assembleia, em devido tempo, a proposta de lei de Orçamento do Estado para 1990 - a proposta de lei n.º117/V -, o qual deve ser elaborado, como prescreve o artigo 108.º, n.º 2, da nossa lei fundamental, "de harmonia com as grandes opções do plano anual", submetidas igualmente à discussão nesta Câmara através da proposta de lei n.9 118/V.
De um modo geral poderemos dizer que este Orçamento se caracteriza por ser uma continuação da política financeira anterior, revelando, na permanência dos seus objectivos e na alteração muito gradual de alguns dos seus parâmetros, a firme intenção de prosseguir um projecto de legislatura, já parcialmente explicitado no PCEDED.
É uma estabilidade que apreciamos, factor positivo de uma situação política de maioria absoluta que permite planear e executar em períodos de quatro anos, experiência a que o país não estava habituado e por que ansiava.
Continua, de resto, a antecipar-se para o próximo ano, tal como aconteceu desde 1985, um contexto económico externo favorável, o que facilita a concretização daqueles objectivos e amacia alguns sacrifícios.
Essa relativa tranquilidade no devir económico do curto prazo, tanto no domínio exterior como no interno, que assim se prevê e pressupõe na tomada das opções orçamentais, contrasta, porém e violentamente, com as profundas mutações a que estamos a assistir no campo político, primeiro na Europa Oriental e na União Soviética e, depois, em consequência daquelas, na cena mundial.
A crise dos sistemas políticos comunistas nos países do Leste europeu modifica radicalmente os dados do universo que nos era familiar. O livre franqueamento do "muro de Berlim" representa, em todo o seu simbolismo, a destruição de um instrumento, sinal de intolerável repressão usado por um regime liberticida, mas é também o fim de uma época e começo de uma nova fase da História cujos contornos ainda não conhecemos minimamente.
Esses sucessos comoventes e auspiciosos da afirmação de liberdade e da democracia terão inevitavelmente impacte profundo sobre os fluxos intereuropeus de bens e serviços e dos próprios investimentos; constituem, sobretudo para as comunidades europeias, uma enorme oportunidade e também um grande desafio. A resposta que a CEE lhes der será também um poderoso factor de transformação das próprias comunidades. É futurologia saber se a coesão comunitária sairá reforçada ou, pelo contrário, se as ambições de maior integração se dissolverão na fluidez de múltiplos acordos de cooperação e no temor da supremacia germânica. Uma coisa parece, porém, certa: Portugal, como, aliás, os outros Estados do Sul, não ficará imune às consequências da deslocação do centro de gravidade para a Europa Central e para o problema alemão.
Este facto novo e da maior relevância nas relações internacionais é a um tempo político e económico e não poderá deixar de, desde já, ser tomado em consideração. As GOP já o assinalaram como lhes cabia, mas pensamos que no futuro haverá que emprestar-lhe uma maior atenção como a sua enorme importância justifica e melhor diremos adiante.
Poderemos, em síntese, dizer que, se a conjuntura se apresenta com uma certa estabilidade, em ri uno lento de mudança, são previsíveis a médio prazo, no nível europeu, mutações estruturais muito importantes, que obrigarão a que todos os países membros da CEE revejam as suas estratégias e as acomodem à eventualidade de cenários bem diferentes dos que eram razoavelmente possíveis há apenas alguns escassos meses.
Sc transferirmos esta nova situação para o binómio GOP anuais/Orçamento, diremos que aquelas, por mais sensíveis ao entrelaçar do curto com o médio prazo, poderão mais rapidamente traduzir as novas preocupações, mas que o Orçamento não lhe deve ficar indiferente muito tempo.
Será, de resto, cada vez mais necessário que a preparação do Orçamento e das GOP se faça em estreita cooperação, em relação dialéctica sistemática, e não, como até agora tem acontecido, através de uma concordância superficial obtida as mais das vezes ex post.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: As variáveis macroeconómicas fundamentam um optimismo confortável. O PIB tem uma expectativa de crescimento para 1990 de 4% , apenas um ligeiro abrandamento em relação aos 5% estimados para este

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ano; a formação bruta do capital fixo rondará os 9% de aumento e a taxa de desemprego manter-se-á ao reduzido nível actual; o défice da balança de transacções correntes será da ordem dos 3,5% do PIB, um limite razoável que não colocará dificuldades ao seu financiamento.
O Governo pretende - e muito bem! - conseguir um abrandamento da procura global, de modo a diminuir as tensões inflacionistas. Com efeito, neste panorama, a inflação é o único dado desmancha-prazeres. O seu valor em 1989 será muito superior ao previsto pelo Governo aquando da apresentação do Orçamento para o ano em curso, e agora deseja-se que baixe dos 12 % ou 13 % actuais para 9,5 % ou 10,5 % de aumento do IPC.
O combate à inflação reveste-se, assim, de uma importância fundamental, devendo, a nosso ver, constituir uma das mais altas prioridades da política monetária e orçamental. A influência negativa da inflação na competitividade das nossas exportações, na redistribuição dos rendimentos, nas expectativas e comportamentos dos agentes económicos e nas distorções que introduz nas previsões orçamentais e nos planos dos empresários e sindicatos são, aliás, bem conhecidas.
Reconhecemos a dificuldade da tarefa, sobretudo se considerarmos que não parece curial lançar mão do método simplista de manipulação da taxa de câmbio pelos efeitos desastrosos que uma revalorização do escudo arrastaria a médio prazo na competitividade das nossas indústrias exportadoras, contraditória também com o crawling peg que tem sido utilizado, e que, por outro lado, não é possível um rápido incremento da oferta interna pelo elevado nível de utilização já atingido da nossa capacidade instalada e do emprego.
É provável que o nível alto do investimento dos anos anteriores se projecte num incremento da oferta que ajude a aliviar tensões, mas será, como nota o Governo, do lado da procura que se poderão alcançar os resultados mais significativos. Não se querendo sacrificar o investimento, nem o público nem o privado, elemento decisivo numa estratégia de desenvolvimento - e o Governo entende e bem que não o deve fazer -, resta-nos a restrição do consumo público e privado. Afigura-se-nos, porém, que, num caso e noutro, a relativa morigeração das restrições e o lento desenrolar da desaceleração ao longo do primeiro semestre de 1990 não permitirão facilmente atingir as reduções na taxa de inflação que se desejam.
Pensamos ser justo reconhecer o esforço desenvolvido pelo Ministério das Finanças no sentido de conseguir maior transparência das contas públicas, contabilizando as dívidas ocultas já existentes e o que chamou "racionalização dos juros da dívida pública", isto é, o esforço de aproximar o recurso ao crédito pelo Estado das condições de mercado. A dívida pública (juros e amortização) constitui um enorme factor de rigidez nas necessidades de financiamento do sector público, rigidez de que só a pouco e pouco nos poderemos libertar.
As necessidades de financiamento do sector público atingirão, segundo os cálculos que nos foram apresentados, 9 % do PIB, sendo 1,3% representado pelas necessidades do sector empresarial do Estado - apesar do esforço feito, temos de convir ser ainda muito elevado, mesmo descontando a parte destinada a investimento, e constituir um importante factor de inflação.
Gostaríamos de ver considerada a hipótese de uma aceleração do processo das privatizações, de modo a multiplicar a receita de 158 milhões prevista para as alienações das partes sociais de empresas. Continuamos também a pensar que medidas adequadas de reestruturação administrativa e de desregulamentação permitiriam poupar somas apreciáveis. Neste capítulo, importa - diga-se entre parêntesis - assinalar e aplaudir a recente proposta da reforma da contabilidade pública e das auditorias financeiras. Há, todavia, que dizer que se trata de uma tarefa a realizar com muita determinação por vários anos e que se segue já no bom caminho com o decréscimo das despesas totais de 2,8 pontos percentuais em relação ao PIB. Há, porém, que acentuar ainda mais a descida.
As necessidades de financiamento do sector público pelo seu montante continuam a provocar um fenómeno de evicção ou crowling out no volume do crédito destinado ao sector privado, o qual tem continuado sujeito a limites, agora mais rigorosos no seu enquadramento. Essa pressão da procura de financiamento pelo Estado contribui para a elevação das taxas de juro e gera dificuldades às empresas com menor capacidade de autofinanciamento e de endividamento. Representa, assim, um importante factor de estrangulamento na economia e, a manter-se, torna menos exequível a substituição da política de contingentemente do crédito por operações de open market.
Estas são as razões adjuvantes e não das menos importantes para que se torne premente a redução do défice público pela diminuição das despesas do consumo público e pelo aumento das receitas.
No capítulo das receitas imporia apontar o desagravamento fiscal do IRS, o qual se traduz em menor punção sobre o rendimento das famílias, tomado possível em grande parte pelo sucesso da recente reforma fiscal.
De um ponto de vista global, o peso da fiscalidade diminuirá um pouco, para 22 % do PIB, de acordo com as previsões. Os meios de pagamento em poder de particulares vão assim, em termos reais, aumentar, ainda que ligeiramente. Tal medida, em si importante como diminuição do peso constringente do Estado, não favorece, porém, o combate à inflação. Não pomos em causa as diminuições nos impostos directos que nos parecem de justiça, mas os desagravamentos poderiam talvez ser compensados noutras partes do sistema fiscal, na chamada "fiscalidade indirecta", nalguns impostos especiais e nas taxas por serviços prestados.
Quanto às despesas, convirá registar com encómio os aumentos nos sectores da educação e da saúde e, de um modo geral, o investimento em infra-estruturas, particularmente quando se trada de programas comparticipados pelos fundos estruturais comunitários, designadamente no âmbito do PIDDAC. O montante global das despesas, por seu turno - cê outro aspecto a mencionar a crédito do Governo - diminuiu em 2,8% do montante total do PIB em relação ao Orçamento do Estado de 1989, como já referimos. São tudo resultados significativos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As Grandes Opções do Plano, como já se vem tornando habitual, são um documento bem feito e bem informado sobre as realidades da integração europeia. Gostaríamos, todavia, de nelas ver reflectido, como acima dissemos, mais do que uma simples menção aos eventos do Leste europeu.
Portugal é -c, com grande probabilidade, será sempre- um país periférico na Europa. A deslocação do eixo para a Europa Central requer que o nosso país faça um grande esforço para se reeentrar através do desenvolvimento e reforço das nossas relações com os Estados Unidos da América, o nosso vizinho mais próximo além Atlântico.

