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Sexta-feira, 13 de Julho de 1990 I Série - Número 100

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1989-1990)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 12 DE JULHO DE 1990

Presidente: Exmo. Sr. Vítor Pereira Crespo
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Júlio José Antunes
Daniel Abílio Ferreira Bastos

SUMÁRIO

O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 25 minutos.

Deu-se conta da entrada na Mesa dos projectos de lei n.º 577/V e 578/V.

Na abertura do debate, solicitado pelo PS, sobre política geral, visando o balanço e apreciação políticos da actividade global do Governo (interpelação n.º 15/V), usaram da palavra o Sr. Deputado António Guterres (PS) e o Sr. Ministro das finanças (Miguel Beleza), intervieram depois, a diverso título, além dos Srs. Ministros dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro), do Planeamento e da Administração do Território (Valente de Oliveira), dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro) e das Finanças, os Srs. Deputados Silva Marques, Joaquim Marques e Pacheco Pereira (PSD), Rogério Brito (PCP), Helena Torres Marques (PS), Luís Filipe Meneses (PSD), Octávio Teixeira, Carlos Brito e Sérgio Ribeiro (PCP), Herculano Pombo (Os Verdes), Montalvão Machado (PSD), António Guterres (PS), Basílio Horta (CDS), Alberto Martins (PS), Lino de Carvalho (PCP), Guerreiro Norte (PSD), Adriano Moreira (CDS), Carlos Lilaia (PRD) e Manuel dos Santos (PS).
A encerrar o debate, usaram da palavra o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) e o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (Fernando Nogueira).
Entretanto, a Câmara autorizou um Sr. Deputado a prestar declarações em tribunal.
Foram aprovados os inquéritos parlamentares n.º 17/V (PRD, PS, PCP, CDS, Os Verdes e deputados independentes) e 18/V (PSD), relativos à constituição de uma comissão de Inquérito sobre a RTP, E. P.
A Camará aprovou também, em votação final global, o texto elaborado pela 3.º Comissão sobre os projectos de lei relativos ao exercício do direito de petição.
Rejeitado um requerimento do PCP de baixa à Comissão, sem votação na generalidade, da proposta de lei n.º 118/V (concede autorização legislativa ao Governo para estabelecer o novo regime do arrendamento urbano), foi a mesma discutida e aprovada na especialidade e em votação final global. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Leonor Coutinho (PS), Rui Silva (PRD), Nogueira de Brito (CDS) e Octávio Teixeira (PCP).
Após leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o recurso interposto pelo PCP da admissão do projecto de resolução n.º 46/V (PSD) (constituição de uma comissão eventual de inquérito sobre a actuação das autarquias do Seixal e de Loures na concessão de favores ao PCP), foi o mesmo aprovado, intervindo os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Jorge Lacão (PS), Narana Coissoró (CDS) e Guilherme Silva (PSD).
Tendo sido contestada, pelo PCP, a Inclusão na ordem do dia da discussão e votação do projecto de resolução, foi rejeitado o recurso da decisão da Mesa interposto pelo Sr. Depu-

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lado Narana Coissoró (CDS). De seguida, interveio na discussão o Sr. Deputado Carlos Brito (PCP) e produziram declarações de voto, após aprovação do projecto de resolução, os Srs. Deputados Gameiro dos Santos (PS) e Silva Marques (PSD).
Rejeitados os requerimentos de avocação a Plenário dos artigos II. e 25.º, apresentados pelos Srs. Deputados Narana Coissoró - que fez declaração de voto sobre o primeiro - e Nogueira de Brito (CDS), e 22.º, n.º 3, e 56.º a 62.º, apresentados pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho (PS), foi aprovado, em votação final global, o texto elaborado pela Comissão, resultante da apreciação da proposta de lei n.º 130/V (aprova o regime da actividade de radiotelevisão no território nacional) e do projecto de lei n.º 457/V (PS) (sobre o exercício da actividade de radiotelevisão). Formularam depois declarações de voto os Srs. Deputados Basílio Horta (CDS), José Manuel Mendes (PCP), Arons de Carvalho (PS), Isabel Espada (PRD), Herculano Pombo (Os Verdes) e Montalvão Machado (PSD).
O Sr. Deputado Lino de Carvalho (PCP) apresentou os requerimentos de avocação a Plenário, que foram, rejeitados, dos artigos 29.º, 14.º-A, 11.º, 18.º, 28.º, 37.º e 50.º relativos ao texto final elaborado pela Comissão sobre a proposta de lei n.º 146/V (alteração à Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro - Lei de Bases da Reforma Agrária), que foram aprovados em votação final global. As declarações de voto foram produzidas pelos Srs. Deputados Rogério Brito (PCP), Basílio Horta (CDS), António Campos (PS) e Hermínio Martinho (PRD).
Foram ainda rejeitados os requerimentos de avocação a Plenário das bases IV, V, XIV, XV, XVIII, XXIV, XXVII, XXXVII, XXXI e XXXIII, apresentados pelo PS, e do n.º 1 da base I, das bases XII, XXXV e XXXVI, do n.º 1 da base xxxv e do n.º 2 da base XXXVI, apresentados pelo PCP, relativos ao texto final elaborado pela Comissão sobre a proposta de lei n.º 127/V (Lei de Bases da Saúde), que foi aprovado em votação final global, tendo usado da palavra os Srs. Deputados João Camilo (PCP), João Rui de Almeida, Jorge Catarino e Rui Cunha (PS) e Luisa Amorim (PCP) e, em declaração de voto, o Sr. Deputado Nogueira de Brito (CDS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 2 horas e 50 minutos do dia seguinte.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 25 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Cerqueira de Oliveira.
Alexandre Azevedo Monteiro.
Álvaro Cordeiro Dâmaso.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Augusto Lacerda de Queirós.
António Augusto Ramos.
António de Carvalho Martins.
António Fernandes Ribeiro.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Martins Pereira Coelho.
António da Silva Bacelar.
Aristides Alves do Nascimento Teixeira.
Arlindo da Silva André Moreira.
Armando de Carvalho Guerreiro da Cunha.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves.
Carlos Manuel P. Baptista.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Dulcíneo António C. Rebelo.
Ercília Domingues M. P. Ribeiro da Silva.
Evaristo de Almeida Guerra de Oliveira.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco João Bernardino da Silva.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Hilário Torres Azevedo Marques.
João Álvaro Poças Santos.
João Costa da Silva.
João Domingos F. de Abreu Salgado.
João Maria Oliveira Martins.
João Soares Pinto Montenegro.
Joaquim Fernandes Marques.
José Alberto Puig dos Santos Costa.
José Álvaro Machado Pacheco Pereira.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Guilherme Pereira Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Lapa Pessoa Paiva.
José Luis de Carvalho Lalanda Ribeiro.
José Manuel da Silva Torres.
José Mário Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
Licinio Moreira da Silva.
Luís Amadeu Barradas do Amaral.
Luís Filipe Meneses Lopes.
Luis da Silva Carvalho.
Manuel António Sá Fernandes.
Manuel Augusto Pinto Barros.
Manuel Coelho dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Marques Carraco dos Reis.
Maria Antónia Pinho e Melo.
Maria da Conceição U. de Castro Pereira.
Maria Luísa Lourenço Ferreira.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Maria Teresa Pinto Basto Gouveia.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mateus Manuel Lopes de Brito.
Nuno Francisco F. Delerue Alvim de Matos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rosa Maria Tomé e Costa.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Gomes da Silva.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Walter Lopes Teixeira.

Partido Socialista (PS):

Álvaro Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alberto de Sousa Martins.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes Silva Braga.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Manuel Luís.
Edite Fátima Maneiros Estrela.
Edmundo Pedro.
Elisa Maria Ramos Damião Vieira.
Francisco Fernando Osório Gomes.
Helena de Melo Torres Marques.
Henrique do Carmo Carmine.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rui Gaspar de Almeida.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Luis Costa Catarino.
José Carlos P. Basto da Mota Torres.
José Ernesto Figueira dos Reis.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Júlio da Piedade Nunes Henriques.
Laurentino José Castro Dias.
Leonor Coutinho dos Santos.
Maria do Céu Oliveira Esteves.
Maria Julieta Ferreira B. Sampaio.
Maria Teresa Santa Clara Gomes.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rui António Ferreira Cunha.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Rui Pedro Machado Ávila.
Vítor Manuel Caio Roque.

Partido Comunista Português (PCP):

António Filipe Gaião Rodrigues.
António da Silva Mota.
Apolónia Maria Pereira Teixeira.

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Carlos Alfredo Brito.
Carlos Vítor e Baptista Costa.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Camilo Carvalhal Gonçalves.
Joaquim António Rebocho Teixeira.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Júlio José Antunes.
Lino António Marques de Carvalho.
Luis Manuel Loureiro Roque.
Manuel Anastácio Filipe.
Manuel Rogério Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria de Lourdes Hespanhol.
Maria Luísa Amorim.
Miguel Urbano Tavares Rodrigues.
Octávio Augusto Teixeira.
Sérgio José Ferreira Ribeiro.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
Francisco Barbosa da Costa.
Isabel Maria Ferreira Espada.
José Carlos Pereira Lilaia.
Rui José dos Santos Silva.

Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.

Partido Ecologista Os Verdes (MEP/PEV):

Herculano da Silva P. Marques Sequeira.
Manuel Gonçalves Valente Fernandes.

Deputados independentes:

Maria Helena Salema Roseta.
Raul Fernandes de Morais e Castro.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 577/V, apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Catarino e outros, do PS (benefícios dos utentes do SNS em risco de consumo acrescido), que foi admitido e baixou à 9.ª Comissão, e 578/V, apresentado pelo Sr. Deputado Filipe Madeira è outros, do PS (criação do Tribunal da Relação do Algarve), que foi admitido e baixou à 3.º Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem do dia de hoje consta, como é conhecido, a interpelação ao Governo n.º 15/V (debate sobre política geral, visando o, balanço e apreciação políticos da actividade global do Governo), apresentada pelo PS.
Para a intervenção de abertura do debate, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. - Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A análise desta sessão legislativa traz consigo uma curiosíssima novidade. É que todo este ano tivemos formalmente o mesmo programa e o mesmo Governo, o XI, pertencente ao mesmo partido, o PSD, e com o mesmo Primeiro-Ministro, o Prof. Cavaco Silva.

O Orador: - Na prática, porém, com a derrota do PSD nas eleições autárquicas, tudo mudou. O Governo parece outro, as políticas em aspectos decisivos são opostas, a estratégia é inversa e mesmo o Primeiro-Ministro de há um ano atrás está hoje verdadeiramente irreconhecível.
Temos agora um governo cinzento, que se limita a sorrir e não quer problemas com ninguém. Um governo que não governa, está em campanha eleitoral permanente, que se limita a fazer oposição ao PS e a distribuir benesses, claramente empenhado na caça ao voto.

Aplausos do PS.

Com o objectivo de agradar a todos, o Governo não tem políticas claras, avança e recua ao sabor das pressões.. Faz hoje aquilo a que se opunha antes das eleições autárquicas: assim, na saúde, na segurança social e nas devoluções fiscais, na inversão das prioridades económicas, no ziguezague da política europeia, nos sucessivos projectos para a TV da Igreja. De reformas estruturais nunca mais se ouviu falar. Em vez disso, ataca-se Jorge Sampaio ou Fernando Gomes e, sempre que possível, procura beliscar-se o próprio Presidente da República, Mário Soares.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Em alguns sectores chaves da vida do País a acção foi substituída pela conversa, conversa, aliás, por vezes agradável e intelectualmente estimulante, como nos casos da educação e da justiça.
Há uma área, porém, em relação à qual se nota uma evidente continuidade. Trata-se dá preocupação constante em favorecer o clientelismo.
Altera-se a Lei das Incompatibilidades, mantém-se o mais governamentalizado dos sistemas europeus de gestão da televisão,...

O Sr. João Salgado (PSD): - Olha, olha!...

O Orador: -... privatizam-se os jornais a conta-gotas, à medida que os amigos do PSD revelam capacidade para se organizarem.

Aplausos do PS.

Por outro lado, o Governo atribuiu as duas frequências regionais de rádio em disputa ao Correio da Manhã e ao Comércio do Porto, por acaso os dois jornais diários mais favoráveis ao PSD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Isto, apesar de as respectivas rádios locais serem claramente inferiores, quer em nível de audiência, quer em volume de publicidade. Os ouvintes preferem uma rádio, paciência, os amigos do PSD vêm em primeiro lugar!...

Aplausos do PS.

E não vou falar já da subversão dos mecanismos essenciais do Estado democrático, decorrente da recente concentração do sistema de informações, contra a lei e contra a salvaguarda dos direitos dos cidadãos.

Uma voz do PSD: - Ainda bem!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é minha intenção limitar este debate à análise crítica da acção governativa.
Os Portugueses esperam mais do PS, como candidato natural que é à vitória nas eleições legislativas de 1991. Importa, portanto, clarificar o que separa o PS do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - Isso não é campanha eleitoral?

O Orador: - Vejamos, assim, sucessivamente os seis grandes lemas da vida nacional: os direitos dos cidadãos e a reforma do Estado, a gestão da conjuntura económica, a estratégia do desenvolvimento, a situação das desigualdades e o futuro do chamado Estado providência, as novas prioridades de acção política no mundo moderno e a defesa dos interesses de Portugal no exterior.
Comecemos pelo primeiro. O meu camarada Alberto Martins irá fazer uma análise comparativa entre as iniciativas do PS e as do Governo na concretização e no aprofundamento dos direitos dos cidadãos que a revisão constitucional veio tornar possível, em grande medida pelas alterações propostas pelo PS. Queríamos que esta verdadeira revolução legislativa fosse realizada este ano, em beneficio concreto dos Portugueses, de cada português. Não o permitiu o PSD que a tudo chegou atrasado e em tudo andou, neste aspecto, a reboque do PS.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para o PSD os direitos dos cidadãos interessam pouco. O PSD, em matéria de reforma do Estado, tem outras prioridades. Interessam-lhe apenas as alterações que se traduzem em beneficio próprio - lei eleitoral e aumento dos titulares de cargos políticos.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem!

O Orador: - Num segundo plano, o PS apresentou recentemente um conjunto de projectos que visam uma profunda alteração da nossa vida parlamentar. Queremos um Parlamento em que se valorize o papel individual dos deputados e se estabilizem e dignifiquem os respectivos mandatos, reduzindo, em consequência,- o domínio excessivo dos partidos; queremos que o Plenário seja cada vez mais um centro de verdadeiro debate político e que as comissões vejam fortemente reforçado o seu papel no processo legislativo.
Em terceiro lugar, entendemos que é necessário clarificar as regras de financiamento da vida política portuguesa. Vivemos hoje hipocritamente num regime legal cujo cumprimento é impossível, mas em que. nada sendo fiscalizável nem fiscalizado, se gerou a mais completa irresponsabilidade e a total impunidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Apresentámos um primeiro projecto de lei sobre o financiamento dos partidos políticos para tornar claras, exequíveis e fiscalizáveis as respectivas regras financeiras.
Passaram vários meses e o PSD nada disse. O PSD aparentemente não quer que nada mude. Os Portugueses facilmente compreenderão porquê.

Aplausos do PS.

Assumimos aqui também gostosamente o compromisso de que, após as eleições de 1991, o Partido Socialista promoverá a aprovação de novos estatutos para a RDP e para a RTP, desgovernamentalizando-as, de acordo com as propostas que aqui formulámos, e que o PSD não aceitou, concretizando assim, amanhã, no Governo, aquilo que hoje defendemos na oposição. Da mesma forma que nos comprometemos a fazer aplicar os direitos de participação dos jornalistas que temos vindo a defender, contra a vontade do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador:-A questão decisiva não é tanto a de verificar até que ponto este governo manipula a comunicação social estatizada. Importa é alterar um regime legal e a dependência que toma essa manipulação extremamente fácil, eu diria quase inevitável

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quinto tema na reforma do Estado Português é a descentralização. O PSD impede hoje a criação das regiões administrativas. Não o faia por muito tempo. O processo arrancará rapidamente após as eleições de 1991. Mas é preciso também, e em diálogo com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e a ANAPRE, alterar significativamente o peso relativo das competências e das verbas atribuídas às câmaras municipais e és juntas de freguesia, e romper ainda o espartilho adicional com que o actual governo procura sufocar os municípios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A aposta na descentralização como forma de aproximar os cidadãos do poder e como instrumento de eficácia económica e social é hoje um traço identificador do PS, que claramente o distingue da vocação centralista do PSD.

Uma voz do PSD: - Mentira!

O Orador: - Mas a aproximação entre os cidadãos e o poder não passa só pela descentralização: ela obriga a uma intensa e profunda desburocratização, objectivo esquecido em cinco anos de governo PSD.
Um dos principais obstáculos ao nosso desenvolvimento está hoje no conjunto, tantas vezes absurdo, de normas e regras que espartilham a vida empresarial. É um universo de papelada! Face aos cidadãos, por outro lado, ergue-se uma Administração confusa, opaca, tantas vezes arrogante, empurrando alguns, menos informados, menos preparados ou menos astuciosos, para situações verdadeiramente kafrianas.
O Grupo Parlamentar do PS iniciou já este ano a apresentação de um conjunto de projectos, de lei, a desenvolver durante a próxima sessão legislativa, pondo pela primeira vez, com grande exigência, a desburocratização como prioridade maior da nossa vida administrativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é preciso esperar pela sempre adiada reforma global da Administração para eliminar o inútil, para simplificar o desnecessariamente complexo, para tornar barato e acessível o que ficou artificialmente caro e difícil.

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Mas a abordagem do tema da reforma do Estado não ficaria completa sem uma referência à defesa nacional. Aprovada, vai já para oito anos, a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, contínua por elaborar a maioria dos diplomas legislativos que a sua regulamentação expressamente prevê. Isto representa uma gravíssima responsabilidade do PSD, que detém ininterruptamente a pasta da Defesa desde 1983.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É este o momento de proceder à revisão do conceito estratégico de defesa, do conceito estratégico militar, das missões das Forças Armadas, do sistema de forças e do dispositivo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tais conceitos foram elaborados com base em pressupostos que a evolução da situação mundial tomou corripletamente ultrapassados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que foi produto de uma ideologia dê confrontação já não serve no momento em que a limitação dos armamentos e a cooperação surgem como vertentes da segurança colectiva. E preciso irradicar do nosso conceito estratégico de defesa nacional os excessos que hoje, à luz dos novos tempos, representam um inaceitável chauvinismo passadista.

Aplausos do PS.

É necessário garantir a modernidade e a eficácia das nossas Forças Armadas, mas de forma adequada ao grau de ameaça que é hoje reconhecidamente mínimo na zona em que nos inserimos. Em todos os países da NATO estão em curso programas de reestruturação com volumosas reduções de material e de pessoal. Também em Portugal somos favoráveis a uma redução significativa dos quadros estáticos e à adopção de um sistema de grande mobilidade da força terrestre, acompanhada da adequada componente aeronaval.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Foi a esta luz que apresentámos o nosso projecto de redução do serviço militar obrigatório, com base numa proposta clara, bem estudada e exequível. É a esta luz que não compreendemos a timidez das reduções de efectivos propostas pelo Governo, nem que o Governo, em matéria de serviço militar obrigatório, se limite a agitar ideias simpáticas, transferindo para as Forças Armadas o ónus político da eventual rejeição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Da mesma forma que não percebemos como é possível em ponto tão sensível o Governo elaborar um novo Estatuto dos Militares e das. Forças Armadas, para vir logo à Assembleia, mal ele entra em vigor, reconhecer a necessidade de profunda revisão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vejamos agora brevemente a questão da conjuntura económica.
A nossa principal divergência com o Governo nesta matéria tem hoje a ver com a atitude perante a inflação e o défice do sector público administrativo. Esta é, aliás, uma área em que o discurso governamental tem revelado ao longo dos anos a maior incoerência.
Beneficiando de uma conjuntura internacional extremamente favorável, o País assistiu, a partir do início de 1985 e como não poderia deixar de ser, a uma significativa desaceleração da subida dos preços. Imprudentemente, logo o Governo atribuiu a si os méritos dessa evolução inevitável.
Em Julho de 1986, dizia o ministro Miguel Cadilhe: «As metas para a inflação fixadas pelo Governo para os próximos dois anos são: 1987, 8 % a 9 %; 1988, 4 % a 6 %.» E concluía Miguel Cadilhe em Setembro do mesmo ano: «Reafirmamos, como temos vindo a fazer desde o início do Governo, que vamos levar a inflação portuguesa a atingir os níveis reduzidos da Europa do Mercado Comum em fins de 1988. Temos para isso uma política macroeconómica que não nos deixa falhar.»

O destino foi cruel para o ministro Miguel Cadilhe!

Risos do PS.

Os preços subiram 9,4% em 1987 e 12,6% em 1989. Para um governo que considerava o combate à inflação o primeiro objectivo da política macroeconómica, esta situação deveria tê-lo levado há muito tempo à adopção de um conjunto eficaz de medidas anti-inflacionistas. Nada disso aconteceu. A inflação vai mal, não tem importância, deixa de ser prioritária!

Risos do PS.

O emprego vai relativamente bem? Passa a ser ele prioritário! Temos o único governo do mundo para quem nunca é prioritário corrigir o que está mal!

Aplausos do PS.

Só que o problema se agudizou este ano. De Maio a Maio, já vamos em 14 % na subida dos preços, perante a completa passividade do Prof. Cavaco Silva, obrigando-o a adiar a necessária entrada do escudo no mecanismo de' câmbio do sistema monetário europeu.
A derrapagem da subida dos preços deve-se, em larga medida, à derrapagem do défice do Estado. Segundo o Ministério das Finanças, o défice do sector público administrativo foi de cerca de 5 % do produto interno bruto em 1989, mas está estimado para este ano em 7,7 %. Um aumento brutal! Ora, esta derrapagem é consequência directa da proximidade das eleições de 1991. Numa questão vital para o nosso país, o Governo adoptou assim políticas contrárias ao interesse nacional, para servir o interesse eleitoral do PSD, sempre muito ligado ao esbanjamento dos fundos públicos quando as eleições se aproximam.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tive o cuidado, no debate do Orçamento de Estado para este ano, de recomendar a maior prudência a esse respeito.
Foi, por isso, com inteira coerência, que recentemente aqui propus, em nome de Jorge Sampaio e do PS, a

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celebração de um acordo de regime, corresponsabilizando Governo e oposição nas questões da integração europeia e nas medidas necessárias ao seu êxito.
A reacção do Governo foi espantosa. Com uma completa ausência de pudor, não só se recusou a discutir seriamente o problema mas procurou confundir a opinião pública, dizendo: «Afinal, o que o PS quer é a austeridade.» Nada mais falso!
Em primeiro lugar, porque o PS nunca considerou em abstracto o combate à inflação como a prioridade das prioridades da política económica. Para nós, a prioridade decisiva está sempre no desenvolvimento. Só que a aceleração do processo de construção europeia nos últimos meses não nos deixa qualquer alternativa.
Em segundo lugar, porque a conjuntura é suficientemente favorável para ser possível inverter a situação a curto prazo sem excessivos custos. Não deve confundir-se a austeridade com o evitar a derrapagem desnecessária do défice do Estado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O que criticamos é o crescimento exagerado desse défice no ano anterior às eleições, para servir os interesses eleitorais do partido do Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto mais tarde forem tomadas as medidas para corrigir o mal, maiores serão inevitavelmente os seus custos. Se o PSD ganhasse as eleições, então, sim, viria austeridade.
A duplicidade do Governo a esse respeito é total. Gasta quanto pode, mas vai pondo o Sr. Ministro das Finanças a dizer coisas sensatas o que, aliás, ele faz bem - sobre a necessidade de poupar no futuro.
Finalmente, Srs. Deputados, não confundamos o maior rigor na gestão dos fundos públicos com a austeridade para os cidadãos. O esbanjamento não beneficia todos igualmente, mas todos sofrem o aumento da subida dos preços.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É, no entanto, no que diz respeito à estratégia do desenvolvimento, ou à falta dela, que mais nitidamente se têm acentuado as divergências entre PS e o Governo. Já aqui sublinhei por diversas vezes que a nossa grande debilidade se traduz no facto de termos uma dependência tecnológica cada vez mais acentuada e de dispormos de uma única vantagem comparativa em relação aos nossos principais parceiros comerciais: os baixos salários, a mão-de-obra barata.
Não vou hoje desenvolver aqui, de novo, este tema. Em todos os grandes debates da nossa vida parlamentar no último ano procurei introduzi-lo e apresentei as propostas do PS para inverter a situação. O PSD sempre o rejeitou, iludido pela sua própria propaganda de que tudo vai bem. Vai, afinal, mal o PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vejamos agora a questão das desigualdades. E chocante que, numa situação de relativa prosperidade, se assista ao agravamento sistemático das desigualdades. É paradoxal que nos integremos na Europa e por cá se acentuem os traços de dualidade, tão típicos de alguns países do Terceiro Mundo. O Governo rejeita, e bem, uma Europa a duas velocidades, mas vai consentindo, e mal, num Portugal a duas velocidades.

Aplausos do PS.

São diversas as formas e as causas deste acentuar das desigualdades no nosso país. Desde logo as desigualdades regionais, agravadas pela excessiva concentração dos investimentos públicos no litoral e que se acentuam com a evolução recente da agricultura portuguesa. Alarga-se aí o fosso entre alguns, com dimensão e com acesso aos subsídios comunitários e à informação técnica, e a massa esmagadora dos nossos agricultores, para a qual nada mudou.
Avisamos o Governo: este problema não tem solução no quadro da política agrícola e muito menos da política agrícola comunitária. Só a terá à luz mais ampla de uma estratégia integrada de desenvolvimento rural.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Segunda preocupação tem a ver com a diminuição progressiva do peso dos rendimentos do trabalho no rendimento nacional, diminuição essa que continuará sem uma estratégia de desenvolvimento que conduza a uma mão-de-obra globalmente mais qualificada e mais bem paga. Mas o problema pode ser minorado a curto prazo, se o PSD deixar de se opor à reforma do actual sistema de contratação colectiva. Queremos libertar este das limitações legais que o espartilham, favorecendo a liberdade das partes e a negociação de contratos em que uma parte da remuneração de trabalho possa ser ligada ao próprio excedente criado pelas empresas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Somos defensores da valorização do conceito do cidadão trabalhador, bem como do estabelecimento de incentivos (aspecto inovador mas que nos parece decisivo), até de natureza financeira, às empresas que aceitem direitos acrescidos de informação e participação aos respectivos trabalhadores, numa perspectiva de democratização da empresa, que nos parece essencial.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Terceiro factor recente do agravamento das desigualdades é a tendência para o alargamento dos leques salariais. Não temos ilusões: essa tendência é a curto prazo inevitável pela lógica da integração do mercado de trabalho no quadro europeu, em que os alinhamentos tenderão a começar pelas profissões mais qualificadas.
Só que o Governo deve moderar e não estimular este fenómeno, como fez infelizmente com o famoso aumento dos 56 %, que legitimou todas as ambições.
Quarto factor de desigualdade a analisar brevemente tem a ver com o sistema fiscal, que a recente reforma neste aspecto não melhorou. O essencial da fiscalidade directa continua a recair sobre os rendimentos do trabalho, com particular incidência sobre as classes médias. O PS já apresentou o seu projecto de reforma fiscal, com três objectivos essenciais: defender os direitos do contribuinte, reduzir ao máximo as possibilidades de fraude e promover a justiça e a equidade na aplicação dos impostos.
Não aceitamos que um filho, que herda um andar médio de habitação em zona urbana, possa ter de pagar ao Estado uma parte apreciável do seu valor, se o valor matricial tiver sido recentemente corrigido, enquanto um primo, mesmo afastado, nada paga ao herdar milhões de contos em acções.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Não toleramos que um cirurgião qualificado tenha de entregar 40 % do que ganha ao Estado, enquanto um accionista só paga 25 %, e um especulador bolsista nada, ou, no máximo, 10 %.

Aplausos do PS.

Se tratarmos igualmente todos os rendimentos poderemos seguramente aliviar a carga fiscal das classes médias, que vivem dos rendimentos do seu trabalho ou do produto dos depósitos a prazo, sem reduzir as receitas do Estado.
Mas também várias políticas sectoriais deste governo têm dado um forte contributo para o agravamento das desigualdades. Em tudo, desde a concepção elitista da PGA, à degradação do sistema educativo e da prestação dos cuidados básicos de saúde, ao progressivo apagamento da política de habitação social, à reforma das custas judiciais, às alterações da legislação laboral, em tudo se nota o mesmo traço identificador. A igualdade de oportunidades entre os cidadãos não é um valor para o PSD. A criação das condições que a concretizem não é uma política do governo do PSD.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Más o mais escandaloso atentado à justiça, e é bom que se lembre, ocorrido em Portugal nas últimas décadas aconteceu na vigência* deste governo e com a sua objectiva cumplicidade. Foi o processo de especulação bolsista de 1987, que o Governo estimulou irresponsavelmente e cuja queda ajudou a precipitar.

Vozes do PS: - Um escândalo!

O Orador: - Aí se provocou a espoliação, em dezenas de milhões de contos, de pequenos aforradores, para fazer a fortuna de alguns operadores bem informados e bem prevenidos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O grande desafio que se põe hoje às sociedades modernas é o de conciliar o valor supremo da liberdade, entendido no seu conceito mais largo, com a afirmação do princípio da solidariedade, e a criação das condições para a igualdade possível entre os homens.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A concretização destes dois últimos valores não é apenas função do Estado, nem pode ser realizada de fornia despersonalizada, burocrática e cega à individualidade dos cidadãos. É essencial o papel da sociedade civil; só que o Estado não pôde também abdicar, das suas responsabilidades!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Rejeitamos por isso o: fim do Estado providência, ou o Estado do bem-estar, mas reconhecemos a necessidade da sua vasta e profunda reforma. Reforma, em primeiro lugar, porque estamos conscientes das limitações orçamentais a ter em conta. É e será objectivo de um qualquer governo socialista que o peso dos sectores sociais no produto interno possa aumentar gradualmente.
Para isto, porém, há que assegurar três condições: reduzir outras despesas públicas de menor reprodutividade social; inovar com coragem na gestão que queremos tripartida e no financiamento da Segurança Social, porventura associando este parcialmente e com prudência ao valor acrescentado gerado pelas empresas e não apenas, exclusivamente, ao volume de salários por elas pago; apoiar e estimular todos os mecanismos de autêntica solidariedade que a sociedade civil pode gerar, reconhecendo ainda o papel do sector privado lucrativo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Reforma do Estado providência, em segundo lugar, porque temos de reconhecer que as classes médias beneficiam hoje mais facilmente da política social do que os grupos dê cidadãos vítimas de uma crescente exclusão do processo de desenvolvimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não aceitamos a divisão dos Portugueses em cidadãos de primeira e de segunda na qualidade das prestações dos serviços sociais. Mas afirmamos que há que conferir maior prioridade às intervenções de natureza selectiva, que se destinam sobretudo a satisfazer as necessidade dos que verdadeiramente precisam. Nesta óptica inovadora e carregada de consciência- inserem-se as propostas das nossas últimas jornadas parlamentares sobre política social e os projectos de lei que começámos a entregar já nesta sessão legislativa.
Reforma, em terceiro lugar, visando a humanização de um sistema em que as burocracias tendem a considerar-se como um fim em si próprias, esquecendo-se que tudo o que fazem só tem sentido em função de cada cidadão que lhes compete servir.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há áreas tradicionalmente esquecidas no discurso político e nos orçamentos de Estado e que, no entanto, são hoje fundamentais para o desenvolvimento e o bem-estar nas sociedades modernas. São áreas em que o Estado e a sociedade civil têm investido pouco e em que é, portanto, possível multiplicar o nosso esforço colectivo sem pôr em causa os equilíbrios macroeconómicos. Quero aqui afirmar, em nome do Partido Socialista, a nossa firme determinação em valorizar como verdadeiras prioridades três componentes profundamente mobilizadoras das novas gerações: a cultura, a investigação científica e tecnológica e o ambiente e ordenamento do território.
Não vou hoje aqui desenvolver os dois últimos temas, até porque têm sido alvo de frequentes intervenções do meu grupo parlamentar, através dos deputados António Barreto e José Sócrates. Mas não posso pactuar com a sistemática desvalorização do tema da cultura no debate político português.
A cultura portuguesa é o mais valioso legado de Portugal ao mundo. Dotada de uma singular capacidade de se reproduzir, absorver e impregnar outras culturas, a cultura portuguesa constitui uma herança inestimável, que temos o dever de transmitir enriquecida com as testemunhos do presente.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, a política cultural não pode ser encarada como uma política menor, nem transformada em

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mero instrumento de propaganda e ostentação do Estado laranja ou de outro Estado qualquer ela tem de ser uma política nuclear e estratégica.
Há que salvaguardar, defender e valorizar o património cultural, em estreita cooperação com as autarquias e as entidades representativas da sociedade. Ao contrário, a prática do Governo tem sido deixar cair os monumentos (veja-se os Jerónimos, caso paradigmático), consentir a descaracterização de conjuntos e sítios, não regulamentar a Lei de Bases do Património Cultural, distorcer o conceito de património, reduzindo-o a uma dimensão estática. Para o PSD, património é o que é «velho». Para nós, é uma fonte de referências que nos permite explicar o passado, decifrar o presente e preparar o futuro.

Aplausos do PS.

A cultura e a língua portuguesas são documentos vivos da história de um povo com vocação universal.
A promoção e defesa da língua não é apenas uma actividade de cultura, é um acto político fundamental.
Lamentavelmente, Portugal não tem tido uma política do idioma e essa deveria ser a prioridade máxima da nossa política cultural.
Onde estão as medidas e providências tendentes à preservação da superior unidade do idioma e à sua expansão e promoção internacionais?
Em vez de dizer o que quer, o Governo só tem estado preocupado em saber qual o organismo que, a nível do Estado, virá coordenar a política da língua!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em homenagem à presença do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, gostaria de deixar duas breves notas sobre dois aspectos decisivos da nossa política externa. A primeira é para sublinhar o nosso agrado pela evolução no sentido da paz e de uma verdadeira democratização nos Estados africanos de expressão oficial portuguesa.

Aplausos do PS.

É uma área em que são convergentes os nossos objectivos e os objectivos do Governo e em que consideramos globalmente positiva ... os Srs. Deputados do PSD deveriam ouvir esta parte, que é até uma das que costumam aplaudir nas minhas intervenções...
Dizia eu que é uma área em que são convergentes os nossos objectivos e os objectivos do Governo e em que consideramos globalmente positiva a acção que* tem vindo a ser desenvolvida por este. É no sentido de contribuir para estes objectivos comuns que Jorge Sampaio reúne hoje, em Lisboa, o Comité da Internacional Socialista para África.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Nunca vi os Srs. Deputados do PSD tão nervosos com uma referência elogiosa ao Governo!

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Muito obrigado pela nota!

O Orador: - Mas algum esforço tem de ser feito ainda para valorizar e racionalizar os recursos postos à disposição da cooperação e para dar a esta uma estratégia verdadeiramente eficaz.
Uma segunda nota sobre o processo de integração europeia: congratulamo-nos pelo facto de a cimeira de Dublin ter marcado, em simultâneo, as conferências intergovernamentais preparatórias da união política e da união económica e monetária Defendemos a necessidade de uma nova alteração aos tratados, um verdadeiro Acto Único bis, que permita um novo salto qualitativo na integração europeia a caminho do modelo que desejamos para o futuro - o da confederação de Estados soberanos que salvaguarde os interesses próprios dos pequenos países como Portugal.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Daqui a um ano estão a dizer o contrário!

O Orador: - Fomos acusados de ter pressa. Felizmente que a Europa teve pressa connosco, obrigando até o Governo Português a acompanhar o ritmo, depois das hesitações thatcherianas do Sr. Primeiro-Ministro, tão comentadas na imprensa internacional.

Protestos do PSD.

Risos do PS.

Devo dizer-vos, Srs. Deputados do PSD, que continuo sem compreender que encantos políticos vê o Sr. Primeiro-Ministro na Sr.ª Margaret Thatcher.

Risos do PS.

Vejo, aliás, com prazer, que o critério do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros o tem levado a afastar-se progressivamente desta atracção política fatal.

Risos do PS.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Chegou o momento de concluir. Não posso, porém, fazê-lo sem me referir ao acontecimento político mais marcante nos próximos meses em Portugal: as eleições presidenciais.
Nada há de novo a dizer sobre a posição do PS nesta matéria. O PS tem um candidato natural, o PS apela com empenhamento a Mário Soares para que se recandidate e o PS orgulha-se do seu papel como Presidente de todos os portugueses.

Aplausos do PS.

Já em relação ao PSD todos os dias nos surpreendemos. No debate da moção de censura, com que se iniciou esta sessão legislativa, tive ocasião de dizer aqui mesmo, e passo a citar. «Não me custa prever o momento em que o Prof. Cavaco Silva, de baraço ao pescoço, qual Egas Moniz, subirá às escadarias de Belém para pedir ao Sr. Presidente da República que o deixe apoiar a sua reeleição.»

Risos do PS.

Baseava-se a minha profecia de então na evidente posição de fraqueza do PSD nesta matéria. Neste ponto a profecia realizou-se integralmente, mas confesso que não esperava que à fraqueza se viesse juntar depois uma tão evidente hipocrisia.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - O Prof. Cavaco Silva, ao mesmo tempo que parece resignar-se à reeleição de Mário Soares -e não terá outro remédio -, tenta, por todos os meios, desvalorizar as eleições presidenciais e conduzir uma guerrilha permanente, visando o desgaste da figura, do Presidente e, o que é pior, o desgaste da instituição Presidência da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo e o PSD têm de optar com clareza: se apoiam Mano Soares, devem parar com esta guerra, que só prejudica o prestígio das instituições...

Aplausos do PS.

... e não tem sentido, face à impecável, isenção institucional do Sr. Presidente da República, e, se não apoiam, devem então propor outro candidato à Presidência da República, como seria, aliás, natural num partido com um mínimo de confiança em si próprio e nos Portugueses.

Aplausos do PS, de pé.

Pela nossa parte, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não aceitamos a desvalorização das eleições presidenciais. Ao apoiar Mário Soares, não está só em causa, para nós,' a escolha de um homem, está. em causa também a reafirmação da nossa cultura democrática, da nossa visão de um Portugal europeu, aberto ao mundo e aos valores universais, e da nossa aposta na tolerância e no diálogo, como formas privilegiadas de entender as relações entre os Portugueses.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado António Guterres, o Sr. Deputado Silva Marques, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, o Sr. Ministro do Planeamento e Administração do Território, ò Sr. Deputado Fernandes Marques e o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Beleza): - Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: J5 para mim uma grande honra e um grato prazer abrir, por parte do Governo, este debate parlamentar sobre política geral. Respeitando o conhecido princípio da divisão do trabalho e, se mo permitem, a percepção que tenho das minhas próprias vantagens comparativas, centrar-me-ei sobre aspectos importantes da política-económica, em geral, e sobre as áreas de intervenção do ministro das Finanças, em particular.
O grande objectivo da política económica do passado recente, do presente e do futuro próximo é a integração plena e bem sucedida na Europa comunitária. Corresponde, estou seguro, à vontade expressa da grande maioria dos cidadãos. Trata-se, em concreto, de aproximar o nível de vida e, em geral, o bem-estar dos cidadãos portugueses, daqueles de que beneficiam os nossos parceiros mais ricos e mais desenvolvidos.
Em termos técnicos, e segundo a terminologia comunitária, procuramos a convergência real, por um lado, e a convergência nominal, por outro. O primeiro destes conceitos pode traduzir-se no objectivo de assegurar à economia portuguesa um crescimento mais rápido do que o do dos nossos parceiros; o segundo conceito traduz-se, inter alia, na redução do diferencial de inflação que nos separa dos países europeus mais desenvolvidos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A convergência nominal é, aliás, uma condição necessária para a própria viabilidade da convergência real sustentada.
Estes objectivos têm sido prosseguidos através de uma ^combinação de reformas estruturais - que vão das novas leis do trabalho às privatizações, ou da reforma do ensino à reforma fiscal- e da prossecução de políticas macroeconómicas, prudentemente desenvolvimentistas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Incluem-se neste último conjunto as políticas orçamental, monetária e cambial e a política de rendimentos, por exemplo.
No que diz respeito à convergência real, os resultados têm sido mais do que satisfatórios. Entre 1986 e 1989 o rendimento real cresceu, em Portugal, a uma taxa média de cerca de 4,6%, igual ou superior à de todos e cada um dos nossos parceiros comunitários. No mesmo período, a média geral das Comunidades Europeias foi de pouco mais de 3%. Se for possível manter o ritmo do passado recente - e sê-lo-á, se continuarmos a adoptar as políticas adequadas -, no ano 2000 o rendimento real será p dobro do que era em 1985.

Aplausos do PSD.

E, não menos importante, este crescimento tem sido solidamente baseado no investimento produtivo e nas exportações. Ao longo daqueles quatro anos, a formação bruta de capital fixo cresceu quase 60%, mais do dobro da média geral dos países das Comunidades Europeias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - As exportações, a segunda componente mais dinâmica da procura global, cresceram mais de 50 %, duas vezes e meia mais depressa do que a média dos nossos parceiros.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É, aliás, em boa medida, o excelente comportamento do investimento e das exportações que está na base do optimismo realista e generalizado quanto às perspectivas da economia portuguesa para os próximos anos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A OCDE, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e a Comissão das Comunidades são unânimes em prever para Portugal taxas de crescimento que permitem concluir que continuaremos a trilhar o caminho da convergência real. Este crescimento, e é importante referi-lo, traduziu-se, lambem, numa apreciável melhoria do bem-estar das famílias portuguesas. O emprego cresceu durante os últimos anos cerca de 1,1 %, ou seja, foram criados mais de 300 000 postos de trabalho (311 000, até ao fim de 1989),...

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem! Factos é que interessam!

O Orador: -... e a taxa de desemprego baixou para níveis inferiores a 5%, próximo de metade da média comunitária em 1989. O consumo privado, que mede mais directamente a evolução do bem-estar das famílias, cresceu, em termos reais, a uma taxa próxima da do rendimento real e, permitam-me sublinhá-lo, as pensões pagas pela Segurança Social, de que beneficiam, em particular, as famílias de menores recursos, cresceram, por ano e em média, mais do que 12,5 % em termos reais.

Aplausos do PSD.

No campo* da convergência nominal reconheço que os resultados dos últimos tempos tom ficado aquém do desejável. Mesmo retirando do crescimento do índice de preços no consumidor a parcela directamente atribuível ao mau tempo, ou seja, o aumento anormal e, por isso, em princípio temporário, dos preços de alguns produtos alimentares - avaliamo-lo em cerca de 1,5 pontos percentuais, nos últimos meses, segundo o modelo do Ministério das Finanças -, é evidente, e reconheço-o, que o diferencial de inflação, em relação aos nossos parceiros comunitários, é excessivo.
Em boa medida, o aumento acima do desejável dos preços é o reverso da medalha dos bons resultados obtidos no caminho para a convergência real. Se é certo que, a longo prazo, a inflação elevada não contribui para a aceleração do crescimento, não é menos certo que, no curto prazo, o crescimento rápido da procura, do produto e do emprego exercem pressão sobre o nível geral dos preços. Qualquer economista profissional, medianamente qualificado, sabe que isto assim é.
Mas, mesmo nesta área, não se devem subestimar os progressos alcançados. Permitam-me que recorde, Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados, que ainda em 1985 se debatia se o crescimento do índice de preços no consumidor se situaria acima ou abaixo dos 20%. Hoje, felizmente, e repito, felizmente, consideramos negativo que a inflação esteja ainda a dois dígitos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No futuro imediato a estratégia da política económica tem como pontos de referência o mercado único e a construção da união económica e monetária. É fundamental que, nesta matéria, se mantenha e reforce a perspectiva de médio prazo, isto é, está totalmente fora de causa o regresso à situação da segunda metade da década de 70 e início da de 80, em que a gestão macroeconómica se dirigia, com prioridade absoluta, para a «gestão da crise». Não será necessário que repita aqui as experiências de estabilização que os senhores bem conhecem e que, estou seguro, não gostariam de ver repetidas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em síntese, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para Portugal, quer a continuação da convergência real quer o reforço da convergência nominal constituem prioridades, quer a análise teórica quer os dados empíricos sugerem que não existe qualquer trade off - perdoar-me-ão a expressão não portuguesa, mas tenho dificuldade em traduzi-la - duradouro entre estes objectivos, pelo contrário, os dados disponíveis para a economia mundial, ou, de forma ainda mais expressiva, a análise de séries longas para a economia portuguesa, sugerem que o efeito da disciplina monetária e financeira é positivo sobre o crescimento a longo prazo. No curto prazo, e como já referi, a estabilização nominal pode acarretar custos traduzidos pelo abrandamento no ritmo de crescimento. Deve, no entanto, dizer-se que, no contexto de uma economia muito aberta como a portuguesa, e que beneficia, no contexto de um processo de progressiva integração financeira, de importantes entradas de capitais, esses custos se podem antecipar como sendo muito pequenos.
Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados: Permitam-me que destaque algumas iniciativas importantes que tenho protagonizado, quer no plano comunitário quer no plano interno, no quadro da construção da união económica e monetária.
No plano comunitário Portugal antecipou-se, por exemplo, à aplicação das regras que, em matéria orçamental, serão parte integrante da união económica e monetária, ao solicitar à Comissão colaboração no estudo de vias alternativas para a consolidação orçamental.
Respeitando integralmente os princípios do gradualismo, do paralelismo e, em particular, da subsidiariedade, o exercício de colaboração entre a Comissão e o Ministério das Finanças constitui um exemplo substancial do conteúdo que poderão ter os chamados «procedimentos vinculativos em matéria orçamental)», que estão, neste momento, em discussão no quadro dos trabalhos preparatórios da Conferência Intergovernamental sobre a União Económica e Monetária, que, como sabem, terá o seu início em Roma, a 13 de Dezembro próximo. A nossa participação nos trabalhos tem sido particularmente activa, defendendo soluções apropriadas dos pontos de vista nacional e comunitário.
A urgência associada a estas transformações está patente nas conclusões do Conselho Europeu de Dublin, de 28 de Abril passado, que destacam que, e passo a citar: «Os preparativos para a Conferência Intergovernamental sobre a União Económica e Monetária, que já se encontram em fase bastante avançada, continuarão a ser intensificados, de modo a permitir que a Conferência, que terá o seu início em Dezembro de 1990, possa concluir os seus trabalhos rapidamente, a fim de que a ratificação pelos Estados membros possa ser feita antes do final de 1992.» Apraz-me a disponibilidade manifestada pelo Sr. Deputado e meu caro amigo António Guterres para que o PS colabore na rápida ratificação destes tratados.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nestas condições, não é impossível antever o início da segunda fase da união económica e monetária durante o ano de 1993, ou seja, e se assim for, em 1993 o escudo já deveria participar no mecanismo de taxas de câmbio do sistema monetário europeu, ou, se tal não acontecesse, Portugal enfraqueceria substancialmente a sua posição negocial no quadro da união económica e monetária e, em particular, na concepção da futura autoridade monetária europeia, seja ela chamada EUROFED, Sistema Europeu de Bancos Centrais, como nós defendemos, ou Sistema do Banco Central Europeu, como defendem, por exemplo, os Alemães - não sei se a vitória no mundial de futebol terá alguma influência nesta denominação...

Risos gerais.

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A questão da participação de Portugal na união económica e monetária não se coloca. Não se colocaria, desde logo, porque as vantagens decorrentes dessa participação para uma pequena economia muito aberta e importadora de capitais são enormes. Em segundo lugar, porque foi decidido no Conselho Europeu de Madrid que todos os países participariam na primeira fase da união económica e monetária. A data escolhida para o seu início, como sabem, foi o já passado dia 1 de Julho, data, aliás, se calhar mais conhecida, como a do início da união económica monetária e social inter-alemã. A coincidência não deixa de ter significado simbólico.
Foi também reconhecido, no Conselho Europeu de Madrid, que a construção da união económica e monetária se realizaria com a aplicação do já referido princípio da subsidiariedade, de acordo com o gradualismo, tendo em consideração as situações específicas dos Estados membros e respeitando, promovendo e assegurando a coesão económica e social.
Mas, não obstante os evidentes ganhos estruturais, o processo de transição para a união económica e monetária não deixa de colocar problemas difíceis para os países comunitários do Sul da Europa. Não estamos sozinhos nesta como em outras matérias. De facto, um dos requisitos a cumprir consiste na convergência das políticas e dos resultados económicos. A necessidade da convergência decorre não só de opções correctas e inevitáveis, em matéria de política económica interna, como também dos compromissos institucionais, entretanto, assumidos.
Todos aqueles países do Sul da Europa, têm seguido, no passado recente, embora com graus muito diferentes de empenhamento e sucesso, uma combinação de políticas macroeconómicas baseada em: primeiro, uma política cambial em que a trajectória da cotação da moeda nacional não acomoda os diferenciais de inflação - é a nossa política; segundo, uma política monetária compatível e, portanto, rigorosa; terceiro, esforços anunciados - mas nem sempre concretizados- de consolidação orçamental no médio prazo.
Esta combinação de políticas tem-se revelado, na prática, insuficiente como forma de combater a inflação. A razão deste diagnóstico resulta do efeito da crescente integração financeira numa pequena economia aberta importadora de capitais, isto é, de. grandes influxos de capitais.
Num contexto em que, no curto prazo, e por esta razão, a evolução macroeconómica é, em boa parte, determinada pelo comportamento da balança de capitais, esta situação conduz a uma maior expansão da procura interna e à apreciação real da moeda nacional. Dito de outro modo: a crescente integração financeira provoca um afastamento transitório da inflação interna da soma da inflação externa com a depreciação da moeda. Este efeito é suficiente para explicar o desvio da trajectória de preços nestes países, face às indicações ou aos sinais que se retirariam da política cambial adoptada.
A solução para este problema de transição está na contenção orçamental, como forma de controle da procura agregada. Serão extremamente bem-vindas, quer neste Plenário quer na comissão respectiva, as sugestões do Partido Socialista nesta matéria.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é que é mais difícil!

O Orador: - Só assim será possível evitar que a «sobre credibilidade» da política cambial se traduza, face ao diferencial das taxas de inflação, em entradas de capitais excessivas, dadas as necessidades de controle macroeconómico, ou, por outras palavras, só assim se evita o excesso de confiança dos nossos parceiros no Governo, no Ministro das Finanças e no Banco de Portugal.
De uma forma mais curta e mais clara: no actual contexto macroeconómico, dizer que a inflação é excessiva em Portugal equivale a defender o rigor orçamental. As hipotéticas alternativas -um maior rigor da política monetária e ou cambial, por exemplo - não são apenas dificilmente exequíveis como contrariam a clara opção do Governo de não fazer recair o custo da desinflação sobre o sector privado, repito, como contrariam a clara opção do Governo de não fazer recair o custo da desinflação sobre o sector privado.
É neste contexto que se equaciona a necessidade de um importante esforço de consolidação orçamental.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - Este esforço, importa reconhecê-lo, tem vindo a ser bem sucedido. As necessidades globais de financiamento do sector público administrativo e empresarial passaram de 21,5 % do produto interno bruto, em 1984, para menos de 6 %, em 1989.
A preocupação com o rigor orçamental encontrou expressão e orientação no Programa para a Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego (PCEDED), cuja versão revista foi aprovada, há menos de uma ano, em Conselho de Ministros. É ainda nesta linha que a política orçamental, numa perspectiva de médio prazo, foi eleita como área privilegiada de colaboração entre os .serviços da Comissão e as autoridades portuguesas.
O Parlamento e o Governo adoptaram, no passado recente, medidas de extrema importância para o processo de consolidação orçamental. Permitam-me que recorde o congelamento orçamental efectuado, a indisponibilidade, por parte do Ministro das Finanças e do governador do Banco de Portugal para acomodarem os efeitos da inflação, respectivamente, no Orçamento do Estado e na programação monetária, a reforma da contabilidade pública, a Lei de Regulamentação das Operações de Tesouraria e a reforma do Tesouro. A reforma da contabilidade pública, que, com muita satisfação, recordo que foi aprovada por unanimidade, a Lei de Regulamentação das Operações de Tesouraria, que também foi aprovada por unanimidade neste fórum, e a reforma do Tesouro tem carácter estrutural e constituem o culminar de um processo que visa tornar as contas públicas inteiramente transparentes e a administração financeira do Estado mais eficiente. Considero-me, como Ministro da Finanças, defensor do contribuinte cumpridor e considero que este aspecto é fundamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O congelamento orçamental e a indisponibilidade do Governo para apresentar à Assembleia da República qualquer orçamento suplementar que envolva aumento global de despesas constituem um claro sinal do rigor com que está a ser encarada a execução do Orçamento de 1990,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: -... rigor esse que se manterá na proposta do Orçamento do Estado para 1991.

Aplausos do PSD.

Apraz-me verificar, desde já, a disponibilidade do Partido Socialista para colaborar nesta matéria, e comprometo-me a considerar todas as propostas realistas que me sejam feitas por ele,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: -... no sentido de obtermos um rigor no Orçamento de 1991, mas preferia propostas concretas em lugar de manifestações e de princípios, que todos escrevemos, mas que nem todos executamos.

Aplausos do PSD.

Para além destas reformas estruturais que visam reduzir, limitar e controlar o sector público, em condições de inteira transparência, o Governo está profundamente empenhado no reforço do papel dos mecanismos de mercado na afectação de recursos na economia. Estas vias paralelas de desburocratização e desregulamentação são traduzidas pelas profundas alterações regulamentares e substanciais em curso, por exemplo, no sistema financeiro e na recentemente aprovada parte inicial da reforma do mercado de capitais, e que têm o seu expoente mais popular no programa de reprivatizações. Não menos importante será ainda o estatuto de clara autonomia consagrado na nova Lei Orgânica do Banco de Portugal, recentemente aprovada pelo Governo.
É neste quadro de rigor, mas também, e sobretudo, de desenvolvimento económico e social, que a política de rendimentos desempenha um papel fundamental. Com efeito, os custos associados a um programa de desinflação gradual, mas firme e sustentado, serão muito menores se o objectivo da convergência nominal for assumido plenamente pelos parceiros sociais. Neste sentido têm os membros do Conselho Permanente de Concertação Social, incluindo o Governo, vindo o trabalhar e a desenvolver intensos contactos, dos quais, apraz-me registá-lo, creio poder inferir a disponibilidade e o empenhamento dos parceiros sociais para a celebração de um acordo económico e social para o médio prazo.
Permitam-me que anuncie que, correspondendo àquela disponibilidade, amanhã mesmo terá lugar uma importante reunião entre representantes do Governo e dos restantes membros do Conselho Permanente de Concertação Social, tendo como referência o progresso económico e social para os anos 90, e que, creio, constituirá mais um sólido passo para a celebração do referido acordo, cuja urgência é por todos reconhecida.
O projecto QUANTUM, cuja popularidade me lisonjeia, permitam-me que o refira, e que significa «Quadro de Ajustamento Nacional para a Transição para a União Económica e Monetária», e que após apreciação em próximo Conselho de Ministros apresentarei publicamente, exemplifica e concretiza o quadro geral em que o ajustamento se deverá processar.
A convergência que se propõe passa pela consolidação orçamental, pelo rigor da política monetária e cambial e pelo empenho no desejável acordo com os parceiros sociais sobre política de rendimentos, inerente à participação na união económica e monetária. De facto, é bem sabido que a fixação da taxa de câmbio - irreversível na
união plena -, combinada com a liberalização completa dos mercados financeiros europeus, reduz drasticamente o espaço de manobras das políticas monetárias nacionais.
Do ponto de vista nacional não existirá margem para situações de menor disciplina orçamental, como as vividas num passado ainda não muito longínquo. O instrumento cambial estará indisponível para acomodar essa indisciplina, pelo que o acumular de tensões inflacionistas correspondentes a défices públicos excessivos e ao amontoar irreprimível da dívida pública será reflectido em valorização real da moeda, em perda de competitividade e, consequentemente, numa pressão enorme sobre o sector produtor de bens transaccionáveis e sobre o emprego.
É por isso, Srs. e Sr.ªs Deputadas, que, neste momento, é insensato, inoportuno e inadequado aderir já ao sistema monetário europeu,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... mas fá-lo-emos assim que seja possível, e permitam-me que lhes diga que, se se pretendesse fazer flores políticas, era possível, pois, neste momento, as reservas do Banco de Portugal ultrapassam de tal forma o que tem acontecido, graças à confiança - eu digo excessiva - das autoridades monetárias e do Ministério das Finanças de que seria possível aguentar perfeitamente uma taxa de câmbio irrealista durante um tempo considerável, só que não estamos a trabalhar para o curto prazo.

Aplausos do PSD.

Um instrumento cambial estará igualmente indisponível para assistir na absorção dos choques reais que uma economia, sobretudo pequena e muito aberta ao exterior, não deixará de sofrer. Para este fim, o ajustamento orçamental, como forma de preservar alguma flexibilidade, é um elemento fundamental.
Em particular, o QUANTUM preconiza que o défice global do sector público administrativo seja colocado numa trajectória claramente descendente - mais uma vez conto com a colaboração activa e empenhada do Partido Socialista nesta matéria. Os custos desta opção política não são muito elevados, são de curta duração e são controláveis. Permitam-me que o repita, Sr. Presidente e Sr.ª e Srs. Deputados, que não serão sobretudo suportados pelo sector privado.
A política orçamental será baseada, fundamentalmente, numa contenção clara das despesas correntes em bens e serviços do sector público administrativo, a começar já em 1991, e, se necessário, num ajustamento limitado de alguns ímpostos específicos, em linha com as recentes propostas de harmonização da tributação indirecta em discussão na Comunidade.
O esforço de contenção das despesas terá de recair, fundamentalmente, sobre os consumos correntes. É indispensável prosseguir com importantes programas de investimento público -essenciais para o melhoramento das infra-estruturas físicas e sociais - e transferências de capital - importantes na promoção do investimento directamente produtivo, em particular, nas áreas beneficiando de co-financiamentos comunitários. E, bem entendido, está totalmente fora de causa a interrupção da política do Governo de particular atenção aos sectores sociais, ou seja, de protecção às famílias de menores recursos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Permitam-me que cite uma parte de um programa de governo, que os senhores devem conhecer bem, que diz que «um mercado é sempre um excelente criado mas nem sempre é em excelente dono [master]».
O ajustamento orçamental terá um impacte notável sobre a trajectória dos preços. Em 1995, o índice de preços no consumidor poderia crescer menos do que 5%, assegurando a convergência nominal com os nossos parceiros comunitários. O resultado seria chegarmos a 199S com uma situação económica equilibrada. A convergência real teria sido prosseguida e verificar-se-iam excelentes condições para a sua continuação e para a aproximação dos níveis de vida para padrões europeus. Portugal teria sido não só protagonista da construção da união económica e monetária da Europa como se teria posicionado de forma privilegiada para assumir um papel de destaque no começo do século XXI. E, não menos importante, Portugal teria contribuído, de forma decisiva, para a coesão económica e social e justificado plenamente os recursos comunitários que, nesta hipótese, não deixariam seguramente de estar disponíveis.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para fazer pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças, os Srs. Deputados Rogério Brito, Helena Torres Marques, Octávio Teixeira, Carlos Brito, Sérgio Ribeiro e Herculano Pombo.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos iniciar o período de debate. Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Guterres, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, os senhores andam manifestamente em maré de infelicidade, até mesmo nas pequenas coisas! Até mesmo nas atracções! É que, entre uma atracção pela Sr.ª Tatcher ou por mon anu Mitterrand, eu prefiro, mil vezes, uma atracção pela Sr.ª Tatcher!

Aplausos do PSD.

E não apenas pelo facto de mon and Mitterrand, evidentemente, ser do sexo masculino! Não só por isso! Existe uma afectividade generalizada onde não há distinção para sexos! É que mon anu Mitterrand, em primeiro lugar, não sabe o que deve fazer perante a nossa situação na Europa e sobretudo perante a unificação alemã!
Em segundo lugar, porque mon anu Mitterrand ainda não conseguiu encontrar qualquer resposta para o futuro!, E é sobretudo aqui que não tenho nenhuma atracção por mon ami Mitterrand, que é hoje bem o símbolo dos socialistas na Europa! Não sabem o que hão-de dizer quanto ao futuro e, menos ainda, o que hão-de fazer!

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E repare, Sr. Deputado António' Guterres, é tão evidente que assim é que o vosso discurso é hoje mera conversa fiada! O seu próprio discurso o é! Mas, apesar de ter limite de tempo, como não. gosto de fazer acusações sem as fundamentar, e sobretudo respondendo há falta de documentos com testemunhas em apoio - que somos todos nós -, dir-lhe-ei por que é que o vosso discurso hoje (o do PS) é uma conversa fiada!
O Sr. Deputado e o líder do seu partido andaram aqui durante algum tempo, enquanto o líder do seu partido era deputado, a fazer uma prédica moralizante sobre a dignificação do Parlamento, acusando o Primeiro-Ministro de não estar aqui presente todas as semanas! No entanto, o Sr. Deputado, hoje, omite essa questão, porque está cheio de vergonha - e reconheço-lhe essa virtude -, pois os senhores moralizam para os outros, mas estão permanentemente a cultivar e a recair no vício.

Aplausos do PSD.

