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10 DE MAIO DE 1991 2475

O que vai marcar a nossa diferença na Europa é a nossa capacidade de uma nova etapa no relacionamento com a África e com o Brasil. Mas uma causa nacional como esta exige meios, políticas, instrumentos, quadros, formação e vontade política, e não pode continuar a ser uma carolice de alguns e um desleixo do Estado.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.

O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, apenas um pequeno registo, que é, também, um agradecimento. V. Ex.ª, com esta intervenção, elevou o debate, sobretudo quando comparado com aquilo que hoje, de manha, aqui se passou.
Em nome do PRD, os nossos agradecimentos. Não é verdade. Não ficamos sozinhos, por agora, e espero que outros se juntem a nós.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Urbano Rodrigues.

O Sr. Miguel Urbano Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate realiza-se num momento em que a opinião pública portuguesa acompanha, com muita atenção, acontecimentos que envolvem o futuro próximo em Angola e vão influenciar o desenvolvimento global da situação em toda a África Austral.
Tal coincidência tende a polarizar a discussão em tomo de aspectos conjunturais da política externa de cooperação, subalternizando o que nela deve ser fundamental.
Não vou, por isso mesmo, falar do circunstancial. A minha intervenção não está orientada para a exegese da cooperação concebida na perspectiva do governo Cavaco Silva. Não me ocuparei dos seus actos e iniciativas, inseridos numa estratégia em que a autopromoção constitui meta prioritária e obsessiva.
Afigura-se-me mais útil aproveitar estes minutos para uma breve e desambiciosa reflexão inseparável de princípios e questões de actualidade permanente e da necessidade de desmascaramento da falsa cooperação no relacionamento entre os povos.
Portugal é um pequeno pais, insuficientemente desenvolvido, cuja contribuição para o avanço e a integração da humanidade foi muito importante. Pelo relacionamento antigo e complexo com povos de outros continentes e pela nossa posição mundial no limiar do século X», estamos numa postura favorável para compreender um dos problemas mais dramáticos que a humanidade enfrenta hoje: a desigualdade crescente entre países ricos e pobres, entre o reduzido grupo de nações de economia desenvolvida e os Estados do Terceiro Mundo, ou seja, aqueles que, representando apenas um quinto da população da Terra, consomem ou controlam 80% da riqueza produzida no Planeta.
Estamos na CEE, integrados no pelotão dos ricos. Mas somente por demagogia e hipocrisia se pode sustentar que Portugal é um país plenamente desenvolvido. Situamo-nos a meio caminho entre a industrialização e o subdesenvolvimento, entre a abundância e a pobreza.
Seria farisaico assumirmos o discurso da generosidade da ajuda numa época em que o fosso entre os dois mundos se aprofunda. Não é a solidariedade, mas, sim, o egoísmo que caracteriza hoje, mais e mais, as relações Norte/Sul.
A exploração dos povos que não conseguem defender-se dos mecanismos dela - e são pouquíssimos - alastra como realidade trágica. A cooperação autentica emerge como excepção. O que se desenvolve, o que cresce, são sistemas de dominação e espoliação sob a máscara da ajuda económica solidária.
A tentativa de passagem para o limiar do mundo moderno de sociedades que, há poucas décadas, mal haviam ultrapassado a fase tribal efectuou-se em função de interesses incompatíveis com os desses povos. O resultado foi, em dezenas de Estados - nomeadamente em África - , uma proliferação de desequilíbrios estruturais alarmantes.
O homem desceu já na Lua, mas nunca houve tanta fome, tanta miséria, tamanha devastação do ambiente em África e em amplas regiões da América Latina e da Ásia.
A deterioração constante dos termos de intercâmbio tem contribuído para o galopante empobrecimento dos mais pobres. Enquanto as exportações dos países desenvolvidos se valorizam, os recursos naturais vendidos pelos mais pobres desvalorizam-se. O que a Europa, os EUA e o Japão compram ao Terceiro Mundo é cada vez mais barato, mas os seus produtos manufacturados são cada vez mais caros.
A transformação da política de exploração colonial durante as duas décadas que precederam a última Guerra Mundial e as que se lhe seguiram, fez do Terceiro Mundo uma área preferencialmente receptora de capitais. Hoje, a situação é inversa. O aperfeiçoamento das relações neocoloniais levou a uma exploração cada vez mais predatória, mas também muito mais sofisticada, dos recursos existentes em muitos países atrasados. Agravou a contradição entre exploradores e explorados.
O Brasil produz hoje mais aço do que a Grã-Bretanha no auge do seu poderio imperial. Das suas fábricas sai, anualmente, 1 milhão de automóveis. Mas o Brasil, o México e a Argentina apresentam-se cada vez mais empobrecidos e endividados.
Contudo, os mecanismos de dependência fizeram deles exportadores líquidos de capitais. Somente da América Latina saem todos os anos, sob a forma de pagamentos do serviço da dívida externa, dezenas de milhares de milhões de dólares para os EUA e a Europa.
Em vez de uma cooperação para o desenvolvimento, para uma ajuda real que permitisse compensar desníveis perigosos, assistimos a um aprofundamento do fosso existente. A bipolaridade, imposta por uma escassa meia dúzia de países, gera uma situação inumana, na qual os mais ricos se alimentam dos mais pobres num processo de antropofagia económica.
A dependência toma-se um colete de forças impeditivo de um crescimento efectivo e equilibrado.
A dívida externa - os próprios credores já o reconhecem - é incobrável. Os devedores procuram obter saldos comerciais positivos, reduzindo o consumo a níveis de subsistência insustentáveis. Apesar disso, a dívida continua a crescer. As do Brasil e do México equivalem já ao triplo do PIB anual português.
Na última década somente em África morreram de fome milhões de pessoas, enquanto dezenas de milhões de toneladas de cereais se acumulavam nos silos americanos e europeus como excedentes, por falta de mercados
Simultaneamente, mundo afora, um rio de palavras transbordava do discurso oficial da cooperação. Os limites da hipocrisia foram ultrapassados quando, na busca de uma salda para o angustiante impasse da dívida externa dos pobres e dos famélicos, apareceu como pseudo-solução

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