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2682 I SÉRIE -NÚMERO 82

O Orador: - Se tomou nota, repito que o modelo de sociedade anónima não é incompatível com gestão «desgovernamentalizada». Gostaria que, numa próxima intervenção, o Sr. Secretário de Estado pudesse comentar essa minha referência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero dar a conhecer à Câmara que se encontram, na Galeria do Corpo Diplomático, dois deputados israelitas, a quem aproveitamos para saudar.

Aplausos gerais, de pé.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.

O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A apresentação pelo governo PSD de uma proposta de lei à Assembleia da República que transforma a empresa pública RTP em sociedade anónima, já depois de ter sido agendado pelo Partido Socialista o debate sobre o seu projecto de estatuto para essa empresa pública, permite extrair, com grande clareza, a ilação de que o discurso e a acção do Governo e do PSD nesta Assembleia, em tudo o que aqui se tem debatido, nos últimos anos, acerca de televisão, com as suas mistificações e omissões deliberadas, não tem passado de um enorme «conto do vigário».
Degrau a degrau, e aparentando inocentemente as melhores intenções, o Governo e o PSD vão tentando levar a água ao seu moinho, como se os seus objectivos de manipulação e alienação do serviço público de televisão não fossem de meridiana clareza. Não se trata de extorquir umas notas a um qualquer incauto cidadão, mas trata-se de esbulhar todos os cidadãos de um serviço público de televisão a que têm constitucionalmente direito.
Trata-se de aviltar a programação da RTP, de exercer as maiores prepotências sobre quem nela trabalha e de desmantelar o serviço público de televisão, em nome, exclusivamente, dos interesses do PSD e da subserviência a grupos de interesses que decidiram alargar a sua acção à actividade de televisão, com o objectivo de controlar um dos meios mais poderosos de influencia política e económica e de imposição de valores.
Quando, após a revisão constitucional de 1989, se discutiu, por duas vezes, as condições para a abertura da televisão à iniciativa privada, o Governo sempre se recusou a esclarecer à custa de quem seriam feitos os investimentos necessários para viabilizar os novos/futuros dois canais de televisão.
Aqui alertámos, na altura, para a situação que se adivinhava: as televisões privadas seriam «inevitáveis», somente à custa dos investimentos públicos que as tomassem viáveis e à custa do aproveitamento a seu favor do vasto património instalado pela RTP.
O Governo sobre isto nada disse, mas poucos meses depois fez publicar um plano técnico de frequências que determinava a alienação da rede de transmissão e difusão de sinal da RTP a favor de uma entidade que nem sequer estava criada e cujas características eram ainda desconhecidas.
Tratou-se de uma alienação de bens e recursos próprios de uma empresa pública, sem contrapartidas conhecidas, em proveito exclusivo dos futuros operadores privados, que só dessa forma obtêm o acesso a redes de transporte e difusão de sinal em vias de alargamento e modernização a expensas da RTP.
Esta operação comportava o risco - e o PCP disse-o na altura - de fazer evoluir, para o controlo privado, um bem de importância estratégica e que deve pertencer, inequivocamente, ao domínio público do Estado.
A criação, por decreto-lei, da Teledifusora, S. A., veio dar inteira razão às prevenções que Fizemos. Depois de, perante uma comissão especializada desta Assembleia, um responsável técnico da RTP ter avaliado em 15 milhões de contos a rede de transmissão e difusão de sinal da RTP, ela foi integralmente transferida para a Teledifusora, avaliada em 4 milhões de contos. Isto é, escandalosamente subavaliada.
A prepotência e opacidade com que o Governo e, presumivelmente, o conselho de gerência da RTP procederam a esta operação fizeram com que os trabalhadores da empresa e as respectivas organizações representativas dos trabalhadores (ORT) fossem completamente mantidas à margem do processo, quando a audição tempestiva da comissão de trabalhadores era legalmente obrigatória.
São conhecidas as prepotências a que a RTP e o conselho de gerência sujeitam os trabalhadores: são actos de censura, são despedimentos arbitrários, e, como se não bastasse, todos os trabalhadores de um vasto sector da RTP foram transferidos para a Teledifusora, como se fossem «servos da gleba», ficando em situação indefinida no que respeita a um conjunto de direitos e regalias sociais que possuíam enquanto trabalhadores da RTP.
Em todo este processo e em todos os momentos em que a questão do serviço público de televisão foi abordado nesta Assembleia o Governo e o PSD nunca definiram a sua posição a esse respeito.
Sempre esconderam à Assembleia e ao País as suas intenções relativamente a aspectos essenciais para o serviço público de televisão, como sejam o seu financiamento ou o seu modo de gestão.
A proposta de lei agora apresentada toma as coisas um pouco mais claras: o Governo pretende, afinal, controlar totalmente a RTP enquanto empresa concessionária do serviço público de televisão e com a sua transformação em sociedade anónima visa abrir a porta a soluções privatizadoras dessa empresa através de aumentos de capital, para que o PSD possa futuramente transferir para o grupo «laranja» o controlo do serviço público de radiotelevisão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tudo o que o PSD e o seu governo têm feito em matéria de comunicação social e, particularmente, em tomo da privatização de órgãos de comunicação social do sector público, permite recear, à sombra da presente proposta de lei, as mais sórdidas maquinações.
Quem consente e apadrinha as verdadeiras golpadas que foram cometidas na atribuição de frequências de rádios locais e regionais e na aquisição de jornais prestigiados do sector público por testas de ferro de conhecidos grupos económicos, também é capaz de pré-determinar os resultados do concurso para os futuros canais de televisão, de atribuir vultosos prémios de consolação ao concorrente que for preterido ou de vender a televisão pública a algum cidadão interessado que apareça, de um dia para o outro, com umas disponibilidades financeiras que os seus impressos do IRS nunca permitiriam supor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já tivemos oportunidade de afirmar, perante esta Câmara, que assegurar um serviço público de radiotelevisão é um dever constitucional do Estado, que não pode ser preterido e prejudicado pela apetência do governo PSD de alienar bens, recursos e investimentos públicos em benefício directo e exclusivo de meros interesses económicos privados.

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