E dou-lhe outro fundamento ou outra prova da conversa fiada! O Sr. Deputado apresentou os grandes temas da Nação e, no entanto, não falou dos grandes temas de há uma semana. O vosso tema e a vossa conversa de há uma semana era o ataque ao Governo porque este ia devagar - ia devagar na união monetária europeia, ia devagar na união política e ia devagar nas privatizações!... Ora, o Sr. Deputado retirou isso do seu discurso, o que me faz supor que não tem nada a dizer.
É que, repare, a vossa conversa não é só fiada, é uma conversa fiada zigueza guinasse, que muda todas as semanas!
O Sr. Deputado referiu as grandes questões do Estado e precisamente a questão, da nossa integração na Comunidade Económica Europeia, mas acabou por elogiar a política que o Governo está a seguir!
O Sr. Deputado falou também da política que se está a' seguir relativamente aos países da África, não disse nada! Mais: no fim do seu discurso, fez uma referência ridícula a essa questão, tal como aquele aluno que se esqueceu da matéria, que a copiou pelo aluno do lado e que a acrescentou no fim da prova! É ridículo Sr. Deputado!
Refiro-lhe ainda um terceiro fundamento, Sr. Deputado. Por que é 'que não fez qualquer referência à questão de Macau?! Por que é que a não fez, quando toda a imprensa e nós próprios, Parlamento, temos hoje graves dúvidas acerca da solidez do que se está a passar em Macau?!

Aplausos do PSD.

Uma última prova porque o tempo é pouco- da sua conversa fiada, Sr. Deputado: no seu discurso, V. Ex.ª disse «Nós, Partido Socialista, se formos governo, vamos reformar o Estado previdência.» Com que credibilidade o farão quando, durante meses a fio, nem sequer pagam à Segurança Social?!

Aplausos do PSD.

Uma voz do PS: - Outra vez!

O Orador: - Não é outra vez! É as vezes que for preciso! Porque a política é uma questão de credibilidade e quem não faz o que deve não tem, ele próprio, moral para pedir aos Portugueses que o façam!

Aplausos do PSD.

Por isso é que a vossa conversa é fiada! É uma conversa inconsequente! É palavreado porque não tem correspondência prática, nem coerência com os vossos actos!
Finalmente, Sr. Deputado António Guterres, nós não sabíamos que um partido era obrigado a apresentar um candidato à Presidência da República. Não temos a sua

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visão sectária das instituições da república democrática! Pensamos que o Presidente da República deve exercer um poder moderador, suprapartidário, e que, por isso, é errado e pernicioso para a república democrática e para a sua solidez sectarizar a esse ponto as instituições do Estado.
Mas, Sr. Deputado António Guterres, cruel não é o facto de nós apoiarmos Mário Soares, se este se recandidatar, porque temos todas as razões para o fazer! Apoiamos Mário Soares, se este se recandidatar, porque concordamos com o conteúdo do seu exercício presidencial, embora tenhamos outras críticas a fazer, e eu próprio acabei de fazer algumas referências a esse aspecto! Só que nós não somos seguidistas, não somos soaristas! Cruel, Sr. Deputado, não é o facto de nós hoje apoiarmos Mário Soares, caso este se recandidate, mas, sim, os senhores terem dado em soaristas, os senhores que sempre foram anti-soaristas e que provocaram várias roturas no Partido Socialista!...
Cruel é isso. Sr. Deputado António Guterres!

Aplausos do PSD.

Protestos de PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, atendendo a que esta tarde terei ocasião de abordar alguns temas focados pelo Sr. Deputado António Guterres, reservo os meus comentários para essa altura. No entanto, há um ponto que não posso deixar de referir: é que, relativamente a Dublin, o Sr. Deputado António Guterres refere apenas a necessidade de conferências em simultâneo e de um Acto Único bis. Ora, estes são apenas alguns aspectos, e muitos outros haveria necessariamente para tratar.
No entanto, Sr. Deputado, entendo dever fazer-lhe esta pergunta: que é que entende o Partido Socialista por um Acto Único bis? E que é muito importante a resposta que V. Ex.ª dê, a esta minha pergunta.

Aplausos do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Júnior.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e Ordenamento do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e Ordenamento do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Deputado António Guterres, V. Ex.ª deu-me hoje um desgosto! Estou habituado a vê-lo ter algum sentido da importância das coisas e a atribuir o tempo adequado às coisas que são importantes, mas hoje V. Ex.ª não o fez. Hoje, o Sr. Deputado baralhou tudo e, relativamente à estratégia de desenvolvimento, que disse ser a coisa mais importante, ocupou-se dela apenas por dez segundos! Assim, a primeira coisa que lhe peço é o favor de a elaborar um pouco, enunciando, pelo menos, as alíneas daquilo que é mais importante. O Governo está tranquilo a esse respeito porque definiu uma estratégia de desenvolvimento discutida e consolidada, que tem sido exposta à crítica das instâncias comunitárias e que, mesmo junto de grandes grupos de empresários e de académicos, tem tido consolidação. Gostaria, portanto, que criticasse os grandes vectores que, a este respeito, já foram mais do que elaborados.
Por outro lado, o Sr. Deputado referiu que tem sublinhado muito a dependência tecnológica acentuada, mas, depois, quando teve oportunidade de falar nas prioridades e enunciou a investigação científica e tecnológica, mas não fez qualquer referência à mudança radical de situação entre o que existe hoje e o que existia há cinco anos atrás no que diz respeito à comunicação científica e tecnológica, ao reforço da mesma, aos programas que foram negociados para apoio directo do sector e à participação da comunidade científica portuguesa em programas europeus. Tudo isso foi ignorado, apesar de o Sr. Deputado ter dito ser essa uma das prioridades!
Mas, falando ainda em prioridades, o Sr. Deputado disse ser o ambiente uma das vossas prioridades. Só que não teve sequer uma palavra de reconhecimento para o facto de este governo ter sido sempre o pioneiro e ter andado sempre à frente dos acontecimentos, comandando, com capacidade e iniciativa, tudo quanto se fez em matéria de ambiente em Portugal.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No que diz respeito às desigualdades, o Sr. Deputado António Guterres deve viajar pouco pelo País! Recomendo-lhe que viaje mais! Assim, poderá verificar que, efectivamente, aquilo a que chama as duas velocidades de Portugal não tem ligação com a realidade! Basta ver as repercussões e a indução de crescimento que a abertura de uma via como a IP-5 dá às sucessivas povoações situadas na ilharga da mesma e verificar como é que um único instrumento -o caso das vias de comunicação - está a ter tanta repercussão. Mas, gostaria também que comentasse os outros.
Finalmente, relativamente à questão da descentralização, o Sr. Deputado veio com o sufoco dos municípios. Toda a gente sabe que os municípios não estão sufocados e que a verdade é que eles estão a realizar obras como nunca realizaram porque têm meios e porque estão a compreender a importância do seu envolvimento em associação relativamente a muitas áreas ligadas com o desenvolvimento.
E, já agora, porque se me oferece esta ocasião para lhe fazer perguntas, faça ao menos sugestões, nesta questão da descentralização, acerca das competências que entende deveriam ser passadas em prioridade para órgãos abaixo da administração central e do Governo. Pelo menos desta maneira, depois de ter tido um desajustamento completo entre a importância das coisas e do tempo que lhe devotou, e como agora vai ter algum tempo, o Sr. Deputado poderá corrigir um pouco a trajectória do tiro e dizer alguma coisa de importante que traga benefício ao País! Porque, efectivamente, o Sr.- Deputado falou, mas com grandes desajustamentos entre as coisas que disse e o tempo que lhes devotou!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado (e autoproclamado profeta) António Guterres...

Risos do PSD.

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... francamente que esperava mais da sua intervenção de bóie. É que fundamentalmente, da foi contraditória, mas também foi comprida e chata como a espada de D. Afonso Henriques.
Devo dizer-lhe que, após ouvir a sua intervenção, fiquei uma vez mais com a sensação de que o PS não faz oposição ao Governo, embora, no fundamental, continue a por oposição aos interesses legítimos dos Portugueses.
Na verdade, quando o PS aqui vem miar em desigualdades sociais, esquece-se do seu próprio comportamento quando, ainda não há muitos anos, o desemprego atingiu o nível máximo em Portugal eram cerca de 500 000 pessoas à procura de emprego sem o conseguirem obter! Nessa altura, o PS não tinha as preocupações que hoje manifestar

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Tais preocupações isso, aliás, manifestadas apenas através de palavras.
Quando ainda há poucos anos havia 150 000 trabalhadores com salários em atraso, o PS não falava em desigualdades sociais! Antes pelo contrário, parece que estava apostado em fomentá-las, pois nada fez para resolver o gravíssimo problema social constituído por .150000 trabalhadores e respectivas famílias sem qualquer espécie de salário, embora muitos deles continuassem a trabalhar!

Vozes do PS: - Quem é que era o responsável pela pasta do Trabalho?!

O Orador: - E quem era o primeiro-ministro da altura, quem era o chefe do Governo?!

Vozes do PS: - Ah!

O Orador: - O que os senhores querem dizer é que no tempo do governo do bloco central não havia primeiro-ministro!

Aplausos do PSD.

Protestos do PS.

Se calhar não havia primeiro-ministro - o drama era esse - , e os senhores estão objectivamente a reconhece-lo!

Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos do PS.

O Orador: - Srs. Deputados, o PS que, sem fundamento, rala contra a reforma fiscal que, finalmente, foi possível fazer-se no nosso paus é o mesmo PS que, em 1986, pela primeira vez na história de Portugal, instituiu um imposto retroactivo sobre os rendimentos do trabalho! É o mesmo PS que hoje nos vem falar em moralidade fiscal!

Aplausos do PSD.

Hoje, os que nos vêm dizer que é preciso aumentar os valores das pensões e outras prestações da Segurança Social isso aqueles mesmos que, quando foram governo, tiveram taxas de inflação da adem dos 30% e PIB fizeram as mínimas actualizações dos valores das pensões ou, se as fizeram, ficaram muito aquém do índice da inflação!
Mas afinal qual é a sensibilidade social dos sócia ias? Quando estão no Governo não a tom, embora tenha alguma -naturalmente envergonhada quando estar oposição!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado António Guterres a moo-uma afirmação frequente da sua bancada que Governo tem feito algumas coisas, porque encontro condições favoráveis.
Sr. Deputado, então os governos socialistas gregos i tiveram as mesmas condições que teve o Governo P togues e ido conduziram a Grécia à catástrofe económico e social?! Responda-me a isto, por favor!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (D Loureiro): - Sr. Deputado António Guterres, V. E gastou uma parte substancial da sua intervenção a ter evidenciar aquilo que distingue o PS do PSD.
Devo dizer-lhe que não seria necessário!
Por outro lado, e seriamente, quero agradecer-lhe ter feito, pois acho que nunca é demais lembrar que o PS o PSD são muito diferentes.

Vozes do PSD: -Muito bem!

Vozes do PS: - Ainda bem!

O Orador: - Ainda bem, Srs. Deputados!

Vozes do PSD: - Graças a Deus!

O Orador: - De facto, sempre fomos diferentes somos diferentes hoje e seremos diferentes no futuro. Aliás, creio também que os Portugueses o sabem...

A Sr.ª Julieta Sampaio (PS): - Sabem, sabem! Cai vez sabem mais!...

O Orador: - Sr.ª Deputada, estou a afirmar-lhe is considerando aquilo que penso!
Como ia dizendo, sabem-no a vários títulos e pi vários modos. Sabem-no, por exemplo, através da prata governativa de um e de outro!
Sr. Deputado, nesta matéria cada um tem a sua história, cada um é aquilo que é, e não vale a pena que sejamos nós a erigir-nos em principais julgadores de no próprios, em julgadores. Devemos, nesta matéria deixar o julgamento aos Portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nos esperamos tranquilos, e concerte que VV. Ex.ªs também farto o mesmo!
No entanto, há outros modos através dos quais os Portugueses podem também aferir das diferenças, daqui que nos separa.
Por exemplo, temos um programa, o Programa Governo, que estamos a cumprir, que é do conhecimento público e que foi sufragado, assim como o PS tem neste momento, um programa de governo que apresento seu último congresso.

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O Sr. Lemos Damião (PSD): - E que é uma vergonha!

Risos do PSD.

O Orador: - De entre este conjunto de diferenças. V. Ex.ª erigiu três temas que diria terem sido tomados pedras angulares de um programa de governo do PS. Concretamente, e se bem me recordo, falou do ambiente, da cultura e dos direitos dos cidadãos.
Assim, se tal me for permitido pela Câmara e por VV. Ex.ªs, queria recordar aqui, neste hemiciclo, ao povo português quais são, nestas matérias que V. Ex.ª erigiu em pedras angulares, as novidades e as propostas do programa do PS aprovado no último congresso.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Não é um programa, Sr. Ministro! São bases e princípios!

O Orador: - Sr.ª Deputada, está aqui escrito: «Bases e princípios para o programa de governo do Partido Socialista»... E o que aqui está e que passo a ler, porque contém novidades importantes em relação a estas questões.

Vozes do PSD: - Não leia, Sr. Ministro! Isso é uma vergonha!

O Orador: - Em relação a essa pedra angular que é - e também acho que é - o ambiente, eis as novidades do PS:

A interiorização dos custos externos, associados à utilização dos recursos naturais, e nomeadamente dos custos decorrentes da poluição do ambiente, deve ser assegurada através da implementação do princípio utilizador/pagador e do princípio poluidor/pagador, que constitui um caso particular do anterior. O desenvolvimento desordenado e descoordenado aumenta extraordinariamente os riscos ambientais e a probabilidade de ocorrência de acidentes graves, cuja prevenção e correcção é essencial.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Muito bem! Está a ler muito bem!

O Orador: - E mais adiante, já em sede de aplicação dos princípios acima expressos:

O PS pugna, decididamente, pela adopção de medidas urgentes contra a desertificação, as chuvas ácidas e o efeito de estufa [...]

Risos do PSD.

Aqui têm, portanto, as novidades do PS em relação ao ambiente...

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Tem de ler tudo, Sr. Ministro!

O Orador: - Sr.ª Deputada, eu estou a ler!

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Mas não pode ler só uma parte, tem de ler tudo!

O Orador: - Sr.ª Deputada, não posso ler tudo, porque não tenho tempo! Se o tivesse, leria tudo com todo o gosto!

Protestos do PS.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Mas assim está a falsear!

O Orador: - Sr.ª Deputada, não posso ler tudo porque não tenho tempo, mas pedia encarecidamente aos Portugueses que lessem tudo!

Protestos do PS.

Porém, em relação aos direitos dos cidadãos, vou ler quase tudo. Como vê, o que vou ler está sublinhado a amarelo e o resto são duas ou três linhas...

Protestos do PS.

Sr. Presidente, assim não posso falar...

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradecia que permitissem que o Sr. Ministro fizesse o seu pedido de esclarecimento.
Já agora, Sr. Ministro, permitia-me lembrar a V. Ex.ª que está prestes a esgotar o tempo de que dispõe para o pedido de esclarecimento.

O Orador: - Sr. Presidente, o que lhe posso dizer e à Câmara é que ouvi com toda a atenção o discurso do Sr. Deputado António Guterres e, por isso, estou agora, aqui, a fazer-lhe perguntas.
Por conseguinte, se quiserem ter a bondade e a amabilidade de também me ouvirem a mim, ficaria grato...
Como ia dizendo, em relação aos direitos dos cidadãos, refere o PS estas novidades:
A liberdade não se restringe à liberdade de expressão. A liberdade traduz-se, essencialmente, na possibilidade de escolha por parte do cidadão em todos os aspectos da vida individual e colectiva. A liberdade representa, afinal, a garantia do direito à autodeterminação do indivíduo. Tal significa que o Estado democrático de direito deve garantir em abstracto a liberdade, mas tem de garantir o respeito pelo direito dos cidadãos a exercitarem a liberdade. Mas tem também de garantir a criação das condições para que cada cidadão possa exercitar a liberdade. Só assim o cidadão, além de estar, também será livre.

Risos do PSD.

Os únicos limites à limites à liberdade de cada cidadão são a liberdade dos outros e o respeito pela sua dignidade humana.
São estas as novidades do PS em relação aos direitos dos cidadãos...

Risos do PSD.

Em relação à cultura, que é também uma pedra angular, enuncia estes princípios, constituindo quase todos o programa de governo do PS:
A cultura é indispensável para que o homem não se perca e se possa manter em comunicação com os outros e consigo próprio. É a cultura que lhe fornece o mosaico de conceitos e valores que lhe servem de grelha de leitura da realidade, que lhe asseguram a sua interpretação pessoal das mensagens e dos eventos.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Mas que é que tem contra isso?

O Orador: - Trata-se de um princípio e, com certeza, de uma novidade... Mas, depois, aplica este princípio:

Na sociedade humanista que ambicionamos seja cada vez mais a nossa, a expressão cultural assume um valor nuclear. Daí que o Estado e a sociedade devem respeitar o direito à diferença, devem estimular a imaginação criativa e as suas expressões, devem suscitar o corte com a rotina, sem pôr em causa o direito a mante-la.

Risos e aplausos do PSD.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o debate parlamentar pressupõe, naturalmente, a existência de apartes. Porém, estes não podem impedir o orador de se fazer ouvir, nem provocar estas interrupções permanentes.
Por outro lado, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares já excedeu largamente- o- tempo de que regimentalmente dispunha para- fazer o seu pedido de esclarecimento, mesmo considerando as interrupções que foram feitas.

O Orador: - Sr. Presidente, termino já, mas solicito-lhe que tome em linha de conta as interrupções que tive. Aliás, elas parecem-me injustas pois, como ministro dos Assuntos Parlamentares, oiço sempre atenciosamente todas as intervenções que aqui se produzem.
Sr. Deputado António Guterres, com muita sinceridade, aquilo que distingue o PS do PSD são vários aspectos e todos eles importantes.
Em primeiro lugar, é a confiança que agentes económicos internos e externos tem nos governos do PSD e que nunca tiveram nos governos do PS!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que nos distingue são ás estradas, as auto-estradas e tudo o que estamos a fazer para diminuir as assimetrias regionais!
O que nos distingue é a nossa preocupação efectiva pela solidariedade! Veja, por exemplo, os aumentos das pensões de reforma, que sempre fizemos e que o PS congelou!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que nos distingue, Sr. Deputado, é* que, depois de sermos quatro anos governo em Portugal, somos governo de um país optimista e crente, enquanto VV. Ex.ªs foram sempre governo de um país pessimista e descrente no seu futuro!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Numa palavra: creio que aquilo que nos distingue deixe-me dizer-lho com esta crueza é o pudor que teríamos em escrever estas banalidades, sobretudo em fazer delas um programa de governo!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões colocadas, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, por uma questão de método, vou começar do fim para o princípio, pelo que vou responder, em primeiro lugar, ao Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares acaba de fazer aqui a melhor legitimação política que poderia ter feito àquilo que, ao que parece, o Sr. Governador de Macau fez ao seu discurso.

Aplausos do PS.

Protestos do PSD.

Ou seja, o Sr. Ministro teve, desculpe que lhe diga com toda a sinceridade e, com toda a frontalidade, a desonestidade intelectual de tentar pegar num conjunto de frases desgarradas de uni texto para definir o pensamento de um partido.

Vozes do PS: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Quero dizer-lhe, com sinceridade, que um governo que já apresentou a esta Câmara umas Grandes Opções do Plano como aquelas que foram apresentadas há uns anos não tem a menor legitimidade moral .para acusar de vacuidade seja que texto for.

Vozes do PS: - Muito bem!

Aplausos do PS e de Os Verdes.

O Orador: - Aliás, a prova da irrelevância do tipo de citações que fez está nos temas que escolheu.
Vejamos a questão dos direitos dos cidadãos. É uma matéria particularmente, indicada para compararmos os nossos dois partidos.
Tentou provar que o PS, sobre direitos dos cidadãos, não diz nada. Ora, eu digo-lhe: o PS, sobre direitos dos cidadãos, tem feito muito!
Só, na última sessão legislativa apresentámos aqui um conjunto de projectos de lei - e esse texto que em parte leu espelha fielmente os princípios que eles representam - que procuraram conferir direitos aos cidadãos dos seguintes tipos: direito' ao referendo; direito de acção popular; direito de petição; salvaguarda dos direitos do indivíduo contra os abusos da evolução tecnológica, nomeadamente no caso da informática e da biotecnologia ...

Vozes do PS: - Sofrem de amnésia!

O Orador: -... direitos de participação acrescidos em relação à regionalização, em relação à descentralização para o poder local; direitos de acesso aos documentos da Administração, através do princípio da Administração aberta e dos projectos de lei que apresentámos a esse respeito; direitos dos contribuintes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso, isso!

O Orador: - E que é que nós verificamos em relação a todo este conjunto concreto de direitos que têm a ver com a vida das pessoas?

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O seu partido ou votou contra, como no direito dos contribuintes, ou atrasou-se ou tem depois atrasado os trabalhos, por forma que, ao fim de um ano inteiro de trabalho parlamentar na concretização dos direitos dos cidadãos proposta na revisão constitucional, ainda não é possível ter aprovada uma única lei a esse respeito.

Aplausos do PS.

O mesmo poderia ser dito em matéria de ambiente é de cultura, mas a sua intervenção e a intervenção do Sr. Deputado Joaquim Marques revelam sempre a mesma preocupação obsessiva, isto é, de tentar convencer os Portugueses que é a mesma coisa governar com o vento a favor e governar com o vento contrário.
Gostaria de dizer-lhe que não é. Para falarmos desta década, assistimos a três períodos diferentes.
Em primeiro lugar, o período em que governou a Aliança Democrática, liderada pelo PSD, que conduziu o País à bancarrota e em que teve a maior irresponsabilidade na gestão das coisas públicas em Portugal.

Aplausos do PS. Protestos do PSD.

Em segundo lugar, o período em que governou o PS com o PSD no bloco central e em que os dois partidos tiveram o dever patriótico que ambos cumpriram - a que somos fiéis e que VV. Ex.ªs hoje renegam- de reconduzir este país a uma situação financeira equilibrada e de resolver a mais grave crise financeira da nossa história.
É evidente que, quando há que resolver problemas de desequilíbrio como aqueles que o governo do bloco central teve de resolver, não é possível ter políticas sociais avançadas, não é possível ter políticas de desenvolvimento extremamente eficazes.
Não era isso que estava em causa neste momento, e aquilo que podemos dizer é que o PSD tem governado ao longo destes anos com condições excepcionais herdadas da resolução da crise, herdadas da conjuntura internacional, herdadas dos dinheiros da CEE, e é da vossa produtividade no Governo em função dessas condições que terão de ser julgados pelos Portugueses.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Cito-lhe a parábola dos talentos do Evangelho:

Os que receberam dez talentos serão julgados em função do que fizeram com esses dez talentos, os que receberam um talento serão julgados em função do que fizeram com esse único talento.

Aplausos do PS.

O que não esperava, Sr. Deputado Joaquim Marques, é que um membro do governo do bloco central tivesse a ousadia de dizer aqui que possivelmente no bloco central não havia primeiro-ministro. Não esperava!

Aplausos do PS.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - VV. Ex.ªs é que disseram.

O Orador: - Não esperava que o dissesse por duas razoes: se não havia primeiro-ministro nesse governo, o seu dever era ter-se demitido; isso representa mais uma confirmação evidente daquilo que disse na minha intervenção, pois VV. Ex.ªs não perdem uma oportunidade para tentar denegrir a figura de Mário Soares.

Vozes do PS: - Essa é que é a verdade! Protestos do PSD.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Nunca fui membro do governo do bloco central!

O Orador: - Quero dizer aqui. de forma clara, que o bloco central teve um primeiro-ministro que ficará na história de Portugal com algo que é extremamente relevante para o nosso país: um primeiro-ministro que deu um contributo inestimável para salvaguardar a democracia, a quem se deve o grande impulso do País na integração europeia e que por duas vezes salvou Portugal da bancarrota. Gostaria que o Prof. Cavaco Silva ficasse na história com atributos semelhantes.

Aplausos do PS.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - VV. Ex.ªs nessa altura conspiravam contra ele!

O Orador: - Sr. Ministro do Planeamento, V. Ex.ª colocou algumas questões com interesse e que merecem uma resposta, obviamente noutro tom, reconduzindo, aliás, este debate à forma que ele nunca devia ter deixado de ter.
Em primeiro lugar, as questões que têm a ver com a estratégia do desenvolvimento. Não as referi nesta intervenção, porque as referi já no debate da interpelação de há um ano, no debate da moção de censura e no debate do Orçamento do Estado.
Em síntese e as sínteses são sempre naturalmente precárias a questão fundamental, do nosso ponto de vista, é que a vantagem comparativa decisiva da economia portuguesa neste momento são os baixos salários, a mão-de-obra barata. Esta vantagem comparativa tem um horizonte temporal limitado, pois não é possível competir eternamente no mercado internacional com a nossa situação, com esta vantagem comparativa. Todo um esforço tem que ser feito para criar novas vantagens comparativas baseadas numa mão-de-obra qualificada e numa maior capacidade tecnológica nacional.
Do nosso ponto de vista, esse esforço não está a ser feito por este governo de uma forma coordenada e orientada, uma vez que ele exige centrar a estratégia do desenvolvimento numa aposta do homem, na valorização dos recursos humanos e na qualificação da nossa mão-de-obra.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Só palavras!

O Orador: - Isso só é possível se articularmos quatro políticas que têm vivido sempre muito divorciadas: a política de educação, a política de formação profissional, a política de investimento público e de apoio ao investimento privado, em concertação com os agentes económicos privados, e a política de investigação científica e tecnológica. Este é, de uma forma muito breve e muito sintética, o essencial do nosso pensamento a esse respeito.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Isso parece um índice.

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O Orador: - Tenho pouco tempo para responder, mas tenho muito gosto em fornecer os textos para a vossa leitura, visto que estou convencido que ficaria esclarecidos. Espero que depois não tirem só uma frase mal repescada, como é habitual.
Gostaria ainda de dizer alguma coisa a respeito do conceito que referi do Portugal e duas velocidades. Não tive aí tanto a preocupação de falar das assimetrias 'regionais do desenvolvimento. Tive, sobretudo, a preocupação de sublinhar que existe hoje na sociedade portuguesa uma diferença que se acentua entre aqueles quê mais claramente podem beneficiar do progresso e da integração europeia e aqueles que mais dificuldade têm em acompanhar esse ritmo.
Assim, é particularmente gritante à situação da agricultura portuguesa. Que é que nós temos na agricultura portuguesa? Temos hoje um conjunto de empresas agrícolas de dimensão razoável que têm vindo a beneficiar, e bem, dos fundos comunitários, que têm capacidade técnica própria e de acesso à informação técnica e que, por isso, tendem a situar-se entre as boas empresas agrícolas da Europa. Mas não tem sido possível encontrar nenhum instrumento de política para a generalidade da agricultura portuguesa, dos pequenos agricultores, que tem enormes dificuldades no acesso à informação e ao crédito, que não têm tido a possibilidade de modernizar as suas explorações e que com a diminuição relativa ,dos preços agrícolas que se espera nos próximos anos pela lógica da integração comunitária- vão ver os. seus rendimentos profundamente atingidos.
É esta dualidade, que é visível na agricultura, como é visível nas indústrias modernas e nas tradicionais e em vários outros aspectos da vida portuguesa, que quis sublinhar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Claro, claro!

O Orador: - Quanto à descentralização de poderes para as regiões, e queremos que haja regiões, pensamos que os poderes essenciais têm a ver com a elaboração do plano regional e têm a ver ainda com a tomada de decisões em relação ao processo de desenvolvimento económico' e social, nomeadamente no que tem a ver com o investimento público na região e com o apoio ao investimento privado e à movimentação endógena da sociedade civil em todos os seus aspectos nessa mesma região.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Falta o investimento cooperativo... Não se esqueça disso!...

O Orador: - Em relação às autarquias, é uma transformação que tem de ser feita com estudos cautelosos, mas que tem de ser feita com determinação. Pensámos que a construção e a gestão de equipamentos sociais na área do município é provavelmente mais bem feita, em quase todos os casos, pelo município do que pelo poder central. O que tem consequências evidentes, mais largas do que actualmente no campo da educação ou na saúde.
Parece-nos, também, que na área do ambiente e do, ordenamento é possível aumentar as competências municipais de forma significativa e em benefício das populações, pois estas têm no município um agente político, muito mais próximo com o qual podem dialogar e com o qual têm, portanto, uma maior possibilidade de controle sobre a execução daquilo que o próprio município se compromete em relação ao eleitorado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Já agora não se .esqueça das freguesias!...

O Orador: - Sr. Ministro, as infra-estruturas são decisivas e o seu exemplo é, aliás, mal escolhido porque o IP-5 é, talvez, uma das estradas mais mal construídas da Europa, como sabe. Uma parte muito substancial do tráfego pesado que deveria seguir pelo IP-5 tem-se desviado por causa dos declives extremamente pronunciados e em extensões muito elevadas que têm causado os mais variados problemas.
Mas as infra-estruturas são necessárias, só que estas, apenas por si, não chegam. É necessário que o processo de construção de infra-estruturas seja acompanhado por uma política integrada de desenvolvimento, para que elas sejam instrumentos de progresso colectivo e não simples formas de escoamento das zonas a desertificar para as zonas centrais de um país.
Gostaria de dizer também breves palavras em relação à pergunta que foi feita pelo Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
Entendemos que, tal como aconteceu com o Acto Único, o processo de integração da união política e da união económica e monetária deve conduzir a uma nova alteração nos tratados.
Julgamos que essa alteração é importante para nós,- no sentido de que os tratados consagrem que, no plano monetário, para além de todos os mecanismos de gestão do sistema monetário europeu, exista um conjunto de contrapartidas importantes para a economia portuguesa - dei, aliás, na intervenção que aqui fiz há um mês, quatro pistas de negociação relevantes nesse domínio.
Por outro lado, em matéria de união política, quereria sublinhar aqui a importância que tem para nós a alteração nos mecanismos institucionais das Comunidades e a necessidade de garantir nessas alterações a capacidade de decisão dos pequenos países. Nomeadamente, Sr. Ministro, penso que é importante que as competências do Conselho de Ministros que venham a ser exercidas por maioria qualificada o sejam não apenas tendo em conta o peso dos países mas também o número de países, para que os pequenos não sejam sistematicamente marginalizados nos processos de decisão.
Além disso, parece-nos também muito importante que o défice democrático seja resolvido não apenas com o aumento de competências do Parlamento Europeu mas também dos parlamentos nacionais e, eventualmente, com uma alteração de natureza do próprio Parlamento Europeu.
Há, naturalmente, muitos outros aspectos a discutir, estes são alguns para os quais gostaria de chamar a atenção do Governo neste momento.
Em relação à intervenção do Sr. Deputado Silva Marques, gostaria de dizer apenas que o debate parlamentar tem regras. Quando essas regras são infringidas, as intervenções não merecem resposta. A intervenção do Sr. Deputado Silva Marques não merece resposta.

Aplausos do PS.

Vozes do PSD: - Isso é uma vergonha.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, é para defesa da consideração.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Marques, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para defesa da consideração.

O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Silva Marques, é também para defesa da consideração?

O Sr. Silva Marques (PSD): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Edite Estrela, pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Para defesa da consideraçâo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr.ª Deputada, mas a última intervenção que foi feita foi por um deputado do PS, pelo que a defesa de consideração, neste caso, só poderia ser imputável em função da intervenção feita pelo Sr. Deputado António Guterres.

A Sr.ª Edite Estrela (PS): - Sr. Presidente, é em relação a afirmações aqui produzidas pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, não se inscreveu na altura própria, pelo Que. neste momento, não pode regimentalmente pedir a palavra para defesa da consideração.
Tem a palavra, para defesa da consideração, o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado António Guterres, uso esta figura, substantivamente - não é apenas uma habilidade formal para poder intervir no debate neste momento.
Sr. Deputado António, Guterres, gostaria de dizer-lhe três coisas...
A primeira, é que o teor da minha intervenção só tem a ver com o teor daquela que V. Ex.ª aqui fez e com mais nada. Deve ter reparado que pedi os elementos que tenho aqui na minha frente no momento em que o Sr. Deputado estava a intervir, porque me parecia a resposta, adequada, mas esse é o meu juízo político.
A segunda questão é que V. Ex.ª afirmou que, porque eu disse o que disse, compreendia agora os cortes que o Sr. Governador de Macau fez ao meu discurso. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado António Guterres, que dou essas palavras por não ouvidas, e faço-o por uma razão extremamente simples: acho que V. Ex.ª, só pelo calor do debate, só pela emoção, é que poderia ter dito uma coisa dessas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª não subscreve, com certeza, que se tire a referência a um homem que, bem ou mal, defendia, há um século e meio, como na altura se pensava que era, o interesse português naquelas paragens, que era o governador Ferreira do Amaral.

O Sr. Jorge Lacão (PS): Protestos do PSD.

O senhor autorizou!

O Orador: - É verdade!

Srs. Deputados, ouço sempre atentamente tudo aquilo que dizem, portanto, deixem-me concluir.
V. Ex.ª não subscreve, com certeza, que se possa reduzir o conceito da liberdade com a igualdade, não subscreve que se possa omitir ou que se possa ter por não conveniente uma afirmação sobre a defesa dos direitos humanos.
Mas há ainda uma outra coisa a que quero fazer referência. Eu e o Sr. Deputado Joaquim Marques - e eu falo por mim - cometíamos sempre um erro, que era o de pensar que é a mesma coisa «governar a favor do vento ou governar contra o vento».
Diria eu que V. Ex.ª cai num erro - se isto é erro - paralelo, que seria o de pensar que contra o vento tem de governar-se sempre mal e que a favor do vento se governa sempre bem, o que também é um erro, evidentemente!
A questão para mim é diferente, Sr. Deputado António Guterres. Por isso, lembro-lhe aqui que nos séculos XV e XVI a marinha mais poderosa do mundo era a marinha inglesa, mas não foi ela que foi. Atlântico sul abaixo, fazer as descobertas que nós. Portugueses, fizemos! E porquê? Por uma razão extremamente simples: é que nós. Portugueses, tivemos uma imaginação que eles não tiveram, nós aprendemos a navegar contra o vento!...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, de facto, o teor da sua intervenção não teve nada a ver com aquilo que eu disse. V. Ex.ª poderia ter tentado interpelar-me sobre aquilo que eu disse, mas não o fez! Fugiu ao que afirmei e apenas tentou fazer citações desgarrradas de partes do texto, que têm, aliás, muito a ver com aquilo que eu disse, mas que em nada, digamos, formalmente correspondem ao meu discurso.
Todavia, o que gostaria de dizer-lhe, com sinceridade, a respeito da questão dos cortes, é que, como é evidente, sou contra todos os cortes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não pareceu!

O Orador: - E sou tanto contra os cortes que fizeram ao seu discurso, como contra a atitude - que qualifiquei na altura de forma dura, eu sei! - «de menor honestidade intelectual», que é a (te o Sr. Ministro fazer cortes a textos publicados com o sentido de lhes desvirtuar o alcance e de, naturalmente, tentar dar deles uma visão diversa daquilo que estes verdadeiramente representam.
Ora, é pela mesma razão que lhe reconheço o direito de que os seus discursos não sejam cortados que tenho de, necessariamente, pedir-lhe que reconheça o meu direito de que os textos do meu partido não sejam também por si cortados nas citações que faz.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É verdade, Sr. Ministro, que os Portugueses aprenderam a navegar contra o vento, e nos períodos em que o Partido Socialista foi governo mais uma vez mostraram essa capacidade! ...

Risos do PSD.

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O País navegou contra o vento, o País venceu as tempestades, o barco foi entregue em bom .estado... O único problema é o de que com o vento a favor há depois quem goste muito de meter rombos no costado desse barco, como acontece sempre que o PSD vai para o poder!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lacão pediu a palavra para quê efeito?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Para um protesto em nome da minha bancada, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, creio que a figura do protesto invocada por V. Ex.ª não se aplica exactamente neste caso, uma vez que a mesma se aplica, em termos regimentais, a uma intervenção e não a um pedido de defesa da consideração.
Nessa conformidade, a figura invocada não tem cobertura regimental para que a Mesa possa dar-lhe a palavra.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, era bom que a verdade pudesse ser reposta nesta Câmara, mas conformo-me com a sua decisão.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Marques.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado António Guterres, para responder ao meu pedido de esclarecimento, utilizou, como infelizmente é frequente por parte da bancada do Partido Socialista, falta de rigor e outras coisas mais que eu não apelidarei de desonestidade intelectual.
É que o Sr. Deputado António Guterres inventou agora um outro facto político: o de que eu teria sido membro do governo do bloco central... Ora, isto é invenção pura! De facto, nunca fui membro do governo do bloco central.

Risos ao PSD.

Já agora, gostaria de explicar que, quando os Srs. Deputados da bancada socialista estavam a questionar as minhas afirmações, relativamente' à insensibilidade social do governo do bloco central, e diziam: «Bom, mas o ministro ou o secretário de Estado era do PSD», o que eu estava a dizer era que o primeiro-ministro era o Dr. Mário Soares, era um socialista! Eu sabia isso, mas dava a sensação que os Srs. Deputados do Partido Socialista que estavam a contestar as minhas afirmações concretas não sabiam!... Pois ficaram também a saber que o governo do bloco central era de maioria socialista e presidido pelo Dr. Mário Soares!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não se queira confundir também o comportamento do governo do bloco central e as qualidades demonstradas, ou que não foram demonstradas, pelo primeiro-ministro Mário Soares com o seu comportamento agora, enquanto Presidente da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todos temos a liberdade e temos o dever de criticar, positiva e negativamente, os comportamentos de todos os governos, nomeadamente do actual.
Ora, se é possível criticar-se hoje - e muitas vezes de uma forma injusta- o comportamento deste governo, será que é impossível agora passarmos uma esponja pelos comportamentos, muitas vezes irresponsáveis e inacreditáveis, do governo do bloco central?...
Temos de distinguir isto, Sr. Deputado António Guterres! Nós distinguimos claramente o comportamento do Dr. Mário Soares enquanto primeiro-ministro do comportamento do Dr. Mário Soares enquanto Presidente da República, cuja conduta, na generalidade, merece os nossos acordo e acolhimento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Joaquim Marques: Efectivamente, houve uma imprecisão da minha parte, que eu, com todo o gosto, corrijo.
De facto, fui informado por membros da minha bancada de que o Sr. Deputado tinha sido membro do governo do bloco central e, reconhecendo que isso não é verdade, peco-lhe obviamente desculpa de ter feito uma citação que não é autêntica.

Vozes do PSD: - Ah!...

O Orador: - Peço-lhe, aliás, que, com o mesmo rigor, reconheça que disse, explicitamente, a frase: «Se calhar, não havia primeiro-ministro.» E foi em relação a essa frase por si expressa que eu fiz depois...

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Foi em resposta ao que os senhores estavam a dizer!...

O Orador: - Pode ter dito isso em resposta não sei a quem, mas disse-o, e tal afirmação tem um sentido muito preciso, e, já que somos rigorosos, temos de ser rigorosos até ao fim.
Esta frase tem um conteúdo muito preciso e não pode deixar de ser interpretada como um ataque claro ao papel de Mário' Soares enquanto primeiro-ministro.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não se pode criticar?!...

O Orador: - Gostaria, aliás, de dizer-lhe que é evidente que todos podemos criticar tudo só que a repetição de certas críticas a certas pessoas, em certos momentos, tem um significado político indiscutível...
Dou-lhe vários exemplos do último ano que revelam uma clara intenção de guerrilha política do PSD em relação à figura de Mário Soares.
Desde logo, a salva de artilharia resultante do Conselho de Ministros de Agosto de 1989; depois, as declarações do Sr. Secretário de Estado Correia de Jesus, do Prof. Cavaco Silva, o artigo do «nosso» editorialista Duarte Lima a respeito da atitude do Sr. Presidente da República em relação à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu; mais tarde, as reacções do seu grupo parlamentar em relação ao veto presidencial sobre a Lei da Alta Autoridade, reacções que, no meu entender, não tiveram toda a cortesia que deveriam ter tido; depois, as diversas formas

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em que se tentou trazer a Presidência da República à baila aquando do processo das incompatibilidades; as críticas totalmente a despropósito que, por várias vezes, o Prof. Cavaco Silva, o ministro das Finanças Miguel Cadilhe e outros fizeram à política económica do governo de Mário Soares.
Notámos os mal disfarçados ataques às posições do Presidente da República sobre a união europeia, as críticas permanentes às despesas da presidência ainda a semana passada tivemos mais um afloramento disso numa carta do Sr. Deputado Silva Marques -, não deixámos de reparar também naquilo que nos pareceu ser uma tentativa, menos elegante, de marginalização do Sr. Presidente da República nos trabalhos positivos desenvolvidos em relação ao processo de paz em Angola.
Mas poderia citar-lhe muitos outros exemplos. Mandei, aliás, recolher um dossier -os senhores agora fazem estas coisas e nós também aprendemos!...-, bastante grosso, só com críticas e ataques do PSD e de membros seus ao Presidente da República nos últimos meses, o que revela que há aqui uma intenção clara. Qual é essa intenção clara? Já que não é possível combater o Presidente da República, vamos tentar desvalorizá-lo. E desvalorizá-lo como? Desvalorizando-o como Presidente, desvalorizando o significado das eleições presidenciais; desvalorizá-lo como político, aproveitando todos os factos possíveis para acções de atrito, aproveitando todos os pretextos para críticas e ataques.
São essas críticas e ataques legítimas? Com certeza que sim!
Tem o PSD o direito de fazê-las? Evidentemente! Mas o que isso não tem é qualquer coerência com o apoio à candidatura de Mário Soares à presidência da República.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para defesa da consideração, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Guterres, lastimo que a resposta que V. Ex.ª teve para mim não tivesse sido outra que não a de que infringi as regras, porque, se tencionava fazer-me essa acusação no Plenário -e pode ter razões para isso -, V. Ex.ª tinha a obrigação moral de indicar as regras que infringi. Ainda aí, uma vez mais, o Sr. Deputado faz a demonstração de conversa fiada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desafio-o a dizer aqui quais foram as regras que infringi.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que fiz foi colocar-lhe factos, aliás testemunháveis, porque não é meu hábito fazer acusações sem fundamento! Disse-o há pouco e o Sr. Deputado aponte-me um caso em que eu não tenha cumprido essa regra de fazer acusações com documentos ou com testemunhas,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -... porque, mesmo aí, detesto a conversa fiada e, ainda mais, detesto as banalidades.
Ora, as respostas do Sr. Deputado aos meus pedidos de esclarecimento foram uma reincidência das banalidades. Isso incomoda-vos, mas a solução não é fazerem-nos acusações gratuitas a nós, PSD; é, isso sim, mudarem o vosso programa e a porem lá mais substância.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Sr. Deputado, não tive tempo de demonstrar ou de aduzir outras demonstrações à minha acusação da conversa fiada.
O Sr. Deputado referiu um ponto fundamental no seu discurso, quando referiu o vosso combate à política do Governo em matéria de inflação, acusando-o de esbanjamento. É uma questão importante, mas. Sr. Deputado, essa acusação é conversa fiada, se V. Ex.ª não sair das banalidades.
Pergunto-lhe, pois. Sr. Deputado: qual seria a vossa política? Devo confessar que tenho uma certa dificuldade em usar o termo «vossa», porque não sei o que seria do País tendo como ministro das Finanças João Cravinho ou António Guterres... Aliás, esta é uma das razões por que vos acuso de conversa fiada.
Portanto, pergunto ao Sr. Deputado António Guterres: onde é que acha que se está a esbanjar? O Sr. Deputado cortaria o financiamento às estradas? Cortaria o financiamento à solidariedade social? Cortaria em outros domínios da Administração Pública ou, em contrapartida, está a propor, implicitamente, o aumento de receitas e de impostos?
Quanto à reforma da Administração Pública que tanto o preocupa -e a nós também, mas saindo das banalidades -, sendo certo que o Governo aumentou as remunerações da função pública, o Sr. Deputado está a propor implicitamente que se dispensem sectores importantes da Administração Pública? Se sim, quais?
Sr. Deputado António Guterres, abandonem a vossa conversa fiada, pois a acusação gratuita aos vossos adversários políticos que são cidadãos de parte inteira como qualquer um de vós! - não é solução alguma para os senhores e, sobretudo, Srs. Deputados, não é solução para a democracia sã que queremos construir no nosso país e que implica que abandonemos o ataque gratuito e que travemos debates frontais sem cerimónias para que o País possa optar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, as coisas a que me referi são aquelas que têm a ver com o prestígio do Parlamento.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Indique quais!

O Orador: - Devo dizer-lhe, Sr. Deputado Silva Marques, com sincera frontalidade, que, em meu entender, o Sr. Deputado tem tido um papel extremamente negativo para a imagem externa deste Parlamento.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Indique quais.

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, pela minha pane, não estou disposto a colaborar mais no estímulo a esse papel negativo.

Aplausos do PS.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é conversa fiada! Tem a obrigação de dizer quais!
É indigno para o prestígio do Parlamento!
Isso é uma afirmação gratuita, que o senhor tem de provar.
É imoral!
Agora diga-me se estou a desprestigiar o Parlamento!

Aplausos do PSD.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa da honra e consideração da minha bancada, atingida pelas expressões dirigidas pelo Sr. Deputado António 'Guterres ao Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Foi imoral! Imoral!... O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Pacheco Pereira (PSD): - Sr. Presidente, nada atenta mais contra o prestigio do Parlamento do que intervenções como a que o Sr. Deputado António Guterres acaba de fazer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Deputado António Guterres e a contradição entre todas as intervenções que faz e, por exemplo, a intervenção feita pelo Sr. Ministro das Finanças mostram o uso de uma coisa que os socialistas, em Portugal e noutros países, sempre usaram, ou seja, a demagogia e as belas palavras, mas o permanente insulto à honestidade intelectual.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um partido que inclui no seu programa a afirmação de que vai combater contra o efeito de estufa está a insultar a inteligência dos Portugueses e a desprestigiar o debate político.
Um partido que, no mesmo discurso, propõe medidas completamento contraditórias está a insultar a dignidade do debate parlamentar,...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Desprestigia o Parlamento.

O Orador: -... e as objecções que o nosso colega Silva Marques colocou são dignas, são questões de importância política e são questões sobre as quais o Sr. Deputado António Guterres não quer Calar, porque não lhe convém.

Aplausos do PSD.

E não quer responder, em particular, à pergunta concreta que lhe foi feita sobre a questão de Macau, sobre a qual os socialistas mantêm um silêncio incomodado sobre a qual eles não querem que o Parlamento Português se pronuncie e sobre a qual eles assumem publicamente uma culpa objectiva pelo seu silêncio.
E sobre isto que o Sr. Deputado António Guterres não quer falar e é por isso que utiliza o expediente vergonhoso de tentar atacar o nosso colega, deputado Silva Marques, que lhe colocou questões absolutamente dignas em matéria parlamentar.
O Sr. Deputado António Guterres e os Srs. Deputados do Partido Socialista estão sempre a gabar-se de uma moralidade acima da média. Talvez seja bom descerem às questões que lhes são colocadas e acabarem com os silêncios que como dizia já o Dr. Freud, são silêncios que valem mais do que muitas falas.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Tenho, naturalmente, todo o gosto em responder a todas as questões que me sejam postas pelo Sr. Deputado Pacheco Pereira.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Responda ao Deputado Silva Marques!...

O Orador: - Ao Sr. Deputado Pacheco Pereira. A acusação de demagogia é uma acusação politicamente fácil. Não creio que tenha substância em relação ao discurso que produzi. Procurei fazê-lo com rigor e...

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Responda ao deputado Silva Marques!...

O Orador: -... suponho, aliás, que esse rigor foi compreendido pela sua bancada e até pelo Governo, e reparei que várias das perguntas feitas pelos Srs. Membros do Governo revelaram a compreensão desse mesmo rigor e dessa mesma intenção.
Gostaria, já fora desta questão que não tem nada a ver com o discurso, mas que é uma questão política relevante para o País, de dizer alguma coisa sobre Macau.
A posição do Grupo Parlamentar do Partido Socialista em relação a Macau é a de que tudo deve ser feito para defender o prestígio de Portugal no Oriente e, em particular, o prestígio de Portugal em Macau. Por isso mesmo, sempre que se levantaram dúvidas sobre a forma como os negócios públicos decorriam em Macau, o Partido Socialista deu o seu voto favorável e a sua cooperação activa para que essas dúvidas fossem esclarecidas. -. Em nosso entender, a seriedade do Estado tem de ser sempre mantida em todas as situações! Seja no que se passa com o Governo Português, seja no que se passa com o Governo de Macau, seja no que se passa numa qualquer «autarquia local. O Partido Socialista estará sempre presente quando for preciso verificar e averiguar se esses negócios públicos estão a ser gerido da forma mais correcta e mais consentânea aos interesses nacionais.
Resta-nos manifestámos contrários a inquéritos (mais tarde vejo a verificar-se haver dúvidas quanto à constitucionalidade dos mesmos), a audições parlamentares ou a todo o envolvimento deste Parlamento na defesa da seriedade do Estado, tanto em Macau como em qualquer outro sítio. Mas a questão de Macau tem outros aspectos.
E uma questão de Estado fundamental para o País e estranhos há espera, há vários meses, que o Governo nos envie, a sua proposta de lei relacionada com o estatuto e a organização judiciária de Macau, que são, também elas, questões relevantes.
Por isso, gostaríamos que, nessa questão, o PSD tivesse também alguma relevância e algum zelo, visto que o debate político não pode incidir apenas sobre os factos da vida recorrente da Administração, por muito relevantes que «lei sejam, tem de ser também um debate sobre as instituições e sobre a necessidade de as aperfeiçoarmos.

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O Partido Socialista, em relação a Macau, não tem nada a esconder, o Partido Socialista não tem responsabilidades que o comprometam, o Partido Socialista está inteiramente à vontade.

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Isto é inadmissível, Sr. Presidente!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, sou uma pessoa que se presa de ser frontal e séria.
O Sr. Deputado António Guterres acusou-me aqui, publicamente, num local solene da República Portuguesa, de ter praticado actos que contribuem para a indignidade do Parlamento.
V. Ex.ª, neste momento como Presidente da Mesa do Parlamento Português, tem a obrigação, permita-me a expressão, de pedir ao Sr. Deputado António Guterres que, aqui mesmo, indique os casos concretos que dizem respeito à acusação que me dirigiu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por várias vezes, a oposição socialista pediu à presidência da Assembleia da República que tomasse posições, para defender a dignidade do Parlamento Português face a afirmações da comunicação social. Foi coisa que nunca pedi aqui! Nunca pedi que nós, Assembleia, «tratássemos» dos outros! Mas quando somos nós próprios acusados de incorrer naquilo que atribuímos aos outros, mal ficaríamos se não tivéssemos a mesma exigência para nós próprios.
E por isso que eu penso, Sr. Presidente, com todo o fundamento moral, que V. Ex.ª não me recusará este pedido.
Peça ao Sr. Deputado António Guterres, Sr. Presidente, que aqui mesmo e já, indique os casos em que contribuí para a indignidade do Parlamento Português.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Guterres pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - Para prestar esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, esclareço que nunca afirmei que p Sr. Deputado Silva Marques teve comportamentos indignos ou que pusessem em causa a dignidade deste Parlamento.
Afirmei - e mantenho - que o comportamento do Sr. Deputado Silva Marques põe em causa a imagem externa deste Parlamento.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que a interpelação à Mesa feita pelo Sr. Deputado Silva Marques se enquadra na figura regimental da interpelação. Já o pedido que lhe dirigiu é de mais difícil concretização, dado que à Mesa compete apenas a função de dirigir os trabalhos. Para dirimir os problemas políticos, eventualmente subjacentes às intervenções que fazem, os Srs. Deputados têm à sua disposição todos os mecanismos normais que, aliás, foram agora utilizados.
Por isso, vamos prosseguir os nossos trabalhos, entrando na fase dos pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro das Finanças.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Srs. Deputados, peço desculpa por interromper o nível elevado, em termos políticos e intelectuais, que o PSD e algumas figuras do Governo introduziram neste debate, para colocar algumas questões comezinhas cuja oportunidade é talvez susceptível de justificar que gastemos algum tempo desta interpelação ao Governo.
Uma delas tem a ver com a declaração de impotência do Parlamento Europeu para resolver uma questão que se prende com a Comissão das Comunidades e que julgo ser importante trazer a este Plenário. Resulta da prorrogação da vigência do protocolo que regulou, até Dezembro último, a actividade de pesca dos Estados membros da Comunidade Económica Europeia na Groenlândia.
Portugal, na sequência deste protocolo, ficou impedido de pescar nesses mares, onde tem presença e direitos históricos de muitos decénios, onde pescava tanto ou mais do que qualquer outro Estado membros da CEE. Portugal passou a ter a quota zero ou, melhor dizendo, não existe para exercício da actividade piscatória nos mares da Groenlândia.
Ora, isto não é admissível! E chega a ser caricato, porque, além de virem a suceder-se sistemáticas perdas de direito de pesca e de quotas de captura, em sucessivos acordos que a Comunidade Económica Europeia está estabelecendo, ainda acresce que Portugal contribui financeiramente para suportar estes acordos. Isto é inadmissível e não basta que Portugal apresente recursos ao Tribunal de Justiça! Não basta!
Penso ser oportuno perguntar ao Governo, através do Sr. Ministro das Finanças, que poderá achar por bem que seja outro membro do Governo a responder, o que pretende o Governo fazer em relação a esta sucessão de desaires para o nosso país no âmbito dos acordos de pesca comunitários, que ameaçam a própria viabilidade da actividade da frota de pesca longínqua portuguesa.
A outra questão tem a ver com o fogo florestal que devasta a mancha verde da Lousã. Como ainda hoje de manhã foi dito, está ardendo a maior mancha de resinosas da Europa. Eu diria que, dramaticamente, estamos sendo penalizados pelas autênticas barbáries que, em matéria de política florestal, se têm praticado neste país e que o Governo continua a praticar, se não nos actos pelo menos na permissividade por que tem pautado o seu comportamento, em relação às pressões de interesses económicos.
A Lousã é o exemplo acabado dos riscos que decorrem do alastramento de vastas manchas de monocultura florestal estreme e combustível. É a demonstração cabal de como, a seguir aos incêndios, só resta a desertificação humana, a desertificação da vida.
Ligado a este critério de florestação estão o envelhecimento das aldeias, a morte das aldeias e da vida económica em várias regiões do País.
Isto não é só um erro do passado, é um erro do passado que continua a ser cometido no presente. E a questão é esta: como é admissível que o Governo continue a pautar o seu comportamento, em matéria de política florestal, com toda esta insensibilidade?

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E mais, como é possível que não haja serviços de vigilância capazes para controlar estas manchas florestais? Quantos postos de vigilância e quantos vigilantes existem na serra da Lousã? Quantas brigadas de vigilância móvel existem na serra da Lousã? Quantos guardas florestais lá existem?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro das Finanças, havendo mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro das Finanças: - Respondo no fim Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Ministro das Finanças, vou fazer-lhe uma pergunta de carácter económico e financeiro, dado que a sua intervenção - e a intervenção do Governo- restringiu o debate, que deveria ser alargado a esta matéria, embora perceba que a sua intervenção desiluda imenso a sua bancada. Essa desilusão foi visível na forma como interveio e vê-se sobretudo agora que quando o Sr. Ministro tem a oportunidade de intervir outra vez, saem da Sala quase todos os deputados do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Deixem-nos tranquilos, Srs. Deputados! Falem de vocês!....

A Oradora: - Isto apesar de o Sr. Ministro ter produzido afirmações muito importantes e de ter tratado de assuntos também importantes.
Queria dizer-lhe, fundamentalmente, que os senhores falam, sucessivamente, no adiamento da nossa possibilidade de adesão ao sistema monetário europeu e até acusam o Partido Socialista de ter pressa.
Gostava de marcar, de forma muito clara, que os senhores não têm pressa porque não a podem ter. É que' não a podem ter, porque, nos últimos anos, o então ministro Cadilhe e o Primeiro-Ministro aliás, então muito aplaudidos pela bancada do PSD andaram a prometer ao País taxas de inflação perfeitamente irrealistas, como o meu colega António Guterres referenciou, que não se verificaram. Na realidade, não podemos aderir ao sistema monetário europeu, porque temos uma taxa de inflação corripletamente fora de tudo quanto era previsto e um défice orçamental que para isso contribui.
Gostava que o Sr. Ministro me dissesse o que é quê pensa sobre a política de inflação que foi seguida até ao momento e sobre o défice orçamental previsto para 1990, que terá um aumento de 77%.º
Que é que o Sr. Ministro acha da política que se seguiu neste país, em termos de inflação, até ao Orçamento do Estado de 1990.
A última pergunta que quero fazer-lhe é a seguinte: o Sr. Ministro vai ou não apresentar até ao final do ano corrente um orçamento alterando o actual Orçamento?

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Luis Filipe Meneses (PSD): - Sr. Presidente, para uma breve defesa da consideração da minha bancada, devido a uma frase que foi dita pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

Vozes do PS: - O quê? Já começam?!

O Sr. Vieira Mesquita (PSD): - Ele pode defender a honra da bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vieira Mesquita, gostava que o Sr. Deputado deixasse a Mesa pronunciar-se sobre esta questão.
E evidente que o Sr. Deputado Luís Filipe Meneses tem direito a usar da palavra para defesa da honra da bancada, embora do ponto de vista formal haja aqui uma entorse.
De qualquer forma, como o pedido de palavra para defesa da consideração prevalece sobre, outras figuras regimentais, dou a palavra ao Sr. Deputado Luís Filipe Meneses.

O Sr. Luís Filipe Meneses (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Não quero, de forma alguma, perturbar o andamento dos trabalhos, mas, sempre que o PS utilizar uma visão distorcida para ver uma realidade que aos olhos de toda a gente é muito clara, nós protestaremos.
A Sr.ª Deputada Helena Torres Marques teve o descaramento de olhar para bancada do PSD e referenciar os deputados que saíram durante alguns minutos. Porém, esqueceu-se que hoje o partido interpelante é o PS -é o PS que quer ouvir o Governo- e que na altura em que o Sn. Ministro das Finanças fez a intervenção de abertura deste debate, para ser depois interpelado e responder a perguntas, o PS tinha nove deputados na sala.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entende tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Torres Marques.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que estamos hoje a discutir são assuntos demasiado importantes para nos prendermos com estas matérias.

Protestos do PSD.

O que registei, e volto a fazê-lo, é a falta de entusiasmo do PSD face ao discurso do Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ora essa!

A Oradora: -... e o que se verificou na bancada do PSD, imediatamente a seguir ao anúncio de que o Sr. Ministro das Finanças ia responder a perguntas. Trata-se de um juízo de facto!

Vozes do PSD: - Juízo de facto?!

O Orador: - Srs. Deputados do PSD, limitei-me a fazer um juízo de facto, mas penso que os senhores não podem fazer juízos de valor sobre aquilo que disse.

Protestos do PSD.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - E a senhora pode?!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O Sr. Ministro das Finanças, nos últimos tempos, tem vindo a elogiar bastante o seu programa QUANTUM. Ora, isso faz-nos lembrar um pouco a história da pescada que antes de ser já o era...
O programa ainda não está aprovado, ainda não existe, ainda não foi publicado, mas o Sr. Ministro publicita-o bastante. Esperemos que no fim não nos seja servida apenas uma mera pescadinha de rabo na boca, que não tenha ponta por onde se lhe pegue...
O Sr. Ministro resolveu substituir o PCEDED (Programa de Correcção Estrutural do Défice Externo e do Desemprego) pelo QUANTUM. Ora, assim sendo, há duas hipóteses possíveis: ou se trata, em termos do programa económico-financeiro do Governo, de uma mera evolução na continuidade, em que apenas se altera um nome, ou então de uma ruptura, maior ou menor, em termos de prioridades da política económica e financeira e, eventualmente, das medidas e das orientações.
A primeira hipótese, com toda a sinceridade, excluo-a, porque considero que o Sr. Ministro não iria alterar o PCEDED para QUANTUM apenas por uma questão de vaidade pessoal, isto é, mudar o nome de um programa só porque ele foi criado por outro ministro - por assim dizer, o Sr. Ministro renomeava o mesmo programa.
Portanto, com toda a sinceridade, considero que não se trata de vaidade, por conseguinte há alterações de fundo, ou deverá haver. Ora, se há alterações de fundo, será que isso significa que o Sr. Ministro discorda do programa anterior que foi a base da política económica e financeira do Governo durante quatro anos?
Se considera que havia coisas incorrectas, se havia prioridades que não deveriam existir ou que estavam invertidas, se havia medidas que deviam ser tomadas e não o foram, etc., como é que o Sr. Ministro pode dizer que a política económica e financeira do Governo durante os últimos quatro/cinco anos foi correcta? Parece-me que há aqui uma grande contradição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, também há uma contradição quando, após uma fase de excessiva liberalização dos movimentos de capitais, designadamente excessiva face ao quadro negociado pela Comunidade, o Governo coloca agora, e do meu ponto de vista bem, a necessidade de restringir o crédito externo, pelos malefícios que isto está a causar internamente.
Esta contradição existe também, no meu entender, entre a política que o Governo agora quer seguir e a que tem vindo a seguir.
Então, assim sendo coloca-se a mesma questão: como é que o Sr. Ministro pode glorificar a política que tem vindo a ser seguida se lhe está a fazer alterações de fundo e substanciais?
Finalmente, Sr. Ministro, e deixando de lado as questões da convergência real e da convergência nominal, que seriam importantes e serão, de alguma forma, analisadas por um camarada meu, coloco-lhe uma pergunta final: em relação à taxa de inflação, o Sr. Ministro ainda mantém a sua posição de que é possível no ano de 1990 ficar ainda nas metas oficiais apontadas pelo Governo, isto é, entre os 9,5 % e os 10 %? É que o Sr. Ministro tem vindo a manter a posição de que ainda é possível atingir essa meta, embora considere isso difícil, quando me parece que é absolutamente impossível.
Gostaria, pois, de ouvir a sua opinião sobre esta matéria neste momento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: Ouvi com toda a atenção a intervenção do Sr. Ministro e posso dizer que, para a bancada do PCP, é sempre desejável que o Sr. Ministro das Finanças venha à Assembleia da República.
Em todo o caso, quero manifestar estranheza pela forma como o Governo organizou a sua intervenção neste debate, e isto nada tem a ver com o respeito e o apreço que temos pelo Sr. Ministro das Finanças.
Na verdade, é surpreendente que, em relação ao tema geral da interpelação ao Governo apresentada pelo PS, o Governo tenha encontrado uma forma sectorial -naturalmente muito respeitável - de responder. Reconheço que até dada altura o tema desta interpelação não era muito claro, mas ele ficou perfeitamente esclarecido na última conferência de presidentes dos grupos parlamentares em que o Governo esteve presente. De facto, ficou claro que se tratava de fazer um balanço do ano político.
Naturalmente que o Governo organiza como entende a sua intervenção no debate, mas nós somos livres de comentá-la politicamente. Assim, considero que a atitude do Governo merece um comentário político, que é o seguinte: parece que há dificuldade por parte do Governo em travar debates políticos na Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, já há alguns dias, aquando da nossa interpelação ao Governo, que colocou problemas de orientação da política do Executivo, o ministro que foi chamado a encerrar o debate -a quem reconhecemos toda a competência foi o da Educação, que nem sequer é membro do partido do Governo. Ora, isto é estranho!...
O que hoje se passa é novamente estranho: será que há uma crise de quadros políticos no Governo? Será que não há ministros políticos capazes de responder politicamente na Assembleia da República?