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As potencialidades da economia americana, o interesse que, apesar de tudo, a América continua a manter na Europa, bem evidenciado pela sua presença militar e pelos receios suscitados por 1992 - o mito do "Fortress Europe" tornou-se relativamente popular nos media e nos meios empresariais americanos -, devem ser aproveitados para tornar Portugal um parceiro privilegiado e uma porta de entrada apetecida para o mercado europeu. Os laços a reforçar não devem limitar-se ao campo puramente económico, mas estenderem-se à cooperação cultural, universitária, científica e tecnológica. Portugal reganhará deste modo poder de negociação perante os outros países europeus e contrabalançará uma força centrífuga demasiado unidireccional que atrai as suas mais diversas instituições para os países da Europa comunitária.
Convirá também não negligenciar os laços com o Brasil, país-irmão com o qual raramente passámos da retórica à prática, e, naturalmente, aprofundar também todas as vantagens mútuas que portugueses e africanos dos países de expressão oficial portuguesa têm a retirar da cooperação.
Trata-se, em suma, de aplicar uma vez mais a velha fórmula cautelar da sabedoria do nosso povo, que aconselha a não "pôr todos os ovos no mesmo cesto". Por outra parte, o tempo de que dispomos antes de se poderem sentir os efeitos da deslocação do centro de gravidade da Europa para leste é pouco e importa aproveitá-lo bem e depressa.
Sou e continuo a ser um europeísta convicto e desejo ardentemente que a construção europeia prossiga sem desfalecimentos. Temos muito a ganhar com ela. Essa posição não me leva, porém, a ignorar as conveniências de se tomarem as precauções adequadas. É toda uma orientação a animar os mais diversos ministérios e serviços, desde os negócios estrangeiros, passando pelos ministérios económicos, a educação e cultura, até à própria defesa.
As políticas, para serem eficazes e conformarem o real, têm obviamente de ter tradução no campo orçamental. Este ano, dado o tempo que necessariamente medeou entre a preparação do Orçamento e a sua apresentação, não seria certamente possível fazê-lo, mas, no próximo ano, as GOP e o Orçamento já deveriam reflectir as novas realidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: as considerações que expendi permitem facilmente inferir que considero, em meu nome e no do meu grupo parlamentar, as GOP e o Orçamento do Estado apresentados à Assembleia da República como merecedores de aprovação.
Quero ainda dizer que o faço não apenas por deverosa solidariedade partidária -a que nunca me tenho escusado - mas por convicção pessoal. Não me eximo nunca a produzir as observações que a reflexão me dita. O ámen cego e venerador seria uma ofensa à dignidade de deputado, a esta Assembleia e ao meu partido, por isso mesmo, a adesão ou a aprovação adquirem assim um outro e mais profundo significado. É neste espírito que recomendo a aprovação, na generalidade, desta proposta de lei do Orçamento, pois que, com ele, se servem os interesses do País.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento inscreveram-se a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques e os Srs. Deputados Rui de Almeida Mendes e José Magalhães.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Deputado Rui Machete, V. Ex.ª fez, como nos tem habituado, uma intervenção que veio elevar enormemente o tipo de discussão que temos tido aqui sobre o Orçamento. Foi uma análise crítica e cuidada do Orçamento e das Grandes Opções do Plano que nos foi apresentada e só lamento que o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro das Finanças não tivessem podido beneficiar da apresentação do seu discurso.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): -E também o secretário-geral do PS.

A Oradora: - As perguntas que queria fazer-lhe - e vou fazê-las muito rapidamente, porque temos o tempo muito limitado - dizem respeito ao seguinte: o Governo diz no relatório que acompanha o Orçamento do Estado que o primeiro objectivo estratégico da política orçamental para este ano é aproximar os indicadores da economia portuguesa da média dos países da CEE, sob pena de não vermos os resultados da adesão de Portugal à CEE atingirem os níveis pretendidos.
Como o Sr. Deputado sabe, os indicadores em que mais nos afastamos da média da CEE são a taxa de inflação e o défice orçamental. Não considera o Sr. Deputado que com o Orçamento que o Governo nos apresenta, com uma taxa de inflação prevista que é mais do dobro da média da CEE e com o crescimento do défice orçamental, em termos de aumento do PIB, nos estamos a afastar dos objectivos estratégicos do Governo?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado referiu e bem! - a evolução do que se está a passar na Europa do Leste. Considera ou não, Sr. Deputado, que as Grandes Opções do Plano, em termos de médio prazo, tom de ser revistas a essa luz?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Rui Machete deseja responder no fim a todos os pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Rui de Almeida Mendes.

O Sr. Rui de Almeida Mendes (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que a intervenção do Sr. Deputado Rui Machete foi, de facto, notável a todos os títulos, tanto pela sua correcção partidária como pela eficácia da sua análise.
Gostaria, contudo, de colocar-lhe alguns pedidos de esclarecimento que julgo úteis para podermos compreender o seu pensamento. Penso que o Sr. Deputado foi extremamente prudente no que se refere às consequências dos acontecimentos que se estão a verificar na Europa do Leste. Julgo que "periféricos" somos sempre; periférica também é a Noruega, também o são outros Estados - isso resulta da própria natureza da geografia, mas não nos levará, neste momento, a desmoralizar!
Coloco-lhe, pois, esta pergunta: considera ou não que os acontecimentos do Leste poderão ter como consequência efeitos benéficos para Portugal?
Haverá certamente, em termos políticos, uma "recentragem", mas, por outro lado, haverá, com certeza - e não digo a curto prazo -, uma diminuição das despesas militares dos países da Europa Ocidental.

