2968 I SÉRIE - NÚMERO 87
Estados e, mais uma vez, é aqui, na Europa, que se desenrolam os processos que verdadeiramente marcam as relações entre os homens e o futuro da humanidade.
Portugal aprendeu dolorosamente, com a experiência de um passado recente, que não pode isolar-se dos movimentos de cooperaçâo entre as nações e ganhou consciência de que tem um papel a desempenhar nas relações da Europa com o Mundo. Por isso, seria uma traição aos interesses nacionais e ao futuro do homem se não nos envolvêssemos activamente na construção da união europeia. Mas é preciso que o saibamos fazer sem sacrificar a identidade e a independência nacionais e sem pôr em causa os interesses de Portugal e dos Portugueses.
Da perspectiva de Portugal, o processo de integração envolve serias ameaças, que são ultrapassáveis com as políticas adequadas, mas das quais o Governo parece não ter tomado ainda consciência. São quatro as questões que, da perspectiva de Portugal, se apresentam como mais preocupantes: a convergência económica e social; o padrão da nossa especialização produtiva; a salvaguarda da independência nacional; e a preservação dos nossos recursos naturais e defesa do ambiente.
O ritmo e a forma que assume o crescimento económico em Portugal não são de molde a que num futuro previsível nos aproximemos significativamente da média da Comunidade Europeia - o desenvolvimento recente não foi suficiente para nos aproximarmos da média da Europa. Em termos de standard de poder de compra, o PIB per capita continua a situar-se apenas em 55% da média europeia, e o crescimento em que o Governo se revê não chegou para que o desvio em relação à média dos nossos parceiros tivesse melhorado relativamente ao que se verificava em 1981-1982.
A recuperação que se está a verificar depois de 1986 não é superior à que se verificou nas décadas de 60 e 70, épocas em que Portugal teve taxas de crescimento que estavam mais acima da média da Europa do que as registadas actualmente. Se a recuperação se mantiver ao mesmo ritmo, teremos de esperar três quartos de século para nos situarmos na média da Comunidade, continuando sempre muito atrás dos nossos parceiros mais desenvolvidos.
Portugal deixou a cauda da Europa Para trás de nós passou a Grécia, mas tal não é mérito nosso, mas apenas incapacidade dos Gregos para acompanharem a média do conjunto.
A economia portuguesa está a crescer, mas o crescimento é insuficiente para a aproximação requerida à média da Comunidade.
A estratégia económica deste Governo conduziu a uma estrutura do investimento que não compensa o esforço que o País está a fazer. Portugal é o país da Comunidade que tem vindo a fazer o maior esforço de investimento, com a mais elevada participação da formação bruta de capital fixo no PIB. Mas as taxas de crescimento económico não são compatíveis com este esforço.
A Espanha com uma taxa de investimento inferior em 6 pontos percentuais à portuguesa, conseguiu, nos anos 80, um crescimento superior ao do nosso País, e esta conclusão mantém-se válida mesmo quando consideramos, os anos mais recentes. Como conclui uma publicação do Ministério da Indústria, "o elevado ritmo de crescimento dos últimos anos não ampliou suficientemente a capacidade produtiva".
Isto - dizemos nós - porque a política do Governo tem vindo a enviesar o esforço de investimento no sentido das obras públicas e de sectores produtivos de fracos ganhos de produtividade. As taxas de crescimento da produtividade não são agora maiores do que no período que mediou entre 1974 e 1981 e as diferenças para a média europeia não permitem pensar numa recuperação dos salários portugueses face aos europeus.
Neste quadro, que poderão os portugueses esperar do mercado único, com a liberdade de circulação de pessoas, bens e capitais, agravado pela eventual e provável redução das transferências dos fundos estruturais comunitários? Será que uma crise conjuntural se virá juntar aos desníveis salariais para originar um novo fluxo migratório dos mais capazes e melhor qualificados, enquanto internamente a mão-de-obra barata continua a ser o factor de atracção de actividades tecnologicamente pouco evoluídas ou ultrapassadas? Ou será que o Governo é tão irresponsável que negue a probabilidade de isto vir a acontecer?
É ainda do Ministério da Indústria a afirmação de que "o perfil de especialização do sistema produtivo nacional é mais próximo dos novos países industriais asiáticos que dos países europeus" e que "a competitividade nacional tem-se baseado, no essencial, em níveis baixos de salários apoiados pela desvalorização do escudo".
Os dados estatísticos recentes confirmam que, apesar do discurso do Governo, nada se alterou quanto à tendência para que Portugal mantenha, em relação à Europa, um padrão de especialização ultrapassado. Portugal não se desenvolve - cresce somente, acolhendo actividades que o "centro" rejeita.
Numa Europa envolvida num processo de rápida terciarização e no desenvolvimento de novas tecnologias e novos produtos, Portugal apenas consegue afirmar-se em sectores industriais tradicionais e em produtos dominantemente da gama de baixa/média qualidade, onde as exportações dos novos países industriais crescem a ritmos duplos das exportações portuguesas.
O Governo atira aos olhos dos Portugueses com inúmeros indicadores quantitativos, mas não percebe que este padrão de especialização não tem saída.
No quadro da reorganização estratégica das grandes empresas, no contexto do mercado único europeu, visando predominantemente a maximização das economias de escala, Portugal verá acentuar a sua perifericidade, sendo-lhe apenas reservadas produções marginais para as quais a mão-de-obra barata ainda seja factor relevante.
Esta marginalização produtiva do nosso país será acompanhada da desqualificação da força de trabalho, o que acelerará a emigração. Á redução das vantagens salariais e a concorrência acrescida dos novos países industriais conduzirá à crise das indústrias tradicionais, que só poderão ser compensadas pelo crescimento das actividades para as quais Portugal disponha de vantagens resultantes de recursos imóveis. A exploração dos recursos naturais (floresta, subsolo, clima) levará a problemas sérios a nível da ecologia e do ambiente, pondo em causa o sucesso dessas actividades, como já começa a acontecer com o turismo.
Trata-se de um cenário, mas de um cenário provável. Algumas multinacionais preparam-se para deixar de produzir no nosso país os produtos tecnologicamente mais evoluídos e outras reforçam a comercialização de produtos de outras unidades do grupo localizadas no estrangeiro. A reflexão sobre este cenário demonstra que as políticas actuais, independentemente do sucesso no curto prazo, não estão preparadas para enfrentar os desafios que se irão colocar a médio e longo prazos.