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Os ministros não são todos políticos?!

O Orador: - Ou será que só o Primeiro-Ministro está autorizado a debater politicamente com a Assembleia da República?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso, isso!

O Orador: - Creio que esta questão é importante e que as graças, as piadas, que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares dirigiu ao Sr. Deputado António Guterres não podem substituir a intervenção política que se esperava da parte do Governo.

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Assim sendo, temos de reconhecer que o Governo não tem disponibilidade ou capacidade momentânea para fazer com a Assembleia da República o balanço político ao ano:
Mas o Sr. Ministro das Finanças vestiu a pele de primeiro-ministro, uma vez que o substituiu. Ora, como diz o nosso povo, «quem não quer ser lobo não lhe veste a pele»!... Assim, como eu tinha algumas perguntas para formular ao ministro que interviesse por parte do Governo, não deixarei de fazê-las, pois são questões políticas da maior relevância que não podem deixar de estar presentes quando se faz o balanço político do ano.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chamo-lhe a atenção para o seu tempo.

O Orador: - Tenho cinco minutos!

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Estou apenas a chamar-lhe a atenção.

O Orador: - A primeira questão concreta que coloco ao Sr. Ministro diz respeito aos Serviços de Informações- aliás, esta questão: foi recentemente debatida na Assembleia da República, embora; no nosso entender, ela tenha sido insuficientemente debatida, devido à ausência do Governo.
Naturalmente que o Sr. Ministro, das Finanças não vai responder-me a esta questão, mas o Sr: Ministro Dias Loureiro, que está ao seu lado e que há pouco usou da palavra para interpelar o Sr. Deputado António Guterres, também agora poderá usá-la para responder à minha pergunta.
A questão em causa foi colocada da maneira mais séria a ao nível mais responsável. Ela foi em primeiro lugar, levantada pela comissão de fiscalização do centro de dados dos Serviços de Informações e, depois, pelo conselho de fiscalização dos Serviços de Informações.
Trata-se da transferencia de competências do SIED (Serviços de Informações Estratégicas de Defesa) para o SIM (Serviço de Informações Militares). A esse propósito diz a comissão de fiscalização do centro de dados dos Serviços de Informações em relatório com data de 6 de Abril:
Está-se a viabilizar, ao arrepio do sistema instituído e em violação dos objectivos por ele desejados, uma concentração de poderes num único serviço, no caso o SIM, com as consequências e riscos que a lei pretendeu evitar.
Também o conselho de fiscalização num seu relatório retoma este mesmo tema.
Ora, estamos a 12 de Julho!... Assim, a pergunta que faço ao Governo é esta: como é que o Governo mantém esta situação ilegal, para a qual foi chamado à atenção por dois órgãos desta importância e relevância no nosso sistema de fiscalização?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Naturalmente que isto infunde grande preocupação, dada a gravidade da questão. Trata-se de direitos, liberdades e garantias, e, se o Governo procede desta forma, nesta matéria, pergunto: como é que procederá em relação a outros sectores? Também diz o nosso povo que «quem faz um cesto faz um cento»...
A segunda questão diz respeito à lei eleitoral.
Quando aqui foi discutida e chumbada a proposta de lei de alteração da lei eleitoral, que visava distorcer e manipular os círculos eleitorais de forma absolutamente escandalosa a favor do Governo e do PSD, o Sr. Ministro da Administração Interna ameaçou «Voltaremos à questão! Não desistiremos!»
Ora, como é sabido a Assembleia da República fez uma lei que estabeleceu a redução do número de deputados para 230...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Estou a concluir, Sr. Presidente.
Pergunto: qual é hoje a posição do Governo em relação à questão da lei eleitoral? Vai ou não voltar à carga? Vai, como dizia o Sr. Ministro da Administração Interna, insistir? Ou será que vai, pura e simplesmente, abandonar esta questão?
Certamente que, no papel que tem vindo a assumir, o estado-maior eleitoral do PSD vai concentrar-se, naturalmente, em outras matérias/nomeadamente nas inaugurações públicas, em algumas medidas e promessas demagógicas e também da resolução de alguns problemas justos.....

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, chamo-lhe, novamente, a atenção para o tempo.

O Orador: - Então, pergunto o que é que o Governo vai fazer em matéria de lei eleitoral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já ultrapassou os seis minutos.

O Orador: - Sr. Presidente, estranho um pouco' o rigor com que o senhor está a chamar-me a atenção, uma vez que não o fez em relação a oradores anteriores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, penso que é muito injusta a sua observação final. Limito-me a chamar a atenção dos. Srs. Deputados sempre que, e em relação a qualquer pedido de esclarecimento, são atingidos os três minutos, sensivelmente.
No seu caso, o Sr. Deputado ultrapassou 1,5 minutos para além daquilo que está determinado, pelo que não considero justa a sua afirmação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado, Sérgio Ribeiro.

O Sr. Sérgio Ribeiro (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: V. Ex.ª começou por um discurso assente sobre o real. Falou e insistiu na convergência real, daí passou para o crescimento do rendimento real, mas não falou da desconvergência real e do real, crescente e anti-social desequilíbrio na distribuição do rendimento nacional, nem da evolução dos salários unitários reais, para que os custos salariais unitários reais possibilitem um real (e sôfrego) crescimento das taxas de rendibilidade dos capitais investidos.
Quer V. Ex.ª dizer-nos, aquilo baste, algo sobre essa real desconvergência socialmente gravosa, em que se baseia a estratégia económica, e que é a razão dos desequilíbrios sociais, das assimetrias regionais reais?

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Por outro lado, mas ainda sem sair desta questão, para nós tão importante, da convergência real, considera V. Ex.ª que ela é possível quando se atrasa, como consensualmente se reconhece, a dimensão social na construção do mercado interno? Ainda recentemente, na Comissão de Assuntos Europeus, o presidente da Comissão de Assuntos Sociais do Parlamento Europeu referiu haver governos como o português que, a coberto da Sr.ª Thatcher, e por ela dispensados, são contra a adopção da regra da maioria nas questões sociais, quando a promovem para as questões económicas e financeiras. Não é isto aceitar duas velocidades e uma inevitável real desconvergência, evidentemente contra os Portugueses?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Com a brevidade que a hora já impõe, gostaria de começar por manifestar a minha estranheza por estarmos aqui a fazer um balanço da actividade global do Governo, actividade essa que inclui algumas políticas sectoriais, sem estarem presentes alguns dos seus representantes.
É o caso da política de ambiente, que, infelizmente, o Governo sempre considerou como uma política sectorial, que gostaríamos fosse uma política globalmente assumida e que deveria ter aqui a defendê-la o Sr. Primeiro-Ministro, que não se encontra presente, assim como o titular da pasta do Ambiente, o Sr. Ministro Fernando Real. O País está a arder e também não está aqui presente o Sr. Ministro da Agricultura...
Ora, neste contexto, toma-se praticamente impossível tentar fazer qualquer balanço sério, nomeadamente nestas duas áreas que hoje gostaria de trazer aqui.
De qualquer modo, e aproveitando a presença do Sr. Ministro das Finanças e o facto de ele ter feito algumas referências ao rigor e à correcção com que está a ser já elaborado o Orçamento do Estado para 1991, colocar-lhe-ia apenas duas ou três questões.
O Orçamento do Estado para 1991 vai corrigir aquilo que foi um grave defeito na dotação orçamental, aqui detectado mas não corrigido a tempo por falta de vontade do PSD, nomeadamente para organismos como a Direcção-Geral da Marinha? De facto, veio a verificar-se, infelizmente logo em Janeiro, que 2000 contos não chegavam sequer para comprar botas, quanto mais para comprar todo o material e equipamento que era necessário para a protecção da costa portuguesa!
Sr. Ministro, vai o Orçamento do Estado para 1991 dotar com verbas suficientes, com verbas decentes, o chamado e tão propalado Plano Nacional de Ambiente que o Sr. Primeiro Ministro, ele próprio, pela primeira vez, em intervenção sobre matéria ambiental, veio anunciar à televisão? Por outras palavras, vai haver verbas compatíveis com a publicidade feita ao Plano, ou é apenas mais uma cortina de fumo?
Por último, Sr. Ministro das Finanças, o País está de novo a arder, e não está a arder só porque se verificam altas temperaturas. Felizmente que altas temperaturas há sempre no Verão - é o Verão português, é Portugal que tem sol para vender, é o sol que se vende, mas é também o sol que, neste caso, ajuda a criar condições para que o País arda.
O Sr. Ministro referiu o aumento substancial das exportações. Ora, sabemos que uma quota significativa das exportações é detida pelo sector florestal e é o Governo que aqui afirma toda a prioridade para a floresta portuguesa. No entanto, a protecção da floresta e o seu ordenamento têm sido feitos apenas com migalhas orçamentais, com as sobras dos orçamentos e, sobretudo, com a boa vontade das populações e das corporações de bombeiros. O Governo não dotou ainda o País com um plano integral de protecção à floresta, não se fez a prevenção de fogos e, sobretudo, os tão propalados meios aéreos não existem.
O que existe. Sr. Ministro, são helicópteros para a vigilância e para apagar incêndios incipientes, helicópteros que gastam rios de dinheiro, e, embora tenha começado a época estival há poucos dias, está provada a sua ineficácia e a sua incapacidade para atacar incêndios num país que se pretende seja de florestas.
Quanto à existência de aviões, temos apenas aviões de pequeno porte. Sr. Ministro, para quando a dotação orçamental capaz de fazer adquirir duas ou três unidades de aviões anfíbios a estacionar na Barragem da Aguieira, ou noutras grandes barragens, com capacidade para ataque a grandes incêndios?
Esta semana é o segundo grande incêndio que se verifica naquela zona. Tive ocasião, na semana passada, de sobrevoar um desses grandes incêndios na companhia do Sr. Ministro da Agricultura e de lhe fazer notar a necessidade de dotar o País, sobretudo a zona centro, com meios aéreos de magnitude suficiente. Não é o C-130 da Força Aérea que tem capacidade para apagar incêndios desta magnitude. Não o consegue fazer. Há que dotar a Força Aérea com os mecanismos, com os meios, com os aviões que tenham capacidade suficiente para ataque a incêndios desta magnitude.
De facto, não se pode querer ter um país de floresta sem que esteja ordenada, sem que esteja protegida, e, principalmente, sem que as populações que decidem viver na floresta e dedicarem-lhe as suas vidas vejam as suas vidas e os seus haveres protegidos. Há já inúmeras habitações ardidas, e este ano, conforme tínhamos previsto, vai ser pior ainda do que o fatídico ano de 1989 em termos de recorde de área ardida, e talvez, infelizmente, em termos de acidentes humanos.
Que é que o Governo fez para além de ter anunciado medidas que depois não veio a concretizar? Em 1991 vai haver orçamento para a protecção e o ordenamento da floresta ou não?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, se não há mais nenhum Sr. Deputado inscrito, gostaria, em nome do Governo, de responder a algumas questões que aqui foram colocadas.

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ministro sabe, e em termos do Regimento, as perguntas foram feitas, naturalmente, ao Sr. Ministro das Finanças, que foi quem fez a intervenção. Mas creio que os Srs. Deputados que colocaram questões admitiriam que se pudesse fazer a divisão entre os membros do Governo para responderem. É esse o sentido da interpelação que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares fez à Mesa?

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O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, pede a palavra para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, para dar uma solução prática que evite o entorse do Regimento e tenha as mesmas consequências. A solução prática que proponho é o Sr. Ministro das Finanças responder aos pedidos de esclarecimento, e depois aceitarmos uma inscrição imediata do Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares para fazer uma intervenção que aproveitaria para o mesmo efeito.
Assim se respeitaria o Regimento, e do ponto de vista prático seria a mesma coisa.

O Sr. Presidente: - Creio que não haverá objecções relativamente a esta proposta. Portanto, daria a palavra ao Sr. Ministro das Finanças para responder às questões colocadas, se assim o desejar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Tem, pois, a palavra p Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Deputado António Guterres, lamento não ter um conhecimento prático e total do Regimento que me permita fazer a proposta que fez, mas agradeço-lhe muito o seu contributo.
Gostaria de começar por fazer um pequeno comentário, e já agora, neste sentido, permitir-me-ia recordar a parábola dos talentos, que é aliás uma das minhas favoritas: recordo-me que havia uns mais talentosos, uns com quatro talentos, outros com dois e outros com um. Se não me engano, aqueles que receberam mais talentos também os fizeram mais reprodutivos. Mas havia um dos participantes na parábola que tinha apenas um talento e que o enterrou.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Acha que foi o caso?

O Orador: - Como talvez neste caso o Governo tenha bastantes talentos, certamente que os terá reproduzido/enquanto que outrem os terá enterrado...
Uma outra questão que gostaria de referir vão perdoar-me porque ela é um pouco técnica tem a ver um pouco com aquilo que disse o meu querido amigo é deputado António Guterres. A questão das estratégias e das vantagens comparativas é um assunto um pouco complexo e algo maçador para analisar sobretudo num fórum que não é de economistas profissionais.
De qualquer modo, não posso deixar de fazer uns pequenos comentários, porque fico muito nervoso com este tipo de situações. Lembra-me sempre o PISEE de 1977; lembra-me os «elefantes brancos» que povoam o País; lembra-me os 1484 milhões de contos que perderam as empresas públicas e os 400 milhões que ainda falta regularizar, lembra-me a preocupação de dirigir a economia...
Recomendava, pois, ao meu querido amigo que lesse o último programa do Labour porque o Sr. Kinock escreveu muito bem sobre esta matéria E, muito embora haja algumas partes desse artigo que estejam mal, há outras que estão bastante bem, principalmente no que respeita à parte da estratégia, à condução da economia, ao estabelecimento de grupos, pois refere correctamente que isso é com o mercado. O Governo tem que fazer alguma coisa sobre isto mas muito pouco.
Por outro lado, tenho alguma dificuldade em responder às perguntas sobre a pesca e outras que andas, mas creio que o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares poderá fazê-lo.

Risos.

No que se refere à questão dos fogos no Pais e da temperatura elevada, admito que a pergunta me tenha sido dirigida por causa da minha preocupação com a floresta como motor de liquidez, mas a liquidez, neste caso, não é a água com que se apagam os fogos e, portanto, perdoar-me-ão também que não responda a esta questão, pois alguém mais competente o fará.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas é uma questão séria!

O Orador: - O mais possível! Precisamente por ser séria e não ser do meu foro é que entendo não dever responder.
Quanto às perguntas formuladas pela Sr.ª Deputada Helena Torres Marques, a que terei imenso gosto de responder, há uma pequena diferença sobre a adesão ao SME. Eu não disse que não podemos aderir mas, sim, que não devemos aderir imediatamente. Era perfeitamente possível fazê-lo se o Governo estivesse interessado em fazer uma pequena flor eleitoral, mas neste momento isso seria imprudente e insensato e teria custos relativamente elevados, ou poderia tê-los. É por isso que não proponho a adesão imediata mas, sim, a adesão imediatamente a seguir àquilo que for possível.
Sobre as questões do Orçamento há uma, em particular, a que me é muito fácil responder. O Governo, e em especial o Ministro das Finanças, não vai apresentar a esta Câmara um orçamento suplementar que se traduza em, aumento de despesas.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Mas vai apresentar ou não?

O Orador: - Não vai apresentar qualquer orçamento de que resulte aumento de despesas. Esta é a resposta que me parece suficiente. O Governo tudo fará, e fará o necessário, para ficar dentro do Orçamento tudo o que se refere a despesas, e é isso que é fundamental.
Sobre o Orçamento deste ano versus o do ano passado, recordo duas ou três pequenas coisas a esse respeito: em relação ao ano passado, quando se discutiu o Orçamento para este ano, algumas circunstâncias já se alteraram entretanto, e essa matéria prende-se com a pergunta que me fez o Sr. Deputado Octávio Teixeira, a que responderei a seguir. Basicamente, na altura em que foi feito o Orçamento para 1-990, de que estou totalmente inocente,...

O Sr. Alberto Martins (PS): - A palavra é boa!

O Orador: -... como sabe, estava prevista, e era suposto estar em vigor ou a decorrer, uma desaceleração da procura e da inflação e, para além disso, não era ainda clara a aceleração que se verificou na construção da união económica e monetária. Isso significa que aquilo que

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poderia ser menos ou mais adequado nessa altura modificou-se e, por consequência, com base no Orçamento para 1990 e com base nas alterações entretanto verificadas, procurarei executá-lo da melhor maneira possível e apenas isso. É por isso que lhe digo que não será apresentado um orçamento suplementar ou qualquer outro tipo de proposta de alteração do Orçamento que se traduza em aumento global da despesa.

A Sr.ª Helena Torres Marques (PS): - Mas, se houver, virão à Assembleia?

O Orador: - Se for necessário fazerem-se ajustamentos que tenham de ser presentes à Assembleia, obviamente que virão, desde que a despesa global não se altere, que é, obviamente, aquilo que me preocupa.
No que se refere ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Octávio Teixeira, confesso que faço uma abordagem diferente sobre o QUANTUM. Não me vanglorio, pelo contrário, sinto-me lisonjeado com a importância que tem sido atribuída, em vários fóruns, a uma modesta contribuição que dei, para a qual pedi também a contribuição daqueles que considerei serem os mais qualificados economistas portugueses, para a preparação de alguma coisa que apresentarei depois. Neste, momento, apresentei uma versão preliminar em Conselho de Ministros e, quando tiver o programa completo, depois das contribuições que procurarei recolher, apresentá-lo-ei publicamente.
Admito que o Sr. Deputado quisesse dizer que o nome é mais bonito, mas evidentemente que não é só isso. Mas, sobre esta matéria, e porque alguém, de vez em quando, me acusa de monetarista, há uma citação de Lord Keynes, que tenho alguma dificuldade em reproduzir, mas que, basicamente, é esta: «Quando os factos mudam, eu também mudo de política. E o senhor?»
Ora, neste caso mudaram alguns dos factos: nomeadamente acelerou-se a construção da união económica e monetária, não se verificou a desaceleração da conjuntura e, por consequência, há, de facto, alguma diferença qualitativa na abordagem que o QUANTUM terá, mas não há ruptura na sucessão de continuidade. Há, de facto, alguns factos diferentes e, por consequência, uma abordagem ligeiramente diferente.
Permita-me também uma curta explicação sobre a questão dos movimentos de capitais. Nós estamos a cumprir, aliás com algum avanço em relação àquilo a que estamos obrigados perante as Comunidades Europeias, e o que acontece é que até há muito pouco tempo os movimentos que agora foram restringidos temporariamente não tinham expressão, ou seja, o grosso dos financiamentos obtidos no exterior eram-no através do Estado e das empresas públicas. Neste momento, o Estado está a pagar a dívida externa em termos líquidos e o sector público empresarial está praticamente a não variar muito a dívida e irá reduzi-la em breve. Ou seja, enquanto anteriormente havia uma possibilidade directa de controlar esse financiamento, neste momento não é o sector público que recorre a ele mas, sim, o sector privado, com a grande confiança que existe em Portugal e na moeda portuguesa e, portanto, justifica-se uma medida deste género, o que não acontecia antes. Está-se, pois, a fazer rigorosamente o mesmo mas com instrumentos mais adequados.
Sobre a taxa de inflação, várias vezes tenho dito que é praticamente impossível atingir o objectivo e, neste momento, não tenho qualquer número alternativo para apresentar. Apenas repito parece-me mais importante - que, como objectivo no sentido de não irmos acomodar, quer na política orçamental, quer monetária, taxas mais altas, ela permanece. Nesse sentido, permanece como objectivo do Governo.
Por causa disso, não vamos, por exemplo, aumentar a expansão da moeda e do crédito e não vamos compensar nas despesas públicas, como acabo de dizer à Sr/Deputada Helena Torres Marques, etc. Nesse sentido, é um objectivo instrumental e não um número em que, neste momento, acredite que seja totalmente possível, mas quando tiver outro terei muito gosto em lho fornecer.
O Sr. Deputado Carlos Brito fez-me algumas perguntas a que certamente o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares irá responder, no entanto, permita-me que registe, com satisfação, a consideração que exprimiu por mim e um pequeno comentário que teceu sobre a presença do Ministro das Finanças.
Como na minha juventude tive alguma, não direi formação, mas influência marxista, tinha a convicção de que, de facto, a economia e as forças produtivas é que contavam, pelo que talvez não seja totalmente inadequado que seja o Ministro das Finanças que venha falar de política em geral.
Quanto ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Sérgio Ribeiro, sobre a distribuição dos rendimentos, que é um assunto popular e interessante, gostava de dizer que o que me preocupa é a distribuição pessoal do rendimento, ou seja, entre classes de rendimento.
Em breve, vamos ter um conjunto de elementos que vêm da reforma fiscal, que nos vão permitir alguma informação mais concreta sobre o assunto, por isso, neste momento, permito-me apenas dizer-lhe que todas as indicações objectivas de que dispomos sugerem uma diminuição das desigualdades nesta matéria. Repare que não interessa, para este efeito, a repartição funcional. Suponha o seguinte exemplo: um presidente de um grande banco privado tem o seu salário aumentado dez vezes e um agricultor individual ou um comerciante em nome individual reduz o seu rendimento. Pela sua definição, tínhamos uma melhoria da repartição do rendimento; não é isso que interessa mas, sim, a repartição por classes de rendimento, e quanto a isso temos quatro ou cinco factores que são inequívocos.
Primeiro: o emprego aumentou espectacularmente - e, como sabe, os pobres dentro dos pobres são os desempregados.
Segundo: as transferências sociais e as pensões aumentaram mais do que qualquer estimativa recente, o que também afecta essa classe de rendimento, em particular.
Terceiro: como sabe, houve alguma redução da taxa de poupança das famílias, e isto está sempre associado a uma melhoria das classes de rendimento com menores rendimentos.
Assim que tiver números da reforma fiscal dar-lhe-ei essa informação.
Quanto à dimensão social, apenas estou seguro de que a Sr.ª Thatcher ficaria contentíssima por ver a grande propaganda que lhe é feita no Parlamento Português, mas não pelo Governo.

Aplausos do PSD.

Isto não significa que não tenha grande consideração por ela, como, aliás, tenho por todas as senhoras envolvidas na política! E pelos cavalheiros!

Risos.

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Já agora, se me permitem uma última afirmação, e referindo-me ao Sr. Deputado Luis Filipe Meneses, direi que não estou triste por estarem presentes poucos deputados do Partido Socialista. São poucos, mas bons...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares (Dias Loureiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dar uma explicação breve aos Srs. Deputados Carlos Brito, Rogério de Brito e Herculano Pombo.
O Sr. Deputado Carlos Brito contesta a escolha que o Governo fez e está no seu direito para esta interpelação, no entanto, pedia-lhe que considerasse o seguinte: está neste momento a decorrer uma reunião do Conselho de Ministros, que não é um facto que para este efeito me pareça despiciendo, e, mesmo assim, o Governo teve o cuidado de se fazer aqui representar pelo responsável pela política externa, que é uma área importante e uma área política por excelência do Governo, pelo Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território, que também é uma área importantíssima, pela equipa das Finanças em peso, composta pelo Sr. Ministro das Finanças e por todos os seus secretários de Estado, e por mim próprio, como Ministro dos Assuntos Parlamentares.
Reconhecerá que, estando a decorrer um Conselho de Ministros, não seria justo dizer que o Governo não fez uma escolha que tenha a ver com o respeito que tributa a esta Câmara. Era apenas este aspecto que queria referir.
Em relação a questões que colocaram, também gostaria de reconhecer que são questões seriasse importantes, e havia aqui duas metodologias possíveis: à questão das pescas não me atreveria a responder o mínimo, como é evidente, mas poderia responder às questões sobre o sistema de informações, sobre a lei eleitoral e, um pouco menos, à questão que o Sr. Deputado Herculano Pombo coloca. Penso, no entanto, que é mais sério que o Governo manifeste aqui abertura para responder às questões da seguinte maneira: ou VV. Ex.ªs pedem e eu farei chegar ainda hoje o pedido aos respectivos ministros para' uma vinda às respectivas comissões do Ministro da Agricultura e Pescas, em dois casos, ou do Ministro do Ambiente num outro caso ou do Ministro da Administração Interna num outro caso ainda, ou, se quiserem sob a forma de perguntas ao Governo, prometo sugerir aos meus colegas de Governo que as considerem na próxima sessão de perguntas.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa,, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - O Sr. Presidente terá verificado, como a Câmara e os Srs. Ministros, que me abstive de colocar questões que tivessem, de alguma forma, natureza ambientalista ou agricultura]. Apenas referi essas duas políticas sectoriais e a ausência dos respectivos titulares. As questões que coloquei foram apenas duas ou três de pormenor e estavam relacionadas com inscrição orçamental. Como temos presente o titular da pasta dás Finanças, que fará as necessárias inscrições no Orçamento para 1991, poderá responder às questões que coloquei, que são questões concretas.
Portanto, não é ao Sr. Ministro Dias Loureiro que compete responder se a Direcção-Geral de Marinha, se o Plano Nacional de Ambiente ou se o Plano Integrado de Defesa das Florestas vai ser dotado ou não com as verbas necessárias e as verbas consequentes, digamos assim.
Assim, sugeria, se o Sr. Presidente me permitisse, que o Sr. Ministro das Finanças fizesse um replay e que nesse replay conseguisse ainda assim integrar a resposta às minhas duas ou três questões.

O Sr. Presidente: - Relativamente a essa questão, se eventualmente o Sr. Ministro das Finanças desejar tecer mais algumas' considerações, a Mesa dar-lhe-á a palavra, mas evidentemente não pode ir além disso.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Ministro das Finanças: - Nesta altura não me é possível responder-lhe ,com esse pormenor, mas sim só daqui a alguns meses quando discutirmos as verbas do Orçamento. Neste momento, em que estamos a trabalhar nas grandes orientações, é evidente que não seria capaz de responder a unia pergunta tão pormenorizada.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pela nossa parte consideramos muito boa a sugestão que foi feita de numa próxima sessão de perguntas ao Governo se poderem fazer as perguntas a que hoje o Governo não está em condições de responder. Simplesmente estamos a terminar esta parte da sessão legislativa, pelo que isso não é razoável. Mas creio que as questões que coloquei não são questões sectoriais do Ministro da Administração Interna; são questões políticas gerais, da actividade política central do Governo. E o que acontece é que se confirma aquilo que eu disse: parece que não há quem responda a estas questões centrais da política do Governo - lei eleitoral e Serviços de Informações -, a não ser o Primeiro-Ministro. Ou então o Governo só é capaz de nos responder sectorialmente!

O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - É que ele responde melhor! É só isso!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições nesta fase de abertura do debate, está interrompida a sessão.

Eram 13 horas e 25 minutos.

Após o intervalo, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.
Os Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor.

Q Sr. Montalvão Machado (PSD): - Srs. Deputados, nós atribuímos a este debate a maior importância, fundamentalmente pelas questões em litígio e por respeito pelo partido interpelante.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - O Governo fez-se representar condignamente e o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata fará uma intervenção através do seu presidente.
O Sr. Deputado António Guterres, ilustre líder parlamentar do Partido Socialista, em linguagem e atitude que considero indignas de uma postura parlamentar normal, fez duas coisas que consideramos nitidamente reprováveis.
Em primeiro lugar, não respondeu às questões suscitadas, normalmente, pelo meu colega de bancada Sr. Deputado Silva Marques.
Em segundo lugar, ofendeu o Sr. Deputado Silva Marques não só recusando-lhe as respostas como ainda dirigindo-lhe palavras que não se adequam, de modo algum, nem à sua personalidade, nem à sua intervenção.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesta conformidade, Sr. Presidente, a não serem feitas imediatas reparações ao Sr. Deputado Silva Marques, que é vice-presidente da minha bancada, nós, não obstante não deixarmos de abordar as questões que considerarmos essenciais, e sem deixarmos de dialogar com todos os partidos da oposição que tiverem uma postura normal, não faremos qualquer outra espécie de pedidos de esclarecimento ao Partido Socialista.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra, também para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. António Guterres (PS): - Sinceramente, Sr. Presidente, que a consideração que o Sr. Deputado Montalvão Machado me merece não me permitia prever que houvesse da sua parte a intenção de renovar os incidentes desta manhã. E, por isso mesmo, vou responder com a sinceridade que me parece indispensável à preservação do prestígio desta Casa, único objectivo que motivou tudo quanto disse esta manhã.
Quero aqui repetir com clareza que não tive a intenção de ofender seja quem for, mas tudo o que disse me pareceu e parece adequado à forma como o PSD reagiu a este debate e à minha intervenção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quero dizer ao Sr. Deputado Montalvão Machado que nunca permitirei que um vice-presidente da minha bancada alguma vez o interpele a si nos termos em que eu próprio fui esta manhã interpelado.

Aplausos do PS.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para que efeito?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, vou conceder-lhe a palavra mas, previamente, quero dizer-lhe aquilo que costumo dizer, ou seja, que reduzamos ao mínimo a invocação das figuras regimentais de defesa da honra e da consideração, bem como a de interpelação à Mesa, para que o debate prossiga na normalidade. Ao mesmo tempo, acrescento que é bom que utilizemos a linguagem viva e própria dos debates parlamentares, mas não mais do que isso. Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Irei demorar talvez menos tempo do que aquele que V. Ex.ª demorou para justificar a concessão da palavra.
Desejo dizer ao Sr. Deputado António Guterres, ilustre líder parlamentar do Partido Socialista, que a declaração que acaba de fazer é aquilo a que chamo uma reincidência nos propósitos que V. Ex.ª manifestou hoje de manhã e que, pelo facto de ter havido um intervalo para o almoço, não ficaram sanados pelo efeito de termos comido a sopa ou qualquer outra coisa.
Há coisas que efectivamente magoam, que ferem e que não acabam apenas porque houve um intervalo para almoço.
Devo dizer a V. Ex.ª que, pelo facto de haver na minha bancada um presidente, vários vice-presidentes e Srs. Deputados, nós somos todos iguais e não permitimos, de forma alguma, que uns façam aquilo que outros não podem fazer, porque todos podemos fazer a mesma coisa.

Vozes do PSD: Muito bem!

O Orador: - Quero ainda dizer ao Sr. Deputado António Guterres que, efectivamente, também é doloroso para mim dizer aquilo que há pouco disse, mas disse-o com sincera convicção e como atitude política que, por questões objectivas, que são perfeitamente compreensíveis, era uma atitude que tinha que tomar em nome da minha bancada.

Aplausos do PSD.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, para que efeito?

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é também para exercer o direito de defesa da honra e da consideração.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Guterres, a posição que me cabe e me diz respeito enquanto gestor e administrador do tempo dos debates da Assembleia da República obriga-me a solicitar, como faço sistematicamente, que seja usada parcimónia no uso das figuras regimentais do exercício da defesa da honra e da interpelação à Mesa.
Sr. Deputado, tem a palavra.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é também com reincidente mágoa que acabo de ouvir de novo o Sr. Deputado Montalvão Machado.
Introduzimos este debate com toda a seriedade. Se esse caminho não foi percorrido até ao fim nos mesmos termos, não foi por nossa culpa, nem por nossa iniciativa

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

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O Orador: - Não tenho rigorosamente nada a acrescentar. Lamento que o Sr. Deputado Montalvão Machado tome a atitude que toma.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Na prossecução do nosso debate, estão inscritos, para intervenções, os Srs. Deputados, Montalvão Machado, Lino de Carvalho, Manuel dos Santos e Adriano Moreira.
Recordo, entretanto, que no meu gabinete estão a ser instaladas as comissões que anunciei e que vêm no Boletim Informativo.
Para uma intervenção, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Partido Socialista, no uso de um legítimo direito de agendamento, reservou para hoje uma interpelação sobre política geral.
Regimentalmente, nada nem ninguém o podia obrigar a especificar as matérias de que iria tratar.
Dada a vastidão infinda da interpelação, será evidente que ao interpelante ficou livre a escolha das questões a suscitar, aos interpelados a simples expectativa do que pudesse surgir enquadramento e preparação de quem interpela, impedimento de preparação adequada e atempada de quem tem de responder.
Cremos que, desta forma, a interpelação se empobrece. Só podem dar-se respostas completas quando, com tempo, se conhecem as perguntas. A política de Estado não se compadece com improvisos nem com amadorismos. Daí que a interpelação possa ir parar, como já foi, por culpa exclusiva do interpelante, a uma generalidade de matérias que, precisamente, por serem generalidade, não poderão dar os frutos que o próprio Partido Socialista deseja nem, na nossa medida, aqueles outros que o Governo e a maioria parlamentar poderiam desejar. Mas o Partido Socialista assim o quis e, por isso, assim o tem.
Se bem compreendemos a intenção do interpelante, a sua vontade é a de submeter a exame a actuação do Governo e do grupo parlamentar que o apoia, o que é perfeitamente legítimo neste fim de sessão legislativa.
Mas não é menos legítimo que, aproveitando a ocasião, também o Governo e a maioria tenham o mesmo direito de sujeitar a exame o partido interpelante, através de uma análise do seu comportamento como força da oposição.
É conhecido que os partidos políticos tem, entre outros, dois objectivos fundamentais: a difusão e consequente convencimento populacional da sua filosofia política e a conquista do poder para implantarem executivamente essa sua filosofia, esse seu modelo de sociedade, se quisermos.
Só que, para além do apoio das populações, tudo tem os limites da razoabilidade e de um certo convencimento realista.
O Partido Socialista, na senda das lições, experiências ou comandos que lhe vêm da sua querida Internacional Socialista, tem uma notória apetência pelo poder, tão notória como excessiva. Querem chegar ao poder tão depressa quanto possível. Querem exercer o poder com uma ânsia que não conseguem esconder. Há compromissos que tomaram e continuam a tomar que só podem cumprir quando forem poder.
Compromissos a dentro de si próprios e da sua clientela, não compromissos para com o povo português.

Aplausos do PSD.

O Partido Socialista só consegue viver em pleno, com um género de vida que lhe não invejamos, quando aufere do exercício do poder. Quando o não tem, falta-lhe o ar, faltando-lhe as possibilidades de dar satisfação às suas clientelas, aos componentes da sua máquina. Fora do poder, o Partido Socialista é um ser em hibernação, que nada produz, que não seja o gelo ou a secura do seu estado de apetência para o assalto ao poder.
Dai a pressa, aliás aqui dita por mais do que uma vez, de chegar rapidamente às cadeiras do poder.
Os socialistas portugueses tomaram atitudes que são exemplos magníficos de quanto deixamos dito. Acusaram--nos, levianamente, de uma arrogância que nunca tivemos, mas não fogem à tentação de fazer, a mais de um ano de eleições, um programa de governo que pressurosamente vão levar ao Sr. Presidente da República. É a evidência da pressa. É o envolvimento, politicamente incompreensível e indefensável, do Chefe do Estado no estudo de um programa de governo que, na hipótese de um milagre, só seria exequível daqui a um ano.
Programa que vai servir, senhores socialistas, para meter na gaveta. Só que, senhores socialistas, a gaveta, a vossa gaveta, está a ficar mais que cheia. Metestes lá dentro aquilo que não tivestes a coragem de deixar de fora como vos competia. Essa gaveta tem lá dentro tantos pacotes inaproveitáveis que, a breve trecho, rebenta pelas costuras. Por favor, por vós e pelo País, façam algo que não seja para meter na gaveta.

Aplausos do PSD.

Os senhores sabem que 'não vão ganhar as eleições legislativas de 1991. Já têm uma percepção hoje, vão ter a certeza no ano que vem. O povo português conhece-vos suficientemente para vos negar a confiança para o governar. Sabe das vossas experiências governativas, daquilo que não fizeram e podiam e deviam ter feito, sabe das promessas que vós fizestes e não cumpristes.
Será legítimo da vossa parte procurar defender aquilo que dizeis que sois e, de seguida, às abertas ou às escuras, fazer coligações com forças antidemocráticas, só porque isso vos pode trazer uma eventual maioria que, sozinhos, não sois capazes de alcançar?

Vozes do PSD: - São capazes de tudo!

Vozes do PCP: - Estão inquietos!

O Orador: - Acreditais que o povo português crê em vós quando dizeis que nenhuma coligação fareis com o Partido Comunista Português, quando toda a gente sabe que estais com ele na Câmara de Lisboa às claras e por detrás da porta em tantos e tantos municípios por esse país fora?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Olha o papão!

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Isto é uma nova cruzada contra os infiéis!

O Orador: - Não sabeis que o povo português está mais do que convicto de que, em 1991, se precisardes do Partido Comunista para fazer uma maioria, ainda que relativa, vós mandais às urtigas os princípios democráticos que apregoais e não hesitareis um segundo em vos unir

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com ele? Onde ficará então o vosso socialismo democrático depois de emparedado pelo socialismo não democrático?
É esta uma situação com a qual vos confrontais e para a qual não tendes solução credível. Daí a vossa vida em sobressalto, o vosso jogo em vários tabuleiros e, com grande desgosto meu. a breve trecho a vossa morte lenta.
Lançais mão de tudo, até do ilegítimo, para vos afirmardes como vencedores antecipados num sonho irrealizável.
Usurpais a próxima reeleição do Dr. Mário Soares como se coisa vossa fosse. Não vos importa que ele não seja o vosso candidato porque, ele o disse e diz, não foi nem será o candidato de nenhum partido político. Não vos importa que ele não queira que a sua mais que certa recandidatura seja transformada em luta partidária. O que vos importa, isso sim, e sem qualquer pudor político, é dizer que se o Dr. Mário Soares se recandidatar, como nós esperamos, e se ganhar, como nós esperamos, vós poderdes dizer, como já dizeis aos quatro ventos, que foi uma vitória vossa e não uma vitória dele e das forças populacionais que o apoiarão.
É a busca de uma muleta para as legislativas, de uma muleta para quem manca muito, mas que vos não porá sãos e escorreitos.
Nada vos faz recuar para os limites do razoável e do credível. Nada vos faz construir para os outros mas apenas e egoisticamente para a vossa ânsia de poder.
E confesso que é pena. O Partido Socialista, como partido democrático que é e com as responsabilidades que daí lhe advêm, tem a obrigação de lutar de outra maneira.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nós, sociais-democratas portugueses e para portugueses, somos diferentes. Diferentes para melhor, mesmo para muito melhor.
Recusamos medidas demagógicas. Atendemos apenas o que 6 razoável. Servimo-nos tão só de nós próprios e com o muito que temos. Não usurpamos qualidades alheias.
Não queremos, como vós, mais Estado, mais intervencionismo, porque isso representa menos liberdade, representa mais despesa pública. Sabemos o que isto tem custado e infelizmente ainda continua a custar ao povo português.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Batemo-nos, fundamentalmente, adentro do nosso humanismo, de que tanto nos orgulhamos, pelo direito à liberdade, pela garantia de oportunidades iguais para todos e pela justiça social. Somos firmes nas nossas convicções, mas não somos arrogantes nem pretenciosos de uma verdade única. Somos gente simples como simples é o povo português. Somos humanos porque acreditamos, acima de tudo, na capacidade dos homens e das mulheres deste país.
Lutamos por uma estabilidade política cujos frutos ninguém será capaz de pôr em dúvida.
Queremos desmantelar a infeliz herança do 11 de Março, que não podemos aceitar a benefício de inventário.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Queremos as reformas estruturais que outros apregoaram e em que tanto falaram mas nunca fizeram e que nós estamos a construir com método, com realismo e com resultados palpáveis.
Apoiamos e desenvolvemos a iniciativa privada, hoje e sempre. Apoiámo-la mesmo quando vós a consideráveis maldita no período posterior a 11 de Março, quando ninguém investia em Portugal porque não havia confiança em Portugal. Apoiámo-la em contraposição ao sector público, para que este se não transformasse, como disse o saudoso Mota Pinto, numa causa de empobrecimento do Pais e dos Portugueses.

Aplausos do PSD.

Eliminámos o marxismo da Constituição, não nos limitámos a metê-lo na gaveta, a guardá-lo para momento oportuno, como outros fizeram. E não fomos mais longe na revisão constitucional pelos entraves que vós fizestes no uso da uma política ambígua que tantos dissabores tem causado ao País.
Tivemos a sensatez e a coragem de abrir à iniciativa privada sectores vitais da nossa economia. Liberalizámos o mundo do trabalho. Possibilitámos a televisão privada. Encarámos e resolvemos a injustiça e os desperdícios de uma política agrária colectivista no Alentejo.
Integrámo-nos nas Comunidades através de uma verdadeira revolução democrática que foi nossa.
Fizemos uma reforma fiscal notável.
Encarámos e resolvemos o Serviço Nacional de Saúde.
Angariámos um prestígio internacional que é uma das vossas maiores invejas. Por muito que isso vos custe, por muito que isso vos possa custar por não ser obra vossa, foi através do nosso trabalho que Portugal se transformou num país prestigiado lá fora e cá dentro.

Aplausos do PSD.

O nosso país conhece hoje um período continuado e sustentado sem paralelo desde o pós-guerra.
Os apoios externos tiveram sem dúvida o seu papel, mas o Governo foi decisivo em dois aspectos: em obter o maior número de apoios, já que estes não resultaram automaticamente da adesão mas mais da capacidade negocial do Governo e na boa gestão dos fundos obtidos.
Daqui o saudamos com o elogio que ele bem merece.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há alguns descontentes? Há neste país alguns descontentes? É evidente que sim. Uns por opção, outros por feitio, outros por mera oportunidade ou inveja.
Mas nunca governo nenhum, em situação alguma ou em qualquer país, agradou a todos. Contentes e descontentes haverá sempre. O problema será o de saber onde estará o maior número e a sua legitimidade.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nós sentimos que a maioria do povo português está connosco, com este partido que o serve e dele se não serve, com este partido que lhe deu uma situação económica, um clima de estabilidade e paz, uma justiça social como ele nunca teve.
Isso nos anima, Srs. Deputados, para continuarmos.

Aplausos do. PSD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Alberto Martins e Raúl Rêgo.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Montalvão Machado, eu próprio, antes de iniciar esta interpelação ao discurso que V. Ex.ª acaba de proferir, reflectia sobre a forma como o Sr: Deputado poderia reagir, enquanto líder da sua bancada, se eu o interpelasse nos mesmos moldes e termos em que alguns dos elementos da sua bancada interpelaram a nossa há momentos. É, porventura, um bom momento e tema de reflexão para V. Ex.ª;
A sua declaração relativa à "nossa «querida» Internacional Socialista...

Uma voz do PSD: - E não é?!

O Orador: -... é uma declaração infeliz - deixe-me dizer-lhe -, é uma declaração de um mal amado. V. Ex.ª quis que a «querida» Internacional Socialista fosse sua, mas ela não deixou.

O Sr. José Lello (PS): - Andaram a bater-lhe à porta!

O Orador:-E, por isso, o psicologismo da crítica política, como a inveja e considerações desse tipo, é relativamente inconsistente; sobretudo quando V. Ex.ª, ao fim desta sessão legislativa, tem o despudor manifesto de dizer que o Partido Socialista não tomou iniciativas, não apresentou projectos ou propostas, quando é consabido, à saciedade, que o PSD e o Governo, no seu todo e no seu conjunto, ficaram muito atrás, em número e qualidade, das iniciativas que o Partido Socialista apresentou.

Aplausos do PS.

É uma questão de saber fazer as contas, saber ler e saber pensar.

Protestos do PSD.

Devo dizer-lhe também que excluo - e agradeço a sua chamada de atenção - as vilas e as aldeias, porque estou a falar em projectos de outra natureza.
Por outro lado, quanto às gavetas do PS posso dizer-lhe o seguinte: não vamos falar em gavetas porque há gavetas que podem ou não ser consultadas, há elementos que podem ser retirados, há gavetas que podem e devem ser investigadas e que estão a sê-lo, e bem.

Uma voz do PSD: - Macau, pôr exemplo!

O Orador: - Devo dizer-lhe ainda. Sr. Deputado, que a candidatura do Dr. Mano Soares é uma candidatura que, naturalmente, o PS apoia. O Dr. Mário Soares não é uma muleta para o Partido Socialista.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É, é!

O Orador: - Como VV. Ex.ª bem sabem, o Dr. Mário Soares foi fundador do Partido Socialista, foi um militante destacado da vida e da história do partido e da vida e da história da democracia portuguesa. Foi em nome do seu programa que ele foi eleito e é esse programa que nós apoiamos.
É um contra-senso que quem esteve contra o programa do Dr. Mário Soares, pelo qual ele tem cumprido o seu mandato, e a favor do programa do Dr. Freitas do Amaral venha agora - isso sim, como muleta dar o dito por não dito,...

O Sr. José Lello (PS): - Muito bem!

O Orador: -... fazer uma viragem de 180º só porque não tem candidato próprio, nem teve capacidade para o ter alguma vez. Assim sendo é um desaforo dizer isto em relação ao Partido Socialista.
Devo dizer-lhe que quanto às reformas estruturais elas estão à vista: regionalização, zero; descentralização administrativa, zero; sistema de informações adequado, legal e constitucional, zero; situação e defesa dos contribuintes, zero; pluralidade informativa, zero. São estas as reformas estruturais do PSD!...

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Montalvão Machado responde agora ou no fim?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raúl Rêgo, prescinde do uso da palavra para pedir esclarecimentos?

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sim, Sr. Presidente, porque o meu camarada Alberto Martins já fez a pergunta que eu pretendia fazer.

O Sr. Presidente: - Sou informado de que o Sr. Deputado Basílio Horta também se tinha inscrito para pedir esclarecimentos. No entanto, por. lapso, há pouco, não foi referido o seu nome.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado Montalvão Machado não nos espanta. Num debate sobre política geral o Sr. Deputado sobe àquela tribuna e diz a nós e aos Portugueses que está tudo bem, que tudo corre no melhor dos mundos, que o Governo é o melhor governo do mundo, que o PSD está...

O Sr. Luís Geraldes (PSD): - Não, não foi bem isso! O senhor não ouviu bem! " '

O Orador: - O senhor «está de dia» hoje outra vez?! De vez em quando, «está de dia».

Mas, continuando, Sr. Deputado Montalvão Machado, digo-lhe o seguinte: essa atitude compreende-se porque essa tem sido a política da sua bancada e do Governo, isto é, uma coisa nas palavras e outra nos actos. Há um abismo entre o discurso político da sua bancada e do seu governo e a prática política. Este assunto levar-nos-ia muito longe, mas o que eu pretendo é questionar V. Ex.ª sobre três aspectos e saber a sua opinião sobre os mesmos.
Em primeiro lugar, a questão presidencial. Como é que V. Ex.ª compatibiliza o apoio anunciado à eventual recandidatura do Dr. Mário Soares com a abertura de frentes contra a pessoa do Presidente da República nos mais diversos sectores? Nas palavras, apoia a recandidatura do Dr. Mário Soares, mas, na pratica, é raro o dia onde não há uma nova frente de combate, uma nova frente de luta entre o PSD e o Governo e a Presidência da República.

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O Sr. Rui Carp (PSD): - Onde!?

O Orador: - Onde!? VV. Ex.ªs querem exemplos concretos?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Não é preciso!

O Orador: - Não é preciso? A sua prudência é que leva a isso.
Há ainda um segundo aspecto importante.- O partido de que V. Ex.ª faz parte aparece, e tem aparecido sempre, como defensor extreme dos interesses da Igreja, defensor permanente dos interesses da Igreja Católica, ...

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - E dos católicos!

O Orador: -... e tem aparecido, uma e outra vez, com esse estatuto. Por isso, Sr. Deputado, explique a contradição que há entre esse tipo de declarações repetidas - então na campanha eleitoral em 1987 era todos os dias - e a vossa posição em relação ao espaço televisivo da Igreja Católica. Mais uma vez, uma coisa são as palavras e outra os actos.

Uma voz do PSD: - Não prometemos nada!

O Orador: - Não prometeram nada?!

Uma voz do PSD: - Não devemos nada!

O Orador: - Ah! Prometeram, mas não devem?! Esse é o costume... Isso já nós sabemos, prometem mas não devem. Nós temos uma longa experiência disso, nomeadamente o caso do Prof. Freitas do Amaral. Este é um aspecto relevante, mas há um outro sobre o qual também gostaria de saber a sua opinião.
Em relação à posição dos antigos accionistas das empresas nacionalizadas e expropriadas ouvimos o Sr. Ministro Dias Loureiro fazer uma intervenção em que, nas palavras, estava quase de acordo com uma outra feita recentemente pelo CDS sobre essa matéria e em que dizia da injustiça flagrante da situação em que se encontram os anteriores proprietários, injustiça óbvia. Na sequência de tais palavras estávamos nós à espera que as medidas que visavam repor e fazer essa justiça fossem aprovadas, mas não foi isso o que aconteceu, mas sim o contrário. Isto é, através das palavras dizem uma coisa, mas depois nos actos afastam a lei que ia propor o remedeio.
Estes três exemplos das reprivatizações poder-se-iam multiplicar por vários, ou melhor, por variadíssimos aspectos: pela proposta de alteração da Lei de Bases da Reforma Agrária, onde, no preâmbulo, propõem a extinção da ZIRA, em 31 de Dezembro, e, em seguida, retiram essa proposta de extinção..., enfim, podíamos estar aqui a falar durante muito tempo sobre isso! Mas, já agora, gostaria de ouvir a sua opinião sobre estes três casos, Sr. Deputado.

O Sr. Antunes da Silva (PSD): - O Sr. Deputado Basílio Horta não percebeu bem a intervenção que foi feita!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, devo dizer-lhe que esperava que, acima de tudo, se referisse à minha intervenção e não àquilo que se passou aqui hoje de manhã. Na verdade, esperava que o Sr. Deputado não trouxesse de novo para o debate aquilo que, infelizmente, se passou, aqui, hoje de manhã. Segundo parece, o Sr. Deputado Alberto Martins ficou algo preocupado por eu ter dito que a Internacional Socialista era a vossa querida Internacional. Com efeito, suponho que é! Suponho que os senhores não fazem parte dela à força e que estão ía porque querem!

O Sr. Rui Carp (PSD): - E gostam!

O Orador: - Apesar de tudo, devo dizer ao Sr. Deputado Alberto Martins que tem razão quando afirma que, nós, Partido Social-Democrata, quisemos fazer parte da Internacional Socialista, só que foge à verdade quando diz que aquela organização recusou a nossa entrada. Isso não aconteceu. Foi antes a vossa oposição, talvez por inveja, que impediu a nossa entrada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Lello (PS): - Afinal, sempre queriam entrar!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (Indep.): - Sempre confessam que queriam entrar!

O Orador: - Foi só por inveja!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É claro que às vezes há males que vêm por bem!

Aplausos do PSD.

Sr. Deputado Alberto Martins, eu não disse, em parte alguma da minha intervenção, que os senhores não fizeram coisa nenhuma durante este ano parlamentar, não disse nada disso! Nem sequer «me passou isso pela cabeça». De facto, disse até coisa diferente: disse que lamentava que o Partido Socialista não tivesse outro comportamento parlamentar, mas foi em relação a outros problemas, que não à feitura de questões de natureza parlamentar.
É evidente que, a este respeito, não posso deixar de dizer que quando não se é governo, quando não se tem a responsabilidade do Governo, é fácil prometer, porque já se sabe que ninguém lhe vai exigir que cumpra. É isto que os senhores têm vindo a fazer! Agora que estão na oposição prometem tudo, mas se um dia, por milagre, viessem a ser governo neste país, não cumpriam coisa nenhuma, nem davam nada a ninguém.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Aliás, nunca deram!

O Orador: - Quanto à questão das «gavetas», Sr. Deputado Alberto Martins, devo dizer que este problema é muito curioso, mas foi criado pelos senhores e não por nós. Os senhores é que criaram as «gavetas»! Falam agora em «gavetas»!? Supunha que os senhores tinham só uma «gaveta», pelo que fico preocupado ao ouvir agora anunciarem que tem mais do que uma. Mas, admitindo que têm mais do que uma «gaveta», gostaria que o Sr. Deputado Alberto Martins e todos os seus

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companheiros de bancada ficassem cientes do seguinte: nós gostávamos que essas «gavetas» - todas - pudessem ser abertas e revistadas sempre que o interesse do povo português assim o determinasse.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à candidatura, ...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, permite-me que o interrompa? •

O Orador: - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª poderá depois inscrever-se, atempadamente. Terei muito prazer em ouvi-lo falar do alto, daquela tribuna, com o seu tom de voz que eu adoro!...

Risos do PSD.

Quanto às eleições presidenciais, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que V. Ex.ª está mais do que sabedor das razões do nosso apoio ao Dr. Mário Soares, pelo que não preciso de estar aqui a explicá-las, nem a tomar tempo à Câmara. Contudo, quero apenas dizer-lhe que se o problema se põe em relação a mim, também se põe em relação a V. Ex.ª, uma vez que, tanto quanto sei, porque ouvi propalar, V. Ex.ª, nas últimas eleições presidenciais, apoiava a engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo.

Risos e aplausos do PSD.

O Sr. José Lello (PS): - E na 2.ª volta onde. é que o senhor estava?

O Orador: - A 2.º volta faz-me lembrar aquele torneio dos clubes que querem subir da 2.º para a l .º divisão, como acontece com o meu querido: clube, o Salgueiros, pois a 2.º volta é, efectivamente, a luta dos vencedores.

O Sr. José Lello (PS): - Isso é ridículo!

O Orador: - O Sr. Deputado José Lello, eu também gosto muito de o ouvir, principalmente porque o seu nome se escreve com dois II.

Risos do PSD.

Quero apenas dizer-lhe, Sr. Deputado, que nunca na minha vida vesti sobretudo, verde. Ponto final parágrafo!

Risos do PSD.

O Sr. José Lello (PS): - Fugiu à regra!

O Orador: - Sr. Deputado Basílio Horta, na minha intervenção, não disse que tudo estava bem, pelo contrário, ...

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Então diga o que é que está mal!

O Orador: -... até disse que havia pessoas descontentes e que não estavam de acordo com certas medidas do Governo. Até disse isto!... Umas pessoas por razão, outras por feitio, outras porque estão sempre contra.
Em relação aos problemas que V. Ex.ª colocou, como por exemplo o da questão presidencial, peço-lhe que não me leve a mal por nunca ter usado sobretudo verde.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Não tinha necessidade disso!

O Orador: - De facto, nunca usei sobretudo verde, e se V. Ex.ª usou está no seu legítimo direito; não recuso a. ninguém o direito de usar sobretudo verde, mas recuso sim que me queiram impor o uso desse sobretudo. Isso é que não!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Basílio Horta (CDS): - V. Ex.ª usa sobretudo castanho!

O Orador: - O que acabei de dizer não é dirigido a V. Ex.ª, mas à bancada do PS!

Protestos do PS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Agora é que percebi tudo!
Vou oferecer-lhe um sobretudo, Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, porque temos hoje pela frente um dia repleto de trabalho e porque á temperatura ambiente, apesar de estar agradável, está mais quente do que gostaríamos, solicito à Câmara uma certa moderação, até porque para que os apartes dos deputados, que são legítimos e regimentais, possam ficar registados em acta não pode haver tanto burburinho, pois dessa forma é impossível anotá-los.
Por todas estas razões e por mais algumas, solicito ainda à Câmara que mantenha o silêncio adequado ao prosseguimento normal dos trabalhos, possibilitando-nos assim passar às votações ainda antes de interrompermos para o jantar.
Entretanto, gostaria de informar que, dentro de alguns momentos, irei solicitar a presença de um representante de cada grupo parlamentar para que, em conjunto, se possa organizar o processo de votações de forma a possibilitar-nos encerrar a sessão a uma hora cristã, pois amanhã reunimos, de novo, às 10 horas. Como é óbvio, esta hora cristã a. que me referi não tem qualquer conotação partidária.
Para continuar a responder a pedidos de esclarecimento, tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Orador: - Sr. Deputado Basílio Horta, em relação à questão presidencial, que me colocou, ou seja, como é que eu compatibilizo o apoio ao. Dr. Mário Soares com a permanente luta, guerrilha ou guerra - como V. Ex.ª lhe queira chamar - que nós vimos desencadeando contra o Sr. Presidente da República, devo dizer-lhe que não compreendo a questão dessa maneira, antes compatibilizo-a de outra forma. O meu partido foi muito claro quando explicou as razões por que é que apoiaria o Dr. Mário Soares se ele se recandidatasse, ou, melhor dizendo, por que é que não apresentaria um candidato se o Dr. Mário Soares se viesse a recandidatar.
Estas razões são mais do que conhecidas, pelo que não vale a pena reproduzi-las, pois só iria fazer com que V. Ex.ª e a Câmara perdessem tempo. Na verdade, não existe qualquer luta entre, o meu partido e o Dr. Mário Soares, o que existe é outra coisa diferente. Se V. Ex.ª quiser pode chamar-lhe outra coisa, mas não luta ou .guerrilha. Porventura, existe o que eu chamaria a independência dos dois lados. O Sr. Presidente

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da República, no seu legítimo direito de Chefe do Estado, crítica tudo aquilo que entende que deve criticar; nós também, no nosso legítimo direito, criticamos tudo aquilo que o Sr. Presidente da República, em nossa opinião, faz menos bem. E é neste entendimento que nos temos respeitado uns aos outros. O meu partido tem respeitado o Sr. Presidente da República e este tem respeitado o meu partido; o Governo tem respeitado o Sr. Presidente da República e vice-versa. É neste clima de ambiência - este termo agora é muito utilizado - democrática que, efectivamente, nós vivemos. Nem nós queremos que o Presidente da República...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr. Deputado!

O Orador: - Sr. Presidente, termino de imediato!
V. Ex.ª, por certo, recordar-se-á que, por diversas vezes, fui interrompido, em virtude de terem ocorrido manifestações, que não são propriamente de rua, mas de casa!...
Mas, como estava a dizer, nem o Sr. Presidente da República quereria um governo obediente e servil, nem o Governo e o partido maioritário quereriam o Sr. Presidente da República única e simplesmente para cortar fitas e dizer sim a tudo.
Em relação à segunda questão, Sr. Deputado Basílio Horta, ou seja, quanto ao problema da televisão e da Igreja, confesso que já estava admirado que ninguém tivesse ainda aqui suscitado esse problema, mas foi agora pela voz de V. Ex.ª, e muito bem.
Sr. Deputado, se bem me recordo, aquando da revisão constitucional, o Centro Democrático Social não apresentou qualquer proposta no sentido de alterar, no texto constitucional, a expressão «confissões religiosas)», nele consagrada, para a expressão «Igreja Católica».
Por conseguinte, a posição do Estado, isto é, a posição do Governo, perante o problema da televisão/Igreja Católica coloca-se no mesmo plano do problema da televisão/demais confissões religiosas. Mas nós compreendemos ...