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E, por outro lado, haverá também a abertura aos nossos produtos, aos produtos comunitários nos mercados dos países do Leste. Estes são mercados ávidos de produtos de consumo, lá não podem comprar aquilo que há de melhor no mercado, nem poderão comprar aquilo que há de mais caro. Têm de optar por aquilo que represente uma tecnologia intermédia ou uma tecnologia menos avançada. De resto, é também aquilo que se passa em Portugal: não podemos ter os automóveis da melhor qualidade, não temos os Mercedes a rolar nas nossas auto-estradas como na Alemanha, mas há o desejo, sim, de haver o Fiat Uno.
Portanto, pergunto-lhe, de novo, se não poderá, por estes dois factores - por um lado, pela redução das despesas militares e, por outro lado, pela abertura à importação de produtos adequados às economias do Leste - ser vantajoso para Portugal o resultado dos acontecimentos que estão a ocorrer no Leste europeu.
A última questão que queria colocar-lhe é a seguinte: o Sr. Deputado falou - e julgo que com algumas reticências- do ritmo lento de privatizações, que apenas atingiriam uma receita para o Estado de 158 milhões de contos. Sr. Deputado, quando estavam previstos no Orçamento do Estado deste ano para pagamento de todas essas empresas apenas 200 milhões de contos e se, para o ano que vem, com meia dúzia de empresas a privatizar, o Estado terá uma receita de 158 milhões de contos, a pergunta que lhe coloco é a de saber se considera justo ou não o pagamento que foi feito aos expropriados das empresas públicas.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Machete: V. Ex.ª comportou-se, um pouco, como aquele professor em exame que, examinando um aluno dilecto, só lhe pergunta aquilo que ele sabe para concluir com uma nota boa. Evitou alguns dos temas que poderiam ser mais dolorosos para o examinando; obviamente, o examinando só pode sorrir de alegria, ninguém lhe perguntou sobre a matéria difícil...
Gostaria que V. Ex." pudesse, apesar de tudo, não deixar de se interrogar sobre uma matéria difícil, qual seja o facto de esta equipa, cujos esforços V. Ex." saudou, ter sido pouco aplicada em matéria de cumprimento da Constituição revista. A Constituição financeira foi revista e foi-o em domínios fulcrais. Dir-se-ia que a equipa do Ministério das Finanças acompanhava apaixonadamente o debate da revisão constitucional; meses depois, quem ler o Orçamento dirá que a equipa não leu a Constituição!
Por um lado, aconteceu que não se deu a revisão da lei de enquadramento previamente, nem sequer a reforma da contabilidade pública, que, por acto natural, deveria ter tido lugar antes. Por isso, a equipa governamental enxertou aos bochechos uma parcela da reforma da contabilidade pública no bojo do próprio Orçamento, o que, suponho, não será canónico e, sobretudo, poderá ler consequências pérfidas.
Em segundo lugar, aparentemente, o Governo não descobriu que a Assembleia da República passa a aprovar os orçamentos dos serviços e fundos autónomos. Em que é que se traduz a aprovação? Traduz-se no acto através do qual a Assembleia da República aprova de "carimbo" uma verba gorda, que pode ser 200 e tal milhões, pode ser 40 e tal milhões, pode ser 50 e tal milhões, sem conhecer o respectivo Orçamento e sem ter, sequer, um desenvolvimento mínimo desse Orçamento. Ora, eu entenderia que isso era pouco curial, para não dizer mesmo inconstitucional. Lá vamos todos parar ao Tribunal Constitucional, outra vez, só com um ano de atraso, só com aquela abençoada norma que permite ressalvar os pecados passados em benefício da virtude futura!
Gostaria que V. Ex." se pudesse pronunciar sobre essa matéria, uma vez que o Sr. Deputado Rui Macheie não ignorará a Constituição.
Por outro lado, o que é que é feito da norma constitucional que obriga a Assembleia da República a aprovar as grandes opções sectoriais? Isso não pode ser, apenas, a aprovação daquele elegante "cachucho", a letras verdes, que tem vários milhares de palavras escritas. Há-de haver uma formulação precisa no corpo da lei, não um folheto, não um relatório, não uma coisa para se traduzir para francês, inglês, ele., mas uma norma jurídica! V. Ex.º vislumbra essa norma jurídica ou prepara essa norma jurídica por seu punho, como tantas vezes acaba por acontecer - estilo bombeiro -, para à última hora a integrar nas GOP, na altura da votação?
Outro aspecto, Sr. Deputado Rui Macheie: a proposta de lei do Orçamento foi feita à margem da nova orgânica do planeamento. A Consumição é revista quanto ao planeamento, o Plano (com pê grande) acaba, vem o plano (com pê pequeno) e no plural. A orgânica é lambem alterada quanto à própria estrutura de conselho e ninguém ouve ninguém falar da criação do Conselho Económico e Social. A bancada do Governo está calada, muda e queda, e, em qualquer caso, este Orçamento foi feito no velho quadro, num quadro decadente, moribundo, pouco potente, o que se reflectiu também na debilidade do trabalho de crítica das GOP, que leriam beneficiado, como é óbvio, do facto de terem sido apreciadas por um conselho mais vigoroso, mais cheio de legitimidade.

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Orador: - Gostava, Sr. Deputado Rui Macheie, que, sendo um aluno tão interessante e ião fagueiro e sabendo tanto, pudesse V. Ex.a, já que ele é calado, respondermos como é que V. Ex.ª vai compatibilizar este Orçamento com a Consumição revista na parte em que autoriza este Governo a alterar os orçamentos de programas nas classificações orgânicas? Como é que isso vai ser? Ou não vai ser?...

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Macheie.

O Sr. Rui Machete (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer à Sr.ª Deputada Helena Torres Marques a gentileza das palavras com que introduziu as suas perguntas.
Começo por dizer-lhe que, em relação aos objectivos que este Orçamento e a política do Governo se propõem atingir, ou seja, diminuir a distância que nos separa da Comunidade Económica Europeia, deram-se alguns passos nesse sentido. Quererá V. Ex.ª que os passos sejam mais alargados e que, portanto, a distância diminua mais rapidamente... Naturalmente que a Sr.ª Deputada acompanha-nos nesse desejo.
Todavia, se V. Ex.ª verificar verá que, por exemplo, em matéria de inflação, se apontam como objectivos os

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9,5% a 10%. Ora, isto traduz-se numa diminuição significativa- aliás, já tive ocasião de dizer, com bastante franqueza, que, pessoalmente, via com alguma dificuldade que esse objectivo fosse conseguido, e espero bem que esteja enganado -, significou já um esforço grande e um esforço que o Governo explicou de uma maneira clara, dizendo que era, basicamente, através da diminuição da procura, das restrinções, sobretudo, na zona do consumo, que elas seriam conseguidas.
O mesmo se diz em relação ao défice, e ou eu não acompanho V. Ex.ª quando disse que este aumenta, visto que os números que aqui são referidos não apontam no sentido do aumento do défice, mas, sim, apenas no sentido da sua ligeira diminuição, sobretudo de uma diminuição mais significativa, tendo em consideração a percentagem do produto interno bruto.
Quanto à questão que V. Ex.ª colocou acerca da necessidade da revisão das Grandes Opções do Plano a Médio Prazo em função dos acontecimentos, isso parece-me óbvio e resulta justamente do facto de as condições da ambiência externa se terem alterado tão subitamente e de evoluírem tão rapidamente.
Penso que aqui não há qualquer crítica que possa fazer-se ao Governo porque este não poderia adivinhar - aliás, ninguém pode adivinhar, nem os próprios países que rapidamente estão a ver a democracia a avançar e a implantar-se no seu próprio território -, mas julgo que é pertinente dizer-se que certamente essa situação será tida em consideração, havendo, apesar do curto espaço de tempo que mediou, como já tive oportunidade de dizer, nas GOP anuais uma referência, o que, aliás, é extremamente positivo e certamente não se pode ir mais além.
De facto, isso era difícil, não só dado o curto espaço de tempo de que se dispunha e a data em que as GOP foram elaboradas como também porque a situação ainda não é hoje -como V. Ex.ª sabe- muito clara em alguns dos seus aspectos, precisando de ser equacionada.
Ao Sr. Deputado Rui Almeida Mendes e meu grande amigo, direi que, de facto, pode haver algumas vantagens para Portugal - aliás, não tenho uma leitura necessariamente dramática dos acontecimentos em termos dos nossos interesses económicos. Em primeiro lugar, porque, digamos, o júbilo político e democrático que me causa a evolução a leste nos impediria de termos esse tipo de reacção; em segundo lugar, porque, efectivamente, há várias oportunidades que se nos abrem. Algumas delas V. Ex.ª mencionou-as e existem, como sejam a redução das despesas militares e as oportunidades de mercado, muito embora tenhamos de reconhecer que as economias de leste têm estruturas de produção bastante paralelas, em muitos aspectos, às nossas, pelo que não é de presumir aí e nessa matéria grandes possibilidades de conquista de novos mercados.
Quis significar que era importante, de algum modo, esforçarmo-nos por centrar o nosso país, por explorar todas as oportunidades e por não seguirmos uma via unidireccional, isto sem prejuízo de continuar a acreditar que é importante que a Europa se cumpra de acordo com aquilo, que está previsto no Tratado de Roma e agora no Acto Único Europeu, mas é evidente que só um cego é que não tomaria algumas precauções e não poria algumas questões metodológicas que a cautela aconselha... De resto estou, naturalmente, de acordo consigo.
Quanto ao ritmo das privatizações, exprimi um desejo e, embora reconheça que a matéria é difícil, devo lembrar que, neste momento, está pendente na Assembleia
uma discussão extremamente importante acerca da lei do enquadramento a que deverão obedecer as privatizações. Espero que este diploma possa ser aprovado rapidamente, através de uma discussão ampla e aberta, como a que se iniciou, pelo que é provável que estejamos em condições de acelerar um pouco esse processo. Fiz, e faço, votos para isso, sem desconhecer que existem reais dificuldades para proceder a esta discussão; em todo o caso admito perfeitamente que isso seja possível.
O problema do pagamento das expropriações que V. Ex.º abordou não é novo e já foram dados alguns passos em matéria de justiça social nos diplomas apresentados quer pelo Governo, quer pelo PS. De facto, não sei se é realista ir mais além, pois, pessoalmente, penso que vai ser difícil, mas, em todo o caso, é um problema que estará sempre em aberto, como questão política que é.
O Sr. Deputado José Magalhães, revivendo os tempos da revisão constitucional, veio colocar algumas questões acerca do cumprimento, por parte do Governo, da Constituição revista no que diz respeito à actualização, digamos assim, de algumas das instituições.
Devo dizer que as suas críticas são, de um modo geral, injustificadas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - De um modo geral... E em particular?

O Orador: - E digo-o porque, como V. Ex.º bem compreenderá, estamos a retomar praticamente os trabalhos nesta sessão legislativa - aliás, houve algum tempo, não direi perdido, mas, de facto, foi uma oportunidade pouco feliz a da oposição ao apresentar a sua moção de censura, pois perdeu-se tempo inutilmente, penso eu, a não ser em termos de revivescer a democracia, e isso é positivo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi apenas um dia!

