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2668 I SÉRIE -NÚMERO 82

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, creio que ele será votado as 19 horas e 30 minutos, quando procedermos às outras votações.

Srs. Deputados, vamos dar início ao período da ordem do dia de hoje, com a discussão conjunta, na generalidade, do projecto de lei n.º 625/V (PS) - Estatuto da Radiotelevisão Portuguesa, E. P., e da proposta de lei n.º 199/V - Transforma a Radiotelevisão Portuguesa, E. P., em sociedade anónima.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Arons de Carvalho.

O Sr. Alberto Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Julgo poder, de alguma forma, surpreender-vos ao dizer que não tenciono aproveitar esta intervenção sobre o Estatuto da RTP para criticar a situação actual na empresa e a forma como a sua informação favorece o Governo.
Confesso-vos que não me faltam nem vontade, nem razão, nem sólidos argumentos!
Estou apenas céptico sobre a utilidade dessa «cruzada». Um debate dessa natureza não seria construtivo nem teria vencedores ou vencidos. Transformar-se-ia rapidamente num longo rosário de queixas sobre a televisão de hoje e de ontem e a culpa dos sucessivos governos dos mais variados partidos.
Encurtando razoes: no julgamento da actuação dos diferentes governos em relação à RTP não há inocentes; a única discussão possível, eventualmente pouco estimulante, reside no grau de culpabilidade de cada um; a história da RTP não consiste apenas no aumento das audiências ou das horas de programação, nos acontecimentos históricos que nos proporcionou ou no esforço e capacidade dos seus profissionais; é também a pequena grande história das manipulações, das prateleiras mais ou menos douradas, das pressões e recados dos governantes.
Importa, antes, aproveitar este debate sobre o estatuto da RTP para uma discussão em torno de um tema nuclear num regime democrático: a independência do serviço público de televisão perante o poder político!
Ninguém ignora que é um tema complexo, cuja solução global não é simples, e que tem tido, em diferentes países, diversas abordagens.
Sei que em Portugal impera o cepticismo: para quase todos a televisão do Estado será sempre, inevitavelmente, a televisão do Governo! Grande parte dos adeptos da abertura da televisão à iniciativa privada dividem-se entre o conformismo e a revolta em relação à televisão pública. Estatização é, necessariamente, governamentalização!
Há que reconhecer que esta convicção encontrou fano terreno para germinar depois do 25 de Abril a RTP já teve 20 conselhos de gerência, ou seja, mais ou menos um número idêntico aos governos, entre provisórios e constitucionais. Uma estudante da Universidade Nova fez, há anos, uma lese com estatísticas e outros dados sobre o assunto. A história é, todavia, conhecida: cada vez que muda o partido do governo, a seguir à nomeação dos senhores ministros e secretários de Estado, escolhe-se, com natural cuidado, o novo conselho de gerência da RTP. O critério da fidelidade partidária, mesclado com algum verniz, é, sem dúvida, o mais importante. Muitas vezes é consultado o próprio núcleo do partido na empresa, que fornece prontamente preciosas indicações sobre substituições a operar em cargos de chefia e, naturalmente, pessoas prontas a assumir novas responsabilidades.
Voltemos ao estudo da Universidade Nova: os conselhos de gerência da RTP acompanham na sua sorte os governos que os colocaram no lugar. É uma tese sem excepção: conhece algum de W. Ex.(tm) um único gestor da RTP que tenha «aquecido o lugar» sendo afecto a um partido da oposição? Todos sabemos a resposta: não há!

Risos do PS.

Todos conhecemos, igualmente, as consequências: os directores e outros responsáveis, sobretudo nas áreas da informação e da programação, são escolhidos a dedo; os critérios de fidelidade política prevalecem; a dependência dos nomeados face a quem os nomeou é evidente; é, infalivelmente, criada uma cadeia hierárquica de controlo político, que começa no Governo e se ramifica até ao interior das redacções!
Os estatutos da empresa favorecem estas situações: o conselho de gerência é integralmente designado pelo Governo, sem necessidade de consulta a qualquer outro órgão; os seus membros podem ser destituídos a todo o momento, sem grandes justificações; os mandatos, mesmo quando integralmente cumpridos, têm uma duração diminuta; não há qualquer separação orgânica entre o conselho de gerência e a área do conteúdo das emissões ou da política de antena; dos órgãos administrativos não fazem parte membros designados em representação do conjunto da sociedade civil; a Alta Autoridade para a Comunicação Social, cuja composição é o que é, tem poucos ou nenhuns poderes; os conselhos de redacção, previstos no Estatuto do Jornalista como expressão institucional do direito constitucionalmente consagrado de participação nos órgãos de comunicação social, não são mencionados sequer na recente Lei da Televisão, desconhecendo-se, assim, as suas atribuições e competências.

Vozes do PS: - Muito bem!

Risos do PSD.

O Orador: - Sei do que falo, Srs. Deputados!

Na Europa comunitária não há exemplo mais acabado de modelo de gestão governamentalizado e limitativo da independência da televisão face ao poder político!
As experiências europeias são diversas: existem os modelos governamentalizados, os parlamentarizados e os chamados modelos de representatividade social.
Julgo ter interesse referir, brevemente, os aspectos essenciais de cada um deles.
O modelo governamentalizado mais famoso é o da BBC. É tão lendária a sua independência e reputação que muitos ignoram a sua estrutura.
A BBC é dirigida por um conselho de 12 governadores, designados, para um mandato de cinco anos, pelo Conselho Privado da Rainha, sob proposta do Ministro do Interior. A governamentalização da BBC tem aqui a sua expressão única. A verdade é que a tradição de respeito pela sua independência e a forma plural como é gerida marcam um estilo bem mais determinante. Ficaram célebres as discussões entre o Governo e a BBC sobre a fria imparcialidade da cobertura da guerra das Falklands!
A tradição de independência é o valor mais forte da BBC, mas não é o único. Há uma larga teorização sobre a liberdade da empresa ou acerca do seu respeito pela diversidade da opinião pública. O célebre Relatório Pilkington, em 1960, definia a missão dos governadores como a de «representar e garantir o interesse público».

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