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Deixe-me acabar, não se precipite, esteja calmo!...
Na verdade, compreendemos mesmo -e estou à vontade para o dizer, porque sou católico - que a Igreja Católica representa, efectivamente, uma maioria esmagadora de entre as confissões religiosas deste país. E a proposta que fizémos, e que entendemos ser razoável, tem, efectivamente, cabimento, pois permite que o múnus da Igreja se possa expandir pelo País.
Nós entendemos que isso é bastante, a Igreja Católica entende que não é, entende que precisa de muito maior espaço, e eu pergunto a V. Ex.ª se para expandir a fé religiosa, e só para isso, porque é esse o direito que a Constituição lhe atribui, duas horas por dia, 365 vezes por ano, não chegam.
Terceiro aspecto: V. Ex.ª voltou a trazer aqui à baila a lei das indemnizações. Este aspecto já foi discutido, pelo que não quero tirar mais tempo à Câmara. V. Ex.ª já sabe qual é a nossa posição, nós sabemos qual é a posição de V. Ex.ª

Aplausos do PSD.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Alberto Martins (PS): - É para a defesa da honra e consideração, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, antes de lhe dar a palavra, gostaria apenas de lhe solicitar que tomasse em consideração as palavras que, continuamente, venho repetindo acerca da figura regimental que, neste momento, pretende usar.
Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Deputado Montalvão Machado, devo dizer-lhe que fiquei muito enternecido com o interesse que V. Ex.ª manifestou pela minha biografia pessoal e, já agora, e dado esse interesse, gostaria de a completar dizendo que, de facto, nas últimas eleições presidenciais, apoiei a engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo, mas, nessa altura, era independente, não era militante do PS. Na 2.º volta apoiei, com testemunho público, o Dr. Mário Soares.

Vozes do PSD: - Era evidente!

O Orador: - Devo dizer-lhe ainda que ao fazer aqui uma intervenção sobre esta matéria a faço em representação do Partido Socialista e não na inscrição da minha biografia pessoal...

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Faço-a também identificado com as posições que o Partido Socialista tem nesta matéria.
O que, verdadeiramente, nas suas afirmações, me parece relevante não é tanto o percurso individual e a biografia merecedora de atenção de quem quer que seja - e há biografias e biografias, e eu tenho muita honra na minha-, mas é o espinho encravado que V. Ex.ª tem relativamente à mudança súbita de programa que os senhores vão fazer para apoiar o Dr. Mário Soares. A minha dúvida é sempre a mesma: agora, essa mudança de programa vai levar-vos a apoiar Mário Soares com reserva mental, por medo, por fraqueza ou porque assumem autenticamente essa candidatura? É esta a minha dúvida!

Aplausos do PS.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - O senhor teve reserva mental quando o apoiou em 1986?

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Alberto Martins, V. Ex.ª sabe que conheço a sua biografia e que tenho por si muita consideração, muita estima. Efectivamente, o seu passado enobrece-o e, por conseguinte, não lhe faço qualquer elogio ao dizer-lhe isto, porque é verdade.

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Agora, a explicação que V. Ex.ª deu, e que aceito, era uma explicação em relação à qual eu podia, com facilidade, dizer que, se o Sr. Deputado Alberto Martins, entre a primeira e a segunda volta, mudou a sua opção da engenheira Maria de Lurdes Pintasilgo para o Dr. Mário Soares, por que é que o meu partido não pode mudar, em quatro anos, do Prof. Freitas do Amaral para o Dr. Mário Soares?

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos gerais.

O Orador: - Sr. Deputado Alberto Martins, eu podia aproveitar essa explicação mas não o faço, porque são bem conhecidas as razoes que nos levam a, efectivamente, não apresentar nenhum candidato se, como esperamos, o Dr. Mário Soares se recandidatar à Presidência da República. Aliás, V. Ex.ª conhece muito bem essas razões, pelo que não preciso de voltar a explicá-las.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo; Srs. Deputados: Descontentamento, frustração, desencanto, são expressões adequadas para caracterizar,- neste balanço da actividade política do Governo, o estado de espírito que percorre o País e os variados sectores da vida nacional face à política do PSD.
Basta, para tanto, seguir com alguma atenção as movimentações dos últimos dias: mais de meio milhão de trabalhadores que vieram à rua ou entraram em greve em luta pela redução do horário de trabalho, por melhores salários e condições de vida; milhares de agricultores que protestam contra uma política agrícola sem norte que está a conduzir a agricultura portuguesa para um beco sem saída; empresários que se manifestam pessimistas perante o optimismo demagógico do Governo.
As confederações sindicais, as confederações patronais - mesmo algumas tradicionalmente apoiantes do Governo -, vêm a terreiro criticar, acusar, distanciar-se da política seguida pelo PSD.
Como ao longo do ano foi patente nesta Assembleia, o PSD raramente encontrou parceiros e consensos para uma política que, desperdiçando oportunidades, agrava as desigualdades; que, desprezando os valores do diálogo e do consenso, governamentaliza todas as estruturas institucionais garantes de um equilibrado funcionamento do sistema democrático, confundindo o partido com o Estado, como é o caso da Alta Autoridade para a Comunicação Social; que, procurando iludir a sua visível redução da base de apoio, tentou alterar e manipular o saudável princípio da representação proporcional em que assenta o nosso edifício eleitoral com a apresentação de uma execranda lei eleitoral com a qual o PSD se pretendia eternizar no poder, mesmo contra a vontade genuína do eleitorado.
Mas outras áreas têm sido alvo de severas críticas e perplexidades do País: a insistência, através da proposta de lei de bases da saúde em acabar com o Serviço Nacional de Saúde e o agravamento da prestação de cuidados de saúde, a insistência na prova geral de acesso à universidade, absurdo dos absurdos pedagógicos, que traz permanentemente inquietos mais de 60000 jovens e as
suas famílias; o combate à habitação cooperativa e social; a tentativa de asfixiar financeiramente as autarquias e a paralisação do processo de regionalização são alguns claros exemplos da política do Governo.
Ou, noutro terreno, os fumos negríssimos de corrupção e do tráfico de influências que empestam o ar, atravessam o Governo e vários sectores da Administração Pública, minam o prestígio e a imagem do próprio regime democrático.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem.

O Orador: - Temos, em contrapartida, uma economia mais equilibrada e a respirar melhor saúde? Nada disso. Bem pelo contrário.
Estamos com a segunda maior taxa de inflação da Europa comunitária que já roda em velocidade de cruzeiro a caminho dos 14%; aumenta em flecha o défice comercial;, agrava-se o défice orçamental; crescem as desigualdades e as injustiças sociais; acentuam-se as assimetrias regionais.
E isto, exactamente, quando, face à aceleração do processo de integração comunitária, à construção da união económica e monetária e da união política e as mutações que percorrem toda a Europa, Portugal deveria hoje estar em melhores condições estruturais de fazer face a esse novo embate, designadamente a partir de 1993 e que, obviamente, vai ser feito em condições de maior complexidade e concorrência intereuropeia.
Ora, a opinião hoje unânime no país é que estes primeiros cinco anos de integração comunitária têm sido insuficientemente aproveitados, que não estamos preparados para esse embate e que estaremos, tanto, menos, quanto o Governo insistiu repetidamente, na governamentalização e secretismo de todo o processo.
Só a permanente insistência de toda a oposição nesta Assembleia e fora dela é que obrigou, finalmente, o Governo a mostrar alguma atenção pelas posições das diferentes forças da oposição e a promover algum debate sobre as questões levantadas pela união económica e monetária e pela preparação das respectivas conferências intergovernamentais.
É necessário, contudo, que tal não se resuma a meras formalidades, e muito menos sobre factos consumados, e que não seja impedido o necessário debate nacional que se impõe com urgência.
Srs. Deputados, em resumo, o País sofre hoje as consequências de uma política que agrava, em vez de resolver, os problemas estruturais e sociais, mas, verdade seja dita, para a qual o PSD conseguiu encontrar alento nos apoios que recebeu" para a revisão constitucional realizada há precisamente um ano.
O processo desregulado do leilão das empresas públicas e das privatizações, vendidas ao desbarato ao grande capital estrangeiro - em prejuízo dos interesses do país, dos trabalhadores e do capital nacional -, e contra o qual protestam hoje todos os sectores da vida nacional, não seria possível se outros cuidados e precauções tivesse havido nos acordos que permitiram a revisão constitucional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É verdade!

O Orador: - A demagogia do «capitalismo popular», da «democratização do capital», dos «trabalhadores accionistas», esfumou-se e estilhaçou-se no embate com

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os primeiros processos de privatizações, assim como está posta em causa a alegada criação de grupos económicos nacionais fortes.
O dia negro, nas palavras do presidente do Sindicato dos Jornalistas, que representou para a comunicação social o início- do processo de constituição da Alta Autoridade, não existiria se outras tivessem sido as prevenções e as garantias inscritas no texto constitucional.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Muito bem.

O Orador: - A nova lei contra a reforma agrária provavelmente não existiria se não tivesse a seu favor o pretexto do enfraquecimento das barreiras constitucionais à reconstituição do latifúndio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Um ano após a revisão constítucional, a vida dá razão ao PCP: muito do que foi alterado e, mais do que isso, os termos e as condições em que o foram, manifestam-se atentatórios dos interesses do País.
Srs. Deputados, podemos dizer, em síntese, neste balanço de actividade global do Governo durante este ano, que, no final da sessão legislativa, o PSD vai para férias sem conseguir ultrapassar as suas dificuldades e as críticas de que é alvo, sem conseguir dar resposta aos problemas estruturais do País e sem conseguir alterar significativamente a redução da base de apoio de que as eleições para as autarquias locais (como antes as do Parlamento Europeu) foram uma flagrante manifestação. Isto, apesar da frenética campanha eleitoral a que todo o Governo meteu ombros quando percebeu que estava em derrapagem.
Transformado em comité para os assuntos eleitorais do PSD, o Governo cria task. forces, inventa factos políticos, promove medidas de carácter marcadamente eleitoralista no sentido de inverter a tendência para a redução da sua base de apoio e para recuperar áreas de apoio perdidas.
Com a perspectiva das eleições de 1991 no horizonte, o Governo quer agora aparentar maior diálogo e maiores preocupações sociais e é obrigado a avançar com medidas que vão ao encontro de aspirações populares há muito sentidas e há muito reivindicadas, designadamente pelo PCP, como é o caso da mais que justa atribuição do 14.º mês aos pensionistas e reformados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas ele é uma vitória que deve ser atribuída àqueles que lutam por uma melhor justiça social, não a quaisquer novas preocupações sérias do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É que, como é evidente, o Governo não apresenta uma política de desenvolvimento económico e social para conduzir o País na senda do progresso e de uma melhor justiça social como, aliás, está patente no pacote de autorizações legislativas com que pretendeu afogar a Assembleia neste final de sessão legislativa e onde não esconde que a sua preocupação central e primeira é o reforço dos privilégios dos grandes grupos e interesses económicos e dos. grandes proprietários de imóveis contra os trabalhadores e o interesse nacional, contra as camadas mais desfavorecidas e desprotegidas da sociedade portuguesa.
É, pois, justo dizer que o Governo se limita a distribuir cheques e benesses com os olhos postos nas eleições, apoiado no controle e manipulação da comunicação social, de que é paradigmático o escândalo público que constitui a atribuição das frequências regionais da rádio que voltou a valer a velha fórmula das mãos rotas para os amigos e a entrega dos órgãos de comunicação, que vão sendo privatizados, nas mãos dos grandes grupos económicos.
Mas não há, Srs. Deputados, medidas que consigam esconder a essência da sua política de manutenção e agravamento das profundas desigualdades, injustiças e chocantes contrastes que hoje atravessam a sociedade portuguesa.
Em contraste, as múltiplas propostas e projectos de lei que apresentámos ao longo do ano - algumas das quais o Governo mais tarde veio a retomar depois do PSD as ter aqui rejeitado (como é o caso dos aumentos para os reformados e da suspensão dos aumentos dos vencimentos dos titulares de cargos políticos) -, e antes de todas as conclusões do XII Congresso (Extraordinário) do PCP, essas propostas, esses projectos de lei, essas conclusões, correspondem, da nossa parte, a um empenhamento sério e construtivo, indo ao encontro das necessidades que se colocam ao País, dando resposta às aspirações dos Portugueses, contribuindo para dar combate às desigualdades e melhorar as condições de vida do povo português.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não há, pois, tosk forces que salvem o PSD do atascamento em que se atolou, ou que escondam a gritante ausência de iniciativa legislativa nesta Assembleia e o bloqueio e recusa sistemática das iniciativas da oposição.
É caso para dizer, aqui, em relação ao PSD, que não faz nem deixa fazer e que o que faz mal ou tardiamente e a reboque da oposição e da acção dos trabalhadores, dos agricultores e das forças económicas e sociais.
Torna-se, pois, cada vez mais imperioso e urgente encarar as eleições de 1991, designadamente as eleições para a Assembleia da República, como revestindo um papel determinante para o futuro próximo da situação política nacional e para a substituição do Governo.
A contagem decrescente do PSD já começou. Estão abertas condições para uma alternativa democrática!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guerreiro Norte pediu a palavra, mas tenho de alertá-lo para o seguinte problema* o PSD tem 4,2 minutos positivos para usar da palavra e o PCP tem 1,3 minutos negativos de tempo que não vou permitir que aumente. Ainda assim, o Sr. Deputado quer fazer a pergunta e, nesse caso, aceita dar algum tempo ao PCP?

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, talvez algum partido da oposição queira fornecer algum tempo ao PCP, porque, em qualquer caso, eu vou fazer a pergunta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, primeiro, é necessário esclarecer-se quem é que fornece tempo ao PCP.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, nos dispomos de três minutos que nos foram transferidos pelo partido Os Verdes.

O Sr. Presidente: - Os serviços vão já fazer essa transferência contando com 1,3 minutos de excesso.
Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr.. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lino de Carvalho, costuma dizer-se que o que é demais não presta. Ainda ontem, do alto daquela tribuna, o Sr. Ministro da Justiça dizia que o acusador, quando é demasiado excessivo e se fundamenta em factos que não têm qualquer veracidade, pode eventualmente tomar-se arguido ou até réu.
A sua intervenção, não vislumbrando nenhuma medida de carácter económico e social que este governo tenha tomado, naturalmente que está imbuída* destas duas premissas. Não vou mencionar-lhe as inúmeras medidas que este governo tomou para bem de Portugal e dos Portugueses e que visam o desenvolvimento económico é social, mas deixo-lhe aqui, apenas, estas palavras: há claridade suficiente para quem queira ver e obscuridade para quem não quiser.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Guerreiro Norte pediu a palavra para me fazer um pedido de esclarecimento. No entanto, não o fez e, desculpe que lhe diga, foi infeliz no que referiu, porque ou falou por falar ou não esteve atento à intervenção que fizémos.

Vozes do PSD: - Não, não!

O Orador: - Em primeiro lugar, o Sr. Deputado abordou generalidades e não desmentiu nenhuma' das acusações concretas que fizemos e que desenvolvemos, pelo que seria bom que o Sr. Deputado tivesse vindo à liça dizer «Isto aqui não é verdade, aquilo é mentira, a alternativa foi esta.» Não o fez! Costuma dizer-se que quem cala consente, o que significa que era verdade o que dissemos.
Por outro lado, nós apresentámos as propostas que já referimos e, ao longo desta sessão legislativa, fomos, porventura, como o Sr. Deputado sabe com certeza, e tendo em conta o número de deputados que temos representados nesta Assembleia, a força política que mais propostas e iniciativas legislativas aqui apresentou. O nosso programa, decorrente do XIII Congresso e posteriormente mostrado ao País, aponta medidas claras, sérias e concretas para o desenvolvimento do País e para a melhoria das condições sociais.
Por último, não é verdade que eu não tenha referido medidas positivas do Governo. Mencionei, por exemplo, a medida respeitante à 'criação do 14.º mês para os reformados e pensionistas idosos. É, para nós, uma medida positiva, mas não é certamente decorrente das preocupações sociais do Governo mas de algumas preocupações eleitoralistas. No entanto, reconhecemos que vem ao encontro de reivindicações justas e sentidas e das aspirações que, há muito, têm sido alvo de luta dos reformados, das suas organizações e do nosso próprio partido. A comprová-lo, basta dizer que apresentámos uma iniciativa idêntica no início deste ano, tendo, então, o PSD impedido que ela passasse.

O Sr. Presidente: - Queira terminar; Sr. Deputado.

O Orador: - As iniciativas são boas quando partem do PSD ou do Governo; já são más e não podem, passar quando partem da oposição. É este o sentido da actuação do PSD nesta Assembleia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Guerreiro Norte, V. Ex.ª foi excessivo, V. Ex.ª é que se tornou réu!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Mota inscreveu-se para que efeito?

O Sr. António Mota (PCP): - Não é para intervir, Sr. Presidente. É para, ao abrigo das disposições regimentais, pedir a suspensão dos trabalhos parlamentares durante 20 minutos, para o meu grupo parlamentar .dar uma conferência de imprensa.

O Sr. Presidente: - É regimental, pelo que retomamos os trabalhos às 17 horas. Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 17 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, há um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal e relativo ao Sr. Deputado Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira, no sentido de autorizar este Sr. Deputado a intervir como testemunha num processo pendente naquele Tribunal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em apreciação o parecer que acabou de ser lido. Não havendo objecções, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo, Helena Roseta, João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai informar a Câmara sobre um outro parecer, também da Comissão de Regimento e Mandatos, que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, há outro parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, a solicitação do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa e relativo ao Sr. Deputado Filipe Manuel da Silva Abreu, no sentido de que este processo, pelas razões que constam do "mesmo, deveria ser arquivado.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.

O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num debate sobre política geral, parecer-me-ia indispensável que fossem considerados alguns dos acontecimentos que na cena internacional influenciam a política e as orientações de todos os governos europeus.
Verificamos, no entanto, até agora, que o partido interpelante pouco se referiu a esta matéria, não obstante vivermos, neste momento, um período crucial da reorganização da Europa.
Muito se tem discutido sobre essa reorganização, sobre o papel de Portugal nesse contexto, sobre as vantagens e os seus inconvenientes. E um dado fundamental é preciso reter é que o que é bom para um todo, seja esse todo as Comunidades Europeias ou a Europa, não é necessariamente bom para cada uma das partes. Por outras palavras: teremos de aferir sempre as evoluções numa dupla perspectiva: a do todo, da Comunidade Económica Europeia ou da Europa, e o interesse específico para Portugal.
Tendo dito isto, gostaria de recordar, porque me parece curial, o que disse, nesta Casa, em Abril e que, pelos vistos, continua válido hoje em dia.
Referi, então, que se procuram novos equilíbrios, novas estabilidades, novas instituições e tanto mais urgente quanto mais se evidenciava a dessintonia entre a geografia política, económica e de segurança da Europa.
Tecia outros considerandos e apontava alguns caminhos estratégicos para Portugal, dizendo:

Em primeiro lugar, devemos evitar tornarmo-nos periféricos ou marginais nesta nova conjugação de forcas, reforçando a nossa participação e protagonismo nas instituições e nas decisões europeias.
Em segundo lugar, devemos assegurar a manutenção ou acréscimo do esforço comunitário para conseguir a coesão económica e social e uma maior aproximação dos níveis de desenvolvimento ocidental.
Em terceiro lugar, devemos procurar que o espaço em que nos integramos .se não continentalize excessivamente, mas antes mantenha a sua componente atlântica e a sua abertura para o Estados Unidos e que estes se mantenham estreitamente ligados ao futuro europeu.
Em quarto lugar, devemos assegurar que a Europa Ocidental mantenha as portas abertas para outras zonas de interesse para nós, nomeadamente a África e o Brasil, conservando os nossos laços privilegiados além Atlântico.
E laborava, seguidamente, sobre estas linhas de actuação através de cinco ou seis parágrafos que VV. Ex.ªs poderão encontrar nessa minha intervenção de Abril.
Entretanto, depois disso, cimeiras importantes aconteceram na Europa, designadamente a cimeira de Dublin e a recente cimeira de Londres, em que se assistiu a profundas transformações de algumas instituições ou, pelo menos, da orientação para a sua renovação.
E será importante verificar em que medida o que foi proposto, sugerido e defendido pelo Governo viu ou não o caso português ser verificado nessas cimeiras.
Assim, no que diz respeito a Dublin, recordarei que, quanto à união europeia, são afirmados explicitamente nas suas conclusões que deverá ter novos meios de acção, o que significa novos instrumentos institucionais e novos recursos; que se deverá realizar integralmente o Acto Único Europeu, ou seja, as suas políticas incluindo a coesão económica e social, explicitamente referida a propósito da união europeia.
Sobre o mercado interno, aí se reafirma a necessidade de acelerar a livre circulação de pessoas e a sua dimensão social e se faz uma referência fundamental às redes transeuropeias, projecto protagonizado e proposto pelo Governo como via para a diminuição do conceito «centro e periferia».
Na união económica e monetária e nas mesmas conclusões se refere a imperiosidade da convergência das performances económicas dos diferentes Estados membros e que se deveria avançar no sentido da coesão económica e social, também na união económica e monetária.
Na união política, o documento dos ministros dos Negócios Estrangeiros foi aprovado na integralidade, o que significa que as posições que o Governo vinha a defender avisadamente viram, também, a sua consagração nesta cimeira.
E o mesmo se passou quanto às relações externas da Comunidade, quanto às relações com África, quanto às relações com os Estados Unidos e até no próprio ambiente e no Uruguay Round há referências explícitas às teses que nos interessam particularmente.
Outra cimeira importante é a cimeira de Londres, onde se consagrou a renovação da Aliança Atlântica perante o novo quadro mundial e a reafirmação da NATO como instituição fundamental para o diálogo transatlântico.
Estes dois aspectos que acabo de referir são particularmente importantes pelas razões que aduzi em Abril, que mais tarde vim a referir noutras intervenções e que VV. Ex.ªs poderão conferir.
Nesta cimeira de Londres, afirma-se explicitamente, entre outras coisas, o seguinte: o papel preponderante dos Estados Unidos na construção europeia, designadamente no que diz respeito à sua segurança; reafirma-se também o princípio de que a Alemanha unificada deve permanecer na nova NATO; que a cooperação se substitui à confrontação; que se deve buscar, por norma, a solução pacífica de conflitos, em que a NATO se propõe fazer uma declaração de não agressão, juntamente com os outros países participantes da CSCE, aí se convidando líderes do Pacto de Varsóvia não só a dirigirem-se aos fóruns NATO mas, inclusive, a terem relações regulares.
Mas, mais importante do que isso, é afirmado o desejo de assinar a Conferência sobre Desarmamento, a chamada CFE-1; é decidido continuar, para além da Conferência de Paris, com essa mesma Conferência, segundo o mesmo mandato, para a diminuição de forças militares, particularmente no centro da Europa, envolvendo especialmente as forcas armadas alemãs.
Mais se afirma que, após Helsínquia, se iniciará uma conferência, CFE-2, destinada a reduzir as capacidades ofensivas da Aliança.
Também nesta mesma cimeira se decide uma revisão da estrutura e da estratégia militar da Aliança, numa postura marcada por uma redução das forças, maior mobilidade, introdução do conceito de forças multinacionais e o conceito de reforço acelerado, muito mais que a dimensão da força. Acentua-se, também, o carácter defensivo da Aliança, o princípio da negociação dos

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mísseis de curto alcance, a consideração do nuclear como último recurso e a modificação dos conceitos de defesa avançada e resposta flexível pela consequência das modificações na Europa.
Mais se decide nesta Conferência que a CSCE deveria, em Paris, buscar, entre outras coisas, uma institucionalização sem duplicações com instituições existentes, para além da criação de um centro de prevenção de conflitos e da constituição de uma assembleia parlamentar baseada no Conselho da Europa.
Esta breve resenha que acabo de fazer sobre o que se passou tem apenas como intuito solicitar aos Srs. Deputados e aos cidadãos em geral que possam comparar as posições que o Governo defendeu nesta Casa, nos últimos sete ou oito meses, antecipadamente, em relação a estas reuniões e os seus resultados e tirar conclusões sobre a estratégia que o Governo adoptou e do seu êxito.
Essa comparação é de tal ordem que eu desafio, neste momento, qualquer elemento da oposição a suscitar qualquer incoerência que tenha havido ao longo dos sete últimos meses ou qualquer posição defendida pelo Governo que, de uma forma ou de outra, não tenha visto a sua consagração nestas cimeiras.

Aplausos do PSD.

Recordo-me que, em certos casos, fui acusado de ousado, quando disse nesta Câmara que á unificação alemã era inevitável e apresentei as razões; recordo-me que, na bancada do Partido Socialista, algumas vozes se levantaram indignadas por essa minha leitura; quando expliquei que a CSCE, do nosso ponto de vista, devia ser a instituição, o telhado que deveria albergar várias instituições europeias, incluindo o Conselho da Europa, incluindo a Comunidade Europeia, como primeiro núcleo de um conjunto de círculos concêntricos e que haveria que negociar um pacote de balanceamento global para a parte da segurança, recordo-me também de alguns sorrisos e que poucas intervenções consegui suscitar.
Aquilo que gostava de dizer aqui, uma vez mais neste debate de política geral e neste pouco tempo de que disponho, é que o Governo teve capacidade de previsão; teve a ousadia de a apresentar e de a escrever, graças a essa capacidade negocial, que teve como principal protagonista o Primeiro-Ministro Cavaco Silva, porque foi ele que dirigiu estas duas cimeiras.
Portugal, de facto, tem, hoje, credibilidade e motivos para se sentir satisfeito com a estratégia adoptada.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A acelerada mudança da estrutura mundial não é apenas difícil de acompanhar em resultado da multiplicidade crescente das variáveis que se conseguem identificar, mas também porque faltam os meios e o tempo para proceder à análise de resultados para testar a eficácia dos acordos que vão pontuando o processo decisório.
Parece, algumas vezes, que desta perplexidade nasce um dos impulsos que estão a promover uma nova utopia para entrar no século XXI, confiando-lhe a coerência final das soluções, em que, apenas, alguns realmente têm intervenção e das quais todos suportam as consequências.
- Um dos elementos dessa utopia em formação é que a sociedade internacional será necessariamente democrática, faltando sempre definir o que é uma sociedade internacional democrática.
Por enquanto, sabemos apenas que a sociedade internacional das soberanias democráticas nunca o foi, ela própria, e que a hierarquia das potências varia mas existe sempre que a sociedade internacional seja finalmente pacífica já parecerá uma concretização apreciável do imaginário, e que à competição desejável se mantenha nos limites da solidariedade internacional será um progresso qualitativo sem precedentes.
De qualquer modo, a hierarquia de facto dos poderes, sejam quais forem a semântica e a forma jurídica, não está a caminho de desaparecer, mas está, como sempre, em processo de mudança. No Conselho de Segurança da ONU, apenas cinco potências receberam o direito de veto; na Assembleia Geral da ONU a URSS recebeu, e não se falou mais nisso, três votos que agora vêm à lembrança por causa dós separatismos com que se debate. O fim da 'guerra fria imediatamente colocou no plano das grandes potências os vencidos da- Segunda Guerra Mundial, Alemanha e o Japão, e ninguém se atreve a citar as disposições da Carta da ONU que os qualificam de inimigos vencidos pelos signatários da carta.
Em Houston,, estiveram reunidas as sete potências económicas mundiais: Estados Unidos da América, Canadá, Inglaterra, França, Itália, Japão e Alemanha Federal. A movimentação da hierarquia das potências tem destas surpresas, sendo, a mais saliente delas o facto de que, para decidir a ajuda à URSS, estão entre os membros do elitista' agrupamento os tais inimigos vencidos da última guerra, cujo estatuto jurídico formal não foi alterado mas não pode ser evocado porque deixou de corresponder ao equilíbrio ocasional de forcas que o inspirou.
Disseram eles: «Comprometemo-nos a cooperar com a URSS para ajudar nos seus esforços visando a criação de uma sociedade aberta, uma democracia pluralista e uma economia orientada para o mercado.» A boa doutrina é agora ditada ao vencedor de 1945 por aqueles a quem a ditou em Nuremberg. Mudam os tempos, muda a hierarquia, mas esta, como facto, permanece.
Por estas razões, o debate hoje promovido é essencial e oportuníssimo quanto ao tempo, mas parece insuficiente quanto ao modo. Acontece que o facto essencial da soberania está em ajustamento na Europa, corolários dos ajustamentos mundiais, e muitas vezes a nossa vida e debate públicos parecem alheios a uma situação em que os factores exógenos podem ultrapassar, mais uma vez, a capacidade de decisão interna possível. A evolução da unidade política da pequena Europa dos Doze condicionarás acção dos países envolvidos, w Ninguém se atreverá hoje a reafirmar aqui que o projecto da pequena Europa nada tem a ver com a defesa, mas disto também não se falou e o debate não será consistente sem a intervenção que se espera do responsável governativo pelo sector, o qual, ministro da Defesa, já demonstrou que tem uma política neste domínio. No entanto, é urgente que seja explicitada, assumida, criticada e ponderada num debate desta natureza.
Mas a comunicação, nesta área essencial, entre as instâncias internacionais e a Assembleia da República, entre o Executivo e o Parlamento, é extremamente deficiente e tem de ser melhorada. Recorde-se que ninguém considerou necessário falar da inédita, e cheia de consequências, reunião conjunta dos chefes de estado-maior da NATO e do Pacto de Varsóvia. Não se passou assim em todos os parlamentos europeus.

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Quando o secretário-geral da NATO é agora enviado a Moscovo, para comunicar o novo conceito de segurança, toda a perspectiva política dos países europeus é substancialmente posta em causa, e disso não tivemos reflexo no debate.
Não parece que, nestas condições, o debate possa ser inteiramente conclusivo sobre a situação real do país no fim desta sessão legislativa. Talvez que uma das razões evidentes para esta carência de debate, sobre temas tão essenciais seja a ausência de articulação institucional entre os vários organismos com responsabilidade na questão. Não existe relação institucional entre a Assembleia da República e o Parlamento Europeu e nem sequer entre a Assembleia da República e os eurodeputados portugueses. Se neste caso se pode atribuir a deficiência à não existência da dupla representação, a mesma razão não existe para igual falta de articulação entre a Assembleia da República e as suas representações no Conselho da Europa e da NATO.
É sabido que o Parlamento Europeu está ele a tomar a iniciativa de se relacionar, como instituição, com os parlamentos nacionais, mas isso arrisca-se a tomar mais funda a falta de ligação institucional desejável entre os euro-deputados nacionais e o nosso Parlamento.
Acabámos estes trabalhos quando está em curso um processo europeu que diz respeito à maneira soberana de os Estados estarem no mundo. Não parece indicado que o facto se desvaneça atrás de uma batalha semântica, desmobilizadora dos conceitos conhecidos: não pode ajudar-se a ignorar que as federações existentes são os Estados, com um poder soberano unitário; não pode omitir-se que as confederações e autoridades funcionais não são realidades coincidentes.
Que a imaginação ou a imprevisível natureza das coisas possa criar um novo modelo não é certamente de excluir. Mas o que é totalmente de excluir é que os detentores do poder de sufrágio, que nunca deram legitimidade a qualquer suporte dos órgãos de soberania para dispor dela, possam ser surpreendidos pelo normativismo dos factos.
Quem representa o País nas negociações que se aceleram sobre a definição daquilo que virá a ser a unidade política europeia, necessita de uma legitimidade clara para dizer que «sim» ou que «não» a qualquer modelo federativo em marcha, para apoiar apenas autoridades funcionais que não recebem delegações soberanas, para reforçar as dependências institucionais. Trata-se da maneira soberana de Portugal estar no mundo e não existem, a tal respeito, programas ou previsões no processo constitucional ou nos debates eleitorais.
Parece urgente que os mecanismos de comunicação sejam reestruturados para evitar afastamentos institucionais, já indiciados, entre os órgãos políticos nacionais e as instâncias internacionais europeias. E sobretudo para que ninguém seja ousado bastante para se atribuir a capacidade de decidir sem o mandato inequívoco dos detentores do poder de sufrágio, que não podem ser surpreendidos pelos factos consumados.

Aplausos do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço aos grupos parlamentares que reflictam sobre um apontamento que fiz distribuir pelas bancadas, sobre a eventual ordem de votações de hoje. Iremos fazer uma miniconferência para decidirmos sobre isso, mas ainda antes de interrompermos para jantar, vamos, eventualmente, votar tudo o que seja consensual. Isto porque temos, necessariamente, de proceder a mais votações depois do jantar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos, uma vez mais, reunidos para debater e apreciar a acção governativa no período desta sessão legislativa.
Iniciativas como esta são, sem dúvida, úteis e necessárias. É, porém, indispensável que saibamos fugir à tentação da crítica fácil e inconsequente, exigida como objectivo em si.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em nossa opinião, o que verdadeiramente importa é aproveitar este ensejo para debater questões críticas da vida portuguesa, avaliando, concomitantemente, as questões promovidas pelo Executivo para as superar. Neste contexto, deliberámos trazer hoje aqui um conjunto de questões que se afiguram cruciais para o nosso futuro. Começaremos pela reforma do Estado e pela modernização da Administração Pública, verdadeiros pilares e traves mestras e que irão estruturar aquilo que conseguiremos ou não realizar durante a década de 90.
Empenhadamente, em 15 anos, temos vindo a construir a democracia. Mas, nestes anos, esqueceram-se os partidos, que foram governo, de dar um forte contributo para a construção da democracia orgânica, tendo o cidadão e a sociedade como um fim e a política, e ao que a ela diz respeito, como um meio.
Esqueceram-se os partidos que foram governo de olhar para a democracia a partir da reconstrução ideológica do Estado e da reforma da organização que lhe serve de suporte operacional, ou seja, a Administração Pública.
Com a queda do regime em 1974, cedo a crise do Estado se refez para, saindo do desnorte então verificado, se iludir tudo na mais elementar concepção segundo a qual o Estado modela, mitifica e constrói o sentido de todo o poder social. Ò Estado foi, para o salazarismo, uma forma sacralizante de domínio e coerção sobre a sociedade. O Estado foi a escola, abraçou a Igreja, dominou a justiça, enfezou a economia, foi sustentáculo para a família. E a Administração Pública, naturalmente, apenas se subordinou ao Estado.
A enunciação ideológica, a partir do derrube do Estado Novo, fez-se, como não podia deixar de ser, dentro dos princípios dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. Ou seja, fez-se uma Constituição e um Estado civil.
No entanto, partidos que tiveram responsabilidades governativas construíram, através da sua prática, uma forma de Estado que se confunde com território ideológico privado; um Estado de razão única; um Estado que ainda aparece mítico para o comum dos homens, das mulheres e das crianças do País.
A classe governante da nova República ainda se encontra embaraçada a desvencilhar-se da pesada herança de um «Estado patrão», inspirador de uma acção pública em que o Estado foi princípio, meio e fim da vida de um povo. Ainda hoje vivemos um Estado abstracto, que só sabe impor-se pela norma jurídica e pela força material. Um Estado congregador de todo o parasitismo ideológico, tão sedutor quanto farol para os amantes das discricionariedades.
Deste modo, a Administração Pública continua ausente do quotidiano das pessoas, entretida em servir o destino para que é obrigada; isto é, serventuária do Estado, porque serventuária dos governos.

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Temos uma vida civil burocratizada em malhas de ferro. Temos um cidadão desencorajado de participar na construção da realidade social. Temos uma centralização de decisões que as tornam irreais. Temos um tempo administrativo fora do tempo comunicacional moderno. Temos um ritmo de produção administrativo, aferido à semana, ao mês e nunca ao dia, à hora ou ao instante.
Todos estes sintomas revelam incapacidade, ou falta de coragem, de renovar a concepção ideológica do Estado.
Refugiam-se os argumentos de defesa na complexidade das decisões, dizendo-se, hoje por hoje, que estas são mais difíceis, iludindo-se assim o bom senso e o pragmatismo, preferindo-se antes a defesa do direito exaustivo, estático e condensador do que está ali à mão de solucionar.
Alimentada, na sua zona conceptual, predominantemente por tecnocratas, a Administração Pública refreia, como pode, as fugas aos regulamentos, despachos, despachos interpretativos, circulares, portarias, portarias regulamentares, resoluções, protocolos, decretos, decretos regulamentares, decretos-leis e leis, sem outra forma do que, e apenas, face às necessidades paralisar quase sempre, a iniciativa da empresa e do cidadão.

O Sr. Fernando Pereira (PSD): - Quais as vossas propostas?!

O Orador: - Procuram os governos reformular códigos, reformular estruturas nos ministérios, encurtar circuitos administrativos, criar novos sistemas de gestão, desconcentrar, descentralizar, aproximar a administração do cidadão.
Chegam os sucessivos governos que temos tido, a criar secretarias de Estado, ministérios e estruturas de missão. para tal fim. Que resultou? Apenas isto: códigos feitos, vistos e revistos substituindo burocracias por outras.
Ao quererem novas estruturas nos ministérios, os governos inspiram-se nas concepções clássicas, piramidais, arborescentes, tentaculares, fora de qualquer sentido sociológico. Procura-se o domínio capelizante do interesse do poder dos altos funcionários e de clientelas determinadas.
Ao querer encurtar circuitos os vários governos apenas se preocupam com a microscopia dos mesmos. Isto é, menos uma assinatura ou menos um impresso. Na sua outra dimensão, que começa por questionar a razão de certas formalidades, pouca preocupação parece existir.
O cidadão, a empresa, não são Considerados por este Estado como uma só, mas como fatias divisíveis de uma unidade que parece desejar-se perdida. Pedaços artificialmente concebidos para satisfazer e garantir a existência do nada administrativo, do emprego, da autoridade cinzenta, da burocracia. Sabemos todos que o Estado é uma pessoa de bem, como se lê, aliás, nos manuais de civilidade pública, mas protegido por este princípio o Estado permite que a sua Administração deva às empresas, não reponha com juros dinheiros. mal cobrados, faça perder oportunidades de negócio por negligência burocrática, obrigue a perdas de tempo indetermináveis,, obrigue a ritualidade dos pequenos poderes, se ausente de responsabilidades por incúria a si devida.
A palavra gestão foi tão bandeirada na Administração, que quase perdeu expressão e conteúdo. Gestão que só pode significar capacidade de decisão de meios e satisfação do utente; traduz-se, pelo contrário, em incapacidade de decisão, porque tudo depende sempre de alguém indeterminado; traduz-se em deseconomia, não tanto para a Administração, porque ela custa o mesmo fazendo ou não fazendo, mas para o utente; traduz-se em insatisfação psicológica, moral e material.
Mas tudo, incrivelmente, se vai suportando, acusando quem nunca devia ser citado como causa: o Estado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este governo dispôs de condições soberanas, a variadíssimos níveis, para encetar o processo gradual, mas firme, da reforma do Estado e da modernização da Administração.
Preexistindo condições subjectivas para o efeito e verificando-se a existência de recursos naturais bastantes, surpreende a inépcia do Governo para cumprir, ainda que minimamente, e concretizar o Programa que apresentou ao eleitorado nesta matéria.
Segundo o referido Programa: «Adequar a Administração Pública à evolução da sociedade, da economia e da cultura é tarefa nacional que a todos deve empenhar.» Nada de mais certo. No entanto, contrariamente ao que prometeu, o Governo não criou condições para «servir melhor os utentes», para «dignificar os funcionários», para «gerir melhor» e para «melhorar o papel e a função do Estado junto do cidadão».
Tem-se feito alguma desconcentração e descentralização de poderes transferindo pedaços de poder central. Mas tem-se feito, ao fim e ao cabo, transferindo cortes. Vem-se assistindo a uma progressiva tentativa de subversão da Administração ao signo ideológico do partido ou partidos de Governo. Todavia, com pouco ou nenhum êxito, até porque sempre se cometem os mesmos «pecados capitais»: deixam a Administração suficientemente grande para jamais a poderem controlar; isolam órgãos e serviços, ditos de eleição, e garantias de fidelidade, mais não conseguindo do que criar pequenas guerras civis, paralisantes nos ministérios; dividem e multiplicam, consecutivamente, direcções-gerais procurando controlar poderes, esquecendo-se que o maior poder é a própria ideologia da autoridade burocrática.
Mais ainda, são os próprios governantes que vêm apelidando a Administração Pública de improdutiva, inútil, estéril, limitada, cara, esquecendo-se que ela não legisla, não tem jus imperandi, as suas despesas estão dentro do aceitável, relativamente ao PIB, em comparação com a restante Europa. Esquecem-se que ela é a linha, ainda' assim, continuadora da execução do poder público, num país de grandes descontinuidades governativas.
São, enfim, os governantes a banalizarem, com desmerecimentos, os funcionários,, na mais injusta e deselegante das críticas. Ora, quem desmerece os colaboradores, certamente, não merece comandar.
Estes são factos num clima em que o Governo se esqueceu de actualizar o nível de vida dos funcionários, limitando-se a ligeiras correcções de acordo com a inflação oficial, mas, como nos é dado ler no Livro Branco das Remunerações, um dos mais impressionantes documentos publicados nos últimos anos, o poder de compra destes desceu tanto, como certamente não aconteceu em relação a outra classe profissional.
Com a revisão salarial de 1989, considerados os escalões de impostos, os descontos para o mais ineficaz sistema de segurança social, que é a ADSE tudo ficou na mesma. Só para citar um exemplo, e vamos tirá-lo por cima, um assessor principal, letra A, do topo da carreira, feita de trabalho, formação profissional, concursos, experiência e de difícil acesso, ganha líquido, por mês, pouco mais de centena e meia de contos. Como pode ser isto possível?

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De uma onda de modernização, que o Governo lançou mão, fica, para já, uma certeza: o desencanto! Cinco anos de marketing de modernização com quase nulo proveito social.
Assiste-se, nos ministérios, à clara separação dos gabinetes do Governo da dos corpos de concepção e planeamento. Cada vez mais fortes aqueles, cada vez mais esquecidos estes. Os gabinetes, quantas das vezes constituídos por gente inexperiente, inqualificada para começar uma carreira técnica, quanto mais para dela se apoderar como sénior, são o senhorio conceptual da acção governativa. Os seus membros ganham em média mais, exceptuando certos casos, muito mais do que qualquer técnico qualificado. Formam-se, assim, dois ministérios técnicos: o político, auto-sufíciente, e o outro, distraído dos seus objectivos principais, fazendo apenas estudos para, em sua defesa e dignidade, se prepararem para os concursos. Estudos inúteis para o Executivo que os vai, muitas das vezes, encomendar a empresas privadas, alheias à rés publica.
Esta, a face de uma Administração cada vez mais velha, porque, recorde-se, há 10 anos que, com uma ou outra excepção, vigora o regime de congelamento de admissões.
Tudo parece, aqui e ali, chegar à inacção.
E para aqueles para quem ainda vale a pena saírem do sector público, por idade, tentação ou desespero, fica a pena de ver, dia a dia, enfraquecer a Administração do Estado.
Quer o PRD suscitar a discussão profunda do papel do Estado, da Administração e da necessidade das reformas, que teimam em não aparecer. Quer o meu partido a verdadeira dignificação do Estado, que se desligue de vez do que nos foi imposto pela ideologia da coercividade, do domínio absolutista, de um Estado dignificador e facilitador. Um Estado emergente de uma nova noção de ordem; uma ordem emanada através de uma organização contida na cultura e na racionalidade dos Portugueses; uma ordem dialogada, expressiva, que se veja tomar valor na escola, nos hospitais, nas empresas, nos tribunais, no lar de cada um. O futuro não se constrói com ideias do passado. O futuro é a dialética do presente. Por que não enfrentá-lo de vez?
O PRD tudo fará para que se transforme o Estado e se modernize a Administração.
Por isso, propomos, desde já, que, no início da nova sessão legislativa, se realize um debate parlamentar sobre esta temática. Um debate que mobilize a vontade política e concite as capacidades técnicas dos órgãos de soberania, da Administração Pública e dos Portugueses, em geral, para esta tarefa, verdadeiramente colectiva, de contrairmos e desenvolvermos uma Administração que responda às novas necessidades das sociedades modernas e às novas aspirações e preferências dos cidadãos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A data mítica de 1983 está a pouco mais de 800 dias de vista. O mercado interno vai consumar-se num enquadramento geopolítico, absolutamente imprevisível, no momento em que foi assinado o Acto Único. As transformações em curso na Europa são factor de enriquecimento comum e Portugal poderá ser quem mais tenha a ganhar ou a perder com essas transformações.
Seria, portanto, razoável esperar do Governo que a sua principal preocupação fosse a mobilização da sociedade para o esforço necessário a enfrentar esses desafios. Porque é disso que se trata: envolver todos os portugueses
num projecto que tem, por um lado, uma vertente da construção da união europeia e, por outro, a afirmação de Portugal no contexto dessa união. Até agora, o Governo tem gerido a nossa forma de estar na Europa, numa visão estritamente materialista e subordinada à sua estratégia eleitoral.
Por culpa do Governo, a Europa para os Portugueses não é mais do que algo que fornece dinheiro fácil, mas que poucas obrigações nos impõe em matéria de mudança de comportamentos. Por isso, se continua a fazer em Portugal o que sempre se fez e da mesma forma como se fez.
A economia portuguesa cresce, mas sem sinais seguros de mudança de estruturas. O Governo fala em nos aproximarmos dos países europeus, mas a este ritmo teremos de esperar três gerações para nos aproximarmos da média europeia E o que é mais grave é que, perante este cenário, o Governo submete a sua actuação à lógica do seu calendário eleitoral. Quando, face ao recentramento da Europa em direcção ao Leste, com o agravamento da perifericidade de Portugal, se exigiria uma postura concertada com os países da Europa do Sul. o Governo enche os ouvidos dos Portugueses com propostas de infra-estruturas megalómanas, mas que depois não têm acolhimento nas instâncias comunitárias, porque os nossos parceiros, mais directamente interessados, nelas não se reconhecem.
O «complexo insular» que nos ficou do Estado Novo ainda não se dissipou das cabeças dos nossos governantes, continuando a fazer alinhar Portugal pelas posições da Inglaterra com o risco de um, cada vez maior, isolamento no contexto europeu.
A primeira prioridade governativa passou a ser a de cuidar da imagem do próprio Governo. Nalguns casos, com o nosso aplauso, ao tomar decisões sobre questões que se vinham arrastando e que interferem directamente com a qualidade de vida dos cidadãos, como seja a recente concessão do subsídio de férias aos pensionistas e reformados, retomando uma iniciativa do PRD há um ano atrás/na altura, infelizmente, derrotada pelo PSD nesta Câmara. Mas também aqui, ao centrar o essencial dessas decisões sobre problemas da área metropolitana de Lisboa, agiu por razões que são óbvias. Veremos quais dos projectos anunciados virão a ter concretização.
Neste momento, para o Governo, a regra é: adiar as medidas populares para um momento mais próximo das eleições e antecipar todas as medidas que, tendo de ser tomadas, possam ser objecto de contestação. O anúncio antecipado do aumento das pensões sociais no final do ano e as medidas recentes sobre a liberalização de importações de alguns produtos agrícolas são prova descarada da efectividade daquela regra.
No primeiro caso, uma medida que se justifica, desde já, é adiada para um momento mais oportuno politicamente; no segundo, em que se poderia manter alguma protecção aos produtos portugueses, por mais algum tempo, é antecipada apenas para que a contestação e o descontentamento que irá provocar não incida, precisamente, na altura das eleições.
Quando o Governo argumenta que isso é uma forma de combater a inflação só demonstra quanto afastado se encontra dos mecanismos reais da economia portuguesa. As frutas que encontramos a preços exorbitantes, nos vários espaços comerciais, não são de produção nacional, mas, em geral, importadas de países terceiros. Os preços que estes produtos atingiram não tem a ver com custos de produção mas com os mecanismos dos intermediários.

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Com esta medida do Governo, o consumidor português não sairá beneficiado e o produtor português irá perder. Mas os intermediários e o Governo, cada um à sua maneira, vão de certeza ganhar.
O Governo não sabe distinguir entre o Estado e, o, partido.
A preocupação com a imagem do Governo leva, por vezes, a situações que seriam ridículas se não interferissem com o futuro de todos nós. Gastam-se dinheiros públicos para promover a imagem do Governo. O exemplo caricato é a carta que tem estado a ser enviada aos contribuintes a respeito da bondade da reforma fiscal e dos benefícios do IRS e que normalmente encontra alguém com consciência plena de que nunca foi tão sobrecarregado de impostos como agora acontece.
Estas formas de contactar os cidadãos, à custa do erário público, para auto-elogio da acção governativa, são' inadmissíveis, e a Assembleia da República deveria tomar medidas que impedissem tal procedimento e que, ao mesmo tempo, fomentassem o acesso do cidadão comum à informação sobre os direitos que as leis lhe conferem.
O povo português é de hábitos pacíficos e por isso tem vindo a aceitar, sob este governo, a perda de regalias, anteriormente obtidas. Por que não mandado Governo a todos os cidadãos um inventário das regalias que, desde 1985. foram perdidas, por exemplo, no domínio da saúde?
Outra grande preocupação do Governo, e que decorre da anterior, são os indicadores de conjunturas, o que leva a descurar os aspectos mais importantes das políticas estruturais que não de moldar o nosso futuro.
Não tem uma política externa coerente. Os aspectos mais significativos das transformações em curso são as mudanças democráticas a Leste, por um lado, e a desertificação e a fome em África, por outro. Que acções foram já tomadas ou se planeiam já tomar para que as nossas relações com o Leste não venha a ser apenas de concorrentes (no mercado e por subsídios da CEE), mas, possa haver mútua vantagem? E que papel quer Portugal jogar nas relações Norte/Sul e na criação de condições de base que destruam o ciclo vicioso da fome em África?
Não tem uma política de ensino. A maioria dos nossos jovens são colocados num sistema sem utilidade, se não, chegarem ao fim. Mas, depois, é-lhes colocada uma barreira ao ingresso no último degrau (ensino superior) com a agravante de o processo de selecção ser aleatório e injusto. Só não se percebe por que o Sr. Ministro ainda insiste. O reverso é a falta,- generalizada, de quadros superiores e de quadros médios...
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Queira concluir. Sr. Deputado.

O Orador: -... que se nota de imediato, mal o mercado de trabalho ganhe algum dinamismo.
Não tem uma política industrial. Uma política industrial não pode resumir-se a um PEDIP e a um SIBR. Se o Governo entende que pode, então a sua política está a falhar redondamente, porque não existem quaisquer indícios de que possam vir a ter algum relevo as indústrias «portadoras de futuro», mantendo-se a cristalização da estrutura industrial.
Não existe uma política de ambiente nem de ordenamento do território. A política regional é uma manta de retalhos.
O Governo tem ministérios e ministros em cujas, cabeças estarão, provavelmente, as diversas políticas, mas, enquanto aí permanecerem, não vão ser suficientes para que possam constituir um projecto nacional que mobilize a sociedade.
O problema da inflação afigura-se hoje como um dos mais preocupantes problemas que afectam a sociedade portuguesa. A derrapagem desta variável macroeconómica é por demais evidente, correndo-se o risco de, no final do ano, o objectivo do Governo, expresso aquando da apresentação do Orçamento do Estado para 1990, se encontrar em cerca de quatro pontos percentuais ou significando, então, um erro de pelo menos 40% relativamente ao objectivo inicial.
As preocupações que aqui deixamos residem no facto de hoje ser por demais evidente que grande pane da redução da taxa da inflação, conseguida em 1987 e 1988 se ficou a dever a expectativas favoráveis dos agentes económicos, com uma forte componente psicológica.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira concluir, visto ter já ultrapassado largamente o seu tempo.

O Orador: - Peço desculpa, Sr. Presidente, não me, tinha apercebido. Termino já.

Vozes do PSD: - Como é que gerariam o País se não sabem gerir o tempo!?

.. O Orador: - Essas expectativas já não existem, o actual Ministro das Finanças parecendo não desejar retomar o discurso do seu antecessor, tem pouca margem de manobra para actuar no combate à inflação. Este combate, está num beco sem saída, as decisões que seria necessário tomar encontram-se emparedadas entre uma eventual política de verdade r do Ministro das Finanças, e o desejo eleitoralista do Governo e dos responsáveis de- cada ministério.
Tem razão o Sr. Ministro das Finanças quando refere que o descontrolo da inflação é em parte, mas só em parte, como qualquer economista qualificado reconhecerá o resultado de ganhos positivos em áreas como o emprego e o crescimento do produto.
Os preços encontram-se assim descontrolados, sem que o Governo, por motivos óbvios, possa reconhecê-lo. O que é preocupante é que isso tem também consequências que o Sr. Ministro das Finanças não referiu no seu discurso desta manhã e que qualquer economista qualificado reconhecerá.
A primeira é que se o Governo quiser ser coerente com as condicionantes que ele próprio, elegeu, teremos adiada sem data à vista, a nossa adesão ao sistema monetário europeu. Por outro lado, a inflação continua a avolumar as já gritantes desigualdades sociais, penalizando os que vivem exclusivamente do seu trabalho que, não têm qualquer possibilidade de fugir ao impostos, nem repercutir sobre terceiros os custos da inflação.
O Sr. Ministro das Finanças sabe que esta questão é vital e que o Governo só por si não a consegue resolver, como vitais são todas as outras questões que aqui deixar-nos à reflexão desta Câmara.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Manuel dos Santos para uma

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intervenção, quero informá-los de que se encontra na 3.º Galeria, de visita à Assembleia da República, um grupo de autarcas da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal do Concelho de Cinfães.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.

O Sr. Manuel dos Santos (PS): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A actividade do Governo e a acção política do PSD que o suporta estão em manifesto contraciclo do interesse nacional. Vejamos como e porquê.
O essencial da estratégia política do Governo resume-se a bem pouco: durante os dois primeiros anos da legislatura, teriam de ser tomadas as medidas mais impopulares sob o ponto de vista económico e social, com a justificação de que tal era necessário face ao constrangimento das variáveis macroeconómicas, quer as de natureza fiscal e orçamental, quer as de natureza monetária e financeira. Seguidamente, ocorreriam dois anos de vacas gordas, com maior impacto social, sobretudo no último ano (o das eleições), e com a convicção de que a memória dos eleitores (por ser curta) não impediria a conquista de uma nova maioria. Aos que ousassem protestar, e o pretendessem questionar, acusava o Governo de ignorância e estupidez, ausência de alternativa e de responsabilidade nacional.
Com esta estratégia, não inventou nada de novo o Sr. Primeiro-Ministro. Há muito que é conhecida entre os economistas a teoria dos ciclos políticos e há mesmo quem explique e justifique exclusivamente os ciclos económicos com os ritmos e as graduações da actividade política.
O Governo esperava que a realidade concreta, obedientemente, se comportasse assim: a taxa de desemprego poderia inicialmente não baixar muito, mas isso era, afinal, uma condição necessária para fazer baixar a taxa de inflação. E o controle desta taxa constituía, então, o verdadeiro dogma do Governo. Era a medida de toda a competência e de toda a eficácia do Primeiro-Ministro e do ministro das Finanças de então. A inflação tinha de ser domesticada para a ajustar definitivamente aos níveis europeus. Neste objectivo se envolveram autoproclamadas competências e nunca desmentidas infalibilidades.
Naturalmente que a oposição clamaria contra esta política, tentando atenuar a injustiça social efectiva - quando seria de esperar exactamente o contrário - e o Governo estaria, então, nos dois anos finais do seu mandato, em condições de fazer o contraciclo eleitoral.
Era possível, então, ignorar os constrangimentos macro-económicos, realizar a política de campanário, inundando o País de benesses e inaugurações, previamente programadas de forma a despertar o entusiasmo dos eleitores (providencialmente esquecidos das dificuldades passadas e levianamente mantidos na ignorância das dificuldades futuras).

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A taxa de desemprego baixaria então e, embora a taxa da inflação pudesse subir um pouco, esta contrariedade seria de somenos, e até convém quando se pretende criar um clima de euforia.
Em contraponto político, o Primeiro-Ministro, através de uma remodelação governativa em momento próprio, afastaria algumas estrelas mais incómodas e centraria sobre a sua figura solitária os benefícios da «mudança», colhendo sozinho os frutos que outros, entretanto, haviam semeado.
Isto foi - e, incrivelmente, continua a ser - o essencial da estratégia político-económica do Sr. Primeiro-Ministro.
Esta estratégia nem sequer é imaginativa e, sobretudo, o primarismo da sua concepção torna-se facilmente detectável.
Só que a realidade não se comportou assim. Em primeiro lugar, a opinião pública em geral e o eleitorado, em duas situações concretas, revelaram comportamentos racionais e sentido crítico muito esclarecido.
Em segundo lugar, e felizmente, o Sr. Primeiro-Ministro e o seu Governo não estão sozinhos: no plano interno, defrontam-se com uma oposição responsável, alternativa e atenta; no plano externo, existe o limite da solidariedade europeia - com o que isto significa em termos de perda de soberania relativa em algumas políticas.
Em terceiro lugar, o protagonismo excessivo e polémico de algumas figuras políticas da maioria acentuou os aspectos negativos desta estratégia e impediu a criação de um clima totalmente favorável à mudança necessária na segunda fase do contraciclo eleitoral.
Em quarto lugar, e independentemente do crescimento, acentuaram-se gradual e excessivamente as disparidades regionais e sociais, sendo certo que as injustiças e as desigualdades cresceram como consequência do crescimento negativo nos salários reais e da constante diminuição na repartição funcional do rendimento, com o País integrado no espaço europeu que busca incessantemente a coesão económica e social.
Em quinto lugar, a inflação, que aparentemente aceitara sujeitar-se ao ritmo do Governo - o que até permitiu a proclamação da existência de uma política séria e coerente de combate à alta de preços -, verificados que foram, de novo, os constrangimentos habituais e algumas circunstâncias inéditas, disparou para níveis dificilmente compatíveis, sem que o interesse nacional seja posto em causa, com o interesse eleitoral do PSD.
O Sr. Primeiro-Ministro deveria, consequentemente, solicitar ao seu grupo parlamentar que instaurasse um inquérito à própria realidade concreta, uma vez que esta, afinal, lhe não obedeceu.

Aplausos do PS.

Agora que a taxa de inflação, depois de subir ligeiramente, deveria manter-se controlada, mesmo que esse controle fosse feito à custa da taxa de desemprego, foi esta afinal que baixou e aquela que acelerou bruscamente.
Provavelmente inspirado pelo ex-ministro das Finanças que, em 27 de Fevereiro de 1989, afirmou em entrevista ao Diário de Notícias que «baixar a inflação sairia caro ao Governo», o executivo de Cavaco Silva conseguiu em alguns meses de febre eleitoralista fazer perder mais de quatro anos de combate à inflação: os 14% que a respectiva taxa atingiu em Maio de 1990 só são comparáveis aos 14,2% de Janeiro de 1986. Só que, nessa altura, a tendência e as expectativas eram decrescentes.
O País vai ter, felizmente, que escolher entre o interesse eleitoral do PSD e o próprio interesse nacional.

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O País tendo já, compreendido que o Governo não governa porque está em permanente campanha eleitoral e subordina a sua actividade ao objectivo de ser a oposição do PS, exigirá seguramente que seja respeitado o interesse nacional, sem o que a Europa, entretanto obrigada a acelerar, cada vez ficará mais longe.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Ora, o interesse nacional exige que a taxa de inflação baixe, de facto e urgentemente, em Portugal, uma vez que, ao que parece, os restantes parceiros comunitários não se decidem a subir as suas.
Ora, estando o País seguramente muito próximo do seu PIB potencial (as recentes grandes taxas de crescimento só foram possíveis por virtude da existência de uma enorme gap em termos de produto efectivo), não poderá o Governo esquecer-se que, segundo a sua lógica, agora só uma política de enorme disciplina orçamental e de apertado controle monetário fará baixar a taxa de inflação. Contudo, estas políticas têm custos eleitorais, que são excessivamente valorados pelo Governo, pelo que dificilmente serão integralmente assumidas, como é já possível concluir através de algumas contradições recentes.
- Procurando romper este cerco, o Governo terá já assumido, junto da CEE, compromissos sobre - política económica para o período de 1992-1995 - o que não é legítimo -, sem que associasse à concepção dessas propostas o Partido Socialista, que poderá governar Portugal nesse período, e a restante oposição.
Qualquer política económica e social só pode ter sucesso) no Portugal de hoje se assegurar a máxima convergência e o maior consenso social possível.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Governo revela, assim, que não tem políticas nacionais, mas apenas, e tão-só, pratica políticas eleitorais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista, que tanto e tão empenhadamente participou no processo da integração plena de Portugal na Europa, tem o dever de alertar a opinião pública nacional para a seguinte alternativa: 'ou benesses, agora concedidas, que tornarão o futuro incerto e implicarão a necessidade de correcção após as eleições; ou realismo e responsabilidade, assentes na opção pela atenuação global das injustiças e desigualdades, sem hipotecar o desenvolvimento futuro.
O dilema está posto e, dito de outra forma, é o seguinte: o ciclo próprio e útil para o PSD é manifestamente contrário ao interesse nacional.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD e o seu governo já perderam o seu próprio controle e, consequentemente, já não conseguem conduzir o País.
É cada vez mais evidente que a progressiva integração europeia faz perder peso relativo às políticas macro-económicas clássicas de contra ciclo, sejam elas de natureza fiscal e orçamenta] ou de natureza monetária e cambial, ganhando proeminência as políticas de tipo pre-dominantemente microeconómico.
Com efeito, as políticas de tipo e acção pre-dominantemente microeconómico revelam-se, neste contexto, mais dinâmicas, porque, actuando exclusivamente
(ou predominantemente) pelo lado da oferta, são as únicas capazes de assegurar e motivar o desenho e a implementação de estratégias soberanas ao serviço do interesse nacional.
É cada vez mais necessário aumentar os factores de competitividade do nosso tecido empresarial facilitando a inovação técnica e organizacional, a busca incessante de novos núcleos de mercado, o reposicionamento dos produtos face a segmentos de mercado mais exigentes, a aposta na qualidade e na criatividade do factor humano, a orientação assumida em direcção aos consumidores, a busca de técnicas modernas de promoção e comunicação e a diversificação das fontes de financiamento.
O Taís não pode estar condenado à utilização sistemática dos instrumentos de tipo cambial que tendem a manter a inércia e não estimulam a mudança, para lá de se tornarem relativamente indisponíveis, numa Comunidade Europeia progressivamente unificada.
O País não pode ficar condenado à vocação de espaço económico de baixos salários e de investimentos periféricos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É preciso pois, saber ousar e, sem complexos nem timidez, ser capaz de conceber e aplicar medidas que potenciem a eficiência dos mercados, criando condições de diálogo económico equilibrado entre as empresas portuguesas é as suas congéneres europeias.
E isto fundamentalmente porque grupos empresariais (públicos e privados), que anteriormente poderiam ser apreciados como ineficiências tendencialmente monopolísticas à escala nacional, passaram a ser, medidos à escala, europeia, grupos de dimensão reduzida que só poderão sobreviver, o que interessa ao interesse nacional, na medida em que possam descobrir a sua própria eficiência.
O Governo tem sido incapaz de responder a estes desafios. Não tem usado a política das privatizações como forma de dinamizar o desenvolvimento e o controle legítimo nacional, subordinando-a ao objectivo secundário da arrecadação de receitas.
Particularmente criticável é, neste domínio, a ausência completa de uma estratégia de defesa dos agentes económicos activos de cada empresa a privatizar não apenas na lógica - legítima - dos direitos e regalias adquiridos mas, sobretudo, na lógica do acesso à propriedade, sem intuitos especulativos (através da formação, por exemplo, de associações, cooperativas ou fundos fechados de trabalhadores detentores de partes de capital significativas), não estimulando, desta forma, a inovação organizacional e a defesa - legítima e eficaz -, a médio prazo, de um adequado controle nacional de certas empresas e sectores.
De igual modo, é criticável a concepção absurda e exclusivista de que a implementação de um sistema tributário não pode ir para além dos critérios tradicionais, ignorando-se a sua verdadeira natureza de instrumento activo - e não apenas neutral - da política económica.
O Governo limita-se a legislar neste domínio, para corrigir imperfeições lógicas do sistema tributário aplicável ao tecido empresarial, negando-se a inovar no terreno das condições legais e operacionais que incentivem e impulsionem, em obediência ao sistema de mercado, as empresas portuguesas a formar barreiras poderosas, mas legítimas; contra o controle dos capitais por parte de interesses estrangeiros.