O Orador: - Em todo o caso, a grande discussão poderia ter sido feita a propósito da aprovação ou rejeição do Orçamento do Estado e poupar-se-iam algumas semanas preciosas.
Seja como for, falta, naturalmente, o Conselho Económico e Social; porém, não há razão alguma para que a proposta caiba em exclusivo ao Governo. V. Ex.º e o seu grupo parlamentar podem apresentar uma proposta, e que eu saiba ainda não o fizeram. Portanto, se há culpa, ela está repartida por todos nós!
Quanto à lei do enquadramento idem idem, aspas aspas; trata-se de uma matéria que necessita de uma reflexão aprofundada e que está aberta à iniciativa quer do Governo, quer dos grupos parlamentares.
Se V. Ex.ª tiver olhado com atenção para o Orçamento do Estado terá verificado que já houve um esforço no sentido da adaptação às novas realidades, que são muito recentes, como V. Ex.º sabe, e assim parece ser infundada a crítica que V. Ex.ª fez em matéria de orçamentos autónomos, pois eles já aparecem, ou seja, já aparecem as indicações das receitas e as das despesas.
V. Ex.ª dirá: "Isso não me satisfaz!" É provável que haja motivo para aperfeiçoamento, contudo há que registar que houve um primeiro esforço, esforço esse que considero apreciável.

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O mesmo se pode dizer, embora aí a novidade não tenha possibilitado ir muito longe, em matéria de umas primeiras menções sectoriais quanto ao Plano. Não há, do ponto de vista formal, mas de acordo com este ponto de vista nada indica no sentido de essas menções terem de ser feitas neste momento e já nesta matéria.
Em conclusão, diria que, Sr. Deputado José Magalhães, no capítulo de adaptação das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado às disposições constitucionais, o Governo fez um esforço e um esforço sério. Nestas circunstâncias, não lhe podem ser imputadas todas as lacunas que existem e que são perfeitamente compreensíveis face ao curto lapso de tempo que até agora decorreu desde a entrada em vigor da Constituição.
Devo dizer que os grupos parlamentares estão neste capítulo na mesma situação ou numa situação mais grave do que a do Governo, pois enquanto este já deu alguns passos, os grupos parlamentares, incluindo o meu, ainda não deram passo algum. Portanto, nestas circunstâncias...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito obrigado por me ter concedido esta interrupção. Gostaria apenas que V. Ex.ª moderasse ligeiramente essa igualdade. Por uma vez sejamos igualitários!...
Estava o Governo a preparar o Orçamento do Estado para 1990 e a 8 de Agosto entrou em vigor a Lei de Revisão Constitucional, com todas as consequências. Que fazer?
Aparentemente, o Governo fez como estava a fazer antes, isto é, continuou como se não tivesse havido verdadeiramente revisão constitucional; em Setembro não aconteceu nada e, todavia, o Governo é o único responsável pela preparação da proposta orçamental. Como se sabe, ele tem o monopólio da iniciativa. Ora, esse processo continuou a laiere, desfasadamente.
Julgava ter conseguido exprimir claramente um ponto - mas, pelos vistos, não o consegui -, que é o seguinte: está gerada uma situação que é um bocado bizarra: não há lei de enquadramento revista, mas há Constituição revista. Assim, há o Orçamento que daqui sair, porque ele ainda pode ser corrigido, e não há lei intermédia.
Isto pode originar um conflito gravíssimo, como sabe, um conflito de constitucionalidade. Não sei como é que isto se dirime em termos de legalidade, mas parece-me obseuro. Suponho que V. Ex.º não dará uma boa nota a este modus agendi e não coloca no mesmo banco o Governo e as oposições.

O Sr. Rui Macheie (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, acho que V. Ex* exagera na sua propensão marginal para o trágico, sobretudo quando considera as faltas imputáveis ao Governo.

Risos do PSD.

O Orador:- Penso sinceramente que há uma nota positiva no esforço revelado. Existem normas de adequação que têm de ser elaboradas, mas não deveríamos sacrificar a apresentação pontual do Orçamento, senão provavelmente teríamos um Orçamento a entrar em vigor em Março ou Abril, o que seria francamente desastroso.
Portanto, não comungo desse sentimento que V. Ex.º tem de reprovação do Governo em matéria de direito constitucional, pelo que penso que passa com uma nota razoavelmente boa.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: O rigor da análise ao orçamento da Segurança Social e a frieza dos números ali propostos desmistificam o calor da demagogia governamental. Nele mais uma vez se abandonam os reformados, pensionistas e idosos.
A análise do Orçamento da Segurança Social evidência, desde logo, uma grave distorção quando as despesas com as prestações são inferiores às das receitas previstas com as contribuições.
Esta situação é inadmissível face ao baixo nível das prestações praticadas, particularmente das pensões e reformas, um dos factores de pobreza e agravamento das injustiças sociais na sociedade portuguesa. O sistema de repartição em que se baseia a Segurança Social justificaria, no mínimo, que as prestações não fossem inferiores às contribuições.
Simultaneamente, verifica-se uma clara e inadmissível redução da participação do Orçamento do Estado com a Segurança Social - sem o Fundo Social Europeu as verbas previstas para a função social do Estado subiriam apenas cerca de 5 % (em 1989, 65,6 milhões de contos; em 1990, 69 milhões de contos), muito abaixo dos valores previstos com a inflação.
Comparativamente com os anos anteriores, o peso da protecção social no Orçamento corresponde a 2,6 % em 1990, contra 3,1 % em 1989 e 3,7 % no Orçamento de 1988. É uma opção que acentua as desigualdades sociais!
Se Portugal é já hoje um dos países da Comunidade Europeia onde é mais baixa a despesa com a protecção social em função do PIB, os indicadores para 1990 são inaceitáveis.
Os gastos traduzem-se assim nos baixos valores das prestações praticadas.
Os reduzidos aumentos das pensões e reformas decretadas para o próximo ano indicam claramente a intenção do Governo em votar ao abandono os reformados e pensionistas.
Os montantes anunciados de 17 000$ para a pensão mínima do regime geral, 12 300$ para os rurais e 11200$ para a pensão social são comprovadamente insuficientes. Não repõem, no mínimo, o valor das pensões e reformas degradadas pela inflação, degradam os montantes das pensões acima das mínimas e distanciam ainda mais os valores das pensões mínimas do montante do salário mínimo nacional.
Se em 1989 a pensão mínima do regime geral correspondia a 48,7 % do salário nacional, em 1990, considerando na pior das hipóteses o acréscimo da massa salarial previsto no Orçamento do Estado, a pensão mínima passará para 46,8 % do salário mínimo nacional.

O Sr. João Amaral (PCP): - É um escândalo!

O Oradora: - Esta tendência, esta opção governamental, não só contraria orientações e recomendações internacionais como cava ainda mais o fosso das desigualdades sociais.

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Em contraste com a política anti-social do Governo, o Grupo Parlamentar do PCP, através das iniciativas legislativas apresentadas, proeurou garantir aos reformados e pensionistas um aumento intercalar que, no mínimo, viesse repor o valor dos seus rendimentos degradados pela inflação verificada.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Inadmissivelmente, o PSD inviabilizou a sua discussão e votação.
Apresentámos de imediato um projecto de lei que visa a revalorização das pensões e reformas e a alteração da forma de cálculo.
No quadro da discussão e votação do Orçamento do Estado de 1990, o PCP apresentará as propostas que garantam os valores necessários à sua execução.
Tais propostas são justas, financeiramente exequíveis e tecnicamente viáveis! A questão está em saber se este Governo quer continuar a praticar uma política de abandono dos reformados ou se quer promover a política de justiça e dignidade que os reformados, pensionistas e idosos reclamam.

O Sr. João Amaral (PCP):- Muito bem!

