O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

13 DE JULHO DE 1990 3533

Quando o secretário-geral da NATO é agora enviado a Moscovo, para comunicar o novo conceito de segurança, toda a perspectiva política dos países europeus é substancialmente posta em causa, e disso não tivemos reflexo no debate.
Não parece que, nestas condições, o debate possa ser inteiramente conclusivo sobre a situação real do país no fim desta sessão legislativa. Talvez que uma das razões evidentes para esta carência de debate, sobre temas tão essenciais seja a ausência de articulação institucional entre os vários organismos com responsabilidade na questão. Não existe relação institucional entre a Assembleia da República e o Parlamento Europeu e nem sequer entre a Assembleia da República e os eurodeputados portugueses. Se neste caso se pode atribuir a deficiência à não existência da dupla representação, a mesma razão não existe para igual falta de articulação entre a Assembleia da República e as suas representações no Conselho da Europa e da NATO.
É sabido que o Parlamento Europeu está ele a tomar a iniciativa de se relacionar, como instituição, com os parlamentos nacionais, mas isso arrisca-se a tomar mais funda a falta de ligação institucional desejável entre os euro-deputados nacionais e o nosso Parlamento.
Acabámos estes trabalhos quando está em curso um processo europeu que diz respeito à maneira soberana de os Estados estarem no mundo. Não parece indicado que o facto se desvaneça atrás de uma batalha semântica, desmobilizadora dos conceitos conhecidos: não pode ajudar-se a ignorar que as federações existentes são os Estados, com um poder soberano unitário; não pode omitir-se que as confederações e autoridades funcionais não são realidades coincidentes.
Que a imaginação ou a imprevisível natureza das coisas possa criar um novo modelo não é certamente de excluir. Mas o que é totalmente de excluir é que os detentores do poder de sufrágio, que nunca deram legitimidade a qualquer suporte dos órgãos de soberania para dispor dela, possam ser surpreendidos pelo normativismo dos factos.
Quem representa o País nas negociações que se aceleram sobre a definição daquilo que virá a ser a unidade política europeia, necessita de uma legitimidade clara para dizer que «sim» ou que «não» a qualquer modelo federativo em marcha, para apoiar apenas autoridades funcionais que não recebem delegações soberanas, para reforçar as dependências institucionais. Trata-se da maneira soberana de Portugal estar no mundo e não existem, a tal respeito, programas ou previsões no processo constitucional ou nos debates eleitorais.
Parece urgente que os mecanismos de comunicação sejam reestruturados para evitar afastamentos institucionais, já indiciados, entre os órgãos políticos nacionais e as instâncias internacionais europeias. E sobretudo para que ninguém seja ousado bastante para se atribuir a capacidade de decidir sem o mandato inequívoco dos detentores do poder de sufrágio, que não podem ser surpreendidos pelos factos consumados.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço aos grupos parlamentares que reflictam sobre um apontamento que fiz distribuir pelas bancadas, sobre a eventual ordem de votações de hoje. Iremos fazer uma miniconferência para decidirmos sobre isso, mas ainda antes de interrompermos para jantar, vamos, eventualmente, votar tudo o que seja consensual. Isto porque temos, necessariamente, de proceder a mais votações depois do jantar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos, uma vez mais, reunidos para debater e apreciar a acção governativa no período desta sessão legislativa.
Iniciativas como esta são, sem dúvida, úteis e necessárias. É, porém, indispensável que saibamos fugir à tentação da crítica fácil e inconsequente, exigida como objectivo em si.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em nossa opinião, o que verdadeiramente importa é aproveitar este ensejo para debater questões críticas da vida portuguesa, avaliando, concomitantemente, as questões promovidas pelo Executivo para as superar. Neste contexto, deliberámos trazer hoje aqui um conjunto de questões que se afiguram cruciais para o nosso futuro. Começaremos pela reforma do Estado e pela modernização da Administração Pública, verdadeiros pilares e traves mestras e que irão estruturar aquilo que conseguiremos ou não realizar durante a década de 90.
Empenhadamente, em 15 anos, temos vindo a construir a democracia. Mas, nestes anos, esqueceram-se os partidos, que foram governo, de dar um forte contributo para a construção da democracia orgânica, tendo o cidadão e a sociedade como um fim e a política, e ao que a ela diz respeito, como um meio.
Esqueceram-se os partidos que foram governo de olhar para a democracia a partir da reconstrução ideológica do Estado e da reforma da organização que lhe serve de suporte operacional, ou seja, a Administração Pública.
Com a queda do regime em 1974, cedo a crise do Estado se refez para, saindo do desnorte então verificado, se iludir tudo na mais elementar concepção segundo a qual o Estado modela, mitifica e constrói o sentido de todo o poder social. Ò Estado foi, para o salazarismo, uma forma sacralizante de domínio e coerção sobre a sociedade. O Estado foi a escola, abraçou a Igreja, dominou a justiça, enfezou a economia, foi sustentáculo para a família. E a Administração Pública, naturalmente, apenas se subordinou ao Estado.
A enunciação ideológica, a partir do derrube do Estado Novo, fez-se, como não podia deixar de ser, dentro dos princípios dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ou seja, fez-se uma Constituição e um Estado civil.
No entanto, partidos que tiveram responsabilidades governativas construíram, através da sua prática, uma forma de Estado que se confunde com território ideológico privado; um Estado de razão única; um Estado que ainda aparece mítico para o comum dos homens, das mulheres e das crianças do País.
A classe governante da nova República ainda se encontra embaraçada a desvencilhar-se da pesada herança de um «Estado patrão», inspirador de uma acção pública em que o Estado foi princípio, meio e fim da vida de um povo. Ainda hoje vivemos um Estado abstracto, que só sabe impor-se pela norma jurídica e pela força material. Um Estado congregador de todo o parasitismo ideológico, tão sedutor quanto farol para os amantes das discricionariedades.
Deste modo, a Administração Pública continua ausente do quotidiano das pessoas, entretida em servir o destino para que é obrigada; isto é, serventuária do Estado, porque serventuária dos governos.