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Afinal, quem é que, na prática, deseja criar condições de defesa da soberania nacional? O Governo não parece ser, com certeza!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Torna-se extremamente difícil efectuar um balanço caracterizador da política económica global do Governo do Prof. Cavaco Silva.
Em rigor, desde 1987, não existe uma só política, antes se confrontaram diversas políticas.
A inflação começou por ser a medida de todas as coisas. Obtido algum sucesso neste campo, em virtude de condições externas favoráveis que já não se verificavam há, pelo menos, IS anos, e herdando as condições favoráveis de uma política responsável feita pelo PS, o Governo, com o aproximar do tempo eleitoral, muda de política.
Mas também não pode dizer-se, com rigor, que agora existe uma só política. As declarações dos principais responsáveis governamentais -e, hoje mesmo, o Sr. Ministro das Finanças o confirmou aqui - ainda não permitiram concluir se o País prossegue a rota económica traçada no PCEDED, se iniciou um novo caminho desenhado no QUANTUM.
As medidas são contraditórias e nebulosas. Sabe-se que o Ministro das Finanças ordenou a diminuição de algumas despesas, mas não se conhece onde foram feitos os cortes, quais foram os programas afectados, se, em contrapartida, haverá ou não reforço de alguns sectores.
Simultânea e independentemente da sua validade social, existiram compromissos e determinaram-se alterações que, no plano estritamente da política orçamental, anulam os efeitos anunciados e concretizados com a referida eliminação das despesas.
Afirma-se que o País está próspero e a crescer - ouviremos seguramente falar, na campanha eleitoral, no quinto ano de ouro consecutivo da economia portuguesa -, mas verificam-se cortes nos créditos que afectam sobretudo os sectores empresariais mais produtivos.
A política esboçada, de combate à inflação, é verdadeiramente terceiro-mundista, porque continua a assentar e a penalizar os sectores mais dinâmicos da sociedade portuguesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - É, no entanto, fácil fazer a apreciação global de tal política.
A política económica é errada, porque é feita de elementos contraditórios.
A política económica é inconsequente, porque ignora e ou não utiliza instrumentos fundamentais para o desenvolvimento e para a correcção das desigualdades e injustiças sociais.
A política económica é injusta, porque o Sr. Primeiro-Ministro prometeu o aumento sustentado do poder de compra dos Portugueses e a inflação não cessa de crescer, enquanto os salários reais não param de descer; prometeu a correcção das desigualdades e o factor trabalho perde sucessivamente posição no conjunto do rendimento nacional; prometeu aproximação real à Europa e subordina as suas políticas ao interesse eleitoral futuro, permitindo que a Europa e a convergência real estejam cada vez mais distantes.
É, portanto, necessário mudar de política; é, portanto, necessário mudar de governação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Um debate que pretenda fazer o balanço da actividade política global do Governo não pode deixar de avaliar o comportamento do Governo face aos restantes órgãos de soberania e, muito em especial, perante a Assembleia da República. Tal avaliação conduz, inequivocamente, à reprovação do Governo.
A sua acção global, caracterizada pela governamentalização da vida pública, estende-se, de forma clara, ao seu relacionamento com a Assembleia da República, melhor, ao seu desrespeito por este órgão de soberania.
Todos nós, Srs. Deputados, temos a experiência viva dessa actuação governamental, só possível, aliás, pela acção submissa e acriticamente seguidista do Grupo Parlamentar do PSD.
Desde logo, ressalta a prática, que se tornou norma, de o Governo apresentar à Assembleia da República, em regime de manifesto abuso, propostas de autorização legislativa, lançando para o sótão das recordações as propostas de lei substantivas. Acresce que, como os últimos dias o têm demonstrado à saciedade -e que, designadamente, se pode exemplificar com as alterações ao regime jurídico do arrendamento urbano -, tais autorizações legislativas não definem, com o mínimo de rigor, o seu sentido e extensão, antes se consubstanciando em autorizações em branco.
Por outro lado, é manifesto o desrespeito, por parte do Governo, do direito constitucional dos deputados a requererem e a obterem do Governo informações que reputam úteis para o exercício do seu mandato. Aí estão as centenas e centenas de requerimentos à espera de resposta do Governo, e as respostas que, quando existem, são prestadas com meses de atraso.
Este inaceitável tipo de comportamento com a Assembleia da República é, aliás, evidente na carta que recentemente o Primeiro-Ministro resolveu enviar ao Presidente da Assembleia da República, recomendando a redução das despesas deste órgão de soberania.
Para o PCP, a questão que se coloca não é a da ideia, em si mesma, da poupança nos gastos públicos. Antes pelo contrário, reiteradamente temos pugnado pela contenção e sobriedade nesses gastos e pela transparência e rigor nas contas públicas de todas as instituições. O que criticamos, na iniciativa do Primeiro-Ministro -para além de ter sido publicada na imprensa e de desconhecer as medidas de contenção de gastos que a Assembleia da República vem adoptando por sua própria e exclusiva iniciativa -, é que o Governo pretenda inverter o papel constitucional dos dois órgãos de soberania. É à Assembleia da República que compete fiscalizar toda a actividade do Governo, não é, como o Primeiro-Ministro pretende, o Governo que fiscaliza a actividade e a gestão da Assembleia da República. É claro que, com tal iniciativa, o Primeiro-Ministro pretende obter efeitos eleitoralistas mas atinge, objectivamente, pela insinuação, o prestígio público deste orgão de soberania, o que, pela nossa parte, repudiamos.

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Julgamos, no entanto, que o conhecimento das despesas menos essenciais do Governo e das medidas que nesse âmbito esteja, eventualmente, a tomar poderão ser úteis para que a Assembleia da República possa analisar e, se for caso disso, adaptar, às suas próprias despesas.
Por isso, agora mesmo, apresentarei na Mesa, em nome do Grupo Parlamentar do PCP, um requerimento ao Governo visando obter informações sobre os gastos do Primeiro-Ministro em outros membros do Governo, e respectivos gabinetes, nomeadamente, no que respeita às despesas de representação e ajudas de custo, aos encargos suportados com assessores, aos subsídios de alojamento, à publicidade das acções do Governo, às despesas de deslocação no País e no estrangeiro, aos encargos com meios de transporte ao seu dispor e às despesas de carácter pessoal dos membros do Governo que são suportadas pelos orçamentos dos seus gabinetes.
Esperamos que o Governo não fuja às respostas requeridas e que as forneça com toda a brevidade que as circunstâncias exigem.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território.

O Sr. Ministro do Planeamento e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O País dá todos os dias por ela, mas esta é uma e excelente oportunidade para deixar registado alguns números que traduzem a maré de progresso que ele atravessa. É evidente que não há épocas sem problemas!' Mas entre os que decorrem da expansão, do pleno emprego e da ultrapassagem dos estrangulamentos que o dinamismo de um processo impõe e os que estão associados à letargia, ao desânimo e ao desemprego enraizado, todos preferimos, naturalmente, resolver os primeiros... E certo que a sua solução induz o aparecimento de novas* questões, mas a confiança que se vai adquirindo toma mais fácil responder aos novos desafios, generalizando-se a toda a sociedade uma atitude optimista e criadora, potenciadora de novos progressos.
Por outro lado, o facto de se incluir, no nosso quadro de desenvolvimento, a segunda melhor taxa de emprego da Comunidade Europeia significa que há nela uma componente de dignidade que não tem sido suficientemente realçada; é muito diferente estar-se numa sociedade próspera com um grande número de assistidos sociais ou viver-se numa outra em que cada um sabe que contribui para o progresso de todos, mas em que ele é também o primeiro artífice do seu próprio bem-estar.
O nosso país tem registado, desde 1985, um ritmo de crescimento igual ou superior à média comunitária.
Em 1989, o valor da taxa de crescimento do produto real, em Portugal - 5,4% -, foi mesmo o mais alto da Comunidade Europeia e dos países da OCDE.
Tornou-se, assim, possível, ao longo dos últimos cinco anos, promover um significativo esforço de convergência real entre as economias portuguesa e comunitária, patente nos diferenciais de crescimento que referi.
Paralelamente, deu-se uma alteração importante na índole do perfil do crescimento: de uma situação, na qual os motores desse crescimento eram o investimento é-o consumo privados e em que as importações aumentavam expressivamente, passou-se, em 1989, a uma outra que repousa especialmente no dinamismo das exportações e do investimento privado e na qual as importações têm um aumento mais moderado do que nos anos anteriores.
O investimento, em 1989, cresceu cerca de 7,5 %, devendo à componente «construção» corresponder 8 % e ao equipamento 7 %, o que demonstra estar a processar-se uma modernização estrutural. . É evidente que o dinamismo do subsector da «construção» reflecte os investimentos públicos que tem vindo a ser feitos e que estão, literalmente, a mudar a face do País.
As coisas estão a acontecer mais depressa do que se supunha e há já decisões de localização de actividades económicas em lugares até há pouco custosamente acessíveis. Isso faz com que muitas zonas de emigração tradicional comecem, a reter a sua população ou mesmo a atrair algumas das vizinhanças, ajudando a consolidar centros urbanos onde a qualidade do apoio, em matéria de equipamentos colectivos, está a melhorar e portanto, a contribuir para uma atenuação das disparidades de desenvolvimento existentes.
São estes os pilares - a educação è os transportes - da nossa acção que, sistematicamente, 'aparecem nos documentos de orientação dos investimentos públicos que produzimos: PIDDAC (Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento dá Administração Central), programas operacionais inseridos no Quadro" Comunitário de Apoio, etc. As apostas têm sido, assim, na garantia de acessibilidade física e em matéria de telecomunicações e na preparação das pessoas para responder a um quadro progressivamente mais exigente de solicitações, em que uma educação de base sólida e uma formação profissional adequada contam mais. do que tudo o resto.
Em 1990, o PIDDAC atingiu 216,8 milhões de contos, ou seja, aumentou mais de 25%, em termos nominais, em relação ao valor orçamentado para 1989. Este crescimento reflecte, naturalmente, os efeitos ê as implementações do Quadro Comunitário de Apoio: o PIDDAC co-financiado representa mais de 60% do total.
Os pontos fortes do Plano continuam a ser as acessibilidades e a educação, numa orientação que terá de ser mantida ainda durante muitos anos.
É evidente que todo este período, de 1985 até agora, foi dominado pela nossa integração na Comunidade Europeia. Temos fustigado o. passo, garantindo uma convergência real, apesar do grande diferencial de desenvolvimento com que partimos. Mas não temos deixado por aproveitar nenhum contributo comunitário potencial nem nos temos contentado com o que nos oferecem; tudo tem sido negociado com empenhamento, produzindo documentos de apoio competentes e justificando, com boas razões, as nossas pretensões. E, ao contrário do que a oposição gosta de dizer, nunca houve operações tão participadas pelos protagonistas das acções subsequentes como aquelas que conduziram à formulação do Plano de Desenvolvimento Regional e aos programas operacionais em que ele se desdobra.
Como já tive ocasião de referir nesta Assembleia, o nosso país foi o primeiro a apresentar o seu Plano de Desenvolvimento Regional às instâncias comunitárias,
tendo negociado o Quadro Comunitário de Apoio durante mais de meio ano de trabalho aplicado; ele foi aprovado, em 31 de Outubro de 1989, prevendo-se um co-financiamento comunitário de 1330 milhões de contos, à taxa de câmbio actual.
Este montante permitirá mobilizar um investimento global, na economia portuguesa, de 3340 milhões de contos, entre 1989 e 1993, representando mais de 30% do investimento previsto para aquele período.

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O Quadro Comunitário de Apoio desdobra-se em 47 programas operacionais, dos quais somente dois ainda não foram remetidos à Comissão Europeia. Foi, assim, possível fazer, em menos de um ano, todo o trabalho técnico de preparação de 45 programas operacionais e apresentá-los em Bruxelas. Destes, 18 já se encontram formalmente aprovados pela Comissão, prevendo-se que mais de 20 possam vir a ser assinados ainda antes do final do corrente mês de Julho.
Para além dos novos programas já previstos no Quadro Comunitário de Apoio, Portugal antecipou-se relativamente às iniciativas comunitárias e apresentou já os programas transfronteiriço e da ultraperiferia, estando em estado adiantado de preparação os programas RECHAR (respeitante à exploração de carvão), ENVIREG (respeitante ao ambiente) e à criação de uma rede de distribuição de gás natural.
Todo este esforço comunitário tem uma contrapartida de organização interna relativamente à gestão, acompanhamento, avaliação e fiscalização das acções inseridas no Quadro Comunitário de Apoio, que já está montado para alguns programas ou está em vias de o ser para os restantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inundei a Câmara com números e com referências factuais, e disso peço desculpa... Mas tinha de fazê-lo, porque eles são incontroversos!
Gostaria agora de ser menos árido, passando a articular alguns elementos da estratégia de desenvolvimento que, em numerosas ocasiões, já aqui debatemos.
Apesar da grande insistência nas vias de comunicação, o programa que temos vindo a concretizar centra-se nas portuguesas e nos portugueses e na sua promoção enquanto pessoas. E quando as estradas ocupam um lugar tão importante nos nossos investimentos é porque partimos de um nível muito baixo e porque queremos viabilizar a actividade económica em todo o território, atenuando os desequilíbrios tradicionais e permitindo a constituição de centros urbanos viáveis, onde os seus habitantes vivam bem e nos quais não se induzam deseconomias associadas à escala de uma aglomeração onde a qualidade de vida se degrada pelo seu tamanho.
O esforço directo é na educação e na formação das pessoas. Mas tenho dito muitas vezes: esta não pode ser somente uma acção de investimento em equipamentos! A educação é um sector que perpassa por todos os estratos da população: os estudantes têm de estar motivados, os professores empenhados, os pais não alheados e a opinião pública muito atenta e crítica, dando à preparação das futuras gerações um lugar central nas preocupações de todos.

Aplausos do PSD.

Ela constitui a chave da modernização do País.
Em conjugação com esta acção, de resultados seguros somente no médio e no longo prazos, está uma outra grande modernização: a do tecido produtivo. Ela tem sido objecto de incentivos directos, sob as mais diversas formas, havendo programas como o Ciência, que tem a ambição de promover a investigação científica e tecnológica e de a ligar à actividade produtiva, forçando uma ligação entre os centros de investigação e as empresas, que não é comum entre nós, mas que se torna indispensável, especialmente pela dominância das pequenas e médias empresas que, muito dificilmente, tem meios para conduzir, por sua conta e risco e de forma autónoma, a investigação em que possam assentar as inovações de que se precisa.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Ministro.

O Orador: - Só mais um minuto, Sr. Presidente.
E, no âmbito do PEDIP (Programa Específico de Desenvolvimento da Indústria Portuguesa), cuida-se de muitos aspectos ligados à produtividade, à qualidade, à garantia de permanência no mercado, à formação profissional e a numerosos outros aspectos, que têm como ambição central a constituição de um tecido empresarial moderno e com capacidade para se auto-reformar e adaptar às exigências que o apagamento das fronteiras e o alargamento dos mercados vão impor.
Mas as mudanças não estão a verificar-se somente no investimento. A integração na Comunidade Europeia não tem sido somente, como alguns se comprazem em dizer, uma questão de obras públicas. Estas estão a fazer-se, como se vê por todo o País, com as maiores repercussões nas condições de vida das pessoas e nas condicionantes que impõem à actividade económica. Os objectivos que nos fixámos de fazer crescer o conjunto e de desenvolver as partes mais atrasadas, reduzindo as disparidades tradicionais entre o interior e o litoral, estão manifestamente a ser alcançados. Há muitos factores que para isso contribuem: as obras públicas, de iniciativa central ou local, são um deles, mas as expectativas de progresso criadas e o que elas fazem andar têm também muito a ver com a estabilidade em que vivemos e que permite, a muitos agentes económicos, fazer projecções coerentes e desenvolver actividades perspectivadas no futuro.
É certo que aproveitámos as boas oportunidades que se nos depararam, mas estas também se criam, e nós fizemo-lo através de um trabalho aplicado e escorreito.
O País nunca conheceu um período de tão intenso crescimento, durante tanto tempo. O mapa mental e real das suas distâncias, dos tempos de viagem e dos custos de deslocação nunca foi tão reduzido como nos últimos, proporcionando uma aproximação entre as partes mais desenvolvidas e as mais atrasadas, demonstrando que é possível viver e trabalhar-se em qualquer ponto do País e estimulando as diversas formas dê solidariedade, que são necessárias para o fazer prosperar harmoniosamente. E o dinamismo dos Portugueses nunca teve uma ressonância interna tão grande porque, pela primeira vez desde que há excedentes demográficos apreciáveis, a emigração não sangra o País, sendo capaz de se reter a população e de fazê-la trabalhar em situação que, na prática, é de pleno emprego.
Por isso, Sr. Presidente, o balanço da actividade global do Governo, em termos tangíveis e intangíveis, não pode deixar de ser tido como muito positivo e como muito promissor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: A liberdade é um belo ideal humano!

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E neste virar do século começa a surgir um tempo maior não de morrer pela liberdade mas de vi ver; pela liberdade. A queda do muro de Berlim e a libertação de Mandela significam, simultaneamente e de modo simbólico, a memória e a esperança d» fim das Bastilhas, iniciado há dois séculos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas a liberdade também na democracia se conquista, mais e mais, todos os dias. Não há limite para o aperfeiçoamento do modo de os homens se organizarem colectivamente e aprofundarem as regras e os valores do exercício democrático.
Há sempre fronteiras mais ao longe numa democracia moderna.

O Sr. Presidente: - Queira desculpar, Sr. Deputado Alberto Martins, mas quero pedir à Câmara que quem necessitar de conversar sobre outros problemas o faça fora do, hemiciclo, pois estão a perturbar o orador.
Pode continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Fronteiras que nascem da busca de individualidade, que nascem de um novo diálogo entre os homens e as comunidades, ou, até, da necessidade dê impor um limiar ao possível, em defesa da essencial identidade do homem.
Também por nós, em Portugal, perpassa este debate, que tende à revalorização do sujeito e da ética, como dimensão essencial das relações sociais. Ou, dito de outro modo, o cidadão e os valores da democracia são "os vectores estruturantes de renovação da vida em comunidade. E, assim, o direito, ou melhor, os concretos direitos do homem estão, neste momento, no coração da modernização das democracias.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - É por isso que, em seu apelo e referência, os direitos do homem e do cidadão surgem como contestação criadora do autoritarismo, seja este totalitário, policial ou, simplesmente, burocrático.
Nos grandes debates modernos, em que a liberdade se afirma como triunfo da individualidade, há múltiplas facetas a recriar na realização dos direitos do homem, da liberdade de expressão e do pluralismo político.
E porque esta recriação não se basta com o seu enunciado nominalista, muitas vezes simples designação encobridora do seu contrário, o PS empreendeu, com empenho e profundidade, a viagem pelos novos trilhos da modernidade, ao nível de novos direitos ou de aprofundamento de outros já proclamados.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E fizemo-lo pela percepção e sensibilidade actualista de um tempo de mudança que exige novas respostas para os novos e velhos problemas.
Compreendendo, desde logo, que a democracia informacional, a liberdade de nos exprimirmos e ouvir o outro, a capacidade mediática de transmitir e receber mensagens, a pluralidade de opções e a isenção informativa constituem o oxigénio da democracia, circuito de capilaridades que a tonifica e lhe preserva a vida.
, Nesse sentido, empenhamo-nos na garantia de condições do exercício da pluralidade informativa, intentando as condições de exercício imparcial, negado por este governo, quer ao nível da composição da Alta Autoridade para a Comunicação Social, quer no âmbito da supressão do Conselho de Imprensa, quer nas soluções atrabiliárias do licenciamento dos rádios ou, ainda, lutando por condições adequadas e céleres na privatização da TV, com vista à cessação de um monopólio informativo, dirigido em contravenção com o que a Constituição consagra.

Aplausos do PS.

Ao nível da informação, as novas fronteiras da democracia passam ainda pela adopção de regras de transparência da vida administrativa, de modo a que o cidadão conheça as decisões que lhe respeitam, os pressupostos que a enformaram e os métodos decisórios.
O livre acesso aos documentos e registos administrativos é uma regra de visibilidade e de apelo às paredes de vidro, capaz de, só por si, uma vez incrementada adequadamente, contribuir para esbater os trilhos pardacentos, opacos, sinuosos e corruptos, com que muitas vezes a nossa Administração convive. Entre nós, a regra tem sido inversa, ou seja, tem sido a regra do sigilo, e, assim, há uma Administração secreta que se opõe a um cidadão devassado. Isto é, o secretismo da Administração tem sido directamente proporcional à transparência, do cidadão, à sua visibilidade mais íntima e devassante.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O PS propôs uma viragem de 180º neste estado de coisas. Ora, neste domínio, a regra geral tem de ser a transparência da Administração e a defesa da privacidade do cidadão.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não tem sido esse o caminho da nossa vida política recente, pelo contrário. Consagrado constitucionalmente por nossa iniciativa, desde logo apresentámos, em 26 de Janeiro de 1989, um projecto de lei visando a abertura da Administração e dos seus arquivos ao cidadão, a que o PSD só respondeu passados dois meses apresentando um projecto de âmbito semelhante.
Mas é ao nível da defesa da privacidade dos cidadãos que continuamos a viver no mais descabido e sinuoso complexo de devassa. As escutas telefónicas não têm controle adequado, ou, sequer, meios de despistagem, ou garantia bastante. E mesmo a entidade a quem é permitida as escutas legais não o faz de modo adequadamente preciso e isento de suspeições. Entidade essa - Polícia Judiciária- que tem vindo a ser denunciada por entidades credíveis, relativamente à denegação fundamental de uma exigência do Estado de direito, que é a salvaguarda do segredo de justiça.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem!

O Orador: - A utilização da informática é, por sua vez, em Portugal, o paraíso do contrabando informativo, onde tudo é possível, pela incapacidade do Governo em fazer cumprir a Constituição.
Quando o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade por omissão, pelo facto de não ser produzida

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a legislação adequada à definição dos dados pessoais passíveis de utilização informática, o PS apresentou um projecto de lei sobre a matéria, no Plenário da Assembleia da República, em 19 de Outubro de 1989, tendo sido aprovado por unanimidade, aquando da sua votação na generalidade.
A comissão especializada não deu sequência à aprovação do projecto, da iniciativa do PS, na expectativa, aliás solicitada pelo Sr. Ministro da Justiça de então, de apresentação de uma proposta do Governo a ser ultimada. Esse projecto chegou, decorridos cinco meses, sem significativas diferenças face ao projecto inicial, mas, apesar disso, continuamos à espera de uma lei que ponha fim a este labirinto, onde se contrabandeiam pequenas e grandes devassas e espionagens.
Não chegava esta situação deplorável e ainda lhe acresceria a luminosa e recente declaração e despacho de recusa do Governo no cumprimento de uma lei da República.
Ao recusar cumprir a Lei n.º 30/84 e ao não criar o Serviços de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), transferindo as suas atribuições para o Serviço de Informações Militares, o Governo permite a sobreposição e a concentração ilegal de poderes e funções em entidades que não tem essa competição.

O Sr. António Guterres (PS): - Muito bem.

O Orador: - O Governo revela-se, assim, um agente subversivo contra a legalidade democrática e o princípio da separação de funções, incapaz de garantir os direitos individuais e os próprios interesses estratégicos do Estado português, e, consequentemente, coloca-se, neste plano, à margem do regular funcionamento das instituições democráticas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na sequência da aprovação da Lei de Revisão Constitucional, o Partido Socialista empreendeu um conjunto de iniciativas legislativas no sentido de alargar o espaço da democracia e dar cumprimento célere ao estabelecido na Constituição, desde logo nos domínios da participação mais directa e imediata dos cidadãos na vida da comunidade.
O exercício do direito de acção popular, como instrumento de salvaguarda de interesses difusos ou grupais, com vista a proteger o património, a saúde, o ambiente, a qualidade de vida, foi por nós proposto, em 18 de Janeiro de 1990, aguardando que, com a receptividade da maioria, se possa, em sede de especialidade, concretizar esta exigência constitucional.
Melhor sorte não teve ainda a nossa iniciativa da lei de petições, de 14 de Março de 1990, com vista a corporizar um diálogo interactivo entre os cidadãos e os poderes públicos, iniciativa, desta vez, corroborada pelo PSD.
A Lei Orgânica do Referendo, consagrado na sequência da revisão constitucional, como particular instrumento de exercício da democracia directa e de auscultação dos cidadãos em questões de relevante interesse nacional, foi por nós apresentada em l de Fevereiro de 1990, seguindo-se proposta do PSD, em idêntico âmbito, ainda que fazendo, por vezes, incursões no âmbito eleitoral em absoluto, em desconformidade com o sistema vigente e as regras da Constituição.
No quadro complexo de normas, suscitadas pela revisão constitucional, apresentámos, assim, nesta sessão legislativa, ou nela discutimos, projectos de lei relativos às seguintes matérias: direitos dos cidadãos face à informática; liberdade de acesso aos documentos administrativos; exercício do direito de acção popular; Lei Orgânica do Referendo; Lei do Direito de Petições; Estatuto do Provedor de Justiça; exercício da actividade de radiotelevisão; atribuição, competência e funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social; Lei de Bases da Saúde; Lei do Enquadramento Orçamental; e Lei Quadro das Privatizações.

O Sr. Presidente: - Queira concluir. Sr. Deputado.

O Orador: - No quadro da salvaguarda de novos direitos, tomámos ainda a iniciativa de propor alguns projectos de lei, de que destacamos os respeitantes aos direitos e garantias de defesa dos contribuintes em matéria fiscal; reforma da sisa e do imposto sobre sucessões e doações; regulação da actividade publicitária; alteração à Lei de Defesa do Consumidor; liberalização da iniciativa económica cooperativa; privatização dos cartórios notariais; Lei sobre Estudos de Impacte Ambiental e Estatuto do Objector de Consciência.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira desculpar a interrupção, mas quero dizer aos Srs. Deputados que é a terceira vez que a Mesa solicita à Câmara que prestem atenção à intervenção que está a ser proferida. Se, de facto, têm necessidade de conversar - o que é legítimo -, a Mesa solicita que o façam fora do hemiciclo.
Queira continuar. Sr. Deputado Alberto Martins, mas seja rápido, porque já terminou o seu tempo.

O Orador: - No âmbito do exercício e com vista à definição de regras de transparência, isenção e imparcialidade, apresentámos projectos de lei respeitante ao Estatuto dos Deputados e ao Estatuto dos Membros do Governo, nomeadamente no que se refere ao exercício cumulativo de funções.
As nossas iniciativas culminaram com a aprovação da Lei de Incompatibilidades dos Deputados e com a Lei de Incompatibilidades de Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos, publicadas em Março último.
Mal entrava em vigor esta última lei, autêntica lei moralizadora, contra os compadrios e o carrocei de influências, logo o Governo fazia, despudoradamente, marcha atrás, arrependido de uma moral que apregoava e que, «impensadamente», teria posto em letra de forma, mas que, definitivamente, não queria cumprir e em que se não revia.
A história recente do remendo que foi feito para substituir esta lei é reveladora de que alguns bolsos cheios e o corropio das benesses valem mais do que uma lei justa, defensora da imparcialidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - No mesmo sentido da transparência no exercício da democracia, propusemos profundas regras claras, públicas e precisas no respeitante ao financiamento dos partidos políticos, de forma a que se saiba, com rigor, quem recebe de quem, quanto e como, e que essas somas sejam rigorosamente fiscalizados pelo Tribunal de Contas.

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Também aqui a visibilidade da democracia é factor da sua credibilidade que se quer acrescida e, para tanto, propusemos também, aguardando receptividade, novos meios de actuação e funcionamento para a Assembleia da República, dando particular destaque ao repensar do funcionamento das comissões de inquérito, enquanto momento privilegiado para garantir o exercício fiscalizador da Assembleia da República.
Também em resposta às crescentes inovações, no âmbito da biologia, da biotecnologia e da medicina, tomámos a iniciativa de apresentar, em 3 de Julho de 1989, um projecto de lei, que o Governo secundou decorridos seis meses, com vista à criação de um Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Este organismo, felizmente, está já em criação e ainda, esta semana, votamos os membros que à Assembleia caberia designar, constituindo por certo um apreciável contributo no muito que em Portugal ainda está por fazer nesta matéria, e de que destacamos, nomeadamente e no imediato, a insuficiência da legislação existente, em relação quer à colheita de órgãos e tecidos, quer à procriação assistida, quer à necessidade de precisar, no plano legal, a possibilidade de experimentação (médico-medicamentosa) em seres humanos (não doentes ou doentes), ou à protecção do tratamento informático dos dados de saúde.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. e Srs. Deputados: Não pode deixar de reconhecer-se que foi intenso e amplo o esforço do PS no alargamento do espaço da cidadania activa e de abertura da democracia, de alargamento do direito a novos domínios e na tentativa de vencer o défice procedimental dos direitos fundamentais em Portugal.
Neste plano, e embora nos regozijemos com o efeito de arrastamento provocado e que serve a democracia, nem sempre o PSD e o Governo deram o seu contributo útil e tempestivo à concretização dos direitos fundamentais.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, peço desculpa, mas acabei de chegar e verifiquei que, embora já tenha terminado o seu tempo há cerca de cinco minutos, ainda possui um maço de folhas para concluir a sua intervenção.
Vou dar-lhe a palavra apenas para poder concluir o seu pensamento e não para prolongar muito mais, uma vez que tem aí uma série de folhas... De resto, temos de seguir as regras, e ainda há muito a fazer.
Tem, pois, a palavra para concluir o seu pensamento.

O Orador: - Sr. Presidente, vou concluir. Esta sessão legislativa, a primeira do pós-revisão. constitucional, que fica marcada pela ampla iniciativa legislativa do Partido Socialista e da oposição, com vista ao cumprimento das regras constitucionais e à salvaguarda de direitos fundamentais, revelou também um governo e um partido de suporte relapso à consagração de regras de incapacidade e liberdade informativa; conivente com as mais desvairadas devassas de privacidade e, ele próprio, fautor à revelia da lei, das regras de desconcentração dos serviços de informação; dúplice ainda quanto ao seu entendimento das incompatibilidades e da imparcialidade no exercício das funções públicas e relativamente inconsistente no aprofundamento e concretização vivida dos direitos fundamentais, sendo também hostil aos mecanismos do diálogo político, do direito de oposição e réplica e dos mecanismos fiscalizadores da Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr.ªs e Srs. Deputados: Acabo como comecei dizendo que a liberdade também na democracia se conquista, mais e mais, todos os dias. Não há limite para o aperfeiçoamento do modo de os homens se organizarem colectivamente e aprofundarem as regras e os valores do exercício democrático. É esse o nosso desígnio... Cumpri-lo-emos, seguramente!

Aplausos do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, apesar de já não haver tempos disponíveis, pretendo inscrever-me para uma intervenção, apelando ao sentido de equidade de V. Ex.ª
Desde o meio da tarde que o meu grupo parlamentar estava com o tempo disponível de três minutos e meio, que nós tivemos o cuidado de não gastar. Em certo momento, a pedido do Governo, cedemos esses minutos de que dispúnhamos, porque tínhamos razões para o fazer.
Peço, no entanto, ao Sr. Presidente, em nome da equidade, que aceite a minha inscrição para uma intervenção, sendo certo que o Partido Socialista, depois de um debate com diversas intervenções, se permitiu gastar quase sete minutos para além do seu tempo disponível.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa tem procurado ser tão equitativa quanto possível, gerindo como pode e distribuindo equitativamente os tempos - ainda ontem o fez, talvez até com um pouco mais de rigor.
Nesse sentido, através de uma aceitável média em face do quadro de tempos, concedo mais três minutos ao PSD, ao CDS e a Os Verdes,...

Vozes do PSD: - Não, assim não!...

O Sr. Presidente: -... sem permissão de transferência de tempos. A equidade assim o determina, concedendo-se igualmente tempo acrescido aos outros grupos parlamentares, embora sem autorização para a transferência de tempos.
O Sr. Deputado Silva Marques dispõe, pois, de três minutos para a intervenção que solicitou.
Tem a palavra, Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sendo assim, Sr. Presidente, prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Vamos, então, passar ao período de encerramento da presente interpelação ao Governo.
Para uma intervenção, terra palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não partiria para férias de bem com a minha consciência se não aproveitasse esta oportunidade para, uma vez mais, dizer o que penso deste governo. Nem as férias me saberiam bem!...

Risos.

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Aliás, esta Interpelação está desde já justificada e até vencedora como instrumento de fiscalização e responsabilização do Governo pelas suas políticas.
Numa interpelação sobre política geral, é justo reconhecer que o Governo tem de facto uma política definida e clara: ganhar as próximas eleições legislativas.

Risos do PS, do PCP e do PRD.

As presidenciais já o sabemos - recusa-se a disputá-las.
É sabido que o PSD não tem líder sobressalente: o actual Primeiro-Ministro detém, dos todo poderosos, o atributo da unicidade. E já o vamos conhecendo o bastante para podermos antecipar que ou bem que se repete o bambúrrio da maioria absoluta - e eu ia em pensar que nem ele próprio acredita nisso! - ou bem que tem de enfrentar o seu próprio apocalipse.
Depois de ter governado como quis, sem a sombra de um entrave, perdoar-me-á que eu o não imagine à frente de um governo de apoio parlamentar minoritário a pescar as leis uma a uma, com uma cana de bambu, sob o risco de deposição a cada roda do sol, nem, na fragilidade dessa contingência, a ter de mugir as tetas ressequidas das vacas magras que vêm aí outra vez- depois de se ter habituado à ordenha dos úberes mais túrgidos. Provavelmente, vai mesmo definir uma estratégia eleitoral em que dirá: «Ou me dão de novo a maioria absoluta ou não serei o próximo primeiro-ministro».

Risos do PS.

Se nem a maioria relativa conseguir - hipótese que ele mesmo não afasta -, é de recear pela sua sobrevivência. Tanto que me sinto no dever de lhe lembrar que, nesse caso, existirá sempre o refúgio do Convento do Rato. Não somos rancorosos!...

Risos do PS e do deputado independente Raul Castro.

Em qual dos PSD há-de o eleitorado votar? No que numa primeira fase o repele ou no que numa segunda o namora?
O Primeiro-Ministro entrou no palco de má catadura. Hostilizou tudo quanto era corporação e gente. Foi a guerra contra os médicos, o conflito com os funcionários, o desentendimento com os militares, a batalha das custas judiciais, a agressão fiscal, a perda do poder de compra dos salários a desvalorização das eleições presidenciais, do Parlamento, dos partidos, das ideologias e da política. São dessa fase a greve nossa de cada dia; o enterro da concertação social, após um primeiro lampejo; a reforma fiscal e o duplo imposto; as farsas em torno da revisão constitucional; a irrecusabiiidade do fiasco das metas da inflação e do saldo das balanças e o reforço da dívida pública.
Desiludido, o eleitorado expediu-lhe primeiro um aviso - o das eleições para o Parlamento Europeu - e depois um chumbo - o das eleições autárquicas. Aí, o Sr. Primeiro-Ministro teve a primeira dúvida da sua vida: será que não era tão infalível como julgava ser? Quem unha errado? Ele a governar o povo ou o povo a julgá-lo a ele? Na dúvida, fez um golpe de teatro e de rins: disse adeus às políticas que o haviam impopularizado e abriu o dossier das estratégias encantatórias.
Os pensionistas queixam-se de pensões de miséria? Para já o 14.º mês, que mais não cabe no Orçamento; no fim do ano, uma pensão mínima com sabor a máxima!...

Protestos do PSD.

Os militares inquietam-se? Sobe-se-lhes o pré!...
Os funcionários gemem? Reforça-se-lhes o vencimento!...
Os directores-gerais recusam-se a dirigir? Ordenado e meio para já; no ano que vem há mais!...
Os trabalhadores insistem na semana das 40 horas? É dar-lha!...
O Ministro da Saúde está de relações cortadas com os médicos? Põe-se no lugar dele um ministro dialogador e lépido no prometer!...
O Ministro da Justiça, aqui presente e meu amigo, já não recupera da síndroma das custas judiciais? Arranje-se o substituto mais simpático, com cheirinho a esquerda, mas sem veleidades sobre o que a justiça custa!...

Risos do PS, do PCP e do deputado independente Raul Castro.

O Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação é inteligente demais para não ter percebido que vem aí um lindo enterro para o futuro do nosso agro e passa o tempo a querer «dar o fora»? Promova-se o ajudante a - salvo seja - gato-pingado da reforma agrária e faça-se disso um retumbante facto político! Um bom de profundis legislativo desviará as atenções das inclemências agrárias que vêm aí e das recriminações da CAP, que já vieram!...

Protestos do PSD.

O Ministro das Finanças não o substituto, aqui presente e que saúdo, mas o substituído deixou derrapar a inflação, as balanças, a dívida e o consumo e por sobre tudo isso é sobranceiro e fala demais? Procure-se o mais comedido de falas e modesto de atitudes e encomende-se-lhe o arrefecimento da economia!... Para começar, o corte de uma suculenta fatia orçamental. Explica-se-lhe depois por que altos desígnios se devolve à inflação o que é da inflação!...
O Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações desconhece as elementaridades do fontismo? Ponha-se no seu lugar o desembaraçadíssimo Ministro do Comércio e Turismo! São precisas inaugurações, logo obras. No mínimo, o anúncio delas e, sempre que possível, algo que se filme!...
O Ministro da Defesa Nacional é paisano demais? Livre da justiça, assente praça o de Estado!...

Risos do PS.

A rapaziada quer menos tempo de tropa? Prometa-se a redução a um terço!... Fica mais caro? As contas fazem-se depois!...

Risos do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente Raul Castro.

No Ministro da Educação não se toca! Ninguém melhor do que ele justifica e gere o caos em que o pandemónio das escolas se tornou. Enquanto as escolas abrirem a tempo dos exames, a luta continua!

Risos do PS.

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Orientação geral: sorrir, agradar, prometer arejar,, sair dos gabinetes, ir ao encontro das pessoas, aparecer na TV. Sobretudo isso: aparecer na TV!
A questão é esta: qual destes governos tão antípodas em verdade este governo é? O façanhudo, que embora mal, governava e tinha até uma certa dignidade nas suas teimosias, ou o simpático, que, em vez de governar, faz campanha?
Uma segunda constatação é a dê que este governo se permite o abuso de comparar o que não é comparável: a actual conjuntura e a dos governos de maioria socialista. Acabemos com esse artificio de uma vez por todas: a Cavaco o que é de Cavaco, à conjuntura o que é da conjuntural.

Risos do PS.

Esta tem sido a tal, ponto benfazeja que não há memória de outra assim.
Após duros constrangimentos ditados pela recessão económica, e à beira de graves- riscos de ruptura cambial, Portugal teve a sorte -repito, a sorte- de ter um primeiro-ministro, o actual Presidente da República, que teve a coragem de travar a delapidação das reservas, de sacrificar o consumo, de equilibrar as contas, de pôr um calço na vertigem do endividamento, de, enfim, impor sacrifícios aos portugueses, indiferente aos reflexos eleitorais dessa política.

Aplausos do PS.

Mais: um primeiro-ministro que, após ter institucionalizado a democracia, teve a visão e o prestígio necessários e suficientes para fazer entrar Portugal na CEE.
Que seria hoje de nós à margem da grande esperança de uma Europa unida? De que crescimento se gabaria hoje o Primeiro-Ministro e o seu governo sem o novo estatuto, o novo espaço e os 'novos milhões a que assegurámos o direito?
Se nos recordarmos que o Prof. Cavaco Silva, então nos primeiros lampejos do firmamento político nacional, tentou pôr areia na engrenagem da adesão e, apesar disso, veio a ser o principal beneficiário dela, tem ressaibos de desatenção divina de que durante tanto tempo tenha sido considerado um bom Primeiro-Ministro- e de que ainda hoje sejam discutidos os méritos do Primeiro-Ministro que por ele preencheu o boletim premiado!
E antes que mal pergunte: durante o último governo de maioria socialista, o tal que abriu novos furos no cinto do Zé Povinho, o PSD estava onde e fazia o quê?
Pois asseguro-vos, Srs. Deputados, que nunca na vigência desse governo se aprovou um diploma ou se tomou uma medida que não fosse por consenso. Não me recordo de um só acto de contagem de votos.
À parte os êxitos relativos propiciados pela situação herdada, o balanço dos resultados da acção deste governo é uma condenação - à derrota, evidentemente.
O Sr. Primeiro-Ministro gaba-se sem contenção, mas não tem verdadeiramente de quê.
Dispõe, há vários anos, de poder sem travão. Faz as leis que quer aprova os orçamentos que deseja, adopta as políticas que lhe aprazem. O tio Monet e os primeiros pingos das privatizações encarregaram-se de lhe encher os alforges.
Por sobre tudo isso, um Presidente da República o mais possível respeitador da separação das águas, optimista e construtivo o bastante para criar ao Governo um pano de fundo estável e propenso à homogeneidade em torno das grandes questões nacionais.
Digamos, pois, que nada lhe faltou para poder transformar Portugal, além, necessariamente, de capacidade política.
Apesar disso, malbaratou a sorte, aproveitou a conjuntura e queimou uma etapa' que podia ter 'sido brilhante, mas foi uma lâmpada fundida.
Como bom tecnocrata, o Sr. Primeiro-Ministro fez do êxito económico o seu principal desafio.
Não quero, apesar de tudo, estragar-lhe as férias e voltar a remexer, comum gancho crítico, no fiasco da inflação. Não é bonito humilhar os vencidos e a inflação venceu-o!...

É claro que o Sr. Primeiro-Ministro foi mais ousado do quê a prudência aconselhava. Esqueceu-se de folhear os compêndios e prometeu tudo ao mesmo tempo: o crescimento, a redução do desemprego e da inflação, o controle das contas externas. Um delírio!...
Avisadamente lhe lembrou aqui o Sr. Deputado Silva Lopes que não cabia tudo no mesmo saco. É claro que não coube! A inflação vai a caminho dos 14%; a dívida publicai nos últimos cinco anos, subiu de 69,5% para 76% do PIB; a cobertura das importações pelas exportações encolhe; o saldo da balança de transacções correntes foi já deficitário em 83 milhões em 1989 e vai doer bastante mais em 1990.
Os salários reais voltaram a cair em 1989, apesar dos ganhos de produtividade, e o próprio crescimento não é tão virtuoso quanto isso, porque recebe grossa fatia do investimento especulativo.
Apesar disso, ouvimos aqui o Sr. Ministro das Finanças dizer que tudo está bem. É bom saber-se disso!- Deve ter dado fé à afirmação de Kennedy segundo a qual «a maré alta levanta todos os barcos». Infelizmente não, pois alguns vão mesmo ao fundo!...
A tentação do Primeiro-Ministro é sempre a mesma: criar um bem-estar aparente, pela via do relançamento do consumo, e optar depois por uma de duas saídas - a dos fundos do palco, como em 1980, ou a de aguentar até às eleições seguintes, a tentação de agora.
Uma das mais espantosas afirmações do Sr. Primeiro-Ministro é a de que, praticamente, as reformas estruturais estão feitas. Dito de outro modo, o que basicamente tinha de mudar já mudou.
A gente ouve, coça a cabeça e a memória e não vê onde é que está a diferença.

Vozes do PSD: - É sempre a mesma lengalenga!

O Orador: - Que reformas de fundo fez este governo? Com significado que valha a pena ter em conta - mas esse infelizmente negativo! -, apenas duas que, para as fazer como fez, melhor fora que as não tivesse feito: a reforma fiscal e a reforma agrícola. f- Quer a Constituição que o imposto sobre o rendimento seja único e progressivo. Pois quis o Governo uma pluralidade de impostos com custos fiscais diversos.
Quis ainda p Governo que continuassem a coexistir impostos progressivos e proporcionais (nesta parte, provavelmente, em violação da Constituição), com a agravante, em alguns casos, do reforço da regressividade pré-existente, a benefício como é óbvio - dos mais altos rendimentos.

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O princípio de que todos os que auferem o mesmo devem pagar o mesmo - igualdade horizontal - e o de que quem aufere mais deve pagar mais - igualdade vertical - foram-se às malvas!

Protestos do PSD.

Peco-lhes, Srs. Deputados, um pouco de respeito por quem está a falar, até porque eu também os respeito quando os senhores falam e nessa altura nunca me ouvem fazer um comentário. Isso é porventura falta de outra coisa, mas é, pelo menos, falta de respeito.

Aplausos do PS.

Ao repor impostos pagos - enfim com juros! - o Governo exulta. Em bom rigor, devia pedir desculpa por ter tributado a olho. Do erro, não se retira a glória.
Nos tribunais fiscais permanece, intacto, o pandemónio da falta de resposta. Jazem nas prateleiras, à espera de um golpe de misericórdia, milhões de processos.
Daí o recurso, cada vez mais frequente, ao escape vicioso da via administrativa, quantas vezes à revelia da lei.
Resumindo: uma reforma que nasceu a precisar de reforma.
A morte da reforma agrária que o Governo quis transformar em sonoroso acto político - já tinha ocorrido na revisão da Constituição. O que o Governo fez agora foi algo diverso de passar-lhe a certidão de óbito: foi deturpar a política agrícola definida na Constituição e entregar o Alentejo, a curto prazo, à perdiz e ao eucalipto.
Com este governo no poder, o habitante alentejano converte-se, a curto prazo, em peça de museu.
Fortes devem ter sido as pressões sobre o Primeiro-Ministro para o terem levado a propor e fazer aprovar uma lei que retira as terras àqueles a quem foram entregues por Sá Carneiro, apesar de no seu discurso de apresentação do Programa do Governo ter afirmado: «Serão integralmente respeitados os direitos adquiridos por todos aqueles a quem foram distribuídas terras.»
Como, assim, pode ter recolhido a assinatura do Primeiro-Ministro uma proposta de lei que mais não faz do que retirar a terra a quem a trabalha, para a devolver a quem nela caça?
Significa isto que cometo a «injustiça» de não incluir as privatizações entre as reformas estruturais conseguidas? Assim é. Uma única empresa pública privatizada a 100% é resultado que não pode deixar de ter-se por retumbante fiasco, tendo em conta o facto de o Governo ter erigido a dieta de emagrecimento do Estado em luz dos seus olhos.
Sempre tive para mim que o Governo atribui maior cotação às privatizações como arma política do que como medida económica.
Nada fez quando as privatizações eram possíveis até ao limite de 49% ou, mesmo sem esse limite, quanto às empresas indirectamente nacionalizadas. Deixou cair, inclusivamente, uma proposta de diploma do governo PS/PSD com esse objectivo.
E é sabido que, na chamada proposta de enterro da reforma agrária, diz e desdiz simultaneamente, disfarçando mal o facto de não estar efectivamente interessado em fazer entrega em propriedade das terras do Estado àqueles que a trabalham ou se disponham a trabalhá-las.

O Sr. Presidente: - Peço-lhe desculpa pela interrupção, Sr. Deputado, mas, por já ter terminado o tempo de que dispunha, terá de concluir rapidamente a sua intervenção.

O Orador: - Peço ao Sr. Presidente uma ligeira tolerância igual à que foi concedida a outros colegas que usaram da palavra.

Vozes do PSD: - Quer mais seis minutos?...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não posso conceder tolerâncias iguais, mas tenho tido o cuidado de procurar fazer com que os trabalhos decorram com normalidade e tenho procurado ser equitativo. Já na parte da manhã se registou uma ultrapassagem dos tempos e há pouco outra, que foi excessiva em relação aos tempos normais de tolerância.
Permitirei, pois, que o Sr. Deputado termine o seu pensamento e concederei depois ao Governo, se necessitar, de um período de tempo semelhante. Não posso é fazer analogias maximalistas, porque dessa forma nunca mais terminaríamos os nossos trabalhos.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Um bem recente episódio confirma, aliás, que o Governo só respeita a propriedade privada até ao ponto em que se irrita e põe em causa o Estado de direito. Sejam quais forem as determinantes substantivas da requisição do Autódromo do Estoril, quatro nacionalistas encartados da nossa praça são unânimes em opinar, preto no branco, que o Governo, no caso vertente, lançou mão do instituto da requisição de forma inconstitucional e lesiva do respeito pela propriedade privada.
Esqueço também a tentativa fruste de modificação da lei eleitoral. Por não dispor de tempo para falar deste assunto, tenho mesmo de esquece-lo.
Desvalorizo ainda o triste episódio da lei das incompatibilidades, de que já falou o meu camarada Alberto Martins.
Esqueço, enfim, as malfeitorias do Governo em matéria de comunicação social.
Dir-se-ia que o Governo não precisava delas, tão sem cerimónia e sem limite se havia instalado nos órgãos que pertencem ao Estado. Mas prefere que um atropelo legal lhe permita poupar uns tantos atropelos factuais. Estes continuarão a ser politicamente feios, mas o pó de arroz de alguma cobertura jurídica disfarça essa fealdade.
Na sua ardência comunicativa, o Governo não recuou, sequer, perante o inimaginável: um conflito com a Igreja. Em plena maré seducionista, o Primeiro-Ministro pôs fim, de forma pouco canónica, à conversa com a hierarquia católica.
E no plano social? Debalde procuraremos também aí um reforço, ainda que mínimo, do que mereça o nome de justiça.
Decididamente, não é com este governo que o País vai mudar!
A própria construção da unidade europeia, porventura a ideia política mais generosa depois de Aristóteles, encontra o Primeiro-Ministro prisioneiro de resistências marcadas por um possidonismo pretensamente esclarecido.
Quando o Presidente da República, que deve a verdade aos Portugueses, enunciou o óbvio, ou seja, a fatalidade de um repensar das soberanias, tal como as herdámos do

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clássico Estado-Nação, o Primeiro-Ministro foi ao baú da história e tirou dele, cheios de pó dos séculos, os velhos fantasmas do nacionalismo mais requentado e negativo.
Não tarda e voltaremos a ouvir o Primeiro-Ministro e os seus tenores mais do que nunca satisfeitos consigo mesmos. Como bons liberais, entendem que o mundo não apenas estava bem ao sétimo dia da sua criação, mas bem continuou depois disso, e há-de continuar até à consumação dos séculos.
São até capazes de ser sinceros na crença de que uma ordem natural preside à automática harmonia das coisas. Bem no fundo, são inclusive capazes de tentar arrumar--nos com o argumento teológico de que o mal só existe nas nossas mentes deformadas, não no plano de Deus ou no da doutrina liberal.
Isto posto, não temos outro remédio senão derrotá-los. Com este desejo, vai também o de que gozemos todos, o Governo incluso, uma boas férias. Enquanto as gozar não faz disparates!

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (Fernando Nogueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A presente sessão legislativa está a terminar. Corresponde ela a um período rico da história contemporânea portuguesa em termos de desenvolvimento económico-social, de afirmação nacional, de rejuvenescida esperança, colectiva, de harmonização social. E, se o mérito, do momento presente cabe, por certo, à força criadora e anímica de todos os portugueses, é inegável que o papel enquadrador deste movimento coube ao Governo e à maioria que o apoia Só o clima de estabilidade e confiança por nós construído, só a capacidade de agir por nós demonstrada, só a coragem para enfrentar e vencer os bloqueios que, de há muito, atrofiavam a sociedade portuguesa, permitiram que as energias mais profundas da comunidade que somos se libertassem e dessem lugar a uma era de feliz harmonização, de progresso e Liberdade. Hoje, a democracia é sinal e símbolo de liberdade individual e afirmação colectiva. Hoje, a democracia floresce e frutifica. Hoje, a democracia é portadora não apenas de realização pessoal para políticos mas também de melhor garantia de pão e liberdade para todos.
O Partido Socialista iniciou esta sessão legislativa com a apresentação de uma moção de censura que agora retiro do baú das coisas inúteis. Quer terminá-la com uma interpelação sobre política geral, que inexoravelmente irá ter o mesmo destino. Não somos nós que lhe negamos o direito de persistir no erro. Mais interessado em que falem de si do que em falar para os outros, mais preocupado com o exibicionismo político do que com a vida real, o PS há que reconhecê-lo- mantém-se inabalável na indisfarçável necessidade de afirmação pública, por qualquer meio e a qualquer preço.
Daí as sistemáticas conferências de imprensa que realiza, a propósito de tudo e de nada, como se a credibilidade política se conquistasse mediante forçados contactos com os órgãos de informação. Daí as tiradas discursivas pomposas e alegadamente grandiloquentes, quantas vezes eivadas de incontidas contradições políticas, como se o estatuto de alternativa real se alcançasse no plano do mero exercício da dialéctica política ou parlamentar. Daí as críticas constantes e permanentes que, a pretexto seja do que for, move e desfere ao Governo, sem olhar aos meios, ao tempo e ao modo, numa vã tentativa para mostrar obra feita, exibir trabalho realizado, desviar as atenções da sua própria incapacidade, e fragilidade política, ou tão-só para cumprir o ritual de fazer oposição só porque é oposição, ainda que em época pré-estival.
Decididamente, o PS não consegue disfarçar aos olhos da opinião pública a sua inquestionável realidade política- contesta por tudo e por nada, critica por obstinação e não por convicção, faz oposição por dever de ofício e por obrigação fatalista, mas continua absolutamente incapaz de gerar uma ideia nova e mobilizadora, de sustentar um projecto consistente e alternativo, de apresentar uma estratégia diferente para galvanizar Portugal e os Portugueses.

Aplausos do PSD.

A interpelação sobre política geral que o Grupo Parlamentar do PS pretendeu provocar no termo desta sessão legislativa, sendo um direito constitucional que lhe assiste, surge aos olhos dos observadores atentos como mais um formalismo desnecessário de assumidos burocratas da política. E tudo isto é feito pelo PS com notória arrogância,' desmesurada altivez e com um desmedido e inqualificável triunfalismo. Revistemos o baú das inutilidades. Alguém se lembra das «Bases e princípios para o programa do governo PS»? Lembramo-nos nós da esperança então depositada pelos socialistas em tão inconsequente documento; lembramo-nos, por exemplo, de afirmações que já foram citadas pelo Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, nomeadamente sobre o corte da rotina, o direito de o manter, ou ainda quando afirma que «para os socialistas, a sociedade deverá ser cada vez mais solidária, ela não deve ser insensível, não pode perder a capacidade de, indignação».
O PS, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fala muito em solidariedade, mas quem a pratica somos nós, como o demonstra a recente decisão de atribuição do 14.º mês aos reformados e pensionistas e de uma significativa actualização das respectivas pensões.

Aplausos do PSD.

Protestos do CDS.

Medida que só foi possível devido ao crescimento da nossa economia e ao surto de desenvolvimento que acarinhamos e estimulamos - e que fomos nós que criámos.

Aplausos do PSD.

Para o PS, a sociedade indigna-se; para nós, o que< importa é que ela aja e possa afirmar-se. Para o PS, deve estar-se com a rotina e contra a rotina, num esforço desesperado para estar de bem com Deus e com o Diabo; para nós, governar é optar, ainda que isso possa causar embaraço ou incompreensões.
Assimiladas, pela sociedade portuguesa, as mudanças profundas que o Governo desencadeou, desaparecida a insegurança que alguns grupos sociais muito naturalmente expressavam perante essas alterações, obtida a paz social que por nós sempre foi almejada, na sequência lógica dos resultados que sempre prometemos e sabíamos que haviam de chegar, o PS ficou só no mundo. Existiu enquanto existiam alguns ecos de uma esperada e inevitável perturbação social e enquanto câmara de ressonância de

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uma voz que não era a sua. Viveu de empréstimo. Foi ventríloquo. Está agora num processo de degradação, perdendo influência e pseudopopularidade; está a reconduzir-se ao seu real significado. Mas tem mau perder, o PS! Daí que esteja a incorrer em flagrantes contradições, ou seja, e por outras palavras, utiliza no dia a dia um modo arrogante que antes injustamente apontava ao Governo, lança mão de uma postura ilusoriamente triunfalista que outrora recriminava sem propriedade à gestão política da maioria.
Hoje, aqui e agora resolveu o PS lançar mão de um último expediente. Para simular a força que já não tem e que, em termos reais, nunca teve, desencadeia uma interpelação ao Governo, E fá-lo porquê? Será porque a economia real não vai bem e há no horizonte sinais de crise e de recessão? Obviamente que não! O ambiente que se respira no País, entre trabalhadores e empresários, sindicatos e associações empresariais, é um ambiente de confiança, de trabalho, de optimismo quanto ao futuro e de empenhada aposta na modernização de Portugal. Será, então, porque o Governo Português não tem defendido com sucesso os interesses de Portugal nas Comunidades Europeias e não tem sabido ser um fiel intérprete nas instâncias internacionais do real e genuíno interesse nacional? Seguramente que também não! É que, a comprová-lo, está o facto recente, e bem testemunhado pela opinião pública, de a posição de Portugal na recém-realizada cimeira de Dublin ter sido assumida com personalidade e com elevado sentido nacional, tendo concitado mesmo, entre nós, um consenso político muito significativo e generalizado, só manchado, a dado momento, pelo indisfarçável isolamento em que se autocolocou, de forma irresponsável e negativa, o actual PS. Será, então, esta interpelação justificada pelo facto de o Governo não praticar o diálogo político, não cumprir o Estatuto da Oposição, ou virar as costas à concertação social? Evidentemente que também essa não é a razão motivadora desta interpelação. Na verdade, e como tem sido público e notório, o Governo, e em especial o Primeiro-Ministro, tem dialogado amiudadas vezes com os líderes da oposição, em conjunto ou através de contactos bilaterais, tem privilegiado o debate parlamentar, a oposição tem sido consultada em todas as matérias essenciais, como recentemente sucedeu no tocante à lei eleitoral ou quanto às questões europeias, assim como a concertação social tem vindo a ser praticada, de forma serena e sistemática, nos locais próprios e pelos meios institucionalmente definidos e adequados.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as motivações da presente interpelação são outras e bem diferentes. O PS não consegue ocultar que está preocupado com a crescente iniciativa política de que dá mostras o Governo e o partido que o apoia, e por isso lança mão de todos os instrumentos possíveis para tentar disfarçar a sua preocupação. Mas manda a verdade que se diga que o PS actua sem grande imaginação: repete experiências requentadas do passado, joga jogo já jogado, banaliza um instituto parlamentar que deveria ser usado com critério e selectividade e, de forma cada vez mais nítida, actuando desta forma, em vez de conseguir disfarçar, mais acentua e realça o frenesim, a perturbação e o nervosismo que indiscutivelmente o invade, o inibe e o condiciona politicamente.

Aplausos do PSD.

Acresce, por outro lado, que o PS sente, hoje mais do que nunca, a necessidade de encobrir as suas fragilidades, limitações e incapacidades. É que, quer queira quer não, para o bem e para o mal, o PS, hoje, ao contrário de ontem, é oposição mas também é poder. Ao ganhar, em termos relativos, as eleições autárquicas, o PS alcançou um direito: o direito de governar numa pane substancial do poder local. Porém, assumiu, ao mesmo tempo, uma obrigação e uma grande responsabilidade: a responsabilidade de gerir o poder autárquico e a obrigação política inalienável de responder pelo que faz e pelo que não faz, pelos êxitos mas também pelos insucessos, pelo que realiza mas também por tudo quanto é incapaz de cumprir ou de concretizar.
Ao assumir esta dupla faceta a de poder e de oposição -, o PS critica mas também está sujeito à crítica; pode continuar a recriminar o poder governamental, mas não escapa jamais, e legitimamente, ao julgamento político em função da governação, ou da ausência de governação, em toda as instâncias em que detém importantes parcelas de poder. E é justamente neste contexto que a preocupação do actual PS mais se acentua aos olhos de todos os portugueses. Em apenas meio ano de mandato, e sobretudo nas cidades mais importantes do nosso país, a gestão autárquica socialista tem sido, de facto, notícia, mas notícia pela negativa e no pior dos sentidos.