A Oradora: - Se esta é uma questão central, que envolve milhares e milhares de cidadãos, outras vertentes do orçamento da Segurança Social merecem referência nesta intervenção.
São menos 11 600 milhões de contos, em relação a 1989, para o auxílio material aos desempregados, à custa da precarização do emprego e de uma reduzida taxa de cobertura dos desempregados.
De acordo com as estatísticas da Segurança Social, os gastos em matéria de desemprego, em 1988, apenas cobriram 20 % do número oficial de desempregados.
Também os valores orçamentados no apoio à infância provam e confirmam igualmente a indiferença deste Governo, bem evidenciada nos valores dos abonos de família praticados!
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: A área social é o parente pobre deste Orçamento.
Tal como os trabalhadores, os reformados, os pensionistas e os idosos não encontram neste Orçamento resposta para os seus problemas e para as suas aspirações.
O PCP, com as suas propostas, procurará abrir um caminho novo e célere para acabar com as dificuldades existentes e aproximar socialmente os cidadãos, dando justa protecção àqueles que mais dela necessitam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Apolónia Teixeira, vou começar pela última afirmação que aqui nos fez e desejo francamente que isso corresponda à verdade: é que o PCP vai procurar um caminho novo, nomeadamente no sentido de contribuir para a resolução do problema das classes sociais mais desfavorecidas, que é o que não tem feito até agora.
Depois, Sr.ª Deputada, essa afirmação de que é intenção do Governo votar ao abandono os reformados e os pensionistas... a Sr. * Deputada só poderá fazer essa afirmação e tentar convencer as pessoas num qualquer regime autocrático e totalitário.
É que, em Portugal, o Governo e o PSD, felizmente, movem-se num sistema democrático e, como a Sr.ª Deputada sabe bem, uma grande parte dos eleitores portugueses são de facto pensionistas e reformados que compreendem que "Roma e Pavia" não se fizeram num dia.
É que destruir faz-se em poucos minutos, em poucos dias, em poucos meses, mas nós, hoje, ainda estamos a pagar, o povo português está a pagar -e nunca é de mais repetir isso, porque é a verdade- as loucuras do gonçalvismo e da colectivização a que fomos forçados pelo Partido Comunista.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Além disso, Sr. ª Deputada, elevo dizer-lhe que em 1985, para uma taxa de inflação de 9,3%, as pensões mínimas foram aumentadas em 22,2%; em 1986, para uma taxa de inflação de 11,7%, as pensões mínimas foram aumentadas em 25,5%; em 1987, para uma taxa de inflação de 9,4%, as pensões mínimas foram aumentadas em 66,7%; em 1988, para uma taxa de inflação de 9,6%, as pensões mínimas foram aumentadas em 13%. A Sr.ª Deputada ainda nos vem dizer - desculpe-me-, com alguma desfaçatez ou com desconhecimento dos números, que este Governo não tem preocupações de carácter social!
Agora, Sr.ª Deputada, no que nós não embarcamos, naturalmente, é em iniciativas legislativas que eram inconstitucionais, e isso foi reconhecido claramente pelo próprio Partido Comunista quando foi obrigado a dar a volta e até a apresentar uma proposta de alteração ao projecto inicial. Esta é que é a realidade! Se não considerassem que era inconstitucional o projecto que tinham apresentado, não teriam apresentado aquela proposta de alteração à última hora.
Devo dizer, porém, que é muito fácil um partido da oposição, nomeadamente o Partido Comunista, apresentar um projecto de alteração do esquema de fixação das pensões de reforma, quando, nomeadamente, não tem possibilidades de impor esse ponto de vista. Mas já recordei aqui, há pouco tempo, que há três anos, neste hemiciclo, os partidos da oposição tinham maioria. Por que é que nessa altura os partidos da oposição, que eram aqui maioritários, não fizeram aprovar uma lei com esses objectivos? Compreende-se: é que, na altura, os partidos que estavam na oposição sabiam que não podiam, em nome do interesse nacional, aprovar uma lei com esse conteúdo. Hoje sabem que a maioria é serena e sensata e que, naturalmente, não aprovará isso.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Essa é boa!

O Orador: - O problema é somente esse. Por que é que na altura em que era maioritária na Assembleia a oposição não aprovou isso?
Por isso, Sr.ª Deputada, quero perguntar-lhe como é que entendia que, de acordo com os meios financeiros disponíveis, era possível aumentar, nos valores que alguns partidos da oposição propuseram, as pensões de reforma? Era com o aumento do défice do Orçamento do Estado? Era com o aumento das contribuições dos trabalhadores e dos empregadores para a Segurança Social? Qual é a solução milagrosa que V. Ex.ª e o Partido Comunista propõem?

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.º Deputada Apolónia Teixeira.

A Sr.ª Apolónia Teixeira (PCP): -Sr. Deputado Joaquim Marques, é lamentável que faça afirmações que não são dignificantes de um deputado, que eu até prezo, na qualidade de presidente da Comissão de Trabalho, Segurança Social e Família. Quando aqui afirma que o PCP nada tem feito pelos reformados e pensionistas, direi, em vez de dizer que é uma inverdade, que é falso. Há anos que o meu grupo parlamentar apresenta diversas iniciativas legislativas. Viabilizem os senhores essas iniciativas legislativas que apresentamos e veremos se o PCP defende ou não as camadas mais desfavorecidas!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas entremos nas questões concretas que o Sr. Deputado colocou.
Quanto às medidas -por que formas e meios se devem garantir condições de dignidade aos reformados e pensionistas, há tanto adiadas -, direi muito rapidamente o seguinte: combata o Governo (e não formalmente, como até hoje acontece) a crescente precariedade de emprego, com pesadas consequências nas contribuições da Segurança Social; promova as condições que permitam recuperar e sanear a brutal dívida das empresas à segurança social; assegure a responsabilidade do Estado (e lanço este desafio aos membros do Governo aqui presentes) no financiamento das despesas, que não devem continuar a ser suportadas pelas contribuições;...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Bravo, bravo!

A Oradora: -... estude de forma mais adequada as condições de financiamento à segurança social. São múltiplas as medidas que garantem as condições de justiça que são devidas aos reformados e pensionistas e a garantia de reformas e pensões dignas neste país.
Não quero terminar, Sr. Deputado Joaquim Marques, sem a seguinte referencia: lamento profundamente que o conceito de "justiça" aqui expresso pelo Sr. Deputado não tivesse sido igualmente expresso quando aqui propôs aumentos brutais, de 56%, aos titulares de cargos políticos- não só propôs como defendeu a proposta do Governo. É este o seu conceito de justiça, Sr. Deputado Joaquim Marques?!

Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sempre é verdade que vocês tem salários em atraso? O Semanário dizia isso...

Protestos do PCP.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Cale-se! Hoje está farto de dizer asneiras e mentiras! Cale-se!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Portugal a história repete-se. Raramente o homem certo está no lugar certo nos grandes momentos das nossas viragens históricas. É a "apagada e vil tristeza" de que o poeta se queixa, mas que o destino nos impõe!
Nunca neste século tantos factores positivos se conjugaram para o grande salto. Falta o golpe de asa, a imaginação, o poder criativo, a vontade firme de partir amarras, aproveitar o vento favorável e desviar o sentido nacional para novos rumos e novas mentalidades. Meio século de isolamento e um quarto de século de atraso das sociedades mais desenvolvidas obrigam-nos a ter especificidades próprias, que não nos permitem ser uma agência da política comunitária e muito menos um caixote de armazenamento do que de mau há nessas sociedades.
Salvo as devidas proporções, repete-se à nossa maneira a época dos Descobrimentos. Uma minoria beneficia "das especiarias e do ouro que vem da Europa"; os novos-rícos compram aos velhos e ao Estado o que podem do País, mas a população, essa, assiste sem qualquer melhoria à mudança de vestimenta, mas não de objectivos e muito menos de mentalidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quem se não sente hoje, aqui, neste Parlamento, um magnate das arábias, a discutir tantos meios para tão poucos benefícios?
Um poço de petróleo jorra abundantemente na Gomes Teixeira, mas a grande maioria dos 10 milhões de portugueses nem ao cheiro tem direito.

Aplausos do PS.

São três os orçamentos e qual deles o mais importante: este, o que estamos a discutir, que e o nosso; o outro, o da solidariedade comunitária, maior do que este; e um novo, que é o das privatizações, de volume ainda imprevisível.
Diga-se desde já que são muitos os meios e poucos os objectivos.
Bastava servir-se da excepcional conjuntura com um sentido nacional para qualquer um fazer mais e melhor.
A solidariedade e uma palavra desconhecida pelo actual Governo. Tem-na da Comunidade, mas esquece-a a nível nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na agricultura, o PIDDAC comporta 61 milhões de contos: 21 milhões são do Orçamento, 40 milhões da Comunidade. Nada mau, eu diria que bom, vendo o número na globalidade. Só que das quase 800 000 explorações só cerca de 20 % se podem modernizar, porque tem dimensão técnica e económica. E as outras? Que vai fazer o Governo? Condenou-as à morte e os seus possuidores à miséria!
1989 foi o ano de ouro para o sector agrícola. Os preços tinham subido vertiginosamente em 1988 e 1989, atingindo na sua maioria os preços da Comunidade e estando mesmo alguns acima, como é o caso dos cereais, altamente protegidos pelo Governo e cujas causas um dia analisaremos.
Em poucas palavras, diria: o consumidor consome a preços da Europa, com salários 400% mais baixos; os agricultores recebem a preços da Comunidade, com produções inferiores em mais de 200 % na maioria das culturas. A partir de 1989, o aumento de produção na grande maioria das explorações não vai já compensar o aumento de custos de produção, dada a rigidez dos preços, e a ruptura social vai iniciar-se no sector.

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O ano de 1989 será, pois, de viragem no processo de adesão e na vida do sector agrícola nacional, que impunha outro tipo de Orçamento e outro tipo de política, virada para a reestruturação empresarial, para a solidariedade social e para a optimização dos recursos.
Digo que o Governo desconhece a solidariedade que tanto recebe da Europa, até porque SOO 000 explorações, exceptuando as existentes em regime de complemento do posto de trabalho noutro sector, foram abandonadas. A Comunidade está, de facto, pronta a dar ajuda, mas o Governo não a aceita.
Hoje, a Comunidade reembolsa o Estado Português em 60 % do valor das pensões por abandono da actividade agrícola para agricultores com mais de 55 anos. 40 000$ de reforma mínima para estes produtores traria, para os que desejassem, um encargo de 17 000$ escudos para o Governo, ou seja, a reforma mínima nacional. Esta decisão, para as zonas minifundiárias, permitiria o renascimento de empresas agrícolas com dimensão técnica e evitava a miséria a alguns dos pequenos produtores. Eu sei que este estilo de medidas não se adapta ao espírito do Governo. É preferível retirar à Segurança Social dinheiro para a formação.
A tese é haver agricultores mas não haver empresas que resistam à integração.
É um crime social não orçamentar, em 1990, esta política.
Continuamos sem um plano de aproveitamento hídrico para o Alentejo, que é um terço de Portugal. O despovoamento está a acelerar, a grande propriedade sem utilidade, nem económica nem social, vai continuar a expandir-se.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A água, o grande factor restruturante do Alentejo, mais importante que quaisquer leis ou quaisquer revoluções, continua a correr para o mar. Um plano de aproveitamento hídrico, que pode ou não ser o Alqueva, seria a grande revolução económica e social de um terço de Portugal.
Prefere-se um sistema proteccionista aos cereais, que pouco tempo resistirá e que nada resolverá para o futuro.
Onde está, neste Orçamento, a mudança que se impõe?
O desordenamento da floresta nacional, confrontado, por um lado, pela eucaliptização desordenada e, por outro, por largas manchas de resinosas que no Verão desaparecem num ápice, exige medidas urgentes.
O Governo, com a ajuda que a CEE lhe oferece, devia instituir um subsídio anual e por hectare aos produtores de espécies de crescimento lento, de modo a nascer uma floresta equilibrada, ordenada e de uso múltiplo. Nessa matéria decisiva para o Governo, o Orçamento é zero.
É irresponsável a forma como o Governo se tem comportado em relação à sanidade animal. Uma das maiores riquezas rurais entrou em perigo total.

Protestos do deputado do PSD Filipe Abreu.

Olhe, meu caro amigo, eu vejo à minha frente um espelho com uma imagem diferente da minha.

O Sr. Filipe Abreu (PSD): -É natural!

O Orador: - É irresponsável a forma como o Governo se tem comportado em relação à sanidade animal.
Uma das maiores riquezas rurais entrou em perigo total. O sinal vermelho instalou-se em todas as frentes neste sector.
A brucelose cavalga como nunca, arrasando animais e pessoas. A peripneumonia instalou-se definitivamente. A peste suína não se erradica. A peste equina começou.
Ò Orçamento duplica os meios mas as epidemias quadruplicam o avanço. Algo está errado neste sector.
Crie-se de imediato um plano de emergência nacional e salve-se uma das maiores riquezas. Erradique-se o que a técnica já permite, e é quase tudo, e lute-se com a quarentena, o abate e a indemnização onde a ciência não chega.
O Governo deixou chegar este sector a tal estado que quaisquer medidas em todas as frentes vão já custar muitos milhões de contos, sendo os que orçamentou uma gota de água no oceano.
Infelizmente, este Orçamento têm muito a ver com a conjuntura política. Que fique bem claro, as nossas preocupações são nacionais e não dão direito a inaugurações eleitorais.

Aplausos do PS.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Maia Nunes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Oliveira Matos, Carlos Encarnação, Silva Maçãs e António Vairinhos.

Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Matos.

O Sr. Oliveira Matos (PSD): - Sr. Deputado António Campos, uma das referências que lhe vi fazer no que diz respeito às verbas da CEE e à tal minoria que lhe tem acesso fez-me ocorrer uma primeira pergunta: V. Ex.ª tem algum conhecimento de que haja diferenças na análise de projectos de investimentos apresentados aos vários organismos que têm que os analisar, alguns dos quais dirigidos por técnicos de outros partidos que não o meu, nomeadamente por técnicos do meu partido, que analisam e decidem sobre as prioridades e sobre a capacidade dos projectos serem objecto de comparticipação? Repito, isto não dá igualdade de oportunidades a toda a gente?
Aquilo que o País está a fazer agora é uma coisa talvez diferente daquilo que estaria na mentalidade de V. Ex.ª É que este Governo tem proporcionado os meios, mas compete às pessoas a utilização desses meios. É que nós acreditamos na iniciativa privada e são os privados que avançam que tem direito, efectivamente, a essas comparticipações, porque não pode ser o Estado a empurrar, nem pode ser o Estado a dizer "é você ou é você".

O Sr. Silva Marques (PSD): - É verdade!

O Orador: - Por outro lado, falou V. Ex.º em vários orçamentos, no nosso Orçamento, no orçamento da Comunidade, no orçamento das privatizações. Começando pelo fim direi que o orçamento das privatizações é uma exigência constitucional, estando, na lei quadro das privatizações, referido para onde é que se dirigem essas receitas.
Também lhe digo, Sr. Deputado, se quiséssemos satisfazer uma das suas exigências ao Ministério da Agricultura, que era a reforma antecipada aos agricultores, na

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forma em que V. Ex.º a propôs teríamos de ter um quarto orçamento, e só esse com 2000 milhões de contos para lhe fazer face e, então, teríamos de ter um outro Orçamento ainda diferente.
Diz V. Ex.ª também que o orçamento do Ministério da Agricultura tem 40 milhões de contos da Comunidade e 21 milhões de contos do Estado Português.

O Sr. António Campos (PS):- Em PIDDAC.

O Orador: - É verdade, mas aquilo que V. Ex.a, se calhar, se esquece é que uma das definições da economia, de que ainda me recordo vagamente e já lá vão quase 20 e tal anos, é a seguinte: é a ciência que, entre outras coisas, imputa recursos escassos a finalidades múltiplas e de desigual importância.

O Sr. Gameiro do Santos (PS): - Tem boa memória! ...

O Orador: -Este Governo, ao ter de imputar recursos escassos a finalidades múltiplas, tem de saber gerir da melhor forma. E se há sectores que podem dispor de comparticipações comunitárias, então vamos dar a esses sectores a maior componente das comparticipações comunitárias para que noutros que as não têm, como é o caso da saúde e da educação, se possa fazer o grande esforço do Orçamento - o nosso Orçamento, como V. Ex.ª diz.
Portanto, acho que um dos grandes méritos que o Governo teve na apresentação deste Orçamento foi, efectivamente, o de ser capaz de utilizar recursos escassos para finalidades múltiplas e de desigual importância.

Por outro lado, diz V. Ex.ª que este deveria ser o ano de viragem. Ora, para quem sabe ler estas coisas, dir-lhe-ia que estes últimos anos tem sido os anos da viragem.
Referenciou V. Ex.ª também o problema da sanidade animal, nomeadamente o da peste equina. Com certeza que V. Ex.º não pensa que deveria haver qualquer elemento na fronteira que impedisse determinadas situações. Contudo, aquilo que posso referir-lhe é que este Governo lançou uma coisa nova, que são os agrupamentos de defesa sanitária, que têm estado a ser implementados e que têm estado a dar resultado. O processo está em curso e, com certeza, dará ainda melhores resultados.
No que diz respeito ao esforço deste Governo, queria só recordar-lhe os movimentos efectivos, e não provisionais, do PIDAC no orçamento do Ministério. Foram 8,2 milhões de contos em 1986, 21 milhões de contos em 1987, 42 milhões de contos em 1988, 52 milhões de contos em 1989, e a previsão para 1990 é de 61 milhões de contos. Perante estes números, queria perguntar-lhe se os últimos anos tem ou não sido de mudança, não sendo o próximo o ano da mudança.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Campos, deseja responder de imediato ou no fim?

O Sr. António Campos (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): -Sr. Deputado António Campos, a primeira observação que gostaria de fazer-lhe era a seguinte: como as pessoas são diferentes, embora próximas e situando-se até dentro do mesmo partido, embora uma seja, por exemplo, de Arganil e outra de Oliveira do Hospital!
Devo dizer-lhe que aquilo que me impressionou no seu discurso não foram propriamente razões de natureza técnica, até porque não apresentou nada de novo e limitou-se a repetir variadíssimas coisas que, entretanto, já lhe tinha ouvido, embora noutra condições e até em campanhas eleitorais.
V. Ex.ª, de facto, não trouxe nada de novo com o seu discurso. Ficamos, porém, todos a saber uma coisa importante e que anotei para me lembrar: é que V. Ex.ª entende que deve haver homens certos nos lugares certos.
É, porventura, do seu entendimento que V. Ex.º devia estar neste momento no Ministério da Agricultura. O povo sempre prega grandes partidas...

Risos do PSD.