Aplausos do PSD.

Em vez de obras lançadas, despontam e vêm ao de cima laivos de clientelismo político que, até agora, apontavam em acusações aos outros. Em vez de iniciativas concretas, ganham corpo e forma, intenções bem nítidas de não desprendimento do poder, consubstanciadas em atitudes demagógicas e inadmissíveis no plano da ética e da indispensável moralização da vida pública e política.

Aplausos do PSD.

E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tudo isto à mistura com uma confrangedora incapacidade para agir e decidir ou, para usar uma linguagem mais clara, demonstrando uma completa ausência de soluções concretas para os problemas concretos e reais das respectivas cidades e populações. A palavra de ordem do PS é, hoje, «adiar».
As grandes lucubrações políticas são, por isso mesmo, despiciendas e desnecessárias quando a realidade que se nos apresenta pela frente é tão linear, tão evidente e tão comezinha.
O PS, quase sem dar por isso, começa a dar de si mesmo ao País uma imagem duplamente negativa; negativa porque é incapaz de ser oposição credível onde é oposição e negativa porque é incapaz de gerir o poder nas instâncias políticas onde o alcançou, mas que na prática não consegue exercer e concretizar.

Aplausos do PSD.

Aqui estão. Sr. Presidente e Srs. Deputados, algumas das fortes razões que motivaram a presente iniciativa parlamentar; razões que, como é bom de ver, nada têm a ver com o interesse do País e com o futuro dos Portugueses. Pelo contrário, elas encontram, sim, verdadeira fundamentação nas intrínsecas dificuldades políticas que invadem e atormentam o actual PS; razões que, por isso mesmo, pouco ou nada têm a ver com o Governo.

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Em bom rigor, em boa verdade, esta interpelação não passa de simples pretexto e de mero expediente político. Formalmente, é uma interpelação ao Governo; politicamente, não passa de uma clara tentativa do PS para lograr criar artificialmente um facto político que lhe permita desviar as atenções do essencial - e o essencial são as suas próprias vulnerabilidades e fragilidades.
De direito, é o Governo o interpelado; de facto, é o PS que merece e justifica a legítima e severa interpelação dos portugueses. É que os Portugueses estão bem conscientes de que este governo tem agido de forma consistente, orientado pelo respeito pelos objectivos nacionais permanentes.
Por que é que o PS, quando o Governo faz justiça social, vem com acusações de eleitoralismo, que, no fundo, significam que um esforço nacional de solidariedade legítimo, necessário e possível é visto com maus olhos pelos socialistas só porque é o Governo a faze-lo?
Por que é que o PS não se associa de forma, espontânea e inequívoca ao justo orgulho dos portugueses pelo papel decisivo que assumimos no entendimento e negociação da paz entre o Governo de Angola e a UNITA?
Por que é que o PS assume uma posição ferozmente crítica quando o Governo, de forma responsável e séria, procura assegurar que o empenho no reforço da identidade europeia de Portugal se desenvolva sem comprometer minimamente a identidade nacional?
Por que é que o PS recusa linearmente um esforço sério de modernização do sistema político, inviabilizando a alteração do sistema eleitoral?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tocam estas questões os acontecimentos políticos mais significativos que ocorreram nesta sessão legislativa. Em todas elas o PS terá dificuldades em prestar contas ao País. Em todas elas o Governo se sente à vontade para se submeter ao juízo dos Portugueses, que é o único que realmente tem significado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate da interpelação n.º 15/V, da iniciativa do PS.
Fiz distribuir há pouco uma segunda versão de uma nota sobre os processos de votação. Atendendo a que são 19 horas e 40 minutos, o primeiro ponto não é a votação dos inquéritos, uma vez que ambos os já foram determinados por conjunto de assinaturas, havendo, sim, que deliberar quanto à composição das comissões de inquérito. Aliás, devo informar que as duas propostas de composição são idênticas - portanto, trata-se apenas de definir o número de deputados. Em relação ao segundo ponto, trata-se do direito de petição e é unanimemente aceite pelos diferentes grupos parlamentares. Quanto ao terceiro ponto, podemos ou não votá-lo antes do jantar; em qualquer dos casos, este é o máximo até onde poderemos ir.
Nesse sentido, solicito aos presidentes dos grupos parlamentares que se reúnam comigo, no meu gabinete, um pouco antes da abertura da sessão para as votações, após o jantar, para organizarmos a metodologia de trabalho. Entretanto, só definirei qual a hora do reinicio dos trabalhos depois de decidirmos se votamos os três pontos ou se apenas votamos os primeiro e segundo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

...ao menu que antecede o jantar, quanto ao outro, ainda teremos de conversar. Relativamente ao terceiro ponto, chamo a atenção para o facto de que há um requerimento prévio de baixa à Comissão; depois, há propostas de alteração - pelo menos, uma apresentada pelo PSD e várias apresentadas pelo PCP. Teremos de ter isto em consideração, porque penso que será um pouco demorada a votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, a minha sugestão é a de que se reiniciem os trabalhos o mais cedo possível. Daí que a minha proposta seja de votarmos agora os primeiro e segundo pontos e que a conferência de líderes decorra imediatamente a seguir, para termos a certeza de que, quando, retomarmos os trabalhos depois do Jantar, teremos tudo perfeitamente definido para as votações.

O Sr. Presidente: - Por aquilo que me apercebo, esta é uma posição unânime. Quanto à conferência de líderes, em vez de ser feita antes do reinicio da sessão, como há pouco sugeri, far-se-á antes do jantar.
Srs. Deputados, vamos passar à votação dos dois primeiros pontos, começando por votar os inquéritos parlamentares n.º 17/V (PRD. PS, PCP, CDS, Os Verdes e deputados independentes) e 18/V (PSD), relativos à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito sobre a RTP, E. P.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raúl Castro.

A Sr.ª Deputada Isabel Espada, pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, pretendia solicitar que, na medida do possível, fosse dada posse a estas duas comissões amanhã, por motivos óbvios... É que será mais difícil dar posse com os Srs. Deputados fora do hemiciclo no período que se segue a sexta-feira. Por isso, solicitaria que houvesse algum esforço nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, temos trabalho depois do jantar, temos conferência de líderes antes do jantar..., para quê, então, estarmos a perder agora algum tempo com questões que estavam praticamente esclarecidas?

Vamos passar agora ao segundo ponto, que se refere à votação final global do texto elaborado pela 3.º Comissão sobre o exercício do direito de petição.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Raul Castro.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou referir-me apenas.
Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares, solicito-lhes, uma vez mais, que se reúnam comigo no meu gabinete,

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após a suspensão dos trabalhos. E, dado que são 19 horas e 45 minutos, penso que estaremos em condições de recomeçar os trabalhos às 22 horas precisas. Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão. Eram 22 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, reiniciando os nossos trabalhos, passo a dar algumas informações resultantes da reunião de líderes que há pouco realizámos.

Nesse sentido, Srs. Deputados, amanhã de manhã - depois indicarei qual a hora adequada -, serão empossadas as comissões parlamentares que estão em condições de sê-lo, designadamente as relativas aos inquéritos parlamentares n.ºs 17/V (PRD, PS, PCP, CDS, Os Verdes e deputados independentes) e 18/V (PSD), relativos à constituição de uma comissão parlamentar de inquérito sobre a RTP, E. P., e, eventualmente, outras.
Agora e em primeiro lugar, vamos proceder às votações na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei n.º 158/V, que concede autorização legislativa ao Governo para estabelecer o novo regime de arrendamento urbano.
Em segundo lugar, iremos apreciar o recurso interposto pelo PCP sobre a admissão da proposta de resolução n.º 46/V.
Em terceiro lugar, procederemos à votação final global do texto elaborado pela comissão respectiva sobre a proposta de lei n.º 130/V e o projecto de lei n.º 457/V (PS), relativos, respectivamente, à aprovação do regime da actividade de radiotelevisão no território nacional e ao exercício da actividade de radiotelevisão.
Em quarto lugar, votaremos o texto final da proposta de lei n.º 146/V, sobre a alteração à Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária).
Por último, votaremos a matéria respeitante à Lei de Bases da Saúde.
Srs. Deputados, apesar deste ordenamento dos nossos trabalhos, quero alertá-los para o facto de que o mesmo não significa, necessariamente, que, por razões de operacionalidade, não possamos introduzir a votação do texto elaborado pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura relativamente aos diversos projectos de diploma sobre o ensino politécnico - que também estava agendada -, tal como fazer as declarações de voto respectivas.
Esta programação poderá, pois repito -, sofrer reajustamentos ao longo dos nossos trabalhos.
Assim sendo, Srs. Deputados, vamos passar às votações na generalidade, na especialidade e final global da proposta de lei n.º 158/V, que concede autorização legislativa ao Governo para estabelecer o novo regime de arrendamento urbano.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, parece-nos que, antes de votarmos, na generalidade, essa proposta de lei, temos de votar o requerimento que o PCP apresentou no sentido da sua baixa à comissão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu ainda não tinha terminado as considerações que me propunha fazer. Portanto, a minha resposta à sua questão é a de que é nesse processo que vamos agora entrar.
Srs. Deputados, sobre a proposta de lei n.º 158/V, a primeira questão que temos de apreciar é, de facto, a que diz respeito ao requerimento apresentado pelo PCP, que refere o seguinte:

Nos termos regimentais, os deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, requerem a baixa à comissão respectiva, sem votação, da proposta de lei n.º 158/V (concede autorização legislativa ao Governo para estabelecer o novo regime de arrendamento urbano).
Srs. Deputados, este requerimento - bem como outros - foi distribuído em devido tempo, pelo que vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo, votos a favor do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e da deputada independente Helena Roseta.

Srs. Deputados, vamos, pois, passar à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 158/V, que concede autorização legislativa ao Governo para estabelecer o novo regime de arrendamento urbano.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do PCP, do deputado do PS Ferraz de Abreu e dos deputados independentes Helena Roseta e Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e de Os Verdes.

Srs. Deputados, dando início à votação na especialidade, uma vez que os requerimentos de avocação surgem apenas quanto ao artigo 2.º, vamos proceder à votação do artigo 1.º desta proposta de lei.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, salvo melhor opinião, a votação na especialidade pertence, nos termos regimentais, à comissão...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tudo estava previsto de outra maneira e, portanto, vamos votar o artigo 1.º

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não conheço qualquer previsão que, quanto a esta matéria, contrarie o disposto no Regimento. Por conseguinte, nos termos regimentais, a votação terá de ser feita em comissão. Com efeito, não havendo nada que o altere - como parece que não há -, a votação prosseguirá em comissão.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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3552 I SÉRIE - NÚMERO 100

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, é óbvio que o Sr. Deputado João Amaral tem razão. Porém, quando V. Ex.ª colocou o diploma à votação na especialidade, pressupusemos que, em conferência de líderes, tivesse havido um consenso sobre essa matéria. Foi por isso que não apresentámos qualquer requerimento.
Assim, se V. Ex.ª nos disser que não houve esse consenso, não teremos a menor dúvida, de, em dois minutos, apresentar o competente requerimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para além de se tratar de uma proposta de lei de autorização legislativa, nós reunimo-nos após a interrupção da sessão, antes do jantar, e até estivemos a falar no número de avocações que existiam relativamente aos vários artigos... Ora, se isso não é assentimento, então não sei o que será...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, naturalmente, pressupunha-se que, fazendo a votação na generalidade, se passaria à votação na especialidade. Porém, isso implicaria que estivessem reunidos os instrumentos para que tal se verificasse - por exemplo, fui prevenindo sempre de que iríamos apresentar um requerimento de baixa à comissão antes da votação na generalidade!
Portanto, como referi, deveria haver os instrumentos necessários à efectivação da votação na especialidade, em Plenário, quando o Regimento a manda fazer em comissão. Assim, supusemos que aqueles que estavam interessados na votação na especialidade, em Plenário, tivessem accionado os necessários mecanismos para que isso acontecesse. Foi a verificação que procurámos fazer, concluindo-se que, de facto, tais mecanismos não tinham sido accionados. Portanto, ou há apresentação, de um requerimento ou a votação far-se-á na comissão!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é óbvio que todos nós estamos um pouco fatigados, pois foram duas semanas de intenso trabalho e o processo de votações nunca é um processo fácil, particularmente quando existem requerimentos, avocações, etc. Por isso mesmo, para que não haja confusões e tudo Fique perfeito, apenas posso prosseguir o processo de votações desde que estejam criadas as adequadas condições na Sala.
Ora, dos requisitos fundamentais para que tal se verifique é a ausência de ruído na Sala, de modo a que todos nos possamos ouvir e tenhamos o exacto conhecimento daquilo que estamos a fazer. Assim, espero quê essas condições se criem, pois, enquanto as mesmas se não verificarem, não procederemos a qualquer votação.
Como é óbvio, não estou a fazer qualquer ameaça, contudo, se durante a noite de hoje não forem criadas condições de votação, suspenderei a sessão, pois é a única maneira de conseguirmos levar a bom termo e regularmente o trabalho que nos propomos fazer.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, tal como V. Ex.ª referiu, em conferência de líderes realizada antes do jantar aquilo a que o Sr. Deputado Carlos Brito chamou o menu de antes do jantar -, ficou devidamente assente a realização destas votações.
Sr. Deputado Carlos Brito, diga-nos agora, frente a frente, olhos nos olhos, cara na cara, se é ou não verdade que todos os líderes parlamentares assentaram em que se realizassem as votações na generalidade, na especialidade e final global. Aliás, até se chegou a discutir quais os pontos e o tempo disponível para declarações de voto! Por conseguinte, tudo isso ficou assente!
Trata-se aqui de um processo de autorização legislativa. No entanto, para que não fiquem dúvidas, vou entregar na Mesa um requerimento a solicitar que, em Plenário, se faça a imediata votação na especialidade do diploma em apreço.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr.. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, vou dar-lhe, a palavra, mas peco-lhe que não consegue a insistir em incidentes que apenas prolongam o nosso trabalho. Portanto, peco-lhe, pelo menos, a brevidade possível. É que, efectivamente, alinhámos, ponto por ponto as diferentes votações que iríamos fazer!...
Tem, então, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é verdade que as alinhámos ponto por ponto e é também verdade que não estivemos de acordo quanto a alguns pontos - por exemplo, foi incluída na agenda uma matéria que propus que o não fosse. No entanto, é também verdade que quando alinhamos, ponto por ponto, pressupomos sempre que irão ser cumpridas as exigências regimentais - que era o que aqui minimamente se exigia!
Portanto, uma vez que o Regimento estipula que as votações na especialidade são feitas em comissão, os Srs. Deputados do PSD teriam de tomaria iniciativa de apresentar um requerimento a pedir a votação em Plenário. Era isso que se impunha e foi nesse pressuposto que considerámos que iríamos fazer, no Plenário e na especialidade, a votação desta proposta de lei, inclusive tratou-se do tempo disponível para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um requerimento do Grupo Parlamentar do PSD que deu entrada na Mesa.

Foi lido. É o seguinte:

Os deputados abaixo assinados; do Grupo Parlamentar do PSD, requerem a votação na especialidade, pelo Plenário, da proposta de lei n.º 158/V.

Srs. Deputados, lido o requerimento, vamos passar à sua votação.

Submetido â votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do PCP e do deputado independente Raul Castro e a abstenção de Os Verdes.

Srs. Deputados, vamos então votar, na especialidade, o artigo 1.º e o corpo do artigo 2.º da proposta de lei n.º 158/V.

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13 DE JULHO DE 1990 3553

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, processando-se a votação na especialidade, em Plenário, creio ter de fazer-se também a respectiva discussão. De resto, o n.º 2 do artigo 98.º do Regimento estatui:

Tratando-se de discussão na especialidade de projecto ou proposta de lei ou de resolução, o tempo máximo do uso da palavra é de cinco minutos da primeira vez e três minutos da segunda.
Por conseguinte, tem de haver discussão, na especialidade, de cada artigo antes de o mesmo ser votado.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, ainda anteontem e ontem votámos, sob acordo, dois diplomas na generalidade, na especialidade e em votação final global... E fizemo-lo sem qualquer problema, pois, efectivamente, houve acordo nesse sentido.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Com certeza. Sr. Presidente. Só que, neste caso, pretendo usar da palavra para fazer uma intervenção sobre o artigo 1.º da proposta de lei n.º 158/V.

O Sr. Presidente: - Dar-lhe-ei a palavra, Sr.ª Deputada, mas julgo que poderemos juntar o artigo 1.º com o corpo do artigo 2.º...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quanto ao corpo do artigo 2.º, o Sr. Presidente pretende que eu intervenha sobre: «As alterações a introduzir ao abrigo da presente autorização legislativa devem obedecer às directrizes seguintes:»?! E que não me parece correcto!

Risos.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada, que é indubitavelmente uma deputada inteligente, percebeu perfeitamente o que eu queria dizer.
Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção sobre o artigo 1.º no sentido de que demonstrámos, durante o debate na generalidade desta proposta de lei, que ela era vazia de sentido e âmbito e que, por isso mesmo, era inconstitucional.
De facto, há algumas alíneas que discutiremos a seguir - como, por exemplo, a alínea b) do artigo 2.º que são de tal forma amplas que permitem ao Governo tudo. E permitem-no mesmo relativamente aos arrendamentos pretéritos e não, como o Governo nos quis fazer crer, apenas em relação aos arrendamentos para futuro.
Assim, dar autorização legislativa ao Governo para alterar o regime do arrendamento urbano, tout court, da maneira como a proposta está engendrada, é, efectivamente, passar um cheque em branco ao Governo. E nesta matéria, que toca os inquilinos habitacionais mas também os comerciantes e os pequenos e médios industriais, não podemos passar um cheque em branco ao Governo, porque seria a mesma coisa que dizer-lhe que pode fazer o que quiser e que pode assinar a sentença de morte a muitos cidadãos deste país. Isso nós não faremos!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ao que julgo, para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Leonor Coutinho.

A Sr.ª Leonor Coutinho (PS): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que o Grupo Parlamentar do PS votará contra as alterações que têm a ver com situações passadas, e que, portanto, ponham em causa direitos anteriores, e que vai abster-se em tudo o que diz respeito a situações futuras, uma vez que não sabemos como é que o Governo pretende introduzir as alterações. Assim, se as introduzir mal, mais tarde poderemos recorrer ao instituto da ratificação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Silva

O Sr. Rui Silva (PRD): - Sr. Presidente, tivemos oportunidade de, na intervenção que produzimos aquando da discussão na generalidade desta proposta de lei, apresentar nesta Câmara 14 propostas de alteração, que seriam aquelas a que, entendíamos, devia o Governo atender para que, eventualmente, a Lei do Arrendamento Urbano pudesse vir a ser melhorada. E terminei essa minha intervenção dizendo que aquelas eram, de facto, as propostas que entendíamos convenientes e úteis para que o parque habitacional português viesse a ser melhorado e a forma como está a ser conduzido pudesse vir a ser razoável.
Solicitámos ao Governo que as considerasse, esperávamos que hoje fossem atendidas algumas dessas propostas de alteração ou de aditamento pois algumas delas o eram -, mas infelizmente tal não aconteceu! Gostaríamos muito de poder apoiar o Governo nesta iniciativa e manifestámos, de facto, a nossa disponibilidade para fazê-lo. No entanto, dado que não recebemos qualquer resposta, não votaremos contra, sistematicamente, salvo em raríssimas excepções, mas lamentamos não poder dar o nosso voto favorável a esta proposta de lei, uma vez que entendemos que seria necessário fazê-lo devido às mudanças que também entendemos serem necessárias. Abster-nos-emos, pois, naquilo em que, com diálogo, até poderíamos vir a votar a favor.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A convicção do CDS é a de que a questão ficou esclarecida no debate na generalidade.

O Sr. João Amaral (PCP): - Já não nos lembramos!

O Orador: - Mas a questão é esta: Também nós colocamos as dúvidas que foram agora avançadas pela Sr.ª Deputada Odete Santos. Também entendemos que o Governo tinha revelado uma notável falta de coragem ao redigir, da forma como o fez, algumas das alíneas do artigo 2.º, falta de coragem essa que agora esteve quase a ser confirmada com este lapso regimental que parecia até propositado para não se votar lei alguma! Mas foi corrigido!...
Simplesmente, a falta de clareza destas várias alíneas foi aqui esclarecida no debate na generalidade e ficámos todos a saber como é que se pretendia legislar ao abrigo das mesmas. É com essa convicção e com a ciência que nos veio do que aqui foi dito durante o debate na generalidade que vamos votar favoravelmente esta proposta de lei.

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3554 I SÉRIE - NÚMERO 100

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, vamos passar à votação, na especialidade, do artigo 1 .º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do PCP, de Os Verdes, do deputado do PS Ferraz de Abreu e do deputado independente Raul de Castro e abstenções do PS e do PRD.

É o seguinte:

Artigo 1.º

O Governo fica autorizado a legislar o regime de arrendamento urbano.

Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, tanto quanto pudemos observar, há propostas de substituição relativas ao artigo 2.º e de eliminação relativas ao artigo 3.º A metodologia que propomos, uma vez que já foi aprovado o artigo 1.º, é a de que, em relação aos artigos 4.º e 5.º, façamos uma votação e discussão conjuntas para poupar algum tempo.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, não estou de acordo com a proposta do Sr. Deputado Cardoso Ferreira, uma vez que as posições de voto podem ser diferentes em relação ao artigos 4.º e 5.º Assim, penso que devem ser discutidos em separado e proponho, porque isso me parece correcto, que as alíneas a), b), d) e g) do artigo 2.º sejam, cada uma delas, discutidas e votadas em separado. Quanto às restantes alíneas do artigo 2º, penso que poderão formar um conjunto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o que a tinha em mente fazer e vai fazê-lo - é tratar do( artigo 2.º, em relação, ao qual existem propostas de alteração e de substituição. Trataremos, em primeiro lugar, daqueles casos em que existem propostas de alteração, faremos a sua votação e seguiremos com as propostas de aditamento, passando depois ao artigo seguinte.
Srs. Deputados, existindo propostas de alteração para as alíneas a), b), d) e g), julgo que não será muito estranho que agrupemos a discussão destas propostas de alteração, já que tratam do. mesmo artigo.
Para uma intervenção, tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, relativamente à alínea a) do artigo 2.º, a nossa proposta de substituição vai no sentido de que essa alínea contenha apenas o seguinte: «Codificação dos' diplomas existentes no domínio do arrendamento urbano», diplomas que são os diplomas avulsos. Não se trata de permitir á codificação também da parte do. Código Civil; uma vez que, penso, já que isto mexe no Código Civil, não poderá ser feito assim, de qualquer maneira e sem uma ponderação cuidada. No entanto, a codificação dos diplomas avulsos sem serem alterados pode ser útil.
Não admitimos a. parte restante dessa alínea porque pensamos que ela pode conduzir a atitudes como a que foi tomada recentemente pelo PSD quando alterou um artigo do Código Civil só porque não estava de acordo com o assento emanado do Supremo Tribunal de Justiça.
Pode acontecer que, agora, Governo do PSD pegue na jurisprudência de que não gosta sobre o arrendamento - e esta jurisprudência tem-se guiado, na generalidade, pelo valor social do arrendamento e a altere no sentido que mais lhe convier, impondo outra orientação aos tribunais.
Como não concordamos com essa atitude, apresentamos esta proposta de substituição.
Relativamente à alínea b), a nossa proposta de substituição vai no sentido da manutenção dos regimes relativos à formação, às vicissitudes e à cessação do respectivo contrato.
Achamos que esse regime deve ser mantido, independentemente de, mais tarde, em sede de discussão do Código Civil] termos uma discussão ponderada - o que agora não aconteceu -, sobre o regime do arrendamento, com vista à sua alteração no sentido que se achar mais conveniente, nomeadamente em relação à formação do contrato.
E porque nos chegou às mãos, da parte do Governo, um documento vago, nubloso, em que se pretende dar um sentido a isto, sentido que não está expresso, isto é, que não consta da proposta de lei aliás, de qualquer maneira, muito do que lá vem não tem sentido -, concluímos que com ele se permite uma discriminação sobre a prova do contrato de arrendamento, pois diz-se que a prova do arrendamento se fará, no futuro, através do recibo da renda, enquanto que, relativamente ao passado, a prova será feita pelo regime em vigor. Possibilitando este que a prova seja feita por meio de testemunhas, isso conduz a uma desigualdade dos arrendatários, pelo que entendemos que, relativamente à prova de arrendamento, deverá ser mantido o regime em vigor.
Quanto ao direito de denúncia por parte do senhorio, propomos também que sejam mantidas as actuais limitações, o mesmo devendo ocorrer em relação à transmissão do direito de arrendamento por morte do arrendatário.
Não concordamos, igualmente, com a proposta apresentada oralmente pelo Sr. Deputado Montalvão Machado e que ainda não vimos transcrita para o papel mas que é, no entanto, mais detalhada e mais específica do que a constante do texto da proposta de lei, dado que ela equivale a repor o regime de um decreto-lei de 1981, que foi revogado por permitir aumentos brutais de rendas aos descendentes dos arrendatários quando atingissem a idade de 25 anos. Achamos que o regime actual é mais favorável e, por isso, deve ser mantido.
Apresentamos, também, uma proposta de Substituição da alínea d) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 158/V para reforçar que, no que diz respeito às mudanças de uso dos arrendamentos, essa alínea tem especial incidência sobre os edifícios dos centros históricos.
Não basta dizer que as câmaras municipais fiscalizarão a aptidão do edifício para o tipo de arrendamento pretendido. É preciso dizer mais do que isso; é preciso que as câmaras municipais apreciem não só a aptidão do prédio para o tipo de arrendamento pretendido mas também outros condicionamentos, nomeadamente problemas relacionados com o centro histórico, tais como a desertificação e a situação do trânsito.

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13 DE JULHO DE 1990 3555

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o Regimento tem de ser cumprido. Dispunha de três minutos para a sua intervenção e o seu tempo terminou.

A Oradora: - Com certeza. Sr. Presidente. De resto, como tenho direito a uma segunda intervenção, inscrever-me-ei a seguir.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a sua bancada tem direito a uma segunda intervenção de três minutos e, como para ela se inscreveu, tem de novo a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - A minha intervenção continua a anterior e, terminando a apresentação da proposta de substituição da alínea d), quero dizer que, através dela, dá-se também competência às câmaras municipais, como órgãos colegiais, uma vez que não nos parece correcto que o Decreto-Lei n.º 100/84 possa colocar nas mãos de apenas um vereador a análise da mudança de uso. Por isso mesmo preferimos a necessidade da sua «aprovação em sessão do mesmo orgão autárquico».
Relativamente à alínea g), que diz: «Estabelecimento de tramitação processual adequada à realização dos objectivos fixados na lei substantiva», convirão, Srs. Deputados, que ninguém sabe o que isto é. Por isso acrescentámos: aperfeiçoando-se o quadro de garantias actualmente existente, nomeadamente quanto ao direito de recurso».
Não sei se estará na mente de alguém sujeitar as acções de despejo, no que respeita a recursos, ao regime das alçadas, pois isso é incorrecto quando se trata de questões importantes como o são o direito à habitação ou o direito a exercer uma determinada actividade profissional.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições relativamente as alíneas enunciadas, pelo que vamos passar à sua votação.

O Sr. António Guterres (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço-lhe que, se possível, as propostas de substituição das alíneas a) e b) sejam votadas num bloco e as propostas de substituição das alíneas d) e g), todas apresentadas pelo PCP, noutro bloco.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Uma a uma ainda é o processo mais rápido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar as propostas de substituição uma a uma, começando pela proposta de substituição, apresentada pelo PCP, da alínea a) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 158/V.

Submetida â votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Era a seguinte:

Artigo 2.º

a) Codificação dos diplomas existentes no domínio do arrendamento urbano;

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de substituição, apresentada pelo PCP, da alínea b) do artigo 2.º .

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Era a seguinte:

Artigo 2.º

b) Manutenção dos regimes relativos à formação, às vicissitudes e à cessação do respectivo contrato, nomeadamente no que concerne às limitações actualmente existentes ao exercício do direito de denúncia por parte do senhorio, à transmissão por morte do direito ao arrendamento e aos meios de prova do contrato de arrendamento;

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de substituição, apresentada pelo PCP, da alínea d) do artigo 2.º

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo, votos a favor do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e a abstenção do PS.

Era a seguinte;

Artigo 2.º

d) Subordinação de novos arrendamentos urbanos bem como da transmissão entre vivos, dos já existentes, à verificação pelas câmaras municipais, realizada com uma antecedência não superior a oito anos, de aptidão do prédio para o tipo de arrendamento pretendido, e à aprovação em sessão do mesmo órgão autárquico, da finalidade do arrendamento sempre que se operar uma mudança de uso;

Srs. Deputados, vamos votar a proposta de substituição, apresentada pelo PCP, da alínea g) do artigo 2.º

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Era a seguinte:

Artigo 2.º

g) Estabelecimento da tramitação processual adequada à realização dos objectivos fixados na lei substantiva, aperfeiçoando-se o quadro de garantias actualmente existente, nomeadamente quanto ao direito de recurso;

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3556 I SÉRIE - NÚMERO 100

Srs. Deputados, vamos votar o artigo 2.º da proposta de lei n.º 158/V, em todas às suas alíneas.

O Sr. António Guterres (PS): - Posso interpelar a Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, solicitamos a votação separada das alíneas b), c), 1) e m).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, compreendo que o stress também tem algumas consequências... Por isso, confesso o meu pecado: vou. fumar um cigarro durante três minutos.

Pausa.

Bom, Srs. Deputados, agradecia que ocupassem os vossos lugares para podermos continuar os nossos trabalhos.

Vamos, de seguida, proceder à votação da alínea d) do artigo 2.º da proposta de lei n.º 158/V.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do PCP e de Os Verdes e abstenções do PS e do PRD.

É a seguinte:

Artigo 2.º

a) Codificação dos diplomas existente no domínio do arrendamento urbano, por forma a colmatar lacunas, remover contradições e solucionar dúvidas de entendimento ou de aplicação resultantes da sua multiplicidade;

Srs. Deputados, vamos votar a alínea b).

Submetida â votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do' CDS 'e' do deputado independente Carlos Macedo e votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Ê a seguinte:

Artigo 2.º

b) Simplificação dos regimes relativos à formação, às vissicitudes e à cessação do respectivo contrato, de modo a facilitar o funcionamento desse instituto;
Srs. Deputados, vamos passar à votação da alínea c).

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.

É a seguinte:

Artigo 2.º

c) Preservação das regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrrendatário;

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, é para sugerir que se faça a votação conjunta das alíneas d)

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, como acaba de ser sugerido pelo Sr. Deputado António Guterres, votaremos conjuntamente as alíneas d) a f).

Submetidas à votação, foram aprovadas, com votos a favor do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e abstenções do PS e do PRD.

São as seguintes:

Artigo 2.º

d) Subordinação de novos arrendamentos urbanos, bem como da transmissão entre vivos, dos já existentes, à verificação pelas câmaras municipais, realizada com uma antecedência não superior a oito anos, de aptidão, do prédio para o tipo de arrendamento pretendido;

e) Consagração de um regime que permita, com justiça e celeridade, a fixação do valor real dos fogos, para efeito de cálculo das rendas condicionadas;

f) Transposição para o local sistematicamente adequado, e com as adaptações necessárias, dos preceitos substantivos contido no Código de Processo Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n. º 44 129, de 28 de Dezembro de 1961;

g) Estabelecimento da tramitação processual adequada à realização dos objectivos fixados na lei substantiva;
h) Liberdade de estipular limites certos à duração efectiva dos arrendamentos futuros;
j) Consagração, no plano do direito adjectivo, de mecanismos expeditos que tornem eficaz a cessação, por via judicial, dos contratos de duração limitada sem afectar o exercício do . direito de defesa dos arrendatários; f) Aperfeiçoamento das regras aplicáveis aos trespasses de estabelecimentos comerciais, de modo a contemplar os diversos interesses em presença;

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para sugerir que se faça a votação conjunta das alíneas í) e m).

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Vamos, então, votar conjuntamente as alíneas/) e m) da proposta de lei.

Submetidas à votação, foram aprovadas por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes João Corregedor da Fonseca e Helena Roseta.

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São as seguintes:

Artigo 2.º

O Manutenção das penalidades existentes no domínio da especulação das rendas e das falsas declarações para obtenção de subsídios de renda e das falsas declarações no domínio de levantamento de depósitos de renda;

m) Manutenção das isenções e dos benefícios fiscais existentes no tocante a imposto do selo.

Srs. Deputados, existe uma proposta de aditamento de uma alínea n), apresentada pelo PSD, que vamos passar a votar.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS è do deputado independente Carlos Macedo e votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

É a seguinte:

Artigo 2.º

n) Modificação do regime de transmissão por morte da posição do arrendatário habitacional, sem prejuízo da salvaguarda dos interesses considerados legítimos.

Srs. Deputados, vamos, de seguida, proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 3.º da proposta de lei n.º 158/V, apresentada pelo PCP.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): Sr. Presidente, peço a palavra para produzir uma breve intervenção.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de, muito brevemente, dizer que no artigo 3.º da proposta de lei autoriza-se o Governo a fazer modificações expressas no Código Civil. Ora, do teor dos debates que têm sido travados, podemos concluir que essas modificações expressas podem pôr em perigo a habitação de filhos, de netos, de ascendentes devido à exigência de rendas brutais.
Assim sendo, não autorizaremos o Governo a fazer essas alterações ao Código Civil, o que, de resto, deve ser visto com algum cuidado e qualquer modificação devidamente ponderada.
Ora, a maneira como esta autorização legislativa, foi aqui apresentada, sem qualquer sentido, não revela qualquer ponderação e a Assembleia vai votá-la um pouco tola e loucamente cortando uma parte do Código Civil.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, vamos votar a proposta de eliminação do artigo 3.º, apresentada pelo PCP.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo, votos a favor do PCP e do deputado independente Raul Castre e abstenções do PS, do PRD e do CDS.

Srs. Deputados, vamos votar o artigo 3.º da proposta de lei do Governo.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e abstenções do PS, do PRD e do CDS.

É o seguinte:

Artigo 3.º

As alterações facultadas pelos artigos anteriores podem envolver modificações expressas ou tácitas do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de Novembro de 1966, da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, e em geral de todas as fontes que complementam esses dois diplomas.
Srs. Deputados, passamos, de imediato, à votação do artigo 4.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS, do PS, do PRD e do deputado independente Carlos Macedo e abstenções do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

É o seguinte:

Artigo 4.º

As alterações a introduzir ao abrigo da presente autorização no regime do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares visam permitir que as importâncias pagas a título de renda pelo arrendatário de prédio urbano ou de sua fracção autónoma, para fins de habitação própria e permanente, decorrentes de contratos ao abrigo da nova lei de arrendamento, possam, dentro dos limites fixados para a alínea e) do n.º 1 do artigo 55.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), ser abatidos aos rendimentos englobados para efeito daquele imposto.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, como não interviemos na discussão do artigo que acabou de ser votado, gostaríamos de fazer uma brevíssima declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abstivemo-nos na votação do artigo 4.º da proposta de lei n.º 158/V não porque sejamos contra a dedução em sede de IRS das rendas que venham a ser pagas, mas apenas porque esta dedução no IRS verifica-se no pressuposto de um regime de arrendamento contra o qual votamos há pouco. Por isso, agora, não podemos ir além da abstenção.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pedia ao Sr. Deputado, Ferraz de Abreu o favor de me substituir.

Uma voz do PS: - Vai fumar um cigarro?

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O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, não vou fumar um cigarro e há bocado quando disse isso, obviamente, foi para fazer uma interrupção dos nossos trabalhos, porque não havia condições de funcionamento. Foi uma forma de 'fazer uma pausa, que pretendi que fosse amável.
Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputada, para que efeito?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este artigo é curioso e coloca-nos a interrogação. Se o Governo pede uma, autorização para um prazo de 180 dias, que ultrapassa em muito o período de férias da Assembleia da República, porque é que não apresentou uma proposta de lei material para a Assembleia a poder discutir detalhadamente e com pleno conhecimento de causa? Pode ser, e seguramente é, que o Governo pretenda ter mãos largas para fazer tudo o que lhe apetecer com o resto do texto, contra o qual estamos contra, embora em relação a duas ou três alíneas tivéssemos votado a favor, por concordarmos' com essa filosofia. Mas isso não inutiliza todo o conteúdo restante da proposta, que é, de facto, um conteúdo .altamente lesivo dos direitos dos inquilinos habitacionais, comerciais e dos que se dedicam à pequena e média indústria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, esta proposta de lei de autorização legislativa, quando for vazada em diploma, irá mostrar que, efectivamente, tínhamos, razão e que os desígnios do Governo são para acertar direitos de inquilinos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o artigo 5.º da proposta de lei n.º 158/V.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo e votos contra do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente Raul Castro.

É o seguinte:

Artigo 5.º

A presente autorização legislativa é válida por 180 dias.

Srs. Deputados, vamos, agora, proceder à votação final global da proposta de lei n.º 158/V.

Submetida à votação, foi aprovada, com os votos a favor do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e a abstenção do PS e do PRD.

Srs. Deputados, vamos passar à discussão do recurso, interposto pelo PCP, de admissão do projecto de resolução n.º 46/V (constituição de uma comissão eventual de inquérito sobre a actuação das autarquias do Seixal e de Loures na concessão de favores ao PCP).

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr: Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, para que efeito?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, tem a palavra.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, parece-me útil que o perecer seja lido.

O, Sr. Presidente: - O Sr. Secretário Reinaldo Gomes vai proceder à leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Presidente, Srs. Deputados, é do seguinte teor o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias:

... . Recurso Interposto pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português do despacho do Presidente da Assembleia da República, de 20 de Janeiro de 1990, atinente ao recurso do PCP contra a admissão do projecto de resolução n.º 46/V (Inquérito parlamentar à actuação das autarquias do Seixal e de Loures).
Por requerimento, que deu entrada na Mesa na Assembleia da República em 25 de Janeiro do ano corrente, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português interpôs recurso do despacho do Presidente da Assembleia da República de 20 de Janeiro de 1990, que não admitira anterior recurso interposto do despacho da mesma entidade relativo ao projecto de resolução n.º 46/V, apresentado/pelo Grupo Parlamentar do PSD, visando a constituição de uma comissão eventual de inquérito à actuação da Câmara Municipal do Seixal e da Câmara Municipal . de Loures.
Sobre tal requerimento recaiu despacho do Presidente da Assembleia da República, de 26 de Janeiro de 1990, determinando que o mesmo baixasse à 3.ª Comissão.
Presume-se que tal despacho tenha sido proferido nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento, disposição que regulamenta a tramitação do recurso.

Assim sendo, cumpre à 3.º Comissão, em conformidade com o n.º 4 do citado artigo 137.º do Regimento/elaborar parecer fundamentado sobre o recurso em causa.
Antes de se proceder ao enquadramento regimental da questão e de propor ou avançar qualquer conclusão, importa relatar, ainda que sucintamente, os factos que antecedem a interposição do recurso em apreciação.
O Grupo Parlamentar do PSD apresentou o projecto de resolução n.º 46/V, com vista à constituição de uma comissão eventual de inquérito sobre a actuação das autarquias do Seixal e de Loures, o qual deu entrada na Assembleia da República em 16

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de Janeiro de 1990 e foi admitido por despacho do Presidente da Assembleia da República de 17 de Janeiro de 1990, admissão esta anunciada em sessão de 18 de Janeiro de 1990.
Na reunião subsequente (19 de Janeiro de 1990), ou seja, com observância do prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 137.º do Regimento, o Grupo Parlamentar do PCP interpôs recurso do despacho do Presidente da Assembleia da República que admitira o referido projecto de resolução apresentado pelo PSD, visando o inquérito às Câmaras do Seixal e de Loures.
O Presidente da Assembleia da República proferiu em 20 de Janeiro de 1990 despacho de não admissão daquele recurso, com o fundamento de que, regimentalmente, só da distribuição ou da rejeição de projectos ou propostas de lei caberia recurso nos termos do artigo 137.º do Regimento.
Considerando que tal despacho não se afigurava suficientemente explicito, alguns Srs. Deputados do PCP, por requerimento de 22 de Janeiro de 1990, solicitaram ao Sr. Presidente da Assembleia da República o «aclaramento dos fundamentos» do seu despacho de não admissão do recurso (o primeiro interposto pelo Grupo Parlamentar do PCP).
O Sr. Presidente da Assembleia da República, por despacho de 23 de Janeiro de 1990, esclarece e mantém as razões adiantadas no seu despacho de não admissão do recurso, como mantém tal despacho nos seus precisos termos.
É do despacho aclarado, de 20 de Janeiro de 1990, que não admitira o primeiro recurso interposto pelo Grupo Parlamentar do PCP, que este mesmo Grupo Parlamentar vem interpor o recurso ora em apreciação.
Fixada a factualidade e o percurso que antecedeu a questão em apreço, importa proceder ao seu enquadramento regimental.
O artigo 137.º do Regimento é claro no sentido de que, admitido um projecto ou proposta de lei e distribuído à comissão competente, assiste a qualquer deputado o direito de, até ao termo da reunião subsequente, recorrer, por requerimento escrito e fundamentado, da distribuição ou da rejeição.
A figura do recurso em causa estava prevista no artigo 134.º do Regimento antes das alterações que lhe foram introduzidas.
Porém, no que para o presente caso importa, as diferenças de redacção entre o antigo artigo 134.º do Regimento e o actual artigo 137.º são irrelevantes.
Efectivamente, o que está em questão é a circunstância de, tanto na redacção anterior como na actual, a disposição do Regimento em aplicação (artigo 137.º) prever a possibilidade de recurso apenas quando esteja em causa «projecto ou proposta de lei».
Ora, o que estava em causa, aquando da interposição do primeiro recurso por parte do Grupo Parlamentar do PCP não era qualquer «projecto ou proposta de lei» mas tão-só a admissão do projecto de resolução 46/V.
Não cabe, pois, no âmbito do artigo 137.º do Regimento, a menor possibilidade de interposição de recurso de despacho do Presidente da Assembleia da República que admita um mero projecto de resolução.
É certo que o artigo 16.º, alínea c), que respeita à competência do Presidente, inclui, tanto os poderes para admitir ou rejeitar projectos ou propostas de lei, como projectos de resolução,.«sem prejuízo do direito de recurso para a Assembleia».
Vejamos se o recurso assegurado pelo artigo 16.º, alínea c), tem, regimentalmente, a mesma tramitação relativamente aos diferentes actos nele referidos.
O recurso a que se refere o artigo 137.º do Regimento insere-se no capítulo especial do «processo legislativo» e refere-se expressamente apenas a projectos ou propostas de lei.
Sucede que o Regimento contém disposição geral relativamente a recursos no seu artigo 89.º
Não há, pois, omissão do Regimento quanto a tramitação geral dos recursos dos actos previstos no artigo 16.º, alínea c), do Regimento, que não sejam projectos ou propostas de lei.
Significa isto que o recurso a interpor do despacho que admitiu o projecto de resolução 46/V, teria de ser interposto em Plenário, logo que a Mesa anunciou o despacho de admissão daquele projecto de resolução e votado também, de imediato, em Plenário.
Não há, pois, lugar a aplicação analógica do artigo 137.º, exclusivo das decisões relativas aos projectos de lei e propostas de lei, porquanto não há lacuna no Regimento quanto à tramitação dos recursos em geral.
Aliás, compreende-se a diferença de tramitação estabelecida para os recursos relativos à admissão e distribuição dos projectos e propostas de lei.
Sendo a função legislativa uma das mais importantes da Assembleia da República e tendo os actos legislativos eficácia externa, é natural que se assegure quanto a tais recursos uma tramitação que permita uma maior reflexão e ponderação por parte da Assembleia da República.
Compreende-se, assim, que se assegure um prazo maior para a sua interposição e se exija um parecer fundamentado a 3.º Comissão antes da sua votação em Plenário.
Não cabia, pois, recurso, nos termos do artigo 137.º do Regimento do despacho que admitiu o projecto de resolução 46/V, mas, sim, recurso nos termos do artigo 89.º do Regimento e o Grupo Parlamentar do PCP não interpôs recurso no tempo e na forma previstos naquela disposição regimental.
Não sendo assim de admitir o recurso interposto do despacho que admitiu o projecto de resolução 46/V. não pode, obviamente, proceder o recurso ora em causa.
A ser assim, face a tal entendimento e cabendo-lhe, nos termos da alínea p) do artigo 16.º, «assegurar o cumprimento do Regimento», não era exigível ao Presidente da Assembleia da República que, pura e simplesmente, observasse, no caso do primeiro recurso interposto pelo Grupo Parlamentar do PCP, o disposto no n.º 3 do artigo 137.º, já que este não cabia no âmbito do n.º 1 da mesma disposição.
Contrariamente ao que parece ser defendido pelo recorrente, o Presidente da Assembleia da República, perante a interposição do recurso, não está, nem pode estar, num estado de «sujeição» quanto à sua admissão. Não é correcto, nem rigoroso, o entendimento de que o Regimento não prevê a possibilidade da «não admissão de recurso».

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Se o recurso interposto não respeitar os pressupostos e exigências regimentais, é óbvio que, cabendo ao Presidente «assegurar o cumprimento do Regimento», [alínea p) do artigo 16.º], assistir-lhe-á, em tais casos, o direito, ou melhor, a obrigação, de não admitir o recurso.
Uma questão processual se põe. porém, em relação a ambos os recursos.
Os requerimentos de interposição dos recursos são formalmente apresentados pelo grupo parlamentar do PCP.

Ora, rigorosamente, não cabe nos direitos conferidos pelo artigo 10.º do Regimento aos Grupos Parlamentares o direito de interposição de recurso de despacho do Presidente relativo à admissão e distribuição de documentos entrados na Mesa.

Os artigos 89.º e 137.º do Regimento referem-se a «qualquer deputado» e não a «grupo parlamentar».
E certo que não repugna aceitar a correcção de tal procedimento, de harmonia, aliás, com praxis já consagrada.
Há, porém, uma outra questão para a qual não se encontra acolhimento regimental.
Não se conhece a figura regimental do pedido de «aclaração» do despacho, nos termos e condições em que ocorreu no presente caso.
Ora, o Grupo parlamentar do PCP pediu o «aclaramento» do despacho do Presidente da Assembleia da República de 20 de Janeiro de 1990, que indeferiu o recurso interposto por aquele grupo parlamentar do despacho que admitira o projecto de resolução 46/V.
Se a figura da «aclaração» não tem base regimental, tal incidente não poderia em rigor, ter qualquer efeito suspensivo quanto ao prazo do n.º 2 do artigo 137.º do Regimento. Não repugna, porém, no domínio dos princípios, aceitar que à - «aclaração» se atribua tal efeito. A questão, porém, é irrelevante no presente caso.
Efectivamente, não sendo de admitir o recurso de despacho que admitiu o projecto de resolução n.º 46/V, nos termos em que foi apresentado, não poderá, igualmente, proceder o recurso ora em apreciação, interposto do despacho de não admissão daquele primeiro recurso, uma vez que se não observou o disposto no artigo 89.º do Regimento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi lido o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

O Sr. João Salgado (PSD): - É preciso ler outra vez?!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto a mim, não é preciso ler o relatório outra vez, porque o conheço.
Com a devida vénia ao deputado relator e ao Sr. Presidente em relação ao despacho - devida vénia em relação a questões técnicas, que não às políticas, como é óbvio-, direi que falece razão a esse parecer. Mas antes de falar na argumentação do parecer quero dizer, porque sou autarca já há alguns anos, que o que me choca verdadeiramente em todo este processo é que haja uma intrusão, desta forma, da Assembleia da República na autonomia do poder local.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se calhar, cada um de nós que é autarca - posso falar por mim- poderia ter trazido à Assembleia da República questões que se passaram nas nossas autarquias. No entanto, eu pessoalmente nunca o fiz e' sempre resolvi os problemas localmente. Digo isto muito sentidamente porque, de facto, é o querer sinto em relação a todo este processo.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Onde é que está o comité de estrategas do PSD?

O Orador: - Efectivamente o texto constitucional e o Regimento não permitem a invasão da autonomia da administração local. O pedido de inquérito apresentado pelo PSD demonstra, antes de mais, que o requerente não consegue escapar à mirífica, tentação de considerar as autarquias como uma emanação do próprio Governo e, por isso mesmo, como fazendo parte da própria administração indirecta do Estado.
Esta atitude não passa, aliás, de uma tentação, de um arroubo, de uma imaginação que mal se conforma com a administração autónoma das autarquias' - aqui deixo de usar a vénia que referi inicialmente- e com a independência do poder local democrático. A verdade é que a autonomia do poder local consagrada constitucionalmente retira, e bem, à Assembleia da República a possibilidade de proceder a quaisquer inquéritos parlamentares relativamente a qualquer autarquia, seja qual for a maioria que a governa.

Uma voz do PCP: - Sem dúvida!

A Oradora: - Só pode ser este o entendimento dos autarcas.

A sem razão do parecer emitido sobre o recurso do PCP creio que está à vista. O parecer afirma, entre outras coisas, que o recurso devia ter sido interposto oralmente logo no início do período de antes da ordem do dia em que- foi anunciada a admissão da proposta de resolução porque, entende o Sr. Deputado relator, Guilherme Silva, que a tal recurso se aplica o artigo 89.º
Ora, creio que uma leitura do Regimento não. conduz a esta conclusão porque, se assim fosse, teríamos a seguinte situação, que classificamos de absurda: o Sr. Presidente, no início da sessão, anunciava uma proposta de resolução, anunciava o título e logo aí o deputado tinha que se levantar lesto e dizer «Sr. Presidente, eu não concordo com o título e por isso interponho recurso.» Creio que isto é uma conclusão que eu ridicularizei, satirizei, para ser mais suave, mas é uma conclusão que se tira do parecer do deputado relator.
De facto, até pela inserção sistemática do artigo 89.º, que se refere ao capítulo do uso da palavra,...

O Sr. Presidente: - Queira terminar, Sr.ª Deputada.

A Oradora: -... e é bem evidente que esse regime diz respeito aos incidentes que ocorrem durante a sessão - e tem havido muitos durante o tempo em que estou nesta Assembleia e acerca dos quais interpomos recursos.
Por isso mesmo concluirei que o parecer não tem qualquer fundamento e, tendo emendado a mão relativamente ao despacho de indeferimento liminar figura ausente do Regimento -, naufraga forçado por um óbvio objectivo político que é o de forcar a mão e fazer passar de qualquer forma o inquérito a duas autarquias.

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Esse é, ao fim e ao cabo, Srs. Deputados, o objectivo deste pedido de inquérito: atacar e perseguir inquisitorialmente o PCP e uma realidade que -permitam que lhes diga cala bem fundo numa grande parte da população e ultrapassa as dimensões do próprio partido, porque lançou raízes bem fundas, ultrapassou o universo do partido. Refiro-me, como já devem ter percebido, à «Festa do Avante!», festa da paz, da alegria, da amizade...

Vozes do PSD: - Isto é demais!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o tempo regimental é de três minutos, e já gastou cinco. Queira terminar a sua intervenção.

A Oradora: - Sr. Presidente, é a última frase.
Como estava a dizer, e para concluir, refiro-me, como já devem ter percebido, à «Festa do Avante!», festa da paz, da alegria, da amizade, que tem uma tradição tão arreigada, Srs. Deputados, que não há ameaças que possam perturbar a sua caminhada.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que neste momento está em causa é, fundamentalmente, a seguinte questão: em devido tempo, o Grupo Parlamentar do PSD apresentou um projecto de resolução; em devido tempo, o Presidente da Assembleia admitiu o projecto de resolução; em devido tempo, o Grupo Parlamentar do PCP apresentou um recurso relativamente ao acto de admissão desse projecto de resolução por parte do Presidente da Assembleia da República; em devido tempo, o Presidente da Assembleia da República resolveu não admitir o recurso interposto pelo PCP. É neste momento que o problema surge.
A questão está, portanto, em saber com que fundamento regimental o Presidente da Assembleia da República não admite um recurso interposto por um grupo parlamentar de um acto de admissão, praticado por ele próprio, de um projecto de resolução.
A controvérsia está ligada ao facto de no artigo 137.º do Regimento, que trata da matéria dos recursos, apenas se prever a possibilidade de admissão ou de rejeição de propostas ou projectes de lei, não se referindo expressamente esta disposição à questão dos projectos de resolução.
E todavia bem evidente que a capacidade para apresentar iniciativas, tanto sob a forma de projecto de lei, como sob a forma de resolução, é um poder geral dos deputados. Ora, se é um poder geral dos deputados, a questão que está aqui verdadeiramente em causa é saber se o Regimento terá querido ou não tratar de maneira diferente a configuração processual de um projecto de lei e de um projecto de resolução.
Tudo visto e ponderado somos de parecer que o artigo 137.º, ao não se referir aos projectos de resolução, apenas o não faz por omissão do legislador. Isto significa que temos que interpretar o Regimento por integração e aplicar ao projecto de resolução a mesma configuração processual que o artigo 137.º estatui nos casos dos projectos ou propostas de lei. E, sendo este o nosso entendimento, então não seria regimental não ter admitido o recurso interposto pelo PCP.
Por outro lado e dado que é o próprio despacho do Sr. Presidente da Assembleia da República que admite tratar-se de uma lacuna no Regimento, então, se assim é, as lacunas no Regimento deviam ser interpretadas de acordo com a própria disposição regimental que determina que, nesse caso, é à Mesa e não apenas ao presidente que compete avaliar da interpretação do Regimento em caso de lacuna.
Ora, como se sabe, a Mesa não foi chamada a pronunciar-se sobre este aspecto e assim, tudo isto ponderado, em nosso entendimento, não tem razão o parecer da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, e por isso nos opomos à conclusão desse parecer, aliás, em nome da harmonia de toda a tramitação processual que deve existir nesta Casa em matéria de propostas, projectos de lei ou projectos de resolução.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já em sede de comissão, quando se levantou o problema de saber se, quanto à admissibilidade ou não admissibilidade dos projectos e das propostas de resolução, os actos do Presidente eram sindicáveis através de recurso, emitimos a opinião de que eles eram recorríveis. E emitimos essa opinião por duas razões: em primeiro lugar, porque verificámos, através de várias disposições do Regimento, que já foram citadas, os artigos 89.º, 137.º e outros, que o direito de recurso dos actos do Presidente não é um direito excepcional, mas é um princípio geral que aflora em vários institutos previstos no Regimento.
Em face do nosso sistema parlamentar, do nosso direito parlamentar, o Presidente é, antes do mais, um primus inter paris e tem os poderes que são sempre recorríveis, portanto sempre sindicáveis pelo Plenário da Assembleia da República. No entanto, outros poderes, tais como o poder disciplinar, o de retirar a palavra, o de se fazer substituir na Mesa, o de interromper a sessão - como V. Ex.ª ainda há pouco fez, abruptamente -, são insindicáveis. Pelo contrário, qualquer decisão política ou jurídica, que contenha em si a emissão de um juízo de valor sobre os actos dos deputados ou dos grupos parlamentares ou interpretação e aplicação do Regimento é sempre recorrível.
Por isso mesmo, não se pode dizer que, quanto a este aspecto, haja uma lacuna no Regimento, o que há é o princípio geral que, como já disse, aflora em vários institutos e onde não é aflorado deve ser invocado com o recurso a este princípio do nosso direito parlamentar.
Assim, penso que o PCP, ao recorrer de uma decisão de não admissibilidade do recurso relativo à admissibilidade de um projecto de resolução do PSD, fez bem, e não posso aceitar determinadas afirmações de carácter processual que o parecer formalmente refere. Dizer-se, por exemplo, que não há figura de aclaração do despacho do Sr. Presidente, porque hão se pode aplicar aqui o Código de Processo Civil, não é correcto.
Se, por hipótese, tivéssemos a desdita de V. Ex.ª ter uma letra indecifrável, como, por exemplo, sucede com alguns juízes, desembargadores e conselheiros, cujas letras não se conseguem ler, teríamos de pedir a aclaração dos despachos emitidos por V. Ex.ª e diríamos: «Sr. Presidente, lamentamos, mas não possuímos o dom divinatório de perceber o que é que V. Ex.ª escreveu; solicitamos, por isso, que mande dactilografar e aclarar o seu despacho.»

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Se, por acaso, ainda, se verificasse uma contradição, insanável, entre os fundamentos e a própria decisão, teríamos todo o interesse em saber como é que se tinha chegado aquela decisão lógica com base em fundamentos contraditórios.
Assim, entendo que a figura da aclaração é uma figura geral que pode incidir sobre qualquer despacho e não apenas sobre o despacho meramente jurisdicional.
Quanto aos prazos, diz o parecer, que é preciso que se esteja atento para, imediatamente, interpor o recurso. Isto já acabou! As últimas alterações ao Código de Processo Civil acabaram com o prazo de dois dias para interpor o recurso e ainda com a obrigatoriedade de o interpor imediatamente a seguir à leitura da sentença pois a razoabilidade manda que o acto de recorrer seja um acto consciente e ponderado, pelo que a parte que recorre deve dispor de um período mínimo de tempo para recorrer.
Em face disto e de vários erros de que enferma o parecer, quer quanto ao seu teor técnico e formal quer quanto à questão de fundo, o CDS, através da palavra do Sr. Deputado Basílio Horta, levantou na altura própria o problema - que consideramos de fundo - de saber se, realmente, a Assembleia da República tem ou não competência para abrir inquéritos, violando a autonomia do poder local, uma vez que, no âmbito da competência da própria assembleia municipal, existem outros meios para verificar estes actos, através da inspecção ou da tutela.
Assim, muito embora no nosso foro interno entendamos que a Assembleia da República não tem competência para esta matéria, temos dito que todos os inquéritos são bem vindos para nós. Não queremos que a Assembleia «fuja», dizendo que não quer o inquérito,...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já esgotou ò seu tempo, queira terminar imediatamente.

O Orador: -... pelo que votámos sempre a favor de todos os inquéritos. Simplesmente, pelas considerações ilegais que o parecer veicula - e já tive ocasião de as referir não podemos votar a favor do parecer agora em apreciação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Odete Santos (com a devida vénia, enquanto senhora e enquanto deputada, mas sem vénia política ou técnica): Acerca da questão considerada por este parecer, agora em apreciação, foram feitas afirmações que não são rigorosas.
Em primeiro lugar, não estamos aqui a discutir, nem regimentalmente isso é admissível, se a Assembleia da República tem ou não competência para realizar o inquérito às autarquias visadas pelo pedido de inquérito solicitado pelo PSD. Essa é uma questão que, neste momento, está ultrapassada. Estamos, antes, a discutir uma questão que tem a ver com um recurso interposto pelo PCP da não admissão de um recurso anterior, relativo à admissão pela Mesa do projecto de resolução apresentado pelo PSD e tendente à efectivação dos inquéritos às Câmaras Municipais do Seixal e de Loures.
Antes de mais, gostaria que ficasse bem claro que não fiz, no parecer, a afirmação, que foi aqui insinuada, de que, em caso algum, não coubesse recurso das decisões do Sr. Presidente e da Mesa. Não fiz essa afirmação nem poderia fazê-la, aliás, nem regimentalmente isso é possível. Em minha opinião, a questão, que agora se coloca, está exclusivamente na escolha do recurso adequado a esta situação.

Assim, vejamos o artigo 16.º do Regimento, que diz:

Compete ao Presidente [...] admitir ou rejeitar os projectos e as propostas de lei ou de resolução, os projectos de deliberação e os requerimentos, verificada a sua regularidade regimental, sem prejuízo do direito de recurso para a Assembleia.
Consequentemente, a admissão de todas estas figuras é feita pelo Sr. Presidente, sem prejuízo do direito de recurso para a Assembleia.

O artigo 137.º do Regimento insere-se no capítulo do processo legislativo comum e diz expressamente:

Admitido um projecto ou uma proposta de lei e distribuído à comissão competente, ou rejeitado, o Presidente comunica o facto à Assembleia.

2 - Até ao termo da reunião subsequente, qualquer deputado pode recorrer, por requerimento escrito e fundamentado, da distribuição ou da rejeição.
É neste artigo que o Partido Comunista insere o. seu recurso; utilizando a forma e os prazos previstos nesta disposição.
E quando, no parecer, afirmo que não é este o recurso que cabe nesta situação, não afirmo a contrario que não 'cabe recurso da decisão do Sr. Presidente de admitir o projecto dê resolução com vista ao inquérito às Câmaras Municipais do Seixal e de Loures, mas o que digo é que o Regimento contém uma disposição expressa aplicável a esta situação em concreto.

Vozes do PCP: - Estamos a tomar nota do que está a dizer, Sr. Deputado!