Mas o que me impressionou mais no seu discurso, dizia eu, não foram as razões de natureza técnica, não foi o discurso técnico com que recheou a sua intervenção, mas sim o discurso do ponto de vista literário. E era aqui que vinha a comparação com um grande amigo nosso, o Dr. Almeida Santos. É que V. Ex.ª fez uma excursão bonita pela literatura, fez uma introdução que apetecia, porque bonita, mas, depois, azar dos azares, V. Ex.ª, em lugar de fazer aquilo que o Dr. Almeida Santos faria e que seria o número da inteligência, fez a inteligência do número. V. Ex.ª, em lugar de fazer aquilo que o Dr. Almeida Santos faria, numa situação destas, que era usar uma fábula para contar uma história bonita, diz que os animais estão doentes.

Risos do PSD.

V. Ex.ª, em lugar de dizer aquilo que o Dr. Almeida Santos diria, e aproveitaria com certeza, sobre a imagem literária do jogo de espelhos, disse, pura e simplesmente, que olha para o espelho e vê outra imagem que não a sua; V. Ex.ª, em lugar de dizer aquilo que o Dr. Almeida Santos diria, dissertando, por exemplo, sobre o vasto tema da terra e do mar, extraiu, apenas, uma conclusão brilhante: a água corre para o mar.

Risos do PSD.

V. Ex.ª, Sr. Deputado, é aquilo que eu lhe poderia dizer, sem qualquer ofensa -repare bem, porque há pessoas que até nisso têm algum azar- o "Almeida Santos" dos agricultores.

Risos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Maçãs.

O Sr. Silva Maçãs (PSD): - Sr. Deputado António Campos, gostaria de pegar em duas ou três questões, mas queria referir, em primeiro lugar, que, de facto, o Sr. Deputado iniciou e praticamente terminou a sua intervenção com todo um conjunto de generalidades iguais àquelas a que nós, em sede da Comissão da Agricultura, já estamos habituados, como sejam os milhões da CEE,

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que é feito desse dinheiro, vem para cá tanto e não se vê nada na agricultura, continuamos, cada vez mais, a ser o caixote do lixo da Europa, e todo um conjunto de preocupações semelhantes.
De facto, é o timbre das intervenções do Sr. Deputado, no que parece haver grande coerência, quer aqui, em sede de Plenário, quer em sede de comissões, em relação à mesma matéria. Mas tudo isso é pura e simplesmente música, se mo permite, Sr. Deputado.
Gostaria, no entanto, de lhe colocar duas ou três questões muito objectivas.
O Sr. Deputado referiu que a maior parte das explorações deste país está condenada à miséria. Ora, eu gostaria que o Sr. Deputado pormenorizasse melhor quais suo essas explorações, se as do minifúndio -as tais que carecem de emparcelamento e em relação às quais, de vez em quando, o Sr. Deputado mostra alguma preocupação, mas depois também diz que talvez não valha muito a pena mexer-se -, se aquelas explorações que derivam da entrega da terra a rendeiros do Estado que, noutras alturas, eventualmente, lhe mereceram alguma consideração, mas que agora, segundo o Sr. Deputado, são situações que talvez hoje já não mereçam muito a nossa preocupação. É em relação a esta preocupação que gostaria que pormenorizasse um pouco, Sr. Deputado.
Depois, em relação ao plano de aproveitamento hídrico para o Alentejo, questão que sistematicamente tem colocado sempre que um membro do Governo do Ministério da Agricultura se desloca à Comissão de Agricultura ou sempre que, aqui, em sede de Plenário, há ocasião.
Porém, o Sr. Deputado não desconhece, porque isso consta de publicações do Ministério da Agricultura que recebemos na Comissão de Agricultura, o esforço e a aderência que, na realidade, tem merecido o PEDAP, em matéria de regadios, albufeiras e barragens, no Alentejo.
Estou recordado que, em sede de comissão, V. Ex.ª já tem apresentado, de alguma forma, o seu queixume de que o Alentejo leva tudo, leva o bolo todo, leva milhões. Afinal de contas, leva ou não leva milhões e, se leva, se não são para as barragens e para os pequenos regadios, para que são, de facto?
Ou estaria o Sr. Deputado a referir-se ao Alqueva?
Por último, gostava de lhe colocar outra questão. O Sr. Deputado também falou que deveria ser concedido um subsídio para fazer face ao fomento das espécies de lento crescimento para, assim, de certa forma, contraditar a tendência para a eucaliptização, para as resinosas, etc.
O que é facto é que não posso deixar de fazer esta pergunta: então o Sr. Deputado desconhece que o Ministério da Agricultura tem legislação que vai sair dentro de dias para fomentar o aparecimento e a protecção de espécies de lento crescimento? O Sr. Deputado é o primeiro subscritor em relação a um diploma destes! Sabe perfeitamente que o Ministério da Agricultura tem preparada legislação que vai sair dentro de muito pouco tempo e sabe, também, que o Sr. Ministro da Agricultura, no dia 10 de Junho, na Feira de Santarém, anunciou essas medidas. E mais: que as anunciou no sentido de dizer que...

Protestos do PS.

Srs. Deputados, ver e crer como São Tomé, sim, mas não tanto!
O Sr. Ministro da Agricultura, quer na Feira de Santarém, quer aqui, em sede de comissão, esclareceu esta matéria, dizendo que ia ser instituído o pagamento de uma renda anual (uma renda por hectare/ano) da ordem dos 20 a 28 contos, durante um prazo de 20 anos, para, de facto, fomentar o aparecimento e a protecção das espécies de lento crescimento. Penso que isto é do conhecimento público, Sr. Deputado. No entanto, gostaria que fizesse um comentário a este respeito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vairinhos.

O Sr. António Vairinhos (PSD): - Sr. Deputado António Campos, não ouvi a totalidade da sua intervenção mas só a parte final. Pela parte que ouvi, estou convencido que foi uma intervenção brilhante, como o Sr. Deputado já nos habituou, quer em Plenário, quer em comissão. Pessoalmente, gosto imenso de o ouvir e é sempre um prazer que tenho.
Apesar de já terem sido referidas aqui algumas questões pelos meus colegas de bancada e pegando na que o Sr. Deputado João Maçãs abordou, daquilo que foi anunciado pelo Sr. Ministro, perguntava ao Sr. Deputado António Campos se já ouviu falar no programa de acção florestal, se já ouviu falar dos subsídios às associações de produtores florestais, mesmo para as espécies de crescimento lento, que chegam a ser da ordem dos 100 %, mesmo com algumas disposições para manutenção.
Para além disso, Sr. Deputado António Campos, perguntava-lhe também se, mesmo nos casos dessas plantações -já que falou em floresta de uso múltiplo -, já ouviu falar nas pastagens sob coberto, se já ouviu falar na silvo-pastorícia e na possibilidade de, através dela, os agricultores arranjarem rendimentos acrescidos que lhes permitam investir, em termos de florestação, mesmo em espécies de crescimento lento de médio e longo prazo. Parece-me que não!
Relacionado com isto, gostaria de lembrar - aproveitando também a intervenção do meu colega de bancada António Matos, que se referiu às ADS, permita-me este esclarecimento ao meu colega de bancada - que o Sr. Deputado António Campos desconhece o que são ADS, pois de sanidade animal parece-me que não percebe nada!
Ainda há pouco tempo, quando recebíamos uns agricultores e eu falei em ADS, ele perguntava a um colega ao lado: "O que é isso das ADS?" Estou convencido de que ele está lembrado.
O Sr. Deputado António Campos falou ainda de 20 milhões de contos, contrapartida nacional, e de 40 milhões de contos do orçamento da Comunidade. Perguntava-lhe: quanto a esses 40 milhões de contos, Sr. Deputado, onde é que aparece esse orçamento da Comunidade? Parece que o PS se esquece muito, já que fala em dinheiros comunitários como se eles viessem numa nave lunar e aterrassem em Bruxelas! Sr. Deputado, tenho de lembrá-lo que o orçamento da Comunidade é feito com participação dos países membros e, nesses 40 milhões, também há comparticipação portuguesa!
O que é que eu poderia dizer mais?

O Sr. António Campos (PS): - Poderia estar calado!

O Orador: - Estar calado, não, Sr. Deputado! Perante tanta asneira como o senhor costuma dizer, não poderia estar calado, teria de dizer alguma coisa! E digo-lhe mais: vou ficar por aqui, porque não quero embaraçá-lo, nem a si nem à sua bancada. Mas está muito longe, tem de aprender muito para chegar a Ministro da Agricultura como pretende, mesmo na sombra!

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21 DE NOVEMBRO DE 1989

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O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Srs. Deputados, desculpem não responder caso a caso, porque não tenho muito tempo, mas responderei de uma maneira genérica a todos.
Gostaria de começar pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação, dizendo-lhe que qualquer agricultor, dos mais boçais que haja em Portugal, faria melhor lugar no Ministério da Agricultura, do que a equipa que os senhores lá tem. E quando disse que nos falia o homem certo no lugar certo, como deve compreender, não era ao Sr. Ministro da Agricultura mas ao Sr. Primeiro-Ministro que me referia. Que pena não lermos outro Primeiro-Ministro, no momento em que existem todas as condições favoráveis para arrancarmos com este país para outros rumos e outros caminhos! Em relação à inteligência, aconselhava que, pelo menos, houvesse alguma evolução dentro do seu grupo parlamentar, onde o senhor deve estar incluído; ou, então, que alguma evolução da ciência, através, talvez, da engenharia genética, comece a ser aplicada a muitos progenitores que saem do PSD. Portugal ficaria alimente beneficiado se alguns dos vossos descendentes não saíssem aos pais,...

Risos.

... porque será uma tragédia para este país se os vossos filhos continuarem a sair aos senhores!

Risos.

Seria uma coisa trágica!
Começo por um deputado que esteve ali a falar - aliás, não percebi o que ele me queria dizer-, que ainda bem que se calou, porque, a certa altura, também ninguém o estaria a ouvir. Mas, agora, estou disposto a falar em coisas sérias.

Protestos do PSD.

Este ano que está a terminar foi o melhor ano agrícola para os agricultores, porque, como disse, a política de preços escondeu a incapacidade técnica e económica das explorações agrícolas. A partir de agora, os senhores vão ser responsáveis se não instituírem aquilo que toda a Europa instituiu, que e a reforma ou o abandono da profissão de agricultor com mais de 55 anos. Para isso, não é preciso muito dinheiro, porque nem todos se querem reformar, pois existe a liberdade de cada um, se quiser, se reformar.
Ora, isso permitiria criar explorações com dimensão para poderem resistir, pois o senhor sabe que 80% das explorações não tem capacidade, nem técnica nem económica, para resistirem à integração. Sc não se fizer nada e se não se ajudar esta mudança, alterando o Governo o seu pensamento sobre isto, os senhores estão a ser coveiros desses pequenos produtores que não têm nenhuma defesa. Espero que os senhores estejam de acordo comigo, porque esta é uma medida que tem ajuda da Comunidade e que nós também devíamos ajudar.
Acabei agora de saber que nós, em Maio ou Junho, apresentámos aqui um diploma e o Sr. Minsilro - que não sabia...-já vai pagar aos produtores de espécies lentas um subsídio por hectare, que não está inscrito no Orçamento. Mas ainda bem que a maioria aproveitou o diploma que apresentámos - que já há muito tempo devia estar instituído e a funcionar em Portugal - e pôs o sistema a funcionar.
A outra questão é a da sanidade animal. Os senhores estão a brincar com o fogo! Os senhores não têm a noção do que está a acontecer no mundo rural! Os senhores estão distantes e não conhecem o que se está a passar! Não estou agora a falar na peste equina que apareceu há pouco tempo. Estou a falar em doenças tradicionais, que estão a atingir um volume e uma dimensão de tal natureza que põem em risco muita coisa.
Se os senhores quiserem venham comigo a algumas zonas do País para saberem quais são os produtores, por exemplo, de ovinos que, neste momento, não estão com a febre-de-malta ou não estiveram, há pouco tempo, com a febre-de-malta! É que a brucelose avança por todo o lado, imparável, perante a passividade do Governo...

O Sr. João Maçãs (PSD): - Isso não é verdade!

O Orador: - É verdade, sim, Sr. Deputado!

A peripneumonia está a avançar! Em relação à peste suína africana, que pode ser irradicada, não tem tomado as medidas respectivas! E nós temos em jogo uma das maiores riquezas nacionais perante a passividade dos senhores!
A outra questão é a do Alentejo. Os senhores têm um terço de Portugal desaproveitado! Os senhores não querem um plano para aproveitamento económico e social do Alentejo, que passa pelo aproveitamento hídrico, por investir aí milhões de contos no aproveitamento da água. Os senhores têm possibilidades como ninguém, porque tem, de facto, três orçamentos, e continuam surdos e mudos a uma das necessidades nacionais imperiosas.
Os senhores deviam levar isto a sério e devíamos todos procurar que o Alentejo não seja um deserto a curto prazo, mas uma terra de onde as pessoas não fujam, onde haja riqueza e um clima social em que se possa viver.
Digo-vos, com ioda a sinceridade, que as propostas que vos faço são propostas que, tenho a certeza, são decisivas para resolver problemas nacionais.
Não estou a falar no investimento. Não falei nos projectos de investimento. Estou a falar em questões sérias,...

O Sr. João Maçãs (PSD): - Os projectos de investimento não são coisas sérias?!

O Orador: -... das mais sérias que foram levantadas aqui no Plenário, que os senhores sistematicamente dizem que levanto, mas que, infelizmente, até hoje, não resolveram, com a excepção de uma que acabei agora de ter conhecimento que, pelos vistos, vai ser resolvida depois de termos avançado com um projecto de lei!

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa.

Tenho aguardado, com alguma paciência uma informação da Mesa acerca de dois requerimentos que fiz antes do jantar. Um deles, solicitando informação aos serviços sobre se existe algum requerimento elaborado

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pelo Sr. Deputado Silva Marques que justifique a documentação que, há pouco, exibiu; um segundo, solicitando ao Sr. Presidente da Assembleia que fizesse entrega de imediato ao Sr. Ministro do Emprego e da Segurança Social de um requerimento para certificar que o PCP nada deve à Segurança Social.
Solicitava, Sr. Presidente, uma informação da Mesa sobre o seguimento e a resposta a estes dois requerimentos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, como calcula não lhe poderei dar, de concreto, uma resposta, mas poder-lhe-ei dizer que os documentos foram encaminhados para o Gabinete do Sr. Presidente da Assembleia da República, que, com certeza, os enviará às entidades competentes. Desconheço a forma de envio, mas transmitirei ao Sr. Presidente a interpelação que acabou de fazer para, amanhã, lhe poder dar uma resposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, se me permite para interpelar a Mesa.

Em consequência da interpelação acabada de fazer pelo Sr. Deputado João Amaral, devo declarar que, pessoalmente, não tenho nada contra, antes pelo contrário, porque é bom que os deputados tomem diligências para saber a verdade e que a Assembleia, na medida do possível, lhes dó essa resposta.
Entretanto, se me permite, Sr. Presidente, requeria que se averiguasse sobre a confirmação da notícia surgida na 1.ª página de um semanário da última semana relativa aos salários em atraso pagos pelo Partido Comunista.

Protestos do PCP.

Requeiro a V. Ex.ª, se possível, a confirmação dessa notícia.

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, como calculará, a Mesa não vai fazer isso.

Srs. Deputados, como não há mais inscrições, e antes de dar por encerrada a sessão, informo que a nossa próxima reunião plenária terá lugar amanhã, às 10 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 23 horas e 55 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.

António Fernandes Ribeiro.

António Manuel Lopes Tavares.

António Mário Santos Coimbra.

António Sérgio Barbosa de Azevedo.

Carlos Manuel Oliveira da Silva.

Cristóvão Guerreiro Norte.

Fernando José Antunes Gomes Pereira.

Fernando José R. Roque Correia Afonso.

Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.

Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.

José Augusto Ferreira de Campos.

José Lapa Pessoa Paiva.

José de Vargas Bulcão.

Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.

Mary Patrícia Pinheiro e Lança.

Pedro Manuel Cruz Roseta. Rui Gomes da Silva.

Partido Socialista (PS):

António Poppe Lopes Cardoso.

Manuel António dos Santos.

Raul Fernando Sousela da Costa Brito.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Francisco Barbosa da Costa.

Hermínio Paiva Fernandes Martinho.

Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Narana Sinai Coissoró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.

Álvaro José Rodrigues Carvalho.

António José de Carvalho.

António José Coelho Araújo.

António da Silva Bacelar.

Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.

Carla Tato Diogo.

Carlos Alberto Pinto.

Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.

Fernando Dias de Carvalho Conceição.

Fernando José Alves Figueiredo.

Fernando Monteiro do Amaral.

José Alberto Puig dos Santos Costa.

José Álvaro Machado Pacheco Pereira.

José Ângelo Ferreira Correia.

Manuel da Costa Andrade.

Manuel Ferreira Martins.

Manuel Pereira.

Mário Ferreira Bastos Raposo.

Mário Jorge Belo Maciel.

Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.

Rui Alberto Limpo Salvada.

Partido Socialista (PS):

Alberto Marques de Oliveira e Silva.

António de Almeida Santos.

António José Sanches Esteves.

António Magalhães da Silva.

Carlos Cardoso Laje.

João Barroso Soares.

José Carlos P. Basto da Mota Torres.

José Luís do Amaral Nunes.

Luís Filipe Nascimento Madeira.

Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.

Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.

António da Silva Mota.

Domingos Abrantes Ferreira.

José Manuel Antunes Mendes.

Mana Odete Santos.

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Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.

Deputados Independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
Raul Fernandes de Morais C. Castro.

Os REDACTORES, Cacilda Nordeste - José Diogo - Maria Amélia Martins-Ana Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira.

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DIÁRIO da Assembleia da República

Depósito legal n. º 8818/85

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21 DE NOVEMBRO DE 1989 505 Francisco Fernando Osório Gomes. Hélder Oliveira dos Santos

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