O Orador: - Se, efectivamente, o artigo 137.º restringe apenas a admissão ao projecto e à proposta de lei, há que ver se há ou não outra disposição que preveja as outras figuras ou se há alguma disposição relativa aos recursos, suficientemente genérica, onde elas caibam. É, de facto, no artigo 89.º, sob a epígrafe recursos, que está o cabimento para este caso e para os demais, quer sejam projecto ou proposta de lei.
Consequentemente, o Partido Comunista não interpôs correctamente o recurso em Plenário, pelo que nem nos repugna a circunstância a que a Sr.ª Deputada Odete Santos se referiu quando disse que não é com a simples leitura do enunciado da admissão de uma proposta de resolução que se' vai, efectivamente, interpor recurso.
Com efeito, pode perfeitamente usar-se a figura da interpelação para pedir à Mesa que esclareça qualquer aspecto relativo à proposta em causa, pode pedir-se a leitura do conteúdo do requerimento, pode pedir-se a interrupção dos trabalhos para analisar mais ponderamente toda, à situação. Deste modo, verificamos que existem efectivamente vários meios regimentais para que os grupos parlamentares e os senhores deputados se habilitem a conhecê-la em profundidade e possam recorrer conscientemente da decisão.
Portanto, ao contrário do que o Sr. Deputado Jorge Lacão disse há pouco, entendo que não há aqui necessi-

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dade de preencher qualquer lacuna. Primeiro, porque não há lacuna; segundo, mesmo que houvesse, tínhamos uma disposição genérica para a preencher e, como sabe, no domínio dos princípios, não recorremos a uma norma especial para resolver uma situação de carácter geral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Não é preciso ser jurista para perceber que o Sr. Deputado não tem razão!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não regista mais inscrições, pelo que vamos passar à votação do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que foi lido e que acabámos agora de apreciar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar à votação do projecto de resolução nº 46/V, referente à constituição de uma comissão eventual de inquérito sobre a actuação das autarquias do Seixal e de Loures na concessão de favores ao PCP.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, essa votação não está agendada e na conferência de líderes há pouco realizada esse tema não foi abordado.

Risos do PS.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Exactamente!

O Orador: - Falou-se exclusivamente da votação do recurso e só isso é que foi discutido; aliás, é o que consta do texto distribuído, mas aceito que se possa considerar o agendamento para amanhã.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto à primeira questão, devo dizer-lhe que o texto distribuído contém apenas algumas notas, tanto que, a dado passo, só refere «direito de petição». No entanto, devo dizer-lhe que é suficientemente esclarecedor para a orientação dos nossos trabalhos, embora não se preste a ser publicado.
Quando estivemos a considerar este aspecto, não imaginávamos que iríamos passar todo o tempo a discutir o recurso sem que essa discussão tivesse alguma utilidade.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - São coisas corripletamente diferentes!

O Sr. Presidente: - Até se falou na instalação da comissão de inquérito e devo informar que, como também referi na conferencia de líderes, nela se encontram representantes de todos os grupos parlamentares à excepção do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª desculpar-me-á mas tenho a impressão de que, quanto a esta matéria, deve existir um problema de amnésia por parte do Sr. Deputado Carlos Brito. Talvez seja devido à hora tardia...
Como o Sr. Presidente agora disse, até se falou na instalação da comissão de inquérito e na votação hoje. Até fiz questão que isto fosse votado hoje e não amanhã...

Vozes do PCP: - O recurso!

O Orador: - Não, não, as duas coisas!
E o Sr. Deputado Carlos Brito, na frente de todos os líderes parlamentares e do Sr. Presidente, não objectou coisa nenhuma!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, não fiz outra coisa senão objectar contra, repito, contra o agendamento do recurso; quanto ao agendamento da constituição da comissão, isso nem sequer foi referido! É verdade que o Sr. Presidente falou na instalação de comissões, mas não vi ser feito, em nenhum momento, o agendamento da constituição da comissão. Os Srs. Deputados do PSD podem insistir nisso, mas em nenhum momento o agendamento desse ponto foi considerado na conferência de líderes!
Não obstante, o agendamento do recurso foi considerado, tendo eu objectado contra ele. Foram feitas várias considerações, inclusive o Sr. Deputado Jorge Lacão lembrou que o recurso e o parecer tinham que ser lidos. Eu interpus vários argumentos no sentido deste ponto não ser agendado para hoje e até cheguei a referir que se tratava de matéria da primeira parte do período da ordem do dia e que não fazia nenhum sentido proceder à discussão quando já se tinham realizado algumas votações finais globais. Foi essa a posição que assumi, que foi sempre de objecção a este agendamento e sem considerar sequer a formação da comissão.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Montalvão Machado pede a palavra para que efeito?

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, é para uma interpelação à Mesa com a finalidade de ajudar a resolver este problema.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, com muita amizade, com muita consideração e querendo velar, efectivamente, pela sua saúde, que muito prezo, devo dizer-lhe que V. Ex.ª, durante a conferência de líderes, até me solicitou que esta matéria fosse agendada para mais tarde e eu disse-lhe: «Não!» Disse-lhe terminantemente «Não!» na frente de toda a gente e ficou assente que seria assim. Todos os que lá estiveram presentes podem confirmar o que acabo de dizer, até porque a Mesa não o adivinhava?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Deputado Montalvão Machado trouxe alguma novidade na sua intervenção: há pouco dizia que eu não tinha objectado mas, agora, já afirma que eu objectei e que até lhe solicitei que isto fosse agendado para mais tarde, ao que o Sr. Deputado respondeu: «Não!»
É verdade que o Sr. Deputado disse «Não em relação à matéria do recurso, mas a questão da comissão nunca foi abordada. Eu até admiti que os senhores quisessem abordar a questão da constituição da comissão e, pelas dúvidas que vos assaltam, bem como pelas razoes aqui invocadas pelas diferentes bancadas, pareceu-me que os Srs. Deputados do PSD queriam deixar esta questão para mais tarde, para melhor reflectirem sobre ela,...

Risos do PS.

... porque, efectivamente, vão cometer uma grande ilegalidade, uma grande inconstitucionalidade. Assim, talvez seja melhor terem algum tempo para reflectir. É também esse o sentido da nossa proposta.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado, isto até já estava agendado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, depois da votação do primeiro ponto, realizada antes dá interrupção para, jantar, a Sr.ª Deputada Isabel Espada interpelou-me sobre a instalação da comissão e eu até disse, publicamente, que já tinha conversado com a Sr.ª Deputada e que comunicaria o assunto quando fosse a altura própria. Efectivamente, uma das questões de que tratámos na conferência de líderes foi a da instalação das comissões, tendo eu referido aquelas que tinham sido votadas; aliás, tive o cuidado de juntar: «e outras».
Quando fizemos a conferência, é evidente que o PCP foi contrário a todo o processo que tem a ver com está questão. Foi contrário à discussão do recurso, é contrário à deliberação; é o único grupo parlamentar que hão apresentou um elemento para integrar a referida comissão de inquérito quando todos os outros grupos parlamentares o fizeram. Esse é um facto!
Agora, é verdade que se falou nas outras duas comissões e que até citei o facto do PCP não ter apresentado nenhum deputado e de ser o único partido nessas condições. Aliás, o Sr. Deputado. Carlos Brito respondeu-me que não o tinham apresentado uma vez que se opunha a este sistema.
Sr. Deputado, isto é exacto! Portanto, não podia ficar registado, pelo menos na minha mente, senão que a sequência é aquela que agora estou a propor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Nesse sentido, sujeito às condições regimentais, coloco à votação o projecto de resolução n.º 46/V.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de recordar a V. Ex.ª o disposto no título m, capítulo n (Organização dos trabalhos e ordem do dia), do Regimento, no que respeita ao anúncio da ordem do dia.
Neste quadro, Sr. Presidente, não sei qual é a norma regimental de que V. Ex.ª se está a socorrer para agora proceder à votação.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Está agendado, quando muito pode recorrer!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Amaral pode ter razão em algumas circunstâncias e tem, com certeza, como todos os homens. Porém, desta vez é que não tem qualquer razão,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

10 Sr. Presidente: -... porque acordámos em todas as conferências de líderes e está registado que comecei Esta sessão dizendo que tínhamos acordado numa pequena alteração, a que procedi com o consenso generalizado da conferência de líderes. Por isso, quando, hoje antes do jantar, votámos apenas dois pontos, deixando o terceiro por votar, foi no espírito de compreensão de que estas ordens de trabalho eram fixadas no espírito global definido, estabelecido e prefixado, que envolvia também a inclusão deste ponto, até à exaustão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, como facilmente calculará, não posso pronunciar-me sobre a globalidade do acordo feito em conferência dê líderes, até porque ele pressupõe trabalho de outras conferências de líderes, a que não tive oportunidade de estar presente', paio que não desejo pronunciar-me.
Sr. Presidente, a partir do momento em que V. Ex.ª entende que o projecto de resolução está para votação, o que é normal é que seja precedido da possibilidade de debate, para que os grupos parlamentares possam dizer o que entendem sobre esse diploma.

Vozes do PSD: - Isso já foi feito!

O Orador: - Gostaria de saber, Sr. Presidente qual o tempo mínimo que a Mesa considera distribuivél aos grupos parlamentares para, previamente, se poderem pronunciar sobre o projecto de resolução em causa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, existe uma disposição regimental que diz que se não for fixado um tempo na conferência e não foi - existe uma outra no Regimento que fixa o tempo para todas essas matérias.

Vozes do PSD: - O debate já foi feito há muito tempo! Há muitos meses!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Rui Silva (PRD): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado Carlos Brito.

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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, creio que este incidente é revelador de como a questão da constituição da comissão não foi considerada. Tal como estabelecemos tempo para o recurso e chegámos à conclusão de que o tempo considerado era o regimental, também em relação à questão da constituição da comissão, se tivesse sido considerada, teria sido, certamente, considerado o tempo para o debate que deveria preceder a votação.

Pausa.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de, nos termos regimentais, solicitar a V. Ex.ª um intervalo de cinco minutos.

Q Sr. Presidente: - É regimental. Está suspensa a sessão.

Eram 0 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão. Eram 0 horas e 25 minutos.

Srs/Deputados, em determinado momento, se a memória não falha a alguns de nós, este problema foi abordado. No entanto, eu estava a tentar recompor o processo na sua totalidade, tarefa que se torna difícil dada a hora; daí este compasso de espera, mas não gostaria de confiar exclusivamente na memória pessoal ou na de outras pessoas.
Como, neste momento, não tenho elementos para saber se p projecto de resolução n.º 46/V chegou ou não a ser discutido e se o objecto do diploma era o da atribuição dos representantes de cada grupo parlamentar, vou admitir que não foi discutido, em si próprio, pelo que o coloco, de imediato, à discussão e só depois procederemos à sua votação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, devo dizer que há uma contradição entre as considerações que V. Ex.ª acaba de formular e a conclusão que extra.
V. Ex.ª acaba de afirmar que não tem registo, não tem suporte nem garantia quanto ao facto de o projecto de resolução ter ou não sido discutido.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas, à cautela, discute-se!

O Orador: - De facto, tem toda a razão, porque não foi. O que esteve inicialmente em discussão foi a questão da constituição da comissão e depois, quando o PSD apresentou um projecto tendente a concretizar todo esse aspecto, o PCP impugnou-o. Portanto, a partir desse momento, houve uma intervenção da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias,
que está materializada numa série de documentos e finalmente num parecer que baixou a Plenário e se encontrava agendado para debate. É apenas isso e só isso que está agendado para debate e que, aliás, já foi objecto de debate. Nada mais foi objecto de debate, porque nada mais estava agendado!
Isto é, são processos inteiramente distintos: uma coisa é o processo de impugnação de um projecto de resolução e outra coisa o processo de discussão e votação do diploma em causa.
Ora, V. Ex.ª, Sr. Presidente, reconhecerá, em bom rigor, estas duas coisas.
O que até agora esteve em discussão foi só a impugnação, processo que está já encerrado, e só em sede de novo agendamento é que é possível, ao abrigo das disposições gerais e ordinárias do Regimento, inscrever na agenda o projecto de resolução e proceder ao seu debate e votação, mas não hoje. A votação que se fizesse sobre essa matéria seria corripletamente nula e inquinaria, ainda mais, um processo que já está muitíssimo inquinado.
Portanto, das duas uma ou queremos inquinar mais o processo ou queremos saneá-lo.
Sr. Presidente, confio em que V. Ex.ª só o poderá querer sanear, em sentido processual, e portanto esta matéria deve ser considerada numa conferência de líderes e agendada em seu tempo, para cumprir o Regimento.
Creio, Sr. Presidente, que só isso é coerente com o anunciado inicial de V. Ex.ª, que está perfeitamente correcto e que merece toda a adesão, espero que de toda a Câmara. O resto, se me permite, Sr. Presidente, penso que não seria muito sensato.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, V. Ex.ª já colocou à discussão o documento agendado. Aliás, não poderia colocá-lo à discussão sem estar agendado! Portanto, são dois momentos ultrapassados e nós solicitamos que V. Ex.ª dê a palavra a quem a pedir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª começou por dizer que, realmente, com os seus elementos e os seus papéis, não conseguia reconstituir os autos - como se costuma dizer. E, em face disso, na dúvida, V. Ex.ª recomeçava uma matéria que não estava agendada porque, com efeito, o que nós falámos na conferência...

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Não se pode discutir o que não está agendado!

O Orador: - Pois não. Eu não tenho qualquer interesse especial em que haja ou não debate. Já dissemos que vamos votar a favor do inquérito embora, intimamente, não concordemos com a sua constitucionalidade. Portanto, não somos parte interessada nisto.

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Estivemos aqui como observadores não comprometidos, mas imparciais, e o que podemos dizer é que, nessa conferência de líderes que se realizou antes do jantar não se falou da resolução em si.
V. Ex.ª não pode começar um debate que não estava agendado para hoje. Se V. Ex/nos dissesse: a votação desta resolução estava marcada para hoje, de modo que vamos iniciar o processo, que começa pelo debate, para atingirmos a votação...
Mas V. Ex.ª, honestamente, já aqui admitiu - e bem -, que nem sequer a votação estava prevista para hoje; portanto, não pode, agora, iniciar o processo desta votação através do debate, porque este é um acto preliminar da votação. Das duas uma: V. Ex.ª ou começa o acto preliminar e faz a votação ou não faz sequer o acto preliminar porque o assunto não estava agendado.
É apenas isto que quero dizer.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que fui bastante claro. Foi debatido na conferência de líderes o agendamento do recurso e as consequências desse mesmo agendamento, até à eventual aprovação da resolução.
O único ponto sobre que tinha dúvidas era se já tinha havido um debate sobre a constituição duma comissão sem ela estar especificada - lembro que surgiu, hoje à tarde, a situação de duas comissões que foram criadas por disposições regimentais e depois tivemos de deliberar sobre a composição da comissão eventual.
Mas porque, repito, não tinha a certeza de que o debate - não do número de deputados atribuído a cada um dos grupos parlamentares na comissão, porque isso sabia que não tinha sido decidido - da deliberação, em princípio, estivesse feito, por não dispor de elementos, pus à discussão a deliberação na sua totalidade, dando a palavra a quem a solicitasse.
Devo dizer que, embora não fosse estritamente falado esse debate, toda a lógica, todas as conclusões, todas as atitudes que foram tomadas na conferência de líderes, pressupunham que concluíamos hoje este processo.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pará interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. i Presidente, V. Ex.ª não pode tomar uma decisão e abrir imediatamente o debate. V. Ex.ª tem que dizer «vou abrir a discussão» e tem de dar tempo, pelo menos, para os grupos parlamentares interporem recurso.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, foi exactamente isso o que disse há momentos, até porque não sabia se tinha sido feito já o debate. Isto é, por formalmente à discussão da Câmara o projecto de resolução n.º 46/V, com todas as suas consequências regimentais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, se é assim, para que não se julgue que estivemos aqui a falsear a verdade, a consciência manda-nos que interponhamos recurso dessa decisão, para confirmação daquilo que afirmámos.
Deste modo, o meu grupo parlamentar, apenas por esta razão, interpõe recurso da sua decisão.

O Sr. Presidente: - É perfeitamente legítimo, é regimental. De resto, eu disse que punha à discussão o diploma com todas as suas consequências regimentais.
Portanto, Srs. Deputados, foi interposto um recurso da decisão de pôr à discussão o projecto de resolução n.º 46/V.
A Mesa, para além da do Sr. Deputado Narana Coissoró, não tem mais inscrições. Por isso, tem, desde já, a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, na agenda de trabalhos para hoje que foi distribuída aos grupos parlamentares não consta qualquer votação da resolução em si e tenho fundadas dúvidas de que tenha sido trazida à colação na conferência de líderes de hoje, em que nem chegou a ser discutida expressamente a votação da resolução.
Não sei se isso foi discutido noutras conferências de líderes a que não assisti, mas na de hoje isso não foi tratado, talvez porque V. Ex.ª pensasse que tal estava na sequência lógica daquilo que nós efectivamente tratámos.
Ora, como não foi assunto tratado expressamente nem constava do papel que foi distribuído e o agendamento não pode ser feito à trouxe-mouxe, à última hora, porque obedece a regras regimentais que não foram cumpridas, daí o nosso recurso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições relativas ao recurso interposto sobre a decisão de se entrar na discussão do projecto de resolução n.º 46/V, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e a abstenção do deputado independente Carlos Macedo.

Srs. Deputados, está, portanto, em discussão a proposta de resolução n.º 46/V.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Intervenho para comunicar à Câmara que o meu grupo parlamentar não participará na discussão e que também não participará na votação. Isto é, votaremos contra para não termos de nos retirar da Sala, o que seria uma atitude que, quanto a nós, se não justifica. Mas o nosso voto contra tem o significado de não participarmos na votação.
Consideramos que o que se está a passar vai inquinar mais ainda um processo que, desde o seu início, está inquinado por ilegalidade e por inconstitucionalidade.
Consideramos, também e desde já, que a decisão que for tomada é nula e de nenhum efeito, tendo para nós como para os visados.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Não havendo mais pedidos de palavra, a Mesa vai pôr à votação o projecto de resolução n.º 46/V.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, ao abrigo do Regimento, solicito uma interrupção de cinco minutos para poder reunir o meu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - É regimental, está concedido. Srs. Deputados, está interrompida a sessão.

Eram 0 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 0 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, vamos votar o projecto de resolução n.º 46/V, apresentado pelo PSD, relativo à constituição de uma comissão eventual de inquérito sobre a actuação das autarquias do Seixal e de Loures na concessão de favores ao PCP.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo e votos contra do PCP e do deputado independente Raul Castro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gameiro dos Santos, para uma declaração de voto.

O Sr. Gameiro dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que subsistem muitas dúvidas no meu grupo parlamentar sobre a validade formal da deliberação que o Plenário acabou de tomar, dadas as eventuais violações insuperáveis de normas regimentais constantes de todo este processo.
No entanto, o PS sempre votou e hoje fê-lo mais uma vez - favoravelmente os pedidos de inquérito parlamentares a actos do Governo e da Administração, porque considera que assim o exige, quer a preservação da transparência democrática, quer a defesa de acusadores e acusados. Ao contrário do PSD, nunca receámos os inquéritos nem nunca os entravámos.
Porém, neste caso concreto, o bom-senso político deveria ter obrigado os deputados do PSD a ponderarem melhor os efeitos desta iniciativa. Já pensaram bem no precedente que abriram, ao não terem retirado este pedido de inquérito parlamentar? Já repararam que estão, formalmente, a abrir a porta a 305 inquéritos parlamentares a câmaras municipais e a dois inquéritos aos Governos Regionais dos Açores e da Madeira?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quantos deputados não irão ser necessários para fazer todos estes possíveis inquéritos?
Será, Srs. Deputados do PSD, que não havia possibilidade de exercer uma acção inspectiva nas autarquias locais referenciadas no pedido de inquérito? Antes de mais, há as assembleias municipais, como órgãos próprios de fiscalização da actividade dos municípios, depois, a lei da tutela administrativa confere poderes ao Governo para promover a realização de inquéritos, sindicâncias e inspecções.
Assim sendo, o PSD, ao tomar esta decisão, está a pôr em causa a própria capacidade do ministro da tutela para desenvolver a acção inspectiva. E está a pô-la em causa, porquanto, até ao momento e ao que sabemos, o ministro da tutela ainda não lançou qualquer inquérito ou sindicância a qualquer uma destas câmaras referenciadas por este pedido de inquérito. Se o assunto é, de facto, tão grave, como o PSD apregoou, deveríamos estar aqui a condenar a leviandade e a falta do sentido das responsabilidades do Governo e não a votar tal pedido de inquérito.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Caso contrário, são os deputados do PSD que estão aqui a criticar, com esta votação, o seu próprio governo e o Primeiro-Ministro, por se verem obrigados a substituir o Governo numa tarefa que lhe dizia respeito.
As câmaras municipais e os governos regionais, que foram eleitos por voto popular, estão sujeitos à acção fiscalizadora das assembleias municipais e regionais. Porquê, então, a necessidade de nos substituirmos a estes órgãos legítimos? Não se poderá estar a incorrer num problema de inconstitucionalidade? Claro que sim!
O PS não inviabilizou este inquérito, como nunca inviabilizou qualquer um, mas considera que, por respeito aos princípios da separação e autonomia dos poderes, local e regional, os deputados do PSD deveriam ter tomado outra atitude. Não queiram, Srs. Deputados do PSD, ficar na história como meros servidores de causas pessoais e partidárias.

Aplausos do PS.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Ferraz de Abreu.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, votámos a favor, porque desejamos esclarecer os factos. Aliás, lastimamos que um processo iniciado em Janeiro e cuja finalidade era esclarecer os factos, apenas hoje possa ser votado por esta Assembleia.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não foi em Janeiro; foi em Outubro, do ano passado!

O Orador: - Então, se foi em Outubro do ano passado, ainda melhor.
Assim se vê quem deseja ou não esclarecer os factos.
Não nos parece, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, em matéria de esclarecimento de factos da Administração Pública no nosso país, devam existir santuários - isso seria lastimável. Quando se trata da transparência da Administração Pública, não pode haver excepções.
Há quem se preocupe com o risco da quantidade de inquéritos a que este poderá servir como precedente. Mas não vejo ninguém preocupar-se com a quantidade de inquéritos que recaiam sobre a parte da Administração Pública referida à administração central ou, mais concretamente, ao Governo. Que falta de critério, que duas medidas!

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Sr. Presidente, o que queremos é o esclarecimento dos factos. E não é por uma das autarquia que está em causa ser hoje gerida pelo PS e pelo PCP que deveria abrir qualquer excepção.
O que nos surpreende é a argumentação, surgida da parte do PS, com receios de inconstitucionalidade. Mas como é que é possível, então, votar a favor do inquérito?' Mais depressa se apanha alguém que incorre na contradição do que um coxo.

Risos do PS.

Sr. Deputados, os senhores não são coxos, mas entram em contradição a cada passo!

Sr. Presidente, faça-se o inquérito, depressa! Só desejamos que ele seja mais rápido do que os trabalhos desta Assembleia para efeitos de o votar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, resultante da apreciação da proposta de lei n.º 130/V e do projecto de lei n.º 457/V, que aprova o regime da actividade* da radiotelevisão no território nacional.
Entretanto, há requerimentos de avocação a Plenário de diversos artigos.
O primeiro requerimento de avocação, assinado por deputados do PSD e do CDS, é do seguinte teor.
Nos termos do artigo 159.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados requerem a avocação pelo Plenário da votação, na especialidade, do artigo 11.º do texto final resultante da apreciação em comissão da proposta de lei n.º 130/V e do projecto de lei n.º 457/V.

O Sr. Presidente: - Para apresentar o requerimento de avocação, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer aos Deputados do PSD a oferta que fizeram de nos acompanhar neste requerimento de avocação.
Na verdade, sendo apenas uma bancada de quatro deputados, não poderíamos apresentar um requerimento de avocação, a não ser com o. auxílio prestimoso de outros deputados que concordassem, quer seja pela forma quer pela substância, com o nosso pedido. E esse agradecimento que me leva a pensar que o PSD não deixará de tomar em consideração a razão por que pedimos esta avocação.
Apresentámos, durante o debate na especialidade, uma proposta de aditamento, em que, para as condições de preferência, queríamos, conjuntamente com outras que constam do actual artigo 11.º e até para uma melhor explicitação no sentido de a alínea d) deste artigo 11.º não ser tão vaga que se tome inútil dar uma orientação, exactamente da mesma natureza, sobre outros dois critérios, que nos pareceram que poderiam e deveriam acompanhar esta alínea d). Isto é, a alínea d) 6, por si só, um critério tão vago que não deixa margem a qualquer objectividade, quando se diz «capacidade do candidato para satisfazer a diversidade de interesses do público».
O que está em causa é concretizar que espécie de interesses estão em causa e nós quisemos dizer que estes interesses devem ser exactamente os que toda a gente tem em mente. Eles são, em primeiro lugar, a manutenção da identidade cultural do povo português e, em segundo lugar, a representatividade do candidato.

O Sr. Presidente: - Queira concluir, Sr. Deputado, pois já ultrapassou os dois minutos regimentais.

O Orador: - Creio que são dois os critérios que poderão servir de base: primeiro, para afirmação da nossa identidade cultural, como disse; segundo, para reforçar a representatividade dos candidatos a obter esta preferência.
Por isso mesmo, esperamos que todos os grupos parlamentares, em boa fé, votem favoravelmente este requerimento de avocação e também estas duas alíneas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de procedermos à votação do requerimento que acabou de ser apresentado, quero anunciar que há mais um requerimento de avocação, apresentado pelo PS, relativamente aos artigos 22.º. n.º 3, e 56.º a 62.º.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -Sr. Presidente, creio que ainda não enumerou um outro requerimento de avocação relativo ao artigo 25.º, subscrito por deputados do CDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já tinha sido anunciado.

Vamos então votar o requerimento de avocação referente ao artigo 11.º, que foi apresentado pelo Sr. Deputado Narana Coissoró. Está em votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do CDS, do PS, do PCP, do PRD e dos deputados independente Carlos Macedo e Raúl Castro.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, é com mágoa que verificamos que, exactamente, os deputados que nos entusiasmaram.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não há declarações de voto!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe...

O Orador: - V. Ex.ª já me deu a palavra, estou no, uso dela por isso, não pode agora cortá-la.

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na realidade a Mesa deu-lhe a palavra, não é regimental...

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O Orador: - V. Ex.ª pode retirar-me a palavra, mas não pode é cortá-la!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira, então, concluir a sua declaração de voto.

O Orador: - Estava eu a dizer que é com grande mágoa que verifico que exactamente os deputados que nos acompanharam neste requerimento de avocação e que fizeram com que o apresentássemos, para votar estas duas alíneas, dizendo que, em sede de comissão, o seu voto contra tinha sido um engano e que queriam rectificá-lo, tenham, mais uma vez, dado a cambalhota, para agora, outra vez, fazer o que fizeram, isto é, dar as assinaturas, dizer que iam avocar, que iam votar a favor e, à última hora, votar contra.
É exactamente este o procedimento que o PSD tem adoptado com a Igreja Católica!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao requerimento de avocação sobre o texto final do artigo 25.º
Para fazer a sua apresentação, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS considera um dever indeclinável para com a sua consciência de partido democrático cristão, avocar aqui a votação deste artigo 25.º
Sempre considerámos, desde que a revisão constitucional no ano passado abriu a outras entidades, que não o Estado, a possibilidade de explorar o serviço de televisão, que não poderíamos deixar de dar cumprimento à norma constitucional do artigo 41.º, que corresponde hoje ao artigo 41.º, n.º 5, da Constituição, efectivando a garantia que é aí dada às confissões religiosas de disporem de espaços de comunicação próprios.
Ora, a efectivação dessa garantia só poderia ser conseguida através da atribuição de tempos suficientes no serviço público de televisão.
Por isso, é que avocamos a discussão deste artigo 25.º a Plenário e apresentámos, em consonância, uma proposta de alteração que reza o seguinte:

Artigo 25.º
Tempo de emissão para confissões religiosas

1 - No serviço público de televisão será garantido às confissões religiosas, para o prosseguimento das suas actividades, um tempo de antena, no segundo canal, em UHF.

2 - A atribuição e distribuição do tempo de emissão referido no número anterior será feita mediante decreto-lei, segundo critérios objectivos e de acordo com a representatividade e cada confissão religiosa, sem prejuízo do disposto no número seguinte.

3 - À Igreja Católica, dada a sua identificação com os valores históricos, culturais e espirituais e morais da sociedade portuguesa, e a sua maior representatividade na comunidade nacional, será atribuído, nos termos do número anterior, um espaço de cinco horas diárias no horário compreendido entre as 18 e as 24 horas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este requerimento de avocação, que acabou de ser apresentado. Está em votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e votos a favor do CDS, do PS, do PCP, do PRD é dos deputados independente Carlos Macedo e Raul Castro.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra para que efeito? Se é para declaração de voto, não é possível. Já há pouco a Mesa escorregou, pelo que essa situação não vai repetir-se.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, só queria que me fossem garantidas as condições de igualdade às do meu colega Narana Coissoró.

Risos.

É que V. Ex.ª pode criar uma questão grave dentro do nosso grupo parlamentar!...

Risos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, assumo a responsabilidade dessa desigualdade, mas não lhe dou a palavra!
Srs. Deputados, vamos passar ao requerimento de avocação pelo Plenário do n.º 3 do artigo 22.º e dos artigos 56.º a 62.º, apresentado pelo Partido Socialista.
Para apresentar o referido requerimento, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, que, ao subscrevermos e favorecermos a criação de condições para um debate sobre os pedidos de avocação - e fizemo-lo gostosamente em relação àquele que foi apresentado pelo CDS -, demonstrámos que não temos nenhum medo do debate, mesmo sobre as questões mais polémicas.
Gostaria igualmente de dizer que a lei da televisão que hoje será aprovada representa uma mudança extremamente importante no panorama da televisão portuguesa. O Partido Socialista orgulha-se de ter iniciado esse processo legislativo. Tardou, mas a televisão privada aqui está!

Vozes do PSD: - A culpa foi vossa!

O Orador: - Espero, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não seja necessário repetir, pela terceira vez, o conjunto de votações e tomadas de posição por pane do PSD, desde 1975 até há bem pouco tempo, contra a televisão privada em Portugal. Já referi tal facto em dois discursos e não tenho nenhum rebuço em o repetir pela terceira vez, se os Srs. Deputados tiverem má memória, como o estão a demonstrar.
Gostaria de frisar que, apesar de a lei da televisão abrir o sector à iniciativa privada, continuarão a existir 50 % de canais da responsabilidade da RTP. Ou seja, a RTP continuará, com o seu serviço público, a corresponder a 50 % da televisão em Portugal.
A Constituição e a lei impõem que a RTP seja independente e pluralista, o que obrigaria a que a lei da televisão que agora iremos aprovar devesse ter em conta o quadro geral da estrutura da Radiotelevisão Portuguesa.

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Todavia, o texto da lei da televisão que aprovaremos não contém nenhuma referência ao quadro estatutário da RTP, que, como todos sabemos, é o mais governamentalizado e dependente do poder político que existe na Europa comunitária.
Por outro lado, não existe também nenhuma referência aos direitos dos jornalistas, nem sequer ao direito de participação e ao de constituição de conselhos de redacção, dispositivo, aliás, previsto na Constituição.
Essas são duas lacunas graves que existem no texto da lei da televisão em apreço. Daí que agora tenhamos proposto a sua avocação para o Plenário.
Para terminar, gostaria de dizer que, apesar de ter resultado consensualmente na comissão que o texto da lei da televisão não revoga a Lei n.º 36/86, de S de Setembro, correspondente à garantia do direito de réplica política dos partidos da oposição, não é esse o entendimento que temos neste momento. Se, porém, os deputados do PSD não vierem a desmentir esse facto, darei por claro que tal lei relativa ao direito de réplica política continua em vigor.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do referido requerimento de avocação, que acabou de ser apresentado pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho.

Submetido à votação, foi rejeitado, com, votos contra do PSD e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e dos deputados independentes Carlos Macedo e Raul Castro.
Vai proceder-se à votação final global do texto elaborado pela comissão, resultante da apreciação da proposta de lei n.º 130/V (aprova o regime da actividade de, radiotelevisão no território nacional) e do projecto de lei n.º 457/V (PS) (sobre o exercício da actividade de radiotelevisão).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Carlos Macedo, votos contra do CDS e as abstenções do PCP e do deputado independente Raul Castro.
Daria agora a palavra, para uma declaração de voto, ao Sr. Deputado Basílio Horta...

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Marques (PSD): - Sr. Presidente, creio que, de acordo com o Regimento, havendo que fazer nesta sessão plenária a votação final global de diversas iniciativas legislativas, as declarações de voto só terão lugar a final de todas as votações a efectuar.

Vozes do PSD: - Tem razão! Vozes do PCP: - Não pode ser!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, quero informá-lo de que na conferência de líderes de hoje, a que não assistiu,...

O Sr. João Salgado (PSD): - A conferência de líderes já está ultrapassada!

O Orador: - Já está?!... Pergunte ao Sr. Presidente se está ou não ultrapassada!
Na conferência de líderes, ficou combinado que haveria lugar a declarações de voto, após a realização de cada grupo de votações agendadas para hoje. Sucede que quanto à lei da televisão não há um grupo de votações mas, sim, uma única votação. Daí que haja lugar a declarações de voto sobre tal matéria.
Peço, pois, ao Sr. Presidente o favor de confirmar junto dos restantes líderes parlamentares que foi isso o que ficou combinado.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Delerue.

O Sr. Nuno Delerue (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas comunicar a V. Ex.ª e à Câmara que entregarei na Mesa, por escrito, uma declaração de voto sobre a matéria que acabámos de votar.

Vozes do CDS: - Muito bem, é assim mesmo!

O Sr.ª Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, quero igualmente comunicar que entregarei na Mesa uma declaração de voto escrita sobre a votação que acabámos de realizar, subscrita aliás por diversos companheiros da minha bancada.

Vozes do CDS: - Quantos?

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de confirmar o que o Sr. Deputado Narana Coissoró disse.
De facto, ficou combinado na conferência de líderes que poderiam ser produzidas curtas declarações de voto no fim de cada pacote de votações.
Eu aceito tanto aquilo que é a meu favor como o que é contra mim.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, quero precisamente corroborar o sentido das palavras que acabam de ser ditas pelo Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem então a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero, antes de entrar na declaração de voto

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propriamente dita, realçar esta atitude do Sr. Deputado Montalvão Machado, que me parece extremamente didáctica e pedagógica no caso vertente.
No que toca à votação que acabou de ser feita, é evidente para todos os que se sentam nesta Assembleia e para o País que o CDS é um defensor acérrimo da televisão privada. Fomos mesmo o primeiro partido a tentar inovar nesta matéria e a propor a privatização da televisão, numa altura em que era bem difícil fazê-lo, uma vez que ainda não tínhamos assistido à revisão constitucional.
É óbvio, pois, que o nosso voto se funda e abunda noutras considerações.
Esta lei está fundamentalmente inquinada, constitucional e politicamente.
É desde logo uma lei que viola a Constituição, como já foi provado pelo meu colega de bancada Nogueira de Brito, quando não dá à Igreja Católica não um privilégio - pois não se trata de um privilégio - mas o direito que constitucionalmente lhe é assegurado.
Está, em segundo lugar, politicamente inquinada, porque revela a falta de cumprimento de uma promessa política, pela primeira vez feita por um governo da Aliança Democrática, chefiado por Sá Carneiro, que. em seguida, foi ratificada pelo Dr. Balsemão, enquanto primeiro-ministro, e, finalmente, que o actual Primeiro-Ministro se comprometeu, perante o eleitorado, a assegurar.
É, pois, uma lei inquinada politicamente.
O PSD assume, com esta proposta de lei que aqui apresenta, a sua verdadeira face; ou seja, de um lado as palavras e, do outro, os actos.
É esta, pois, e não poderia ser outra, a nossa votação.
É de tal forma grave, em nosso entender, o estatuto que à Igreja Católica é dado, em termos de acesso à televisão, que não poderíamos ter outro voto senão o voto contra, manifestando assim o nosso repúdio pela falta de cumprimento ético e político de uma promessa que deveria estar, neste momento, a ser cumprida.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Câmara acabou de aprovar a lei que regula o exercício da actividade de televisão em Portugal. Abstivemo-nos, na votação final global, ponderadas as razões que, sumariamente, enuncio.
Em primeiro lugar, aquelas que traduzem, mesmo em relação às propostas originárias, a consumação de uma melhoria técnica e política, particularmente nos aspectos que se referem à consagração de dois canais públicos, aos espaços de emissão para as igrejas e confissões religiosas (apesar das dilacerações e fracturas produzidas no seio farto da maioria e das questões das relações havidas entre o PSD e a Igreja Católica); às normas da publicidade, que se situam em padrões aceitáveis; às quotas de produção própria e nacional; ao propósito da defesa da língua e da cultura portuguesas, para além das indicações de mera proclamação; e, finalmente, à razoabilidade de algumas medidas anticoncentracionistas.
Tivemos, naturalmente, em conta, por outro lado, o facto de que, tal qual fica, a lei não resolve importantíssimas matérias -como, desde logo, a da titularidade dos meios de difusão de sinal -, bem como remete para regulamentação governamental áreas de grande relevância, gerando assim uma indefinição e um benefício da dúvida que não atribuiremos ao governo do PSD.
Por último, a sublinhar uma malha nefasta, condenamos a ausência de preceitos escorreitos relativamente aos direitos dos jornalistas.
Não podemos também deixar, nesta circunstância concreta, de ter em devida análise a composição, o molde, da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que inquinará, indubitavelmente, os licenciamentos que estão para ser realizados.
Não podemos negligenciar a rude e triste imagem recente da atribuição das frequências regionais de rádio, a atestar a voracidade do partido «laranja», a falta de transparência e de isenção com que, num domínio particularmente sensível (que pertence à esfera dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, consagrada constitucionalmente), se está a agir de forma, a nosso ver, inaceitável.
Diremos, ainda e por último, que desejamos profundamente que não aconteçam as perversões, as insuficiências, os descalabros de variado matiz que têm estado a ocorrer, no que à televisão privada se reporta, noutros países.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chega hoje, para muitos, após labirintos sem luz, o verdadeiro paraíso sonhado do audiovisual; para outros, mais responsáveis, abre-se apenas um tempo em que urge o sentido da criatividade, mas, igualmente, do rigor, um tecido de prevenção e seriedade. Oxalá venha a ser positiva a experiência por haver.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O objectivo principal desta lei era a abertura da televisão à iniciativa privada. Esse objectivo foi conseguido e justifica, por si só, o nosso voto favorável, apesar de algumas disposições da lei não merecerem, como se sabe, a nossa concordância.
A televisão privada é, no entanto, absolutamente imprescindível no nosso país. Basta dizer que, quando esta Assembleia vota a lei da televisão privada, a RTP não está presente para registar esse acontecimento.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

A Sr.ª Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente esta lei, porque consideramos que ela tem profundos aspectos positivos e, como já foi referido, vem criar uma margem para a televisão, que não existia anteriormente - e isso é uma evolução extremamente positiva que não podemos deixar de aplaudir.
De qualquer modo, também não podemos deixar de registar que existem lacunas, que considerávamos que deveriam ter sido consagradas nesta lei. Pela experiência que temos da legislação dimanada do Governo, em matéria de comunicação social, isso deixa-nos de algum modo preocupados, pelo facto de a Assembleia da República não ter tido oportunidade de legislar sobre matéria de extrema importância, como seja o estatuto da televisão pública, os direitos dos jornalistas, bem como outras omissões que já foram referidas.

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No entanto, é uma lei globalmente positiva e, em relação às restantes matérias omissas, teremos certamente oportunidade de avaliar a acção legislativa do Governo nessas matérias.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Com a brevidade que o adiantado da hora nos impõe, não queremos, contudo, deixar de manifestar também o nosso regozijo pela aprovação de uma lei que consagra princípios correctos quanto ao exercício da actividade de televisão.
No entanto, à semelhança daquilo que foi dito agora mesmo pela Sr/Deputada Isabel Espada, também pensamos que, apesar disso, esta lei deixa em aberto, para efeitos de regulamentação pelo Governo, aspectos que são fundamentais, nomeadamente os direitos dos jornalistas.
Não podemos deixar de recordar aqui que o nosso grande «engulho» (passe a expressão): é que, quem vai fazer a atribuição das frequências é a ião propalada alta autoridade, esse monstro que não conseguimos evitar que nascesse! Ele aí está, condenado a morrer - é certo que com a morte anunciada mas, enquanto não morre, certamente irá «fazer das suas»!
De qualquer modo, reafirmamos a garantia de que aqui estaremos para fiscalizar, como é nosso dever, e para denunciar, como é, igualmente, nosso dever e também nossa missão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Lello, pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Lello (PS): - Para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Gostaríamos de manifestar a nossa congratulação pela generosidade extrema, por parte da presidência da Mesa, em ter autorizado a integração do Grupo Parlamentar de Os Verdes na bancada do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra ç Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha declaração de voto será necessariamente curta, porque a posição do meu- partido é, por demais, conhecida quanto a esta matéria.
Realizada que foi a revisão constitucional, o meu partido congratulou-se extraordinariamente pela abertura à iniciativa privada da televisão. Esse foi, e é, o primeiro objectivo que queremos saudar nesta lei que hoje discutimos e aprovámos.
Temos, para nós, como certo que se trata de uma lei justa e razoável; temos, para nós, que é uma lei que procurou observar escrupulosamente a Constituição, não houve postergação de direitos de ninguém e naquilo em que, porventura, alguém tenha direitos, não deixarão de lhe ser concedidos, na medida em que o entendemos razoável e justo.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herculano Pombo, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Herculano Pombo (OS Verdes): - Para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Pretendo apenas, nesta interpelação, justificar o facto de todo o meu grupo parlamentar se ter sentado num espaço que parece ser do PS. Admito que o Sr. Deputado José Lello tenha feito humor - o humor é quem nos salva, a esta hora!
Mas aquilo que queria dizer é que eu não era presidente do grupo parlamentar quando se discutiram quais os lugares a que cada grupo tinha direito. Neste momento, vejo-me confrontado, com alguma frequência, corri uma situação em que o meu grupo parlamentar, ou seja, eu e o meu colega, nomeadamente durante o período de votações, temos alguma dificuldade em estar juntos para contactarmos e vermos qual a opinião de cada um, dê forma a conhecermos qual o nosso sentido de voto, no que diz respeito às mais diferentes matérias.
Nesta circunstância, e no seio das mais variadas vicissitudes e votações desta noite, foi esta a situação de recurso que encontramos, pelo que decidimos sentar-nos aqui - não nos leve o PS a mal! E, por favor, não enveredem por outras considerações que não sejam as de uma ocupação, embora um pouco selvagem, mas de um espaço que estava aqui livre e que deveria estar ocupado certamente pelo PS e que tratámos de ocupar.

Risos.

É um pouco a missão dos partidos: tentar ocupar o espaço vago que os outros partidos deixam. Foi o que fizemos.

O Sr. Presidente: - Tenho que responder à interpelação do Sr. Deputado Herculano Pombo, porque é necessário rectificar uma pequena afirmação.
Esse lugar estava ocupado. É o meu lugar, pois até tem os meus papéis.

Risos.

Srs. Deputados, verifico que não têm sono hoje, mas vamos ver se encurtamos estas interpelações à Mesa.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Guterres para uma interpelação à Mesa.

O Sr. António Guterres (PS): - Sr. Presidente, com a licença de V. Ex.ª, que seguramente se poderá sentar em mais um dos lugares da bancada socialista, apenas para dizer que o grupo parlamentar do PS tem todo o gosto em compartilhar o seu espaço.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, era para pedir que não despejassem o Sr. Deputado Herculano Pombo, porque se o despejarem temos aqui um lugar para ele.

Risos.

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O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, desejo interpelar a Mesa, na medida em que penso que a conferência de líderes, na primeira oportunidade, tem de considerar uma situação que é inaceitável em termos de igualdade dos grupos parlamentares, pois foi assente que todos os grupos parlamentares tom acesso à primeira fila, pelo menos o seu líder, e em continuidade os seus colegas.
Portanto, em nome de uma certa situação, que não quero classificar, está criada uma outra, absolutamente inaceitável para todos nós, por certo.
Mas não queria deixar passar a situação sem fazer essa referência. Sem dúvida, é inaceitável que neste momento um grupo parlamentar esteja a ser tratado de forma desigual relativamente a todos. Todos os líderes parlamentares têm acesso à primeira fila e os seus colegas em continuidade com ele.
Sem ser por certo, quer pelo Regimento, quer pela concordância dos restantes líderes, há neste momento uma situação inaceitável criada a um grupo parlamentar.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, também me vai obrigar a responder, porque o líder do Grupo Parlamentar de Os Verdes tem acesso e tem o lugar na primeira fila. O que eles invocaram é que não tinham dois lugares para poder conversar. Foi a única coisa que eles invocaram.
Para terminar o incidente, dispondo de um minuto, tem a palavra o Sr. Deputado Herculano Pombo.

O Sr. Herculano Pombo (Os Verdes): - Para terminar e para que não subsista qualquer tipo de equívocos, nunca tive dificuldade nenhuma em ocupar o meu lugar na primeira fila. A única dificuldade que tenho às vezes é ter alguma continuidade com o meu colega.
De qualquer modo, quero deixar dito, para que não restem dúvidas, que sempre que têm surgido situações de disputa em relação ao segundo lugar da fila, essas situações têm sido resolvidas de comum acordo entre mim e o líder do grupo parlamentar do PCP, o Sr. Deputado Carlos Brito. Nunca houve até agora qualquer conflito, nem o haverá, pelo que a situação que aqui vivemos hoje é uma situação perfeitamente peregrina, e que o Sr. Deputado José Lello resolveu tratar com algum humor.
Portanto, não se infira daqui mais nada a não ser isto: que de facto o meu grupo parlamentar, em certas circunstâncias, nomeadamente de votação, tem alguma dificuldade em ter continuidade. Não há mudança de lugar, aliás, também não há apego a lugar nenhum. Desde que estejamos juntos podemos estar aqui, aí ou em qualquer outra parte, excepto talvez na Mesa!

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, verifico que estão todos cheios de coragem para continuarmos.
Desta forma, vamos começar a apreciar os requerimentos de avocação relativos ao texto final da proposta de lei n.º 146/V, referente à Lei de Bases da Reforma Agrária.
Há na Mesa um requerimento de avocação para os artigos 14.º-A, 17.º, 18.º, 28.º, 37.º e 50.º e um outro, apresentado também pelo PCP, para o artigo 29.º
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, começava pelo nosso requerimento de avocação do artigo 29.º
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Como é sabido, nos termos do artigo 97.º da Constituição da República Portuguesa, as terras expropriadas em resultado da eliminação dos latifúndios, deverão ser entregues a título de propriedade ou de posse a pequenos agricultores, a cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores ou a outras formas de exploração por trabalhadores.
Ao longo da última década e meia, trabalhadores e pequenos agricultores têm reclamado o cumprimento desse comando constitucional em função dos diversos textos que tem tido e a reforma agrária procurou, ela própria, apesar dos condicionalismo* que a rodearam, contribuir para esse objectivo.
Mas, mais do que isso, recordamos que, em Abril de 1980, durante o governo da AD, o então primeiro-ministro Sá Carneiro anunciava no Alentejo, em jornadas de propaganda de distribuições de terra, que os trabalhadores e pequenos agricultores iriam ver futuramente consolidada a distribuição precária da terra então feita.
Contratos foram feitos com dezenas de pequenos agricultores, com 24 cooperativas. Hoje, com esta proposta de lei e o seu artigo 29.º, tudo isto se esfuma: caducam os contratos de arrendamento celebrados com o Estado, transfere-se a relação contratual para os reservatários.
Está, assim, feita a demonstração de que tal não passava de uma mera operação de propaganda, procurando 'angariar votos, criar dificuldades à reforma agrária e tudo isso está hoje claramente patente neste artigo 29.º que, mesmo depois de alterado em sede de especialidade, cria situações perfeitamente abstrusas para os futuros rendeiros do mesmo reservatário, já que passaram a ter estatutos e rendas diferentes.
Esfumam-se e estilhaçam-se os objectivos anunciados e constitucionalmente obrigatórios de entregar a terra, a título de propriedade ou de posse, aos pequenos agricultores e a trabalhadores rurais.
Cai, pois por terra, definitivamente, a demagogia do PSD.
Este é o conjunto de considerações que nos levam a requerer a avocação do artigo 29.º, que pensamos dever ser votado favoravelmente no Plenário, pelos argumentos que atrás expus.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Entretanto reassumiu a presidência o Sr. Presidente Vítor Crespo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento de avocação do artigo 29.º do texto final da proposta de lei n.º 146/V, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e a abstenção do deputado do PSD Armando Cunha.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora apreciar o requerimento de avocação dos artigos 14.º-A, 17.º, 18.º, 28.º, 37.º e 50.º da proposta de lei n.º 146/V, apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP.

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Para a respectiva apresentação, tem ã palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.

O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 146/V, que agora estamos a discutir para votação final global, é, consabidamente, uma iniciativa legislativa que culmina todo um processo de tentativas sucessivas de eliminação completa da reforma agrária da nossa realidade nacional.
Sem apresentar nenhuma alternativa séria que garanta, em melhores condições, o desenvolvimento do nosso mundo rural, no que se refere à zona da grande propriedade latifundiária do Sul de Portugal, que garanta o futuro da agricultura e a melhoria das condições sociais de vida nos campos, a proposta de lei n.º 146/V, de eliminação da reforma agrária, pretende, pura e simplesmente, a restauração dos grandes patrimónios latifundiários ë dos seus privilégios.
O seu artigo 17.º, ao permitir a reunificação das reservas e a disposição que permite a reversão pura e simples de prédios ocupados não expropriados, não fazendo aplicar os mecanismos da expropriação acima das pontuações necessárias para o efeito, são disso claros exemplos.
A «morte anunciada», e desejada pelo Governo, da reforma agrária não só contraria o interesse regional e nacional, como fere profundamente o texto constitucional, como pretende ainda, ingloriamente, parar o sentido da história, que é o da concretização de um projecto cuja realização é inelutável.
Onde é necessário promover uma melhor justiça social e uma redistribuição economicamente viável e socialmente justa da grande propriedade, o Governo e, o PSD agravam as injustiças e as desigualdades e promovem a reconcentração da propriedade; onde urge promover a modernização, o progresso e o desenvolvimento da agricultura, o Governo e o PSD privilegiam a reconstrução de formas latifundiárias da propriedade responsáveis pela dificuldades e o atraso da região; onde a Constituição manda eliminar os latifúndios, expropriando-os e entregando a terra a pequenos agricultores e trabalhadores, o Governo e o PSD restauram o latifúndio, liquidam as cooperativas e põem termo, na prática, ao processo de entrega para exploração da terra expropriada e nacionalizada; onde a Constituição assegura a todos os cidadãos o acesso ao direito e aos tribunais, o Governo e o PSD tentam retirar legitimidade aos trabalhadores, impedindo-lhes o recurso aos tribunais e ao recurso contencioso.
Este conjunto de considerações envolve os artigos que requeremos para avocação e que também pensamos que mereceriam ser votados e aqui claramente discutidos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento de avocação que acabou de ser apresentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos centrado PSD, votos a favor do PS, dó PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raúl Castro e a abstenção do deputado do PSD Armando Cunha.

Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global do texto elaborado pela comissão, resultante da apreciação da proposta de lei n.º 146/V.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, votos contra do PS, do PCP, do PRD, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro e a abstenção do CDS.

Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr.. Deputado Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português votou contra a proposta de lei n.º 146/V, por esta contrariar de forma gritante princípios e normas constitucionais fundamentais.
A Constituição da República considera objectivo da política agrícola «o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção directamente utilizados na sua exploração» e prevê, expressamente, a eliminação do latifúndio, que é também uma das incumbências prioritárias do Estado. «Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio» é uma tarefa prioritária do Estado e, portanto, uma concreta obrigação do Estado no âmbito económico e social.
Em contradição com o imperativo constitucional de eliminação dos latifúndios, esta proposta de lei pretende reconstituí-los e não eliminá-los. Este objectivo modela toda a proposta de lei, mas torna-se particularmente claro com a leitura atenta da redacção proposta para os artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88.
A proposta de lei atenta ainda contra os mais elementares princípios de um Estado de. direito democrático e viola os artigos 205.º e 206.º 'da Constituição ao atribuir à Administração competências que são indubitavelmente da função judicial.
O Governo, com o aditamento de um novo artigo, o artigo 14.º-A, invadiu a competência dos tribunais, negando-lhes a possibilidade de, casuisticamente, se pronunciarem sobre o direito de propriedade dos prédios ocupados.
Assim, aquilo que sempre foi decidido pelos tribunais comuns nas acções de reivindicação da propriedade, passa agora a ser da exclusiva competência da «omnipotente» administração, não podendo o particular, tão pouco, socorrer-se do procedimento cautelar da suspensão da eficácia dos actos administrativos.
Finalmente, a nova redacção proposta pelo artigo 37.º viola o princípio da igualdade definido do artigo 13.º da Constituição, ao limitar o número de beneficiários de terras, privilegiando uns em detrimento de outros.
Limita-se desta forma, inconstitucionalmente, o acesso à propriedade ou à posse da terra de cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores e de outras formas de exploração por trabalhadores que a Constituição, no n.º 2 do artigo 97.º, considera, ao lado dos pequenos agricultores, beneficiários da entrega de terras.
Para além das inconstitucionalidades já descritas, esta proposta de lei vem agravar a situação da já degradada economia do Alentejo, mercê das políticas de liquidação da reforma agrária e restauração da propriedade latifundiária, constituindo esta, hoje, de novo, o mais pesado factor de estrangulamento social, e económico da região.
Os indicadores económicos e sociais revelam, mais uma vez uma progressiva deterioração, registando, tal

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como antes do 25 de Abril, os mais baixos índices de intensidade de actividade económica no País, expressando as consequências de políticas desenvolvidas, quase que exclusivamente, em função da restauração da propriedade latifundiária e de uma economia crescentemente dominada e estrangulada pelo regime de propriedade e exploração latifundiários, assente em sistemas económico-produtivos incapazes de racionalizar e potencializar a utilização dos recursos, de dinamizar o crescimento e diversificação de outras actividades, de promover o desenvolvimento num regime que tem penalizado fortemente a região, descapitalizando-a, amarrando-a a um baixíssimo nível de industrialização e a condições de trabalho precário e sazonal que têm um efeito fortemente repulsivo nos trabalhadores, sobretudo os mais jovens.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD, ao fazer aprovar esta proposta de lei do Governo -de notar que todos os restantes grupos parlamentares votaram contra ou abstiveram-se -, acaba de cometer um atentado aos interesses da região e do País! Ao pretender liquidar a reforma agrária, o PSD e o Governo repõem, hoje e a partir de hoje, de novo, a necessidade de realizar a reforma agrária!

Aplausos do PCP, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Basílio Horta.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS absteve-se nesta modesta e transitória lei do Governo, fundamentalmente porque, apesar de esta ter aspectos positivos, ter um aspecto de fundo que não podemos deixar de considerar como contraditório e gravemente negativo.
Os aspectos positivos tem essencialmente a ver com a correcção de injustiças que eram insustentáveis, tendo vindo a alteração da Constituição possibilitar que viessem a ser corrigidas.
Assim, a lei corrige e bem! - as nacionalizações que não tinham sido executadas, através do instituto da reversão. Há legislações em que a reversão é automática, não sendo sequer necessária nenhuma lei para que esta se verifique. Ou seja, quando a nacionalização não é executada num prazo determinado, ela reverte a favor do nacionalizado ou do expropriado, uma vez que se pressupõe que o Estado não tinha interesse na materialização da própria nacionalização. Esta lei, portanto, contempla a reversão e faz bem em contemplá-la desta forma.
Igualmente correcta é a maneira como a lei contempla os casos das contitularidades, das heranças e também das sociedades. Aquando da discussão da lei anterior tínhamos já sugerido e adiantado propostas sobre uma e outra destas matérias que não foram então aceites, mas, posteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça acabou por nos dar razão, através de vários acórdãos. Nessa altura, sugeríamos precisamente não ser possível, no que toca fundamentalmente às sociedades, manter a obrigatoriedade de liquidação nos .termos em que esta estava consignada.
Ora, esta lei vem corrigir a dissolução das sociedades e corrige também, em termos de heranças e contitularidades, situações que eram tratadas de forma injusta. Estes são aspectos relevantes e positivos.
Também positiva é a possibilidade de os exploradores directos da terra poderem aceder à propriedade. Ou seja, com esta lei e com base no artigo 37.º o Estado pode vender ou dar em propriedade a terra a empresas que a exploravam com um título precário. Isto é altamente positivo, foi um princípio que sempre defendemos e agora o PSD, por uma vez, singularmente, aceitou a nossa proposta, no sentido de possibilitar que este preceito se aplicasse, uma vez que corrigiu o erro que era a delimitação do domínio privado e disponível do Estado, dizendo que, salvo o disposto no artigo 37.º, como é lógico e era óbvio, deveria ser feito.
Tudo isto são, portanto, aspectos positivos que temos de sublinhar nesta lei, embora sejam aspectos positivos de pormenor e que visam, como referi, corrigir injustiças insustentáveis.
O aspecto negativo é realmente um aspecto de fundo e tem a ver com a posição que o PSD tomou no que diz respeito à extinção da zona da intervenção da reforma agrária. O Governo, na versão inicial desta proposta de lei, vinha dizer que a zona de intervenção terminava em 31 de Dezembro de 1990 -era a palavra do Governo-, mas o PSD não confiou que o Governo, até 31 de Dezembro, tivesse pronta a lei de estruturação fundiária e de fomento agrícola e, consequentemente, eliminou a data de 31 de Dezembro e fez depender a extinção da ZIRA da entrada em vigor das bases gerais de fomento agrário e da estruturação fundiária.
Falta de confiança no Governo, o que significa que o PSD não tem obviamente a certeza de que, até 31 de Dezembro, esta lei esteja cá fora. É o que isto quer dizer! Isto porque não acreditamos que o PSD queira condicionar o legislador futuro... Aliás, a lei até pode ser feita por outro governo que não o vosso.
Dizia, portanto, Sr. Presidente, que, relativamente a este ponto da extinção da ZIRA, entendemos haver uma contradição de princípios, e só por isso a lei não merece o nosso voto favorável.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra esta lei porque pensamos que foram razões políticas e não razões nacionais que levaram o PSD a trazer esta lei ao Parlamento.
Hoje, na Europa, discute-se a forma de se conseguir ter o mundo rural povoado. No entanto, o PSD, como já outro dia aqui referi', está interessado em despovoar o Alentejo. E isto por razões que têm somente a ver com interesses do próprio PSD. Foi o Dr. Sá Carneiro quem fez uma campanha eleitoral, em que se serviu até de tempos de antena para publicitar a entrega de terras a alguns pequenos agricultores, e são hoje os mesmos senhores que lá estiveram, em almoços e jantares e nesses tempos de antena, que estão a tirar essa mesma terra a pessoas extremamente envelhecidas e enganadas. E enganadas porque os senhores estiveram lá, com o vosso primeiro-ministro a assinar e a mandá-las assinar papéis, e depois trazem aqui legislação para lhes tirar essa terra!
No entanto, gostaria de dizer que Portugal é hoje um país da Europa, pelo que o PSD devia procurar fazer era um plano de desenvolvimento para a terça parte de Portugal que vai ficar corripletamente despovoada.
Os senhores, até ao final do ano, vão ter de baixar o preço dos cereais - estão já a negociar um subsídio para suportar os agricultores no Alentejo; trata-se de um

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subsídio fixo, porque lhes estão a pagar os cereais 40 % acima do preço da Comunidade - e com esta lei os senhores vão acabar por meter todos os alentejanos, no fim do ano, nos cuidados intensivos médicos apenas à procura do tempo limite para lhes decretarem a morte!
Trazem aqui uma lei que acabará por retirar do Alentejo os poucos alentejanos que ainda lá restam e não apresentam nenhuma alternativa para o seu desenvolvimento! Os senhores estão, de facto, a condená-los ao abandono, às coutadas, à criação de perdizes e, possivelmente, a alguma florestação - como sabem, com a entrada em funcionamento, há uns meses, de uma fábrica brasileira, a pasta de celulose já baixou 20 %, o que quer dizer que nem o eucalipto os senhores vão conseguir aguentar no Alentejo.
Desta forma, em vez de nos trazerem aqui um plano de desenvolvimento que seja o suporte da agricultura para o futuro, retiram do Alentejo os poucos agricultores que ainda lá vivem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.

O Sr. João Maçãs (PSD): - Sr. Presidente, apenas para anunciar que o PSD entregará por escrito a sua declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Herminio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, apesar do adiantado da hora, impõe-se-me uma declaração de voto que faço apenas porque a importância da lei que acabámos de aprovar o exige.
Sabemos que o adubo é fundamental numa agricultura moderna, mas também sabemos que não é menos verdade que a experiência do nosso povo rural enraizou nessa comunidade um ditado popular que diz o seguinte: «As pegadas do dono são o melhor adubo da terra.» Nós votámos contra esta lei, porque ela vem cortar pela raiz e matar legítimas expectativas que entendíamos correctas para pessoas, pequenos e médios agricultores, a quem foram criadas essas mesmas expectativas, no sentido de terem a posse efectiva da terra e que vão agora ser de novo reduzidas à condição de rendeiros - não de rendeiros do Estado, como tem sido até agora, mas de rendeiros dos reservatários.
Pensamos que isto é negativo e que vem dificultar o desenvolvimento da agricultura, sendo esta a razão fundamental pela qual votámos contra esta lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o nosso plano, amanhã proceder-se-á a votações finais globais de projectos de lei propondo a elevação de vilas e aldeias a cidades e vilas, processo esse consensual e aceite pelos grupos parlamentares.
Gostaria ainda de lembrar que amanhã iremos proceder à votação final global da proposta de lei n.º 122/V e dos projectos de lei n.ºs 287/V e 340/V, diplomas relativos ao ensino politécnico.
Srs. Deputados, de seguida vamos proceder à apreciação e votação dos requerimentos de avocação pelo Plenário, apresentados pelo PS e pelo PCP, relativos ao texto final resultante da apreciação, na Comissão de Saúde, da Lei de Bases da Saúde (proposta de lei n.º 127/V).
O primeiro requerimento, apresentado pelo PCP, diz respeito ao n.º 1 da base I.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Segundo a Constituição, é incumbência prioritária do Estado a garantia do acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde. A alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º da Constituição da República diz que o direito à protecção da saúde se realiza através de um Serviço Nacional de Saúde universal e geral e, depois da última revisão constitucional, tendencialmente gratuito.
Contudo, a redacção do n.º 1 da base 1 do texto final da comissão, ao considerar que este direito não se efectiva através de um Serviço Nacional de Saúde e com a garantia do Estado mas, sim, pela responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, incorre, em nossa opinião, numa manifesta e clara inconstitucionalidade.
Foi, portanto, esta a razão que nos levou a requerer esta avocação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar ao requerimento de avocação da base IV, apresentado pelo PS.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A última revisão constitucional introduziu algumas alterações' no âmbito da política de saúde, mais especificamente no artigo 64.º, alterações essas que não foram um reauiem para o Serviço Nacional de Saúde, como pretende o Governo e o partido que o apoia. O artigo 64.º da Constituição continua a dizer que o direito à protecção da saúde se realiza através de um serviço nacional de saúde.
Constata-se que em toda a proposta do Governo, inclusivamente no seu preâmbulo, existe uma intenção implícita de destruição do Serviço Nacional de Saúde. O Governo e o PSD não gostam, nem nunca gostaram, do Serviço Nacional de Saúde. Antes das últimas alterações introduzidas, a proposta de lei do Governo colocava o Serviço Nacional de Saúde no mesmo patamar de importância de intervenção com outras áreas de intervenção na área da saúde.
O Partido Socialista considera que o sistema nacional de saúde tem -, aliás, deve ter como instrumento fundamental de acção o Serviço Nacional de Saúde, mas que integra também outras formas de participação.
Os Portugueses vão gastar mais dinheiro com a saúde. Este governo e o partido que o apoia ficam responsáveis por tudo o que possa vir a acontecer a muitas famílias portuguesas, que não têm dinheiro para poder pagar o serviço de saúde, dei que, eventualmente, venham a necessitar.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento de avocação que acaba de ser apresentado.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, passamos ao requerimento de avocação da base V, apresentado pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.

O Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, as razoes que levam o Partido Socialista a pedir esta avocação concentram-se no facto de, na nossa perspectiva, todos os cidadãos terem direito a que todos os serviços de saúde, públicos ou privados, se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos interesses.
Na proposta de lei esta questão não está acautelada de forma sucinta e concreta. Daí que, na sua redacção, o Partido Socialista proponha, em alternativa, que se refira que «os cidadãos têm direito a que os serviços de saúde se constituam e funcionem de acordo com os seus legítimos interesses», não discriminando que apenas os serviços públicos devem funcionar de acordo com os interesses dos cidadãos, conforme faz o Governo na sua proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, passamos ao requerimento de avocação da base XII, apresentado pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a base IV do texto final da Comissão afirma que o direito à protecção da saúde é efectivado pelo sistema de saúde.
Tal sistema é, porém, definido pela base XII como sendo constituído «pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres que acordem com as primeiras a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades».
Tal definição contraria, claramente, o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 64.º da Constituição da República, pelo que propomos a sua eliminação e a substituição pela norma constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, passamos ao requerimento de avocação da base XIV, apresentado pelo PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a base XIV consagra o estatuto dos utentes.
Entre o elenco de deveres dos utentes encontra-se, na alínea e) do n.º 2, o de que os utentes venham a «pagar os encargos que derivem da prestação dos cuidados de saúde, quando for caso disso».
No entanto, os casos não estão tipificados, não se sabe com que critérios virão a ser fixados, não se sabe quem tem poder para decidir quando é caso para os utentes pagarem ou quando não é caso dos utentes pagarem. Não sabemos se isso fica a cargo do poder discricionário do ministro ou do poder discricionário da administração de cada unidade prestadora de cuidados de saúde. Ou será que a norma vai ser mesmo a do pagamento e que teremos uma larga faixa de cidadãos portugueses a terem, de novo, de recorrer à junta de freguesia para obterem atestados de indigência, a fim de serem isentados desse pagamento?
Neste sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendemos que se não eliminarmos esta alínea abre-se a porta para que este governo caminhe no sentido do Serviço Nacional de Saúde tendencialmente pago e não tendencialmente gratuito, como a Constituição prevê.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, segue-se o requerimento de avocação da base XV, apresentado pelo PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.

O Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão que se coloca na base XV, e que não é equacionada na proposta de lei, refere-se à possibilidade de mobilidade entre o sector público e o sector privado do pessoal da saúde.
Esta mobilidade referida na proposta de lei não acautela um princípio fundamental, que diz respeito a que essa mobilidade se efectue sem afectar o funcionamento dos serviços de origem. Quer isto dizer que, para nós, o princípio da mobilidade não é questionável. Apenas o é no diploma do Governo, que, ao não defender a instituição base e o seu funcionamento, pode provocar uma deterioração grave da prestação de serviços de saúde, sendo disso exemplo o caso do Hospital da Prelada, no Porto, aquando da sua abertura, e o desmembramento dos Serviços de Ortopedia e Traumatologia do Hospital Rodrigues Smith.
Para obviar a situações como estas propomos um texto de alternativa, onde exigimos que essa mobilidade possa ser aceite desde que não afecte o funcionamento dos serviços de origem.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

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Srs. Deputados, passamos ao requerimento de avocação da base XVIII, do PS.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.

O Sr Jorge Catarino (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, também na base XVIII, relativa à organização do território para o sistema de saúde, está consagrada a possibilidade de se dividirem as regiões de saúde em sub-regiões, não contemplando que até à criação das regiões previstas na Constituição o distrito constitua a circunscrição base da administração regionalizada de saúde.
Deste modo, o Partido Socialista propõe a eliminação do n.º 3 e o aditamento de um novo número, com o seguinte texto:

Até à criação das regiões administrativas previstas na Constituição, o distrito constituirá a circunscrição base da administração regionalizada de saúde.
Percebe-se que a redacção da proposta de lei procure contemplar a divisão das regiões de saúde em sub-regiões, pois este projecto está feito para um casamento de circunstância com as CCR, o que quer dizer que estamos a assistir a desconcentração de poderes e não a um projecto descentralizado ou mesmo participado.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos passar r ao requerimento de avocação, apresentado pelo PS, da base XXIV. Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A base XXIV enumera as características do Serviço Nacional de Saúde. Ora, nós entendemos que na enumeração dessas características - é indispensável uma alínea que nos diga que o Serviço Nacional de Saúde é basicamente financiado pelo Estado.
Um enumerado de características que não consagre, o financiamento básico do Serviço Nacional de Saúde pelo Estado não caracteriza o Serviço Nacional de Saúde, mas, pelo contrário, descaracteriza-o.
Para além desta questão de princípio há também uma questão objectiva, pelo que não colhe argumento quando se diz que esta proposta de lei já prevê o financiamento pelo Estado, dado que no n.º 1 da base XXXIII se consagra que o Serviço Nacional de Saúde é financiado pelo Orçamento do Estado.
E não colhe este argumento não tornando despiciendo que seja clarificada uma alínea nas características do Serviço Nacional de Saúde, porque ao dizer-se «ser financiado pelo Orçamento do Estado», isso não nos diz em que fatia, nem em que percentagem.
Sabemos que o Serviço Nacional de Saúde não é globalmente financiado pelo Estado, porque a base XXXIII indica outras fontes de financiamento. Portanto, entendemos imprescindível que esteja expresso que seja basicamente financiado pelo Estado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e. do deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados, passamos ao requerimento de avocação, apresentado pelo PS, sobre a base XXVI. Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida:

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A base XXVI trata da organização do Serviço Nacional de Saúde. No entanto, verifica-se que a, proposta de lei não prevê a existência de quaisquer órgãos centrais para a estrutura do Serviço Nacional de Saúde, deixando assim para o Governo a exclusividade da direcção, assim como da distribuição, de recursos financeiros existentes.
Por isso, o PS propõe a criação de um órgão chamado «Administração Central de Saúde», que é responsável a nível nacional, pela saúde das populações e adequa os recursos existentes às necessidades.
Este órgão (a Administração Central de Saúde) tem uma característica que nos parece extremamente importante, que é a autonomia administrativa e financeira, sendo constituído pelos seguintes organismos: o conselho geral, o conselho de administração, o presidente e o conselho técnico.
Portanto, consideramos que se trata de um órgão extremamente importante com funções específicas, nomeadamente, como já referi, na sua autonomia administrativa e financeira.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar ao requerimento de avocação da base XXVII, apresentado pelo PCP. Tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O n.º 1 da base XXVII do texto final elaborado em comissão, ao não atribuir às administrações regionais de saúde (ARS) quer a autonomia administrativa e financeira, como chegou a ser intenção, quer a participação activa na gestão das comunidades da região, não consagra o princípio contido no n.º 4 do artigo 64.º da Constituição da República, que afirma que «o Serviço Nacional de Saúde tem gestão descentralizada e participada».
Ora, no nosso entender, não pode haver descentralização onde só se pretende que haja desconcentração não pode haver gestão participada onde as populações são afastadas do legítimo direito de estarem presentes na administração dos serviços que pagam e que lhes pertencem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar, de seguida, ao requerimento de avocação referente à base XXVII, apresentado pelo PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Rui de Almeida.

O Sr. João Rui de Almeida (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS não pode prescindir de trazer a este Plenário a avocação desta base porque a considera extremamente importante, uma vez que nela se reflecte todo o que este governo tem feito em termos de saúde, ou seja, governamentalizar e querer o controle político da estrutura da saúde.
Portanto, a base XXVII, um pouco na continuação da anterior, ou seja, da organização do Serviço Nacional de Saúde, trata especificamente das chamadas ARS.
Neste campo, o Governo optou -e é importante que esta Câmara o saiba pela habilidade de omitir a forma de constituição e de designação deste orgão. Portanto, nós perguntamos: por que razão? Certamente, porque o Governo quer ter, mais uma vez, o controle político destes órgãos, quer governamentalizar, cada vez mais, a estrutura da saúde, ou seja, mais Estado pior Estado! Daí o facto de ter aparecido todo um conjunto de pessoas que não têm rigorosamente nada a ver com a estrutura de saúde e que, portanto, foram nomeados só pelo critério da filiação partidária e do controle político.
Ora, o PS introduz nesta matéria uma inovação, pois, para além de especificar concretamente a constituição das administrações regionais de saúde, sujeita a concurso público a constituição deste órgão. Assim, para além do presidente, que é nomeado pelo Ministro da Saúde, de entre personalidades de reconhecido mérito, a restante direcção, que é constituída por mais três funcionários dos quadros do Serviço Nacional de Saúde, deve ser preenchida entre os três primeiros classificados em concurso aberto para o efeito.
Julgamos que é uma forma salutar e prática de desgovernamentalizar a estrutura de saúde e de não haver interferência partidária, o que é extremamente importante. Portanto, será o problema, da competência que passa a prevalecer em vez do critério do cartão da filiação partidária.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS, de Os Verdes e do deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados, vamos passar ao requerimento de avocação da base XXXI, apresentado pelo PS. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.

O Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na base XXXI está definido o estatuto dos profissionais de saúde do Serviço Nacional de Saúde.
Na proposta de lei apresentada pelo Governo não está acautelada a questão fundamental da remuneração indirecta, isto é, na nossa prespectiva os profissionais dos quadros de pessoal do SNS não podem, enquanto no exercício das respectivas funções, prestar serviços no SNS em regime de convenção ou de reembolso, com remuneração directa ou indirecta.
Ao permitir-se a possibilidade da remuneração indirecta abre-se caminho a que os profissionais de saúde sejam remunerados por empresas nacionais ou multinacionais do sector da saúde, torpediando o espírito que preside ao estatuto que pretende, em última análise, defender a prestação de serviço no Serviço Nacional de Saúde e a sua qualidade. Desta forma, temos um texto alternativo que propomos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos agora passar ao requerimento de avocação da alínea d) do n.º 2 da base XXXIII, apresentado pelo PCP.

Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedimos a avocação desta base XXXIII, que diz respeito ao financiamento, na medida em que, contrariamente ao espírito da Constituição, que diz que o sistema nacional de saúde deve ser tendencialmente gratuito, se prevê, no seu ponto dois, relativamente às receitas, não só o pagamento de taxas por serviços prestados como algo que é mais grave, quanto a nós, e que se trata do pagamento da utilização de instalações ou equipamentos nos termos legalmente previstos.
Com isto, consideramos que se limita, inconstitucionalmente, o acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde agravando-se, assim, as situações de desigualdade e de discriminação na sociedade portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente Raul Castro.
Srs. Deputados vamos passar ao requerimento de avocação da base XXXIII, apresentado pelo PS. Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Cunha.

O Sr. Rui Cunha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os portugueses ficam a saber que vão ser criadas novas taxas, que não têm nada a ver com as taxas moderadoras que estão consignadas na base XXXIV, as quais merecem o nosso apoio e aprovação.
As taxas moderadoras merecem o nosso apoio e a nossa aprovação, mas os portugueses ficam a saber que vão ser criadas novas taxas por serviços prestados ou utilização de instalações ou equipamentos.

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Não temos dúvidas de que esta base se articula com a base XIV, que já aqui avocámos, aumentando as nossas preocupações já aqui expressas. Porque, Sr. Presidente, Srs. Deputados, qualquer cidadão que se dirija a uma unidade prestadora de cuidados de saúde recebe inevitavelmente serviços, utiliza inevitavelmente instalações e utiliza inevitavelmente equipamentos.
Daqui temos de concluir que não caminhamos, apenas, para um serviço tendencialmente onerado, mas temos de concluir que a regra vai ser o pagamento e que a isenção, essa sim, vai ser a excepção.
Portanto, é necessário que os Portugueses se consciencializem de que a partir de agora a regra é pagarem a prestação de cuidados de saúde.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do - PRD do CDS e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, vamos passar ao requerimento de avocação do n.º 1 da base XXXV, do PCP. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr. Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedimos a avocação desta base que também nos parece gravemente lesiva dos direitos dos cidadãos e, nomeadamente, dos princípios constitucionais.
Ficamos a saber, desde já, que, se for aprovada, passarão a ser explicitadas, em futura lei, as prestações a garantir aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde. Portanto, fica a indefinição quanto ao que tipo de prestações vão ser dadas no Serviço Nacional de Saúde. Mais grave do que isso, também será em futura lei que ficará definido quais as prestações de cuidados, de saúde que serão excluídas, ou seja, à partida a lei futura poderá vir a excluir - e não sabemos o que vai excluir - importantes prestações de cuidados de saúde.
Com isto, abre-se uma grave violação ao princípio da generalidade, princípio básico do Serviço Nacional de Saúde.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados,, vamos passar ao último requerimento de avocação, referente, ao n.º 2 da base XXXVI, apresentado pelo PCP.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Amorim.

A Sr.ª Luísa Amorim (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Requeremos também a avocação desta base XXXVI, referente à gestão dos hospitais e centros de saúde, nomeadamente do seu ponto dois, porque consideramos de que a entrega dos hospitais ou dos centros de saúde do Serviço Nacional de Saúde à gestão ou exploração por entidades privadas, transforma a saúde dos portugueses num negócio. Consideramos que isto é gravemente nefasto, porque levará a uma diminuição da qualidade dos serviços prestados e a uma eventual perda do vínculo profissional dos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde ou, pelo contrário, ao aumento das despesas do Orçamento do Estado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD e do deputado independente Carlos Macedo e votos a favor do PS, do PCP, do PRD, do CDS e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, tendo em conta o adiantado da hora sugeria à Câmara que, amanhã, em vez de iniciarmos a nossa reunião plenária às 10 horas o fizéssemos às 11 horas.

Srs. Deputados vamos proceder à votação final global do texto final, elaborado pela Comissão de Saúde, relativo à Lei de Bases da Saúde (proposta de lei n.º 127/V).

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do CDS e do deputado independente Carlos Macedo e votos contra do PS, do PCP, do PRD e do deputado independente Raul Castro.

Srs. Deputados, estão inscritos, para produzirem declarações de voto, os Srs. Deputados Nogueira de Brito, João Camilo, Jorge Catarino e Isabel Espada... Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar um esclarecimento. O CDS votou a favor dos requerimentos de avocação porque é esse o nosso critério em matéria de processo e de funcionamento da Assembleia e não porque estivéssemos de acordo com a grande maioria das declarações aqui produzidas para justificar esses mesmos requerimentos. Aliás, estamos frontalmente em desacordo com a maioria dessas declarações.
As razões do nosso voto a favor do texto final elaborado pela Comissão e, convém esclarecê-lo, não a votação da proposta do Governo, são as seguintes.
Em primeiro lugar porque entendemos que esse texto tira as consequências devidas do que foi a revisão constitucional nesta matéria. Não mais o monopólio, que prejudicava principalmente os doentes do Serviço Nacional de Saúde.
Votámos a favor, também, porque o texto final, tal como aqui foi por nós e pela Assembleia votado, corresponde, no essencial, ao projecto de lei n.º 486/V, que o CDS aqui apresentou e que mereceu o voto favorável, na generalidade, desta Assembleia.
Com efeito, é apenas na forma que a Lei que aprovámos, tem alguma coisa a ver com a proposta que no mesmo ^sentido foi apresentada pelo Governo. Como pretendíamos, o Sistema Nacional de Saúde deixou de abranger no seu abraço burocrático e paralisante as entidades privadas e os profissionais livres que queiram exercer medicina corripletamente privada. Ainda como nós pretendíamos, foram restituídas à Ordem dos Médicos funções de deontologia e de fiscalização do exercício livre da medicina, bem como a possibilidade de participar na definição da qualidade técnica dos serviços prestados pelos médicos.

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O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Ganharam todos menos os doentes!

O Orador: - Este é, pois, um passo positivo, não será o definitivo porque outros terão que ser ainda dados para ir mais longe no desmantelamento daquilo que mesmo assim, ficou do sistema nacional de saúde, enquanto resquício do Serviço Nacional de Saúde, mas estou certo que a razoabilidade e o bom senso acabarão por levar a Assembleia a dar esses passos. No entanto, repito-o, este é um passo positivo, é um passo inspirado pela nossa iniciativa legislativa e por isso pôde colher o favor do nosso voto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Camilo.

O Sr. João Camilo (PCP): - Sr. Presidente, não é para uma declaração de voto, mas para informar que o PCP a entregará, por escrito, na Mesa.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Catarino.

O Sr. Jorge Catarino (PS): - Sr. Presidente, o PS também já entregou na Mesa a sua declaração de voto.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Espada.

O Sr. Isabel Espada (PRD): - Sr. Presidente, creio que se fizesse uma declaração de voto oral os Srs. Deputados ficavam zangados comigo, por isso entregarei também na Mesa uma declaração de voto escrita.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD entregará também na Mesa uma declaração de voto por escrito.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de encerrar a sessão, desejo agradecer a colaboração de todos e o espirito final com que acabámos esta noite.
Srs. Deputados, está encerrada sessão. Eram 2 horas e 50 minutos do dia seguinte.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Monteiro de Araújo.
Álvaro José Martins Viegas.
António Costa de A. Sousa Lara.
António Joaquim Correia Vairinhos.
António Jorge Santos Pereira.
António José Caeiro da Mota Veiga
António José de Carvalho.
António Maria Oliveira de Matos.
António Maria Ourique Mendes.
António Maria Pereira.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Duarte Oliveira.
Carlos Manuel Oliveira da Silva.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Casimiro Gomes Pereira.
Cecília Pita Catarino.
Domingos da Silva e Sousa.
Eduardo Alfredo de Carvalho P. da Silva.
Fernando José Antunes Gomes Pereira.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Alves Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Filipe Manuel Silva Abreu.
Flausino José Pereira da Silva.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Mendes Costa.
Guilherme Henrique V. Rodrigues da Silva.
Jaime Gomes Mil-Homens.
João José Pedreira de Matos.
João José da Silva Maçãs.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Vilela de Araújo.
Jorge Paulo Seabra Roque da Cunha.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Leite Machado.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Albino Casimiro de Almeida.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Baptista Cardoso.
Manuel José Dias Soares Costa.
Maria Leonor Beleza M. Tavares.
Mary Patrícia Pinheiro e Lança.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Nuno Miguel S. Ferreira Silvestre.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Domingos de S. e Holstein Campilho.
Rui Carlos Alvarez Carp.
Rui Manuel Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
António Domingues de Azevedo.
Alberto Manuel Avelino.
António Manuel Henriques de Oliveira.

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Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel Natividade Costa Candal.
Hélder Oliveira dos Santos Filipe.
João António Gomes Proença.
José Apolinário Nunes Portada.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Geordano dos Santos Covas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Comunista Português (PCP):

Ana Paula da Silva Coelho.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Odete Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Natália de Oliveira Correia.

Centro Democrático Social (CDS):

Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.

Deputados independentes:

Carlos Matos Chaves de Macedo.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Henrique Nascimento Rodrigues.
José Angelo Ferreira Correia.
Margarida Borges de Carvalho.
Pedro Manuel Cruz Roseta.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

António Miguel de Morais Barreto.
António Poppe Lopes Cardoso.
Carlos Cardoso Lage. Jaime José Matos da Gama.
João Rosado Correia.
José Barbosa Mola.

Partido Comunista Português (PCP):

Octávio Rodrigues Pato.

Declaração de voto enviada à Mesa, para publicação, relativa ao texto elaborado pela comissão relativo ao exercício do direito de petição.

O Grupo Parlamentar do PCP congratula-se com os resultados da votação na especialidade dos projectos de lei atinentes ao direito de petição. A lei agora aprovada, pelo seu conteúdo e implicações, poderá dar um importante contributo à intensificação do exercício do direito de petição e ao reforço de uma componente relevante de democracia participativa constitucionalmente conjunta.

1 - Tal como o PCP propôs, opta-se por uma noção muito ampla do direito de petição, que na lei surge considerado como direito de participação na vida política (nessa medida exclusivo dos cidadãos portugueses) e, simultaneamente, como direito subjectivo de carácter não necessariamente político (extensivo, pois, a estrangeiros e apátridas mas também a nacionais que, por qualquer razão, não gozem da plenitude dos seus direitos).
Teve-se de facto, por plenamente compatível com o quadro constitucional tal solução que, no fundo, retoma e renova a histórica distinção entre petições-queixa (pétitions-plainte) e petições políticas, o que na fórmula lapidar da Constituição Francesa de 1971 conduzia à atribuição universal da primeira e ao reconhecimento da segunda aos titulares de direitos políticos («la plainte est le droit de tout homme; la pétition est le droit du citoyen»). Tal concepção flui claramente do artigo 4.º, mas também do artigo 5.º (Universalidade).
Razoavelmente considerou-se que a opção contrária conduziria a privar do direito de petição quem dele pode precisar instantemente para justa defesa de direitos e interesses legítimos. Ao contrário do aventado pelo projecto de lei n.º 491/V, não se exige o pleno gozo dos direitos civis e políticos. Aplicam-se aqui as regras gerais sobre capacidade, com a plasticidade inerente. Suprimida a limitação proposta pelo PS, regem as normas das leis aplicáveis - maxime o Código Civil e ademais, as regras próprias de diplomas especiais sobre direitos dos jovens por exemplo - com geral benefício. Porquê, na verdade, vedar petições a jovens de idade inferior a 18 anos? Porquê recusar a que viu limitada a capacidade de exercício de direitos a possibilidade de pedir providências de que necessite e que posas exprimir? A lei não foi por esse caminho.
Partiu-se do princípio de que em bom rigor, os requisitos da maioridade e do pleno gozo e exercício dos direitos civis e políticos só adquirem plena pertinência se referidos aos artigos 48.º e 49.º da Constituição que corporizam direitos políticos mas também um dever cívico que torna exigível aos seus detentores uma particular qualificação. Tal não se afigura, porém, exigível para outros direitos políticos e menos ainda para direitos subjectivos sem tal carácter. Seria contrário ao próprio escopo do instituto peticional e expressão de um «fechamento» constitucionalmente indesejado e indesejável vedar, por exemplo, ao falido ou ao preso a possibilidade de apresentar petições.
O PCP considera extremamente positivo que estes pontos de vista tenham sido acolhidos no texto final.
Clarificou-se também que podem apresentar petições quaisquer pessoas colectivas, públicas ou privadas (ponto que suscita polémica noutros países) e que pode haver petições em nome colectivo (artigo 2.º, n.º 5).
Favoreceu-se a apresentação de petições por residentes em povoações distantes e no estrangeiro (artigos 10.º e 11.º).
2 - A nova lei obedece à preocupação dominante de informatizar, simplificar e desburocratizar o exercício do direito de petição. Não contém, pois, exigências descabidas, nem sobrerrequisitos conducentes à desmobilização do aspirante a peticionário ou ao fácil indeferimento

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liminar de petições. O objectivo basilar consistiu, antes, em eliminar o mais possível obstáculos, sem deixar de garantir a certeza e segurança jurídicas imprescindíveis nas relações entre os cidadãos e órgãos de soberania e autoridades. Foi, pois, acolhida a pretensão fundamental do PCP.
A apresentação de petições surge definida, como adiante se insistirá, não como uma mera liberdade, mas como um verdadeiro direito que acarreta para os destinatários uma obrigação de registo, exame e resposta (e, no caso da Assembleia da República, um dever de apreciação em Plenário, o que confere ao direito de petição dos cidadãos um estatuto reforçado em comparação com os próprios projectos de lei cujo agendamento automático não é obrigatório).
Prescindiu-se, ao contrário da proposta pelo PS, de buscar definições, classificações e tipificações das petições possíveis, esforço que, tendo, sem dúvida, utilidade doutrinária, nesta sede não se justificava. Tais classificações não poderiam razoavelmente ser adoptadas com valor vinculativo, sob pena de a nova lei vir a representar não um factor de promoção do acesso ao direito de petição mas um poderoso obstáculo adicional - mais um! - a ultrapassar pelos cidadãos.
3 - O diploma aprovado reveste um acentuado cunho garantístico, Sem patente em aspectos fulcrais do seu articulado, designadamente:

a) A proclamação inicial da finalidade de regulação e garantia da lei (artigo 1.º, n.º 1);

b) A definição dos princípios da universidade e gratuitidade (que dada a natureza e hierarquia da lei constituem forte limite à proliferação de entraves materiais ao livre exercício do direito), como acautela o artigo 5.º;
c) A proibição de impedimentos à recolha de assinaturas ou quaisquer outros actos legais necessários à elaboração de petições (artigo 6.º);
d) O reconhecimento (dentro dos limites da responsabilidade civil e penal equacionadas nos termos gerais) de imunidade ao peticionários, na esteira das mais velhas tradições dos direitos com países civilizacionais próximas do nosso e da própria tradição jurídica democrática portuguesa (artigo 7.º);
e) A fixação de exigentes deveres gerais de apreciação das petições e de comunicação das decisões (artigo 8.º);
f) A preocupação com a igualdade dos peticionários (artigos 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 10.º, 11.º, etc.). Particularmente importantes são - sublinhe-se - as normas que asseguram notáveis facilidades para a apresentação de petições de residentes no estrangeiro, especialmente emigrantes, e habitantes de regiões menos dotadas de serviços públicos (artigos 10.º e 11.º), com reforço das obrigações, e dos encargos dos governos civis e entes públicos personalizados ou não;

g) A filosofia geral do diploma favorável à poupança de esforços do peticionário que, encetado o processo, beneficia do dever de zelo e impulso do destinatário (correcto ou mesmo incorrecto: artigo 13.º, n.º 2).

4 - As regras sobre forma e tradição são marcadas pela extrema cautela na não criação de obstáculos burocráticos ao exercício do direito: informalidade (9.º, n.º 1); realismo, num país onde há taxas de analfabetismo elevadas (artigo 9.º, n.º 2); sentido da modernidade (petições por fax, telex e outros meios - cf. artigo 9.º, n.º 3); regras estritas para o indeferimento liminar (artigo 9.º, n.º 4), muito distintas das cláusulas de malha larga propostas por alguns partidos intervenientes no debate; preocupação com os prazos mas sem impor metas irrealistas condenadas à violação (artigo 13.º, n.º 1); garantias de que os entes públicos impulsionem os processos não os deixando estancar ou perder em labirintos burocráticos (artigo 11.º, n.ºs 2 e 3); aligeiramento dos requisitos e obrigações dos peticionantes (artigos 9.º, 10.º e 11.º).
5 - Embora em medida muito inferior à desejada pelo PCP, vincula-se a Administração Pública e demais destinatários de petições a tomarem medidas de apoio à recepção, tratamento e apoio ao exercício do direito de petição o que implica a futura aprovação obrigatória (artigo 19.) de novas regras sobre atendimento de peticionários nos serviços públicos e nas empresas de capitais públicos, e outras, bem como uma clara abertura à adopção de inovações técnicas facilitadoras do exercício do direito: impressos contendo petições tipo, trabalhadores responsáveis pelo acompanhamento e apoio (incluindo o apoio especial a deficientes), linhas telefónicas especiais, já existentes em certos capítulos. Embora não tenha sido prevista como obrigatória (segundo pretendia o PCP). Ficou em aberto a criação de verdadeiros provedores dos utentes em empresas públicas ou privadas que prestam serviços essenciais (segundo experiências já em curso em empresas como os CTT/TLP).
6 - Lamentavelmente ficou-se muito aquém do proposto pelo PCP quanto ao direito de petição perante organizações internacionais.
a) No entanto é óbvio que no que diz respeito ao direito comunitário continuarão a aplicar-se as regras pertinentes (vigentes na ordem intensa e comunitária) no quadro descrito, por exemplo, nos relatórios dá Comissão de Petições do Parlamento Europeu relativos aos anos de 1987, 1988 e 1989 (CRF. PE/DOCS SA, DOC A2-152/87/87, DOC A2-0044/88, DOC A2-79/89).
b) Por outro lado, mantêm-se em vigor as normas de apoio específico existentes à data da publicação e início de vigência da nova lei, o que é especialmente relevante para os reclusos quanto ao direito de petição perante a Comissão Europeia dos Direitos do Homem. O Despacho Normativo 130/80, de 17 de Abril, dispõe, na verdade, que:

1.º Os reclusos que se considerem vítimas de violação de qualquer dos direitos enumerados na Convenção Europeia dos Direitos do Homem e seus Protocolos adicionais, com as reservas formuladas pela Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro, por acto de uma autoridade pública praticado posteriormente à data da entrada em vigor em Portugal da Convenção, poderão, depois de esgotados os recursos internos, e no prazo de seis meses após a última decisão da mais elevada instância nacional competente, apresentar à Comissão Europeia dos Direitos do Homem, individual ou colectivamente, uma petição, dirigida ao Secretário-Geral do Conselho da Europa.

2.º - 1 - A petição, em papel comum isento de selo, aplicar-se-á, de forma que não fique prejudicado o efectivo exercício dos direitos consignados nos artigos 25.º e seguintes da Convenção, o regime dos artigos 40.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 265/79.

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2 - Não poderá, em qualquer caso, ser retida pelo. director do estabelecimento prisional correspondência dirigida pelo recluso ao Conselho da Europa ou deste provinda.

3.º A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais facultará aos reclusos que o solicitem a consulta, nos estabelecimentos prisionais, da Lei n.º 65/78 e do texto integral da Convenção e protocolos adicionais, na tradução oficial.
4.º A mesma Direcção-Geral promoverá seja efectuada uma tradução, não oficial, em português, do Regulamento Interno da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, que facultará, quando possível, aos reclusos que o solicitem.
5.º O recluso que pretenda ser esclarecido da forma como mais adequadamente deve proceder para exercer o direito de petição, pode dirigir-se, em exposição fundamentada, ao Gabinete de Acesso ao Direito do Ministério da Justiça/logo que criado/6.º - 1 - Para que a sua petição possa ser redigida numa das línguas oficiais da Comissão (francês ou inglês), o recluso pode' solicitar, em requerimento dirigido ao Ministro da Justiça, onde sumariamente justifique o seu estado de carência económica ou qualquer outra dificuldade atendível, que ela seja traduzida numa dessas línguas pelos serviços do Ministério.

2 - O Ministério da Justiça, ouvido o director do estabelecimento prisional, autorizará, se entender que a justificação procede, que a petição seja traduzida numa dessas línguas sem qualquer encargo para o recluso.
3 - Em tal caso, a petição não deverá, como regra, exceder duas folhas de papel de vinte e cinco linhas.
7 - O apoio jurídico previsto nos n.ºs 5.º e 6.º antecedentes não está sujeito, por parte do Ministério da Justiça, a qualquer prazo, nem é para ele vinculativo, não podendo o recluso invocar a sua não concessão como causa do não exercício do direito de petição.

2 - O pedido de apoio jurídico deverá ser assinado pelo recluso.

3 - Aos reclusos analfabetos ou que não possam escrever aplicar-se-á o regime do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 265/79.
8.º As pessoas que, nos termos legais, tomem conhecimento de petições ou de correspondência com elas relacionadas estão obrigadas a sigilo.
9.º Qualquer dúvida na execução do presente despacho normativo está esclarecida por despacho do Ministro da Justiça.
3 - A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais circulará Q presente despacho pelos estabelecimentos prisionais, em termos que os reclusos dele possam efectivamente tomar conhecimento.
Importa que a publicação da nova lei (e em especial o seu artigo 19.º) acarrete um novo impulso para a publicação e uso destas normas tão relevantes.
c) Finalmente, é evidente que caberá à Assembleia da República e ao Governo vir a fixar directrizes tendentes a incentivar a cooperaçâo entre órgãos ou autoridades nacionais e organizações internacionais competentes para a apreciação de petições. Neste âmbito, é desejável designadamente, que a Assembleia da República estabeleça especial articulação e cooperação com o Parlamento Europeu, a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa e a Comissão Europeia dos Direitos do Homem. A lei deixa imprejudicados tais caminhos de inevitável evolução. Pena é que não os tenha desenhado em rigor, como queria o PCP.
7 - Mereceu largo consenso o, capítulo dedicado à apreciação de petições pela Assembleia da República, no caminho balizado pela 2.º revisão constitucional. É de aplaudir especialmente:

a) A imediata aplicabilidade do essencial do regime previsto: embora se refira o papel do Regimento, este é diminuto a lei diz muito, diz quase tudo o que é inovador, e o regimento vigente completa o que na lei se não especifica. Isto é relevante para a maior inovação a apreciação de petições pelo Plenário (artigo 18.º); A apreciação de petições em Plenário é, com efeito, uma revolução participativa, susceptível de mudar aspectos negativos da vida parlamentar e abrir o Plenário a preocupações relevantes da sociedade civil. Regulado em termos hábeis o novo direito dos cidadãos acarreta também novos direitos dê agendamento para os partidos (artigo 18.º, n.º 3), abrindo assim uma nova frente de intervenção, potenciadora da ligação Parlamento-partidos-sociedade;
C) A flexibilização das regras de publicação de petições e respectivos relatórios (artigo 17.º); d) Uma pedagógica inventariação das possibilidades de acção parlamentar na sequência de petições (artigo 16.º);
Amplos poderes de investigação e instrução para preparar resposta adequada a petições (artigo 15.º, n.º 3).

Às petições à Assembleia da República aplicam-se ainda as regras gerais sobre apresentação constante dos artigos do capítulo I (maxime dos artigos 10.º e 11.º).
8 - A lei não esquece a necessidade de ulteriores esforços para facilitar ainda mais o exercício do direito de petição. O artigo 19.º vincula todas as entidades públicas e autoridades e exige-lhes não uma regulamentação (desnecessária: regulamentar é a lei!) mas uma normação meramente complementar, de utilidade certa dentro do quadro da Constituição e da lei - e evidentemente dentro dos limites de ambas ou melhor ainda praeter legem. Pense-se nos casos dos municípios, regiões regiões autónomas, institutos públicos, etc.
De qualquer forma, o novo regime entrará em vigor nos termos do artigo 20.º em todos os casos.
9 - Este amplo reconhecimento e garantia constitucional do direito de petição traduz bem a ruptura com todas as concepções que, consentindo embora aos cidadãos a expressão de queixas, reclamações, representações e outras formas de petições, colocavam a sua apreciação (ou não) na inteira disponibilidade das autoridades, como que desligando as petições dos seus autores e absorvendo-as no corpo de um Estado de facto impermeável a participação cívica e à mediação política por parte da sociedade.
A aprovação da presente lei é, pois, uma vitória pela construção do Estado de direito democrático que exige

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genuína e crescente participação, apela ao reconhecimento e livre expressão de todas as diferenças, admite e incentiva a multiplicidade e diversidade de formas de participação para garantir a «efectivação dos direitos e liberdades fundamentais», a realização da «democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa», como lapidarmente estabelece o artigo 2.º da Constituição da República.
Que com o seu trabalho o PCP contribuiu significativamente para a aprovação do diploma que assim inova é um facto indesmentível. Começará agora o esforço enorme de garantir a sua aplicação. Também para esse efeito contarão os cidadãos, em especial os trabalhadores, com a atenção, a vigilância e o empenhamento pleno de todos os deputados do Grupo Parlamentar do PCP.

Palácio de São Bento, 12 de Julho de 1990. - O Deputado do PCP, José Magalhães.

Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas ao texto elaborado pela comissão resultante da apreciação da proposta de lei n.º 130/V e do projecto de lei n.º 457/V (PS), relativos, respectivamente, à aprovação do regime da actividade de radiotelevisão no território nacional e ao exercício da actividade de radiotelevisão.

1 - Sem prejuízo da concordância com o objectivo geral do diploma agora votado -a abertura da radiotelevisão à iniciativa privada e o fim do monopólio do Estado que dela decorre -, os deputados do PSD abaixo assinados entendem ser seu dever tornar clara a sua discordância em relação ao artigo 25.º referente ao tempo de emissão para as confissões religiosas.
2 - Esta discordância fundamenta-se nas seguintes razoes:

a) Entendem os signatários que aquele dispositivo não consubstancia o direito das confissões religiosas de utilizarem meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas actividades consagrado no artigo 41.º, n.º 5, da Constituição, que é elemento essencial da liberdade religiosa.
Na verdade, o referido direito de modo algum pode ser confundido com um tempo de antena, ainda que alargado, antes deve consistir na concretização do direito das confissões religiosas a um espaço de televisão próprio suficientemente prolongado de acordo com a representatividade social de cada uma e de sua inteira responsabilidade. Ora, o tempo atribuído, além de vago e impreciso («até duas horas diárias»), não só não se distingue de um simples programa quotidiano como qualquer outro como é manifestamente insuficiente para fixação de audiência;
b) Concordando embora, tal como a Igreja Católica, com o direito de acesso de outras confissões religiosas aos meios de comunicação social públicos de acordo com a representatividade social de cada uma, os signatários discordam da diluição, pouco respeitadora da história e da realidade cultural e social do povo português, da Igreja Católica na expressão genérica «confissões religiosas».
Ignora-se, assim, o papel eminente da Igreja na formação e consolidação da própria consciência e identidade nacionais e o seu real contributo actual para o bem comum dos Portugueses.
Entendem, por isso, os signatários que à Igreja Católica, por si só, deverá ser atribuído um tempo diário de emissão mais alargado que o previsto no n.º l, que tenha em consideração, sem esquecer o seu especial estatuto concordatário, a posição de relevo ímpar, o seu enraizamento na maioria do nosso povo e a importância da sua mensagem;
c) Os signatários são de opinião que os compromissos assumidos pelo PSD e pelos seus governos para com a Igreja Católica, ao longo de quase 10 anos, não são satisfatoriamente alcançados pela solução adoptada no articulado em causa;
d) Finalmente, os signatários consideram inadmissível a atribuição à vontade discricionária e unilateral dos corpos gerentes de uma empresa pública do encargo de fixar as condições de utilização do tempo de emissão para as confissões religiosas. Com efeito, uma empresa pública é, evidentemente, uma entidade em absoluto incompetente para fixar unilateralmente as condições do exercício de um direito fundamental, como é a liberdade de religião.
3 - Os signatários, cuja votação decorreu, antes de mais, das obrigações resultantes do Regulamento do Grupo Parlamentar quanto à disciplina de voto, manifestam, desde já, o seu empenho em ver, em ulterior oportunidade, substituído o artigo 25.º acima referido.

Lisboa, 12 de Julho de 1990. - Os Deputados do PSD: Pedro Roseta - Pedro Campilho-Lalanda Ribeiro - Licinio Moreira-João Salgado - Vasco Miguel - Joaquim Vilela Araújo - Carlos Pereira Baptista- Dinah Alhandra - Lacerda de Queirós - Manuel da Costa Andrade - Luís Pais de Sousa - João Poças Santos - João Maria Oliveira Martins - Francisco Antunes da Silva - José Luís Ramos - António de Sousa Lara - Amândio Anjos Gomes - Evaristo Guerra de Oliveira - Manuel Soares Costa - Patrícia Lança - Fernando Amaral - José Mota Veiga - Manuel Carraca dos Reis - Reinaldo Gomes - Daniel Bastos-José Pessoa Paiva-António Fernandes Ribeiro - Maria Conceição de Castro Pereira - Fernando Barata Rocha - Fernando Conceição - António Augusto Ramos - Arménio Santos - Filipe Abreu - Guerreiro Norte-Lemos Damião - Vargas Bulcão - Francisco Mendes Costa - Casimiro Gomes Pereira - Mário Maciel - Vieira Mesquita-Fernando Condesso-José Pereira Lopes-Walter Lopes Teixeira - Domingos da Silva e Sousa - Rui de Almeida Mendes -Flausino Pereira da Silva - Francisco Bernardino Silva - Francisco João Bernardino da Silva - João Pedreira de Matos - João Costa da Silva - Rui Gomes da Silva - Rui Carp - Guilherme Silva - Carlos Lélis - Luís Rodrigues - Cecília Catarino - António Sérgio Azevedo - Jorge dos Santos Pereira - Manuela Aguiar - Mateus de Brito - Luís Amaral - Álvaro Martins Viegas e mais quatro deputados.

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A aprovação da lei que regula o regime da actividade de televisão é um momento alto desta legislatura. Desta e não de anteriores porque preconceitos de partidos da oposição não permitiram antecipar este momento e, consequentemente, defender o País e os Portugueses das invasões exteriores e de um monolitismo não catalisador da qualidade e contrário à diversidade que define uma sociedade plural.
Quem, como eu, entende que a sociedade civil é mais conflitual do que o Estado, e, como tal, defende que os órgãos de comunicação social devem, preferencialmente, ser propriedade da primeira e não do segundo, tem hoje sérios motivos de regozijo. Infelizmente e para além de questões menores que não importa agora equacionar -, o conteúdo do artigo 25.º da lei, com o qual estou em frontal desacordo, condiciona o aplauso e justifica a explicitação na presente declaração de voto das principais razões que o determinam.
São três, a saber:

1) A constitucionalidade da norma que, sendo, na opinião de eminentes juristas, discutível, pode vir a ter consequências gravosas sobre todo o processo de abertura da televisão à iniciativa privada. É que «meios próprios» não é sinónimo de tempo de antena alargado (artigo 41.º, n.º 5, da CRP);
2) Q texto aprovado, ficando aquém do que seria justo, fica longe do que é a memória do partido e os compromissos assumidos nesta matéria. E, num momento em que se esbatem as fronteiras das ideologias, estou convicto de que um dos mais importantes factores de fixação do eleitorado é o rigoroso cumprimento de promessas feitas;
3) O facto de o período de emissão previsto para as confissões religiosas vir a ser fixado pelo conselho de gerência da RTP pode dar lugar a situações menos dignificantes que importava terem sido acauteladas.
Estes motivos essenciais impediram uma solução consensual com a Igreja Católica. Tratava-se, em minha opinião, de um objectivo estratégico e possível de alcançar.
Explicitarei, resumidamente, o entendimento que tenho sobre a solução mais vantajosa para o País, para a Igreja e para o partido:

1) Concessão à Igreja Católica de um período de emissão no 2.º canal do serviço público em horário nobre, a regulamentar em momento posterior;
2) A efectivação desta concessão só se verificaria se a Igreja Católica, directa ou indirectamente, não se apresentasse ao concurso público nos termos previstos no artigo 8.º da Lei;
3) O período de emissão poderia ser crescente, começando, por exemplo, em três horas de emissão diárias, que, refira-se, é considerado o menor período que permite a identificação pelos telespectadores de um período de emissão com responsabilidade autónoma (menos do que isso é um programa e não um período de emissão), e incluiria sempre o recurso à publicidade;
4) O acesso à publicidade, consequência da necessidade de a Igreja suportar os custos inerentes à produção própria e à programação, a que acresceria o montante a pagar à concessionária do serviço público por bens de equipamento utilizados e diminuição de receitas desta última, seria limitado à soma destas parcelas e, como tal, necessariamente, diferente do estipulado para os concorrentes que, muito justamente, têm o objectivo do lucro.
É minha profunda convicção que um processo negocial balizado por estes pressupostos teria permitido um acordo. Deixaria de ser válida a argumentação de que o limite das duas horas de emissão diárias tem a ver com razões de ordem económica resultantes da decisão política - acertada, reconheço de acabar com a taxa de televisão e com a diminuição de receitas da concessionária do serviço público. Este último argumento é, de resto, não válido, na medida em que, actualmente, os custos de exploração do 2.º canal são francamente superiores às receitas publicitárias daí resultantes.
Nada é mais frustrante em política do que estar a dois passos da solução e ficar a anos-luz dela. Pessoalmente, tenho a consciência tranquila. Lutei com empenho, mas lisura, por outra solução que não fez vencimento. Respeito a decisão legítima que foi tomada, mas não me inibirei de pugnar no futuro pela sua alteração. Se um dia antecipar, com o meu contributo, esse momento já valeu a pena.

Assembleia da República, 12 de Julho de 1990. - O Deputado do PSD, Nuno Delerue.

Declarações da voto enviadas â Mesa, para publicação, relativas ao texto final elaborado pela comissão sobre a proposta de lei n.º 146/V (alteração à Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro - Lei de Bases da Reforma Agrária).

Na sequência da revisão constitucional foi criado um quadro jurídico que veio permitir ao legislador reformular o normativo referente à estruturação fundiária na região sul do País.
A vontade política de há vários anos manifestada pelo PSD, nos sentido de minimizar as injustiças existentes na região, estabilizar a titularidade de terra e eliminar assimetrias entre os diversos pontos do país, tornou-se agora possível e foi concretizada através da proposta de lei n.º 146/V, enriquecida em sede de especialidade com o contributo das propostas de alteração apresentadas pelo PSD, PCP e CDS, excluindo o PS, que praticamente se alheou da problemática.
O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata votou favoravelmente, consciente de que a nova legislação representa um instrumento decisivo para o desenvolvimento sócio-económico do Sul e um factor de equilíbrio no relacionamento entre os vários interventores do sector.

Os Deputados do PSD: João Maçãs - Carlos Duarte.

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português decidiu votar contra a proposta de lei n.º 146/V, da iniciativa do Governo, que visa alterar a Lei n.º 109/88, de 26 de Setembro (Lei de Bases da Reforma Agrária), por esta contrariar, de forma gritante, princípios e normas constitucionais fundamentais.

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A) A Constituição da República pós 2.º revisão considera objectivo da política agrícola «o acesso à propriedade ou à posse da terra e demais meios de produção directamente utilizados na sua exploração» [artigo 96.º, n.º 1, alínea b), parte final] e prevê expressamente a eliminação do latifúndio (artigo 97.º), que é também uma das incumbências prioritárias do Estado [artigo 81.º, alínea h)].
«Eliminar os latifúndios e reordenar o minifúndio» é uma tarefa prioritária do Estado e, portanto, uma concreta obrigação do Estado no âmbito económico e social.
Em contradição com o imperativo constitucional de eliminação dos latifúndios, a proposta de lei pretende reconstituí-los e não eliminá-los. Este objectivo modela toda a proposta de lei, mas toma-se particularmente claro com a leitura atenta da redacção proposta para os artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 109/88. Assim:

Com a eliminação proposta do n.º 5 do artigo 17.º, deixam de sofrer de nulidade os actos jurídicos que conduzam à reunificação das reservas atribuídas aos contitulares ou herdeiros. Na prática, permite-se a reunificação das reservas atribuídas nos termos deste artigo, com o único limite da pontuação estabelecida para o direito de reserva;
A nova redacção proposta para o artigo 18.º da Lei de Bases da Reforma Agrária vem, por outro lado, permitir a atribuição às sociedades de uma «reserva múltipla» que «não pode exceder 364 000 pontos». Acresce dizer que este limite é quatro vezes superior à pontuação geral atribuída para o direito de reserva e ainda pode ser alargado no caso das sociedades por quotas.
B) A proposta de lei atenta contra os mais elementares princípios de um Estado de direito democrático e viola os artigos 205.º e 206.º da CRP, ao atribuir à administração competências que são, indubitavelmente, da função judicial.
O Governo, com o aditamento de um novo artigo, o artigo 14.º-A. invade a competência dos tribunais, negando-lhes a possibilidade de, casuisticamente, se pronunciarem sobre o direito de propriedade dos prédios ocupados.
Assim, aquilo que sempre foi decidido pelos tribunais comuns nas acções de reivindicação da propriedade passa agora a ser exclusiva competência da «omnipotente» Administração, não podendo o particular tão pouco socorrer-se do procedimento cautelar da suspensão da eficácia dos actos administrativos (por aplicação do artigo 50.º da proposta e do n.º 2 do artigo 14.º da Lei n.º 109/88).
C) O artigo 50.º da Lei n.º 109/88 é já hoje do como inconstitucional pela maioria da doutrina e pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (neste senado, o Acordão do STA de 20 de Abril de 1989, da 1.º Secção do Contencioso Administrativa). É inconstitucional por restringir, inconstitucionalmente, o direito dos interessados ao recurso contencioso - artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
A proposta, reformulando este artigo e alargando o respectivo âmbito de aplicação aos demais casos de atribuição ou devolução de terras, consubstancia uma intolerável resposta à jurisprudência dominante do STA, por um lado, e mantém o vício da inconstitucionalidade, por outro.
D) Finalmente, a nova redacção proposta para o artigo 37.º da Lei n.º 109/88 viola o princípio da igualdade definido no artigo 13.º da Constituição ao limitar o número de beneficiários de terras, privilegiando uns em detrimento de outros.
Limita-se, desta forma, inconstitucionalmente, o acesso à propriedade ou à posse da terra de cooperativas de trabalhadores rurais ou de pequenos agricultores e de outras formas de exploração por trabalhadores, que a Constituição, no n.º 2 do artigo 97.º, considera, ao lado dos pequenos agricultores (de preferência integrados em unidades de exploração familiar), beneficiários da entrega de terras.
Para além das inconstitucionalidades já descritas, esta proposta de lei vem agravar a situação da já degradada economia do Alentejo, mercê das políticas de liquidação da reforma agrária e restauração da propriedade latifundiária, constituindo esta, de novo, o mais pesado factor de estrangulamento social e económico da região.
Os indicadores económicos e sociais revelam uma progressiva deterioração, registando, de novo e tal como antes do 25 de Abril, os mais baixos índices de intensidade de actividade económica no País, expressando as consequências de políticas desenvolvidas quase que exclusivamente em função da restauração da propriedade latifundiária e de uma economia crescentemente dominada e estrangulada pelo regime de propriedade e exploração latifundiários, assente em sistemas económico produtivos incapazes de racionalizar e potencializar a utilização dos recursos, de dinamizar o crescimento e diversificação de outras actividades, de promover o desenvolvimento num regime que tem penalizado fortemente a região, descapitalizando-a, amarrando-a a um baixíssimo nível de industrialização e a condições de trabalho precário e sazonal que têm um efeito fortemente repulsivo dos trabalhadores, sobretudo dos mais jovens.
Persiste, e em muitos casos acentua-se, a ineficácia económico-produtiva, a má utilização e o desaproveitamento dos recursos. Assim:

Mais de 60 % da área das grandes explorações latifundiárias está submetida de novo ao absentismo;
Em 71 % das explorações latifundiárias verifica-se que a terra de aptidão arvense de sequeiro está abandonada ou subaproveitada, o mesmo se verificando em 25% das explorações relativamente ao regadio;
Em 33% das explorações latifundiárias com pecuária registam-se substanciais reduções dos efectivos;
O conjunto dos perímetros de rega do Alentejo e Ribatejo, excluindo o Vale do Tejo, permitem regar cerca de 60000 hectares; no entanto, só são aproveitados anualmente cerca de 45% desta área disponível;
Em 58 % das explorações verifica-se o emprego apenas da força de trabalho temporário.
O PSD, ao fazer aprovar esta proposta de lei do Governo (todos os restantes grupos parlamentares votaram contra), acaba de cometer um atentado aos interesses da região e do País. Ao pretender liquidar a reforma agrária, o PSD e o Governo repõem de novo a necessidade de realizar a reforma agrária.

Assembleia da República, 12 de Julho de 1990. - O Deputado do PCP, Rogério de Brito.

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Declarações de voto enviadas à Mesa, para publicação, relativas ao texto final elaborado pela. comissão sobre a proposta de lei n.º 127/V (Lei de Bases da Saúde).
Ao aprovar-se neste Plenário a Lei de Bases da Saúde deu-se o passo que a revisão constitucional permitia neste sector.
A modificação operada por força do artigo 64.º, n.º 3, da Constituição faz com que, finalmente, a saúde dos portugueses deixe de ficar emparedada, como o esteve no passado, e abre, assim, um caminho para o futuro onde a socialização dos cuidados de saúde deixa de ter força de lei. A lei, até ao presente momento, não tinha efeitos benéficos para os utentes e nem satisfazia os trabalhadores da saúde.
Francisco de Sá Carneiro um dia clamou bem alto:

O homem é a nossa medida, nossa regra absoluta, nosso início e nossa meta.
Sem absoluto respeito por ele não há, não pode haver, democracia verdadeira.
Este grande vulto de homem de Estado definiu em poucas palavras o que o PSD defende para o povo português e para Portugal. Esta Lei de Bases é entre outras iniciativas que o PSD tomou, para melhorar o bem--estar em favor do povo português.
O Deputado do PSD, António Bacelar.

O Partido Socialista, consciente das suas responsabilidades passadas e convicto dos deveres, que os portugueses lhe incumbirão em futuro previsível, considera o Serviço Nacional de Saúde como o instrumento governativo criado pela Constituição para se cumprir o direito dos cidadãos à protecção da saúde e ao dever de a defender e promover.
O SNS é o instrumento mais equitativo e eficiente para organizar o sistema prestador de cuidados de saúde. É, de resto, o modelo previsto, na Constituição e nela mantido após a última revisão.
Para o Partido Socialista a presente proposta de lei do Governo denuncia um propósito claro de reduzir as responsabilidades do Estado como garante do direito constitucional à protecção da saúde dos cidadãos, agravando, em contrapartida, os encargos dos doentes.
A desvalorização objectiva do SNS no quadro do sistema dê saúde provoca um inequívoco retrocesso na equidade da prestação dos cuidados de saúde, promovendo a injustiça social, com uma medicina para ricos e outra para pobres.
A ênfase colocada no conceito de excluir do sistema de saúde todas as entidades privadas e. os profissionais livres que desenvolvam actividades na mesma área, equacionada no n.º 1 da base XII, não é inocente, antes pretende desvalorizar o SNS, vincando não ser ele mais do que uma simples componente do capítulo II (Das entidades prestadoras dos cuidados de saúde em geral).
A proposta do Governo é, em resumo, fruto de mentalidades autoritárias, ignorando a participação e a procura de consensos e equilíbrios indispensáveis para obra duradoura e não parecendo tal documento ser do mesmo partido que votou há pouco mais de ano e meio a Constituição revista: na primeira ocasião o SNS é retalhado, entregando a carne ao sector privado e os ossos aos serviços públicos.
Assim, o Grupo Parlamentar do PS votou contra o texto final da proposta de lei do Governo, Lei de Bases da Saúde, pese embora as alterações nele introduzidas pelos parlamentares do PSD após o acordo celebrado com a Ordem dos Médicos.
Das numerosas propostas de alteração do PS só duas ou três de mero pormenor ou aperfeiçoamento da redacção foram aceites.
Utilizando a sua maioria, o PSD desperdiçou o contributo valorativo que a oposição quis de boa fé oferecer, assumindo a exclusiva responsabilização perante o País pelos resultados da aplicação da presente proposta de lei.
O nosso voto contra filia-se ainda nas seguintes questões essenciais:

1) Não considerar o SNS como órgão fundamental do sistema de saúde dos Portugueses;
2) Incentivar esquemas de financiamento e facilidades fiscais especiais para a iniciativa privada em concorrência com o SNS (quando são conhecidas as parcas verbas disponibilizadas para o sector da saúde em geral), promovendo a concorrência ao magro orçamento da saúde, quando ela se deveria colocar em termos da qualidade , da prestação de cuidados de saúde;
3) Defender a institucionalização de novas taxas de conteúdo e valor indefinidos para além das moderadoras já existentes, abrindo caminho para uma medicina para ricos e outra para pobres;
4) Procurar artificialmente regionalizar a saúde na perspectiva das CCR já instituídas, confundindo regionalização com desconcentração, e contrariando o preceito constitucional da descentralização e participação;
5) Não enunciar a constituição dos órgãos do SNS , nem a sua forma de provimento, abrindo caminho à nomeação de novos comissários políticos;
6) Permitir à acumulação de funções dentro e fora do SNS ao aceitar a forma de remuneração indirecta, em claro apoio às multinacionais da saúde;
7) Permitir a mobilidade de pessoal de saúde entre o sector público e privado, sem enunciar que isso deve ser feito «sem prejuízo do funcionamento do serviço de origem», não acautelando, portanto, a questão magna da qualidade da prestação de serviço dentro do SNS;
8) Reduzir as responsabilidades do Estado como garante do direito constitucional à protecção da saúde dos cidadãos e agravar os encargos dos doentes.

Finalmente, votamos contra na certeza de que os Portugueses serão gravemente penalizados pela deterioração progressiva do SNS, propósito último desta proposta de lei.

Assembleia da República, 12 de Julho de 1990. - Os Deputados do PS: Jorge Catarino - Rui Cunha - João Rui de Almeida.

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O Grupo Parlamentar do PCP considera que o texto final aprovado de Lei de Bases de Saúde, resultado da negociação entre a proposta de lei do governo do PSD e as exigências do CDS e da direcção da Ordem dos Médicos, representa um gravíssimo atentado ao direito à saúde dos Portugueses, uma ameaça à garantia de estabilidade e carreiras dos trabalhadores da saúde e um profundo recuo em relação ao enquadramento jurídico anterior, que consagrava o Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito, como forma de o Estado realizar a protecção do direito à saúde dos cidadãos.
Esta iniciativa legislativa do Governo só foi possível com a última revisão constitucional que alterou o artigo 64.º com os votos do PS e do PSD. Contudo, o governo de Cavaco Silva foi mais longe e em muitos casos avançou formulações que manifestamente se chocam com os imperativos constitucionais.
O direito à protecção da saúde é porém um direito demasiado sentido e vivido pelos Portugueses para que seja fácil a qualquer partido ou a qualquer governo pô-lo em causa.
O PCP não deixará de lutar pelo direito à saúde dos Portugueses no novo quadro de condições mais adversas e o seu grupo parlamentar apresentará novas iniciativas legislativas para minorar ou limitar os efeitos mais perniciosos da lei agora aprovada.
Quer no âmbito parlamentar, quer através da acção de um necessário governo democrático com uma política democrática, continuaremos a ser a voz dos que entendem que a promoção da saúde e a prevenção da doença, a cura e a reabilitação constituem um todo que o Estado democrático deve assegurar, em igualdade de acesso, a todos os portugueses e com a sua directa participação.

Assembleia da República, 13 de Julho de 1990. - O Deputado do PCP, João Camilo.

O PRD vota contra o texto final da Lei de Bases de Saúde por considerar que, não obstante as alterações, em alguns casos de pormenor, que vieram a ser introduzidas durante a discussão na especialidade, a Lei continua claramente a enfermar das mesmas deformações detectadas e referenciadas por nós em relação à proposta de lei original.
Deficiências essas que se traduzem nomeadamente ao nível:

1) Do conceito do SNS - apresentando-se descaracterizado e inadequado como instrumento fundamental de protecção e garantia da saúde nos cidadãos;

2) Do conceito do sector privado de saúde - criando excessivos incentivos e facilidades ao sector privado, de saúde à custa e em detrimento do sector público, em relação ao qual, por sua vez, a Lei não cria condições para uma melhoria na qualidade da prestação de cuidados de saúde.

Votamos contra esta Lei com a convicção clara de que ela será portadora de maior injustiça social e se traduzirá numa quebra do nível sanitário do povo português.

Assembleia da República, 13 de Julho de 1990. - Os Deputados do PRD: Isabel Espada - Carlos Lilaia.

Os REDACTORES: Maria Amélia Martins - José Diogo - Ana Marques da Cruz - Cacilda Nordeste - Isabel Barral - Maria Leonor Ferreira.

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DIÁRIO da Assembleia da República

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